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Zumbi reinventado
O monumento ao herói dos Palmares, no centro do Rio, é uma homenagem à
negritude ou um símbolo da dominação européia sobre a África?
Roberto Conduru
9/9/2007

Idealizado por políticos locais e representantes do movimento negro, o monumento a Zumbi dos Palmares
deveria ocupar inicialmente um espaço no Largo da Carioca, no centro do Rio de Janeiro, onde chegou a ter
a pedra fundamental lançada em 1982. No ano seguinte, os organizadores da homenagem decidiram
transferir o projeto para o Parque do Flamengo, mas o monumento acabou finalmente erigido, em 1986,
perto da antiga Praça Onze, um dos berços do samba e local emblemático da cultura afro-descendente no
Rio de Janeiro. Na visão da historiadora Mariza Soares, essa homenagem a Zumbi feita de concreto armado
e metal é o “símbolo maior” de uma “tentativa de monumentalização da negritude” empreendida pela
administração de Leonel Brizola, que governou o estado do Rio de Janeiro entre 1983 e 1987. Junto com o
Sambódromo e a escola Tia Ciata, o monumento forma um complexo que visa, em seu conjunto – segundo
Mariza Soares –, à “comemoração da negritude”.

O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), que era então vice-governador e secretário de Cultura, foi um dos
principais responsáveis pela realização desse complexo urbano-arquitetônico, construído a partir de idéias
bem polêmicas. No Sambódromo, ou Passarela do Samba, Darcy decidiu, em nome da beleza da arquitetura
de Oscar Niemeyer, não decorar o espaço dos desfiles, acabando com uma tradição em vigor desde 1928.
Inventou também uma praça onde aconteceria a “apoteose”, que quis incorporar à evolução das escolas de
samba. Esta idéia não foi bem aceita e não vingou. Se no Sambódromo o antropólogo interveio
drasticamente, mudando práticas culturais de longa data, no monumento a Zumbi transmutou-se em
artista, “apropriando-se” de uma peça antiga para configurar um bem contemporâneo.

Para representar o mártir do Quilombo de Palmares, Darcy Ribeiro não delegou a um pesquisador a missão
impossível de descobrir a verdadeira fisionomia do guerreiro nem instituiu um concurso para seleção da
melhor proposta de sua imagem ideal. Embora a placa comemorativa da inauguração do monumento atribua
sua criação ao arquiteto João Filgueiras Lima, o verdadeiro mentor da obra foi o vice-governador, que
decidiu configurar o herói segundo uma imagem já existente. A iconografia de Zumbi não proveio de
Alagoas, estado no qual estão localizados os remanescentes do Quilombo de Palmares, ou de outra parte do
Brasil. Darcy Ribeiro se apropriou da forma de uma escultura pertencente ao acervo do Museu Britânico,
deslocou-a para outro continente, mandou ampliá-la de 36 centímetros para três metros, fundiu-a em 800
quilos de bronze e a instalou numa das principais vias públicas da cidade do Rio de Janeiro.

Como muitos artistas atuantes na década de 1980, Darcy Ribeiro optou por não criar uma forma, preferindo
aproveitar uma já existente. Ou seja, empreendeu uma operação artística nada estranha à época, e que
também já não era nova. Ao utilizar a forma de uma escultura para configurar outra, aproximou-se de feitos
cruciais da arte moderna – os readymade de Marcel Duchamp e as colagens de Pablo Picasso – e de práticas
entranhadas na tradição artística. Ao mesmo tempo contemporâneo e tradicional, esse gesto de Darcy
Ribeiro é um feito importante, quase revolucionário, no campo da arte e da cultura, pois atribui valor
positivo à produção artística africana, que era e ainda é pouco vista, sendo, portanto, desvalorizada na
sociedade brasileira. De fato, desde 1986, caso alguém queira conhecer a arte africana, pode começar com
uma visita à Praça Onze.

No entanto, essa valorização da arte da África não está isenta de contradições. Para o falecido antropólogo,
o monumento é “belíssimo, porque reproduz, muito ampliada, uma cabeça de bronze do Benim. Não há
quem olhe para ele e não se espante com a beleza negra que expressa”. Ao explicar a sua escolha,
reportou-se ao conceito de belo que dominou a estética ocidental por muito tempo, embora não seja
estranho às culturas africanas. Mariza Soares considera que o vice-governador optou “na África, por sua
melhor arte”. O risco de juízos como esses é reincidir em critérios de valoração das obras de arte que
privilegiam a sofisticação técnica e os modos naturalistas de representar. Parâmetros que desvalorizam

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realizações artísticas africanas não vinculadas às técnicas de fundição e ao sistema de representação


figurativa e semelhante à natureza.

A apropriação é um procedimento artístico complexo, que implica transformações plásticas e, sobretudo,


questões de enunciação. No percurso da África ao Brasil, via Reino Unido, a forma da escultura foi bastante
re-configurada e radicalmente re-significada. Todavia, a forma reutilizada preserva algo de sua significação
original, pois a apropriação artística não consegue dissociar todos os sentidos imiscuídos no processo de
formalização. Ao ser associada a Zumbi, a forma africana o investe de novos atributos.

Como disse uma vez Darcy Ribeiro, a imagem escolhida para figurar Zumbi “retrata com certeza a dignidade
e a beleza da face negra”. Para Mariza Soares, ele “substitui a individualidade do herói pela generalidade
da raça”. Negro, digno e belo, Zumbi não está relacionado ao Quilombo, à escravidão ou a outro aspecto da
vida dos negros no Brasil. É um africano, e não um qualquer. Segundo as indicações disponíveis no sítio
eletrônico do Museu Britânico, que adquiriu a obra em 1939 e a inclui entre os destaques de sua coleção, a
cabeça em bronze é proveniente da região de Ifé, na atual Nigéria. Foi produzida, provavelmente, entre os
séculos XII e XIV d.C., e representa Oni, o rei de Ifé, do povo iorubá.

Essa peça fazia parte do conjunto de obras em terracota e em bronze descobertas por Leo Frobenius em
1910 e levadas da África para a Europa. Como disse o historiador Alberto da Costa e Silva, à exceção de
algumas poucas, “todas as demais esculturas em metal parecem ser retratos idealizados. Concisos, serenos,
puros, admiravelmente equilibrados”. Segundo o mesmo autor, “chegou-se a atribuir as terracotas e os
bronzes de Ifé a um artista romano, a um renascentista italiano ou a um português que teria ido bater, não
se sabe por que azares, naquelas bandas”.

Embora sem pretender tomar a estatuária de Ifé como origem das esculturas da cidade de Benim, é possível
relacionar esta cabeça às insígnias reais da corte do Benim que foram pilhadas na expedição punitiva que os
ingleses empreenderam no Protetorado da Costa do Níger em 1897, e que acabaram integrando os acervos
de diferentes instituições públicas e coleções particulares na Inglaterra (o mesmo Museu Britânico) e no
mundo (inclusive o Brasil).

Segundo Annie E. Coombes, a imprensa inglesa da época apresentou a cidade de Benim como uma sociedade
irracional, cruel e sanguinolenta, formada por um povo degenerado, de práticas selvagens e primitivas,
necessitado de civilização – o que justificava as ações empreendidas para romper o monopólio comercial de
óleo de palma e outras mercadorias, mantido pelo Obá (rei) de Benim, do povo edo (localizado a oeste dos
iorubás).

Os artefatos em marfim, bronze e outros materiais que foram saqueados também tiveram uma recepção
incoerente em periódicos de Antropologia e História da Arte. Ainda segundo Coombes, “a conjuntura
confusa de apreciação e louvor dos artefatos com a recusa firme em creditar qualquer valor cultural e social
aos próprios edos resultou freqüentemente em argumentos complicados e autodestrutivos”. Assim como as
peças de Ifé, que não foram aceitas como inteiramente originárias da África, apesar de existirem indícios,
os especialistas custaram a aceitar publicamente que eram originais africanos as peças de Benim,
excepcionais pelo uso de técnicas de fundição em metal e de recursos de representação naturalista.

Consideraram, inicialmente, que obras de tal qualidade não poderiam ter sido feitas por um povo que
consideravam primitivo, apresentando-as como relíquias de uma civilização superior antecedente, que teria
sofrido influência de europeus por meio da presença portuguesa na região, a partir do século XV, ou de
egípcios. Na passagem da condição de relíquias à de obras de arte, com o reconhecimento de sua
sofisticação e origem em Benim, além de serem estetizadas e usadas como elementos das disputas de poder
nos museus, essas esculturas foram tratadas como provas da decadência dos beninenses no final dos
Oitocentos, reiterando a necessidade da empreitada civilizatória inglesa.

Assim como os frisos do Parthenon, na Grécia, que também foram apropriados de modo polêmico pelos
ingleses e incorporados ao acervo do Museu Britânico, essas esculturas africanas receberam denominações
pejorativas, que restringem seus significados: as peças gregas foram e são nomeadas como “mármores
Elgin”; as obras da cidade do Benim, como “bronzes do Benim”. Reduzidas quase totalmente às suas

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condições materiais (quando não referidas aos seus saqueadores) e dissociadas de suas funções simbólicas
originais, passam a ser signos da civilização inglesa, um “símbolo de orgulho nacional entre os britânicos”.
Em Londres, os frisos do Parthenon, as esculturas do Benim e a cabeça do Oni de Ifé são troféus, relíquias
especiais entre as muitas provenientes das conquistas e da ação “civilizatória” do império britânico.

De acordo com o compositor e escritor Nei Lopes, Oni é tanto o nome de um dos filhos de Odudua, o criador
da Terra, fundador de Ifé e primeiro rei do povo iorubá, como a designação do governante de Ifé, cidade às
margens do Rio Níger, que, segundo a mitologia iorubá, foi a primeira região a surgir com as ações dos
orixás que vieram do Òrun (Céu) para criar e povoar o Ayé (Terra). O monumento transforma Zumbi, que
provavelmente foi descendente dos bantos de Angola, em um iorubá filiado à linhagem real. De guerreiro,
ele chega a ser rei; não por acaso, ostenta uma coroa composta de contas de vidro e uma pluma.

Seria interessante se fosse confirmada outra suposição: a de que essa cabeça representa Olocum, que, para
os iorubás, governa os mares, uma vez que, no Brasil, esse orixá viu seu reino passar às mãos de sua filha,
Iemanjá, enquanto na África ela é uma senhora das águas doces, reinando sobre o Rio Ògún, na região de
Abeokutá. É curioso pensar que, tal como a cabeça está posicionada, com a face direcionada para a Baía de
Guanabara, mirando o Oceano Atlântico, Olocum, ao incorporar Zumbi, teria, de certo modo, reconquistado
os seus domínios marítimos.

A disposição arquitetônica do monumento, elaborada por João Filgueiras Lima, remete ao Egito, com sua
base formatada como um tronco de pirâmide. Conectando Ifé ao Egito, a obra atua em sentido oposto tanto
ao da estrutura de departamentos de alguns museus etnológicos e artísticos quanto ao dos manuais de
História da Arte e ao das personificações cinematográficas de Cleópatra – como as de Theda Bara, Claudette
Colbert e Elizabeth Taylor, por exemplo –, que nos levam a esquecer que o Egito está situado na África e
tem uma história de muitas relações com as demais sociedades do continente. O que adensa a significação
da obra, ainda que não necessariamente de modo inequívoco.

A remissão ao Egito faz lembrar, por outro lado, a visão pejorativa dos europeus, na virada do século XIX,
em relação aos africanos da região da atual Nigéria, que só teriam sido capazes de produzir as esculturas
em bronze devido à influência dos europeus, ou, quando muito, dos egípcios.

Também vale comparar esse monumento a outras tentativas de fixar a imagem de Zumbi. Entre as
representações do herói de Palmares elaboradas anteriormente, destaca-se a de Antonio Parreiras. Um
guerreiro altivo, de pé, que olha ao longe e apóia no chão a arma que segura com firmeza. Se o Zumbi de
Antonio Parreiras encontra-se vivo, apto à luta, em firme prontidão contra os inimigos, o de Darcy Ribeiro
já foi capturado, decapitado e morto. É um adversário aniquilado, que não constitui mais uma ameaça.

Ao resumir o líder de Palmares a uma cabeça e exibi-la em praça pública, estaria ele repetindo o gesto com
o qual os algozes portugueses quiseram demonstrar como era falsa a lenda corrente no final do século XVII
acerca da imortalidade de Zumbi? Neste sentido, o Zumbi da Praça Onze também seria um troféu, ou
melhor, um duplo troféu, ao conectar a preponderância européia sobre os povos africanos em geral à
escravização dos negros no Brasil pelos portugueses em particular.

O antropólogo, com certeza, não pretendeu produzir um símbolo da dominação luso-ocidental. Ao se


concentrar na cabeça de Zumbi, remete à importância dada à cabeça humana, o culto do ori (cabeça), nas
religiões no Brasil derivadas de matrizes africanas. Com a cabeça de múltiplos significados da Praça Onze,
Darcy Ribeiro se engajou no processo de instauração da figura de Zumbi como símbolo da resistência dos
afro-descendentes, em particular, e dos brasileiros, em geral, à opressão antiga e atual.

Roberto Conduru é professor de História e Teoria da Arte na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj). É autor do livro Willys de Castro (Cosac Naify, 2005) e co-autor de A Missão Francesa (Sextante,
2003).

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