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1
Lins, Vera . A estratégia do franco-atirador. Rio: Tempo brasileiro, 1991.
2
Gonzaga Duque. Revoluções brasileiras. Org. Francisco Foot Hardman e Vera Lins. São Paulo: Unesp,
Fapesp, Giordano, 1998.
3
Sitte, Camillo. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. São Paulo: Editora Ática, 1992.
4
Wieser, Christoph. “Die Wahrnehmungsweise der stadt. Ein neuer Bilck auf Camillo Sittes, “Der Städtebau
nach seinen künstlerischen Gründsätzen”. Revista Parnass, 20. Jahrgang, März/April, Heft 1/2000.
Este
episódio
que
Gonzaga
Duque
conta
em
seu
diário
é
parte
das
festas
comemorativas
do
quarto
centenário
do
Descobrimento,
uma
estória
que
faz
exatamente
cem
anos.
Para
as
comemorações
foi
planejado
um
espetáculo
que
alimentasse
esperanças
e
ilusões
otimistas
com
imagens
coloridas
de
progresso
e
harmonia.
O
que
no
entanto
provocava
profundo
mal-‐estar
em
consciências
mais
agudas,
pois
os
sonhos
republicanos
mais
radicais
tinham
sido
traídos
pela
oligarquia
cafeeira.
O
espetáculo
nacionalista-‐ufanista
que
se
promovia
tentava
neutralizar
dissidências,
agitações
sociais,
tudo
que
resistisse
a
uma
modernização
autoritária
e
violenta,
apelando
para
o
modelo
que
vai
vigorar
em
todo
o
século:
colocar
o
povo
na
rua,
mas
sob
controle,
carregando
alegorias
carnavalescas.
Como
programa
das
comemorações
eram
propostas
a
reprodução
histórica
da
Primeira
Missa;
um
panorama
por
Victor
Meirelles
da
região
onde
Cabral
aportou,
paradas,
uma
exposição
nacional,
publicações,
uma
ópera
nacional
comemorativa,
construção
de
monumentos,
espetáculos
gratuitos
e
fogos
de
artifício.
Eficientes,
os
membros
da
Associação
organizadora
realizaram
quase
tudo
que
haviam
programado
e
publicaram
o
livro
do
Centenário
que
relata
o
empreendimento
e
faz
um
balanço
da
cultura
nacional
em
1900
com
Coelho
Neto
tratando
das
Belas-‐Artes;
José
Veríssimo,
da
Instrução
e
Imprensa;
Sílvio
Romero,
da
Literatura.
Olavo
Bilac
compõe
uma
Cantata
Brasil
com
todos
os
clichês
dos
hinos
patrióticos,
exaltando
a
beleza
da
terra
e
o
céu
de
anil.
Ainda
na
atmosfera
heróica
das
comemorações,
o
Conde
Afonso
Celso
publica
Porque
me
ufano
do
meu
país,
em
1901.
O
4º
Centenário
ajudava
a
promover
mercadorias.
Pelas
primeiras
páginas
do
Jornal
do
Commércio,
da
primeira
semana
de
maio
de
1900,
pode-‐se
acompanhar
tanto
o
discurso
que
dava
o
tom
das
comemorações,
como
as
reviravoltas
que
promoveram
na
cidade
com
obras
e
tropas
nas
ruas,
com
desfiles
e
inaugurações,
tentando
criar
um
clima
de
diversão,
euforia
e
deslumbramento.
No
dia
3,
o
jornal
vende
umas
edição
especial
dedicada
ao
4ºCentenário,
que
se
torna
artigo
de
luxo.
No
dia
6,
noticia
o
Cortejo
Cívico
que
passou
pelo
monumento
a
Cabral
com
carros
dos
clubes
Fenianos,
dos
Tenentes
do
Diabo
e
da
Escola
Politecnica
que
levava
uma
pequena
locomotiva
Baldwin.
Parte
importante
dos
festejos
foi
a
inauguração
do
monumento
a
Cabral,
único
vestígio
hoje
de
tudo
o
que
foi
construído
para
o
4º
Centenário.
Um
dia
depois
do
acontecimento,
Gonzaga
Duque
anota
a
cena
no
diário
em
traços
rápidos
e
sintéticos.
Sensível
ao
espaço
político
da
rua,
conta
como
se
mistura
à
multidão
que
se
encaminha
para
a
Praça
da
Glória
.
7
de
maio
–
Bem
castigado
eu
fui!
Saí,
fizemos
um
grande
passeio
a
pé
porque
os
bondes
deixavam-‐nos
na
Praça
José
de
Alencar
e
nós
tínhamos
de
alcançar
a
praça
da
Glória
sem
outra
condução
que
não
fosse
as
nossas
pernas.
Enfio
o
meu
braço
no
de
Júlia
e
seguimos.
Duas
fileiras
de
povo
descem
rua
abaixo,
pelos
passeios.
No
centro
das
ruas
estão
estendidos
os
batalhões,
desde
a
praça
Duque
de
Caxias
até
a
Glória.
O
monumento,
esculpido
por
Rodolfo
Bernardelli,
em
Paris,
fora
trazido
em
partes,
de
navio.
Além
da
figura
de
Cabral
de
três
metros
e
meio,
estão
sobre
um
rochedo
Frei
Henrique
e
Pero
Vaz
de
Caminha.
A
bandeira
que
Cabral
finca
ao
solo
pesa
600
quilos.
Sob
o
sol
tropical
e
cercado
de
gente
Gonzaga
Duque
olha
o
que
acontece.
As
autoridades,
Presidente
da
República,
Embaixador
português
e
o
Barão
de
Ramiz,
da
Associação
organizadora
das
comemorações,
estão
ali
para
inaugurar
o
monumento
e
a
coisa
enguiça,
puxam
as
cordas
que
prendem
o
pano
que
cobre
o
monumento,
mas
estas
não
funcionam.
Nas
palavras
do
escritor:
Chegamos
no
momento
em
que
os
cordões
do
véu
que
cobre
o
monumento
são
entregues
ao
Presidente
da
República
e
ao
Embaixador
Português.
O
Barão
de
Ramiz,
vice-‐presidente
da
Associação
dos
festejos
aproximava-‐se
da
base
do
monumento
e
levantando
o
braço
entoa
a
frase
convencionada:
Viva
a
Pátria
Brasileira!
As
duas
autoridades
puxam
os
cordões
e
...
nada!
Sacodem-‐
nos
com
mais
força
...
Nada!
Há
um
burburinho
na
multidão.
As
duas
autoridades
cruzam
os
olhos
desconfiadamente
e
esperam
que
o
barão
arranje
as
coisas
de
modo
a
não
fazerem
figuras
de
...
estica
cordas!
Mas
o
barão
por
sua
vez
não
sabe
como
se
arranjar,
o
Dr.
Frontin
anda
a
cochichar
por
aqui
e
por
ali,
também
atrapalhado.
Até
que
enfim
surgem
dois
populares,
um
branco
e
um
preto,
que
caminham
pelo
pedestal.
Mas
o
negro
é
mais
ágil,
grimpa-‐se
com
facilidade,
alcança
o
ombro
de
frei
Henrique.
E
aí
pára,
ou
por
falta
de
fôlego
ou
por
temor
de
ir
acima.
A
multidão
bate
palmas,
excitando-‐o
com
humor
e
ele
já
vai
pelo
Pedr’Álvares.
Agarra-‐se
à
bandeira
do
descobridor,
aproxima-‐
se
do
ápice
da
bandeira,
mete
mão
ao
laço
corrediço
que
acabava
de
pregar
tão
grande
peça
às
autoridades,
puxa-‐o,
repuxa-‐o,
dá-‐lhe
safanões
e
...
Bravô!
Hurrah!
gritam
todos
numa
trovoada
e
aplausos
–
o
véu
desaba,
ao
som
dos
hinos,
estalar
de
foguetes,
guinchos
de
lanchas,
repiques
de
sinos
e
salvas
de
artilharia.
Uma
inferneira!
Gonzaga
Duque
ironiza
a
cena
com
um
olhar
pessoal
e
crítico,
mostra
as
autoridades
incompetentes
e
desamparadas
na
sua
burrice
autoritária
e
contrapõe
a
elas
os
ágeis
marginalizados
que,
rápida
e
espontaneamente,
resolvem
a
questão.
Ao
contar
que
um
negro
escala
o
monumento,
cria
uma
cena
em
que
se
coloca
no
topo
o
que
a
ordem
republicana
recalcava:
o
trabalho
escravo
que
atrapalhava
o
ideário
liberal
e
a
população
pobre
que
precisava
ficar
de
fora
para
a
cidade
se
assemelhar
a
Paris.
Consultando
os
livros
do
Centenário,
tem-‐se
a
versão
oficial
que
fala
do
incidente
numa
linguagem
pretensiosa,
neutralizadora
de
sua
força.
Tocam-‐
se
os
limites
do
melodrama.
Foi
nesta
aflitiva
conjuntura
que
da
multidão
surgiu
um
homem.
Com
espanto
de
todos
ele
subiu
ao
plano
em
que
os
representantes
dos
povos
português
e
brasileiro
se
colocaram.
A
atitude
do
homem
era
resoluta.
Ofereceu-‐se
para
subir,
e,
logo
que
sua
proposta
foi
aceita,
começou
a
galgar
monumento.
Já
sobre
o
rochedo
de
bronze,
que
representa
a
terra
brasileira,
teve
um
gesto
de
desânimo.
O
povo
aclamou-‐o,
e
o
ignorado,
o
alvejado
por
olhares
da
multidão
sentiu
na
salva
formidável
de
palmas
que
o
vitoriava
o
maior
estímulo.
Lépido
e
admirável,
afrontando
a
morte,
venceu
toda
a
extensão
do
corpo
da
estátua,
sustentando-‐se
nos
músculos
possantes,
subiu
pela
haste
da
bandeira
que
Cabral
desfralda
e,
a
um
movimento
violento,
a
cortina
caiu.
Nesse
momento,
a
multidão
em
delirante
entusiasmo
soltou
dois
brados
de
ovação,
um
ao
monumento,
e
outro
ao
herói
que
descobriu
Cabral...
Nesta
versão
omitem
que
era
negro
o
que
escalou
o
monumento,
o
outro,
transformam-‐no
num
ex-‐soldado.
Ambos
são
recompensados
pelo
que
é
considerado
como
uma
boa
ação,
que
assim
perde
em
espontaneidade
o
que
ganha
em
obediência.
Chama-‐se
o
homem,
a
quem
se
deveu
a
feliz
e
pronta
solução
deste
incidente,
Martim
Francisco
de
Paula;
foi
praça
do
7º
batalhão
de
infantaria
e
é
natural
do
Ceará.
A
Associação
do
Centenário
gratificou-‐o
logo
com
100$,
dando
20$
a
outro
homem
do
povo
que
o
auxiliara.
Mas
o
diário
do
escritor
carioca
pode
contar
uma
outra
história,
em
que
se
constrói
a
alegoria
inversa
à
locomotiva
em
cima
do
carro
no
Cortejo
Cívico,
o
negro
no
topo
do
monumento
a
Cabral.
Na
sua
concepção
a
modernidade
inclui,
acolhe
o
espontâneo,
o
outro,
com
suas
questões
e
desafios.
E,
ainda,
por
algum
tempo,
na
memória
da
cidade
ficou
a
estória
de
Álvaro
1500,
que,
ele
mesmo,
contínuo
do
Senado,
contava,
e
se
espalhava
nas
rodas
de
intelectuais
do
centro.5
5
Segundo relato do Dr. Francisco Assis Barbosa, o rapaz negro ficou conhecido como Álvaro 1500 e, em
1945, trabalhando como contínuo no Senado, durante a 3ª Assembléia Constituinte, contava sua história aos
intelectuais que se reuniam no centro da cidade.