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Instituto Teológico Gustavo Nordlund

HERMENÊUTICA BÍBLICA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO (LIVRE)


LATU SENSU EM TEOLOGIA E BÍBLIA

MAUREL GIACUMUZZI

ESTEIO - 2017
Instituto Teológico Gustavo Nordlund
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 3

2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS 5

3. UMA QUESTÃO DE GÊNERO 10

4. AS FIGURAS DE LINGUAGEM 20

5. A HERMENÊUTICA DO NOVO TESTAMENTO 30

6. A HERMENÊUTICA DOS PAIS DA IGREJA 38

7. A HERMENÊUTICA REFORMADA 52

8. A HERMENÊUTICA MODERNA 58

9. A HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA 62

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS 71

11. BIBLIOGRAFIA 74

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1 INTRODUÇÃO

Vivemos em uma época peculiar, nunca, em toda nossa história, tivemos


acesso a tanta informação quanto hoje. Milhares de livros, revistas, publicações,
sites, teses, palestras, áudios e vídeos podem ser encontrados a poucos ‘cliques’.
Qualquer pessoa pode tornar-se, rapidamente, em um expert nos mais diversos
assuntos; com o estudo da bíblia não é diferente, milhões de páginas da internet
dedicam-se a comentar, analisar, expôr, criticar, dissecar o texto bíblico. Que
momento prodigioso nós vivemos em relação ao compartir do conhecimento.
Contudo esta democratização do saber bíblico, afinal a bíblia é o objeto do
presente estudo, não tem se transformado em uma restauração da verdadeira
“ecclesia”. Na verdade, muito pelo contrário, vivemos em uma época de
fragmentação denominacional e, muitas das vezes, divisões pseudodoutrinárias
ocorridas por interpretações divergentes da palavra de Deus. Teria a bíblia diversas
interpretações? Ou mais, cada um pode interpretar o texto bíblico a seu modo?
Existe um método correto de interpretação bíblica? Embora estas questões pareçam
estapafúrdias, não são poucos os que ignoram as regras básicas de interpretação de
um texto escrito, não estamos nem mesmo levando em conta a particularidade do
texto sagrado, que mistura as habilidades linguísticas humanas com a inspiração
divina e,sim, a simples habilidade de lêr e compreender um texto escrito.
A hermenêutica, definida por Osborn (2009) como: a ciência que define os
princípios ou métodos para a interpretação do significado dado por um autor
específico”; pode ser um um divisor de águas em nosso relacionamento com as
escrituras, pois a maioria dos cristãos, embora se preocupe em compreender as
escrituras, não dedica-se com o mesmo afinco em compreender os princípios
básicos para uma boa exegese de um texto bíblico. A hermenêutica, palavra oriunda

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do grego, que pode ser traduzida como interpretar, é ferramenta indispensável para
todo o leitor da bíblia, que deseja, assim como o salmista (Sl 119), conhecer
profundamente a palavra de Deus.
No presente estudo, adotaremos uma abordagem diacrônica da hermenêutica,
começando pelo próprio Jesus e apostólos, finalizando com as tendências e
perspectivas modernas da interpretação bíblica. Lembrando aos nossos nobres
alunos que a Linguística, fundamental para exegese de um texto, é uma ciência
ainda muito incipiente, com um pouco mais de cem anos; Ferdinand Saussure
considerado o pai da Linguística teve seu trabalho publicado em 1916, dando
origem aos estudos da linguagem e seus fenômenos. A hermenêutica moderna,
também recebeu uma importante contribuição da psicologia, outra jovem ciência,
iniciado com o alemão Wilhelm Wundt em 1879.
Então, iniciemos a nossa jornada, porém não sem antes citarmos o versículo
preferido de todos os intérpretes da bíblia: “Toda a Escritura é divinamente
inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir
em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para
toda a boa obra.” 2 Timóteo 3:16,17

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2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Não podemos iniciar nossos estudos sem antes revermos alguns


conceitos fundamentais que serão os norteadores do presente curso.
Comecemos pela bíblia, afinal o que é a bíblia para nós? Como ela será
o nosso objeto de estudo, termos uma perfeita compreensão das escrituras é
premissa básica para a interpretarmos corretamente.
A bíblia é antes de mais nada um livro, escrito originalmente em
hebraico, grego e algumas partes em aramaico, línguas que devido a lacuna
temporal, que nos separa dos autores originais, podem ser consideradas línguas
“mortas”, como o latim. Contudo bíblia apresenta uma particularidade única em
relação a quaisquer outros livros, é um livro divinamente inspirado, ou seja, as suas
palavras, embora registradas na linguagem de seus escritores, trazem no seu texto a
exata dimensão da revelação escrita de Deus.
Portanto, a nossa primeira premissa básica é a inspiração plenária e
verbal das escrituras. Plenária porque toda a escritura é divinamente inspiradas e
verbal porque todas as suas palavras são igualmente inspiradas, sem exceção. Sobre
a inspiração das escrituras Anglada (2016) escreve:

A doutrina da inspiração é a pressuposição bibliológica fundamental da


hermenêutica reformada. Ela declara que a bíblia, embora escrita por
autores humanos, é obra do Espírito Santo, o qual os moveu e
superintendeu de tal modo, que tudo que eles registraram no cânon
constitui-se, não meramente palavras humanas, mas palavra de Deus.
Rejeitar a natureza divina da Escritura implica em equipará-la a outros
livros, em abdicar da sua autoridade e inerrância e em rejeitá-la como
regra infalível de fé e prática.
( ANGLADA, 2016 – p.136)

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Evidentemente, que reconhecimento se dá aos autógrafos originais, ou
seja, os escritos originais. Traduções, embora muito fidedignas, podem não exprimir
com extrema exatidão o significado original, por este motivo é recomendável que o
intérprete da bíblia tenha conhecimento das línguas originais da bíblia, ou no
mínimo recorra a várias versões para interpretar uma passagem corretamente.
Porém, não podemos esquecer de outra importante característica da
palavra de Deus, a perspicuidade, que podemos definir assim:_A bíblia é
suficientemente clara para que qualquer pessoa seja capaz de encontrar a salvação e
a regra de fé nas suas páginas. Embora existam passagens obscuras e de difícil
interpretação no livro sagrado, essas passagens em nada obscurecem a sua
mensagem principal, que pode ser perfeitamente entendida por qualquer pessoa que
deseje conhecer a revelação de Deus.
Entretanto, por sabermos que a bíblia é um livro escrito línguas muito
antigas, se faz necessário pontuarmos alguma questões para entendermos as
dificuldades que vamos encontrar como exegetas do texto bíblico. Para que
possamos dimensionar o quanto uma língua varia no decorrer do tempo, veja abaixo
um exemplo dos primeiros textos escritos em nossa língua, a Cantiga da Ribeirinha1:

No mundo non me sei parelha,


mentre me for' como me vai,

ca ja moiro por vós - e ai!


mia senhor branca e vermelha,

Queredes que vos retraia


quando vos eu vi em saia!

Mao dia me levantei,

1
Disponível em: http://linguaportuguesapb.blogspot.com.br/2011/03/cantiga-da-ribeirinha.html

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que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquel di', ai!

me foi a mi muin mal,


e vós, filha de don Paai

Moniz, e ben vos semelha


d'haver eu por vós guarvaia,

pois eu, mia senhor, d'alfaia


Nunca de vós ouve nem ei

valía d'ũa correa.

Veja agora essa mesma cantiga em Português atual:

No mundo ninguém se assemelha a mim (parelha: semelhante)


enquanto a vida continuar como vai,
porque morro por vós, e ai
minha senhora de pele alva e faces rosadas,
quereis que vos descreva (retrate)
quando vos eu vi sem manto (saia: roupa íntima)
Maldito dia! me levantei
que não vos vi feia (ou seja, a viu mais bela)

E, mia senhora, desde aquele dia, ai!


tudo me foi muito mal
e vós, filha de don Pai
Moniz, e bem vos parece
de ter eu por vós guarvaia (guarvaia: roupa luxuosa)
pois eu, minha senhora, como mimo (ou prova de amor)
de vós nunca recebi
algo, mesmo que sem valor. (correa: coisa sem valor)

Observação: a guarvaia era um manto luxuoso, de cor vermelha, usado


pela nobreza.

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O texto cantiga da ribeirinha foi escrito por volta do ano 1198, e
podemos notar o quanto a nossa língua evoluiu desde então. Portanto, qualquer
pessoa, mesmo não sendo um profissional da área da línguística, pode verificar que
uma interpretação que deseje aproximar-se o mais possível do significado original
dos seus autores enfrentará a barreira temporal que nos afasta dos autores da bíblia.
Em contrapartida, porém, nenhum texto antigo foi ou é tão estudado quanto a bíblia,
o que de certa forma ameniza a lacuna do tempo.

Outra fato importante é que há um aspecto espiritual na interpretação


da bíblia, como escreve o apóstolo Paulo: _ “Ora, o homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” I Coríntios 2.14. A
interpretação da mensagem divina não depende somente da competência linguística
do seu leitor, existe um componente espiritual indissociável àquele que deseja
compreender os meandros dos textos bíblicos. O Espírito Santo exerce um papel
preponderante na interpretação das escrituras conforme a própria bíblia, leiamos a
citação abaixo:

A bíblia parece atribuir ao Espírito Santo um papel bem mais amplo na


interpretação das escrituras [...] Em 1 Coríntios 2:10-16, o apóstolo Paulo
argumenta que, visto que o Espírito Santo conhece e percrusta como
ninguém a mente de Deus, e o homem espiritual (pneumatikós) tem o
Espírito como mestre divino habitando em seu coração, ele é ensinado pelo
Espírito a conferir (sugkrinw) coisas espirituais com espirituais e a
discerni-las (anakrinw) espiritualmente – o que não ocorre com o homem
natural (ynxikoj)
(ANGLADA, 2016. p.132)

Podemos ver pela passagem bíblica, que somente o homem espiritual


consegue discernir (diakrino) as coisas espirituais, portanto não basta a mera
interpretação textual das escrituras é necessário a iluminação do Espírito Santo para
a perfeita compreensão do texto sagrado.

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Antes de avançarmos para o próximo capítulo, é importante
ressaltarmos ainda mais dois conceitos fundamentais para o presente estudo: a. A
bíblia interpreta a própria bíblia; b. Todo o texto bíblico contém apenas um
significado, embora possa ter diversas aplicações.

Ao princípio da auto-interpretação da bíblia chamamos da Analogia da


Fé, que tem como ponto de partida a seguinte assertiva: _ a bíblia não se contradiz.
Segundo Anglada (2016), “ se a Escritura é a única fonte inerrante, infalível e
autoritativa de revelação; e se ela é intrínseca e substancialmente clara; então,
parece razoável inferir que ela é, de fato, a sua melhor intérprete.”

Observando o princípio da Analogia da Fé, devemos sempre observar


as passagens mais claras a fim de interpretar as mais obscuras. A mera observação
deste princípio evitaria alguns erros grosseiros cometidos por muitas seitas
heréticas, um belo exemplo é o batismo pelos mortos dos mornismo, fundamentada
na primeira epístola aos Coríntios (I Cor 10:1). Embora o versículo em questão seja
de difícil interpretação, em nenhum outro lugar das escrituras encontramos qualquer
apoio a esse doutrina estapafúrdia, bem como, nenhum exemplo de batismo pelos
mortos nas páginas da bíblia.

Bem mais complexo é o princípio do significado único ou primário dos


textos bíblicos, os teólogos liberais chegam a afirmar que é impossível retomarmos
o significado original de qualquer texto, já que o texto quando saí da esfera do
autor, torna-se independente, possuindo vida própria. Leiamos o que OSBORN
(2009) escreve sobre este tópico:

O objetivo da hermenêutica evangélica é bem simples: descobrir a intenção do


Autor /autor (autor = agente humano inspirado; Autor = Deus, que inspira o texto).
Críticos modernos negam cada vez mais a verdadeira possibilidade de descobrir o
significado original ou pretendido pelo texto. O problema é que os autores originais
tinham em mente um significado definido quando esccreveram, significado que se
perdeu para nós, pois os autores não estão mais aqui para esclarecer e explicar o
que escreveram. (OSBORN, 2009- p.29)

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Embora na visão de Osborn, seja impossível compreender o sentido
original, ainda acho que o melhor caminho é procurarmos o sentido gramático-
histórico do texto.

Importante frisarmos que muito cedo na história da interpretação, como


veremos posteriormente, foram dados vários significados aos textos bíblicos, a
escola alexandrina, dava muito mais valor ao suposto significado alegórico de uma
passagem bíblica do que à intenção do autor ao escrevê-la. Porém, admitirmos mais
do que um significado para um texto bíblico qualquer, desacoplado do seu sentido
original, torna impossível definirmos qual a verdadeira interpretação de uma
passagem escrita, visto que se fugirmos do significado gramático-histórico, ficamos
a mercê de interpretações subjetivas e meramente especulativas. Portanto, cabe ao
intérprete das escrituras buscar todos os subsídios necessários para entender
exatamente o que o autor original tinha em mente quando escreveu a passagem em
análise, para isso é muito importante fazermos as seguintes perguntas: _Quem
escreveu? Quando foi escrita? Por que foi escrita? A quem era dirigida? Qual o
princípio ensinado pela passagem bíblica? Era um ensinamento para aquela
coletividade ou pessoa específica ou podia ser aplicada de modo geral? Estas são
perguntas que nos ajudam a interpretar os inúmeros gêneros textuais da bíblia.

Outra dificuldade na interpretação bíblica é que nenhum intérprete é


uma tábula rasa. Todos nós carregamos uma visão de mundo e de cristianismo
herdada pelo meio social no qual estamos inseridos. É fato inegável, que o contexto
cultural, o mundo do leitor exerce uma influência considerável na interpretação de
qualquer texto, e com a bíblia não é diferente. Embora o ideal para uma exegese
perfeita seja a total isenção do intérprete, é quase impossível que ele interprete um
texto sem fazer uma certa eisege no texto bíblico, inserindo a sua visão teológica na
passagem em apreço.

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3 UMA QUESTÃO DE GÊNERO

Antes de entrarmos em nossa “história” da hermenêutica bíblica, faz-se


necessário uma breve reflexão sobre os gêneros literários da Bíblia, afinal
encontramos nas páginas do Livro Sagrado diversos gêneros textuais, cada um deles
com suas particularidades. Podemos dividir a Bíblia em cinco gêneros textuais:
Narrativa, Profecia, Poesia e Sabedoria, Epístolas e apocalíptico; cada um deles com
as suas devidas características e particularidades.
Segundo Osborn (2009) “é óbvio que não interpretamos ficção como
interpretamos poesia” e, ainda há, justaposições dos diversos gêneros nos textos
bíblicos, contudo é de fundamental inportância para recuperarmos o sentido original
de uma passagem, conhecermos o gênero em que ela foi escrita. Leiamos o que
OSBORN (2009) nos diz acerca dessa necessidade:

A questão do gênero é um importante elemento no debate sobre a


possibilidade de recuperar o significado pretendido pelo autor (Hirsch
chama isso de “gênero intrínseco”). Todos os escritores expressam sua
mensagem dentro de um determinado gênero, para que os leitores tenham
regras suficientes pelas quais possam decodificá-la. Essas indicações
orientam o leitor (ou ouvinte) e fornecem pistas para a interpretação.
Quando Marcos registrou a parábola do semeador contada por Jesus (Mc
4.1-20), ele inseriu num contexto e num meio que facilitariam uma
comunicação adequada com seus leitores. Podemos recuperar aquele
significado se entendermos o funcionamento das parábolas (cf. Capítulo
12) e dos símbolos dentro do contexto de Marcos.
(OSBORN, 2009.p32)

Segundo Gibbs (2006) na bíblia , “o gênero mais comum é a narrativa


histórica que é empregada em quase 60% da Bíblia. Este gênero inclui a maior
parte dos dezessete primeiros livros do AT (com excessão de Levítico e
Deuteronômio) e os quatro primeiros livros do NT. Na narrativa histórica, ou seja,
o relato de acontecimentos reais, já que o gênero narrativa pode ser ficcional, a
interpretação quase sempre é a mais literal possível.

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Embora a critica e a teologia moderna queira mitologizar muitas
passagens bíblicas, especialmente os relatos sobrenaturais, como por exemplo os
milagres de Jesus, não há um único argumento plausível, fora a incredulidade do
intérprete, para não acreditarmos que todo o acontecimento que a bíblia relata,
realmente, aconteceu.
A primeira regra para interpretarmos uma narrativa com exatidão é
crermos que tudo o que foi relatado aconteceu. Temos que tratar um relato bíblico
como um fato. Afinal o próprio Jesus, assim como os apóstolos os reconheciam
como tal, exemplos nas páginas do NT são inúmeros (Mt 12.40; Lc 17.26; Hb
11.17; I Pe 3.20)
Uma narrativa contém vários elementos: um narrador, personagens,
enredo, espaço e tempo. Ao analisarmos uma narrativa é importante reconhecermos
estes elementos da história.
No texto sagrado as narrativas não são meramente para o nosso
entretenimento, não podemos olhar para a Bíblia como um relato apenas literário. A
própria preservação dos manuscritos da Escritura é por si só um verdadeiro milagre.
Como disse o profeta Isaías (Is 55.11) a palavra de Deus não volta vazia, ela tem
um propósito, uma aplicação prática em nossas vidas. Assim é importante, ao
meditarmos nas escrituras, que identifiquemos qual o tema abordado pelo escritor
bíblico, qual o contexto histórico da narrativa, para que possamos compreender a
aplicação, seja ela positiva ou negativa, para o nosso exercício da piedade.
Entretanto, temos que ter cuidado em não enxergar em cada detalhe um
ensinamento, pois “uma narrativa contém apenas uma verdade central, embora
possa ensinar muitas verdades de modo incidental”, segundo Gibbs.
As narrativas bíblicas tem um grande poder de nos persuadir acerca dos
mais diversos aspectos da nossa comunhão com Deus, contudo não podemos basear
uma doutrina a partir de apenas um relato histórico. Uma vez ouvi uma pregação

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em que o pastor ensinava o grande “mistério” que envolvia a oração ás cinco horas
da manhã, pois segundo ele esse era o horário que Jesus orava todos os dias. Em seu
sermão, depois de muita ginástica eisegética, pensava ele, ter demonstrado aos seus
ouvintes que orar ás cinco horas é ter a resposta garantida. Embora em Pv 8.17,
encontremos o sábio conselho de buscarmos Deus na madrugada, nenhuma alusão
há na bíblia que cinco horas é um horário “especial” para orarmos a Deus. A bíblia
ao nos relatar os momentos de oração de Jesus, ensina-nos a importância de termos
estes momentos de comunhão com o Pai, mas não especifica em lugar nenhum que
exista um horário especial para isso. Embora a pregação fosse eloquente, não havia
nela nehum fundamento bíblico.
As histórias da bíblia servem para nos ensinar e edificar as nossas
vidas, ao acompanharmos a história dos grandes homens e mulheres da bíblia,
somos exortados a seguir os seus bons exemplos e evitar os seus erros.
O segundo gênero mais comum na bíblia é a profecia. Segundo J.
Barton Payne, na Enciclopédia de Profecias Bíblicas, cerca de 8.352 versículos da
bíblia são proféticos, o que perfaz em torno de 27% do texto bíblico. Embora
quando falemos em profecia o que nos venha a mente é predições de acontecimentos
futuros, a mensagem profética não limita-se a predições futuras, o profeta é um
mensageiro de Deus. Sobre esta particularidade das profecias, Osborn escreve:

O equívoco básico em relação à literatura profética do at é dizer que ela


tem relação principalmente com o futuro. E comum pensar que “predição”
pode ser definida como profecia. Nada poderia distanciar-se tanto da
verdade. Cari Peisker observa que nem a palavra hebraica nem a grega diz
respeito a uma orientação futura (1978:74-84). Nãbi possui tanto um lado
ativo quanto passivo: passivamente, o profeta, cheio do Espírito, recebe a
mensagem de Deus; ativamente, o profeta interpreta ou proclama a
mensagem de Deus a outros. Pode haver predominância do lado passivo,
mas ambos estão presentes: um profeta é inspirado por Javé para pregar a
sua mensagem ao povo.
(OSBORN, 2009.p338)

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No nível contextual, os mesmos critérios que se aplicam a narrativa,
aplicam-se na interpretação das profecias, contudo o texto profético é um dos mais
difícieis de interpretar. O profeta muitas vezes utiliza uma linguagem simbólica e
figurada que exige do seu intérprete um cuidado rigoroso na sua interpretação.
Adiante veremos algumas figuras de linguagem que nos auxiliarão no entendimento
dos textos proféticos.
Outro aspecto interessante das profecias é que algumas possuem um
duplo cumprimento. Segundo Gibbs (2006): “As profecias deste tipo são
caracterizadas por um cumprimento histórico perto dos tempos do profeta e
também um cumprimento futuro na era do NT.” Porém não se trata de um texto de
duplo sentido e sim de cumprimento parcial, quando um acontecimento é a tipologia
de outro ainda mais relevante. Um exemplo, dado por Gibbs (2006), é a promessa
de um herdeiro para um reinado eterno, historicamente seu herdeiro foi Salomão,
contudo o cumprimento final da profecia se deu com o Rei Jesus.
Uma mensagem profética também pode ter seu cumprimento em etapas
de forma progressiva. A respeito disso, o Dr. Virkler diz:

Um exemplo disso é a profecia em Gn 3.15, que fala em termos bem gerais


que será pisada a cabeça de Satanás. As etapas progressivas no
cumprimento dessa profecia iniciam-se com a morte de Cristo, sua
ressurreição e ascensão (Jo 12.31-32; Ap 12.5,10), continuam na história
da Igreja (Rm 16.20), e terminam quando Satanás é preso no abismo (Ap
20.3) e no lago de fogo (Ap 20.10).
(VIRKLER apud GIBBS, 1981. p.200)

O terceiro gênero textual que queremos abordar é a poesia e a


sabedoria. Juntamos os dois gêneros pelo fato de utilizarem-se de uma linguagem
muito mais conotativa do que literal e primarem por uma linguagem mais poética.
Os textos poéticos previlegiam a forma e são ricos em metáforas, símiles,
comparações, metonímias, enfim figuras da linguagens em geral.

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Quando falamos em poesia, o primeiro livro que nos vem na mente é o
de Salmos, contudo há muito mais textos poéticos na bíblia do que se imagina.
Conforme Osborn (2009):

Há muitos cânticos em livros narrativos (Gn 49; Êx. 15.1-18; Dt 32; 33; Jz
5; ISm 2.1-10; 2Sm 1.19-27; 1 Rs 12.16; 2Rs 19.21 -34), e a poesia
compõe livros proféticos inteiros (Oseias, Joel, Amós, Obadias, Miqueias,
Naum, Habacuque, Sofonias), bem como extensas partes de outros (Isaías,
Jeremias, Jonas, Zacarias). Há muito mais poesia no AT como um todo do
que nos livros mais amplamente conhecidos como poéticos, no caso,
Salmos, Provérbios, Lamentações, Cântico dos Cânticos ou Jó. A poesia é,
portanto, um mecanismo que perpassa outros gêneros, distinguindo-se
como uma técnica retórica importante tanto na literatura sapiencial como
na literatura profética.
(OSBORN, 2009.p 284)

A poesia realmente ocupa um lugar importante no texto bíblico, e não


só no AT, pois no NT também temos algumas passagens poéticas. A interpretação
da poesia exige do seu intérprete um esforço adicional, pois a linguagem utilizada é
figurada e prima pela beleza em detrimento da objetividade. Logicamente, a
linguagem poética dá a Bíblia uma beleza ímpar e uma literariedade admirável.
No estudo da hermenêutica é importante conhecermos as principais
figuras de linguagem utilizadas na Bíblia. Identificarmos as figuras é uma
ferramenta indispensável para interpretação e compreensão dos textos poéticos.
Abordaremos no próximo capítulo apenas as principais figuras de linguagem, visto
que Bullinger, listou mais de 1000 figuras no texto bíblico.
Além da poesia típica, como em Cantares e o livro de Salmos, também
temos os textos de Sabedoria, como Provérbios e Eclesiastes, que consistem em uma
coletânea de ditos e conselhos para as todas as lidas da esfera humana. Assim,
Osborn define a literatura sapiencial:

Um dos gêneros bíblicos menos conhecidos é o da literatura sapiencial. Os


livros do AT classificados sob essa perspectiva são Jó, Provérbios e

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Eclesiastes. Além desses, eu acrescentaria os livros apócrifos: Eclesiástico
e Sabedoria de Salomão. Poucas pessoas sabem de fato como lidar com
tais obras. Poucos sermões são apresentados com base nesse corpo da
literatura, e mesmo quando isso ocorre, a exposição é feita de forma
inadequada, com a finalidade de defender um estilo de vida quase secular.
A razão disso está em seu assunto. Os pregadores têm, com frequência,
definido a sabedoria como “o uso prático do conhecimento que Deus
concede”. Embora Georg Fohrer a defina como “uma ação prudente,
considerada, experimentada e competente para subjugar o mundo e
dominar os vários problemas da vida e a vida em si” (1971:476). Seu
objetivo é usar a criação de Deus de forma correta e desfrutar a vida no
presente sob seus cuidados. Uma vez que os textos sapienciais tratam de
forma tão constante do lado pragmático da vida, não é difícil fazer um mau
uso deles para se defender um estilo de vida concentrado na terra. Na
realidade, defino a sabedoria bíblica como um “viver a vida no mundo de
Deus pelas leis de Deus”. O tema central não é a vida secular, mas “o
temor a Deus” (Pv 1.7; 9.10; Jó 28.28; cf. SI 111.10; Ec I2.13) e suas
implicações para a vida diária. Philip Nel (1982:127) chama o temor do
Senhor de a “base” do pensamento da sabedoria israelita.
(OSBORN, 2009. p.309)

Conforme Virkler (1987): “Um dos maiores problemas da religião é a


falta da integração prática entre nossas crenças teológicas e nosso viver diário.”
Os livros de sabedoria transpõe esta barreira entre o teológico o viver diário,
trazendo lições preciosas para os cristãos em todos os tempos. Afinal os provérbios
são atemporais.
Os textos de sabedoria, em sua maioria, são curtos e seu contexto
imediato2 é o suficiente para interpretar a sua mensagem, embora seja indispensável
que o intérprete conheça o autor e o contexto social quando foram escritos.
O quarto gênero literário que abordaremos é o epistolar. Epístola,
palavra grega que significa carta, é um gênero típico do NT. Diferentemente dos
textos poéticos com sua linguagem conotativa, quem escreve uma carta espera que
sua mensagem seja entendida, claramente, por seus leitores. Embora muito do
material das epístolas do NT seja doutrinário, é importante termos em mente que os

2
Contexto imediato são os versículos que estão imediatamente ligados a passagem em análise, geralmente, o contexto
imediato consiste dos poucos versículos anteriores ou posteriore da passagem em foco.

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seus autores desejavam ser inteiramente compreendidos pelos seus leitores originais.
Portanto se faz necessário conhecermos todas as circunstâncias que envolvem a
escrita de uma epístola, bem como, o autor, os destinatários e a motivação dos seus
autores. A epístola é um dos gêneros mais básicos da Bíblia, segundo Osborn
(2009):

Os princípios discutidos na parte um, “Hermenêutica Geral”, talvez se


apliquem mais diretamente às epístolas do que a qualquer um dos outros
gêneros. Parte disso se deve ao fato de que fomos educados nas epístolas, e
nosso pensamento (incluindo os princípios hermenêuticos) foi moldado
por elas. As epístolas não contêm fatores complicadores como enredo ou
caracterização (narrativa), simbolismo esotérico (apocalíptico) ou sutilezas
metafóricas (parábola). No entanto, elas apresentam vários aspectos com
os quais não interagimos completamente e os quais devemos explorar.
(OSBORN, 2009.p399)

As epístolas do NT, não são meras cartas pessoais, talvez com exceção,
das cartas pastorais, Filemom e a 3 carta de João, as outras são dirigidas a uma
comunidade em geral. As cartas pastorais, embora dirigidas a pessoas específicas,
contém princípios gerais para todos os bispos, presbíteros, diáconos e ministros em
todas as épocas, sendo assim, embora endereçadas a Timóteo e Tito, o seu caráter é
geral.
Na época de Jesus e seus os apóstolos era comum utilizar as cartas
como método retórico de difundir seus pensamentos, também os romanos,
especialmente Cícero, utilizavam-se desse meio para escrever seus tratados, por
isso, foi bastante natural que os escritores do primeiro século, utilizassem as como
meio de difusão da sua mensagem. Embora alguns estudiosos vejam as cartas do
apóstolo Paulo somente como cartas pessoais, escritas como respostas para
eventuais perguntas ou dificuldades das igrejas por ele assistidas.
De modo bastante sintetizado, as cartas dividiam-se em três partes
principais: a saudação de abertura, o corpo da carta e seu encerramento.

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Existe muita discussão entre os estudiosos sobre como podemos
classificar as cartas de Paulo, vejamos as considerações de Kaiser e Silva (2002)
sobre o assunto:

É igualmente claro, porém, que não são simplesmente “cartas pessoais”.


Embora algumas poucas cartas de Paulo tenham sido escritas para
indivíduos ( 1 e 2 Timóteo, Tito e, especialmente, Filemon), até estas vão
muito além de assuntos pessoais. Assim como nas outras cartas, os
comentários pessoais tem um papel secundário e o tom geral é formal.
Algumas delas contém argumentação implícita e até mesmo mostram o
uso de técnicas de retórica. Finalmente, o fundamental é que elas foram
escritas com um tom de autoridade apostólica que dá a elas um caráter
único.
(Kaiser e Silva, 2002.p 118)

Independemente dos debates em torno das cartas paulinas, algumas


premissas devem ser adotadas na interpretação das epístolas. Assim como nas
narrativas, as cartas foram escritas para pessoas e igrejas reais, a fim de exortar,
ensinar e resolver problemas reais, que surgiram nas igrejas do primeiro século.
Portanto é preciso que o intérprete conheça o exato contexto histórico no qual as
epístolas foram produzidas, bem como, as particularidades de seus destinatários.
Outra ponto importante para interpretar uma epístola é que se conheça
todo o conteúdo da carta, Kaiser e Silva (2013) fazem uma ótima ilustração ao
indagar se alguém, que receba uma carta da namorada(o) que esteja viajando, leria
apenas uma parte da carta deixando de lêr todo o seu conteúdo. Conhecer todo o
conteúdo da carta, montar um pequeno esboço e conhecer o contexto que envolve a
escrita do texto são as chaves para uma interpretação correta do texto sagrado.
O último gênero textual que queremos abordar é o texto apocalíptico.
Certamente, o gênero textual da bíblia de interpretação mais difícil. Carregado de
linguagem simbólica, enigmas, figuras de linguagem e passagens de difícil
interpretação atrai muitos estudiosos para seus textos. A literatura apocalíptica
surgiu em Israel, quase sempre, em momentos de grande aflição do povo, embora

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pensemos que este gênero seja encontrado nos livros de Apocalipse e Daniel,
encontramos este tipo de texto em toda a Bíblia, vejamos o que Osborn (2009) nos
diz sobre este gênero textual:

Enquanto narrativa (cap. 7), a literatura apocalíptica atravessa os


Testamentos. No AT, encontramos Daniel e Zacarias, bem como as visões
de Ezequiel 37—39 e talvez Isaías 24—27, ou a praga de gafanhotos em
Joel. Entre os livros apócrifos e pseudoepígrafos, temos l Enoque, Enoque
Eslavo (2Enoque), Enoque Hebraico (3Enoque), Jubileus, Testamento de
Moisés, A Ascensão de Isaías, 2Baruque, 3Baruque, 4Esdras, Salmos de
Salomão, Testamento de Abraão, Apocalipse de Abraão, partes do
Testamento dos Doze Patriarcas (Levi, Naftali e talvez José), A Vida de
Adão e Eva (Apocalipse de Moisés), Pastor de Hermas, Oráculos Sibilinos
(livros 3—5) e muitos dos manuscritos de Qumran (como o Manuscrito da
Guerra, Liturgia Angelical, Testamento de Amram) (para uma excelente e
extensa apresentação dos apocalipses judaicos, verCollins 1992; para uma
breve descrição, ver Russell 1994:31-41). A literatura apocalíptica do NT
poderia incluir o Sermão do Monte das Oliveiras (Mc 13 e par.); ICoríntios
15, 2Tessalonicenses 2, 2Pedro 2—3, Judas e Apocalipse. Esse material
compreende um período que se estende do século VI a.C. ao século II d.C.
(OSBORN, 2009.p.351)

Embora de díficil interpretação devido seu simbolismo único, não


devemos deixar de buscar o significado das passagens apocaliptícas da bíblia e,
muito menos, duvidarmos do seu cumprimento integral na história. O livro de
Apocalipse, especialmente, é o revelar de Deus para nós cristãos da última hora, um
alerta sobre a 2ª vinda de Jesus, bem como, os últimos dias desta dispensação.

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4 AS FIGURA DE LINGUAGEM

Um recurso linguístico muito utilizado na Bíblia são as figuras de


linguagem, neste capítulo iremos analisar as principais, visto que , devido a
brevidade desse trabalho não é possível esgotarmos o assunto, contudo já teremos
uma bom conhecimento sobre elas. Também iremos abordar as parábolas, recurso
utilizado amplamente por Jesus nos seus ensinamentos. Para tanto, utilizaremos
como base o livro de Lund e Nelson (1968), Hermenêutica regras de interpretação.

Metáfora

Conforme, afirmamos anteriormente, muitas vezes utilizamos palavras


da nossa língua fora do seu significado original E dentro deste uso da linguagem
uma figura muito utilizada por nós é a metáfora.

“Metáfora é uma figura de linguagem onde se usa uma palavra ou uma


expressão em um sentido que não é muito comum, revelando uma relação
de semelhança entre dois termos.
Metáfora é um termo que no latim, "meta" significa “algo” e “phora”
significa "sem sentido". Esta palavra foi trazida do grego
onde metaphorá significa "mudança" e "transposição".3

A metáfora é uma das figuras de linguagem mais utilizadas na Bíblia.


São inúmeros exemplos de metáfora na Escritura: “ Vós sois o sal da terra.” (Mt
5.13); “Eu sou a porta [...]” (Jo 10.9); “[...], o Senhor é fortaleza minha.” (Sl 18.1);
“Judá é leãozinho, [...]” ( Gn 49.9). Estes são apenas alguns dos exemplos de
metáfora empregados na bíblia.

3
Fonte: Disponível em: https://www.significados.com.br/metafora/

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Sinédoque

Conforme Lund e Nelson (1968), “Faz-se uso desta figura quando se


toma a parte pelo todo ou o todo pela parte, o plural pelo singular, o gênero pela
espécie, ou vice-versa.”, assim como a metáfora, existem inúmeros exemplos na
Bíblia, leiamos alguns citados pelo Dr. Lund:

Toma a parte pelo todo o Salmista ao dizer: "Minha carne repousará


segura" (versão revista e corrigida), em lugar de dizer: meu corpo ou meu
ser, que seria o todo, sendo a carne só parte de seu ser (Sal. 16:9).
Toma o todo pela parte o Apóstolo quando diz da ceia do Senhor: "todas
as vezes que . . . beberdes o cálice", em lugar de dizer beberdes do cálice,
isto é, parte do que há no cálice. (1 Cor. 11:26).
Tomam também o todo pela parte os acusadores de Paulo ao dizerem:
"Este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos
por todo o mundo"; significando, por aquela parte do mundo ou do
Império romano que o Apóstolo havia alcançado com sua pregação. (Atos
24:5.)

Metonímia

Conforme Lund, “Emprega-se esta figura quando se emprega a causa


pelo efeito, ou o sinal ou símbolo pela realidade que indica o símbolo.”.
Igualmente, figura de linguagem muito utilizada nas escrituras. Vejamos alguns
exemplos citados por Lund e Nelson (1968):

Vale-se Jesus desta figura empregando a causa pelo efeito ao dizer: "Eles
têm Moisés e os profetas; ouçam-nos", em lugar de dizer que têm os
escritos deMoisés e dos profetas, ou seja o Antigo Testamento. (Luc.
16:29.) Emprega também o sinal ou símbolo pela realidade que indica o
sinal quando disse a Pedro: "Se eu não te lavar, não tens parte comigo".
Aqui Jesus emprega o sinal de lavar os pés pela realidade de purificar a
alma, porque faz saber ele mesmo que o ter parte com ele não depende da
lavagem dos pés, mas da purificação da alma. (João 13:8). Do mesmo
modo João faz uso desta figura pondo o sinal pela realidade que indica o

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sinal, ao dizer: "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo
pecado", pois é evidente que aqui a palavra sangue indica toda a paixão e
morte expiatória de Jesus, única coisa eficaz para satisfazer pelo pecado e
dele purificar o homem. (1 João 1:7.)
(Lund e Nelson, 1968. p.44)

Prosopopéia OU Personificação

Prosopopéia ou personificação é a figura de linguagem quando se


atribui características humanas, sentimentos, emoções a entes inanimados. Vejamos
os exemplos extraídos de Lund e Nelson (1968):

O apóstolo fala da morte como de pessoa que pode ganhar vitória ou


sofrer derrota, ao perguntar: "Onde está, ó morte, o teu aguilhão?" (1 Cor.
15:55). Emprega o apóstolo Pedro a mesma figura, falando do amor, e
referindo-se à pessoa que ama, quando diz: "o amor cobre multidão de
pecados" (1 Ped. 4:8). Como é natural, ocorrem com freqüência estas
figuras na linguagem poética do Antigo Testamento, dando-lhe assim uma
formosura, vivacidade e animação extraordinárias, como por exemplo ao
prorromper o profeta: "Os montes e os outeiros romperão em cânticos
diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas."
Convirá observar que em casos como estes não se trata somente de uma
mera personificação das coisas inanimadas, mas de uma simbolização
pelas mesmas, representando nesta passagem os montes e outeiros
pessoas eminentes, e árvores pessoas humildes; uns e outros de regozijo
louvando ao Redentor ante seus mensageiros. (Isaías 55:12.)
Outro caso de personificação grandiosa ocorre no Salmo 85:10,11, onde se
faz referência à abundância de bênçãos próprias do reinado do Messias
nestes termos: "Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se
beijaram. Da terra brota a verdade, dos céus a justiça baixa o seu olhar."
(Lund e Nelson, 1968.p44)

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Ironia

É quando utiliza-se uma palavra ou uma expressão dando sempre a entender


exatamente o oposto.

Exemplos: Paulo emprega esta figura quando chama aos falsos mestres de
os tais apóstolos, dando a entender ao mesmo tempo que de nenhum
modo são apóstolos. (2 Cor. 11:5; 12:11; veja-se 11:13.) Vale-se da mesma
figura o profeta Elias quando no Carmelo disse aos sacerdotes do falso
deus Baal: "Clamai em altas vozes . . . e despertará", dando-lhes a
compreender, por sua vez, que era de todo inútil gritarem. (1 Reis 18:27.)
Também Jó faz uso desta figura ao dizer a seus amigos: "Vós sois o povo,
e convosco morrerá a sabedoria", fazendo-os saber que estavam muito
longe de serem tais sábios. (Jó 12:2.)
(Lund e Nelson, 1968.p45)

Hipérbole

É a figura de linguagem na qual fazemos muito maior ou menor do que


é a fim de enfatizarmo a expressão.

Exemplos: Fazem uso da hipérbole os exploradores da terra de Canal


quando voltam para contar o que ali haviam visto, dizendo: "Vimos ali
gigantes . . . e éramos aos nossos próprios olhos como gafanhotos... as
cidades são grandes e fortificadas até aos céus." (Núm. 13:33; Deut. 1:28).
Daí se vê que os exploradores falavam como se costuma entre nós ao dizer
uma pessoa a outra, por exemplo: "Já lhe avisei mil vezes", querendo dizer
tão somente: "Já lhe avisei muitas vezes." Também João faz uso desta
figura ao dizer: "Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se
todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo
inteiro caberiam os livros que seriam escritos."
(Lund e Nelson, 1968.p45)

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Símile

Semelhante a metáfora, contudo é quando a comparação é declarada diretamente,


através das palavras “como, assim como ou assim”. Exemplos: “ É como um grão
de mostarda.” (Mc 4.31); “ Porque, assim como um relâmpago sai do oriente e se
mostra até o ocidente, assim também será a vinda do Filho do homem.”(Mt 24.27);
“E alçando-se o orvalho caído, eis que sobre a face do deserto estava uma coisa
miúda redonda; miúda como a geada sobre a terra.” (Êx 16.14)

FIGURAS DE RETÓRICA TEXTUAIS

Segundo o Dr. Lund, não se emprega figuras de linguagem apenas em


palavras, mas algumas vezes textos inteiros expressam um sentido conotativo.

Alegoria

Conforme Lund e Nelson (1968), “a alegoria é uma figura retórica que


geralmente consta de várias metáforas unidas, representando cada uma delas
realidades correspondentes. Costuma ser tão palpável a natureza figurativa da
alegoria, que uma interpretação ao pé da letra quase que se faz impossível.” Não
devemos confundir a alegoria com a interpretação alegórica, essa na verdade,
transforma passagens literais em alegorias.

Exemplos: Tal exposição alegórica nos faz Jesus ao dizer: "Eu sou o pão
vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão
que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne... Quem comer a minha
carne e beber o meu sangue tem a vida eterna", etc. Esta alegoria tem sua
interpretação na mesma passagem da Escritura. (João 6:51-65.)
Outra alegoria apresenta o Salmista (Salmo 80:8-13) representando os
israelitas, sua trasladação do Egito a Canaã e sua sucessiva história sob as
figuras metafóricas de uma videira com suas raízes, ramos, etc., a qual,
depois de trasladada, lança raízes e se estende, ficando porém mais tarde

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estropiada pelo javali da selva e comida pelas bestas do campo
(representando o javali e as bestas poderes gentílicos).
Ainda outra alegoria nos apresenta o povo israelita sob as figuras de uma
vinha em lugar fértil, a qual, apesar dos melhores cuidados, não dá mais
que uvas silvestres, etc. Também esta alegoria está acompanhada de sua
explicação correspondente – "Porque, a vinha do Senhor dos Exércitos é a
casa de Israel, e os homens de Judá são a planta dileta do Senhor", etc.
(Isa. 5:1-7).
(Lund e Nelson,1968.p.47)

Fábula

Embora o Dr. Lund tenha classificado a fábula como uma figura de


retórica, a fábula é um gênero literário, é uma história, na qual, os personagens são,
geralmente, animais personificados e possui uma moral ou uma lição a principal
para transmitir aos seus leitores. A bíblia apresenta apenas duas fábulas bem
caracterizadas, embora alguns estudiosos identifiquem outras em certas passagens.
Segue abaixo as fábulas:

Há duas fábulas no AT. Na primeira, encontrada em Juizes 9.8-15, Jotão,


estando no Monte Gerizim e falando ao povo de Siquém no vale
abaixo,tentou mostrar a eles a loucura de escolher como rei um homem
sem valor como seu irmão, que havia matado setenta filhos de Gideão. As
árvores da floresta pediam uma oliveira, uma figueira e uma videira, para
governar sobre elas. mas todas recusaram dizendo que estavam muito
ocupadas servindo a comunidade para desperdiçar seu tempo agitando seus
ramos sobre seus companheiros. Finalmente elas escolhem um espinheiro
inútil (representando seu irmão Abimeleque), uma escolha perigosa, pois o
conflito resultaria em fogo na floresta. Na outra fábula do AT, Jeoás, rei de
Israel, disse a Amazias, rei de Judá, o qual o tinha desafiado a lutar, que
Amazias seria humilhado se Jeoás aceitasse o desafio. “O cardo que está
no Líbano mandou dizer ao cedro que lá está: Dá tua filha por mulher a
meu filho; mas os animais do campo, que estavam no Líbano, passaram
e pisaram o cardo” (2Rs 14.9). Amazias não foi dissuadido e na batalha
que se seguiu foi completamente derrotado.
Fonte: Disponpivel em https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2014/09/o-
que-significa-fabula-na-biblia.html

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Símbolo

Outra figura de retórica muito utilizada na bíblia é o símbolo. Segundo


Gibbs, “ um símbolo é algo que sugere ou representa um significado além daqule
que comumente está associado com ele. Em muitos casos, é um objeto material que
representa alguma coisa imaterial. A bíblia é muito rica em símbolos, vejamos os
exemplos citados pelo Dr. Lund:

O leão é considerado o rei dos animais do bosque; assim é que achamos


nas Escrituras a majestade real simbolizada pelo leão. Do mesmo modo se
representa a força pelo cavalo e a astúcia pela serpente. (Apoc. 5:5; 6:2;
Mat. 10:16.)
Considerando a grande importância que sempre tiveram as chaves e seu
uso, nada há de estranho que viessem a simbolizar autoridade (Mat.
16:19). Recordando que as portas dos povoados antigamente serviam
como uma espécie de fortaleza, compreendemos por que, em linguagem
simbólica, venha a representar força e domínio. (Mat. 16:18).
Tão numeroso é este tipo de símbolos que cremos conveniente colocar os
mais comuns em seção à parte. Quanto a fatos simbólicos, para representar
a morte do pecador para o mundo e sua entrada numa vida nova pela
ressurreição espiritual, temos a imersão e saída da água, no batismo.
Representa-se também, como sabemos, a comunhão espiritual com Jesus e
a participação de seu sacrifício na celebração da Ceia do Senhor. (Rom.
6:3,4; 1 Cor. 11:23-26.)

Parábola

A parábola é uma história ou narrativa de um acontecimento natural


para ilustrar uma verdade espiritual. Jesus utilizava-se muito deste recurso
linguístico, ao ilustrar o seu ensino com coisas ou fatos naturais conhecidos pelos
seus ouvintes, conseguia transmitir aos seus ouvintes as verdades espirituais.
Geralmente, uma parábola alude apenas uma verdade importante, contudo ela pode
ter uma abrangência maior, como no caso da parábola do semeador, na qual, cada
um dos solos representa um tipo de pessoa. Porém é muito importante que o

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intérprete não veja em cada detahe da parábola um ensinamento, como faziam os
alegoristas.
São inúmeros os exemplos de parábolas na bíblia, tais como, o
semeador, a dracma perdida, o filho pródigo, o bom samaritano e outras. Dr. Lund
assevera que é importante observar as seguintes regras para a correta interpretação
das parábolas da bíblia:

1° – Deve-se buscar seu objetivo; em outras palavras, qual é a verdade ou


quais as verdades que ilustra. Encontrado isso, tem-se a explicação da
parábola, e note-se que às vezes consta o objetivo na sua introdução ou no
seu término. Outras vezes se descobre seu objetivo tendo presente o
motivo com que foi empregada.
2° – Devemos ter em conta os traços principais das parábolas, deixando-se
de lado o que lhes serve de adorno ou para completar a narrativa. Jesus
mesmo nos ensina a proceder assim na interpretação de suas próprias
parábolas. Como existe perigo de equivocar-se neste ponto, vamos aclará-
lo chamando a atenção para a de Lucas 11:5-8. Nesta parábola Crist ilustra
a verdade de que é necessário orar com insistência, valendo-se do exemplo
de uma pessoa que necessita de três pães. É noite e vai pedi-lo
emprestados a um amigo seu que já tem a porta fechada e está deitado,
bem como os seus filhos. Este amigo preguiçoso não quer levantar-se para
dá-los, mas, por força da insistência e importunação no pedido, o homem
consegue o que deseja. É fácil ver que aqui é o homem necessitado e
suplicante quem nos oferece o bom exemplo e representa o cristão na
parábola. Igualmente fácil é entender que seu amigo representa Deus.
Porém, que absurdo seria interpretar tudo o que se disse do amigo,
aplicando-o a Deus, a saber, que tem a porta fechada, estão ele e seus
filhos deitados e, sendo preguiçoso, não quer levantar-se! É evidente que
esta parte constitui o que chamamos adorno da parábola e que se deve
deixar de lado, por não corresponder e se aplicar à realidade. Observemos,
pois, sempre a totalidade da parábola e suas partes principais, fazendo caso
omisso de seus detalhes menores.
3° – Não se esqueça de que as parábolas, como as demais figuras, servem
para ilustrar as doutrinas e não para produzi-las.

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5 A HERMENÊUTICA DO NOVO TESTAMENTO

A única bíblia disponível para os primeiros cristãos, evidentemente, era


o Antigo Testamento. Podemos verificar facilmente pelas páginas do Novo
Testamento que tanto Jesus como os apóstolos. recorriam frequentemente as
passagens do AT nas suas exposições doutrinárias. O cristianismo é uma religião
que inicia-se em torno de um livro, que com o nascimento, vida, ministério, morte e
ressurreição de Jesus assume um novo patamar, pois as promessas e profecias antes
veladas descortinaram-se para aqueles primeiros judeus que aceitaram Jesus como o
Messias esperado, o cumprimento profético do seu livro sagrado.
O próprio Jesus interpreta sustenta que a sua vida e seu ministério é o
cumprimento das escrituras e, que todo o AT apontava para aquele momento na
história. O apóstolo João registra isso no seu evangelho: “Examinais as Escrituras,
porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; (João
5.39); Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu
ele.(João 5.46)” Portanto as escrituras judaicas, para nós cristãos, devem ser
interpretadas de modo Cristocêntrico, sejam as profecias, seus personagens, suas
instituiçãos ou acontecimentos, todos apontando para a o Filho de Deus, enviado
para salvar o mundo. A respeito disso R.T France escreve:

Ele usa pessoas no AT como tipos de si próprio (Davi, Salomão, Elias,


Eliseu, Isaías, Jonas) ou de João Batista (Elias); ele refere-se às
instituições do AT como tipos de si próprio e de sua obra (o sacerdócio e a
aliança); ele vê nas experiências de Israel prefigurações de sua
experiência; ele contesta que as esperanças de Israel são realizadas nele
(sic) e em seus discípulos e vê seus discípulos assumindo a condição de
Israel; na libertação por Deus, ele vê um tipo de congrregação de homens
em sua igreja, ao passo que os desastres de Israel são prefigurações da
punição iminente daqueles que o rejeitam, cuja descrença está prefigurada
naquela dos perversos em Israel e, até mesmo, como acontece em duas
instâncias, na arrogância das nações judias.
(R.T France apud Dockery-2013.p29)

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Embora o judaísmo rejeite a interpretação cristã sobre a vida e
ministério de Jesus, encontramos nas páginas do AT uma série de passagens e tipos
que cumpriram-se notavelmente na vida do Filho de Maria e José. Conforme
Dockery (2013):

Não é de surpreender que, ao apresentar imagens diferentes da vida de


Jesus, os autores bíblico tenham percebido que quase todos os pontos de
sua vida haviam preenchido o AT. Seu nascimento foi previsto (Is 7.14 =
Mt 1.23; Mq 5.2 = Mt 2.6), assim como a fuga para o Egito (Os 11.1 = Mt
2.15), a matança das crianças inocentes por Herodes (Jr 31.15 = Mt 2.18) e
a criação de Jesus em Nazaré (cf. Mt 2.23). O impacto total de seu
ministério havia sido descrito (Is 42.1-4 = Mt 12.17-21), da mesma forma
que (sic) o uso de parábolas em seus ensinamentos (Is 6.9,10; Sl 78.2 = Mt
13.14,15,35). A mensagem da paixão de Jesus está cheia de alusões ao AT,
incluindo relatos da entrada triunfal em Jerusalém (Zc 9.9 = Mt 21.5), da
expulsão de todos os que estavam vendendo e comprando no templo (Is
56.7; Sl 69.9 = Mt 21=13), e os acontecimentos relacionados à cruz (Jo
19.24, 28, 36,37)
(DOCKERY, 2013. p.30)

A encarnação do Verbo de Deus trouxe uma nova luz as sagradas


escrituras, trazendo a lume muitos passagens, antes de difícil entendimento para os
judeus, que pós-exílio babilônico dedicaram-se com extremo zelo para
compreender os estatutos e preceitos divinos. Na época do ministério terreno de
Jesus já havia uma hermenêutica bem consolidada entre os intérpretes judaicos e
algumas escolas de interpretação. Porém alguns pontos eram consensuais entre
todos os exegetas judaicos. Segundo Dockery (2013), em primeiro lugar, eles
acreditavam na inspiração divina da Escritura. Em segundo lugar, afirmavam que a
Torá continha toda a verdade de Deus para orientação da humanidade. Também é
importante pontuarmos que os judeus criam que o texto sagrado continha muitos
significados, dando margem a algumas extravagâncias. Leiamos o que Richard N.
Longenecker escreve a respeito:

Da escola do Rabino Ismael (segunda geração de Tannaim, c.90-130 d.C.),


temos a máxima: “Da mesma forma que uma rocha pode dividir-se em
muitas lascas, um versículo bíblico transmite muitos ensinamentos” (b.
Sanhadrein 34 a). Bemidbar Rabbah, o mais recente dos Midrashim

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pentateucos, que, em sua forma codificada, não é anterior ao século XI ou
XII d.C., expande essa idéia (sic) e insiste, baseado no valor numérico de
dgl (padrão) em Ct 2.4, em que a Torá “pode ser comentada de 49
maneiras diferentes” (Num. R. 2.3) e, fundamentado no valor de yayin
(vinho), que “existem setenta modos de comentar a Torá” (Num. R.
13.15s)
(DOCKERY, 2013.p30)

Conforme Dockery pode-se dividir em cinco as abordagens dos


exegetas judaicos nos tempos do NT, que são: a literal, a tipológica, a alegórica, o
pesher4 e o midrash5.
Comecemos pela interpretação literal da Escritura, ao dizermos literal
não se faz necessário muitas explicações, é a abordagem hermenêutica que
procura interpretar o texto da forma mais direta e manifesta possível. Aliás, é
importante frisarmos que muitos textos bíblico são extremamente diretos, não
dando margem para outras interpretações que não a natural e primária. A respeito
da abordagem literal, Dockery escreve:

A interpretação literal era considerada fundamental para todos outros


desenvolvimentos hermenêuticos. Segundo o comentário de S. Lowy , “os
rabinos consideravam que a interpretação direta das leis, baseada
principalmente no entendimento literal, possuía o mesmo valor que as
‘coisas com as quais até mesmo os saduceus estavam de acordo’, e que,
portanto, deveriam ser aprendidas no ensino básico.
De vez quando, Jesus adotava a abordagem literal, em especial com
relação ás questões morais. Três exemplos podem ser apresentados no que
diz respeito ao ensino das realações humanas. Marcos 7.10 (Mt 15.14)
apresenta Jesus repreendendo os fariseus com explicações originadas

4
Pesher (plural Pesharim) – Pesher é uma palavra hebraica que significa “explicação”, “significado”, “interpretação”,
no sentido de solução.
O método Pesher consiste em comentar o texto bíblico versículo por versículo, procurando aplicá-lo às circunstâncias
vividas pela comunidade, como se os textos bíblicos, especialmente os proféticos, estivessem falando diretamente a
realidade atual. Tornou-se conhecida a partir de um grupo de textos encontrados entre os pergaminhos do Mar Morto.
Disponível em: https://www.trabalhosgratuitos.com/Humanas/Religião/QUATRO-METODOS-JUDAICO-DE-
INTERPRETAÇÃO-BÍBLICA-164825.html .
5
Midrash pode ser chamado de expressão poética ou espiritual do pensamento judaico – o Midrash
Este último é uma compilação de exposições homiléticas ou espirituais da Bíblia, penetrando sob a superfície do
sentido singelo do texto bíblico. Enquanto o Talmud se dedica principalmente à explicação da letra, o Midrash revela
o espírito da palavra e da lei. Os primeiros vestígios da literatura midráshica podem ser encontrados em uma época
anterior a conclusão da bíblia, mas a sua atividade estendeu-se até o décimo ou undécimo século.

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diretamente de Êxodo 20.12: “Honra teu pai e tua mãe”, e de Êxodo 21.17:
“Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe terá de ser executado”. Com relação
a questões de casamento e divórcio, ele respondeu em Marcos 10.7 (Mt
19.5) com uma citação literal de Gênesis 2.24: “Por essa razão, o homem
deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne”.
Uma vez que Deus falou de maneira bastante direta sobre essas questões
fundamentais, Jesus também as interpretou de maneira direta.
(DOCKERY, 2013.p32)

Podemos verificar que em textos claros e diretos, o próprio Jesus


adotava a abordagem literal, sem muitos floreios. Qualquer leitor mediano
descobrirá no capítulo 19 de Mateus a clara aversão de Jesus ao divórcio, embora o
Próprio tenha aberto uma brecha no versículo 9, que até hoje é motivo de muita
controvérsia entre os teólogos.
Outra abordagem comum entre os rabinos contemporâneos a Jesus e
seus apóstolos é a tipológica. Esse método de interpretação busca correspondências
entre pessoas e acontecimentos do passado com o presente e/ou o futuro. Conforme
Dockery (2013), [...] a exegese tipológica baseia-se na convicção de que
determinados acontecimentos na história de Israel prefiguram uma época futura na
qual os propósitos de Deus serão revelados em sua completude. Um exemplo de
tipologia utilizada por Jesus encontramos em Mateus 24.37, versículo no qual Jesus
traça uma correspondência entre os dias de Noé e os últimos dias; também,
encontramos em João 3.14, quando o levantamento da serpente no deserto (Números
21.4-9) é relacionado com a crucificação de Jesus. Portanto, a tipologia é um
método de interpretação muito válido para os nossos dias.
O terceiro método hermenêutico que era comum entre os rabinos judeus
era o alegórico. Alguns exegetas judeus sustentavam que toda a escritura tinha no
mínimo dois sentidos: o literal e o espiritual, o segundo mais profundo do que o
primeiro. Em Alexandria, Fílon, contemporâneo de Jesus, foi o mais proeminente
desses exegetas. O método alegórico não foi utilizado por Jesus e os apóstolos,
discute-se a passagem de Gl 4.24, na qual o apóstolo utiliza a palavra alegoria, mas

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não vemos claramente uma interpretação alegórica na explanação de Paulo, é mais
correto afirmar que a vida de Sara e Agar são tipos da lei e da graça e não uma mera
alegoria.
O Midrash era o método mais aplicado pelos rabinos na exegese dos
textos sagrados. Esta abordagem hermenêutica procurava contemporaneizar as
escrituras, ou seja, descortinar a aplicação prática do texto em análise. Alguns
estudiosos chegam a dizer que essa era a regral geral da exegese rabínica. Leiamos
uma citação sobre o Midrash:

Bloch em sua descrição dessa abordagem, observa cinco grandes


características: 1) seu fundamento está nas escritura; 2) é homilética; 3)
busca esclarecer o significado do texto; 4) tenta tornar contemporânea a
escritura que estiver em consideração e 5) busca descobrir os princípios
básicos inerentes às seções legislativas com objetivo de resolver problemas
que não foram tratados na Escritura (Halakah = fazendo referência a toda a
gama de recursos hermenêuticos envolvidos), ou se dispõe a encontrar a
verdadeira relevância dos eventos mencionados nas seções narrativas do
Pentateuco (agadah = referência focada no tipo de material tratado).
(BLOCH apud DOCKERY, 2013.p32)

Conforme Dockery podemos encontrar o principal método


hermenêutico dos fariseus nos ensinamentos de Jesus. Um exemplo encontramos no
evangelho de Marcos 2.25-28, quando os fariseus questionaram Jesus, pois os seus
discípulos estavam colhendo espigas no sábado. Neste caso Jesus aludiu o fato de
Davi comer o pão do sacerdote, sendo Cristo o “Filho do Homem” era Senhor até do
sábado.
Lopes (2013) considera o midrash um método alegórico de interpretar a
Bíblia, “[...] encontramos como principal característica do midrash alegorização
do texto bíblico. Uma das causas para a alegorização dos textos bíblicos era o
conceito mecânico de inspiração adotado pelos rabinos, o que tendia a minimizar o

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aspecto humano das escrituras. Na verdade, o midrash realmente dava uma certa
liberdade excessiva para o intérprete.
O quinto método utilizado pelos rabinos era o Pesher, abordagem que
ficou conhecida depois da descoberta dos manuscritos do Mar Morto. Leiamos o
que Kaiser e Silva (2014) escreve:

Os Essênios eram leitores ávidos da Bíblia. Muitos de seus comentários


foram encontrados junto com as cópias das Escrituras produzidas por eles,
especialmente o comentário sobre Habacuque. Normalmente, seus
comentários citavam uma passagem curta com dois ou três versículos. A
citação era seguida da frase “ Seu Pesher é...”(da palavra aramaica psr,
“interpretar”). O aspecto singular da interpretação que eles oferecertam,
especialmente dos livros proféticos, foi que tudo do passado era
transformado e recebia um valor e significado contemporâneos. O “justo”
em Habacuque 1.4, por exemplo, era o “Mestre da Justiça” ou o fundador
da seita dos essênios. E o “perverso que cerca o justo” , na mesma
passagem era o “sacerdote perverso” ou o “homem de mentiras” que
perseguia o Mestre da Justiça. Os “caldeus” ou ”babilônios”em 1.6 eram
os romanos, aos quais a seita se referia usando o nome bíblico “kittim”. E
assim desenrolava-se a exegese pesher da seita.
(Kaiser e Silva, 2014. p.207)

O método Pesher era utilizado especialmente pelos essênios, como


podemos ver, este método exigia que o intérprete tivesse a revelação divina para
obter seu significado.
Segundo Dockery (2013) esta abordagem interpretativa ,“o pesher, é
geralmente descrita como um método exegético ou uma antologia de interpretações
(pesharim), que sugere que os escritos proféticos contêm uma significância
escatológica oculta ou mistério divino que podem ser revelados “ apenas por uma
interpretação forçada ou até mesmo anormal do texto bíblico”. Conforme Dockery,
havia uma relação estreita entre o Midrash e o Pesher [...]. Podemos descrever o
midrash da seguinte forma: “isto tem relevância para isto”, e o pesher desta: “isto
é aquilo”. Segundo Longenecker apud Dockery (2013) Jesus utilizava as duas
formas de interpretação do AT, mas preferencialmente o método Pesher, segundo

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alguns estudiosos. Walter Kaiser discorda dessa opinião, não vendo nenhum
exemplo de midrash ou pesher na leitura de Jesus do AT nos seus ensinamentos.
Contudo interpretar Mateus 5.28 como uma interpretação literal de Êx 20.14, exige
alguma liberalidade do exegeta. Um dos maiores exemplos hermenêuticos de Jesus
é o Sermão do Monte; a expressão de introdução de muitos dos pensamentos de
Jesus, “ouvistes o que foi dito” dá nos a clara compreensão de que Jesus, na sua
interpretação do AT, ía além da literalidade da passagem em questão, dando-nos
claros exemplos do era assim, agora é assim.
Há algum debate sobre o quanto o apóstolo Paulo utilizava da
hermenêutica rabínica na sua própria interpretação da Escritura. Debate infundado,
segundo a nossa opinião, visto que o cristianismo nasceu no seio do judaísmo, seus
primeiros adeptos judeus, os apóstolos judeus, o livro sagrado o AT, então é muito
lógico que os métodos hermenêuticos fossem os mesmos dos rabinos
contemporâneos ao escritores do NT. Paulo era discípulo de Gamaliel, o qual, crê-
se que era discípulo da escola de Hillel, senão seu filho. Hillel, rabino
contemporâneo de Jesus, elaborou as primeiras sete regras de interpretação de um
texto da Escritura. Kaiser e Silva descreve assim as sete regras:

1. Inferência no sentido mais brando (=premissa menor) para o mais forte


(=premissa maior), ou um argumento a fortiori. Afirma simplesmente que
aquilo que é verdade sobre o menor é também sobre o maior. Assim, tendo
em vista que o sábado era mais importante do que os outros dias festivos,
uma restrição colocada sobre um dia festivo anual era mais aplicável ao
sábado.
2. Analogia de expressões. Passagens ambíguas eram explicadas ao fazer
inferências da analogia de expressões, isto é, de palavras e frases
semelhantes usadas em algum outro texto. Assim, considerando que
Levítico 16.29 exige aos judeus: “ afligireis a vossa alma” no dia da
expiação, sem explicar qual a natureza dessa aflição, interpretava-se que os
judeus deveriam abster-se de comida no Yom Kippur, pois essa mesma
expressão tinha sido usada em Deuteronômio 8.3 com menção explícita de
fome.
3. Aplicação por analogia com uma cláusula ou a extensão do específico
para o geral. Nessa regra, os textos eram aplicados a determinados casos se

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apresentassem natureza semelhante, mesmo que não fossem tratados de
forma direta dentro das escrituras citadas. Em outras palavras, um
princípio geral era construído sobre a base de um ensinamento contido
num versículo (cláusula). Assim, por exemplo, o caso do assassinato não
intencional de um companheiro lenhador que é citado em Deuteronômio
19 pode ser aplicado a qualquer tipo de morte acidental resultante de dois
homens trabalhando juntos em um lugar público.
4. Aplicação por analogia com duas cláusulas, Essa regra é semelhante à
anterior, porém aqui é fortalecida por meio de duas cláusulas, ou dois
versículos para o princípio geral. Êxodo 21.26-27 determinava que um
escravo que tivesse seu “olho” ou o seu “dente” destruído deveria ser
libertado. Por analogia, essa regra poderia ser aplicada a todas as outras
partes do corpo.
5.Inferência de um princípio geral para um caso ou exemplo específico.
Essa regra pode ser usada de duas maneiras – do geral para o específico,
ou vice-versa. Assim, Êxodo 22.9 diz que se um homem emprestar seu boi,
jumento, ovelha ou vestimenta ou “qualquer coisa” a outro, aquele que
recebeu o empréstimo deve pagar uma restituição dobrada caso caso venha
perder o que foi emprestado. Mas por causa do termo generalizado
“qualquer coisa”, o texto mostra que boi, jumento, ovelha e vestimentas
são apenas exemplos e, portanto, a lei se aplica a qualquer coisa – seja ela
animada ou inanimada – que tenha sido tomada emprestada e perdida e
que deve ser reembolsada em duas vezes o seu valor.
6. Explicação de outra passagem. Semelhante à primeira regra, esta
explica uma passagem apelando para outro trecho das Escrituras. O rabi
Hillel foi indagado com a seguinte questão:o cordeiro da Páscoa deveria
ser abatido na Páscoa se o décimo quarto dia de Nisan fosse um sábado?
Ele respondeu que, tendo em vista que Números 28.10 decreta que os
“sacrifícios diários” deveriam ser oferecidos também aos sábados, então
por analogia o cordeiro da Páscoa deveria ser abatido no décimo quarto dia
de Nisan, independente do dia da semana em que caísse.
7. Aplicação de uma inferência evidente por si só em um texto. Uma
passagem não deve ser tomada como uma declaração isolada, mas somente
à luz de seu contexto. Portanto, a aparente proibição de qualquer um saísse
de cada no sétimo dia em Êxodo 16.29 deve ser interpretada em seu
contexto para ser aplicada apenas na situação de se juntar o maná no
deserto, que havia sido oferecido em dobro no dia anterior.

As regras de Hillel, como podemos verificar, são práticas e todas


apontam para o próprio texto, quando os textos exigem um esforço interpretativo
maior para sua perfeita compreensão. Também resolve a questão natural de
contemporaneizar o texto bíblico com as necessidades práticas das pessoas.

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Embora todos os métodos e abordagens hermenêuticas referidos, o fator
mais importante na interpretação do AT realizada por Jesus, os apóstolos e cristãos
do primeiro século é a interpretação cristocêntrica adotada por eles. Exegese
iniciada pelo próprio Jesus; em Lc 4.16-21 temos um exemplo muito dessa nova
perspectiva, ao interpretar os textos bíblicos, outroras velados ao seus leitores.
O primeiro sermão pregado pelo apóstolo Pedro é outro grande
exemplo dessa leitura cristocêntrica das Escrituras ( ver Atos 2.16-21). Portanto os
escritores bíblicos utilizaram o AT para explicar que a nova aliança com Deus já
havia sido prenunciado pelos profetas e escritores da bíblia judaica. Segundo Kaiser
e Silva (2014), “há 224 citações diretas do Antigo Testamento dentro do Novo
Testamento, sendo que cada uma é introzida por uma expressão típica”. Sobre as
alusões do AT não há consenso entre os estudiosos, os números variam de 613 á
mais de quatro mil.

Entende-se que a “única” Escritura que os primeiros cristãos tinham era


o AT, portanto se fez necessário que eles seguissem algumas regras de interpretação
dos rabinato judaico para interpretá-la, contudo agora eles tinham a reveleção do
Espírito Santo para ajudá-los (At 2.33; At 5.32).

Antes de passsarmos para a hermenêutica dos pais apostólicos, faz-se


necessário analisarmos a hermenêutica do apostólo Paulo. Afinal era ele o mais
judeu dos apóstolos. Embora haja muitas diferenças entre os estudiosos a respeito da
hermenêutica Paulina, há um consenso em um ponto segundo Dockery. “que Paulo
entendia o AT cristologicamente e que sua obra se baseou em duas pressuposições
primordiais: 1) o messiado e autoridade de Jesus, validados pela ressurreição e
testemunhados pelo Espírito e 2) a reveleção de Deus nas escrituras do AT”

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Como era de se esperar, as regras de Hillel influenciaram o apóstolo nas
suas epístolas, especialmente, na abordagem tipológica do AT. Leiamos o que
Dockery escreve acerca desse fato:

O uso do AT feito pelo apóstolo demonstrou a influência de seu


treinamento rabínico. Dessa forma, o apóstolo lia as escrituras
primordialmente com base em sua herança midráshica. Os sete princípios
da interpretação midráshica atribuídos a Hillel são aparentes em diversas
partes das epístolas de Paulo. A idéia (sic) de “leve para pesado” (regra 1)
é expressa em seu argumento em Romanos 5.12-21. Romanos 4.1-12 (que
uniu Gn15.6 e Sl 32.1) demonstrou o conceito de analogia (regra 2), ao
comparar Abraão, Davi e os cristãos em Roma. As outras regras ou
princípios são evidentes, mas mais um deve bastar. A idéia (sic) do
contexto (regra 7) é exemplificada em Romanos 4.10, em que Abraão era
considerado justo antes da circuncisão, e em Galátas 3.17, em que a
promessa de Deus foi confirmada 430 anos antes de Deus concedesse a lei.
Assim como Jesus, Paulo interpretava as passagens morais dos
mandamentos no AT (Êx 20) de maneira bastante literal, ao aplicá-las a
diversas questões éticas. Ele citou Levítico 19.18: “ Ame a seu próximo
como a si mesmo.” (Rm 13.9; Gl 5.14), como o princípio mais abrangente
dos ensinamentos do AT.

Alguns estudiosos também veem o método Pesher na hermenêutica de


Paulo, especialmente, na passagem de Efésios 4.8 , que está relacionada ao Salmo
68.18, porém em nossa opinião, aqui Paulo faz uma aplicação tipológica, uma
profecia que cumpre-se na vida de Cristo e não, exatamente, uma aplicação do
método pesher.

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Para finalizar, embora a influência da hermenêutica rabínica consciente
ou inconscientemente, Jesus e os apóstolo adotaram uma nova perspectiva
interpretativa do AT, uma interpretação cristocêntrica e cristológica.

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6 OS PAIS DA IGREJA

As questões teológicas que iniciaram-se no primeiro século, a deidade e


humanidade de Cristo, como conciliar o Deus do cristianismo com o Deus das
escrituras judaica, as questãos e éticas e morais foram, também, questões
enfrentadas pelos pais apostólicos. Entretanto eles tiveram uma grande ajuda para
dirimir as suas dúvidas nas questões de fé, pois, agora, existiam os escritos
apostólicos, escritos que puderam nortear a infante igreja na direção desejada por
Deus.
Assim como o AT, os escritos apostólicos logo foram reconhecidos
como Escritura divinamente inspirada. Na verdade, o próprio apóstolo Pedro (2 Pe
3.16) dá o status de igualdade das cartas de Paulo em relação ao AT. Os evangelhos,
e a maioria das epístolas foram muito cedo consideradas pela Igreja como Escrituras
divinamente inspiradas , ainda que, o cânon do NT como conhecemos hoje só tenha
sido sacramentado por Atanásio em 367 dC, pois foi um processo gradual durante o
estabelecimento da igreja. Sendo assim, os hermeneutas do segundo século tinham
uma direção segura a seguir na interpretação das Escrituras, contudo a grande
dificuldade em conciliar o AT com a nova revelação trazida por Jesus e seus
apóstolos, fez com que algumas heresias tomassem corpo.
É fundamental que nós, cristãos do século XXI, entendamos que a base
teológica que temos hoje, foi construída ao longo do tempo, embora para nós
algumas questões doutrinárias dos primeiros século pareçam irrelevantes, naquele
momento eram essencial para o próprio seguimento do cristianismo. A dificuldade
entre conciliar o AT com o evangelho pregado por Jesus e seus discípulos, bem
como, a influência da cultura grega e os gnósticos influenciaram a interpretação da
bíblia feita pelos pais apostólicos.

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A hermenêutica exercerá um papel fundamental neste repelir das
heresias, afinal as respostas, necessariamente, deveriam vir da própria palavra de
Deus. Nesse contexto histórico-teológico segundo Dockery, os primeiros pais
apostólicos6 optaram por uma hermenêutica funcional, estavam mais preocupados
em defender as doutrinas fundamentais da fé, bem como sua aplicação ética e moral,
do que com significado literal ou primário das escrituras, ressignificando as
escrituras dentro do seu próprio contexto.
Desde muito cedo, os primeiro pais apostólicos passaram a utilizar as
cartas de Paulo, lembrando aos nossos alunos que a explanação das escrituras
exercia um papel preponderante no culto da Igreja, herança do judaísmo. Assim
como os apóstolos, os primeiros líderes da igreja também interpretavam as
escrituras cristologicamente, contudo alguns dos seus líderes, como até hoje, não
conseguiam compreender plenamente a revelação de Deus, surgindo assim os
primeiros movimentos heréticos da história eclesiástica.
Marcião e seus seguidores foram o primeiro grande teste para a igreja
primitiva. Ele rejeitando toda a influência do judaísmo no cristianismo, abandonou
todo o AT, os evangelhos, com a exceção de Lucas e as epístolas, exceto as
paulinas, por compreender que o Deus do AT não era o mesmo Deus revelado em
Cristo Jesus, selecionou partes das Escrituras para embasar a sua teologia. Embora a
maioria dos heréticos utilizassem a própria bíblia para fundamentar as suas
posições, Marcião preferiu abandonar os livros e passagens da Bíblia que não
apoiassem a sua doutrina. Esta ameaça foi o embrião do surgimento de um bispo
autorizado, uma regra de fé e um canôn aceito pela maioria das igrejas, mas também
de uma nova hermenêutica que suaviza o pseudo abismo entre AT e os escritos dos
apóstolos, a interpretação alegórica.

6
Grupo de líderes da igreja entre os anos de 90 e 150 dC, foram os discipulos dos apóstolos.

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Hermenêutica Alegórica

Foi em Alexandria que surgiu a hermenêutica alegórica, confrontados


com as dificuldades de compreensão do AT, a resposta dos exegetas de Alexandria
foi buscar um significado espiritual nas escrituras, um significado místico que só
poderia ser conhecido com uma ressignificação da passagem em análise. Sob forte
influência pagã, grega e judaica, surgiu em Alexandria a Escola Alegórica de
Interpretação. Cabe ressaltar que Alexandria era uma das cidades mais influenciadas
pelo pensamento platônico, com seu dualismo entre o material e o imaterial, exerceu
grande influência na igreja alexandrina.
O grande expoente da Escola de Alexandria foi Orígenes, o primeiro
grande erudito da Igreja, contudo é necessário voltarmos a Fílon o pai da
interpretação alegórica em Alexandria. Leiamos o que Donald A. Hagner diz acerca
de Filon:

Fundamental para toda a abordagem de Fílon é o dualismo básico entre o


material e o não material. Fílon, em última análise, dava importância total
a este último, o mundo inteligível. Por meio de sua exegese alegórica, em
questões quer de entendimento quer de conduta, Fílon ultrapassava o
material em direção ao domínio transcendente das idéias (sic) de Platão.
Fílon toma emprestado aos estóicos o conceito de Logos como o fator de
mediação entre Deus transcedente e o mundo material.
(HAGNER apud DOCKERY, 2013. p.74)

Um bom exemplo de como Filon interpretava o AT alegoricamente, era


sua interpretação dos quatro rios do paraíso, os quais ele afirmava que representava
as quatro virtudes cardeais da filosofia grega: a prudência, a coragem, a temperança
e a justiça. Para ele o texto do AT tinha um múltiplos significados. Segundo
Dockery, “o propósito de Fílon era apologético no sentido de unir o judaísmo e a
filosofia grega.” Em minha opinião, quando o homem busca a verdade suprema é

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possível ele obter alguns insights dessa verdade, embora somente em Jesus ele
encontre a verdade plena. Leiamos o que Dockery escreveu sobre Filon:

Robert M. Grant nota que Fílon procurou lidar com esse problema ao
tentar explicar a eleição de Israel e os aparentes antropomorfismos de
Deus usados na Escritura dando preferência ao Deus dos filósofos e ao
internacionalismo helenístico. Para a tradição filônica e platônica, a
hermenêutica alegórica da escola cristã de Alexanria, chamada
didaskaleion, desenvolveu-se e produziu alguns dos maiores eruditos da
igreja primitiva, em especial Clemente e Orígenes.
(GRANT apud DOCKERY, 2013.p76)

Conforme afirmarmos anteriormente, a igreja na pessoa de Irineu (130


– 202 d.C.) e Tertuliano (160-220 d.C.) (este um pouco tardio) tiveram
representantes ferrenhos em prol dos ensinamentos dos apóstolos, porém, nem todas
as perguntas feitas pelos gnósticos foram respondidas por eles, como compreender
que o Deus do AT fosse o pai de Jesus, e como conciliar a natureza da mensagem da
Lei e da Graça do NT. Os apologistas criaram muito cedo na história da igreja a
Regra de fé, ou seja, o conjunto doutrinário básico da fé cristã. Porém, segundo
Dockery, “os alexandrinos não achavam que ela fosse suficiente para expor as
falhas de Marcião, Valentim e outros gnósticos, se a fé professada e ensinada fosse
igualmente indenfensável.” Daí surgiu a hermenêutica alegórica que buscava os
significados mais profundos nos textos bíblicos.
Para exemplificar, leiamos uma famosa passagem do livro apócrifo,
carta de Barnabé7:

Filhos do amor, aprendei mais particularmente estas coisas: Abraão,


praticando por primeiro a circuncisão, circuncidava porque o Espírito
dirigia profeticamente o seu olhar para Jesus, dando lhe o conhecimento
das três letras. Com efeito ele diz: E Abraão circuncidou entre os homens
de sua casa trezentos e dezoito homens”. Qual é portanto, o conhecimento
que lhe foi dado? Notai que ele menciona em primeiro lugar os dezoito e,
depois, fazendo distinção, os trezentos. Dezoito se escreve: I que vale dez,
7
Trecho extraído do Livro “ A Bíblia e seus intérpretes” , de Augustus Nicodemus Lopes.

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e H, que representa oito. Tens aí: IH (sous) = Jesus. E como a cruz em
forma de T devia trazer a graça, ele menciona também trezentos (=T).
Portanto ele designa claramente Jesus pelas duas primeiras letras e a cruz
pela terceira. ( Barnabé 9.7-8)

Um dos primeiros representantes dessa Escola foi Clemente de


Alexandria (150 – 215 d.C.). Ele utilizava a interpretação alegórica para descobrir o
sentido oculto nas Escrituras. Para Clemente, Deus utilizava-se da alegoria para
esconder o verdadeiro significado dos incrédulos. Um Exemplo das suas
interpretações alegóricas, citamos abaixo sua interpretação de parte da parábola do
filho pródigo:

O Pai, então, confere-lhe a glória e a honra que eram necessárias e


convenientes, colocando sobre ele o melhor manto, o manto da
imortalidade, e um anel, um sinete real e um selo divino – um sinete de
consagração, assinatura da glória, segurança do testemunho (pois está
escrito: “ Aquele que aceitou seu testemunho, esse confirmou que Deus é
verdadeiro”, Jo 3.33), e sandálias, não aquelas que perecem, que devem ser
retiradas quando se entra em solo santo ( Êx 3.5), e nem aquelas que Jesus
proibiu que seus discípulos carregassem quando fossem pregar (Mt 10.10),
mas aquelas que não gastam, que são apropriadas para a jornada aos céus e
que adornam o caminho celestial, e que somente os pés lavados pelo
Senhor podem calçar.
(LOPES, 2013. p.132)

Como podemos ver é uma interpretação bastante fantasiosa da Parábola


do filho pródigo e que dá outra significação, que não a contextual, a este tão famoso
texto bíblico.

O maior expoente da escola de Alexandria foi Orígenes (185 - 253


d.C.), descrito assim por LOPES (2013):

Orígenes (185 -253 d.C.) é a mais importante figura nesse período. Era
um estudioso muito respeitado, muito capaz e provalvelmente o mais
erudito da sua época. [...] Orígenes tinha apenas 18 anos de idade quando

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assumiu a liderança da Escola Catequética de Alexandria. Ele acreditava
que a melhor maneira de se entender a Bílbia é por meio da perspectiva
platônica. Nesse sentido, ele é um verdadeiro discípulo de Filo de
Alexandria. A hermenêutica de Orígines é mais bem refletida no capítulo
IV de sua obra Primeiros Princípios, escrita quando ele tinha 23 anos de
idade. É considerada a primeira obra de teologia sistemática produzida no
âmbito da Igreja Cristã. Nessa obra, Orígines ataca os “literalistas” de seus
dias, acusando-os de negar que a Bíblia contém um sentido mais profundo
do que aquele permitido pelo texto em si. Para ele, a Bíblia contém
segredos que somente a mente espiritual pode compreender.
(LOPES, 2013.p.132)

Cristão de uma piedade sem igual, deu inúmeros exemplos do tamanho


da sua fé em Cristo Jesus, um deles foi interpretar literalmente Mt 19.12: “Alguns
são Eunucos porque nasceram assim; outros ainda se fizeram eunucos por causa do
Reino dos Céus. Quem puder aceitar isso aceite.” Orígenes levou ao pé da letra esta
passagem e castrou-se; também doou todos os seus bens, tornando-se pobre a fim de
cumprir os mandamentos de Cristo. Diz-se que milhares de pessoas acorriam para
ouvir suas pregações, tamanho era sua sabedoria e oratória.

Embora fosse um gigante na piedade, sua hermenêutica alegórica e


baseada na filosofia grega levou-o a interpretações extremamente equivocadas da
palavra de Deus.

Orígenes entendia que toda a escritura tinha um tríplice sentido,


baseado na tricotomia do homem: O sentido físico era o literal; o sentido moral o
psíquico e o espiritual ou intelectual, dando ênfase ao significado espiritual.

É interessante conhecermos a sua visão sobre o AT, então


menosprezado pelos gnósticos:

[...] na nona Homilia sobre os números, onde Orígenes compara a


Escritura com as nozes: “Assim é a doutrina da Lei e dos Profetas na
escola de Cristo”, afirma o homileta; “amarga é a casca, que é como a
letra; em segundo lugar, chegarás à semente, que é a doutrina moral; em

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terceiro encontrarás o sentido dos mistérios, do qual se alimentam as almas
dos santos na vida presente e na futura” (Hom. Num. 9, 7).
Sobretudo por este caminho Orígenes consegue promover eficazmente a
“leitura cristã” do Antigo Testamento, contestando de maneira brilhante o
desafio daqueles hereges sobretudo gnósticos e marcionitas que opunham
entre si os dois Testamentos até rejeitar o Antigo. A este propósito, na
mesma Homilia sobre os Números o Alexandrino afirma: “Eu não chamo à
Lei “Antigo Testamento”, se a compreendo no Espírito. A Lei torna-se um
“Antigo Testamento” só para aqueles que a desejam compreender
carnalmente”, isto é, detendo-se no sentido literal. Mas “para nós, que a
compreendemos e aplicamos no Espírito e no sentido do Evangelho, a Lei
é sempre nova, e os dois Testamentos são para nós um novo Testamento,
não por causa da data temporal, mas pela novidade do sentido… Ao
contrário, para o pecador e para quantos não respeitam o pacto da caridade,
também os Evangelhos envelhecem” (Hom. Num. 9, 4).
Fonte: Disponível em http://www.veritatis.com.br/patristica/biografias/
origenes-de-alexandria/

No trecho acima, entendemos um pouco melhor o pensamento de


Orígenes, que na tentativa de “suavizar” o AT promoveu alguns absurdos
hermenêuticos, promovendo interpretações equivocadas das Escrituras.

Entretanto não devemos pensar que Orígenes não dava importância ao


sentido literal do texto, na verdade ele sempre iniciava a sua exegese pelo sentido
literal e seu contexto para depois encontrar o sentido espiritual. Ele também
observava dois parâmetros importantes a Regra de Fé da Igreja e a Escritura
interpreta a Escritura.

Embora surgisse no quarto século a Escola de Antioquia como um


contraponto a Hermenêutica alegórica, essa escola influenciou muitos bispos e
teólogos posteriores, descobertas arqueológicas recentes tem demonstrado isso,
como nos mostra o exemplo abaixo:

[...] o texto de João 2.1 ( três dias depois, houve um casamento em Caná da
Galiléia) tem os seguintes valores alegóricos: os “dias” são Cristo; “três” é
a fé; “um casamento” é um chamado aos gentios e “ Caná” é a Igreja.
Provérbios 10.1 ( O filho sábio alegra seu pai, mas o filho insensato é a

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tristeza da sua mãe.) é alegorizado da seguinte maneira: “ o filho sábio” é
Paulo; “o pai” é o Salvador; “o filho insensato” é Judas; “ a mãe” é a
Igreja.
( Kaiser e Silva, 2002. p.212)

O exemplo acima é datado do sétimo século, porém é um exemplo


típico da Escola de interpretação de Alexandria.

Escola de Antioquia

A reação a hermenêutica alegórica surgiu na Antioquia, que ao


contrário dos exegetas alexandrinos, dizia que o sentido espiritual não podia estar
apartado do sentido literal da Escritura. Segundo Kaiser e Silva (2002), “ o lema da
Escola de Antioquia era a Theoria, que vem do grego ver.” Fundado no terceiro
século, não existe consenso por quem, teve como os seus maiores expoentes
Teodoro de Mopsuestia (350 – 428 d.C.) e João Crisóstomo (347? – 407 d.C.).
Leiamos o que Kaiser e Silva (2002) registra sobre esta escola:

Os exegetas da Escola de Antioquia eram unidos e determinados em sua


preocupação de preservar a integridade da História e do sentido natural da
passagem. Mas eles também estavam igualmente preocupados com o
excesso de literalidade, bem como com o excesso de alegoria ou com
aquilo que eles chamavam de “judaísmo”. Os dois extremos eram
igualmente perigosos; somente a theoria podia oferecer o caminho
intermediário afastado dos perigos de ambos os lados.
( KAISER e SILVA, 2002.p.213)

A escola de Antioquia entendia que um texto poderia ter apenas um


significado e que todos os sentidos condensavam-se em apenas uma interpretação.
Os eruditos de Antioquia , segundo Virkler (1987) defendiam o método gramático-
histórico de interpretação e, ao contrário dos alexandrinos, entendiam ser
verdadeiras todas as histórias do AT. Escreve Virkler:

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Por exemplo, de acordo com os alegoristas, a partida de Abraão de Harã
significava a sua recusa em conhecer as coisas por meio dos seus sentidos;
para os antioquenses , representava um ato de fé e confiança ao seguir o
chamado de Deus para deixar a cidade histórica de Harã e dirigir-se à terra
de Canaã.
( VIRKLER, 1987.p.460)

O exemplo acima no mostra que a hermenêutica da Escola de Antioquia


é o embrião da moderna hermenêutica evangélica. Segundo Virkler, infelizmente,
por causa de Nestório8 (386 – 451d.C.), discípulo de Teodoro, esta Escola de
Interpretação teve vida curta no seio da Igreja.
Teodoro de Mopsuéstia (350 – 428 d.C.) e João Crisóstomo foram os
maiores expoentes dessa escola, os dois foram educados pelo notável retórico e
filósofo Libânio. Segundo Dockery, “Teodoro de Mopsuéstia, a quem as gerações
posteriores venerariam como o “o intérprete por excelência”, distinguia entre o
exegeta puro e o pregador: a tarefa do exegeta era a comunicação do ensinamento
manifesto do evangelho.”
A busca pela literalidade do texto era tão forte em Teodoro que mesmo
passagens que podiam ser interpretadas como figuradas ele procurava o sentido
literal. Leiamos o que Dockery escreve a respeito:

Em Jo 1.51, Jesus promete a Natanael uma visão dos anjos de Deus


subindo e descendo sobre o Filho do homem; Teodoro interpreta isso
como uma referência ás visitações angélicas literais na tentação em
Getsemâni, na época da ressurreição e na da ascensão. Em 5.25, Jesus
declara que “ está chegando a hora [...] em que os mortos ouvirão a voz do
Filho de Deus, e aqueles que ouvirem viverão.; Teodoro faz referência
simplesmente ao filho da viúva de Naim, à filha de Jairo e a Lázaro. Em
14.18 e 28 Jesus promete a seus discípulos que voltará para eles; Teodoro
encontra o cumprimento dessa promessa nos acontecimentos históricos das
aparições pós-ressurreição.
(DOCKERY, 2013. p.107)

8
Nestório defendia que em Jesus residia duas naturezas distintas, a humana e a divina, e que por esta razão Maria não
poderia receber o título de Theotokos (mãe de Deus) e sim Christotokos (mãe de Cristo. Nestório foi condenado no
concílio de Éfeso em 431 d.C. por seu posicionamento teológico.

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Dali para a frente a hermenêutica dos séculos subsequentes adotará uma
postura mais eclética, pendendo ás vezes para a hermenêutica alegórica e outras
vezes para a hermenêutica gramática-histórica. Os séculos IV e V foram pródigos
em grandes homens de Deus, Agostinho e Jerônimo seus principais expoentes. A
grande mudança em relação aos períodos posteriores foi a tradição na interpretação
das escrituras, o que, ainda hoje, a Igreja Católica Romana coloca em pé de
igualdade com a própria Escritura.

Embora fossem admiradores das interpretações alegóricas Jerônimo e


Agostinho adotaram uma postura mais literalista nas suas interpretações das
Escrituras.
Jerônimo ( cerca de 341 – 420 d.C.) foi um dos maiores eruditos da
igreja, sua maior contribuição foi a tradução da Bíblia para o Latim, a vulgata latina.
A sua tradução ele fez das línguas originais, abandonando a Septuaginta, traduziu o
AT diretamente do hebraico; ele também abandonou a tradução palavra por palavra,
traduzindo o sentido das frases para o latim. Jerônimo, ao traduzir o AT do hebraico,
rejeitou todos os livros apócrifos, colocando apenas os livros da Bíblia Judaica,
validando o valor do AT para o cristianismo em geral.
Leiamos exemplos da sua hermenêutica na citação de Dockery abaixo:

No salmo 3, o “santo monte” de onde Deus responde ao salmista pode ser


uma referência tanto ao Filho de Deus quanto à igreja. No salmo 4, as
referências podem ser apenas a Cristo, visto que o salmista possui uma
justeza que não é adequada sequer a Davi. No salmo 5.2, a expressão “meu
Rei e meu Deus” refere-se a Cristo, que é Rei e Deus da Igreja. Além
disso, todo o salmo 17 diz respeito a Cristo na pessoa de Davi.
(DOCKERY, 2013.p127)

A título de informação Jerônimo foi o grande artífice da doutrina da


virgindade de Maria, ele dava um grande valor a virigindade e pouco ao casamento,
vejamos abaixo a citação de Dockery:

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Em sua obra, Against Jovinian [contra Joviniano], um antigo asceta que
havia desistido das práticas extremadas e que escrevera contra a vida
monástica, Jerônimo afirmou que “comer carne, beber vinho e ter um
estômago bem alimentado” formavam “ a sementeira da luxúria”. Em
outra passagem ele enalteceu a vida ascética respondendo à acusação de
que era contra o matrimônio, com a seguinte frase: “ Eu deveria gostar de
todos aqueles que arrajam uma esposa porque, por causa dos terrores da
noite, têm medo de dormir sozinhos.”
(DOCKERY, 2013.p.130)

Agostinho é, sem dúvida, o maior expoente do pensamento cristão,


reconhecido tanto por protestantes como pelos católicos. Filho de uma mãe cristã,
Mônica e uma pai não cristão, levou uma juventude de pecado e luxúria e, antes dos
vinte anos, já era pai de um filho ilegítimo; os detalhes da sua vida são conhecidos
pelo seu livro Confissões. Converteu-se ouvindo a pregação de Ambrósio (339 –
397d.C.). Leiamos abaixo a autodescrição da sua conversão:
Sondei as profundezas de minha alma e de lá arranquei todas as misérias
que lá havia. Quando as coloquei diante dos olhos de meu coração, uma
tempestade irrompeu dentro de mim, trazendo consigo uma chuva
torrencial de lágrimas. [...] Pois eu sentia que ainda era escravo de meus
pecados, e em minha tristeza eu continuava chorando: “ Por quanto tempo
continuarei a dizer ‘amanhã’, ‘amanhã’? Por que não agora? Por que não
colocar um fim em meus horríveis pecados neste exato momento?
Isso eu me perguntava, chorando o tempo todo com a mais amarga dor no
coração, quando, de súbito, ouvi a voz de uma criança que cantarolava nas
casas vizinhas. Não sei dizer se era menino ou menina, mas repetia
diversas vezes um refrão: “ Toma e lê, toma e lê.” Imediatamente pus-me a
pensar se havia algum tipo de brincadeira na qual crianças costumavam
cantar aquelas palavras, mas não consegui me lembrar de tê-las ouvido
antes. Contive as lágrimas e me levantei, dizendo a mim mesmo que aquilo
só poderia ser uma ordem de Deus para que eu abrisse meu exemplar da
Escritura e lesse a primeira passagem que meus olhos encontrassem [...]
Tomei-o nas mãos e o abri e, em silêncio, li a primeira passagem sobre a
qual meus olhos caíram: “...não em orgias e bebedeiras, não em
imoralidade sexual e depravação, não em desavença e inveja. Ao contrário
revistam-se do Senhor Jesus Cristo, e não fiquem premeditando como
satisfazer os desejos da carne”. Não tive vontade de ler mais nem precisei
fazê-lo. Num instante, assim que acabei de ler o final da passagem, foi
como se a luz da fé inundasse meu coração e todas as trevas da dúvida se
dissiparem.
(AGOSTINHO,386 d.C.)

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Agostinho utilizava-se tanto da hermenêutica literal como da
hermenêutica alegórica, pois reconhecia muitos significados espirituais nas
passagens bíblicas, porém diferentemente de Orígenes cria em todas as passagens do
AT. Vejamos alguns exemplos:

Agostinho apresentou significados espirituais de muitos dos


acontecimentos relatados no Gênesis. Ele comentou que a porta da Arca da
Noé (Gn 8.13) representava a ferida feita no flanco de Cristo em sua
crucificação. Ele afirmava que Abraão, ao ser pai de um filho com Hagar,
serva de sua mulher (Gn 16) não deveria ser censurado, porque esse ato
não havia sido consumado com concupsciência. Seu casamento com
Quetura, sua segunda esposa (Gn 25), também não foi resultado da luxúria
da carne, mas uma prefiguração do “povo carnal” que pensava pertencer a
segunda aliança (v. Jr 31; 2 Co 3).
(DOCKERY, 2013.p135)

É de Agostinho a célebre frase: “ Credo ut intelligam” (Creio para


poder entender). Este princípio de Isaías 7.9. Na sua interpretação sempre buscava o
sentido teológico e espiritual, pois, afinal, para ele, a interpretação deve sempre nos
aproximar mais de Deus e do próximo. Muito da sua hermenêutica ele herdou do
seu pai espiritual, Ambrósio. Pai que mostrou o método alegórico, vejamos o que
ele mesmo escreve sobre isso:

Eu ouvia deliciado Ambrósio, em seus sermões ao povo, recomendar,


diligentemente, o seguinte texto como regra: “ A letra mata, mas o Espírito
vivifica” (2 Co 3.6), enquanto ao mesmo tempo, afastava o véu místico e
revelava o significado espiritual daquilo que parecia ensinar uma doutrina
perversa caso fosse tomado ao pé da letra.
(AGOSTINHO, ?)

Vimos na citação acima, um erro crasso de interpretação, que até bem


poucos anos, era utilizado para justificar a não necessidade de estudarmos a Bíblia,
já que a “ letra mata”. Embora, por muitas vezes, Agostinho abussase da
interpretação alegórica, ele não desprezava o sentido original do texto; sempre
servindo-se do sentido literal para buscar o espiritual.

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Agostinho legou para a idade média o sentido quadrúplo das escrituras,
adotado amplamente pelos teólogos medievais. Conforme Dockery os quatro
sentidos eram: 1)o literal; 2) o alegórico; 3) o tropológico ou moral e 4) o
anagógico. Também foi Agostinho, que enfatizou a necessidade da interpretação ser
avalizada pela Igreja, a fim de combater as seitas heréticas que proliferavam.
Para resumirmos os princípios deste período da igreja, leiamos abaixo
as contribuições listadas por Anglada (2016):

1. As Escrituras são o registro histórico-profético inspirado e autoritativo


da revelação divina.
2. Deve-se abordar o cânon bíblico como uma unidade cristocêntrica. O
Antigo e Novo Testamento se concentram em Cristo.
3. A fé é o pré-requisito fundamental para o intérprete das Escrituras.
Máxima de Agostinho: Credo ut intelligam (creio a fim de que possa
entender), também atribuída a Anselmo.
4. Deve-se considerar o sentido literal e histórico do texto. Qualquer
sentido espiritual deve fundamentar-se no sentido literal e histórico. A
exposição, entretanto, deve enfatizar mais o espírito do texto do que a
acuracidade verbal.
5. O propósito do expositor com relação ao texto é descobrir o seu sentido
e não atribuir-lhe sentido. Com relação aos ouvintes, é promover o amor
de Deus e ao próximo, e uma vida ordeira em direção a Deus.
6. O credo ortodoxo (Regula Fidei) deve controlar (não dominar) a
interpretação das Escrituras.
7. O texto não deve ser estudado isoladamente, mas no seu contexto
canônico geral.
8. Se o texto for obscuro, não pode se tornar matéria de fé. As passagens
obscuras devem dar lugar às passagens claras.
9. O Espírito Santo não dispensa o aprendizado das línguas originais, de
geografia, de história, das ciências naturais, de filosofia, etc.
10. As Escrituras não devem ser interpretadas de modo a se contradizerem.
Para isso, deve-se considerar a progressividade da revelação.
(ANGLADA, 2016.p.63)

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Alta Idade Média

Na idade Média não temos grandes novidades na hermenêutica, os


fundamentos lançados pelos pais da igreja foram seguidos pelos eruditos dos séculos
posteriores, a grande novidade é que agora os princípios de interpretação deveriam
adaptar-se com as Tradições da Igreja. Sobre este período Kaiser e Silva (2013)
escrevem:

Um dos mais instruídos intérpretes das Escrituras daquela época, Hugo de


São Vitor (1096? – 1141 d.C), declarou: “ Aprenda primeiro em quê deve
acreditar e então vá até a Bíblia e encontre lá esse preceito!”. Porém,
mesmo que Hugo tenha vivido mais de cem anos antes de Tomás de
Aquino, parece ter assimilado um dos principíos de Aquino de que a pista
para o significado das profecias e matáforas era a intenção do escritor,
tendo em vista que o sentido literal incluía tudo o que o escritor do texto
sagrado pretendia dizer.
(KAISER e SILVA, 2013.p.215)

A figura central desse período foi Tomás de Aquino (1225 – 1274 d.C.)
que defendeu o sentido literal das escrituras, embora também entendesse que o
significado poderia ser expandido e que havia um significado espiritual nas
Escrituras. Outra figura proeminente foi Nicolau de Lira ( 1270 – 1340 d.C.) que
defendeu mais fortemente o sentido literal das escrituras, abandonando de vez a
hermenêutica alegórica da escola de Alexandria. A obra de Nicolau de Lira
influenciou Lutero e sua hermenêutica ecoou posteriormente na Reforma.

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7. A HERMENÊUTICA DA REFORMA

Antes de estudarmos a hermenêutica da Reforma é importante


entendermos o contexto que levou a Reforma da Igreja.
A Idade Média foi, sem dúvida nenhuma, uma época terrível para o
cristianismo. Não é debalde, que os historiadores a auto denominem a idade das
trevas. Pois eram as mais densas trevas que reinavam sobre a humanidade naquela
época, ao menos na perspectiva cristã.
Na minha ótica, é muito simplista culparmos apenas a anexação da
Igreja pelo Imperador Constantino no século IV, como a raiz de todo mal que se
infiltrou nela. Este, sem dúvida, foi um fator importante, mas houve tantos outros,
que seria impossível atribuirmos algum valor intrínseco para todos os
acontecimentos que levaram a Igreja para o estado lastimável, no qual, ela se
encontrava na Idade Média.
A população, em geral, vivia em uma ignorância total em relação às
escrituras, pois além de não ser permitido, pela Igreja, o acesso das pessoas comuns
a palavra de Deus, os livros, antes da invenção de Gutemberg, era coisa para
poucos. As missas que deveriam ser o momento dos sacerdotes ensinarem a palavra
de Deus ao povo, eram rezadas em latim, língua desconhecida pelo populacho. E a
situação moral do clero, que deveria servir de exemplo para os fiéis, era a mais
baixa possível. O nepotismo, as negociatas, as bebedices e orgias e a falta de
castidade, era não só comum no baixo clero, como também entre os bispos, e até
mesmo no papado. Havia até mesmo um adágio popular no tempo de Lutero que
dizia: _“Quem vai a Roma, perde a fé”. Apesar desta ignorância, os homens eram
famintos por Deus, pois era uma época, na qual, a morte era uma constante na vida
de cada pessoa. A fome, as pestes e doenças em geral grassavam no meio da
população. A expectativa de vida não chegava aos 30 anos e a mortalidade infantil

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era muita alta. Não restava nada àquelas pessoas a não ser buscar o abrigo sob as
asas da “Sacra Santa Igreja Católica Romana”. A busca pela salvação era algo que
atormentava o homem medieval. E, infelizmente, a “Santa Igreja”, ao invés de
aliviar as dores de seus fiéis, lhe impunha uma bem engendrada indústria de
penitências. O cristão era obrigado a atender todos os sacramentos em sua vida,
pagar penitências, bem como adorar as santas relíquias9, assistir as missas e se
tivesse algum dinheiro comprar as indulgências10. O Clero fazia o máximo possível
para se distanciar do povo e manter o seu status quo de sacerdotes. Não é difícil
descobrirmos o porquê do sucesso do movimento dos Franciscanos11, bem como dos
Valdenses, entre o povo. Esses foram movimentos que pregavam a volta a
simplicidade da Igreja primitiva.
Felizmente, houve homens sinceros na sua fé e no cumprimento da
palavra de Deus, que levantaram as suas vozes contra os desmandos da Igreja.
Homens que pagaram um preço de sangue pela sua consciência e pela sua crença.
Com certeza não podemos relacionar todos os nomes destes heróis da fé, pois só
temos conhecimentos daqueles que de alguma forma obtiveram proeminência na
história, mas quantos não foram os sacerdotes, clérigos, estudantes da bíblia , que
tiveram as suas vozes caladas e sua vidas ceifadas como hereges. O que temos que
ressaltar, porém, é que a reforma não surgiu por nenhum líder visionário, sonhador
ou dado a revelações, mas sim pelo estudo sistemático da palavra de Deus. É por
isso que a Reforma Protestante pode ser denominada o reavivamento da palavra,
pois o que foi reavivado na Reforma, foi a aplicação da Palavra de Deus. O Lema
dos Reformadores era “Somente as Escrituras”. E sem dúvida nenhuma, todo

9
Somente o Principe Frederico da Germânia , contemporâneo de Lutero, possuía 17.443 relíquias cuja adoração valia
aos fiéis 127.779 anos de indulgência. Entre as relíquias, podemos citar plumas das asas do Arcanjo, Miguel, feno da
manjedoura de Jesus, o polegar de Santa Ana mãe de Maria.
10
A igreja julgava , por a sua disposição os méritos de Cristo e de todos os Santos da Igreja, de forma que criou uma
doutrina para que estes méritos fossem vendidos àqueles que tinham tempo para pagar as suas penitências. Convém
salientar as indulgências somente aboliam as penas do purgatório e não do inferno.
11
São Francisco de Assis, pregava uma aproximação maior entre o sacerdote e o povo, assim com Pedro Valdo,
fundador do movimento dos Valdenses

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avivamento deve sempre começar pela estudo da palavra de Deus. Coube aos
reformadores tornarem a palavra de Deus acessível aos cristaõs. “E conhecereis a
verdade, e ela vos libertará”.
Enquanto a igreja debatia nos seus pecados, as descobertas marítimas, o
mercantilismo e o aparecimento da burguesia refletiam na intelectualidade da época,
iniciava-se o período histórico que denominamos de Renascença. Dentre as muitas
mudanças do período, a busca pelo conhecimento e a valorização do ser humano,
levou alguns eruditos ao estudo das línguas clássicas: o grego, o latim e mesmo o
hebraico. Leiamos o que Anglada escreve a acerca disso:

O movimento cultural humanista nos séculos XV e XVI, reavivando o


estudo do grego e do hebraico e suscitando o interesse pela literatura
clássica antiga, também contribuiu para a revolução hermenêutica
promovida durante a Reforma. Na Itália, o retorno ás fontes gregas
clássicas ocasionou o Renascimento. No norte da Europa, o retorno
ocorreu em direção às fontes bíblicas (o Antigo Testamento em hebraico e
o Novo Testamento grego) e o resultado foi a Reforma.
(ANGLADA, 2016.p.66)

O trabalho linguístico de dois homens da Renascença tiveram um


impacto imensurável para as traduções da bíblia nos vernáculos falados pelo povo,
Johanes Reuchlin e Desidério Erasmo, o último bem conhecido pelos estudantes de
história. Reuchlin elaborou e publicou a primeira gramática hebraica, bem como um
léxico hebraico, conforme Anglada (2016), muitos afirmavam que Jerônimo havia
renascido. Por sua vez, Erasmo publicou em 1516 seu NT crítico em grego. Todos
os dois foram as bases para Lutero, posteriormente, traduzir a Bíblia para o alemão.
Toda a língua moderna tem seu o escritor considerado como pai da versão moderna
da língua, em nosso português é Luis Vaz de Camões; no italiano Dante Alighieri;
no inglês William Shakespeare e no alemão é Lutero, com sua tradução das
Escrituras.

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Os pré-reformadores e reformadores foram grandes defensores da
interpretação literal das Escrituras. Lutero, no seu tradicional rompante, chegou
afirmar: “ que as alegorias de Orígenes não valem mais do que pó”, pois “ as
alegorias são especulações vazias [...] a escória das Escrituras Sagradas.”
Segundo Anglada (2016): “A redescoberta das doutrinas bíblicas pelos
reformadores e a reforma eclesiástica dela decorrente foram precedidas por um
evidente rompimento com os princípios hermenêuticos e com as práticas exegéticas
medievais predominantes.” É muito claro, que uma das causas da Reforma foi a
retomada dos estudos da Palavra de Deus, ignorando o prisma da Tradição da Igreja
e retomando o sentido literal das Escrituras. A Bíblia voltou a ter um papel
prepoderante nas Igrejas Reformadas.
Abaixo listaremos algumas características da Hermenêutica reformada,
extraída de LOPES (2013):
a) Ênfase do sentido literal, gramático-histórico do texto.
De acordo, os reformadores ensinavam que cada texto tem um só sentido,
que é o literal _ a não ser que o próprio contexto ou outro texto das
Escrituras requeiram claramente uma interpretação figurada ou metafórica.
b) A necessidade da iluminação do Espírito Santo
Os reformadores enfatizaram a natureza divina das Escrituras, isto é, que
elas foram dadas por inspiração divina. A natureza espiritual da mensagem
das Escrituras era a principal barreira à sua compreensão por parte de
pessoas que não tem o Espírito.
c) A necessidade de estudar as Escrituras
Igualmente, os reformadores reconheciam que a Bíblia é um livro humano.
Muito embora insistissem na clareza das Escrituras, já que eram divinas
quanto à origem, reconheciam por outro lado a necessidade de serem
estudadas e pesquisadas, visto que também eram humanas.
d) Escritura com Escritura
“Se são obscuras num lugar, são claras em outros”, disse Lutero com
referência às Escrituras. Esse princípio da Reforma estabeleceu que a
única regra infalível de interpretaçãi das Escrituras é a própria Escritura.
Ela se autointerpreta, elucidando, assim, suas passagens mais difícieis. O
ponto de Lutero e dos demais reformadores era que o sentido das
Escrituras não poderia mais ser determinado por tradição, nem por decisão
eclesiástica, nem por argumento filosófico, nem por intuição espiritual,
mas unicamente por outras partes das mesmas que explicam e esclarecem
o seu sentido.

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e) Intenção do autor humano
Em lugar do conceito da alegorese medieval de que um único texto da
Bíblia tinha quatro sentidos, os reformadores insistiram que havia apenas
um sentido em cada texto, que era pretendido pelo autor humano. Já que o
autor humano havia sido inspirado por Deus, havia a coincidência de
intenções.
f) Uso de outras obras
Os reformadores fizeram uso abundante da erudição antiga, citando
comentaristas medievais, as obras dos pais apostólicos e obras de
contemporâneos. Apesar de insistirem na necessidade da iluminação do
Espírito para a correta interpretação das Escrituras, não desprezaram o que
Espírito já havia revelado a outros antes deles.
(LOPES, 2013.p.164)

A hermenêutica Reformada lançou as bases para as hermenêuticas


subsequentes, sempre voltadas para o aspecto gramático-histórico das Escrituras.
Contudo, três séculos depois o Iluminismo, iria trazer correntes filosóficas que iriam
modificar a face do cristianismo.

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8 HERMENÊUTICA MODERNA

Para entendermos a Hermenêutica moderna, temos primeiro que


compreender o Iluminismo. Leiamos a definição do Iluminismo extraída da internet:

O iluminismo foi um movimento global, ou seja, filosófico, político,


social, econômico e cultural, que defendia o uso da razão como o melhor
caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a emancipação. O
centro das idéias e pensadores Iluministas foi a cidade de Paris.
Os iluministas defendiam a criação de escolas para que o povo fosse
educado e a liberdade religiosa. Para divulgar o conhecimento, os
iluministas idealizaram e concretizaram a idéia da Enciclopédia (impressa
entre 1751 e 1780), uma obra composta por 35 volumes, na qual estava
resumido todo o conhecimento existente até então.
O iluminismo foi um movimento de reação ao absolutismo europeu, que
tinha como características as estruturas feudais, a influência cultural da
Igreja Católica, o monopólio comercial e a censura das “idéias perigosas”.
O nome “iluminismo” fez uma alusão ao período vivido até então, desde a
Idade Média, período este de trevas, no qual o poder e o controle da Igreja
regravam a cultura e a sociedade.
Fonte: Disponível em http://www.infoescola.com/historia/iluminismo/

Conforme a definição acima, o pensamento principal do Iluminismo é a


busca pelo racional, evidentemente, os aspectos sobrenaturais da Palavra de Deus
não poderiam mais ser aceitos como acontecimentos reais, visto que não podem ser
reproduzidos cientificamente. Outro aspecto importante, foi a oposição à Igreja, por
parte dos principais filósofos iluministas.
A busca pela razão levou o homem a duvidar de tudo que não pudesse
ser racionalmente compreendido. A hermenêutica bíblica, até então, perdia a sua
premissa básica, a sua inerrância e infabilidade das Escrituras como regra de fé.
Portanto, fazia-se necessária uma hermenêutica que dispensasse tudo aquilo que não
pudesse ser explicado cientificamente e, tudo que não fizesse parte da razão não
poderia ser, realmente, Palavra de Deus.

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Sobre esta nova “reinterpretação” da Bíblia, Lopes diz:
Estudiosos racionalistas começaram a insistir que o “dogma” da inspiração
divina da Bíblia deveria ser deixado fora da exegese, para que a mesma
pudesse ser feita de forma “neutra”. Eram contra qualquer dogma em geral
como pressuposto de leitura da Bíblia, pois entendiam que todas as
convicções de caráter teológico tendem a viciar os resultados da pesquisa
bíblica. Eram especialmente contrários à doutrina da inspiração pois a
mesma impedia que a Bíblia recebesse tratamento crítico, como um livro
humano.
(LOPES, 2013.p186)

Curiosamente, a hermenêutica contemporânea nega exatamente o que a


racionalista buscava a possibilidade de encontrarmos o significado ou sentido
pretendido pelo autor, na verdade, algumas linhas de interpretação atuais
consideram o texto, depois de escrito, um ente autônomo, para qual não há nenhuma
relevância em se conhecer o sentido original.
Devido a brevidade do nosso estudo, abordaremos as principais linhas
de pensamento da hermenêutica dos séculos XIX e XX, a fim de entendermos o
momento hermenêutico que precedeu a pós-modernidade.
Essa exegese controlada pela razão, trouxe um grande problema para os
seus intérpretes, saber o que afinal era palavra de Deus e o que não; agora a bíblia
era um livro que continha a Palavra de Deus e não mais a própria Palavra.
Embora o tempo decorrido entre as histórias do NT e o momento do
seu registro histórico seja relativamente curto para o surgimento do mito, as obras
de Josh Mcdowell abordam muita bem a questão, esse foi a “saída” para os
estudiosos racionalistas explicarem os eventos sobrenaturais da Escritura. Leiamos o
que Lopes escreve sobre isso:

O conceito de “mito” começa a ser aplicado aos relatos miraculosos do


Antigo Testamento e Novo Testamento. Mito era a maneira pela qual a
raça humana, em tempos primitivos, articulava aquilo que não conseguia
compreender. Segundo os intérpretes críticos, as fontes que os autores
bíblicos usaram estavam revestidas de mitos. Surge o termo “alta crítica”

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para se referir a essa tarefa de “criticar” o relato bíblico e “limpá-lo” dos
acréscimos mitológicos.
(LOPES, 2013.p188)

Desta “tensão” criada pelo racionalismo emergiu uma nova


Hermenêutica que passou a ser conhecido como método histórico-crítico. Embora se
considerasse as questões históricas e gramaticais, agora era necessário também se
fazer uma análise crítica dos textos bíblicos, visto que, debaixo da casca dogmática
e mítica introduzida nas escrituras, havia um núcleo original e, esse sim, a genuína
palavra de Deus.
Dentro da hermenêutica racionalista segundo Lopes surgiram vários
métodos de abordagem interprativa das Escrituras, são eles: “a crítica das fontes, da
forma, da redação literária, histórica e da tradição, etc.
Vejamos algumas desses métodos interpretativos das escrituras,
segundo Lopes:
Crítica das Fontes
Negando a integridade e a autoria tradicional dos livros bíblicos, a crítica
das fontes tem como objetivo identificar e isolar as supostas fontes escritas
que foram usadas pelos arquivistas, colecionadores ou editores para
compor o texto bíblico como o temos hoje, e estudar a teologia dessas
fontes.[...] Por causa de seu caráter altamente especulativo e pela falta de
unanimidade entre seus proponentes, a crítica das fontes está hoje
largamente desacreditada, muito embora algumas de suas hipóteses –
como o esquartejamento do livro de Isaías em três pedaços – ainda estejam
em voga em alguns seminários.
Crítica da Forma
Vai mais além que a crítica das fontes e ocupa-se com a pré-história das
fontes escritas que compuseram o texto. De acordo com a crítica da
forma, boa parte dos livros que compôem o Antigo e o Novo Testamento
é, em sua forma final, o resultado de um processo de coleção, edição e
harmonização de tradições antigas, fontes anteriores (escritas ou orais) por
parte de editores e escribas.
Crítica da Redação
Esse método centralizou as suas atenções na figura dos escribas,
arquivistas, editores ou colecionadores que haviam combinado as fontes
para formar o texto escrito em sua forma final. Para os críticos das fontes e
da forma, as fontes originais e o processo histórico e social da formação do
texto final eram inestimável valor para se recuperar a teologia das
comunidades que produziram esses textos.

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(LOPES, 2013.p191)

Hoje, como veremos no próximo capítulo, o método histórico-crítico


está superado. Em um âmbito mais amplo, a crença que a ciência iria resolver todos
os problemas da humanidade caiu por terra durante a Primeira Grande Guerra. Na
Hermenêutica, a tentativa racionalista de interpretar a Bíblia acabou rebaixando ela
a um livro meramente humana e o cristianismo mais uma religião entre tantas que
há no mundo. Embora todos os problemas, há contribuições significativas na
Hermenêutica racionalista, a busca por detalhes escriturísticos e as minúcias dos
manuscritos levou-nos a um conhecimento sem igual na exegese bíblica. Muitos
estudiosos desceram ao nível da palavra, estudando as ocorrências dentro das
epístolas, por exemplo. Hoje já se sabe qualificar o grego de cada um dos livros do
Novo Testamento, bem como, o hebraico utilizado no AT. Embora tenha produzido
mais dúvidas e dificuldades, algumas contribuições linguísticas, especialmente,
foram nos legado por esta escola hermenêutica.

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9 HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA

Para entendermos a hermenêutica contemporânea é fundamental


entendermos o pensamento dos seus artífices. Na verdade, alguns pensadores do
século XIX foram os primeiros a lançar os fundamentos do pensamento pós-
moderno, embora coevos do pensadores racionalistas.
Podemos, ao olharmos para trás, verificar que até aqui a ênfase sempre
foi dada para o texto bíblico, mesmo na escola alegórica, o que tinha o significado
“espiritual” era o texto; na quadrigma agostiniana e medieval a mesma coisa; não
foi diferente no método histórico-crítico, a verdade estava no texto, porém a
pergunta era qual parte do texto. Portanto quer de um modo ou outro, o texto reinava
soberano na hermenêutica. Contudo essa perspectiva irá mudar no século XX.
Em meados de 1800 o teólogo alemão Friederich Schleiemacher (1768
– 1834), segundo Anglada (2016), observou que a interpretação requer aspectos
linguísticos e psicológicos. Sinteticamente, ele afirmou, influenciado por Kant, que
para compreendermos realmente o texto temos que reexperimentar a vida do próprio
autor e que essa experiência só se daria de modo transcendental. De certa forma,
esta parâmetro colocava em xeque toda a hermenêutica racionalista que defende
uma abordagem neutra ao texto em análise.
Analisando o novo parâmetro introduzido por Schleiemacher na
hermenêutica e comparando com o que Paulo disse em 1Co 2.11: “Porque, qual dos
homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim
também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus.”; o teólogo
alemão tinha toda a razão, a busca pelo conhecimento da intenção do autor humano
pode ser infrutífera muitas vezes, porém o que ele não considerou foi a dupla autoria
da Bíblia, Deus e o homem.

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Como cremos na inspiração divina, é possível sim chegarmos ao
significado pretendido pelo autor, por vezes não o humano, mas com certeza o
divino. O apóstolo Pedro nos dá entender isso (2 Pe 1.19-21). Obviamente,
Schleiemacher introduziu um componente bastante subjetivo à interpretação da
Escritura. Anglada (2016) afirma que em Schleiemacher está a raiz do
existencialismo, escola filosófica que coloca a existência do ser como o cerne do
conhecimento humano.
A escola existencialista iniciada por Wilhelm Dilthey (1833-1911) e,
posteriormente, desenvolvida por Martin Heidegger (1889 – 1976) avança ainda
mais o movimento em direção ao leitor. Heidegger chega afirmar que o
conhecimento deve ser buscado no leitor, o autor não importa nesse processo.
Na esteira do Existencialismo e de Barth, com sua relevância focada no
leitor , entra em cena Rudolf Bultmam (1884 -1976), segundo Lopes, Talvez o
maior estudioso do Novo Testamento do século XX, Bultmam argumentava que era
impossível qualquer interpretação do texto bíblico sem pressupostos, ou seja, todo o
texto é lido através de bagagem cultural, social, dogmática do leitor. Bultmam
colocava de vez a pá de cal na hermenêutica racionalista. O foco interpretativo,
agora, deslocava-se totalmente para o leitor. Leiamos o que Kaiser e Silva (2013),
escrevem acerca de Barth e Bultmam:

[...] os objetivos teológicos de Bultmam, assim como os de Barth, foram


grandemente afetados por uma preocupação com a relevância. Ele
argumentava que se nós, cristãos modernos, não somos capazes de
acreditar em milagres, então devemos reapresentar a mensagem cristã
primitiva em termos que nos sejam compreensíveis. Esse princípio levou
Bultmam a desenvolver um método hermenêutico chamado de
desmitologização (ou talvez a descrição mais precisa seja a
remitologização).
(KAISER e SILVA, 2013.p.223)

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Embora, tanto Barth como Bultamann, rejeitassem o método histórico-
crítico é óbvio que os dois foram influenciados pela Alta Crítica. O criticismo, ainda
que quando falamos de século XX o mais correto seria nomearmos liberalismo,
embora tenha trazido contribuições importantes no aspecto textual e semântico dos
manuscritos bíblicos e suas traduções, deixou como maior legado o descrédito às
Sagradas Escrituras, pondo em xeque a sua inspiração divina e a sua inerrância,
rebaixando-a a um livro comum, assim como qualquer outro.
Bultmann não negava a possiblidade de Deus falar conosco por meio
das Escrituras, porém isso não indica que as histórias, personagens ou eventos da
Bíblia sejam genuínos ou verdadeiros, mas sim só que isto poderia se dar em um
encontro existencial entre o texto e o leitor.
Segundo Anglada (2016) para os proponentes dessa escola, “palavras
[...] têm uma função realizadora; a natureza delas não diz respeito ao conteúdo,
mas sim ao efeito”. Cabe aqui uma reflexão para nós pentecostais, com certeza, o
braço mais místico do cristianismo, desconsiderando aqui as seitas heréticas,
conquanto pareça absurdo a afirmação sobre a palavra, muitas vezes a nossa
exegese, especialmente, a que transforma-se em oratória, tem muito mais
compromisso com o efeito do que a verdade; torcemos intencionalmente a Palavra
de Deus para obtermos o efeito desejado em nossos ouvintes ou leitores. Àqueles
que semeiam a palavra de Deus devem ser muito cuidadosos nas suas homílias e,
especialmente, com a exegese que a precede.
Nesse ponto, quero dizer que entendo a hermenêutica existencialista,
apesar de que nos pareça absurda. Bultmann viveu no período da morte da razão, a
primeira grande guerra esfacelou os sonhos de uma sociedade ideal, sonho criado
pelo cientificismo e racionalismo; a ciência não dera conta de todas as quimeras
humanas; a hermenêutica racionalista desacreditava a Bíblia. Portanto Bultmann era
um filho do seu tempo que tencionava dar um passo em direção a uma fé que fizesse

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sentido ao seu mundo, contudo esqueceu do principal para uma vida cristã
equilibrada que a fé transcende a razão.
Não podendo acreditar nos aspectos sobrenaturais da bíblia, ele cria o
conceito da mitologização da bíblia, assim tudo aquilo que não fizesse sentido, ou
não pudesse ser comprovado pelo homem moderno era apenas um mito. Para
exemplificarmos o que a mitologização de Bultmam representava na prática,
leiamos Lopes escreve acerca:

Assim, os relatos de milagres, a possessão demoníaca, o conceito do


nascimento virginal, da encarnação e da ressurreição dos mortos, por
exemplo são mitológicos – nunca realmente ocorreram historicamente, e se
ocultamente, escondido ao olho humano e somente perceptível ao olho da
fé.
(LOPES, 2013.p.208)

Mesmo negando a veracidade dos aspectos sobrenaturais da Palavra de


Deus, há uma preocupação genuína com os leitores da Bíblia. Segundo Anglada
(2016) :

A preocupação principal dessa escola diz respeito especialmente a como as


Escritura podem falar novamente de forma renovada aos leitores e
ouvintes, especialmente, na pregação, visto que a simples repetição das
palavras do Novo Testamento, hoje, pode muito bem significar algo
diferente daquilo que o texto disse aos seus leitores originais.
(ANGLADA, 2016.p.36)

A possibilidade de ressignificação é real, afinal há uma enorme lacuna


cronocultural que separa o leitor moderno dos autores original, no entanto a
natureza humana é uma só, e uma das características da Bíblia é sua capacidade de
falar com o homem em todas as épocas e de todas as culturas. Por vezes assusta-nos
como um texto bíblico separado de nós por tantos aspectos, pode falar tão
diretamente com qualquer pessoa, a Bíblia tem a respostas para todas as
idiossincracias da humanidade, é o guia segura para uma vida feliz e abençoada.

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Para concluirmos vejamos o que Lopes (2013) escreve sobre a
hermenêutica de Bultmann:

Do ponto de vista dos estudos reformados do Novo Testamento há pouca


coisa que possa ser considerada positiva em Bultmann, a não ser seu
desejo de traduzir as Escrituras para a sua época e o reconhecimento de
que a mensagem do Novo Testamento transcende aspectos culturais (muito
embora as implicações que ele extrai desse último ponto terminem na não
proposicionalidade da mensagem divina). Bultmann representa o destilar
dos pressupostos racionalistas e existencialistas na exegese bíblica. Ele não
crê na Trindade, na encarnação, na inspiração da Bíblia, no sacrifício
vicário de Cristo, na ressurreição e na segunda vinda. Pelos credos mais
antigos da igreja e pelas confissões históricas, sua obra nem cristã poderia
ser considerada.
(LOPES, 2013.p.211)

Hermenéutica pós-moderna

Passado duas grandes guerras mundiais, o surgimento e


estabelecimento de novas ciências, entre elas, a linguística e a psicologia, a
desilusão do homem pós moderno com a ciência, novas correntes hermenêuticas
começam a surgir. Até aqui, vimos o foco centrado no texto e, por último no leitor.
Na pós modernidade, abordagens linguísticas ainda mais avançadas surgirão.
Focaremos nos três expoentes da hermenêutica atual e suas teorias, Hans-Georg
Gadamer, Paul Ricoeur e Jacques Derrida.
Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002), filósofo alemão, é um dos
maiores expoentes da hermenêutica do século XX, sua obra de maior vulto foi
verdade e método. Nesta obra Gadamer nega a possibilidade de eliminar-se os
pressupostos do leitor na interpretação, bem como, uma vez mais, reafirma a
impossibilidade de encontrarmos a intenção do autor. Gadamer coloca em dúvida
até mesmo a validade dos métodos de interpretação dos textos, já que todo o método
é fruto da sua época e, como tal, carrega consigo todos os seu pressupostos. Para ele
na interpretação há a fusão de dois horizontes; o horizonte do autor, com o seu

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mundo, sua cultura, sua visão de mundo e o horizonte do leitor, com todos os
aspectos já mencionados. Para entendermos melhor, leiamos o que Lopes (2013)
escreve acerca:

O entendimento de uma passagem não é causado inteiramente pelos


pressupostos do leitor e nem inteiramente pela situação histórica original
do texto, mas por uma fusão de ambas as perspectivas que Gadamer chama
de “horizontes”. “Horizontes” são os mundos vivos do texto e do
intérprete, que se fundem no processo de leitura para produzir uma nova
terceira e nova situação. O leitor expande o horizonte do texto ao
apropriar-se dele em uma nova situação histórica. O texto, por sua vez,
desafia o leitor expandir as estruturas e pressuposições que trouxe ao texto.
Dessa fusão dos horizontes vem o entendimento.
(LOPES, 2013.p.219)

Há uma influência de Piaget em Gadamer. Piaget explicava o processo


cognitivo de aprendizagem através da assimilação e acomodação. Ao receber um
novo estímulo você integra cognitivamente sua percepção sensorial ao que você
conhece (esquema), assimilando o novo conhecimento. Na acomodação quando
você não consegue assimilar uma nova informação, por não poder associar ao seu
conhecimento prévio, você acomoda criando um novo esquema.
Conquanto a fusão de horizontes seja uma explicação bastante razoável
na aquisição de conhecimento secular, o cristão sem ajuda do Espírito de Deus não
consegue nunca aprender os pensamentos de Deus. É como Paulo escreveu a
Timóteo: “ Sempre aprendendo, mas nunca chegando ao pleno conhecimento da
verdade.”(2 Tm 3.7). Os próprios apóstolos, mesmo privando do mesmo horizonte
de Jesus, não podiam compreender o que Jesus os ensinavam, exceto quando o
Próprio abriu seus entendimentos.

Depois lhes disse: Estas são as palavras que eu vos disse, quando ainda
estava convosco, que importava se cumprisse tudo o que de mim estava
escrito na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos. Então lhes abriu o
entendimento para que compreendessem as Escrituras; e disse-lhes:

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Assim está escrito que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos ao
terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão
de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois
testemunhas destas coisas.
Lucas 24:44-48 [grifo nosso]

Outra corrente interpretativa pós-moderna é a de Paul Ricoeur (1913 –


2005), Ricoeur é o pai da Hermenêutica da Suspeição. Leiamos o que Anglada
escreve sobre sua hermenêutica:

Ricoeur, reconhecidamente influenciado por Marx Nietzche e Freud, é


conhecido por sua hermenêutica da suspeição, através da qual busca, assim
como seus mestres mencionados, “ desmascarar, desmitificar e expor o
real, a partir do aparente”. Esses mentores da hermenêutica da suspeição
têm em comum o fato de terem “ procurado encontrar e explicar o
verdadeiro significado da religião, removendo o significado falso. Para
eles a religião não é uma fonte legítima de conforto e esperança em
realidades transcendentais. É, antes, uma ilusão psicológica, expressando o
desejo que cada pessoa tem por um pai todo-poderoso (Freud); “um
refúgio dos fracos”, fazendo a fraqueza parecer respeitável e louvável
(Nietzche); ou “o ópio do povo”, ao promover um meio de fugada dura e
desumana condiçãodo trabalhador explorado. (Marx)
(ANGLADA, 2016.p.41)

Mesmo que pareça que as ideias hermenêuticas de alguém abertamente


antireligioso como Ricoeur tenha a ver conosco (cristãos), seu corolário teórico tem
influenciado círculos liberais do cristianismo, especialmente, de algumas teologias
reacionárias da “igreja”, como a Teologia da Libertação.
Para Ricoeur, conforme Anglada (2016), o verdadeiro significado de
um texto, não está na intenção do autor nem no texto, mas no resultado de uma
dialética de suspeição entre o autor e o texto. Vê-se, mais uma vez, que
decifrarmos essa dialética é tão ou mais díficil de encontrar que a intenção do autor,
tornando a tarefa do hermeneuta algo totalmente subjetivo e desprovido de nexo.

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Paul Ricoeur foi um defensor da autonomia do texto, ou seja, quando o
autor entrega o seu texto para seus leitores ou ouvintes, o mesmo torna-se
independente, com vida própria.
Talvez, se exista alguma contribuição na teoria de Ricoeur para nós,
segundo Lopes (2013), seja a necessidade de suspeição quando descobrimos novos
significados no texto bíblico, na verdade, vimos sim que é necessário passar as
nossas interpretações da Bíblia pelas regras amplamente aceitas pelo cristianismo
em geral.
Outro erudito que queremos abordar é Jacques Derrida (1930-2004),
filósofo franco-magrebino12, é um dos estudiosos mais lidos e traduzidos no mundo,
dentre as suas contribuições, a que mais no interessa são seus escritos sobre
linguística e sua contribuição para a teoria da literatura, o descontrucionismo. Para
compreendermos melhor o pensamento de Derrida, leiamos o que Lopes (2013)
escreve sobre o descontrucionismo:

Essa abordagem hermenêutica é bastante complexa, como complexo é o


pensamento de seu inspirador, Jacques Derrida. Entretanto, sua penetração
nos meios acadêmicos tem sido tão grande que não podemos deixar de
mencioná-la. O descontrucionismo é uma prática de leitura que parte da
suspeita e do princípio de que todo texto, teoricamente, se autodestrói, pois
ele representa os interesses de dominação de determinados grupos. Rejeita
e busca descontruir qualquer noção de verdade que se proponha unitária,
absoluta, universal, ou mesmo coerente. Concentra-se em achar “rupturas”
ou inconsistências que tornam o texto contraditório ou sem sentido. É uma
forma de subjetivismo ou niilismo.
(LOPES, 2013.p.234)

O descontrucionismo de Derrida foi levado para várias áreas do


conhecimento e , infelizmente, também para a exegese bíblica, embora pareça uma
nova hermenêutica, o método histórico-crítico já vinha descontruindo o texto bílico
a algum tempo.

12
Fonte disponível em : https://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Derrida

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Um exemplo do trabalho da exegese descontrucionista é a análise que
John Dominic Crossan apud Lopes (2013) faz da história de Davi e Golias, para o
texto não nos permite saber se Davi enfrentou o gigante porque este desafiou a
Deus, ou se era ele apenas um jovem ambicioso, motivado pelas promessas do Rei
Saul, de recompensar quem enfrentasse Golias. Conquanto que uma leitura acurada
de I Sm 17 abra a possibilidade de considermos Davi um jovem ambicioso, visto
que, questiona alguns soldados sobre a recompensa a quem enfrentasse o gigante,
uma motivação não desqualifica a outra. É sim possível, compreendermos que havia
as duas motivações, contudo ressalta-se muito mais a sua motivação religiosa, além
do mais, o aspecto principal da história é a vitória que Deus concede a ele, as suas
motivações são secundárias.
Em resposta as teorias de Gadamer, Ricoeur e Derrida, que de certa
forma, norteiam a hermenêutica secular, alguns pensadores tem tentado retomar a
intenção do Autor, entre eles, o Doutor Eric Donald Hirsch (1928).
Hirsch em sua teoria faz distinção entre o significado (intenção
original do autor) e a significância ( aplicação alterável de um escrito a diferentes
contextos). Com sua teoria, ele retoma o valor original do texto, opondo-se a
autonomia do texto e proeminência do leitor na interpretação textual. Nas
considerações finais iremos retomar esse tema.
Conquanto pareça infrutífero para nós o estudo das teorias e filosofias
atinentes a hermenêutica, todas elas trazem alguma luz para a exegese dos textos
bíblicos. Embora algumas correntes importantes do cristianismo, como a reformada,
entenda que o metódo histórico-gramático, por si só, é capaz de dirimir quaisquer
óbices da interpretação bíblica, entendo que a exegese vai além do método
mencionado. Por esta razão, a definição de uma metodologia que leve em conta os
três vértices do triângulo da interpretaçãodo texto: o autor, o texto e o leitor; é

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necessária ser plenamente conhecida por todos aqueles que desejam conhecer
profundamente a vontade de Deus expressa através da sua Palavra.

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10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viajamos muitos séculos na interpretação bíblica e vimos várias escolas


hermenêuticas. Conquanto seja comum identificarmo-nos com algumas e
estranharmos outras, mesmo as escolas pós-modernas, trazem-nos alguma
contribuição, contudo, evidentemente, ao chegarmos ao fim da disciplina temos que
construir alguns pensamentos norteadores da nossa própria exegese.
Antes de entrarmos na hermenêutica, propriamente dita, retomemos a
nossa premissa básica, o nosso “aproach” da Escritura, o que a Bíblia é para nós?
Qual é a medida da sua influência sobre o nosso exercício da piedade? Nossas
decisões, especialmente as relacionadas a fé, são fundamentadas na Palavra de
Deus? Sem as respostas para estas perguntas, toda e qualquer questão de
metodologia, de exegese ou regras hermenêuticas tornam-se de somenos
importância. Feita essa reflexão de primordial inportância avancemos.
A fé, como conhecemos hoje, é uma construção fundamentalmente do
quatro primeiros séculos, portanto é impossível uma abordagem neutra as suas
páginas, mesmo Jesus como os apóstolos fizeram uma abordagem cristocêntrica as
Escrituras, no caso o AT. Sendo assim, a ideia de que é possível fazer uma exegese
bíblica totalmente neutra que extraia somente o que os aspectos históricos-
gramaticais trazem no texto é inexequível. Entranto uma exegese que ignore os
aspectos históricos-gramaticais não é uma exegese honesta e apropriada à Escritura.
Por esta razão faz-se necessário uma hermenêutica bíblica comprometida com o
significado original, porém sem esquecer a sua significância para os nossos dias.
Gostaríamos, para concluir, registrar cinco pontos irremovíveis no
exercício da Exegese Bíblica. O primeiro é a Bíblia interpreta a Bíblia, o maior
“esclarecedor da Escritura é a própria Escritura, nenhuma doutrina fundamental é

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abordada de forma obscura na Palavra de Deus, tudo que nos é necessário para o
exercício de uma piedade sadia está muito claro na Bíblia.
Segundo ponto, não destaque a passagem em análise dos seus
contextos, sim contextos no plural pois são diversos. Nunca dissocie a passagem do
seu contexto histórico, por exemplo: em que momento a passagem foi escrita? em
qual lugar? a quem se dirigia? Qual a motivação original?. Não ignore o contexto
gramatical; o contexto imediato, geralmente alguns versículos antes e depois da
passagem, e o contexto remoto, qual o tema do livro em análise, por exemplo, nos
evangelhos, o que o evangelista queria enfatizar? Portanto nunca interprete qualquer
passagem fora dos seus contextos.
Terceiro ponto, o que é inerrante e infalível são os autógrafos da Bíblia,
qualquer tradução, ainda que possamos confiar integralmente nas traduções que nos
chegam as mãos, é uma tradução e pode ter perdido um pouco da essencia original.
Portanto, leia diversas traduções, estude o máximo possível, leia comentários e bons
livros.
Quarto ponto, toda interpretação da Bíblia tem ao fim e ao cabo, a
aplicação de princípios divinos ao viver cristão contemporâneo. Uma exegese que
não leve ao crescimento intelectual e espiritual, não tem nenhum sentido, nenhum
valor. Aproximar-se da Bíblia apenas para adquirir conhecimento só serve para a
nossa própria condenação.
Quinto ponto, a Bíblia é um livro tanto humano como Divino, além de
todas as ferramentas linguísticas, procure auxílio do Espírito Santo nas suas
interpretações. Uma vida santa de oração e jejum é imprescindível para a perfeita
compreensão da Escritura.

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11 BIBLIOGRAFIA

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_ DOCKERY, David S., Hermenêutica Contemporânea. 1ª Edição. São Paulo: Editora Vida, 2013
_ HENRICHSEN, Walter A.; Princípios de Interpretação da Bíblia. 6ª Edição. São Paulo: Editora
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