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A obra escolhida pelo grupo para a realização trabalho é a Garagem de Barcos do Clube
Santapaula, de autoria dos arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. A obra data de
1961, sendo um dos primeiros exemplares manifestando as características essenciais da
arquitetura brutalista da escola paulista, como assim entendemos.
Trata-se de uma obra de grande valor histórico, não apenas pela sua relevância dentro da
trajetória profissional de dos maiores expoentes deste movimento artístico-arquitetônico,
mas também por sua inserção geográfica, à beira das margens da represa Guarapiranga,
em Interlagos, revelando um vetor de crescimento da cidade de São Paulo, o qual buscava
uma forma de ocupação menos densa e com maior relação com a natureza e as águas da
represa. Esta configuração do espaço é expressa pelo loteamento "cidade-jardim" de
Interlagos.
Ainda, dentro dos aspectos históricos, é importante ressaltar o estado atual de preservação
deste patrimônio, o qual encontra-se abandonado há vários anos, sem receber tratamento
adequado, dada sua relevância como objeto e história. As armaduras do concreto aparente
encontram-se expostas e enferrujadas, muitos espaços encontram-se descaracterizados
com adições para usos inapropriados, janelas quebradas, pichações na fachada,
infiltrações, pisos danificados, entre outras maneiras de avarias.
É evidente que, não bastaria apenas um minucioso trabalho sobre a obra, mas também que
seja garantido o usufruto da obra e das margens da represa como um equipamento público,
aberto à população com fins culturais ou até educacionais, constituindo então, um projeto
de preservação e requalificação destas áreas em escala local ou metropolitana.
A Light também tinha como forma de atuação, a abertura de loteamentos com a retificação
e drenagem de rios, e neste caso não foi diferente. O loteamento do bairro de Interlagos,
em suas décadas iniciais, durante a primeira metade do século XX, expressa em sua forma
o tipo de ocupação que se pretendia lá. Constituindo uma oportunidade de se afastar da
cidade, ainda estando em suas redondezas, seria uma alternativa às comuns viagens do
paulistano ao litoral serra abaixo, portanto a companhia busca lotear a região tendo como
foco a instalação de casas de veraneio, revelando-se claramente elitista.
É dentro inserido neste contexto que surge o Clube Santapaula, e mais tarde a concepção
da construção da Garagem de Barcos aqui estudada, compondo o setor náutico deste
mesmo clube.
Desta forma, observamos que existe uma miríade de aspectos que formam um quebra-
cabeça sistêmico e indissolúvel, o qual deve ser estudado com sensibilidade a fim de
garantir a efetividade do trabalho a ser feito, tendo como foco as "favelas" da região, as
margens e as águas da represa, o loteamento de Interlagos e a obra em si.
Concentraremos agora nos aspectos que constituem a obra em si, agora estabelecido seu
contexto.
Após esse primeiro tramo, abrigado sob o balanço e o primeiro vão curto da cobertura,
segue-se o grande vão, cobrindo uma área com pé direito duplo cujo piso situa-se na cota
inferior; o tramo central da laje de cobertura que lhe corresponde é posicionado um pouco
abaixo da laje do trecho anterior (aproximadamente ao nível do bordo inferior das grandes
vigas) de maneira que o pé direito total resulta ligeiramente rebaixado; a separação vertical
entre esse trecho de laje e o trecho anterior cria um vão que permite um rasgo de ventilação e
iluminação superior orientado para sul que beneficia o bar; simetricamente, a mesma
situação de defasagem das coberturas se repete entre o tramo central e o tramo sul da laje,
agora com orientação norte. O piso do pavimento de acesso do setor de bar prossegue em
nível apenas em trecho situado sob a porção mais ocidental da cobertura que faceia a
avenida, numa estreita e longa faixa definida, no lado de dentro, pelo muro de arrimo que
delimita as áreas úteis do pavimento inferior; o qual, por estar ligeiramente deslocado do
perímetro da cobertura, da lugar a essa passarela coberta de interligação.
Situado sob a ponta oposta meridional da cobertura, o terceiro momento do edifício tem seu
piso na mesma cota da primeira área, mas aqui se trata de uma laje nervurada, já que nesse
trecho o edifício tem dois pavimentos, definindo um platô que se estende parcialmente além
da cobertura, tanto em direção sul como na face que visualiza a represa -lado em que é
limitado pelo muro de pedra que define o perímetro do espaço central situado sob o grande
vão. Embora nos estudos iniciais o muro do pavimento inferior fosse efetivamente apenas um
arrimo em toda a sua extensão, na solução final esse muro de pedra de pedra se prolonga em
desenho que definir um outro compartimento quase totalmente fechado, ao nível do piso
inferior disposto sob a laje da área situada na extremidade sul cobertura. Ali também
algumas paredes, cuja altura também não atinge a laje, definem um compartimento,
destinado originalmente a depósito de velas; um rasgo quadrado na laje do piso conecta
visualmente ambos níveis provendo ventlização para a área fechada inferior, na qual se
situam os depósitos para motores, também fracamente iluminado/ventilado por duas
pequenas aberturas quadradas dispostas no muro de pedra, cujo desenho enfatiza sua
espessura e aspecto maciço. A conexão entre esses pisos se dá por uma escada discretamente
posicionada entre o muro de arrimo e os depósitos.
Da área do bar é possível descer ao nível inferior da “praia” por uma escada em concreto
protendido de desenho bastante singular: um primeiro patamar trapezoidal, munido de
guarda-corpo, serve de balcão e mirante do lago, seguido de um tramo de degraus sem
nenhuma proteção lateral que descem, seguindo um sentido sul-norte, até chegar a um
segundo patamar, situado em cota ligeiramente superior ao nível do terreno – como um
último degrau alargado, ou “convite”; o qual está disposto, por assim dizer, “no ar” – uma vez
que todo conjunto dessa escada está suspenso, não se apoiando no chão, mas pendurando-se
na porção superior muro de arrimo – um tour-de-force estrutural que, entretanto, não faz
excessivo alarde visual de sua proeza.
A solução estrutural da cobertura apoiada em apenas quatro apoios e a laje tripartida, com
rasgos zenitais, demonstram forte preocupação com a intenção de apresentar um edifício
aberto e permeável aos ventos e iluminação natural, além de manter a vista das águas
desobstruída a partir da Avenida Atlântica.
A passagem subterrânea ligando o lote da sede social do Clube Santapaula à este setor
náutico também apresenta-se como solução notável, visto que propõe claramente um
percurso entre as diversas áreas da obra. Ao chegar no lote do setor náutico através deste
túnel, experencia-se uma sensação de abertura espacial, tendo vista ampla em direção às
águas. Assim, toma-se a direção à esquerda, onde um piso térreo próximo ao nível d'água
proporciona uma experiência de "praia", continuando o percurso, sobe-se a escada apoiada
sobre o muro de arrimo e um espaço aberto, externo ao prédio constitui uma área social
com vista para a água. Nota-se a relação espacial de cais alto e cais baixo aqui, muito bem
desenhada através do uso de arrimos e um embasamento semienterrado, aproveitando a
declividade do lote. Continuando o percurso temos uma sucessão de espaços com
diferentes sensações espaciais.
É importante ainda, não esquecer que, toda essa experiência espacial pode ser enriquecida
com a construção de outros edifícios neste lote, que possam funcionar como apoio e núcleo
das atividades náuticas, visto que a obra trata-se apenas de uma garagem de barcos.
Ainda, a articulação com a antiga de sede do Clube Santapaula, se faz indissolúvel.
Logo concluímos que concebido como edifício anexo e não autônomo, a Garagem de
Barcos, deve ser entendida desta forma, portanto é essencial que se trabalhe em conjunto
com outro núcleo, seja este um clube, ou outro equipamento público relacionado ao seu uso
náutico, a fim de garantir a sustentabilidade de seu funcionamento ao longo prazo.