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murilohauser@gmail.com
2
Baudrillard
3
sinal sonoro
Anne. (pausa) Sou eu. (pausa) Estou ligando de Viena. (pausa) Não, desculpe;
estou ligando de… Praga. (pausa) É Praga. (pausa) Tenho quase certeza que é
Praga. Seja como for, olhe… (respiração) Anne… (respiração) quero me
desculpar. (respiração) Percebi o quanto magoei você, minha doce doce
querida, e… (respiração) Ah. Olhe. Olhe, tem alguém na outra linha, Anne. Eu
tenho mesmo mesmo – me desculpe – mas eu tenho mesmo mesmo que
atender esta chamada. Depois volto a ligar.
‘Segunda-feira, 8:53’
sinal sonoro
Anne. Olá. Escute. Tenho pouco tempo. Você está ai? Não? Está bem. Olhe. É
isto. O que nós estávamos discutindo? Lembra? Bem, que tal isto, que tal isto,
que tal se, digamos, digamos, digamos simplesmente… que as árvores têm
nomes? Está bem? Isso mesmo– as árvores. Você acha – eu sei – você acha
que eu sou louco. Mas vamos aceitar por um momento, vamos, que as árvores
têm nomes. Então, e se, e se… esta fosse a árvore dela. Merda. Desculpe.
Olhe, tenho que embarcar agora. Mas pense nisto. As árvores têm nomes. E
um deles é o dela. Tenho que correr.
‘Segunda-feira, 9:35’
sinal sonoro
‘Segunda-feira, 11:51’
sinal sonoro
‘Segunda-feira, 13:05’
sinal sonoro
‘Segunda-feira, 13:06’
sinal sonoro
Nós sabemos onde você mora, sua puta. Você já era, basicamente. A
quantidade de merda que você fez. Nós não esquecemos. (pausa) Você vai
desejar nunca ter nascido.
‘Segunda-feira, 13:32’
sinal sonoro
Ouvimos uma voz de homem, ao fundo: ‘Nem mais um tostão. Que isso fique
bem claro.’ A Mãe responde: ‘É o que eu estou dizendo a ela, é o que eu estou
dizendo.’ Depois de novo para o telefone:
Eu sinto muito, Anne querida, mas não podemos continuar fazendo isto.
Voz de homem outra vez: ‘Se você não disser a ela, digo eu.’
Olhe, tenho que desligar, querida. O seu pai manda beijos. Está bem? Deus lhe
abençoe.
‘Segunda-feira, 14:20’
sinal sonoro
7
Anne? Você está ai? Atenda o telefone, Annie. (pausa) OK… São dez e quinze
aqui em Minnesota e só telefonamos para lhe dizer que nossos pensamentos e
orações estão com você, Annie. E lhe amamos muito.
‘Segunda-feira, 16:13’
sinal sonoro
‘Segunda-feira, 22:21’
sinal sonoro
Anne. Boa noite. Deixe eu lhe dizer o que vou fazer com você. Primeiro você vai
chupar o meu pau. Depois vou lhe foder o cu todo. Com uma garrafa quebrada.
E isso é só o começo. Sua putinha.
‘Segunda-feira, 22:30’
sinal sonoro
Anne?
Atenda o telefone. (pausa) Eu sei que você está aí. (pausa) Não adianta nada
se esconder, Anne. Esconder-se de quê? (pausa) Do mundo? Esconder-se do
mundo, Anne? Que é isso. Vê se cresce. Cresça, Anne, e atenda o telefone.
Pausa.
Então o que é isto? Um grito de ajuda? Não me diga que é um grito de ajuda.
Porque você espera que eu faça o que com o seu grito de ajuda? Hum? (pausa)
E se você estiver aí deitada, Anne, já morta? Hum?
Com o que, as larvas das moscas ouvindo as suas mensagens? Ou que o seu
prédio foi destruído. Ou que a sua cidade foi destruída.
Os aeroportos e as lojas de sapato. Os teatros e os cafés da moda com
lâmpadas de halogênio que surgiram nos galpões desativados junto aos canais
desativados? Hum?
Riso tênue.
Pausa.
Pausa.
‘Terça-feira, 00:19’
Pausa.
E um rio a atravessá-la.
A mulher?
O homem?
Ambos sabem que isto é errado, mas não / conseguem fazer nada.
Exatamente.
Fazendo o quê?
A mulher grita. O seu cabelo dourado cai como uma cascata sobre a beira da
cama. Ela agarra-se à cabeceira da cama. Os nós dos seus dedos ficam
brancos. Há lágrimas / em seus olhos.
E enquanto isso, como você diz, o seu cabelo dourado cai como uma cascata
sobre a beira da cama. Ela se agarra à cabeceira. Os nós dos seus dedos ficam
brancos e as suas pupilas dilatam, enquanto ele –
Grunhe?
Digamos que ele grunhe, sim, mas de um modo sensível. Digamos que é o
grunhido sensível do atraente homem de poder e autoridade, não por exemplo
o grunhido grosseiro e porco de um mecânico deitado de costas em um espaço
mínimo esforçando-se para soltar um parafuso emperrado com uma chave de
fenda pesada e de dimensões incorretas.
De modo algum.
O tipo de luz que se insinua no quarto. Que se insinua através das enormes
janelas transformando os seus corpos em uma espécie de massa dourada.
Um quê?
Um olhar.
Uma dúvida.
Mesmo agora.
Premonitória?
Pausa.
As luzes da cidade à noite. Raios de luz suspensos como estrelas ao longo dos
cais e das estruturas das pontes. Luzes de alerta de um vermelho estranho e
sem vida pulsando no topo dos grandes edifícios e das antenas de televisão. O
homem ao telefone. A sua voz baixa. O seu olhar perturbado.
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Anne acorda na sólida cama de nogueira, escuta a sua tênue voz masculina no
quarto ao lado. O refinado relógio Luis Quatorze ao seu lado soa três horas
através de um minúsculo minúsculo pastor dourado e despido que bate em um
minúsculo minúsculo sino de ouro preso entre os dentes de um lobo esmaltado,
sem dúvida referência a um mito antigo bem conhecido da nobreza francesa do
século dezessete, mas agora totalmente apagado da consciência humana.
Pausa.
Três da manhã. Anne acorda. Ouve voz, acende cigarro. Aparece à porta.
Diálogo.
E agora ela está com raiva – exatamente: fim de diálogo – e agora ela está com
raiva. Está com raiva porque ela sabe exatamente quem é.
Os líderes que na sua ingênua e apaixonada opinião destruíram tudo aquilo que
ela valoriza em nome (a) do negócio e (b) do laissez-faire.
Ela bate e bate. E o refinado relógio que sobreviveu a duas revoluções e a três
séculos se desfaz em pedaços no parquê liso e extremamente encerado
enquanto ela bate morde e chuta.
Até que ela pára para respirar. Digamos que ela finalmente, pode ser, pára,
neste momento, para respirar.
A mulher?
Pausa.
E ele?
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Inclina a cabeça.
Sim.
Sim.
Como um precioso cálice de prata ou como você diz uma bola de rugby antes
de um passe decisivo, ele segura o rosto manchado de lágrimas de Anne entre
as suas mãos.
Um dia, Anne, ele diz, você vai entender o meu mundo. Um dia, Anne, você vai
entender que tudo tem um preço, que até mesmo os seus ideais finalmente têm
um preço. Fim de discurso. Ao que ele afasta os cachos de cabelo molhado dos
seus lábios e a beija. Estes são os / ingredientes básicos.
Ele a beija e a empurra novamente para a cama. Ou ela a ele. Melhor ainda: ela
empurra ele para a cama tal é a sua confusão emocional, tal é o seu apetite
sexual, tal é a sua incapacidade de distinguir entre o certo e o errado nesta
grande paixão arrebatadora vivida naquele apartamento de tetos altos com a
sólida cama de nogueira, o chão de parquê encerado, o grande piano Pleyel de
cerca de 1923 sem deve talvez sublinhar-se quaisquer meios visíveis de
proteção contra a gravidez no caso da Anne ou no caso de ambos contra
doenças sexualmente transmissíveis incluindo o chamado vírus da AIDS mais
corretamente conhecido como o vírus da imunodeficiência humana ou / HIV
para encurtar.
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Pausa.
3 FÉ EM NÓS MESMOS
Silêncio.
Todo o passado está ali no rosto dela. Escrito como uma história. A história da
sua família. A história da própria terra – esta terra onde a sua família viveu
durante gerações.
Silêncio.
É um vale.
Todas as crianças que nascem neste vale têm uma árvore frutífera plantada em
seu nome. Na realidade, há uma espécie de cerimônia.
Têm nomes tal como os habitantes têm nomes. Existe a pessoa e existe a
árvore. Existe Anya a mulher, e existe Anya a árvore.
Silêncio.
O quê?
Sim.
Primeiro para atear fogo nas pessoas vivas e agora, por razões de saúde, para
queimar os cadáveres.
Pessoas vivas lançadas ao fogo. O vapor frio da gasolina, depois a arremetida
quente das chamas. As pessoas queimando, correndo chamejantes entre as
árvores frutíferas às quais foram dados os seus nomes, chamuscando as
folhas, contorcendo-se nas folhas da grama, enquanto os soldados assistem
rindo.
‘A flor.’
Silêncio.
Está o quê?
No rosto de Anya. Não precisamos de palavras. Ela está além das palavras. A
sua boca, na verdade a sua boca treme, mas as palavras não saem.
Uma ameixa.
Sim.
É primavera.
Silêncio.
As árvores. A grama.
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Sim. Porque ela precisa Porque as palavras irrompem enquanto ela está ao
lado de sua árvore.
Ela aponta para alguns troncos carbonizados. Aquilo, ela diz, era a minha casa.
Meus filhos estavam escondidos debaixo da cama. Eles mataram os dois.
Primeiro o menino. Depois a menina. Atearam fogo no cabelo da minha
pequena filha. Eu ainda não sei por que eles atearam fogo no cabelo da minha
pequena filha. Desfez-se como uma pilha de gravetos.
Quem? Anya?
Ela grita. Ela tem um colapso e arranha as faces como algo / de uma tragédia
antiga.
Eu não acho. Eu não acho que a Anya grita. Não acho que ela tem um colapso
e arranha as faces como em uma cena de uma tragédia antiga. Acho que os
seus olhos chamejam. Acho que ela avança em direção à câmera e começa a
praguejar. Seus homicidas caras de merda estupradores de mães, ela diz.
Seus chupadores de picas bastardos estupradores de porcos. Seus caras de cu
assassinos infanticidas desgraçados blasfemos estupradores de irmãs. Cuspo
em seus túmulos e nos túmulos de suas mães e pais e amaldiçôo todas as
gerações futuras.
Silêncio.
Ela tem – bem é óbvio – direito de estar com raiva. Tudo destruído. Um modo
de vida destruído. Uma relação / com a natureza destruída.
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Sim.
4 O MORADOR
Nunca.
Pausa.
Quando uma carta chega endereçada ao ‘Morador’, ela antes de tudo faz …
No Canadá, na verdade.
Toronto.
… unicamente para ela. Os quais, de certo modo, com certeza, foram. E se ela
responder dentro de dez dias, ela receberá um brinde surpresa. / Toronto? É?
Silêncio.
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Exatamente. Em festas.
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6 MÃE E PAI
Não deve ser sua primeira tentativa. Ela tentou diversas vezes. Mesmo antes
de sair de casa / ela tenta, não tenta?
Silêncio.
Sem dúvida.
Silencio. No silêncio:
O / Piemonte.
Bem, é claro que ela está preocupada. Podemos ver que ela está preocupada.
Você só tem que ver por exemplo naquelas fotografias, o modo como ela está
ombro a ombro com os pobres. Ela não tem medo naquelas fotografias de estar
ombro a ombro com os pobres.
Fotografias dela nas encostas dos morros com os sorridentes habitantes dos
morros.
O que não é – e talvez seja assim que isto se distingue daquelas tentativas
anteriores – o que não é um grito de ajuda.
Ninguém podia tê-la ajudado – nem a sua Mãe – nem o seu Pai – e certamente
que nenhum dos seus chamados / amigos.
Silêncio. No silêncio:
Algumas das coisas estranhas que ela diz à sua Mãe e Pai quando criança:
‘Sinto-me como uma tela’.
Ela está ali deitada, não está, com o tubo enfiado no seu pobre bracinho, com
um ar terrivelmente pálido, mais branca na verdade do que / o travesseiro.
‘Como uma tela de televisão’, ela diz, ‘em que tudo pela frente parece real e
vivo, mas por trás só existem pó e alguns fios.’
Ela diz que não é uma personagem real, não uma personagem real como se
encontra em um livro ou na televisão, mas uma falta de personagem, uma
ausência ela diz, não diz, de personagem.
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Isso mesmo. Uma noite ela desce até a cozinha com aqueles seus enormes
olhos sérios e diz à Mãe e ao Pai que ela quer ser uma terrorista.
Ela quer o seu próprio quartinho, uma arma e uma lista de nomes.
‘Alvos’.
Uma lista – isso mesmo – dos chamados alvos e as suas fotografias. Quer
matar um por semana e depois voltar ao seu quartinho e beber chá Earl Grey.
Isso mesmo – tem que ser Earl Grey – e tem que ser um por semana.
Funcionar? Ela gostaria de ser uma máquina. Às vezes ela passa dias a fio,
dias inteiros a fio fazendo de conta que é uma televisão / ou um carro.
Silêncio. No silêncio:
Depois é claro anda sempre pelo mundo. Tanto está na África agora, como logo
depois está na América do Sul ou na Europa.
O / Piemonte.
O mesmo cabelo comprido caído até a cintura aos quarenta anos como quando
tinha vinte – como uma jovem ainda, não é, em algumas daquelas / imagens.
Mesmo aos quarenta ela ainda se parece e se veste como uma jovem garota
com metade da sua idade.
A coisa fascinante, isso mesmo, é que o saco se revela estar cheio / de pedras.
As pedras estão ali para mantê-la em baixo por mais que ela se debata, e as
alças do saco estão atadas aos seus tornozelos.
Em outras palavras ela planejou tudo isto, planejou debater-se, ela sabia que
iria se debater, e sabia igualmente que o saco continuaria mesmo assim
puxando-a para baixo. Por isso nunca se põe em momento algum a questão da
tentativa falhar. Nunca se põe em momento algum a questão de alguém ser
capaz de intervir – nem a Mãe nem o Pai certamente.
Bem certamente que nem a Mãe nem o Pai – e certamente nenhum dos seus
chamados amigos.
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Silêncio. No silêncio:
E nós somos tentados a pensar – não somos – que talvez o saco esteve
sempre cheio de pedras. Desde o momento, de fato, em que ela saiu de casa,
da casa de sua Mãe e do seu Pai, no dia do seu décimo sexto aniversário. Não
sentimos?
Pausa.
Bem, é claro que não podemos ter certeza. Mas a partir daquilo que sabemos
dela, daquilo que vemos dela, não é / impossível.
Não podemos ter certeza que o saco está cheio de pedras. Pode estar cheio de
roupas velhas, de drogas… / qualquer coisa.
Por que não? Por que é que não podemos ter certeza? Por que é que não
podemos dizer de uma vez por todas que o saco está cheio de pedras e que as
pedras explicam o sorriso.
Um quê?
Silêncio. No silêncio:
7 O NOVO ANNY
Cada uma das réplicas é primeiro dita numa língua africana ou do Leste europeui.
Segue-se imediatamente uma tradução portuguesa.
[frase]
O carro circula ao longo da ondulante estrada mediterrânea.
[frase]
Agarra-se às curvas entre as pitorescas aldeias nas encostas das colinas.
[frase]
O sol brilha sobre o corpo aerodinâmico.
[frase]
O corpo aerodinâmico do novo Anny.
[frase]
Vemos o novo Anny serpentear por entre os telhados mediterrânicos de telha
vermelha.
[frase]
Rápido.
[frase]
Ágil.
[frase]
Livre.
[frase]
Sabemos agora que o novo Anny já vem de fábrica com vidros elétricos.
[frase]
Sabemos agora que o novo Anny já vem de fábrica com airbag de motorista e
de passageiro.
[frase]
Sabemos agora que todas as coisas que os outros fabricantes oferecem como
extras…
[frase]
… já vêm de fábrica com o novo Anny.
[frase]
Ar condicionado.
[frase]
Sistema de trava de motor.
[frase]
E um telefone celular.
[frase]
Sabemos que os nossos filhos estarão seguros e felizes no banco de trás do
Anny tal como os adultos se sentirão relaxados e confiantes ao volante.
[frase]
Felizes.
[frase]
Seguros.
[frase]
Sob controle.
[frase]
O Anny desliza pelas praias brancas do mundo tão facilmente como estaciona
em frente às lojas de sapato com lâmpadas de halogênio das grandes cidades.
[frase]
Quando chegamos ao nosso destino dentro do Anny…
[frase]
… seremos sempre abraçados por homens bonitos e mulheres bonitas.
[frase]
Não seremos traídos.
[frase]
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Torturados.
[frase]
Ou abatidos.
[frase]
O Anny de dois litros consegue um excelente consumo no ciclo urbano
simulado…
[frase]
… e está também disponível a diesel.
[frase]
Como prova da nossa constante preocupação por um ambiente mais limpo e
mais verde…
[frase]
… não existem ciganos sujos no Anny.
[frase]
Nem no Anny nem nas paisagens ensolaradas ao longo das quais o Anny
desliza.
[frase]
Ninguém no Anny mente, trapaceia ou rouba.
[frase]
Malditos sacanas.
[frase]
Gangsters.
[frase]
Filhos da puta.
[frase]
Não existe lugar no Anny para as raças degeneradas…
[frase]
… para os mentalmente deficientes …
[frase]
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… ou os fisicamente imperfeitos.
[frase]
Não existe lugar para ciganos, Árabes, Judeus, Turcos, Curdos, Negros e
nenhuma dessa escória humana.
[frase]
Sabemos que está disponível um financiamento a zero por cento.
[frase]
Mas apresse-se.
[frase]
Uma vez que se trata de uma oferta limitada.
[frase]
O Anny atravessa a ponte do Brooklyn.
[frase]
O Anny atravessa o Saara.
[frase]
O Anny passa como um raio por entre os vinhedos de Bordeaux.
[frase]
O Anny passa como um raio na madrugada por entre as aldeias do Norte de
África…
[frase]
Rápido.
[frase]
Ágil.
[frase]
Livre.
[frase]
… onde as mulheres veladas só podem olhar com espanto para o imaculado
trabalho de pintura antiferrugem como uma garantia de cinco anos.
[frase]
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[frase]
Nunca nenhum homem estupra e mata uma mulher no Anny antes de atirar o
seu corpo para fora do carro em um sinal vermelho juntamente com o conteúdo
do cinzeiro.
[frase]
Nunca ninguém é arrastado para fora do Anny por uma multidão enraivecida.
[frase]
Nunca nenhuma pélvis de criança é esmagada por uma colisão ocasional com
o novo Anny.
[frase]
O banco de trás nunca fica escorregadio por causa de esperma.
[frase]
Escorregadio por causa de sangue.
[frase]
Escorregadio por causa de cerveja.
[frase]
Escorregadio por causa de saliva.
[frase]
Ou pegajoso por causa de chocolate derretido.
[frase]
Chocolate derretido: Hum hum hum.
Letra pequena:
[frase]
O preço de venda já inclui ICMS, matrícula, entrega imediata e seis meses de circulação
gratuita nas auto-estradas.
[frase]
Pacotes financeiros sujeitos a status social.
[frase]
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[frase]
A sua casa está em risco se não mantiver os pagamentos do empréstimo.
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Eu vou dizer o seguinte: ela tem uma espécie de cinzeiro. Do tipo alto apoiado
em uma base. O tipo de coisa que se encontra no lobby de um hotel barato, o
tipo de hotel onde se passa algumas horas em uma tarde de um dia de semana
em uma cidade desconhecida com um homem que / se acabou de conhecer.
Ela não parece preocupar-se. Ela não tem consciência. Ela não demonstra
remorso. Ela diz: ‘Eu não / reconheço a vossa autoridade.’
‘Eu não reconheço a vossa autoridade.’ O que é que ela quer dizer com isto?
Quem ela pensa que é? Ela realmente acha que não vai ter que prestar contas
pelas vidas que destruiu? Ela realmente pensa que qualquer coisa pode
justificar os seus atos de indiscriminada violência gratuita? Nada em seus olhos
revela um traço / de sentimento humano.
Amém.
Que molhava a cama noite após noite até os seus pais cansados a levarem ao
médico com a sua pilha de revistas para com um grande sorriso lhe baixar as
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calcinhas no enorme sofá de couro gelado e lhe dizer, ‘Vamos dar uma olhada,
Anne, / está bem’?
A mesma Anne que regressou do hospital com uma caixa de madeira contendo
um sino para colocar ao lado da cama, dois quadrados duros de gaze metálica
e alguns / arames pretos?
A mesma Anne que acordava a cada noite seguinte ao som do horrível sino
enfiada nos horríveis / lençóis molhados?
A mesma Anne que agora – o quê – está ali de pé? Está ali de pé em frente a
homens e mulheres sérios com testemunhas e provas dentro de sacos plásticos
selados – falsos passaportes e pedaços de carne humana – que está ali de pé
e se recusa / a reconhecer a sua autoridade?
Aparentemente, sim.
A mesma Anne que acordou quando o sino soou e assistiu as sombras dos
castanheiros deslocando-se pela parede do seu quarto no seu / pijama
molhado?
Que vendeu os direitos para o cinema por dois milhões e meio de / dólares
americanos.
Que escuta cito sem qualquer expressão fim de citação a descrição de cito
ultraje fim de citação atrás de cito ultraje fim de citação atrás de cito ultraje fim
de citação por ela cometidos.
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10 TIPO ENGRAÇADO
E eles estão abraçando-se ali mesmo na cozinha e sabe isso é tão comovente.
Isto é, é tão comovente ver que ele encontrou aquela coisa, aquela força, para
perdoar à sua Mãe.
Que ele lhe perdoou o seu alcoolismo.
Que ele lhe perdoou por ter dormido com outros homens.
Que ele lhe perdoou por ter destruído a fé do seu pai em si próprio e o ter
levado ao suicídio.
E eles estão os dois tipo chorando e rindo e chorando outra vez tudo ao mesmo
tempo na mesma cozinha em que ele se sentava quando era um garotinho
testemunhando as terríveis discussões dos seus pais. O seu Pai em lágrimas
despejando a bebida dela na pia às dez da manhã enquanto ela grita que se ele
fosse um homem de verdade com um mínimo de amor próprio ela não
precisaria de se embebedar daquela maneira, pois não. E existem aqueles
minúsculos arranhados na mesa que ele se lembra de ter feito secretamente
com um garfo. E você toma conhecimento, sabe, tipo da continuidade das
coisas, da agridoçura das coisas.
E depois ele diz ‘É, Mãe, eu tenho uma surpresa para você.’ E a Mãe tipo se
afasta e limpa os olhos e diz ‘Que surpresa?’
E é então que esta mulher Annie sai da caminhonete e ela é muito alta e loira e
de membros fortes com uns olhos azuis claros que olham para dentro do nosso
coração, e ela é tipo – bem eu acho que ela é o sonho de qualquer homem de
como deve ser uma boa mulher, e o sonho de qualquer mãe da mulher que
escolheria para o seu garoto.
E acaba por se revelar que ele e a Annie e as crianças estão começando esta
nova o quê? Bem, vida. Eles estão começando esta sua nova, sim, vida longe
da cidade. Vivendo da terra. Plantando coisas. Apanhando coisas. Escavando
debaixo da terra em busca de água pura e límpida. Educando os seus próprios
filhos. Na crença de que o Homem é livre perante Deus para forjar o seu próprio
destino e de adotar os meios necessários para proteger a sua família.
Então a Annie tem que explicar à Mãe como eles não acreditam em impostos
nem em segurança social nem em nenhuma dessas merdas. Como a guerra é
uma guerra contra um governo que tira o pão da boca dos trabalhadores para o
dar aos pornógrafos e abortadores deste mundo. É uma guerra contra os
miseráveis dos veados.
É uma guerra contra os traficantes e os Pretos.
É uma guerra contra os Judeus conspiradores e as suas tentativas de
reescrever a história.
É uma cruzada contra as imagens degeneradas que se mascaram de arte.
É uma guerra contra todos aqueles que negam o nosso direito de carregar
armas.
É como se, uau, ela tivesse rompido, ela tivesse rompido com toda a confusão
e as vozes tagarelas das nossas vidas e do nosso tempo e tivesse encontrado
esta tipo exatamente o quê?
Coisa, eu acho.
Esta coisa, esta coisa tipo absoluta.
É como se ela tivesse encontrado esta coisa.
É como se – ei – a Annie tivesse encontrado esta coisa, esta chave, sim, esta
coisa-chave, este segredo, esta certeza e simplicidade, esta coisa secreta e
simples que todos nós buscamos ao longo das nossas vidas e que é, eu acho,
a verdade.
Bilhetes de suicídio.
Bem não posso falar pelos outros, mas após alguns minutos de tudo isto eu
comecei a desejar que ela tivesse sido bem sucedida logo da primeira vez.
Silêncio. No silêncio:
cabeça
verde
água
cantar
morte
longo
navio
pagar
janela
amigável
mesa
perguntar
frio
caule
dançar
aldeia
lago
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doente
orgulho
cozinhar
O que me fascina é a sua utilização das texturas. Eu acho que há aqui uma
grande sensibilidade na justaposição dos materiais: couro e vidro, sangue e
papel, Vaselina e aço, o que evoca no observador uma reação / quase visceral.
Receio que o que vemos aqui é puro narcisismo. E acho que a pergunta que
temos de nos fazer é quem pode aceitar esta espécie de exibicionismo não
digerido como uma obra de arte? …
Sim, mas exatamente, este é certamente o ponto que ela está tentando
levantar: Onde estão os limites? O que é aceitável? …
Com todo o respeito, mas eu penso que ela acharia todo o conceito de ‘levantar
um ponto’ ridiculamente fora de moda. Se algum ponto está sendo levantado é
seguramente o ponto de que o ponto que está sendo levantado não é o ponto e
nunca foi de fato o ponto. É seguramente o ponto de que a busca de um ponto
não tem sentido e que todo o ponto do exercício – isto é, estes atentados contra
a sua própria vida – aponta para isso mesmo. Isto me faz pensar no provérbio
Chinês: o lugar mais escuro está sempre debaixo da lâmpada.
Silêncio. No silêncio:
tinta
irritado
agulha
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nadar
jornada
azul
lâmpada
pecar
pão
rico
árvore
picar
piedade
amarelo
montanha
morrer
sal
novo
costume
rezar
O o quê?
Por que as pessoas não podem aprender a desenhar? Por que as pessoas não
aprendem a pintar? Os alunos deviam aprender técnicas, não idéias. Porque
aquilo que vemos aqui é a obra de uma garota que muito claramente deveria ter
sido admitida não em uma escola de artes mas em uma unidade psiquiátrica.
Silêncio. No silêncio:
dinheiro
estúpido
caderno de exercícios
desprezar
dedo
querido
pássaro
50
cair
livro
injusto
sapo
partir
fome
branco
criança
prestar atenção
lápis
triste
ameixa
casar
Um o quê?
Bem eu tenho que dizer que eu acho uma observação extraordinária que eu
não esperaria ouvir fora de um estado totalitário…
… a qual – não, lamento, lamento, mas isto tem que ser dito – a qual parece ser
uma tentativa de reinstalar a noção de Entartete Kunst …
Silêncio. No silêncio:
casa
adorado
vidro
discutir
pêlo
grande
cenoura
pintar
parte
velho
flor
bater
caixa
selvagem
família
lavar
vaca
amigo
felicidade
mentir
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Bem eu acho que sejam quais forem as diversas prioridades pessoais que
trouxermos para esta discussão, todos estamos de acordo que se trata de um
trabalho de referência. É comovente. É oportuno. É perturbador. É engraçado.
É doentio. É sexy. / É profundamente sério. É divertido. É críptico. É obscuro. É
altamente pessoal e ao mesmo tempo levanta questões vitais sobre o mundo
em que estamos vivendo.
(deixa ‘sexy’) Esse raciocínio é mesmo fraco. A sua própria vítima? Se ela está
mesmo – tal como parece – tentando se matar, então seguramente a nossa
presença aqui faz de nós meros voyeurs em um manicômio. Se por outro lado
ela estiver só representando, então toda a sua obra se torna uma mera
representação cínica e é duplamente repugnante.
Mas por que não? Por que não poderia ser / ‘uma representação’?
Mas nós certamente já vimos isso tudo. Não teremos visto isso tudo no
chamado ‘radicalismo’ dos anos sessenta barra setenta?
Silêncio. No silêncio:
postura
estreito
irmão
53
temer
cegonha
falso
ansiedade
beijar
noiva
puro
porta
escolher
feno
satisfeito
ridículo
dormir
mês
simpático
mulher
abusar
Visto – talvez. Mas não visto de novo, não visto agora, não visto no contexto de
um mundo pós-radical, pós-humano onde os gestos do radicalismo assumem
um novo significado em uma sociedade na qual o gesto radical é simplesmente
mais uma forma de divertimento, isto é, mais um produto – neste caso uma
obra de arte – para / ser consumido.
Teatro não tem nada a ver com isto e ressinto-me amargamente da insinuação
de que eu seja alguma espécie de Nazista.
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12 ESTRANHAMENTE!
NOME!
ESTRANHAMENTE!
Um tanto estranhamente ela não responde a este pedido sensato mas começa
ao contrário uma rajada de insultos obscenos. ‘Malditos homicidas filhos da
puta’, ela diz. ‘Fodedores de porcos chupa picas.’
LINGUAGEM!
LINGUAGEM!
IDENTIDADE!
SILÊNCIO!
Silêncio.
O QUÊ?
Silêncio.
O QUÊ?
Depois ela está resmungando alguma coisa sobre o seu jardim e as ameixeiras
e as fontes da cidade que foram secas. Sobre – o que é isso? – a água que ela
costumava aquecer em garrafas de plástico para não fazer mal às raízes. Ela
está resmungando alguma coisa sobre…
55
… ela está resmungando alguma coisa sobre – isso mesmo: fale mais alto sua
vaca – alguma coisa sobre a falta de eletricidade, noites passadas na completa
escuridão e a decadência da carne congelada. Sobre as mulheres nas ruas
batendo as tampas das panelas como uma espécie de lamentação…
NOME!
… sobre o incêndio de bibliotecas inteiras cheias de livros e manuscritos
insubstituíveis e sobre o pão bolorento atirado das caçambas dos caminhões e
resmungando resmungando sobre as ameixas e as flores brancas …
ENQUANTO ISSO!
Silêncio.
O QUÊ?
Silêncio.
O QUÊ?
‘O aeroporto.’
ESTRANHAMENTE!
56
‘Agora, por favor, deixem-me passar.’ Mas sim, como você diz, estranhamente
não se vê criança nenhuma. Criança? Que criança? E mulheres com
passaporte não têm esta aparência. Mulheres com dólares americanos não têm
esta aparência. Elas freqüentam salões de cabeleireiro onde pintam o cabelo
com mechas artificiais, não com sangue humano. Elas não dirigem Cadillacs
amassados, elas têm jipes japoneses com tração nas quatro rodas e um pneu
sobressalente que nunca irão usar preso à porta traseira. Vamos usar a
lanterna, está bem, e iluminar o banco de trás para vermos do que é que ela
está falando.
ESTRANHAMENTE!
Então – o quê? – sim – desculpa – estranhamente como você diz o facho de luz
revela no banco de trás do veículo dois reluzentes sacos de plástico pretos
amarrados em cima, mas criança nenhuma.
ESTRANHAMENTE!
Ela não pode sentir o calor branco do combustível dos aviões queimando? Não.
Estranhamente, como você diz, ela parece acreditar que o aeroporto funciona
normalmente. Estranhamente ela parece pensar que as praias brancas e as
cidades cosmopolitas do mundo ainda estão a poucas horas de distância por
meio de vôos de horários regulares.
ESTRANHAMENTE!
Esta mulher sem nome parece estranhamente imaginar que pode ainda
movimentar uma conta bancária com um cartão de plástico e voar em primeira
classe com a pequena Anne, com Annushka, escapando do alcance de rifles e
machados, para uma cidade cheia de galerias de arte, lâmpadas de halogênio,
cafés encantadores e sapatos atraentemente expostos.
ESTRANHAMENTE!
Silêncio.
E sim – estranhamente – ninguém lhe pergunta o que ela quer dizer com isso
de Annushka ‘estar nos sacos’.
ESTRANHAMENTE!
Silêncio.
Silêncio.
E sim – mais estranhamente talvez do que tudo – ninguém a pergunta por que
uma criança deveria estar em dois sacos ao invés de um.
58
Silêncio.
ESTRANHAMENTE!
59
Então descobrimos que ela está sendo penetrada por raios misteriosos que a
tornam invisível nas fotografias.
O quê? Raios-X?
Não, não raios-X. É um novo tipo de raio. É um novo tipo de raio produzido por
uma catástrofe no espaço / profundo.
Você quer dizer – está bem – que ela está se comunicando, você diz, através
destes raios com extraterrestres?
She is royalty
She practises art
She’s a refugee
In a horse and cart.
15 O DEPOIMENTO
Silêncio.
Você diz que ela anda de bicicleta faça o tempo que fizer?
Silêncio.
E usa um chapéu.
Silêncio.
Embalagens de margarina.
Embalagens de margarina.
Isso mesmo.
Silêncio.
Ou de iogurte…
Potes de iogurte.
Sim.
Entendo.
Silêncio.
Sim.
Silêncio.
64
Para bazares.
Para quê?
Sim leva.
Faça o tempo que fizer.
Sim.
Sim.
Agora por que você acha que ela faz isso? Por que acha que ela leva esses, o
quê, esses pés de tomate em potes de iogurte, porque acha que ela os leva na
sua bicicleta em uma caixa de papelão para os bazares beneficentes faça o
tempo que fizer?
Longo silêncio.
Você declara cito quando criança ela dividiu muitas vezes a cama com dois ou
três dos seus irmãos mais novos fim de citação. Você mantém esta declaração?
Sim.
Por quê?
Porque foi assim, sim. Porque eles eram pobres. Porque não tinham nada.
Silêncio.
O quê?
65
Silêncio.
Silêncio.
Isso é tudo?
Silêncio.
Muito obrigado.
Silêncio.
66
16 PORNÓ
O principal orador é uma mulher muito jovem. À medida que ela vai falando as suas
palavras são desapaixonadamente traduzidas para uma língua africana, da América
do Sul ou do Leste Europeu.ii
O que não é.
[tradução]
… nem personagens.
ii
Na primeira produção, Português como falado no Brasil.
67
[tradução]
Mas isso não quer dizer que não seja necessária habilidade.
[tradução]
Uma vez que nós ainda precisamos do sentimento total que o que estamos
vendo é real.
[tradução]
Não é só atuação.
[tradução]
É na verdade algo com mais exatidão que a atuação – pelo simples motivo de
que está realmente acontecendo.
[tradução]
Uma pausa. Ela parece ter esquecido o que dizer e procura um ponto.
Sim?
Obviamente.
[tradução]
[tradução]
Rapazes.
[tradução]
Música.
[tradução]
A diferença é…
[tradução]
O Pornô.
[tradução]
O Pornô…
[tradução]
Novamente uma pausa. Ela parece ter esquecido o que dizer: Mas isto deve
implicar uma perturbação que nunca se permite ser manifestada. Ela procura
um ponto.
Sim?
(ponto) Ela não é insensível à luz do entardecer.
O quê?
(ponto mais enfático) Ela não é insensível / à luz do entardecer.
Ela não é insensível à luz do entardecer quando esta bate nas copas dos
pinheiros com um alaranjado brilhante.
[tradução]
… humilhada …
[tradução]
Sim?
(ponto) Tudo que ela necessita.
O quê?
(ponto mais enfático) Tudo que ela necessita é providenciado.
70
Pausa.
Eu não consigo.
[tradução de ‘Eu não consigo’]
Pausa.
Eu não consigo.
[tradução de ‘Eu não consigo’]
Aos vinte e um ela ainda terá pela frente os melhores anos da sua vida…
[tradução]
Ou as suas oportunidades.
[tradução]
Obviamente.
[tradução]
… uma personalidade da tv …
71
[tradução]
… nadar profissionalmente …
[tradução]
[tradução]
A música intensifica-se.
[tradução]
Puxe a máscara para liberar o
Ela comprou uma página inteira fluxo.
de um jornal… [tradução]
[tradução]
Não fume enquanto o oxigênio
… para publicar um pedido de estiver sendo utilizado.
desculpas total e sem reservas. [tradução]
[tradução]
Por favor certifique-se que o seu
Ela exterminou ciganos… cinto de segurança está
[tradução] afivelado…
[tradução]
… e comprou um ramo de urze da
sorte. … que a sua mesa está recolhida
[tradução] e travada …
[tradução]
Ela foi crucificada para morrer…
[tradução] … e que o seu assento está na
posição vertical.
… ergueu-se dos mortos no
[tradução]
terceiro dia…
[tradução] … deixou crescer a barba …
… que se deve adotar quando [tradução]
instruídos pelos comissários de
… e entrou triunfalmente na
bordo …
Meca.
[tradução]
[tradução]
Cabeça para baixo.
Anne nos salvará da ansiedade
[tradução]
do nosso século…
Joelhos encolhidos. [tradução]
[tradução]
… e nos conduzirá a uma era na
Em caso de despressurização … qual o espiritual e o material …
[tradução] [tradução]
… a onda e a partícula …
[tradução]
[tradução]
… e nos conduzirá a uma era na
… serão finalmente reconciliados! qual o espiritual e o material …
[tradução] [tradução]
… o comercial e o trivial …
[tradução]
17 PREVIAMENTE CONGELADO
Quer dizer podermos ver – vamos encarar: podemos ver que alguma coisa
morreu.
E morreu?
O quê?
E morreu?
Morreu o quê?
No seu caso, sim, digamos que morreu. Digamos que tudo aquilo pelo qual ela
sempre trabalhou – toda a sua vida – morreu. (riso) Digamos que a sua vida até
agora tem sido o quê? o quê? o quê? como um …
Livro?
Fio?
Barco?
Como um barco. Digamos que toda a sua vida – sim muito bom – até agora tem
sido como um barco, como um pequeno barco.
À deriva.
Avançando lentamente.
Riso.
Seu coração – isso mesmo, sim – exatamente – partido. Ela sente a água do
lago avançando lentamente no seu / coração partido.
Ela própria abandonada pelo seu marido. Onde está ele agora?
Paris? Praga? Fodendo? Estará ele fodendo alguém com metade da idade dela
em uma cidade de palácios renascentistas e cúpulas / barrocas? Concretizando
alguma fantasia adolescente, enquanto ela tenta reconstruir a sua vida.
Está bem. Talvez ela nunca tenha acreditado nisto, mas mesmo assim ela teve
um marido.
Riso.
77
Paul.
Quem?
Paul.
Riso.
Eu não sei. Ele era apenas algum tipo de, algum tipo de, algum tipo de… /
pessoa.
Como fumar.
Silêncio.
Falando nisso, você sabe se ela ainda tem aquele cinzeiro alto apoiado em uma
base?
Falando no quê?
Ela tem. Ela ainda anda com ele de / quarto para quarto.
Ela não cospe. Do que você está falando? Ela não casa. Ela não tem filhos. E
ela certamente / não cospe.
Ela não tem uma coisa na qual se cospe, ela tem uma coisa que se / parece
com uma dessas coisas.
Como conquistador.
Silêncio.
Ela já trabalhou.
O quê?
Oh, sim, ela tem habilidades, mas sejam quais forem as habilidades que ela
tenha parecem inapropriadas para o mundo em que ela vive. Seja qual for o
trabalho que ela tenha feito parece inapropriado para o mundo em que ela vive.
Tudo o que ela pode fazer é andar em volta do cinzeiro ou tirar livros ao acaso
da estante.
Isso mesmo – os textos clássicos que ela deveria ter lido quando era estudante
há vinte ou trinta anos atrás.
E assim como há vinte ou trinta anos atrás ela não passa das introduções.
Riso.
Ou o quê?
Bem – pensado, ensinado, seja lá o que for, o fato é que ela preferia só passar
os olhos pelos livros.
Está bem, você quer dizer que passar os olhos parece mais apropriado ao
mundo / em que ela vive?
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É isso exatamente que eu quero dizer: ela prefere só passar os olhos. Ela
prefere ler só as menores partes das coisas. Parte de uma receita. Parte de
uma carta. Parte de um artigo.
Parte de uma receita. Parte de uma carta respondendo a uma carta que ela
nunca leu sobre um artigo que ela não chegou a ler.
Ela não chegou a ler – está bem – mas nós ainda podemos imaginar o que ela
não chegou a ler.
Trouxe o seu próprio filho. Trouxe o seu próprio filho de pijama para vê-lo
fazendo aquilo. Esfaqueá-la. Sim.
81
Silêncio.
E pode?
Pode o quê?
Silêncio.
Fim do texto