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[10/04/2018]
[21h46]
Roger Scruton, autor de “A Alma do Mundo”, entre outros livros Divulgação
00COMENTE! [0]
Nunca imaginei quando li pela primeira vez os textos de Roger
Scruton que eles se transformariam em uma espécie de Evangelho –
muito menos que o filósofo britânico conservador seria o equivalente
de um “Michel Foucault da Nova Direita Brasileira”.
Era final dos anos 2000 e eu fazia parte da equipe de uma publicação
que ajudei a criar, a Dicta&Contradicta, e todos nós ouvíamos o nome
dele somente nos artigos escritos por Olavo de Carvalho para os
jornais O Globo e Diário de Comércio. Poucos sabiam quem era o
sujeito. Ao pesquisar mais um pouco na Internet, conseguimos ler
seus ensaios eruditos na The New Criterion e na The Spectator,
revistas culturais high-brow de língua inglesa, e ficamos
impressionados com a abrangência dos temas e no modo direto como
lidava com temas polêmicos do momento. Naquela época,
conseguimos um contato com Scruton, que prontamente autorizou,
por um custo mínimo, a publicação de alguns de seus artigos na
Dicta.
Política x Filosofia
Enfim, Scruton é um polímata e um polígrafo – e, por isso mesmo,
alguém obcecado a respeito de certos temas, que vão e voltam em
sua obra.
Este texto defende que esses dois Scrutons parecem ser diferentes,
mas, na verdade, não são. Há uma melodia oculta que acompanha
cada uma das variações dessa sinfonia. A aparente divisão formal
indica algo mais profundo, provavelmente uma divisão psíquica, típica
de quem direta ou indiretamente usa Hegel como modelo para uma
abordagem mais sistemática do comportamento humano. Assim como
acontece com Francis Fukuyama (um hegeliano de quatro costados),
temos, no fundo do debate político analisado nos escritos de Scruton,
a predominância da imaginação liberal como eixo ou contraponto de
uma marcha irresistível da História, que se dirige para um inevitável
telos, um fim no qual os estados-nacionais precisarão resolver entre si
qual será o papel que terão no futuro da Humanidade.
Mundo paralelo
No artigo “Contemporary Conservatism, Human Nature and Identity:
The Philosophy of Roger Scruton”, David Wendelken argumenta que
Scruton faz o contrário da maioria dos analistas conservadores, que
sequer falam sobre suas concepções de natureza humana na hora de
lançarem seus diagnósticos sobre uma determinada circunstância
política. (E é por causa dessa surpreendente inversão de papéis que
já aviso ao bom leitor que agora seguir-se-á uma parte extremamente
árida deste texto, mas fundamental para chegar aonde está o xis da
questão.)
Futuro do Ocidente
Isto se reflete em dois tópicos comuns na obra de Scruton: (1) a busca
de uma cultura comum que preserve tanto a tradição histórica como o
futuro do Ocidente; e (2) o simbolismo do rosto humano, inspirado na
ideia de “prósopon”, a máscara do teatro grego, que, por uma dessas
coincidências circulares da vida, deu margem ao próprio conceito de
pessoa. No primeiro caso, a importância de Hegel é crucial para
entender a sua afirmação de que “a vida da liberdade e da certeza só
pode ser obtida através dos outros”.
“Dobras do tempo”
Esses trechos mostram a sofisticação metafísica de Scruton – uma
sofisticação que, na verdade, esconde problemas extremamente
graves em seu argumento geral e que, graças ao seu estilo agradável
de escrita, impactam de forma duradoura a psique do leitor que
pretende aplicá-las no seu cotidiano.
Alma esquecida
O resultado disso é uma visão de natureza humana no qual a alma é
esquecida como o lugar onde Deus pode habitar no nosso coração e
conversar conosco, independentemente do encontro com o outro. E
mais: ela jamais teria chance de viver uma outra vida após a
passagem neste mundo. Assim como Thomas Hobbes, Scruton tem
um verdadeiro medo da morte – e, neste caso específico, da morte
violenta e dolorosa. Sua pretensão como filósofo é igual a de um
estoico – ensinar os outros a morrer –, mas ele deixou de lado o
ensinamento de Platão, no Fedro, de que a filosofia só será uma
maneira de aprender a lidar com a morte se entenderemos, antes de
tudo (e de todos), que a nossa alma é imortal.
Impacto no Brasil
É por este motivo que a longa discussão acima sobre a visão de
Roger Scruton a respeito da natureza humana tem um impacto
formidável no debate político dos nossos tempos, em especial no
Brasil.
O efeito espoleta dos lançamentos deste autor inglês, que vão contra
o establishment progressista da nossa sociedade, ocasionou uma
reavaliação do conservadorismo no clima de opinião brasileiro, em
especial na sua vertente britânica, como podemos ver no sucesso de
livros como As Ideias Conservadoras, do português João Pereira
Coutinho, e Pare de Acreditar no Governo, de Bruno Garschagen, dois
escritores que professam o mesmo credo político de Scruton (mas
que, felizmente, não compartilham da mesma visão antropológica,
junto com outras exceções à regra).
O fenômeno Scruton por essas plagas faz parte de uma tensão
inerente ao comportamento social tupiniquim – a da dialética entre
imitação (imitatio) e emulação (aemulatio). O professor João Cezar de
Castro Rocha dedicou dois livros a este tema – Machado de Assis:
Por uma poética da emulação e o mais recente Culturas
Shakesperianas.
Segundo ele, tal atitude ficou evidente no temperamento nacional
quando o autor de Dom Casmurro decidiu superar a influência de seu
mestre maior, José de Alencar, e resolveu seguir e superar os passos
do português Eça de Queirós, especialmente em O Primo Basílio. Foi
um processo de criação artística que não era apenas imitar por imitar,
mas principalmente criar através de uma complexa emulação – ou
seja, a imitação para fazer algo melhor e diferente, superando e
absorvendo o seu modelo inicial.
Para Castro Rocha, esta é uma das formas pelas quais a cultura
brasileira como um todo pode escapar da sua condição
subdesenvolvida, saindo de ser um país periférico, na possibilidade
que seja visto como uma novidade entre os outros países latinos e até
mesmo europeus, principalmente porque esta seria a maneira ideal
para qualquer escritor superar a si mesmo. Contudo, em Culturas
Shakesperianas, ele desenvolve essa dinâmica da imitação e da
emulação no encontro da cultura latino-americana em geral (a
brasileira inclusa) com a cultura de língua inglesa, que seria inspirada
na revolução humanista da obra do dramaturgo William Shakespeare
e, na visão de Castro Rocha, articulada em torno do encontro com o
Outro, aquele que queremos, mas não conseguimos compreender por
causa da nossa limitação cognitiva.
Atmosfera de niilismo
O ressurgimento do conservadorismo britânico no Brasil pertence a
este tipo de choque cultural, neste pêndulo entre a simples imitação e
uma emulação muito mais complexa – e, por isso mesmo, muito mais
difícil de ser executada. Mas há um fator adicional: como articulei
em A Poeira da Glória e em outros escritos, estamos completamente
imersos em uma atmosfera de niilismo. Ela é consequência radical do
esteticismo que impera na cultura brasileira e que, infelizmente,
poucos se dão conta que exista em cada uma das suas ações, em
cada um dos seus pensamentos.
Este fenômeno bizarro foi analisado brilhantemente por Mario Vieira
de Mello em seu livro Desenvolvimento e Cultura (1963), quando ele
mostra que a alma brasileira – este bicho estranho que muitos
intelectuais da nossa raça tentam reduzi-lo ao extremo,
independentemente de serem da direita ou da esquerda – não
consegue encarar a existência como um problema moral, no qual o
Bem e o Mal são objetivos, dependentes de uma escolha singular,
mas sim como uma questão estética, igual a uma obra de arte em que
você pode modificar à vontade, mesmo que isso ocorra às custas dos
outros ou até mesmo de si mesmo.
Projeto de poder
O “sonho libidinoso” referido por Voegelin é a libido dominandi, a
vontade de poder inerente a qualquer intelectual com pretensões de
compreender o mundo para depois transformá-lo, a pleonexia que
transforma um filósofo extremamente sofisticado em um ideólogo
vulgar – como o que infelizmente aconteceu com Roger Scruton.
Dessa forma, temos de tomar muito cuidado ao aplicarmos os seus
princípios conservadores numa cultura esteticista como a do Brasil,
pois aqui o resultado pode sair o inverso do pretendido, conforme já
nos foi alertado por Anthony Quinton, ao relembrar o que aconteceu
com as ideias de Locke na Revolução Francesa.
Ele se esquece que a natureza humana tem uma única constante nos
séculos passados e futuros – a que já foi proferida no Evangelho de
Mateus (8:18-20), quando um escriba aproximou-se de Jesus Cristo e
disse-lhe: “Mestre, seguir-te-ei para onde tu fores”; e no que Cristo
apenas lhe respondeu, em um aviso amoroso, porém amargo: “As
raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do
Homem não tem onde reclinar a cabeça”.
Essa incapacidade de Scruton não admitir que o seu amor pelo lar é
uma ilusão, comprova também a afirmação do mesmo Eric Voegelin
que, num texto sobre o livro Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt,
previu que, nos próximos anos, o verdadeiro combate na arena
política não seria entre liberais e conservadores, comunistas e
capitalistas, esquerda e direita, e sim entre os filósofos que se abrem
ao transcendente e os filósofos que se fecham diante dele – e
preferem a imaginação liberal que deseja mudar, a qualquer custo, a
natureza humana, ocultando, por meios retóricos, qualquer
possibilidade da alma conquistar a sua imortalidade.
Obviamente, para Voegelin, Arendt fazia parte do segundo grupo –
assim como Scruton, por mais “conservador” que ele queira parecer.
E, ele próprio, se algum dia ler este artigo, diria o seguinte:
“Você talvez tenha razão. Entretanto, isto é o corolário possível
para a esfera pública onde até mesmo os dramas existenciais
se desintegram na realpolitik. Na esfera privada, o caminho que
mostro está aberto à transcendência real que depende, por sua
vez, do ‘salto’ individual sobre o qual eu não tenho poder
algum.”
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