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OS USOS E APROPRIAÇÕES DA CIÊNCIA EUGÊNICA EM SEU

PROCESSO DE FORMAÇÃO EM DIFUSÃO


Isaias Holowate

Resumo:
A eugenia foi uma ciência com um forte viés de atuação social, surgida na
segunda metade do século XIX e que tinha por pressuposto principal o
aprimoramento da espécie humana. Tal discurso é geralmente associada à
figura do antropólogo inglês Francis Galton, considerado desde o
surgimento dessa “nova ciência” como o “pai da eugenia”. Porém, a
eugenia não se apresenta enquanto uma ciência estática, mas sim como
um discurso em constante transformação, em que os significados
variavam no decorrer do tempo e novos signos eram associados a
eugenia, de forma que ao mesmo tempo em que se difundia, ela também
se reconstruía e se moldava constantemente. Por isso, o presente artigo
se utiliza dos pressupostos do conceito de Representação, presentes nas
obras do historiador Roger Chartier, para refletir sobre a formação da
eugenia enquanto uma produção representativa originada em um
determinado contexto social, analisando tanto as suas condições de
formação quanto os usos que foi tendo no ambiente em que se constituía.

Palavras Chave: Apropriação; Eugenia; Formação da eugenia;


Representação.

Abstract:
Eugenics was a science with a strong social bias, originated in the second
half of the nineteenth century and whose main presupposition was the
improvement of the human species. Such discourse is generally associated
with the figure of the English anthropologist Francis Galton, considered
since the emergence of this "new science" as the "father of eugenics".
However, eugenics does not present itself as a static science, but as a
constantly changing discourse, in which meanings varied over time and
new signs were associated with eugenics, so that at the same time that it
spread, it was also rebuilt and shaped constantly. Therefore, the present
article uses the assumptions of the concept of Representation, present in
the works of the historian Roger Chartier, to reflect on the formation of
eugenics as a representative production originated in a certain social
context, analyzing both its training conditions and the used in the
ambience in which it was constituted.

Keywords: Appropriation; Eugenics; Formation of eugenics;


Representation.

Introdução

A eugenia foi uma Ciência surgida no final do século XIX e que teve uma
vasta influência nos debates científicos e em questões sociais,
principalmente na primeira metade do século XX. Os discursos oriundos
dessa ciência eram comuns no início do século XX e apresentavam ligações
com a genética, o nacionalismo e o racismo (BLACK, 2003; DIWAN, 2007).
Porém, após a Segunda Guerra Mundial houve um certo desinteresse dos
pesquisadores pelo tema, motivadas possivelmente pela descoberta das
práticas de eugenia no governo hitlerista, e notadamente, o Holocausto
judeu (BLACK, 2003).

Esse despareço pela temática fez com que apenas após a década de 80 a
eugenia voltasse a ser um objeto mais amplamente pesquisado pelos
historiadores (JANZ JUNIOR, 2012, p.12). Atualmente, na segunda década
do início do século XXI, a eugenia continua a ser um tema largamente
estudado, em decorrência da sua relevância para a compreensão de
diversos fenômenos contemporâneos como os racismos e a ética nas
pesquisas sobre a genética.

Ao pesquisar a temática da eugenia, é preciso compreender que ela não


surgiu da noite para o dia, mas sim que foi sendo construída em um
movimento conjuntural de colaborações, negociações e inter-relações,
tendo se constituído um ambiente determinado, em uma sociedade
própria, e inclusive, atendendo a interesses de determinados grupos, pois
“as representações do mundo social [...] construídas, embora aspirem a
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam” (CHARTIER, 1990,
p. 17).

Por conseguinte, o presente texto busca compreender a formação da


ciência eugenista, em meio a sociedade inglesa, como um movimento
historicamente datado, fundado em uma temporalidade e espacialidade
que delimitam a sua formação. Por isso, esse texto busca fazer um breve
levantamento sobre o surgimento e ascensão da Ciência Eugênica em
meio ao ambiente social marcado pela intensa urbanização, o surgimento
do fenômeno das multidões e a ascensão do cientificismo, características
que eram completamente novas para a Europa nos inícios da Idade
Contemporânea.

O surgimento das multidões: Disciplinarização e controle social

A eugenia surgiu em uma Europa transformada pela Revolução Industrial.


Nesse período, países como a França, Alemanha e principalmente a
Inglaterra tiveram um desenvolvimento tecnológico que possibilitou uma
produção mercadológica muito maior do que a produzida nos séculos
anteriores. Tal aumento produtivo ocorreu principalmente em virtude do
desenvolvimento de novas tecnologias e da industrialização das cidades.

Na Inglaterra, as estruturas sociais sofreram grandes alterações em


decorrência dessas mudanças. A sociedade inglesa passou por um
processo de urbanização que transformou a sociedade camponesa do
século XVII em uma economia voltada principalmente para o meio urbano,
do qual o rural se tornou dependente, fornecedor de matérias-primas e
material humano para o trabalho. Essa nova economia era orientada para
o enriquecimento da nova classe ascendente – a Burguesia –, e foi
legitimada e influenciada por discursos modernizantes e cientificistas.

O ideal de modernidade urbana, que ganhou força na Europa nessa época,


apresentava ligações com os princípios burgueses de ordem e progresso
originários do Positivismo, uma doutrina de pensamento que se propunha
a ordenar as ciências experimentais, considerando-as como modelo por
excelência do conhecimento humano. Tal ideologia era caracterizada por
um princípio evolucionista das sociedades a partir de estágios menos
avançados para mais avançados e que a sociedade avançaria em direção a
ciência e ao progresso.

“A modernidade urbana é, por si só, outra representação que introduz


toda uma outra série de apreciações. Tradução sensível da renovação
capitalista do mundo, a modernidade enquanto experiência histórica,
individual e coletiva, faz da cidade mais que um lócus, um verdadeiro
personagem. A emergência da cidade moderna e, sobretudo, de Paris
como paradigma e mito da metrópole exportável enquanto modelo para o
mundo põe em cena uma gama de novas representações. Por exemplo, a
transformação da cidade desencadeia uma luta de representações entre o
progresso e a tradição: uma cidade moderna é aquela que destrói para
construir, arrasando para embelezar, realizando cirurgias urbanas para
redesenhar o espaço em função da técnica, da higiene, da estética”
(PESAVENTO, 2004, p. 79),

O crescimento da população urbana não significou a sua imediata


urbanização, pois as novas metrópoles não apresentavam uma estrutura
urbana adequada para receber e inserir os novos habitantes. Por isso, as
cidades se inchavam em um processo de agigantamento, multiplicando a
quantidade de grupos excluídos e dando origem ao fenômeno das
multidões. Na Europa de 1789, 80% da população vivia no meio rural.
Londres era a única cidade Ocidental com mais de um milhão de pessoas
vivendo nela (HOBSBAWM, 2007). Em 1900, a mesma cidade possuía 6,48
milhões de habitantes (ROSENBERG, 2017).

O crescimento industrial havia demandado uma extensa quantidade de


proletários trabalhando em condições sub-humanas nas fábricas. Os
trabalhadores que migraram do campo para as cidades possuíam um
modo de vida próprio, pois anteriormente haviam vivido em uma
sociedade própria, marcada principalmente, por pequenas células
agrícolas ou de pecuária ovina. Assim o fenômeno migratório causou
diversas consequências, entre as quais, a perda dos laços familiares e de
sociabilidade desses grupos, que se tornavam, do ponto de vista da
burguesia, uma “massa trabalhadora”.

“As massas flutuam em algum ponto entre a passividade e a


espontaneidade selvagem, mas sempre como uma energia potencial”
(BAUDRILARD, 1985, p. 5). A frase do filósofo francês bem facilmente
poderia ser utilizada para exemplificar esse fenômeno novo das multidões
do século XIX. Afiguravam-se como gigantescas e incompreensíveis, e
embora parecessem uniformes, as massas humanas de novos moradores
urbanos eram complexas e heterogêneas. A burguesia buscou domá-las e
os intelectuais da época fizeram tentativas de classificá-las.
Uma das mais bem-sucedidas estratégias de controle das multidões foi a
modernização dos espaços urbanos. A maioria das cidades europeias
industrializadas passou por um processo de modernização no final do
século XIX ou início do XX que negou espaços centrais para a população
mais pobre, segregando e expulsando esses grupos para as periferias. A
burguesia construía assim, uma visão de urbanidade ao quais nem todos
eram aceitos como membros do urbano.

As transformações sociais se legitimaram pelo fortalecimento de discursos


cientificistas e segregacionistas. Assim, a eugenia, surgida em um período
de disciplinarização dos grupos sociais considerados pela nova elite como
inadequados, foi utilizada também como uma ferramenta de controle
social. O uso de seus pressupostos variou de acordo com o meio que em
que era ressignificado, mas, assim como outras ciências, ela funcionou em
diversos momentos, como uma ferramenta burguesa e estatal para
legitimar e exigir práticas de controle social dos indivíduos considerados
como indesejáveis.

A classificação científica dos seres humanos: racismo e evolução

As estratégias de controle das multidões deveram muito aos processos de


discriminação já amplamente existentes na sociedade europeia daquela
época. A discriminação é um produto histórico surgido a partir do
estabelecimento de relações sociais, ou seja, a forma com que o
preconceito é construído e os discursos e práticas adotados sofreram
variações no decorrer do tempo. A produção de uma alteridade - e em
muitos casos a discriminação - em relação ao outro é, inclusive, um
processo bastante comum na constituição da identidade interna de um
grupo (MENDES, 2002, p. 505).

As distinções sociais baseadas no preconceito são milenares. Obras


filosóficas da Antiguidade, discursos Medievais e livros do Iluminismo já
possuíam um escopo discursivo que se baseava em preconceitos sobre
grupos externos. As representações discriminativas, que nesses três casos
se baseavam em fatores culturais, religiosos e filosóficos, negativavam os
grupos exteriores ao discurso e buscavam legitimar ações em detrimento
daqueles que eram atingidos pelo preconceito.
Porém, a classificação biológica baseada em uma divisão racial, da qual se
originou o chamado Racismo Científico, surgiu apenas no século XVIII, da
qual um dos passos principais foi a classificação dos seres vivos feita pelo
naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778). Na ocasião, ele os classificou
em cinco raças e apontou características sociais que supostamente
determinariam as ações dos indivíduos dessas raças.

A classificação feita por Linné além estabelecer uma distinção dos


comportamentos de cada grupo, embasava-se nos critérios da nascente
ciência da Biologia, que somado ao sucesso de sua produção, validaram a
distinções estabelecidas entre os grupos da espécie humana. Apesar de
ter sido inicialmente amplamente criticada, ela se tornou via de regra no
século XIX, quando a raça passou a ser utilizada como uma distinção aceita
e considerada como válida para definir e separar os diferentes grupos
humanos.

Em consequência disso, por volta da metade do século XIX, a raça como


um fator de desigualdade humana já era amplamente aceita como um
fato científico, além de estar presente em obras como de Cuvier (1832),
Hegel (1837), Schopenhauer (1851) e Pruner (1846) e diversos outros que
também haviam defendido uma diferenciação racial entre os indivíduos.

“[...] raça, passava, agora, a ser entendida como força definidora a priori;
força que move os homens, entendidos pelo conceito de raça entre
homens civilizados [...] e barbárie, lugar-comum em que são postos todos
os “povos inferiores”. Uma vez instaurada a lógica darwinista, a própria
ideia de nacionalidade passaria a ser uma variação antropológica do
conceito de raça, dessa forma naturalizando a cultura e compreendendo-a
dentro de um espectro cientificista e racializado, que tornou possível a
identificação de tipos raciais e de escalas valorativas entre eles” (SILVEIRA,
2005, p. 32).

Assim, o racismo, era aceito como uma teoria científica com aplicação
social. Baseava-se na desigualdade entre grupos humanos e a existência
de qualidades e defeitos inatos ao indivíduo de cada grupo. Com isso, nas
suas entrelinhas ele também funcionava como uma ciência que atendia
aos interesses da burguesia em ascensão e excluía diversos grupos
considerados como inferiores.
“Sob a forma de racismo, cujo papel central no século XIX nunca será
demais ressaltar, a biologia era essencial para uma ideologia burguesa
teoricamente igualitária, pois deslocava a culpa das evidentes
desigualdades humanas da sociedade para a "natureza". Os pobres eram
pobres por terem nascido inferiores” (HOBSBAWM, 1988, p. 221).

Dessa forma, raça havia se tornado uma classificação à priori dos


indivíduos, que eram qualificados e definidos de acordo com uma suposta
pertença racial. O ponto seguinte, tão crucial quanto o surgimento das
multidões e a ascensão do racismo, foi a divulgação da teoria da evolução
por seleção natural, do naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882).

A teoria da evolução por seleção natural defendia que em um


determinado ecossistema o número de indivíduos tendia a se manter
relativamente equilibrado. Esse equilíbrio se mantinha em virtude da
relação comunidade x alimento. Como os seres vivos tem propensão a se
reproduzirem, a tendência é que o meio natural regulasse a quantidade
dos seres no ambiente através da escassez de alimento, que ocorreria
quando a quantidade de indivíduos aumentasse no habitat. Os indivíduos
presentes em uma comunidade, mesmo sendo da mesma espécie, não são
idênticos, havendo variações nas suas características biológicas. Aqueles
cujas características são mais adequadas a determinado ambiente teriam
menos dificuldade para se adaptar a esse espaço e consequentemente
sobreviveriam com mais facilidade, produzindo mais descendentes e
expandindo a sua espécie. Os menos adaptados teriam dificuldades de
sobrevivência e reprodução no local, e por isso, iriam produzir
descendentes que teriam dificuldades para sobreviver até a idade adulta.
Com pouca reprodução, sua população iria diminuir e não haveria chance
de competir com os mais adaptados, sendo, portanto, eliminados
(DARWIN, 1859).

A teoria evolutiva de Darwin associada aos princípios racistas em um


ambiente de ascensão de discursos de controle social foram alguns dos
principais precursores do surgimento dos discursos eugênicos.

Assim, é nesse contexto de modernização excludente que a eugenia surgiu


com o status de Ciência, e um viés de intervenção social amplamente
defendido pelos profissionais eugenistas, embasado nessa teia de Ciências
em ascensão e questões sociais aos quais os pesquisadores consideravam
que deveriam resolver.

Francis Galton e a Eugenia

Tal como foi dito anteriormente, a eugenia, enquanto discurso científico e


prática social, foi constituída em um processo histórico oriundo da
segunda metade do século XIX e início do século XX. As ideias eugenistas
sofreram, nesse período, uma série de transformações e modificações
discursivas que foram moldando e produzindo significados para essa
ciência. Ao mesmo tempo, as alterações nos discursos científicos
dialogavam com as práticas sociais, de forma com que tais discursos
atendiam às necessidades de determinados grupos hegemônicos na
sociedade. Assim, a eugenia foi constituída em uma sociedade
cientificista, marcada pela Revolução Industrial, pelo racismo e pela
ascensão da Teoria evolutiva darwiniana.

A processualidade do surgimento e ascensão da eugenia é um dos


aspectos importantes para a compreensão da sua influência e abrangência
na sociedade daquela época. As características sociais racistas, a
sociedade burguesa, o cientificismo e o controle das grandes massas
humanas, eram aspectos que davam vazão ao surgimento de discussões e
discursos sobre a questão da seleção da raça. Da mesma forma, mesmo
após as primeiras obras publicadas, a ciência eugenista não pode ser
pensada como uma teoria rígida, mas como um conjunto de ideias que se
construiu no decorrer de todo o século XIX e início do XX, dialogando,
modificando e se moldando às características das sociedades que se
apropriavam de tais discursos.

E comum tomar como marco inicial do surgimento da eugenia os


trabalhos do antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911), aceito nas
discussões da época inclusive como o “pai da eugenia”. Galton era um
primo abastado de Charles Darwin e estudioso em diversas áreas, como
Antropologia, Biologia e Estatística. Como ele mesmo afirmou em 1904, o
livro A Origem das espécies teve influência crucial para seus estudos sobre
a eugenia (GALTON, 1904, p. 1-25). Ele se utilizou de pressupostos
científicos em voga naquele período – principalmente da Teoria da
evolução de Darwin - e os ressignificou ao princípio de que existiria uma
pressuposição biológica para a superioridade evolutiva humana, e
consequentemente, que haveria a possibilidade de um aprimoramento da
espécie humana.

As primeiras ideias de Galton que apontavam para uma possibilidade de


uma seleção humana foram publicados em um artigo na revista
Macmillan’s Magazine com o título Hereditary Talent and Character, na
qual fazia um esboço genealógico de algumas personalidades
proeminentes de sua época (SILVA; TEIXEIRA, 2017, p. 64-65). Porém, o
livro marco da eugenia foi o Hereditary Genius, publicado por ele em
1869. Nele, Galton defendeu que assim como as qualidades dos animais
são herdadas hereditariamente, também as humanas também poderiam
ser passadas para as gerações futuras. Por esse princípio, o
aprimoramento humano poderia ocorrer através de uma seleção que
promovesse o estímulo à reprodução e sobrevivência dos indivíduos
detentores das características consideradas como as mais adequadas.

“[...] as habilidades naturais de um homem são derivadas por


hereditariedade [...] Consequentemente, assim como é fácil [...] obter por
meio de cuidadosa seleção uma raça de cães ou cavalos dotada de
capacidade peculiar para correr, ou de qualquer capacidade, seria
também perfeitamente praticável reproduzir uma raça de homens
altamente dotada promovendo casamentos criteriosos ao longo de várias
gerações consecutivas” (GALTON, 1869, p. 1).

Ainda nesse livro, ele defendia que era não apenas possível, mas também
necessário o desenvolvimento da ciência dedicada ao aprimoramento da
espécie humana. Esse princípio apontava para a combatividade da
eugenia. Ela não deveria ser apenas uma ciência teórica, mas
principalmente, um conhecimento científico voltado para a ação na
prática do aprimoramento da espécie.

O termo que deu nome à ciência, a Eugenia, que possui origem do grego e
significa “bem-nascido”, apareceu apenas em 1883, na obra Inquiries into
Human Faculty and Its Development (GALTON, 1883). Nesse período, o
pressuposto da possibilidade de aprimoramento das espécies e suas
possibilidades, aparece constantemente na forma de uma seleção a partir
do bom estímulo à reprodução dos mais fortes.
Porém, já nas primeiras obras de Galton sobre o tema, algumas
terminologias presentes nas obras apontam para seus significados
contextuais, ou seja, que precisam ser compreendidos no contexto em
que foram publicados. Assim, a terminologia aprimoramento da espécie,
que aparece já no Hereditarius Genius (1869) não significa em momento
algum um esforço para o aprimoramento de todos os indivíduos da
espécie humana, mas sim, a melhoria pelo pela seleção dos considerados
por ele como os mais aptos. Desde os seus primórdios, a eugenia era
seletiva e excluiu os grupos considerados como inaptos, e essa
seletividade excluinte foi um dos princípios básicos.

Assim, a obra de Galton embora apresentasse em diversos aspectos uma


leitura própria da realidade, apresentava também uma grande afinidade
como com outros discursos que faziam parte daquela realidade. E a
maleabilidade com que os discursos eugênicos foram adaptados aos
diversos meios sociais foi uma das características principais para seu
sucesso. Galton, por exemplo, nas primeiras obras, não se utilizava de
uma terminologia racial. Porém, após a publicação do Hereditary
improvement (GALTON, 1873), o uso do termo raça nas publicações sobre
eugenia se torna comum, e Galton passa a utilizar dela como um termo
eugênico.

Também no Hereditary Improvement (1873), ele afirmava que a herança


racial (biológica) era superior à influência social, do meio ambiente e da
educação. Ele dizia que esses fatores, considerados por ele como
secundários, teriam influência apenas se o indivíduo possuísse uma
hereditariedade que o predispusesse ao bom desenvolvimento eugênico.
No seu combate aos defensores de uma valorização igual ou superior da
criação em detrimento da hereditariedade, ele defendia que a
hereditariedade era o essencial e a criação funcionava apenas como um
fator colaborativo.

“Considero a raça muito mais importante do que a criação. A raça tem um


duplo efeito, cria indivíduos melhores e mais inteligentes, e estes se
tornam mais competentes do que seus predecessores para fazer leis e
costumes, cujos efeitos devem reagir favoravelmente sobre sua própria
saúde e sobre a educação de seus filhos” (GALTON, 1873, p. 116).
Assim, ao mesmo tempo em que a eugenia apresentava uma capacidade
camaleônica de se adaptar, também definia a influência hereditária como
um de seus aspectos fundamentais – embora em locais em que ocorreram
ressignificações em amálgama com o neolamarckismo, a eugenia foi
pensada também em associação com a influência da nurture (criação) -. A
utilização do termo raça associada a eugenia, também reforçava o
discurso eugênico pela associação com uma ciência que naquele período
era bastante aceita. A mesma situação ocorria em relação a outras
ciências daquele período como a Antropometria, Biologia, Estatística que
também possuíam diálogos com a nova ciência.

Assim, com o passar do tempo, a eugenia ganhou contornos mais


abrangentes atingindo aspectos cada vez maiores da sociedade, de forma
que, em 1905, Galton definia a eugenia como “A ciência que trata dos
agentes sociais que influenciam, mental ou fisicamente, as qualidades
raciais das gerações futuras” (GALTON, 1905).

Em outros aspectos, o discurso eugenista, que desde o início dialogava


com outros discursos científicos, passou a dialogar também com outras
ciências próximas, como é o caso da Antropometria, da qual a obra
Inquires into Human Faculty and Its Development foi uma das
responsáveis pelo seu surgimento, tendo o autor apontado diversas
ferramentas e técnicas para a pesquisa antropométrica, tais como a
análise das digitais e os testes de inteligência (DIWAN, 2007, p. 24).

Já a distinção entre as práticas de estímulo para a reprodução e


aprimoramento dos mais aptos e estratégias de restrição dos
considerados como inaptos surgiu apenas algumas décadas depois, tendo
aparecido em 1909, no livro Parenthood and Race Culture, do médico
inglês C.W. Saleeby, na qual ele defendeu que:

“É necessário ser razoável e na busca do super-humano, permanecer pelo


menos humano. Agora, se quisermos alcançar qualquer sucesso imediato,
devemos dividir claramente nossas propostas, como o atual escritor fez há
alguns anos, com a aprovação do Sr. Galton, em duas classes: eugenia
positiva e eugenia negativa. Aquela que procuraria encorajar a
paternidade dos mais desejáveis, o outro para desencorajar a paternidade
dos menos desejáveis” (SALEEBY 1909, p. 199).
Assim, os discursos eugenistas se construíram em uma processualidade
nesse período a partir dos princípios defendidos por Galton, embora até
mesmo as obras de dele tenham sido uma produção construída em
diálogo um ambiente social específico. Após 1869, tais discursos seriam
lidos e apropriados por pensadores das mais diversas regiões do mundo e
ressignificados às necessidades dos seus leitores. Por isso, a eugenia foi
uma ciência e prática social em constante mutação em que a sua difusão
faz parte da sua formação.

Considerações Finais

Assim, a ciência eugenista, originada em um contexto histórico específico,


marcado pela revolução Industrial e crescimento das massas urbanas, foi
apoiada pela ascensão dos discursos científicos dos séculos XVIII e XIX, o
que deu sustentação no meio social para a produção e também
reconhecimento para as obras de Galton.

Tais obras, apoiadas em um discurso de atuação social, foram aceitas e


apropriadas por pensadores de diversas sociedades no final do século XIX
e início do século XX. Porém, tal como ocorrera na sua formação, também
na sua difusão, a eugenia construída nessas regiões não foi um reflexo
espelhado da Ciência galtoniana, mas sim, produções especificamente
locais, apresentando semelhanças e divergências com o conteúdo dos
discursos de Francis Galton.

Essas variações no processo de apropriação e produção das


representações advinham da relação entre o discurso importado, o
indivíduo que tem acesso a esse discurso e a relação indivíduo-sociedade.
A apropriação é constituída nos “usos e das interpretações, referidas a
suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que
as produzem” (CHARTIER, 1991, p. 180) pelas quais o indivíduo internaliza
o discurso com base na sua vivência individual. Porém, o indivíduo produz
representações que são sociais, ou seja, construídos em meio ao diálogo
que restringe, delimita, ordena e organiza os discursos que podem e são
produzidos e veiculados. Assim, as construções representativas sobre a
eugenia que variavam desde as primeiras obras de Galton, continuaram
apresentando significados próprios nos diversos ambientes em que foram
ressignificado, apesar de algumas tentativas em Conferências
Internacionais de se uniformizar o método da ciência eugênica (STEPAN,
2005).

Porém, foi essa capacidade de adaptação que a permitiu que fosse aceita
em diversas regiões do globo, estando presentes em culturas de países tão
distintas como Brasil, Japão, EUA, México, Alemanha, etc. As significações
que foram construídas nesses ambientes, embora originais, e “construídas
na descontinuidade das trajetórias históricas” (CHARTIER, 1991, p. 180),
apresentavam uma inegável dívida para a produção de Galton, e, em suas
ressignificações, também funcionavam como ferramentas de controle de
determinados grupos (STEPAN, 2005).

Assim, a eugenia enquanto discurso, foi um produto historicamente


construído, e, cujo entendimento de seus significados depende da
compreensão do seu contexto de formação. Sendo uma produção social e
cultural, a sua trajetória é constituída não apenas como um produto
apenas de Galton, mas sim enquanto um discurso construído em meio as
relações que moldaram dessa ciência e suas aplicações no meio social e
que são devedoras à discursos anteriores e posteriores, das quais a
seleção e classificação das raças humanas foram alguns expoentes.

Referências
Isaias Holowate é graduado em História pela UEPG e acadêmico do
Mestrado em História pela mesma instituição. O presente artigo é paralelo
em relação à sua pesquisa do Mestrado, na qual estuda as significações
que o discurso eugenista teve ao ser apropriado em um ambiente
específico.

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