Quando se diz que o cinema é melhor ou que o vídeo é melhor, fazem-se
duas afirmações opostas e não se põe a questão do que é um filme. Existe uma cena ideia ligada ao cinema, depois de retomada pela televisão, que consiste em dizer que a imagem realizada com a câmara de cinema será a imagem do filme. Com o vídeo, pensou-se por um momento de modo diferente, porque o vídeo passa em continuo uma imagem que na realidade não existe, no sentido em que se tem de produzi-la a partir daquela que o monitor nos mostra. É uma ideia estúpida, a de ver antes de falar, ou, em todo o caso, a de ver um pouco enquanto se fala. Sobretudo, se se percebe que não se tem necessariamente vontade de ver. «Vimos» assim Passion tantas vezes que a uma cena altura este mecanismo nos impediu de fazer coisas diferentes. Se vemos que a nossa noiva se foi embora, não nos resta nada senão chorar... Em contrapartida, é exactamente nesse momento que se pode escrever um romance. Mas o filme está feito. Portanto, pode-se fazer um filme. Esta é a relação cinema-vídeo: servimo-nos daquele que chega primeiro e do outro que chega depois, para fazer a terceira etapa subsequente. Hoje, é impossível produzir um argumento. Mesmo na América, parte-se de um romance, ou então de um remake. Até os políticos têm dificuldade em produzir argumentos! Para Passion não existia qualquer argumento escrito, mas muitíssimos documentos: uma fita vídeo, uma banda sonora, um tratamento. Era preciso contar o argumento a partir da pintura e da música Era preciso chegar a um texto que permitisse «reunir o rebanho». Gostei muito de Hammett porque é um filme, em muitos aspectos, semelhante a Passion. Ambos partem do visível, Para mim, era uma opção: num orçamento de seis milhões de francos, gastamos cerca de três em argumento visível, Fabricamos cenas vídeo para encontrar aquilo que havia a fazer, em vez de escrever um argumento à beira mar com uma folha de papel e um lápis. Este modo de produzir fisicamente um filme, de investir dinheiro, levou Passion à catástrofe, dado que a equipe não me seguiu até ao fundo desta pesquisa, quer por cegueira, quer por um excessivo temor de me confrontar, quer por quaisquer outras razões. O argumento de Passion encontra-se entre os argumentos mais caros da história do cinema. Só o enquadramento do cenário de Coppola custou trinta mil dólares. Para esse enquadramento, um enquadramento de argumento, fomos a Los Angeles e alugamos o set e a equipa de Coppola um sábado, durante as filmagens de One from the heart. Mas para mim era importante: havia tempos que não punha os pés num estúdio, ou melhor, nunca o tinha feito. Queria ver como me sentia num estúdio. É certo que era um estúdio americano, mas os estúdios americanos estão na origem de todos os outros estúdios. Em suma, era um primeiro contacto, porque também o cen6grafo de Coppola, Dan Tavoularis, deveria ter trabalhado no meu filme. Eu mandara fazer nos Zoetrope Studios um projecto das cenografias e dos respectivos custos. Por exemplo, queda reconstruir um quadro de Rubens, A queda dos malditos, em que se vêem qualquer coisa como quinhentos corpos nus que caem no vazio. Rodei esta sequência em vídeo ainda que depois, não a tenha montado em Passion. Realizou-ma um indivíduo que, nem sequer era cen6grafo, que se chamava Pete e que descobriu o mo(o de a realizar. Não seda, porventura, a melhor forma. E a força dos americanos, para quem a palavra impossível não existe. A diferença entre mim e Coppola no uso do vídeo está no facto de que eu me propunha investigar com as imagens, em vez de com a escrita, enquanto ele fez primeiro um argumento escrito, depois rodou-o em super-oito, em seguida em Polaroid, em vídeo VHS, em vídeo U-Matic e, por fim, em 1 película. E, se a sua tentativa falhou, não foi por acaso, porque com todas aquelas imagens à sua disposição, e todos aqueles desenhos, havia mil filmes possíveis e ele realizou o milésimo primeiro. Construíra um número execessivo de imagens. Também eu, de resto, mas pesquisei muito com as imagens. Ele, porém, fez demasiadas imagens sem pesquisar suficientemente. Coppola queria fazer do seu estúdio uma casa, com todos os seus amigos, com a ideia de que todos deveriam morar no estúdio; aquilo que eu queda era fazer da minha casa um estúdio, pequeno, mas que fosse um estúdio. Com Coppola havia este ponto invertido, esta ideia muito utópica. Na realidade, ele trabalhava exactamente como tantos outros que fazem cinema com o controlo vídeo da imagem, o vídeo não era usado para se conformar à imagem, mas apenas como verificação, apenas supertecnologia. E quando rodava o seu filme, nem sequer ali estava; permanecia na régie móvel, a dirigir como um feiticeiro, sem nunca ver o seu filme; e isto no final virou-se contra ele, A certa altura, observei, e isso irritou-o, que quando se unem duas imagens de um filme com um acréscimo, habitualmente isso permite que uma «corrente» passe pelo filme, e este continue. Enquanto no seu caso, pelo contrário, se produziu uma soldadura, com as sobras, as rebarbas do metal. Tudo aquilo que havia nas imagens saía, escoava-se, e no filme, por fim, não havia mais nada - foi um fracasso. Enquanto antes, havia muito: vi o material rodado e era magnífico. Mas não se mantinha, escoava-se. Esta é a critica que farei ao seu filme. O argumento vídeo está também presente em Prénom Carmen; está mesmo presente quando o não faço: mas serve para pensar. Existe nisto uma grande diferença entre mim e os técnicos: eles não conseguem pensar, se não há um texto; mais ainda, um texto muito descritivo, tipo «ele entra, fecha a porta e deita-se na cama com ar abatido». Se a informação é diferente, uma frase que, em vez disso, é uma música ou uma pintura, não a produzem.