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I Encontro de Pesquisa em Filosofia do PPGFil-UFSC

Caderno de Resumos:

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Sensus communis e juízo político: Sobre a importância do julgamento para o homem da massa
Kelly Janaína Souza da Silva

Resumo:

O tema do senso comum está presente ao longo da obra de Hannah Arendt, filósofa judia alemã, cuja
importância da dimensão do político para o homem assume fundamental relevância em seus estudos.
Mas o senso comum estudado por Arendt não possui o sentido vulgar atribuído a essa expressão (que
compreende “senso comum” como bom senso ou como o modo de pensar da maioria das pessoas), e
sim, algo como um “ajustamento” comum, fundamentado pela pluralidade humana, também chamado
de sensus communis. Esse tema ganha especial destaque em suas conferências sobre a filosofia política
de Kant, onde a autora associa o sensus communis à capacidade de julgamento político. Embora a
teórica política tenha morrido antes de concluir essa parte de sua obra, a apropriação que ela faz acerca
do estudo de Kant sobre o julgamento parte das reflexões kantianas do juízo de gosto (juízo estético), e
há um conjunto de ideias centrais compartilhadas por Kant e Arendt no que concerne à faculdade
humana do juízo. Para ambos, o ato de julgar vai além das possíveis alegações de verdade cognitivas
ou preferências meramente subjetivas das pessoas – é por meio do juízo e do compartilhamento de um
senso comum que a comunicação de experiências privadas e subjetivas e a imaginação das perspectivas
dos demais membros de uma comunidade se tornam possibilidades, validando o julgamento e
efetivando a ação política. A partir do rompimento da Tradição (A Tradição, pode-se dizer, é o que
serve de suporte a uma sociedade, indicando os rumos a serem seguidos, pois se baseia em uma
autoridade solidificada pelo tempo, a partir das regras firmes que a própria humanidade fincou na
História); houve perda de referências e de sentido ao agir político e o processo de busca pela
sobrevivência tomou praticamente todos os espaços da vida humana, alimentando-se pelos meios do
trabalho e do consumo. O consumo se torna, então, até mesmo um sentido para a vida contemporânea,
pois a fabricação e o ato de consumir passam ao centro das preocupações humanas a partir da ruptura
da segurança que a força da tradição fornecia. O funcionamento da sociedade de massa passou a
basear-se mais essencialmente na finalidade de produzir e consumir, indistinguindo-se meios e fins, e o
cidadão ativo na esfera pública, cujo julgamento exige o pertencimento ativo em uma comunidade,
cede lugar àquele que aceita com facilidade os padrões impostos, sem exercer o juízo político e, nem
mesmo, se dar conta da ausência da própria participação.
Absortos nesse processo, os cidadãos – aqui entendidos como pessoas livres e iguais membros plenos
de uma comunidade política – atuam apenas como coadjuvantes do espaço público a que pertencem e
em condição de instrumentos do ciclo vital, não dispondo de ação política nem desenvolvimento da
vida ativa de seu espírito, exercida pelo pensamento, a vontade e o julgamento. Isso compromete a
ocorrência de um juízo ético e político pleno. Considerando-se o fato de que Hannah Arendt
compreende o pensamento e o julgamento como elementos essenciais à ação política plena, e que existe
uma relação entre a formulação de um juízo e sua validação junto aos outros homens, será que uma
sociedade que parece imersa na busca pela própria sobrevivência consegue exercer a vida ativa de seu
espírito longe do espaço comum? Como se infere a ocorrência de juízos ditos plenos longe da
pluralidade? São estas e outras questões que emergem da urgência de debater a importância do
julgamento político para o homem da sociedade de massas.

Bibliografia básica:

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Fragmentos Filosóficos.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
ARENDT, Hannah. Between past and future. Six Exercises in Political Thought. New York: The Viking
Press, 1961.
______. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Nova Perspectiva, 1992.
______. A condição humana. 10 ed. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001.
______. A vida do Espírito. O Pensar, o Querer, o Julgar. Tradução de Antônio Abranches. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2002a.
BEINER, Ronald; NEDELSKY, Jennifer. Judgement, Imagination and politics: themes from Kant and
Arendt. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, 2001.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Trad. de Valério Rohden e António Marques. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1993.
LAFER, Celso. Hannah Arendt: Pensamento, Persuasão e Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SCHIO, Sônia M.. Hannah Arendt – História e Liberdade. Da ação à reflexão. Porto Alegre: Clarinete,
2012.

O uso público da razao: Rawls e Habermas sobre o lugar da religião na esfera político-pública
Evania Elizete Reich

Resumo:

O objetivo do presente trabalho é investigar se realmente existe uma grande diferença entre a proposta
de Rawls e a de Habermas na inclusão da religião na esfera pública. Um dos grandes esforços de Rawls
no Liberalismo Político foi, em primeiro lugar, de reconhecer o desafio político das democracias
liberais e pluralistas face às crescentes demandas por participação e reconhecimento da religião na
esfera político-pública, e em segundo lugar, em não negligenciar o papel do cidadão religioso como
membro desta sociedade pluralista. Habermas, tal como Rawls, vem se preocupando com o papel da
religião na esfera pública, e através de diversos artigos tem expressado o seu ponto de vista, que apesar
de ter sofrido algumas mudanças, tem se solidificado recentemente. Para ambos os filósofos a questão
central é a de saber como conciliar as diferentes demandas advindas de cidadãos com diferentes formas
de vida boa e variadas concepções de mundo, vivendo em sociedades pluralistas tais como as nossas, e
nesta linha, como dar voz à religião e a sua concepção de verdade, ao mesmo tempo preservando a
neutralidade secular do Estado democrático, e garantindo a liberdade e a igualdade religiosa.

Bibliografia básica:

Habermas, Jürgen. Une conscience de ce qui manque. Tradução: Jean-Louis Schlegel. Editions Esprit.
2007/5. pp 5-13.
------------------------------. Entre Naturalismo Y Religión. Barcelona: Paidós, 2006.
Rawls, John. O liberalismo político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000.
--------------------. A ideia de razão pública revisitada. In: O Liberalismo político. Edição ampliada.
Trad. Álvaro de Vita. São Paulo: Martins fontes, 2011. pp 522-583.
Audard, Christine. Qu'est-ce que le libéralisme? Éthique, politique, Société. Paris:Folio, 2009.
March, Andrew F. Rethinking the public use of religious reasoning. In: Raws and Religion. Orgs. Tom
Bailey e Valentina Gentile. NY: Colúmbia University Press, 2015. pp. 98-129.

A questão do contrato originário em Kant


Nilmar Pellizzaro

Resumo:

O tema do contratualismo é, talvez, o eixo central do pensamento filosófico político moderno, tema
este tratado por grandes filósofos como Hobbes, Locke e Rousseau. Grosso modo, pode-se dizer que
este constructo teórico chamado contratualismo tem, genericamente falando, a pretensão de estabelecer
as bases racionais que sirvam de fundamento para uma sociedade política fundada na razão. Uma
sociedade em que alguns direitos naturais fundamentais tais como liberdade, vida, propriedade,
começam a ser teorizados enquanto direitos que devem ser respeitados por serem propriamente
humanos. Neste sentido, uma das principais questões postas pelos contratualistas tem a ver com o
estabelecimento de uma sociedade que permita que estes direitos sejam respeitados; Hobbes, por
exemplo, apresenta como direito fundamental inalienável o direito à vida. Assim, a sociedade que surge
por meio de um contrato tem, como tarefa fundamental, proteger a vida, dado que o estado de natureza
é um estado de total violência. Já para Locke, o estado de natureza não é um estado violento, mas um
estado em que a lei natural (que é divina e que se expressa por meio da razão humana) é normalmente
respeitada. Contudo, como não há um juiz que seja capaz de dirimir as contendas e cada um tendo que
fazer justiça pelas próprias mãos isso acaba gerando uma grande insegurança, especialmente para
aqueles que possuem propriedade. Por isso, se faz necessário o estabelecimento do Estado a fim de
preservar a propriedade, a liberdade e a vida. Rousseau, por sua vez, tem como grande tema a
liberdade. Para ele a questão central é: como encontrar uma forma de estabelecer uma organização
política de tal forma que, embora deixando o estado natural de liberdade ilimitada, o homem continue
tão livre quanto antes. Assim, de um modo geral, os contratualistas, cada um a seu modo, visam fundar
uma sociedade em que cada indivíduo participa da criação do estado, assim como no estabelecimento
do governo deste estado. É claro que se trata muito mais de um constructo teórico-filosófico que
propriamente de um modelo empírico. Pois bem, Kant, num primeiro olhar, parece fazer parte desta
tradição, na medida em que o tema do contrato está presente nas suas obras de direito político e há
também uma defesa da liberdade como direito inato. Contudo, o que nos causa estranheza, é que Kant
diz não estar preocupado com a origem histórica do estado. Aliás, segundo ele o estado empírico surge
normalmente com a figura de um usurpador. E isto acontece porque os homens não seguem a razão na
realização do dever. E esta razão irá agir de tal forma que, se não for possível fazer com que os homens
criem o estado pelo dever, a natureza utilizará de outros meios para criar o estado e assim o nosso fim,
enquanto espécie, poderá ser alcançado. Deste modo, a própria razão encontra uma forma de fazer com
que os homens criem o estado ainda que não seja pela realização de um dever. E aqui já transparece no
pensamento de Kant que a criação do estado, de um ponto de vista não empírico (racional) é um dever
que a própria razão nos impõe. Estaria então Kant, ao afirmar que a criação do estado é um dever,
deixando de lado o problema filosófico da fundamentação do estado? Afinal de contas, se o contrato
não serve para fundamentar o estado, qual seria então sua função? Os autores, em sua maioria, irão
defender que a ideia de contrato em Kant teria um uso regulativo e não constitutivo. Não estaria na
origem do estado. Tratar-se-ia apenas de uma “ideia”, como Kant diz textualmente. Porém aqui ideia
deve ser entendida enquanto um conceito relacionado à sua filosofia prática, isto é, embora seja apenas
uma “ideia”, trata-se de um conceito deontológico, que serve para regular a ação do governante. Neste
sentido, a ideia de contrato seria um conceito regulativo, um critério de justiça a ser aplicado pelo
próprio soberano na elaboração das leis. Assim, gradativamente as leis deveriam ser implementadas e
reformuladas de modo a paulatinamente se aproximarem deste conceito regulador, cujo núcleo
(conteúdo) é dado pelo conceito de vontade unificada do povo (vontade geral) que Kant herdou de
Rousseau. Por outro lado, outros autores também defendem que o conceito de contrato estaria na
origem/fundamento do estado e não seria regulativo, mas constitutivo. Nossa questão, portanto, é
investigar para verificar se de fato as duas posturas (aqui por nós polarizadas, mas que são mais ricas
em detalhes) encontram apoio nos textos de Kant. Se isto se confirmar, verificar se podem ser
conciliadas ou não. Daí a questão: seria sustentável teoricamente Kant adotar um conceito de contrato
que seja ao mesmo tempo constitutivo (enquanto sirva de fundamento para a criação de um estado) e
regulativo (enquanto ideia que regularia a criação das leis pelo soberano em consonância com a
vontade unificada do povo)?

Bibliografia básica:

CASSIRER, E. Kant, vida y doctrina. Traducción de Wesceslado Roces. Madrid: Fondo de Cultura
Económica, 1948.
KANT, I. Metafísica dos costumes. 2ª. Ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkin. 2011
MARTÍN-CALERO, J. L. C. La teoria de la justicia de Imamanuel Kant. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1995.
PHILONENKO, A. Théorie et práxis dans la pensée morale et politique de Kant et Fichte en 1793. 2ª.
Ed. París: Librairie Philosophique J. Vrin, 1976.
VLACHOS, George. La pensée politique de Kant. Paris: Presses Universitaires de France. 1962

O sentido político da reafirmação na concepção de justiça rawlsiana


Jorge Armindo Sell

Resumo:

É sabido que o filósofo estadunidense John Rawls, ao longo dos anos 80, fez profundas modificações
no modo de apresentação de sua concepção de justiça, a justiça como equidade, desde sua apresentação
na Teoria da Justiça até a publicação de O Liberalismo Político. Alguns consideram, em função disso,
que há claramente um “Rawls1” e um “Rawls2”, assim como se diz que há um primeiro e um segundo
Heidegger ou Wittgenstein. Entretanto, ainda são poucas as correntes interpretativas que disputam uma
interpretação desta mudança, que tem sido pautada, na maioria das vezes, pelas repercussões da
mudança que Rawls fez na sua teoria da estabilidade no conjunto da justiça como equidade. Para tal
interpretação, as modificações que Rawls fez no chamado “argumento da congruência”, a justificação
da compatibilidade entre o justo e o bem, de tal modo que as motivações para ambos sejam compatíveis
e direcionadas a manutenção das sociedades justas, são as principais variações a serem levadas nos dois
momentos da obra do professor de Harvard. Autores como Paul Weithman e Samuel Freeman se
notabilizaram como proponentes de interpretações e comentários à tal teoria da estabilidade que, ao
mesmo tempo, é também elemento importante para a problematização da justiça. Nesse cenário, a
presente apresentação visa introduzir alguns elementos de uma interpretação distinta para a reafirmação
(restatement) da concepção rawlsiana de justiça, enfatizando o sentido político das mesmas. Na
interpretação aqui proposta, qualquer que seja a concepção de justiça, se esta quiser ser estável, esta
precisa poder ser aceita de fato pelos cidadãos no exercício de sua razão, o que coloca mudanças para
uma concepção de justiça. Explicar essas mudanças envolve dois momentos. Primeiramente, conforme
defende Todd Hedrick, apresentando o problema da justiça não mais apenas como um problema da
tradição filosófica, mas também como um problema que surge no interior da cultura política pública
das sociedades democráticas constitucionais. Nessa modificação, a justiça passa a ser entendida como
parte de um problema não apenas da tradição filosófica e respondido com argumentos filosóficos,
sendo, além disso, questão a ser respondida pelos cidadãos democráticos, uns perante os outros, nas
instâncias de deliberação democráticas. E, no que diz respeito a este último aspecto, responder à
pergunta pela justiça como pergunta dos cidadãos envolve adotar formas de justificação e uma
linguagem que seja pública, compreensível a estes. Isto, por sua vez, coloca exigências para o interior
da teoria que respondem por algumas mudanças feitas por Rawls, apresentada na justificação pelo
método do “equilíbrio reflexivo” e do “consenso sobreposto”, que ganharam primazia na obra tardia do
filósofo e que serão analisados em detalhe.
Em segundo lugar, Rawls teria assumido algumas repercussões da ideia de aplicação da concepção
justiça por meio do poder político coercitivo para o interior da justiça como equidade. Nessa visão,
Rawls teria assumido as tensões da justiça como tendo simultaneamente os aspectos da coerção e da
liberdade (a velha questão kantiana envolvida na justificação do Direito), bem como seu ônus de
justificação. Em outras palavras, uma das questões que até então eram negligenciadas e passaram a ser
assumidas no Liberalismo Político é: como justificar moralmente o exercício da coerção para o
cumprimento das leis de uma sociedade justa? Conforme defende Sebastiano Maffettone, Rawls teria
tratado deste problema, naquilo que chama de momentos da “justificação” e “legitimação” dentro da
teoria. O primeiro consiste de mostrar que a teoria é filosoficamente coerente e compatível com nossos
juízos de justiça. O segundo consiste em mostrar, através dos processos institucionais de uma
democracia, que a concepção poderia ser objeto de aceitação coletiva por parte dos cidadãos desta
sociedade. Ao cumprir esses dois momentos, que se enfatizam em Rawls nos conceitos de “razão
pública” e “princípio liberal de legitimidade”, ele teria cumprido os requisitos para a aceitação pública
da justiça como equidade que faltaram na Teoria da Justiça. Ao reunir esses dois elementos, espera-se
aqui oferecer uma concepção alternativa da reafirmação, que sublinha o aspecto político-discursivo e
contextual.
Após a apresentação dos dois elementos principais para uma interpretação alternativa da reafirmação
(restatement) rawlsiana, será feita uma breve síntese desta e de seus impactos da teoria rawlsiana da
justiça. A conclusão é acompanhada de uma digressão acerca da importância do elemento político-
contextual para se endereçar o problema da justiça, qualquer que seja a teoria em questão.

Bibliografia básica:

HEDRICK, Todd. Rawls and Habermas: Reason, pluralism, and the claims of political philosophy.
Stanford University Press, 2010.
RAWLS, John. Justice as fairness: political, not metaphysical. In Philosophy and Public Affairs, vol.
14, nº 3, 1985, pp. 223-51.
______. Uma Teoria da Justiça. Edição revista. Trad. Jussara Simões, rev. trad. Álvaro de Vita, 3ª ed.
Coleção Justiça e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
______. O liberalismo Político. Trad. Álvaro de Vita. Ed. ampliada. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
WEITHMAN, Paul. Why Political Liberalism? On John Rawls’s Political Turn. Oxford: Oxford
University Press, 2010.

Entre limites: a “visão” da vida de Georg Simmel


Rafael Teixeira Santos

Resumo:
O pensador berlinense Georg Simmel (1858 – 1918), de formação filosófica neokantiana, pôs-se como
uma figura ímpar no início do século por sua contribuição à formação da Sociologia como campo do
saber independente e pelo ecletismo vigoroso de seu pensamento que percorreu um caminho do
kantismo, evolucionismo, vitalismo, filosofia da cultura até sua concepção própria de vida.
Após uma breve contextualização, pretende-se tratar da inovação derradeira de Simmel, em que o laço
metafísico entre a investigação social e a filosofia não se dissolve. Trata-se de sua obra final, “Visão da
Vida” - Lebensanschauung (1918), em especial do primeiro capítulo, “Vida como transcendência”. A
ideia central do trecho, da vida como uma figura da transcendência e das ramificações desse fato para a
significação da própria vida depende de uma série de outras reflexões que Simmel fora,
despretensiosamente, conduzindo em uma série de ensaios a pelo menos quase uma década antes.
Dentre eles encontramos “Ponte e Porta” - Brücke und Tür (1909) que não pode ser situado como uma
mera investigação proto-fenomenológica sobre o lugar da Ponte e da Porta na espacialidade humana,
mas como uma discussão metafísica sobre o problema do limite e do nexo separação/ligação que não
são simbolizados por Ponte e Porta, como uma sociologia poderia admitir, mas sim estes são antes
reificações da essência relacional do existir humano – como construções humanas.
Isso constitui um exemplo clássico por que em Simmel o fenômeno cotidiano ou social deve se mostrar
até o seu fundamento filosófico e assim não seria o caso de simplesmente categorizá-lo como
sociólogo. Deve-se, assim, buscar na raiz da “metafísica” simmeliana da vida não uma necessidade
epistemológica (ou simbólica), mas um problema ontológico: o estar-entre-limites. É este problema que
será radicalizado logo na primeira página de sua visão da vida, onde Simmel afirma que nós somos
fronteiras. Mais ainda, sendo como fronteiras, somos cada vez a superação da fronteira. Ou então, aqui
os limites impõem para a vida a possibilidade de sua superação e pôr-se entre limites é sempre doar-se
a possibilidade metafísica de estar para além deles.
Mas sendo assim, o que é vivo em abstrato – e ainda sem tratar da especificidade da vida humana: a
consciência – deve, em sua essência, estar-entre-limites – e, indo além de seu limite a cada vez,
engendrar um novo limite. É esse ritmo dissonante, esse ser-fronteira, que se constitui na realidade
fundamental e unidade interior da vida. É nesse sentido que tanto a vida consciente quanto a
inconsciente aderem à transcendência, o sempre-ir-além.
A partir daí, porém, temos a imanência do seu oposto na vida: a morte. Pois a morte aparece como o
que, dado o limite e ao contrário da vida, está-entre-limites, e assim permanece naqueles sem aderir à
transcendência. Mas, a morte pode ainda aparecer como o modo da vida se transcender ao seu próprio
princípio, como uma transcendência da transcendência.
O modo de existência chamado de vida pode ainda ser clarificado pela apresentação simmeliana do
tempo em relação à vida. A vida, como transcendência, é o passado e o futuro, assim como a Ponte doa
a existência das duas margens, e é pela ponte que se indica os dois lados e não vice-versa, ou a porta
que é ao mesmo tempo interior e exterior, e a liberdade o seu abrir. Do mesmo modo, o presente da
vida é uno com o não-ainda do futuro, diz Simmel.
A concepção teórica do tempo como passado, presente e futuro é irreal pois apenas o temporalmente in-
transcendido, o presente, é real para ela. Mas, o presente mostra-se tão temporal quanto o ponto é
espacial, na visão de Simmel, pois nunca apontamos para o presente como tal, sempre para um pouco
de passado e um pouco de futuro – neste sentido, o presente como o momento infinitesimal puramente
teórico entre passado e futuro é irreal, e a concepção puramente teórica também deve ser. O presente é
morto, está-entre-limites. Unicamente na vida, de modo oposto, a realidade do tempo se faz no
transcender.
A essência da vida como modo de existência é um adiantar-se, de tal forma que liga a realidade entre
passado, presente e futuro assim como uma ponte estabelece continuidade entre as duas margens e o
meio - o homem é a essência de ligação. Simmel termina circunscrevendo o adiantar-se como o
impulso vital de mais-vida, que tem uma dimensão correlata: mais-que-vida. Esta última é a forma pela
qual a vida morre em seu produto ao transcender um limite, forma atemporal e com lógica própria em
relação à vida que a engendrou.
Bibliografia básica:

SIMMEL, G. Bridge and Door. In: Simmel on Culture. Selected Writings. Ed. David Frisby e Mike
Featherstone. Trad. Mark Ritter e David Frisby. London: SAGE Publications, 1997, p. 170-174.
SIMMEL, G. The view of life: four metaphysical essays, with journal aphorisms. Trad. John A. Y.
Andrews and Donald N. Levine. Chicago: The University of Chicago Press, 2010, 203 p.
SILVER, D; LEE, M; MOORE, R. The View of Life: A Simmelian Reading of Simmel’s “Testament”.
Simmel Studies, v. 17, n. 2, p.262-290, 2007.
PYYHTINEN, O. Life, Death and Individuation: Simmel on the Problem of Life Itself. Theory, Culture
& Society, Londres, v. 29, n. 7-8, p. 78-100, 2012.
JALBERT, J. E. Time, Death, and History in Simmel and Heidegger. Human Studies, v. 26, n. 2, p.
259–283, 2003.

O Corpo e as Três Dimensões da Sexualidade na Fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty


Diego Luiz Warmling

Resumo:

Dos estudos que Maurice Merleau-Ponty dedica à noção de corpo, este projeto versará sobre os modos
como a questão da sexualidade pode ser compreendida desde a Fenomenologia da Percepção. Com
efeito, seguindo tais diretrizes, nosso esquema corporal não se confunde com aquilo que se pode pensar
dele tanto a partir de uma perspectiva intelectualista (para quem o corpo é antes um mecanismos
isolado e passivo aos mandos e desmandos da atividade racional) quanto de um olhar empírico (que o
compreende como automatismo instintivo e mecânico, pautado por relações de causa-feito entre
estímulos e respostas), mas diz respeito à nossa forma ampla de inserção no mundo da vida. Com base
na noção de esquema corporal, podemos entender que o corpo não é um conglomerado de órgãos
justapostos de acordo com uma linearidade causal, mas uma tomada de posição indivisa onde os órgãos
estão todos englobados segundo um sistema de equivalências. Na junção entre natureza e liberdade, o
corpo não é da ordem do “eu penso”, mas do “eu posso” – é potência exploratória. Assim, ser corpo é
estar amarrado a certo mundo; e é só por ele que o ser vai ao mundo. Todavia, se assim o for, o mesmo
só pode ser compreendido a partir da relação que mantem com outras realidades sensíveis, ou melhor,
para além de uma experiência para mim. Deste modo, será, pois, preciso passar a considerar a
afetividade e a sexualidade como partes constituintes do nosso trato com o mundo. Enquanto modo de
ser que evidencia nossa relação com as coisas, sem apresentar-se independente da infraestrutura
existencial humana, ao tratar de O Corpo como ser sexuado, este projeto ocupa-se, então, dos três
horizontes que Merleau-Ponty atribui à dimensão sexual, a saber: a) a sexualidade como abertura para o
outro, onde – ao pôr em cheque tanto uma reflexologia sexual condicionada quanto a imperatividade de
certos estados puros de prazer – o corpo sexuado constitui o modo de investimento relacional do sujeito
no mundo, ou melhor, a intencionalidade original do corpo num mundo onde o sexo é não apenas o
modo de ser do sujeito em relação ao tempo e às outras realidades sensíveis, mas nossa maneira de
existir com ou contra os outros; b) a sexualidade como estilo de nossa existência, no qual – de um
diálogo com certas diretrizes psicanalíticas que contribuem à fenomenologia ao defender em todo ato
humano um sentido intrínseco – a sexualidade deixa de constituir-se como um ciclo autônomo e
independente dos outros domínios da experiência, pois, se é nela onde podemos encontrar nosso modo
de ser em relação com o outro, tal qual os outros modos do ser no mundo, é ela também quem oferece a
chave da vida de um homem e nos torna, em primeira pessoa, familiar à humanidade em seu drama
geral entre a existência autônoma e a dependência; e, enfim, c) a promiscuidade entre existência e
sexualidade, onde – destacando uma atmosfera ambígua na qual impera a impossibilidade de
determinarmos para cada ato os conteúdos propriamente sexuais ou não sexuais – a explicação da
existência é concomitante à retomada de uma explicação sexual e o equívoco é constituinte da
existência humana, pois é sobretudo pautado por uma relação de reciprocidade osmótica entre
existência e vida sexual. Em Maurice Merleau-Ponty, ninguém está inteiramente salvo, tampouco
totalmente perdido, pois todo ato humano (encarnado em relação com o outro) possui sempre diversos
sentidos possíveis, que, direta ou indiretamente, envolvem nosso horizonte afetivo e sexual.

Bibliografia básica:

DUPOND, P. Vocabulário de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


FERRAZ, M. S. A. O transcendental e o existente em Merleau-Ponty. São Paulo: Associação Editorial
Humanitas, 2006.
GILES, T. Critica fenomenologica da psicologia experimental em merleau-ponty. Petropolis: Editora
Vozes Ltda, 1979.
MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Um olhar rawlsiano sobre a relação Estado/Religião no Brasil: defendendo uma concepção


razoável de estado laico
Julio Tomé

Resumo:

Neste trabalho pretende-se apresentar a concepção liberal política de John Rawls acerca da relação
Estado e Religião na esfera pública de uma sociedade democrática constitucional. Para tanto, serão
comentadas as obras do filósofo estadunidense Uma Teoria da Justiça, O Liberalismo Político, e A Ideia
de Razão Pública Revisitada, apresentando por meio da leitura comentada e crítica dessas obras a teoria
rawlsiana, sobre a questão de como em uma sociedade democrática que, ao assumir a perspectiva
política liberal, e aceita múltiplas concepções de bem e planos de vida racionais, que são
irreconciliáveis entre si, pode estabilizar o convivo dos cidadãos religiosos de diferentes credos, assim
como, a relação entre religiosos e não-religiosos (seculares, ateus, agnósticos) e suas justificações
políticas na esfera pública, isto é, trabalha-se em cima da questão Estado e Religião em uma sociedade
democrática constitucional, que é liberal politicamente falando e que busca um consenso sobreposto
para um convívio justo dos cidadãos desse Estado, adotando a perspectiva do Estado Laico, ou Estado
Neutro, naquilo que tange a questão de fé. Assume-se a perspectiva de que o Estado deva ser neutro e
laico, isto é, que não pode assumir uma religião, qualquer que seja ela, como oficial, pois ao fazer tal
ato se estaria privilegiando uma religião frente a outras, se estaria privilegiando uma concepção de
mundo frente a outras. E a partir dessa premissa tem-se como objetivo responder ao questionamento,
por meios dos escritos rawlsianos, de como então, dentro de uma sociedade liberal democrática
constitucional, os cidadãos com crenças de bem diferentes e conflitantes, conviveram respeitando os
princípios da justiça, da liberdade religiosa, de credo, associação, livre pensamento etc. Portanto, como
parte central desta pesquisa analisa-se se a perspectiva rawlsiana consegue solucionar a relação dos
cidadãos religiosos, na esfera pública, com os não-religiosos, verificando também as diferenças teóricas
com o pensamento de Habermas. Questiona-se como um Estado Laico pode agir para que os cidadãos
religiosos não sofram um déficit democrático, tenha suas visões de mundo respeitadas, sem as impor
para os outros cidadãos do Estado Democrático constitucional. Tem-se com o pressuposto de uma
sociedade liberal a aceitabilidade de múltiplas concepções de bem e de planos racionais de vida, onde,
os cidadãos podem, por exemplo, escolher suas religiões, e à estas está assegurado o direito de culto,
mas questiona-se se a proibição do abortamento, da eutanásia etc., no sistema político-jurídico
brasileiro não afetaria de forma negativa a liberdade das pessoas. Se com essas proibições não se
estaria privilegiando uma visão de mundo frente a outras. Questiona-se se um Estado laico, como o
brasileiro diz ser, a proibição de tais praticas não está na contramão de uma sociedade justa que aceita
as múltiplas concepções razoáveis de vida, de bem etc., onde então, neste trabalho defende-se que a
permissibilidade do aborto, da Eutanasia e tanto do casamento homoafetivo quanto da adoção de
crianças por parte de casais fora da concepção heteronormativa, são questões de justiça, e suas praticas
devem ser permitidas e asseguradas por lei, em uma sociedade democrática constitucional, com cunho
político liberal.

Bibliografia básica:

ARAUJO, L. B. L. A ordem moral moderna e a política do secularismo. In: ethic@ - Florianópolis, v.


10, n. 3, p. 39 – 53. 2011a. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/view/1677-2954.2011v10n3p39/21551>. Acesso em
14/07/2015.
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2010.
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RAWLS, John. Justiça e Democracia. Tradução de Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000a.
RAWLS, John. O Liberalismo Político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora
Ártica, 2000b.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisseta e Linita M. R. Esteves. São Paulo:
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diagnóstico. In: Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 03. No. 02. (2012), pp. 177-199. Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/14959/8497>. Acesso 24/07/2015.
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WERLE, D. L. Justiça, Liberdades básicas, e as bases sociais do autorespeito. In: ethic@ -
Florianópolis v.13, n.1, p. 74 – 90, Jun. 2014. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/viewFile/1677-2954.2014v13n1p74/26930>. Acesso
em 16/06/2015.
WERLE, D. L. Liberdades Básicas, Justificação Pública e o Poder Político em John Rawls. In:
Dissertatio [34] 183 – 207. 2011. Disponivel em:
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WERLE, D. L. Pluralismo e tolerância, sobre o uso público da razão em Habermas. In: PINZANI, A.;
LIMA, C. M. de; VOLPATO DUTRA, D. J. (Org.). O pensamento vivo de Habermas. Uma visão
interdisciplinar. Florianópolis: Nefipo, 2009. p. 263-288.
WERLE, D. L. Razão e democracia – uso público da razão e política deliberativa em Habermas. In:
Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, p. 149-176, 2013. Edição Especial. Disponível em:
<http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/transformacao/article/view/2938/2261>. Acesso em
18/06/2015.
WERLE, D. L. Tolerância, legitimação política e razão pública. In: Dissertatio [35] 141 – 161. 2012b.
Disponível em: <http://www2.ufpel.edu.br/isp/dissertatio/revistas/35/07.pdf>. Acesso em 18/07/2015.
ZABATIERO, J. P. T. Rumo a uma filosofia da religião em tom pós-metafisico. Diálogos com
Habermas e Rorty. In: Horizonte, Belo Horizonte, v. 8, n. 16, p.12-32, jan./mar.2010.

A decadência do sentido da política sob a ótica arendtiana.


Lara Emanuele da Luz

Resumo:
Na sociedade moderna, foi percebido um crescimento da a-mundanidade, que é entendida pela autora
como a impossibilidade de comunhão dos seres humanos com o cosmo entre si, e da decadência do
sentido da política, que é tida principalmente como um reflexo das ideologias totalitárias. Tal
decadência é apontada pelo fato de que o homem moderno passa a viver num mundo que é reflexo de
sua mentalidade, no qual o ser humano não é mais capaz de formular questões adequadas e muito
menos de dar resposta às perplexidades políticas. Isso ocorre porque, o homem vive num período
crítico entre a Segunda Guerra Mundial e pós-Segunda Guerra Mundial, e, consequentemente, pós-
totalitário, agindo sem pensar, e ocasionando a decadência do sentido da política. Uma consequência
disso é apontada pela autora através do caso Adolf Eichmann, que Arendt cobriu como repórter seu
julgamento. Eichmann participou da Segunda Guerra Mundial e, sendo fruto de ideologias totalitárias,
exerceu suas ações sem refletir sobre elas. Ele, sendo um dos principais auxiliares de Hitler, afirmava
que não matou ninguém, apenas recebia ordens de dar ordens para o extermínio de pessoas. Segundo
Arendt, ele não era um ser demoníaco, mas alguém que apenas se ausentou de seu pensar, e exerceu a
banalidade do mal. Nestes termos, o presente artigo pretende, por um lado, analisar, sob a ótica de
Hannah Arendt, os motivos da decadência do sentido da política na com base no caso de Adolf
Eichmann. Por outro lado, pretende-se articular o pensamento à ação como solução a esta decadência.
Para tanto, fez-se necessário analisar o caso de Eichmann, compreender a relação entre ação e
pensamento, com base na estrutura da vita contemplativa, composta pelo querer, julgar e pensar, e na
estrutura da vita activa, composta pelo trabalho, pela obra e pela ação. Sendo que a ação é uma
atividade plural, que se dá com outros homens, e cria a condição para a lembrança, e para a história,
que é essencial para que se faça política. Além de ser a conditio sine qua non e conditio sine per quam
de toda a vida política. Já o pensamento, é uma atividade estritamente especulativa, e possui uma
estrutura dialógica, a qual a reflexão implica na transformação do diálogo do dois-em-um, um diálogo
consigo mesmo. Tal atividade não se dá na pluralidade com os outros, mas numa forma plural de si
consigo mesmo. Além de que o pensamento não pode existir distinto do juízo, e serve para abrir os
olhos do espírito. Deste modo, o juízo anda juntamente com o pensamento, pois é ele quem toma uma
posição diante dos eventos, já que julgar é uma capacidade fundamental à existência da política. E por
fim, apresentar o que seria esta decadência do sentido da política, apontando seus principais fatores, e
mostrando uma possível solução a ela. Nestes termos, a autora mostra que durante a Segunda Guerra
Mundial, que foi estritamente totalitária, a maioria dos homens na modernidade agiu sem pensar diante
de seus próprios atos, como se fossem uma engrenagem, em que algo os condicionou a agir de tal
modo, porém, ela vê na ação e no pensamento uma esperança para viver com tal problema. Tal artigo
será de ordem bibliográfica.

Bibliografia básica:

ARENDT, H. A condição humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
______. A dignidade da política. Trad. Helena Martins e outros. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
______. A vida do espírito: O pensar, o querer, o julgar. Trad. Antônio Abranches; Augusto R. de
Almeida; Helena Martins. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.
______. Eichmann em Jesrusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. 17. ed. Trad. José Rubens
Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
______. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Fechamento, ceticismo e razões conclusivas


Luiz Helvécio Marques Segundo

Resumo:
O puzzle cético pode ser posto do seguinte modo:
1- Sei que tenho mãos.
2- Se sei que tenho mãos, então sei que não sou um cérebro numa cuba.
3- Não sei que não sou um cérebro numa cuba.
Essas três proposições não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, muito embora sejam todas
plausíveis. (1) representa as nossas atribuições comuns e intuitivas de conhecimento. (2) Diz respeito à
ideia de que somos capazes de saber tudo aquilo que é logicamente implicado pelas proposições que
sabemos (fechamento epistêmico). (3) é sustentada pelo seguinte raciocínio: as únicas evidências de
que dispomos para acreditar que não somos cérebros numa cuba, são evidências empíricas; mas caso
fossemos cérebros numa cuba, as coisas nos apareceriam exatamente como são agora, de modo que as
nossas evidências não são suficientes para concluir que não somos um cérebro numa cuba
(subdeterminação).
Há três principais reações ao puzzle: (i) o ceticismo, (ii) o moorianismo, e (iii) as teorias de
Dretske/Nozick. Dado que o ceticismo é uma posição à partida absurda, nossas opções de resposta ao
puzzle são (ii) e (iii). (ii), contudo, sofre de sérias objeções de circularidade e, principalmente, de que
torna o conhecimento da negação da hipótese cética fácil demais. (iii), por sua vez, enfrenta aquilo a
que comumente se chama de “conjunção abominável”: a ideia de que sei que tenho mãos, mas não sei
que não sou um cérebro numa cuba.
Parte da disputa entre defensores de (ii) e (iii) é a aceitação do princípio do fechamento epistêmico: se
sei que p, sei que p implica q, então sei que q. Os moorianos tendem a aceitar o princípio, ao passo que
os epistemólogos do lado de Dretske/Nozick tendem a rejeitá-lo.
Em sua teoria das Razões Conclusivas, Fred Dretske argumenta que uma análise contrafactual do
conhecimento é capaz de lidar com o desafio cético: S sabe que p sse tem razões conclusivas para p; e
S tem uma razão conclusiva, R, para p sse não fosse o caso que p S, R não se daria. A interpretação
usual das contrafactuais é dada em termos de mundos possíveis; assim: naqueles mundos possíveis
mais próximos em que p não é o caso, R também não é o caso. A análise de Dretske prevê que grande
parte das nossas crenças de senso comum conta como conhecimento; porém implica que não sabemos
várias das proposições implicadas por essas crenças – e, em particular, a proposição implicada de que
não somos cérebros numa cuba. Mas seus defensores pensam que isso não seja um problema.
Nesta comunicação defenderei que a abordagem das Razões Conclusivas não é incompatível com o
princípio do fechamento. Mais especificamente, defenderei que uma versão particular do princípio
(proposta por Peter Klein (1995)) ajudará na produção de razões conclusivas para a crença de que não
sou um cérebro numa cuba.
A minha conclusão (preliminar) será: se no fim das contas a intuição dos proponentes das Razões
Conclusivas de que há algo estranho com o conhecimento fácil tiver algum peso, irá contar, sobretudo,
contra a própria teoria das Razões Conclusivas.

Bibliografia básica:

Dretske, F. (1970) Epistemic Operators. Journal of Philosophy 67 (24):1007-1023.


Dretske, F. (1971) Conclusive Reasons. Australasian Journal of Philosophy 49 (1):1 – 22.
Dretske, F. (2005) The Case Against Closure. In M. Steup & Earnest Sosa (eds.), Contemporary
Debates in Epistemology. Malden, Ma: Blackwell 13--25.
Klein, P. (1995) Skepticism and Closure: why the Evil Genius Argument fails. Philosophical Topics 23
(1):213--236.
Nozick, R. (1981) Philosophical Explanations. Harvard University Press.
Democracia deliberativa e as bases sociais da política em Habermas
Izauria Zardo

Resumo:

O tema “democracia” tem ocupado as páginas de diversos autores contemporâneos, dentre eles o
filósofo alemão Jürgen Habermas. Para ele a democracia se constitui como um procedimento
deliberativo no qual os cidadãos livres e iguais podem chegar a acordos racionais acerca de assuntos
divergentes que integram o mundo da vida. E isso se dá através da comunicação, que atua como fonte
integradora da sociedade e legitimadora do Estado, na medida em que permite a cada cidadão, formar,
expressar e discutir sua opinião com base em argumentos mais ou menos racionais, nos espaços que
constituem a esfera pública. O sistema político encontra-se numa relação de interdependência com as
estruturas comunicativas do mundo da vida, cuja linguagem normativa do direito representa um meio,
capaz de transformar o poder comunicativo gerado nas deliberações do mundo da vida em poder
administrativo do Estado. Nesse sentido, a política deliberativa representa um procedimento importante
para a estabilização não-violenta da sociedade, conforme ela consegue captar as necessidades comuns
dos cidadãos, que por sua vez desejam entender-se entre si, agrupar essas necessidades e transmiti-las
para a esfera pública política. A partir daí a demanda deverá ser formalizada e trabalhada pelo poder
administrativo de modo a atender as reivindicações formuladas pelos cidadãos. Tendo em vista a
conquista de direitos sociais e políticos inéditos na área da saúde, oriundos da luta pela
redemocratização do Brasil na década de 80, que se deu a partir do surgimento de diversos movimentos
sociais, dentre eles o Movimento de Reforma Sanitária, este trabalho pretende tanto analisar os
fundamentos normativos da democracia deliberativa em Habermas quanto analisar os pontos de
encontro de sua teoria com a realidade concreta, por meio da formalização do direito à participação
popular no Sistema Único de Saúde, garantido por lei.

Bibliografia básica:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. A construção do SUS:


histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
COELHO, V P P; NOBRE, M. Participação e Deliberação – Teoria Democrática e Experiências
Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004.
HABERMAS, J. Direito e Democracia – Entre facticidade e validade. Volume I. Tradução: Flávio Beno
Siebeneichler (UGF). Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1997.
HABERMAS, J. Direito e Democracia – Entre facticidade e validade. Volume II. Tradução: Flávio
Beno Siebeneichler (UGF). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro ,1997.
NOBRE, M; TERRA, R .(ORG.). Direito e Democracia: um guia de leitura de Habermas. São Paulo:
Malheiros editores LTDA, 2008.

A validade Normativa do conceito de razoável


Nunzio Ali

Resumo:

Deste da publicação do Liberalismo Politico (LP) surgiu um enorme debate, seja pela relevância do
autor, John Rawls, mas sobretudo pelo aporte significativo, talvez revolucionário, sobre muitos
assuntos centrais pela filosofia política. O debate se orientou principalmente seguindo duas linhas
interpretativas distintas, a primeira diz a respeito da ideia de tolerância e legitimação politica liberal, a
segunda concerne à suposta continuidade entre o LP e Uma Teoria da Justiça (TJ) tendo como alvo a
relevância que essa transição teve para o tema da justiça. Claramente esses duas orientações são
interligadas, mas a existência desses diferentes linhas interpretativas e muitas das controvérsias que
eles manifestam possam ser consideradas como consequência de certa ambiguidade, ou falta de clareza,
de alguns conceitos e ideias chaves expostas no LP, quais: razoável, razão pública, consenso
sobreposto, concepção politica de pessoa. As maiores controvérsias surgem a respeito de qual papel
essas ideias assumem na estrutura do LP, se elas, e qual delas, têm uma validade normativa ou
simplesmente descritiva. Em outras palavras, Rawls parece que não conseguiu separar e fundamentar
bem os dois estágios da exposição do LP; “o primeiro, a formulação da justiça como equidade que se
sustenta por si mesma, e, o segundo, a questão da estabilidade” (PL, pp. 56).
Nós acreditamos que o conceito fundamental no LP seja o razoável, não é coincidência que o termo
aparece só algumas vezes em TJ mas ganha centralidade sempre maior no momento que Rawls inicia o
processo de reformulação da sua teoria com o ensaio Kantian Constructivism in Moral Theory. O
conceito de razoável tem um papel essencial na construção de ambos os estágios, seja na mesma
justificação da concepção politica da justiça, que na ideia de consenso sobreposto onde se esclarece a
distinção entre doutrinas razoáveis e não razoáveis. Primariamente, Rawls define o razoável
diferenciando-o do racional, eles são entendidos como duas ideias distintas e independentes. Rawls
associa ao razoável, “primeiro, a disposição de propor e sujeitar-se a termos equitativos de cooperação
e, segundo, à disposição de reconhecer os limites do juízo e de aceitar suas consequências.” (PL, pp.
57) Nesse sentido as pessoas razoáveis levam em conta as consequências de suas ações sobre o bem
estar dos outros. Contrariamente, a forma de sensibilidade propriamente moral é algo que o agente
racional não tem. Então, “o racional aplica-se a um agente único e unificado, dotado das capacidades
de julgamento e deliberação ao buscar realizar fins e interesses peculiarmente seus.” (PL, pp. 60) Com
isso não significa que o razoável é o mesmo que altruístico, nem tampouco que seja o mesmo que uma
preocupação exclusiva com o eu, como no caso do racional. Trata-se de uma postura moral entre estas
duas.
Contundo, muitos críticos consideram que Rawls não oferece uma definição clara e convincente do
conceito de razoabilidade. Podemos identificar e distinguir dois tipos de criticas, entre a mais
relevantes. A primeira critica sustenta que o razoável é puramente e simplesmente uma virtude liberal,
sendo uma componente interna da doutrina abrangente do liberalismo. Nesse sentido, segundo os
críticos – como Chantal Mouffe – o razoável esconderia uma repressão arbitraria da diversidade. A
segunda critica, por sua vez, afirma que o conceito de razoável carece de uma justificação
epistemológica e, sendo o razoável o elemento fundante da concepção politica da justiça, essa última
não teria validade normativa sólida devido a essa carência. De qualquer maneira, a segunda crítica liga-
se à primeira: questiona-se aqui se o LP não se funda no simples fato que os cidadãos de uma
democracia liberal compartilham a virtude da razoabilidade. Por isso, segundo Habermas, Rawls
deveria distinguir claramente entre aceitabilidade e aceitação, sendo que somente ao esclarecer a
primeira ele conseguiria assegurar validade normativa ao LP.
O nosso proposito será, então, esclarecer e fundamentar a validade normativa do conceito de razoável.
Nós acreditamos que ele é o critério normativo que define a gramatica da justiça per se. Tentaremos de
demostrar que o razoável rawlsiano implica, ou deveria implicar, uma reformulação intersubjetiva e
procedimental de uma concepção moral de autonomia que seja não metafisica ou post-metafisica.
Desse modo, evidenciar-se-ia que tipo de continuidade existe entre TJ e o LP e, ao mesmo tempo,
demonstrar-se-ia como a ideia de tolerância e legitimação politica, supostamente liberal, é uma questão
primariamente de justiça; tendo assim o resultando também de unificar as duas linhas interpretativas
dentro do atual debate.

Bibliografia básica:
Rawls, J. O Liberalismo Politico, Editora Ática, São Paulo, 2000.
Rawls J. A Theory of Justice, Harvard University Press, Cambridge, 1971.
Mouffe, C. “Political Liberalism. Neutrality and the Political”, Ratio Juris, Vol. No. 3, 1994.
Habermas, J. “Reconciliation Through the Public use of Reason: Remarks on John Rawls’s Political
Liberalism”, The Journal of Philosophy, Vol. 92, No. 3. 1995.
Forst, R. The right to justification, Columbia University Press, New York, 2012.

Contribuições da dicotomia próximo/remoto para a epistemologia da ecologia de populações e da


ecologia evolutiva
Máida Ariane de Mélo

Resumo:

A Filosofia da Ecologia é um dos campos menos desenvolvidos da Filosofia da Biologia. Não


surpreende, por isso, que a distinção entre Ecologia Evolutiva e Ecologia de Populações ainda precise
ser assinalada e estabelecida. Sendo assim, nossa pesquisa tem por objetivo mostrar que ao ingressar no
campo da ecologia evolutiva já estamos abordando o campo da biologia evolutiva, enquanto que ao
tratar da ecologia de populações, o que se pretende é responder questões ligadas à autoecologia e a
fisiologia dos organismos. Esta demarcação é importante para a Filosofia da Biologia porque ela
permite entender melhor a polaridade próximo-remoto, mas ela também é relevante para a própria
Biologia porque pode evitar confusões e polêmicas estéreis surgidas do fato dos cientistas não
compreenderem a distinção entre ambos os campos de estudos ecológicos. De acordo com Mayr (1961,
p. 83) para que os biólogos compreendam as questões das quais se ocupam em suas investigações, é
fundamental reconhecer que a Biologia possui dois campos distintos quanto à metodologia e conceitos
básicos, a saber: a biologia funcional e a biologia evolutiva. A primeira procura responder indagações
do tipo “como? Como funciona algo?”, se aproximando da física e da química, uma vez que “a técnica
principal do biólogo funcional é o experimento”, analisando a “operação e interação de elementos
estruturais, desde moléculas até órgãos e indivíduos completos” (Ibid.). Os organismos, seus órgãos,
sua fisiologia, todas estas, são causas próximas. Já, a segunda, faz indagações do tipo “por quê?”.
Assim, a principal preocupação do biólogo evolutivo “é encontrar as causas das características
existentes nos organismos e em particular as adaptações que os organismos têm sofrido através do
tempo” (Ibid., p. 84). Para o referido autor, as causas próximas “governam as respostas dos indivíduos
(e seus órgãos) a fatores imediatos do ambiente, enquanto que as causas remotas são responsáveis pela
evolução do programa de informação do DNA, com o qual estão dotados todos os indivíduos, de todas
as espécies”. Para Caponi (2003, p. 62), embora haja uma vinculação inegável e relevante entre a
biologia funcional e a tradição experimental de laboratório, enquanto na biologia evolutiva essa
vinculação acontece com a tradição naturalista – “Darwin e seus seguidores imediatos” –, não se pode
desconsiderar a possibilidade da aplicação de procedimentos experimentais nesse último domínio,
ainda que em situações muito específicas. Comparar os procedimentos experimentais realizados na
biologia funcional com aqueles feitos em alguns campos da biologia evolutiva, especialmente no
domínio da genética de populações, “pode servir para aprofundar e precisar o contraste entre ambos
domínios disciplinares” (Ibid.). Contudo, é preciso atentar para o fato de que a dicotomia próximo-
remoto tem sofrido críticas ao longo dos anos, que apontam a necessidade de sua reestruturação e
reformulação. Ariew (2003) assinala que da forma como foi apresentado por Mayr (1961), o conceito
de causas remotas é, para este, sinônimo de seleção natural. Para Caponi (2008, p. 123) a
caracterização imprecisa que Mayr faz de causa remota, ao quase identificá-la como a de um fator
ecológico, “além de nos fazer perder de vista a diferença entre indagações ecológicas e indagações
evolutivas, dificulta a compreensão de como fatores distintos a luta pela existência, tais como os
constrangimentos ontogenéticos, podem chegar a ter efeitos e impacto na evolução”. Porém, ainda
assim, a dicotomia entre causas próximas e causas remotas, bem como a distinção entre biologia
funcional e biologia evolutiva, “merecem ser preservadas” (CAPONI, 2008, p. 123); para este mesmo
autor (2013, p. 197), a dicotomia próximo-remoto “continua sendo um recurso conceitual válido e
insubstituível para entender a especificidade da biologia evolutiva”. No discurso habitual da Ecologia,
a distinção entre ecologia de populações, uma ciência de causas próximas, e ecologia evolutiva, que a
rigor é uma ciência de causas remotas e faz parte da biologia evolutiva, pode parecer uma distinção
artificiosa e até errônea. Malgrado na maioria dos livros de texto de Ecologia, a ecologia de populações
e a ecologia evolutiva são tratadas simultaneamente, a correta compreensão epistemológica da estrutura
das ciências biológicas exige que essa distinção entre ambos os campos da ecologia seja estabelecida
com clareza.

Bibliografia básica:

ARIEW, A. Ernst Mayr’s ‘ultimate /proximate’ distinction reconsidered and reconstructed. Biology and
Philosophy 18: 553–565, 2003.
CAPONI, G. Experimentos en biología evolutiva: ¿Qué tienen ellos que los otros no tengan? Episteme,
Porto Alegre, n. 16, p. 61-97, jan.-jun. 2003.
____. La Biología Evolucionaria del desarrollo como ciencia de causas remotas. Signos Filosóficos, v.
10, n. 20, p. 121-142, jul-dez, 2008.
______. El concepto de presión selectiva y la dicotomía próximo-remoto. Revista de Filosofia Aurora,
v. 25, n. 36, p. 197-216, jan.-jun, 2013.
MAYR, E. [1961] Causa y efecto en biología. In: MARTÍNEZ, S.; BARAHONA, A. (Eds.). Historia y
Explicación en Biología. México: Fondo de Cultura Económica, p. 82-95, 1998.

A rejeição da crença no progresso da civilização tecnológica: contribuições de Wittgenstein para


uma reflexão filosófica sobre a tecnologia
Geraldo das Dôres de Armendane

Na primeira metade do século XX, a civilização ocidental, por um lado, passou por um vertiginoso
progresso tecnocientífico; e por outro, pela terrível destruição em massa da vida humana e de outras
formas de vida na terra, provocado pelo uso desmedido da ciência e tecnologia no mundo
contemporâneo. Desse modo, o planeta foi devastado por duas grandes guerras mundiais, pelo horror
do holocausto nazista, e por várias guerras civis e revoluções. É que nesse contexto, portanto, que se
situa Wittgenstein. O presente trabalho trata, então, de apresentar o pessimismo de Wittgenstein diante
da crença no progresso da civilização ocidental na primeira metade do século XX, assim como as
contribuições da filosofia do pensador austríaco para uma reflexão filosófica sobre a tecnologia. Para
isso, busca-se responder as seguintes indagações: (a) no contexto de crise da civilização ocidental, na
primeira metade do século XX, qual foi a posição de Wittgenstein diante do avanço da ciência e da
tecnologia? (b) Qual é o limite demarcador entre o espírito científico, que produz ciência e tecnologia,
do espírito filosófico, cuja função terapêutica é curar o entendimento humano do mau uso da
linguagem? (c) A filosofia do segundo Wittgenstein nos ajuda a lidar com os problemas provocados
pelo uso da ciência e tecnologia no mundo contemporâneo? O texto busca mostrar que sendo atividade
e movimento do pensamento, a filosofia do segundo Wittgenstein se constitui como horizonte de
sentido humano e como terapia da linguagem, que auxilia os seres humanos no enfrentamento dos
problemas da vida cotidiana que, esse caso específico, trata-se dos problemas causados pelo mau uso
da ciência e tecnologia no mundo contemporâneo, tendo como background o próprio fenômeno
humano da linguagem. Para Wittgenstein, a civilização ocidental é tipicamente construtora. Ela se
ocupa em construir estruturas cada vez mais complexas, que funcionam, por assim, como meio para
atingir o fim e nunca alcançar o fim em si mesmo. E até mesmo as luzes e a claridade desejadas por
essa civilização são meios para atingir esse fim. De acordo com Wittgenstein, o filósofo não está
interessado na construção de edifícios, mas em ter uma visão clara de seus alicerces. Ele não visa
atingir o mesmo alvo do cientista, pois o seu modo de pensar é diferente do homem da ciência. O que
interessa, portanto, ao filósofo são claridade e transparência. Assim, em cada frase que o filósofo
escreve contem em si a expressão máxima de tudo o que ele quer dizer. Em outras palavras, a atividade
filosófica não exige escada para alcançar o lugar onde se quer chegar. Esse lugar é onde o filósofo já
deve estar (CV, 2000, p. 21). Para Wittgenstein, um problema filosófico “não está dentro” da realidade
mesma (IF § 123), como uma essência a ser abstraída pelo filósofo metafísico, mas é constitutivo da
atividade filosófica mesma, cuja o campo de batalha é a própria linguagem (CV, p. 27). Pois, a filosofia
é uma luta contra o enfeitiçamento de nosso entendimento pela nossa própria linguagem (IF § 109).
Wittgenstein realça que nada se encontra oculto na linguagem. E sendo o fenômeno da linguagem
constitutivo do horizonte de mundo humano, é na linguagem mesma que se encontrar os problemas a
serem esclarecidos. Dessa forma, a tarefa da filosofia consiste simplesmente em expor tudo o que está
diante dos olhos. O que está oculto não interessa ao filósofo. É a clareza completa, portanto, que o
filósofo aspira (IF §§ 126-130). Uma vez que nada está oculto aos olhos do filósofo, acredita-se, pois,
que todo ser humano, imbuído de espírito filosófico, saberá como lidar com os problemas concretos de
uma sociedade essencialmente tecnológica.

Bibliofia básica:

HALLER, Rodolf. Wittgenstein e a filosofia austríaca: questões. São Paulo: Edusp, 1990.
MONK, Ray. Wittgenstein: o dever do gênio. Trad. Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-philosophicus. Introdução de Bertrand Russell. Trad.
Luís Henrique dos Santos. São Paulo: Edusp, 1994.
________.Investigações Filosóficas. Trad. Marco G. Montagnoli. Petrópolis: Vozes, 1994.
________.Cultura e valor. Biblioteca de Filosofia Contemporânea. Lisboa: Edições 70, 2000.

Referência normativa e crítica da ideologia


Jordan Michel Muniz

Resumo:

Em Repensando a Ideologia Rahel Jaeggi defende uma crítica da ideologia na qual as ações de
compreensão e avaliação das realidades sociais interagem. Desta influência mútua origina-se uma
normatividade autônoma ou independente, postulada como “normatividade-de-segunda-ordem”. O
entrelaçamento entre análise e crítica, acrescido da independência normativa resultante desta união,
permite explicitar o que há de construído e parcial em proposições que supostamente retratam fatos
sociais, mesmo nos discursos que alegam neutralidade ideológica. Julgo tal autonomia ou dimensão
normativa própria um elemento-chave no método apresentado pela autora para atualizar e redefinir a
crítica da ideologia, e por este motivo tal normatividade sui generis será focalizada neste estudo.
Jaeggi postula praticar uma forma específica de crítica imanente. Sua proposta pretende renovar a
crítica da ideologia superando a controvérsia quanto ao fundamento externo ou interno da
argumentação, bem como recusando o dilema entre ter de assumir uma posição normativista ou
antinormativista. Estes pares de alternativas são aspectos que há muito tempo têm pautado discussões
relativas à teoria crítica. O projeto de Jaeggi é oferecer uma solução para o que ela descreve como os
dois paradoxos da crítica da ideologia. O primeiro foi assinalado por Adorno como o entrelaçamento do
verdadeiro e do não verdadeiro na ideologia. Anton Leist destacou a segunda condição paradoxal,
ligada à presunção da crítica da ideologia de produzir significado normativo sem preestabelecer normas
para os julgamentos ou diagnósticos que profere. É pelo emprego de uma normatividade derivada do
procedimento crítico – com características autopoiéticas, conforme penso – que a autora encaminha a
resolução destes paradoxos.
Esta exposição tem três partes, e investiga o que vejo como núcleo duplo da tese de Jaeggi: o
entrelaçamento de descrição e avaliação, e a independência normativa daí derivada. Espero que se note
ser a base normativa sugerida questionável, sem negar vantagens ao método no qual análise e crítica
têm funções interativas.
Na primeira seção apresentarei sucintamente variantes do conceito de ideologia, para introduzir o tema
da discussão. A intenção é evidenciar que nas próprias definições já surgem divergências sobre aquilo
que se quer investigar. O conteúdo delimitado por determinada compreensão do que é ideologia pode
influenciar na funcionalidade do método crítico. Esta é uma razão que justifica criticar a crítica da
ideologia.
Na segunda parte ver-se-á em que se baseia a noção de normatividade autônoma ou independente. Tal
expressão contraria a compreensão usual que se tem de normas. O comum em filosofia é preestabelecer
um fim, admitindo juízos de valor com os quais se justificam racionalmente sentenças normativas
acerca do que é justo, útil, bom etc. A valoração prévia embasa normas que oferecem critérios à crítica,
propiciando o exame de conjunturas e processos sociais. Desta práxis decorrem dificuldades com as
quais se deparam ensaios na área da teoria crítica, quando desenvolvem uma crítica imanente. Jaeggi
transpõe estas barreiras teóricas construindo método crítico original, apoiada na ideia de
interdependência entre análise e crítica. Tal junção extrai da própria situação os critérios do exame, no
sentido de que pela crítica obtém os fundamentos da análise, que por sua vez subsidia a crítica. Há
pretensão, com factibilidade duvidosa, de desenvolver critérios partindo das circunstâncias criticadas,
pela inspeção do que é contraditório na prática das normas e realidade dadas. Da conexão do analisar
com o criticar provém o liame entre normativo e não normativo, vistos como inseparavelmente
entrelaçados.
Na terceira e última seção farei o confronto deste método de repensar a ideologia com outro modelo
crítico delineado posteriormente por Jaeggi. Refiro-me a O que há (se de fato há algo) de errado com o
capitalismo? Três vias de crítica do capitalismo, estudo sobre quais são as bases atuais para uma crítica
ao capitalismo. É trivial falar em ideologia capitalista, ou nas formas ideológicas mutáveis surgidas em
tempos de crise, mas o foco é outro. Jaeggi conceitua sinteticamente o capitalismo como sistema social
e econômico, e sugere enfoque tripartido para avaliá-lo. Não farei comentários ao desenvolvimento do
artigo em si; observarei essencialmente às conclusões, bem como às explicações sobre o percurso
teórico que a elas conduz. Interessa-me mostrar o ressurgimento da estratégia anterior da autora, com
uma modificação notável: enquanto mantém a tese de que avaliação e descrição estão
inseparavelmente vinculadas entre si, ela já não prescinde de uma referência normativa para o
julgamento do capitalismo. Embora seja produtiva a ideia de entrelaçamento entre descrição e
avaliação, a defesa de uma normatividade autônoma, em sentido pleno, parece difícil de sustentar.

As Paixões em René Descartes


Felini de Souza

Resumo:

O período moderno é marcado pelo rompimento com as tradições, seja nas artes, nas ciências, e,
também, na filosofia. O filósofo francês René Descartes inaugura o período moderno buscando trilhar
novos caminhos, distintos dos caminhos trilhados pelos seus antecessores. Este rompimento com a
tradição se faz presente em sua epistemologia, como apresentado em sua obra Meditações (1641),
assim como com as paixões e o seu conceito de moralidade. Sendo as paixões um tema bastante
recorrente na filosofia, desde a antiguidade, na dicotomia paixão e razão, buscamos através da ética
entender se elas são benéficas ou maléficas para as ações morais, e diversos autores já haviam
trabalhado as paixões antes de Descartes. Descartes se sentia insatisfeito com o que vinha sendo
considerado com relação as paixões até sua época, e portanto, busca uma nova forma de entender as
paixões e sua relação com a moralidade. Em sua última obra, As paixões da alma (1649), Descartes
cristaliza seus conceitos de corpo e alma, uma discussão já iniciada em obras anteriores do filósofo.
Busco analisar neste trabalho o paradoxo entre a distinção da res cogitans e da res extensa, com a união
substancial, proposta por Descartes, que vem a ser um dos principais pilares para o entendimento das
paixões. Para tratar, também, sobre as certezas indubitáveis de Descartes, seus conceitos de ação,
paixão e da moralidade. Em As paixões da alma, Descartes analisa as paixões da alma opondo-as às
ações da alma. Ele entende por ações da alma aqueles pensamentos que vêm da alma e dependem
somente dela para se realizar. Já as paixões são espécies de percepções relacionadas à alma,
diferentemente das percepções relacionadas ao corpo, como a fome, o calor e a sede. Temos um
número indefinido de paixões, mas Descartes, busca realizar sua taxonomia ordenando em seis paixões
primitivas, sendo elas a admiração, o amor, o ódio, a alegria e a tristeza, juntamente com suas
derivadas. Na obra As paixões da alma, Descartes faz uma espécie de tratado de medicina, onde
explica a fisiologia das paixões, suas funções e utilidades, para que saibamos utiliza-las a nosso favor, e
para que não nos tornemos escravos de nossas paixões. Portanto, ele utiliza de “remédios” que
auxiliariam no controle das paixões, sendo o principal deles a generosidade, uma paixão relacionada
com a virtude e a moralidade. Por meio da generosidade que temos a solução para os excessos e faltas
das paixões, é por meio da generosidade que o conhecimento e a virtude se fazem presentes, deste
modo agiríamos da melhor forma que julgarmos, como sugere a moral cartesiana. Segundo Descartes, é
através da generosidade que as paixões se tornam benéficas ao ser humano. As paixões, para Descartes,
não eram consideradas como doenças, ou algo maléfico que devia ser aniquilado, como era para os
estoicos, Descartes considerava as paixões como boas e úteis a vida, sendo necessário, apenas, saber
bem conduzi-las. Saber lidar com as paixões estava estreitamente ligado com o cuidado com a saúde,
pois Descartes sugeria a Princesa Elisabeth, com quem trocava correspondência sobre as paixões e a
moralidade, que buscasse alimentar em sua mente momentos alegres que passara, para amenizar os
malefícios à saúde, que a tristeza lhe causava. Portanto, faz-se necessário para o filósofo o controle dos
excessos e faltas das paixões, para uma boa vida.

Bibliografia básica:

DESCARTES, René. Meditações. Os pensadores. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Junior. 2. ed. São
Paulo: Abril Cultura, 1979.
DESCARTES, René. As paixões da alma. Os pensadores. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Junior. 2.
ed. São Paulo: Abril Cultura, 1979.
DESCARTES, René. Discurso do Método. Os pensadores. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Junior. 2.
ed. São Paulo: Abril Cultura, 1979.

O inumano em Lyotard: rotas de fuga para uma ontologia sem precedências antropomórficas e
antropocêntricas
Mariana Ruiz Bertucci Schmitt

Resumo:
O projeto de tese de doutorado aqui proposto consiste numa abordagem específica das obras de Jean-
François Lyotard em busca de ressaltar aquilo que venho a chamar de rotas de fuga do humanismo, ou
ainda: rotas de fuga dos pressupostos filosóficos que se fiam a partir de preceitos antropomórficos e
antropocêntricos. Essas rotas de fuga aparecem em obras diferentes e sugerem, por sua vez, vias de
acesso também diferentes para um lugar comum: a condição do humano como acaso do inumano, e,
mais ainda, a “indiferença” do inumano em relação ao humano, que se examina aqui como a falta de
destinação do Ser (ao humano, ao significado, ao pensamento, à consciência, etc.). A ideia de
passividade aparece como fundamento do inumano na medida em que este pode ser sempre
compreendido como um indeterminado que é determinante, e que assume diferentes nomes na literatura
de Lyotard. Para o autor, o acontecimento do humano, do espírito, da consciência, não passa de um
acaso das determinações daquilo que ele chama, por exemplo, no dito período pagão ou libidinal, de
desejo, mas que a partir da obra Le différend (1983) passa a ser chamado hegemonicamente de matéria.
Esta seria, sobretudo, imaterial, amoral, informe, indestinada; inspirada na literatura de Diderot, a
matéria de que fala Lyotard estaria em constante processo de complexificação e diferenciação,
ocasionando a graça do humano como mera ocorrência cosmo local de sua empreitada neg-entrópica.
Esta definição do inumano sugere uma noção de passividade que atravessa as mais variadas e valiosas
decisões humanas, sejam elas de origem ética, política, estética ou científica, e interfere tanto no nível
dos sintomas individuas como no nível destas mesmas instituições. Aqui, uma charneira entre a
condição ambígua do humano – a sua indeterminação nativa e o seu devir razão – serve de parâmetro
para nossa pesquisa do inumano (já que este aparece como constitutivo do humano) e, mais do que
isso: é por meio desta articulação que a tese será dividia em duas partes, a primeira a tratar das rotas de
fuga do humanismo que acessamos por meio do tema da indeterminação nativa, em que se enquadram
os tópicos (1.1) da herança do paganismo em Lyotard na sua ontologia da economia libidinal, presente
na obra que leva o mesmo nome, de 1974, (1.2) da ontologia do acontecimento e da anti-teleologia da
linguagem apresentada em Le differénd (1983), e (1.3) da estética do sublime, presente em diversas
obras e destacada em O inumano (1988) – o objetivo desta primeira parte é levar ao entendimento da
própria constituição inumana dessas teses ontológicas de Lyotard. A segunda parte deve tratar, por
outro lado, das rotas de fuga por meio do devir razão, quer dizer, do acolhimento ontológico do
acontecimento pelo partido da consciência, em que se destaca (2.1) a compreensão da condição cultural
pós-moderna e da crise dos discursos humanistas, presentes em textos como A condição pós-moderna
(1979) e O pós-moderno explicado às crianças (1986), e (2.2) da relação entre tecnociência e
capitalismo, abordada também na obra O inumano, donde se inverte a noção de dominação da técnica
pelo homem e se investiga a possibilidade da própria razão como acaso de uma determinação daquele
indeterminado que chamamos aqui inumano.

Bibliografia básica:

LYOTARD, J-F. Economie libidinale. Les éditions de minuit: Paris, 1974.


LYOTARD, J-F. Le différend. Les éditions de minuit: Paris, 1983.
LYOTARD, J-F. O inumano: considerações sobre o tempo. Editorial Estampa: Lisboa, 1990.
LYOTARD, J-F. O pós-moderno explicado às crianças. Dom Quixote: Lisboa, 1993.
LYOTARD, J-F. A condição pós-moderna. José Olympio: Rio de Janeiro, 2011.

Considerações sobre a originalidade ontológica do pensiero debole de Vattimo


Gabriel Debatin

Resumo:
O filósofo e político italiano Gianni Vattimo sustenta que a Pós-Modernidade é marcada por uma
fragmentação dos saberes, causada principalmente pela crescente complexificação da ciência e da
técnica. Por decorrência, não é possível inferir que haja um saber unitário, fundante, que reúna todos os
saberes, ideologias e posicionamentos teórico-filosóficos vigentes no referido período. Mediante tal
contexto, o propósito empenhado por Vattimo é clarificar a tarefa filosófica pós-moderna em meio à
fragmentação das múltiplas formas de saber. Não havendo um ponto de referência estável para o
pensamento, apenas se torna possível contemplar as diversas correntes teórico-filosóficas quando
nenhuma delas possui a indevida pretensão de se afirmar como verdadeira, definitiva e conclusiva,
características próprias de um posicionamento metafísico. Isso resulta em uma espécie de
“democratização” do pensamento, fruto de uma ontologia que não compreende o ser como fundamento
– Grund – último da realidade, como o faz o pensamento de tradição metafísica. Pelo contrário, em
uma condição chamada por Heidegger, e posteriormente adotada por Vattimo nos trâmites de
desenvolvimento de sua filosofia, de Verwindung, supera e distorce a ontologia metafísica, não mais
compreendendo o ser como fundamento último da realidade, mas como abismo e, portanto, como
abertura. De acordo com o filósofo italiano, assumindo-se o posicionamento niilista e hermenêutico de
tal ontologia, o pensamento poderia gozar de muito mais liberdade e fluidez por não estar sob os
grilhões do fundamento metafísico. Com efeito, em virtude de o pensamento não contar com a força de
acesso ao ser como fundamento, Vattimo o chama de pensiero debole – pensamento fraco –, cuja
fraqueza, para além de ser uma simples constatação do cenário filosófico pós-moderno, almeja ser a
grande solução para a crise enfrentada no referido período.
O embasamento teórico da noção de pensiero debole encontra seu núcleo central de desenvolvimento
no niilismo de Friedrich Nietzsche e na tradição ontológico-hermenêutica de Martin Heidegger.
Ademais, nas premissas de Il pensiero debole, organizado por Gianni Vattimo e Pier Aldo Rovatti, após
aprofundamento da discussão filosófica em que se encerra, encontra-se a explícita declaração de que o
conceito que intitula o referido livro é essencialmente alusivo a determinados pontos das filosofias dos
pensadores alemães supracitados. De fato, a postura assumida por Vattimo frente aos conceitos de seus
referenciais teóricos mais privilegiados é quase sempre apropriativa, no sentido por ele confesso de,
referindo-se a conceitos preexistentes, enquadrá-los em seu empreendimento teórico, sem, contudo,
abdicar de sua margem interpretativa. Mas como é possível alegar originalidade ao conceito de
pensiero debole, uma vez que ele essencialmente alude a outros conceitos?
Contudo, em alguns aspectos a filosofia de Vattimo se apresenta muito distante de autores que
encontram lugares mais centrais em sua obra, não tanto de Friedrich Nietzsche – de quem aos moldes
niilistas muito bem se adapta –, mas sobretudo em se tratando de Martin Heidegger. Pensiero debole,
em sentido ontológico, deve compreender o ser apenas como traços e recordações, um ser consumado e
enfraquecido – e apenas por isso digno de atenção –, o que o afasta drasticamente de seu maior
referencial filosófico, que procura repropor a pergunta pelo sentido do ser. Chega a incidir no exato
oposto ontológico da filosofia heideggeriana se compreendidos certos textos do filósofo alemão em
questão, como a Carta sobre o Humanismo, em que se pode perceber em todo o seu transcurso uma
espécie de filosofia do advento do ser, pois em seu destino, ainda não foi dado ao homem pensar a
verdade do ser em plenitude. Enquanto Heidegger anseia por poder pensar o ser em sua verdade,
Vattimo prefere abandoná-lo, tê-lo presente apenas enquanto ausente, simplesmente recordá-lo.
Tamanha distância que o filósofo italiano toma em determinados momentos de seu maior referencial
teórico, Heidegger, que ocupa o cerne da constituição ontológica de seu pensiero debole, não na
posição de pensador criticado, mas ponto de partida conceitual, conduz necessariamente ao
questionamento da utilização de certos aspectos ontológico-hermenêuticos do pensamento
heideggeriano por parte de Vattimo, bem como a uma tentativa de discernir os principais momentos
interpretativos que o conduz para longe de sua origem, o que compreende os principais objetivos da
pesquisa cujo resumo aqui se apresenta.
Bibliografia básica:

HEIDEGGER. Martin. Carta sobre o humanismo. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 2. ed. São Paulo:
Centauro, 2005.
______. Ser e Tempo. Tradução de Fausto Castilho. Campinas: Editora da UNICAMP; Petrópolis:
Vozes, 2012.
VATTIMO, Gianni; ROVATTI, Pier Aldo. (Org.). Il Pensiero Debole. 2 ed. Milano: Feltrinelli, 2011.
______. La fine della modernità. 2. ed. Milano: Garzanti, 1998.
______. Oltre l’interpretazione: il significato dell’ermeneutica per la filosofia. Roma-Bari: Laterza,
2002.

A Teleologia Organica de Francisco Ayala


Fernando Castilhos Flores Cruz

Resumo:

Historicamente, a utilização da palavra teleologia ou do termo teleológico, se deu nos mais variados
contextos, transitando dentro dos campos da filosofia e da ciência durante mais de dois mil anos. A
utilização do termo por Aristóteles ao observar e questionar os fenômenos biológicos como um
pioneiro, combinado a sua famosa classificação de causas, mais especificamente, sua ideia de “causa
final”, deu origem a interpretação de que eventos futuros seriam agentes ativos em suas próprias
realizações. Posteriormente a teleologia aristotélica foi ganhando elementos de conotação teológica,
consolidando a ideia de scala naturae, fortemente influente na concepção de Boyle e sua físico-teologia.
Ainda, essa teleologia combinada aos dogmas cristãos, tornou-se o conceito predominante da teologia
natural, a qual fundamenta o pensamento criacionista e a mesma pela qual a ciência moderna
demonstra rejeição sem reservas. Na filosofia, a tendência intrínseca de progressão e aperfeiçoamento
da natureza foi corroborada inclusive entre aqueles que não acreditavam em uma intervenção divina,
sendo observada e constatada pelos filósofos e cientistas modernos, como na teleologia intraorgânica
de Kant, pouco antes de ser questionada, negada e ao mesmo tempo aclamada por diferentes
pensadores diante das ideias de Darwin em meados do século XIX, que apesar de ter banido o termo do
vocabulário científico para alguns, por outro lado, abriu diferentes possibilidades de interpretação dos
fenômenos chamados teleológicos para filósofos da biologia contemporâneos como Ernest Mayr,
Elliott Sober, Robert Brandon e Francisco Ayala entre outros. Todos renomados pesquisadores e que
compartilham da mesma visão científica sobre a teoria sintética da evolução, no entanto, apresentam
diferenças estritamente filosóficas no que diz respeito à existência, influência e relevância de
fenômenos de caráter teleológico na proposta darwinista. Por se tratar de um tema historicamente
controverso, e ainda discutido na filosofia da biologia contemporânea, em parte pela própria carga
histórica empregada ao termo, a teleologia orgânica, defendida por Francisco Ayala, será o objeto de
análise proposto por esse trabalho, o qual procurará explicitar os argumentos do autor em favor da
aceitação de explicações teleológicas aplicadas aos fenômenos biológicos em geral e sobretudo aos
fenômenos evolutivos. Partindo do estabelecimento da seleção natural como componente causal dos
fenômenos evolutivos, Ayala atribui a Darwin, como uma de suas maiores contribuições, a maneira
inovadora com que se pôde atribuir função a determinado órgão ou parte do corpo, tal que essa ideia de
funcionalidade não permaneceria restrita somente ao individuo analisado (como em Cuvier), mas
dando a ideia de funcionalidade dos atributos biológicos à uma linhagem transcendental ao individuo.
Desta maneira, para cada mecanismo biológico pode-se apontar pelo menos um efeito que pode ser
chamado de sua finalidade ou função. Se esta função ou finalidade tem valor contribuinte positivo ao
organismo possuidor da mesma e, em ultima instância, proporciona melhor desempenho reprodutivo,
então esta contribuição é a razão explicativa para o seu caráter teleológico, pois será responsável pela
manutenção da mesma nas linhagens futuras. Em outras palavras, a seleção natural, tendo como
critério único, de maneira direta ou indireta, premiar aqueles que incrementam a aptidão reprodutiva,
esta atuando, segundo Ayala, de maneira teleológica. Para Ayala as explicações teleológicas em
biologia, tão presentes no vocabulário informal, se justificam pelo caráter teleológico do processo de
seleção natural: não apenas por trabalhar pela finalidade de obter o maior sucesso reprodutivo, mas
também por produzir e manter adaptações que incrementem o sucesso reprodutivo.

Bibliografia básica:

AYALA, Francisco J. Teleological Explanations in Evolutionary Biology. Philosophy of Science,


Chicago, The University of Chicago Press, 37v. 1970, 1-15 p.
AYALA, Francisco J. Adaptation and Novelty: Teleological Explanations in Evolutionary Biology.
History and Philosophy of the Life Sciences, Napoli, 21 v. 1999, 3-33 p.
AYALA, Francisco. Darwin’s Greatest Discovery: Design Without Designer. In: Ayala, Francisco;
Avise, John C. In the light of evolution. The National Academy Press, Washington D.C. , 2007, 3-22 p.
BOWLER, Peter J. The Fontana History of the Environmental Sciences. London, Fontana Press, 1992
CAPONI, Gustavo. Teleología Naturalizada: Los conceptos de función, aptitud y adaptación en la
Teoría de la Selección Natural. Theoria 76, 2013, 97-114 p.

A permissibilidade moral da eutanásia não voluntária ativa


Camila da Silveira Añez

Resumo:

O problema da permissibilidade moral da eutanásia tem ganhado mais espaço nas discussões da ética
contemporânea. Entre os filósofos contemporâneos que a defendem estão os utilitaristas Peter Singer
(1993), Helga Kuhse e James Rachels (1986). A eutanásia é diferenciada segundo o consentimento do
paciente – voluntária, involuntária ou não-voluntária - e segundo o modo de ação de executá-la –
passiva ou ativa. Os tipos de eutanásia que mais ganharam destaque e aceitação nas discussões acerca
da sua permissibilidade são a voluntária ativa e passiva e a não voluntária passiva. A primeira, talvez,
porque ela diz respeito à defesa da autonomia dos indivíduos com doenças incuráveis que trazem dores
e sofrimentos físicos e psicológicos permanentes que solicitam de maneira livre e esclarecida a morte.
Ou seja, o indivíduo X solicita livre e de maneira esclarecida para que Y ou ele mesmo provoque sua
morte. De certa forma, este tipo de defesa é menos problemático e apresenta melhores razões para se
aceitar sua permissibilidade moral, já que o que está em debate é a autonomia dos indivíduos e o pleno
exercício da mesma. Inclusive em alguns países europeus e alguns estados norte-americanos a prática
da eutanásia voluntária é legalmente permitida. Em outros países, a permissão legal ainda está sendo
debatida, se encontra fora de pauta ou foi rejeitada após longos debates pelos órgãos públicos
competentes. Em relação ao segundo tipo, a eutanásia não voluntária passiva, atualmente ela é uma
conduta médica legalmente permitida em diversos países. Ela diz respeito a que o indivíduo Y é
incapaz de dar seu consentimento a M e a F, mas F e M concordam que o melhor é deixar Y morrer
desligando os aparelhos de suporte vital, pois Y não tem e não terá chances reais de recuperação.
Apesar desse tipo de eutanásia ser aceito e permitido legalmente, entende-se que há uma incoerência ao
não permitir e aceitar também a forma ativa da prática, já que, se a intenção é adiantar a morte de um
paciente incapaz de dar seu consentimento porque ele não desfruta e nem desfrutará das coisas que
tornam a vida valiosa, matar seria a conduta mais correta . Sendo assim, nesta dissertação, o objetivo
principal será defender que a eutanásia não voluntária ativa é moralmente permissível. Para
fundamentar esta defesa utilizar-se-á a teoria utilitarista e se tentará mostrar que independente do
modelo de bem-estar que se adote, hedonista, preferencialista ou objetivista, sempre haverá uma
concepção de vida valiosa. Outro objetivo será desenvolver uma lista que contenha os requisitos/as
condições para salvaguardar o paciente que deverão ser cumpridos para levar a cabo a eutanásia não
voluntária ativa de modo a evitar, na medida do possível, considerando a falibilidade humana, casos de
eugenia, casos de vingança, casos em que há interesse por herança, ou qualquer outro objetivo que não
seja o bem-estar e a justiça.

Bibliografia básica:

KUHSE, H. & SINGER, P. Should the Baby Live? The Problem of Handicapped Infants. New York:
Oxford University Press, 1985.
MCMAHAN, J. The Ethics of Killing: Problems at the Margins of Life. New York: Oxford University
Press, 2002.
MILL, J. S. A Liberdade/Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MULGAN, T. Utilitarismo. Rio de Janeiro: Vozes, 2012
RACHELS, J. Os Elementos da Filosofia Moral. São Paulo: Manole, 2006.
__________. Active and Passive Euthanasia. In: Can Ethics Provide Answers? And Other Essays in
Moral Philosophy. Rowman & Littlefield, 1997.

O Trabalho em Hegel
Messias Silva Manarim

Resumo:

A filosofia de Hegel está constituída de uma sequência de momentos que vão se sucedendo até que se
chegue ao saber absoluto. Nesse processo de consecução a esse fim, temos o drama do espírito no
processo de reconciliação consigo mesmo, essa dura narrativa vem expressa na Fenomenologia do
Espírito, obra em que as figuras do espírito vão sendo mostradas na sequência do mais simples ao mais
complexo. Nessa intrincada relação de figuras, após a consciência das coisas, surge a consciência do
eu, uma consciência que sai do mundo natural, físico, para uma consciência que passa a uma reflexão.
Pois essa consciência entende que está presente no mundo natural, isso a faz posicionar-se de forma
diferenciada frente a esse mundo. Assim, a consciência do eu representa um salto frente a consciência
das coisas. É nesse momento, o da consciência de si, em que se apresenta a dialética do senhor e do
escravo. Essas figuras são sucedâneos daquilo que Hegel denominou a luta pela vida, em que nela um
deles deixa de ser homem livre para manter-se vivo, pois nessa batalha, preferiu a vida ou a liberdade
de morrer. O que prefere a vida a morte é o escravo, o que não temeu morrer pela sua liberdade é o
senhor. O senhor que nesse processo apresenta as suas demandas ao escravo, que o mesmo dê
efetividade aos seus desejos, trabalhe. O que temos a partir desse momento é um escravo trabalhador,
que realizará os desejos do senhor. O que estava disposto antes estava relacionado a situação de que o
escravo está na condição de dependência frente ao senhor, pois foi sobre essa condição que se subjugou
para não morrer. Ocorre que o desejo do senhor não pode realizar-se pelas suas forças, usa do escravo
para dar forma a ideia que tinha, com isso o escravo é aquele que dá forma a ideia do senhor, ao seu
desejo, é aquele que efetiva. Desta forma temos entre o senhor e o escravo a coisa, o desejo de um e o
trabalho do outro. Nesse processo acontece o que Hegel chama de extrusão, o escravo não reconhece a
si como escravo, mas se reconhece no outro, ou seja, assume a consciência do senhor. Aqui teríamos a
alienação, o processo de estranhamento dessa consciência a si mesma. Mas Hegel destaca que o
processo de trabalhar a coisa permitirá que o escravo aja realizando o desejo da coisa do senhor, e isso
altera a posição do escravo frente ao senhor, pois agora fica claro a dependência do senhor frente a
coisa e a independência do escravo da mesma, já que o desejo é do senhor e não do escravo. Assim
temos um senhor dependente da coisa e um escravo que ao produzir a coisa consegue libertar-se da
mesma, pois é o escravo que dá forma a coisa, que a trabalha, que sai da ideia para a efetividade. É a
coisa que relaciona o escravo e o senhor, que faz a mediação entre eles. Com isso temos importantes
conceitos retratados nessas passagens de Hegel relacionada ao senhor e escravo, tais como: vida,
desejo, alienação, trabalho.

Bibliografia básica:

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciencia de la lógica. Traduccion directa del alemán de Augusta y
Rodolfo Mondolfo. 2 v. Buenos Aires: Libreria Hachette, 1956 [1816]. (Biblioteca Hachette de
Filosofia)
HEGEL, Geor Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Tradução de Paulo Meneses; com a
colaboração de Karl-Heinz Efken, e José Nogueira Machado. 7ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes: Bragança
Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2012 [1807]. (Coleção Pensamento Humano)
HYPPOLITE, Jean. Génesis y estructura de la «Fenomenología del espíritu» de Hegel. Tradução de
Francisco Fernández Buey. 3ª ed. Barcelona: Península, 1998 [1946]. (Coleção Historia, Ciencia,
Sociedad)
KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2014.
TAYLOR, Charles. Hegel: sistema, método e estrutura. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: É
Realizações, 2014.

A defesa do naturalismo moral não reducionista


Silvio Kavetski

Resumo:

Nesta comunicação irei apresentar as versões não reducionistas do naturalismo moral de David Brink e
Richard Boyd como teorias alternativas para evitar as objeções clássicas contra o naturalismo. Tentarei
mostrar que o naturalismo não reducionista não é suscetível a objeções como o argumento da questão
aberta de G. E. Moore ou a reformulação deste argumento por R. M. Hare. Isso porque o ataque de
Moore e Hare se restringe apenas a formas reducionistas de naturalismo. Neste sentido, primeiro irei
apresentar a estratégia argumentativa geral do naturalismo reducionista. Esta forma de naturalismo
argumenta que termos morais tais como “errado” e “bom” são sinônimos de predicados usados para
expressar propriedades naturais. Se são sinônimos, assumindo a teoria semântica tradicional de que o
significado de um termo é o conjunto de descrições associadas a este termo, o naturalismo reducionista
sustenta que devem referir a mesma propriedade e, portanto, propriedades morais são naturais. A partir
disso, irei apresentar o argumento da questão aberta como tentativa de refutar o naturalismo. Este
argumento sugere que se dois termos, x e y, são sinônimos, então um falante competente não pode
duvidar se x é y ou se y é x. Mas no caso de propriedades morais é sempre possível duvidar
consistentemente se a suposta propriedade natural que é sinônima da propriedade moral, ou definidora
do “bom”, é ou não boa. Portanto, Moore conclui, propriedades morais não podem ser propriedades
naturais. Dado que o argumento se compromete com vários problemas, apresentarei também a
reformulação linguística deste argumento feita por Hare como tentativa de evitar os problemas do
argumento de Moore e refutar o naturalismo. O argumento de Hare sugere que se o naturalismo é
verdadeiro então somos impedidos de dizer certas coisas que frequentemente dizemos
significativamente em nossa linguagem comum. Por exemplo, se defino a propriedade moral “bom” em
termos de um conjunto de propriedades naturais abc, tal como o naturalista faz, então sou impedido de
dizer que a, b ou c são bons, pois estaria meramente dizendo que a, b ou c são a, b ou c, dado que são a
minha definição de “bom”. A partir disso, quero sugerir que o naturalismo não reducionista de Brink e
Boyd é um bom candidato para evitar essas objeções. Brink e Boyd argumentam que as propriedades
morais não são idênticas às propriedades naturais, mas que isso não quer dizer que não sejam
propriedades naturais. Isso porque, ao invés de manter uma relação de identidade entre propriedades
morais e não morais, como os reducionistas argumentam, esses autores afirmam que as propriedades
morais são constituídas ou multiplamente realizadas por propriedades naturais. Essa ideia assume que
mesmo que a propriedade moral seja distinta da propriedade natural, no sentido de que não há uma
propriedade natural comum a todas as propriedades morais, pois há inúmeras instâncias em que a
propriedade moral é realizada, ainda assim as propriedades naturais constituem as propriedades morais.
Se é assim, então um termo moral não precisa ser necessariamente sinônimo ou analiticamente
equivalente a um termo natural para que propriedades morais sejam naturais. Quero mostrar que isso é
uma alternativa às objeções de Moore e Hare.

Bibliografia básica:

BOYD, R. (1988). How to be a Moral Realist. In SAYRE-MCCORD, G. (ed) Essays on Moral


Realism, Ithaca: Cornell University Press.
BRINK, D. O. (1984). Moral Realism and the Skeptical Arguments from Disagreement and Queerness,
Australian Journal of Philosophy, 62: 111-125.
BRINK, D. O. (1989). Moral Realism and the Foundations of Ethics, Cambridge: Cambridge
University Press.
HARE, R. M. (1952). The Language of Morals, New York: Oxford University Press.
MOORE, G. E. (1903). Principia Ethica. Cambridge: Cambridge University Press.

Os conceitos hegelianos de “Amor Ético” (sittliche Liebe) e de “Disposição de Espírito do Amor”


(Gesinnung der Liebe)
Paulo Roberto Konzen

Resumo:

O objetivo do projeto de pesquisa de pós-doutorado é apresentar e analisar os conceitos hegelianos de


“amor ético” (sittliche Liebe) e de “disposição de espírito do amor” (Gesinnung der Liebe), usados
respectivamente nos §§ 172 e 164 A da sua 'Filosofia do Direito' (Philosophie des Rechts – FD), mas
que constam também em outros textos hegelianos (por exemplo, nos 'Escritos de Nuremberg e
Heidelberg' [Nürnberger und Heidelberger Schriften], ainda não traduzidos para o português), pois são
essenciais para compreender a sua Filosofia Política, a qual apresenta muitos aspectos atuais para
nossos dias. Em resumo, os citados conceitos de “disposição de espírito” (Gesinnung), de “amor”
(Liebe) e/ou de “amor ético” (sittliche Liebe), em Hegel, são usados com rigor para definir e esclarecer,
por exemplo, a questão do que é “relação ética” (sittliche Verhältnis - FD § 161), “amor
autoconsciente” (selbstbewußte Liebe - FD § 161), “disposição de espírito ética” (sittliche Gesinnung -
FD §§ 137 A, 166, 171, 271) e, também, “disposição de espírito política” (politische Gesinnung - FD
§§ 267, 268), elementos determinantes de sua teoria de “casamento” (Ehe - FD §§ 161-169), de
“família” (Familie - FD §§ 158-181) e de “Eticidade” (Sittlichkeit - FD §§ 142-360). Entre outros, o
conceito de “disposição de espírito” é muito importante, pois Hegel realça as chamadas “disposições de
espírito éticas” (sittliche Gesinnungen), a saber: a de “amor” (Liebe), no âmbito do casamento ou da
família, de “honra” (Ehre) e de “retidão” (Rechtschaffenheit), nas corporações ou na sociedade civil-
burguesa, e igualmente a “disposição de espírito política” (politische Gesinnung), de “patriotismo”
(Patriotismus), no âmbito do Estado. Em suma, trata-se de ver e ressaltar a relação entre os diversos
indivíduos, na medida em que todo “indivíduo” (Individue) é 1º “pessoa” (Person); 2º “sujeito”
(Subjekt) e 3º “membro” (Glied) tanto de uma “família” (Familie), quanto de uma “sociedade civil-
burguesa” (bürgerliche Gesellschaft) e de um “Estado” (Staat), neste enquanto “cidadão” (Bürger). Isso
tudo se forma, em Hegel, ainda, a partir do assim chamado “espírito do [de um] povo” (Volksgeist –
der Geist eines Volkes), do “espírito do tempo” (Zeitgeist – den Geist der Zeit) e, também, do “espírito
do mundo” (Weltgeist – Geist der Welt). Enfim, assim, as ações dos indivíduos, enquanto pessoas
jurídicas ou legais, sujeitos morais e membros ou cidadãos éticos, não são (ou não deveriam ser)
engendradas pela mera arbitrariedade subjetiva ou pelo mero temor a um senhor ou superior qualquer,
enquanto autoridade suprema, mas, sim, engendradas propriamente pela sua racionalidade, envolvendo
saber e querer próprios, enquanto “autodeterminação” (Selbstbestimmung), que envolve um aspecto
espiritual que os congrega, une, vincula etc.. Trata-se de pesquisa com muitos pontos relevantes,
envolvendo respectivamente mérito, originalidade, relevância, impacto e inovação. Para isso, usarei
textos clássicos e interpretativos hegelianos sobre os citados conceitos. Será uma pesquisa, exposição e
análise crítico-filológica, histórica e hermenêutica da obra de Hegel, procurando de forma adequada
apreender os conceitos citados, sem deixar de considerar e ressaltar a sua análise crítica e a inserção do
seu pensamento no âmbito mais abrangente da História da Filosofia, refletindo ainda sobre o seu
espaço e papel na discussão atual em torno de questões essenciais, tais como Filosofia Política e Ética.
Em suma, o método a ser usado pretende compreender, de forma apropriada, a Filosofia Política de
Hegel, examinando a sua obra diante das circunstâncias em que foi exposta, evitando as muitas
interpretações equivocadas, pois há uma disputa entre o que Hegel, a princípio, disse e o que dizem que
ele disse e/ou do que deveria ou poderia ter dito. Enfim, o objetivo é expor e analisar, de forma
criteriosa e crítica, o que Hegel realmente afirmou, na sua obra, sobre os mencionados conceitos.

Bibliografia básica:

BORGES, Maria de Lourdes Alves. A Atualidade de Hegel. Florianópolis: Ed. UFSC, 2009.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Grundlinien der Philosophie des Rechts oder Naturrecht und
Staatswissenschaft im Grundrisse. Mit Hegels eigenhändigen Notizen und den mündlichen Zusätzen.
Hegel Werke 7. E. Moldenhauer e K. M. Michel (ed.). Berlin: Hegel-Institut, Talpa Verlag, 2000. CD-
ROM.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito (Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito
ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio). Tradução, notas, glossário e bibliografia de
Paulo Meneses, Agemir Bavaresco, Alfredo Moraes, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa, Greice Ane
Barbieri e Paulo Roberto Konzen. Apresentações de Denis Lerrer Rosenfield e de Paulo Roberto
Konzen. Recife, PE: UNICAP; São Paulo: Loyola; São Leopoldo: UNISINOS, 2010.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830): III –
A Filosofia do Espírito. Trad. de Paulo Meneses. São Paulo: Loyola, 1995.
KONZEN, Paulo Roberto. O Conceito de Liberdade de Imprensa ou de Liberdade da Comunicação
Pública na Filosofia do Direito de G. W. F. Hegel. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2013. Disponível em:
http://media.wix.com/ugd/48d206_b587dd42de9c4ff28a758df3f973b3f1.pdf

Entre o lobo e o cão: semelhanças e diferenças entre erística e dialética


Jean Carlos Herpich
Resumo:

Uma das principais preocupações de Platão, ao escrever os diálogos considerados socráticos, era
apresentar a dialética socrática de modo contrastante em relação as demais formas de discursos
filosóficos. A dialética socrática, como Platão a retrata, distancia-se tanto dos discursos cosmológicos e
“físicos” dos chamados Pré-socráticos, como também dos discursos retóricos dos sofistas mais
eminentes do século V a.C.. Frente a preocupação “física” dos discursos dos primeiros filósofos
Sócrates contrapõe um lógos preocupado com questões humanas – sobretudo questões ético-políticas.
Por outro lado, contrapondo-se aos longos discursos retóricos da sofistica, Platão nos retrata um
Sócrates que baseia toda a sua argumentação em diálogos curtos de perguntas e respostas – nos
diálogos platônicos Sócrates faz dos interrogatórios individuais o método por excelência da filosofia. O
perfil da dialética socrática é, assim, definida por contraste com outras formas de discursos filosóficos.
Tendo isso como pano de fundo é importante notar o contraste que existe nos diálogos platônicos entre
a dialética socrática e aquela que talvez seja a arte argumentativa que mais se aproxima da dialética, a
saber, a erística. Tal como a dialética a erística é uma arte do diálogo curto – entre dois interlocutores
de cada vez. Tal como a dialética a erística é uma argumentação baseada no interrogatório – em
perguntas e respostas. Tal como a dialética a erística busca a refutação. As semelhanças entre a arte do
diálogo – dialética – e a arte de combates argumentativos – erística – é manifesta. Mas é exatamente
por causa desta proximidade que se torna uma tarefa urgente para Platão marcar a diferença entre estas
duas artes. Pois é sobretudo “em relação às semelhanças que é preciso manter-nos em constante
guarda”(Sofista, 231a).
O diálogo que Platão dedica para mostrar a diferença entre a dialética socrática e a erística é o
Eutidemo. Nele o objetivo maior de Platão é apresentar um retrato da figura do erístico e de seu
discurso argumentativo, contrastando-o com a figura de Sócrates e de sua dialética. O par de
personagens Eutidemo e Dionisodoro são retratados como grandes erísticos, capazes de vencer
qualquer adversário, esteja ele do lado da verdade ou não. Por vezes, os erísticos não parecem levar a
sério a argumentação, uma vez que brincam com as palavras, distorcendo-as a fim de refutar a qualquer
custo os adversários. Eles se mostram muito agressivos e, por vezes, até cômicos. Platão destaca nos
erísticos, por um lado, o caráter agonístico de sua argumentação e, por outro, o lúdico. Eles parecem
visar apenas a vitória e somente jogar com as palavras, desconsiderando totalmente a busca da verdade
– o conhecimento.
Platão retrata a erística como uma versão corrompida da dialética. A erística é o diálogo refutativo que
perdeu o compromisso filosófico, isto é, que não mais se preocupa com a verdade e com o
conhecimento das coisas mesmas. Eis aqui a principal diferença entre as duas artes da argumentação.
Mas, além disso, existe uma diferença de valores nas duas artes. Enquanto a erística está focada na
vitória pura e simples, a dialética se compromete com o saber do interlocutor. Enquanto que na erística
a refutação é um fim em si mesmo, que apenas engrandece o refutador vitorioso, na dialética ela é um
meio de purificação das falsas opiniões – ela visa libertar o interlocutor do maior mal, ou seja, a
ignorância de achar que sabe sem saber. Essa diferença ético-moral é ainda uma marca importante da
distância que separa a dialética socrática da erística.
A proposta de minha comunicação é apresentar as semelhanças e diferenças que Platão oferece nos
seus diálogos entre erística e dialética socrática, sobretudo, destacando o diálogo Eutidemo.
Resumidamente pretendo apontar para os traços principais de cada uma destas artes argumentativas de
modo a tornar mais claro o contraste entre elas. Tomando a analogia que Platão oferece para explicar a
proximidade da dialética com a erística – tal como o lobo e o cão, o animal selvagem e o doméstico, é a
erística e a dialética – meu objetivo será mostrar o que separa o lobo do cão – o erístico do dialético.

Bibliografia básica:
ARISTÓTELES. Tópicos; Dos argumentos sofísticos. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
PLATÃO. Eutidemo. Tradução de Mauro Iglésias. Rio de Janeiro: Loyola, 2011.
PLATÃO. O Sofista. Tradução de Henrique Murachco, Juvino Maia Jr. e José Trindade Santos. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
PLATÃO. A República. Tradução de Ana Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
SERMAMOGLO-SOULMAIDI, Georgia. Playful Philosophy and Serious Sophistry. A Reading of
Plato’s 'Euthydemus'. Berlin; Boston: Walter de Gruyter, 2014.

O que é substância? Considerações sobre a última aporia de Beta da Metafísica de Aristóteles


Gabriel Geller Xavier

Resumo:

No livro Beta da Metafísica, que é conhecido por seu conteúdo aporético, Aristóteles reúne as aporias
com quais lidará na constituição da ciência buscada (Filosofia Primeira). A última aporia questiona se
“os princípios são universais, ou como as coisas individuais” (Metafísica, B 1 996a9-10). Em seu
desenvolvimento o Estagirita identifica princípios com substância e isso é natural que ocorra, dado que
se os princípios não forem substâncias, não serão por si (kath’ autó), o que significa que serão
dependentes de um subjacente e, portanto, haverá algo anterior a eles, o que é incompatível com a
condição de ser princípio. Desse modo, o questionamento que dá origem à aporia deve ser entendido
como: “as substâncias são universais, ou como as coisas individuais?”. Então, para garantir a
inviolabilidade da condição de princípio é necessário que sejam identificados com substância, pois
somente assim serão por si, isto é, independentes de qualquer subjacente ou algo anterior. Ora, quer
saber se substância é universal ou individual é, por meio de outras palavras, o grande dilema enfrentado
nos livros centrais da Metafísica: “o que é a substância?” Responder a essa questão em sentido
positivo, no entanto, não é o objetivo de Aristóteles nessa aporia, mas, antes, é apontar as razões pelas
quais alguns entraves devem ser levados em consideração na determinação dela como universal ou
individual. O crucial problema que engendra a última aporia de Beta é que do ponto de vista ontológico
os indivíduos são anteriores/primeiros (prôton), mas do ponto de vista epistemológico os universais são
anteriores (prôton). A substância, entretanto, deve ter anterioridade ontológica e epistemológica
(conforme é defendido pelo Estagirita no primeiro capítulo de Zeta), o que nos revela o caminho árduo
e problemático que Aristóteles terá que solver no percurso de sua doutrina da substância. O
desenvolvimento de uma aporia que investiga as consequências de tomar um ou outro caminho na
determinação do conceito de substância é, sem dúvida, de extrema importância para tomar consciência
do caminho que o Estagirita deve percorrer em sua investigação madura desta noção, no qual forma
(eidos) flerta com universal – ainda que este último seja devidamente descartado no livro Zeta –, assim
como aponta a razão pela qual a primeira caracterização de substância feita em Categorias, entendida
como sendo primeiramente individual, é problemática. Essa aporia, para além de ter importância na
sistematização do problema que o Estagirita enfrenta para resolver o que seja substância, nos permite
intuir, diante de uma aporia dessa magnitude, a genialidade e originalidade que o filósofo necessitará
no percurso dessa investigação ao longo de todo livro Zeta da Metafísica. Não é sem motivo que esse é
um dos livros mais difíceis do corpus e que os intérpretes e comentadores encontram dificuldade
extrema e quase nenhum consenso. Não me ocuparei, contudo, nesse momento, do modo como
Aristóteles irá resolver essa aporia, mas tão somente da argumentação desenvolvida nela. Assim, o
objetivo é examinar as razões presentes na aporia que levam o Estagirita a rejeitar a caracterização da
noção de substância como sendo primeiramente universal ou individual.
Bibliografia básica:

APHRODISIAS, Alexander. On Aristotle’s Metaphysics 2 & 3. Translated by W. E. Dooley and Arthur


Madigan. London : Duckworth, 1992.
MENN, Stephen. Aporiai 13-14. In: CRUBELLIER, Michel. LAKS, André. Aristotle’s Metaphysics
Beta: Syposium Aristotelicum. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 211-265.
MINIO-PALUELLO, L. Categoriae et Liber De Interpretatione. Oxford: Clarendon Press, 1949.
ROSS, W. D. Aristotle’s Metaphysics : a revised text with introduction and commentary, 2 vols.
Oxford: Clarendon Press, 1924 [1981].
ROSS, W. D. Aristotle’s Prior and Posterior Analytics : a revised text with introduction and
commentary. Oxford : Clarendon Press, 1949.

A pulsão sexual em Freud


Karine Gomes Wohlke

Resumo:

O estudo da sexualidade e seus desdobramentos psíquicos ocupam lugar de destaque ao longo das
obras de Sigmund Freud, na medida em que ele se conecta a conceitos chave da psicanálise como os
sintomas, sonhos e neurose.
O entendimento da sexualidade proposto por Freud, porém, difere daquele vigente em sua época, cuja
conotação remetia ao “[...] indecoroso, aquilo de que não se deve falar” (FREUD, 2014 [1917], p. 401)
e à reprodução humana. É importante acrescentar que “[...] o vínculo fundamental para a psicanálise
refere-se à sexualidade e ao prazer. [...] a não apreensão da sexualidade por meio da genitalidade ou da
reprodutibilidade implica uma ampliação do conceito daquela, o que Freud sempre insistiu em enfatizar
em suas publicações” (GUIMARÃES, 2012, p. 55).
Ao proporcionar uma escuta diferenciada para a sexualidade em sua clínica, o criador da psicanálise,
por meio de seus estudos, produziu uma transição na compreensão desse conceito, que culminou na
formulação do termo conhecido como “pulsão”. Em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”
(1905), Freud abordou essa nova definição para explorar como o desenvolvimento psicossexual infantil
se constitui e como se apresenta ao longo da vida adulta. No texto de “As pulsões e seus destinos”
(1915), ele explorou seu entendimento sobre o referido termo formulado com base nas perspectivas
fisiológica e biológica.
A partir da fisiologia, Freud (2010 [1915], p. 55) elencou as principais características da pulsão como
sua “[...] origem em fontes de estímulo no interior do organismo, o aparecimento como força constante;
e [...] sua irredutibilidade por meio de ações de fuga”. Fundamentado na biologia, o autor apresentou
significativa consideração sobre a vida ao afirmar que a pulsão “[...] nos aparece como um conceito-
limite entre o somático e o psíquico, como o representante psíquico dos estímulos oriundos do interior
do corpo e que atingem a alma, como uma medida do trabalho imposto à psique por sua ligação com o
corpo” (FREUD, 2010 [1915], p. 57).
Ainda em “Os instintos e seus destinos” (2010 [1915]) é possível encontrar a diferenciação que
Sigmund Freud fez entre as pulsões do “Eu”, ou de autoconservação, e das sexuais. Em “Além do
princípio do prazer” (2010 [1920]), entretanto, ele problematiza a definição de pulsão que propusera até
aquele momento e apresentou uma nova distinção, cuja nomeação passa a ser de pulsão de vida e de
morte: “Desde o princípio nossa concepção era dualista, e hoje é mais claramente dualista do que antes,
desde que não mais denominamos os opostos instintos do Eu e instintos sexuais, mas instintos de vida
e de morte” (FREUD, 2010 [1920], p. 163).
Percebe-se, então, que o conceito de pulsão na teoria da sexualidade freudiana proporcionou um corte
epistemológico sobre os estudos da época (ROUDINESCO, 1994 apud JORGE, 2007), pois passou a
definir a sexualidade não somente pela via naturalista, da reprodução humana, mas, também, a
considerar seu efeito na estruturação do psíquico. Foi por meio da técnica de interpretação do
pensamento inconsciente, utilizada em sua clínica, que Freud pôde transitar entre o biológico e o
psíquico na construção do conceito em questão.
Diante do apresentado, questiona-se: a partir de quais pressupostos filosóficos Freud introduziu o
conceito de pulsão sexual em sua teoria sobre a sexualidade humana? A resposta a esta questão pode
lançar luzes sobre o entendimento da sexualidade e sua relação com a constituição do psíquico. Pode,
também, auxiliar na compreensão das implicações epistemológicas desse conceito no projeto mais
geral de Freud, qual seja, o de compreender a natureza do psíquico.

Bibliografia básica:

FREUD, S. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905). In: ______. Ed. Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. VII, p. 77-150.
______. Os instintos e seus destinos (1915). In: ______. Obras completas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, v. 12, p. 51-81.
______. Além do princípio do prazer (1920). In: ______. Obras completas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, v. 14, p. 120-178.
GRÜNBAUM, A. Um século de psicanálise: retrospectiva crítica e perspectivas. In: ROTH, Michael S.
Freud: conflito e cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
GUIMARÃES, Veridiana Canezin. A concepção freudiana da sexualidade infantil e as implicações da
cultura e educação. Educativa, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 53-66, jan/jun. 2012. Disponível em:
<http://seer.ucg.br/index.php/educativa/article/view/2441/1503>. Acesso em: 13 set. 2015.
JORGE, Marco Antonio Coutinho. A teoria freudiana da sexualidade 100 anos depois (1905-2005).
Psyche (Sao Paulo), São Paulo, v. 11, n. 20, jun. 2007. Disponível em: <
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382007000100003>. Acesso em:
25 ago. 2015.
SIMANKE, Richard Theisen. A psicanálise freudiana e a dualidade entre ciências naturais e ciências
humanas. Sci. stud., São Paulo, v. 7, n. 2, p. 221-235, jun. 2009. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1678-31662009000200004&script=sci_abstract&tlng=pt>.
Acesso em: 19 set. 2015.

Multiculturalismo e justiça: Análise a partir da lógica da dominação


Daniela Rosendo

Resumo:

A tradição liberal e a ideia de justiça pressupõe a existência de pessoas livres e iguais, justamente pelo
fato de o liberalismo prezar pela liberdade e igualdade como princípios universais. Contudo, a crítica
comunitarista consiste em denunciar que as sociedades são compostas por diferentes grupos e,
consequentemente, nem sempre a todas as pessoas são assegurados os princípios liberais. Nesse
sentido, o multiculturalismo surge para refletir sobre a consecução da justiça pelos grupos minoritários,
que não são necessariamente menores em termos quantitativos. Surgem, então, tensões sobre como
deve ocorrer o reconhecimento dessas diferenças, ou, em última instância, se o próprio reconhecimento
é ou não favorável aos indivíduos que compõe esse grupo.
De um lado, critica-se a concepção de indivíduos universais, atomísticos; de outro, vislumbra-se
perigosa a constatação e re-afirmação da diferença. Muitos teóricos e teóricas têm pensado sobre essa
tensão e proposto soluções para superar essa dicotomia. Susan Moller Okin, a partir de uma perspectiva
feminista, entende que o multiculturalismo pode ser prejudicial para as mulheres, ao invés de lhes ser
benéfico, quando o argumento da cultura é utilizado para justificar uma prática patriarcal, por exemplo.
Seyla Benhabib, no mesmo sentido, critica que a defesa cultural mantém o indivíduo restrito aos
estereótipos culturais, podendo gerar vulnerabilidades. Contudo, diferentemente de Okin, que se
preocupa com os argumentos liberais que dicotomizam as esferas pública e privada, podendo manter as
desigualdades nos espaços privados, Benhabib propõe a criação de espaços deliberativos discursivos
multiculturais em democracias liberais.
Hilde Lindemann critica a própria concepção da cultura entendida como algo estático e natural, mas
afirma que da mesma forma em que se deve resistir ao essencialismo cultural, deve-se resistir à
generalização do respeito pela diferença, justamente porque uma prática cultural pode não ser justa
para alguns indivíduos que dela fazem parte. Isso leva Joan Scott a pensar essas diferenças em termos
de uma polarização entre igualdade e diferença. De um lado, a igualdade pressupõe que o indivíduo
seja avaliado por ele mesmo; de outro, pela diferença se argumenta que o indivíduo só é tratado com
justiça quando o grupo ao qual pertence também é valorizado. Para dirimir esse conflito, Scott pensa
em termos de três paradoxos, fazendo do poder um ponto central que torna um grupo uma minoria.
Nancy Fraser, por sua vez, tensiona esse debate em dois outros campos: da redistribuição ou do
reconhecimento. Em termos de justiça, Fraser avalia se a distribuição é suficiente ou se é necessário o
reconhecimento da identidade das minorias, e defende que ambos devem ser integrados, por meio do
que ela chama de paridade de participação.
Embora por diferentes vias e com argumentos distintos, diferentes teorias discutem o multiculturalismo
e como devem ser tratadas a igualdade e a diferença, vislumbrando a justiça para todos os indivíduos e
grupos que formam uma sociedade. Contudo, todas as autoras apresentadas mantêm o círculo de
moralidade restrito ao limite da espécie humana, ou seja, a igualdade ou diferença é pensada somente
para grupos formados por humanos. A justiça, nesses termos, também é pensada para esses indivíduos e
grupos, negando-se a ampliação da justiça aos não humanos. Karen J. Warren, a partir da lógica da
dominação, mostra que é segundo a mesma lógica que tanto humanos quanto animais e ecossistemas
são subordinados. Assim, se é por meio da mesma estrutura conceitual que opera a lógica segunda a
qual alguns seres, sejam eles humanos ou não humanos, são considerados desiguais, então a reflexão
sobre igualdade, diferença, reconhecimento ou redistribuição deve necessariamente passar também pela
inclusão de não humanos, para que seja formulada uma concepção de justiça que considere todos os
indivíduos e grupos, humano ou não humanos.
Assim, pode-se afirmar que o debate teórico existente em relação à afirmação da igualdade entre
indivíduos e, por outro lado, o reconhecimento das diferenças, pressupõe que essa igualdade ou
diferença se dá somente entre humanos, e não inclui não humanos. Se a dominação de alguns humanos,
que podem ser compreendidos como as minorias vislumbradas pelo multiculturalismo, segue a mesma
lógica pela qual não humanos são dominados (lógica da dominação), então é necessário superar todas
as formas de discriminação (machismo, racismo, elitismo, especismo etc.). Como superar tais
dicotomias e conceber uma sociedade justa que não incorra em nenhum tipo de discriminação? Esse é o
problema investigado nessa pesquisa.

Bibliografia básica:

BENHABIB, Seyla. Multiculturalism and gendered citizenship. In: BENHABIB, Seyla. The Claims of
Culture: equality and diversity in the global era. Princeton: New Jersey, 2002. p. 82-104.
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Lua Nova. São Paulo. n. 70, p. 101-139, 2007.
OKIN, Susan Moller. ¿Es el multiculturalismo malo para las mujeres? In: COHEN, Joshua. HOWARD,
Matthew. NUSSBAUM, Martha C. (eds.) Is multiculturalism Bad for Women? Trad. María Cristina
Irurita Cruz. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1999.
SCOTT, Joan W. O enigma da igualdade. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, n. 13, vol. 1, p.
11-30, jan.-abr. 2005.
WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy: A Western Perspective on What It Is and Why It Matters.
Rowman & Littlefield Publishers, 2000.

Identidade e Sistemas Conceituais


Kherian Gracher

Resumo:

Se nos fosse exigido listar algumas noções gerais, perenes na literatura filosófica, a noção de identidade
não poderia ser esquecida. Identificamos os objetos à nossa volta, tanto quanto a nós mesmos. Supomos
que existe uma identidade entre quem fomos ontem e quem somos hoje, tal como supomos sempre
sermos iguais a nós mesmos. Mas ao passo que pensamos sobre essa noção, diversos problemas
aparecem. O que é a identidade? O que faz as entidades serem diferentes? Quando dizemos que x é
idêntico a y, o que essa relação de fato significa?
A identidade, por parecer tão básica em nosso sistema conceitual, pode nos fazer perguntar se não seria
uma noção fundamental para todo e qualquer sistema conceitual. Estamos assim justificados em dar
esse passo? Ou, de outro modo, podem haver sistemas conceituais que não pressuponha a relação de
identidade, seja entre as entidades de seu domínio de aplicação, seja entre os próprios conceitos
empregados? Esse será o problema que iremos tratar aqui. Será a identidade fundamental para os
sistemas conceituais?
Teremos como base argumentativa para esse debate as posições de Bueno (2014, 2016) e Krause e
Arenhart (2015). Enquanto Bueno assume que a identidade é requerida para todos os sistemas
conceituais, Krause e Arenhart apresentam uma série de objeções contra tal tese, defendendo assim que
a identidade não é fundamental. Pretendo mostrar que as principais objeções apresentadas por Krause e
Arenhart não afetam a teoria de Bueno por conta de uma má interpretação da tese deste. Por fim,
apresentarei algumas objeções contra a tese de Bueno que, espero eu, não erre o alvo.
De modo geral, é comum vermos quem defende que a identidade é um componente básico para todo
sistema conceitual por conta de duas intuições gerais.
(A) Os conceitos serviriam para demarcar (ou limitar) os objetos de nosso discurso, sendo
argumentável, portanto, que a prática conceitual pressupõe que as entidades que recaem sobre os
conceitos devem preservar identidade. Ao utilizarmos um conceito, nós determinamos os objetos a que
podemos aplicar o conceito (ou aqueles que recaem sobre o conceito) daqueles que o conceito não é
aplicável (ou aqueles que não recaem sobre o conceito).
(B) Além disso, nos sistemas conceituais nós relacionamos conceitos, distinguindo-os ou os
identificando. Sabemos, por exemplo, o conceito de cavalo é diferente do conceito de triângulo – e a
noção de diferença, aqui, é o mesmo que não-idêntico. Caso um sistema conceitual seja completamente
livre de relações de identidade (ou diferença), então não poderíamos afirmar quando conceitos são
diferentes ou, até mesmo, quando estamos aplicando o mesmo conceito em diferentes situações. As
duas intuições anteriores podem fazer com que alguém defenda a fundamentalidade da identidade para
sistemas conceituais.
Diferente do que a primeira análise oferecida por Krause e Arenhart (2015), Bueno não defende (ao
menos nesse ponto) a intuição (A) anterior, i.e., que os objetos sob análise devam ter identidade para
estarem na extensão de um conceito. O ponto defendido por Bueno reside na intuição (B), que a
aplicação correta de conceitos pressupõe uma relação de identidade (ou diferença) entre os próprios
conceitos. Devemos ressaltar que a análise oferecida por Krause e Arenhart, em “Is Identity Really So
Fundamental?” (2015), se baseia no artigo “Why Identity is Fundamental” de Bueno (2014). Nesse
artigo, Bueno expôs sua tese de modo que permitiu uma dupla interpretação por parte de Krause e
Arenhart, tendo eles afirmado que Bueno defende tanto uma intuição (A) quanto (B). Todavia, Bueno
esclareceu este ponto no artigo “Identity in Physics and Elsewhere” (2016), deixando claro que sua tese
defende apenas (B). No presente trabalho, portanto, iremos nos restringir apenas a discussão quanto a
essa tese.
Não pretendo remontar todo o debate levado entre Bueno, Krause e Arenhart. Portanto, será mais
proveitoso ressaltarmos algumas teses gerais e importantes que Bueno assume, para então partirmos
para a análise de algumas objeções contra ele. Serão três teses importantes e gerais que Bueno assume e
serão importantes para o nosso trabalho:
(1) Recusa de uma análise extensional dos conceitos. Ou seja, um conceito não é definido por sua
extensão, mas sim por sua intensão (ou significado).
(2) Mesmo que os conceitos sejam determinados por sua intensão, os objetos recaem ou não sobre sua
extensão de acordo com as características que eles têm.
(3) Conceitos precisam suportar uma relação apropriada com o mundo. Ou seja, dado um certo
conceito, esperamos que esse conceito descreva, de algum modo, um fato do mundo.
Após uma análise cuidadosa da posição de Bueno, oferecerei um conjunto de objeções contra ele.
Pretendo concluir que, ainda que a identidade possa ser tomada como fundamental para sistemas
conceituais, a tese de Bueno não oferece argumentos suficientes para defender este ponto.

Bibliografia básica:

Bueno, O. (2014) "Why identity is fundamental". American Philosophical Quarterly, v.51, n.4.
Bueno, O. (2016) "Identity in physics and elsewhere". Cadernos de História e Filosofia da Ciência. [no
prelo]
French, S.; Krause, D. (2006) Identity in Physics: A Historical, Philosophical and Formal Analysis.
Oxford: Oxford University Press.
Krause, D.; Arenhart, J.R. (2015) "Is identity really so fundamental?". [no prelo]
Noonan, H.; Curtis, B. (2014) "Identity". In The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2014
Edition). URL = <http://plato.stanford.edu/archives/sum2014/entries/identity/>.

Redução fenomenológica, idealismo e intersubjetividade em Husserl


Allan Josué Vieira

Resumo:

O presente trabalho se propõe a investigar um dos problemas mais debatidos e extensamente criticados
da filosofia husserliana: o da intersubjetividade. O volume e o tom majoritariamente censurador das
discussões acerca do tema não são nada de surpreendente para uma filosofia que viu no retorno ao ego
cogito e na construção de uma verdadeira egologia a pedra de toque para a refundação das ciências e da
própria filosofia. Parece que se está diante de um dos limites da filosofia husserliana, um ponto
nevrálgico capaz de fazer ruir toda a empreitada do pai da fenomenologia. Entre os textos publicados
ainda durante a vida de Husserl, seguramente aquele que se detém de maneira mais profunda nos
problemas da intersubjetividade é 'Meditações Cartesianas', de 1931. Trata-se de ponto comum entre os
comentadores e os herdeiros da fenomenologia husserliana acusar o fracasso de Husserl em sua
tentativa, neste texto, de discutir a dimensão intersubjetiva a partir da perspectiva proporcionada pelos
métodos da epoché e da redução fenomenológica. Como seria possível fazer justiça à experiência
intersubjetiva após a limitação do campo de investigação à própria consciência? Contudo, é preciso
estar atento às feições assumidas pelos expedientes metodológicos dos quais Husserl se vale a fim de
tornar inteligível a esfera fenomenológica de investigação. Configurariam realmente a epoché e a
redução transcendental-fenomenológica alguma espécie de clausura do sujeito meditante sobre si
mesmo e sobre os dados de uma consciência ilhada em domínios destituídos de todo contato com o
mundo e os outros?
Além disso, outro elemento ajuda a compor e a tornar mais complexo este quadro: o autoproclamado
idealismo transcendental que Husserl identifica à própria fenomenologia. Como se poderia, dada a
adoção explícita de uma postura idealista, evitar a acusação de solipsismo? E, pior: como seria mesmo
pensável superá-la? Novamente, a obviedade de tais questões ameaça encobrir o sentido dos problemas
aí envolvidos, pois Husserl não cansa de chamar a atenção para o caráter essencialmente inaudito de
seu idealismo. Seria esta posição filosófica um desdobramento natural de uma interpretação solipsista
da epoché/redução fenomenológica, configurando-se, então, como a afirmação de que nada existe para
além do sujeito cognoscente e dos dados realmente (reell) imanentes à consciência?
O que o trabalho ora proposto almeja abordar é o fato de que, a despeito das inúmeras críticas e
vereditos comuns apontando o fracasso e a impossibilidade da empreitada husserliana de justificar a
experiência intersubjetiva, os intérpretes tendem a não chegar a um acordo sobre, afinal, qual seria o
problema específico, relativo à intersubjetividade, do qual Husserl se ocupa na Quinta Meditação. A
investigação busca, então, como peça-chave de nossas indagações, delimitar algumas das
características definidoras destes dois elementos que parecem tornar aporética qualquer tentativa de
lidar com a dimensão intersubjetiva a partir de uma perspectiva husserliana: a epoché/redução
fenomenológica e o idealismo transcendental-fenomenológico. A partir daí, o que se pretende é chegar
a um entendimento que possa se pôr no pórtico das possíveis objeções ao que Husserl está propondo,
pois, pensa-se que uma das condições para determinar em que medida ele obtém sucesso ou não é
definir minimamente aquilo sobre o qual, enfim, o filósofo está lançando sua atenção e esforços.

Bibliografia básica:

DEPRAZ, N. Transcendance et Incarnation: Le Statut de l’Intersubjectivité comme Alterité à soi chez


Husserl. Paris : Vrin, 1995.
HUSSERL, E. Sur l’intersubjectivité II. Traduction par N. Depraz. Paris: PUF, 2001.
______. Ideias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica. Tradução de M.
Suzuki. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006.
______. Meditações Cartesianas e Conferências de Paris. Tradução de P. M. S. Alves. Lisboa: Centro
de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010.
ZAHAVI, D. Husserl and Transcendental Intersubjectivity. Translated by E. Behnke. Athens, OH: Ohio
University Press, 2001.

Sobre o conceito de "Simpatia"


Luan Corrêa da Silva

Resumo:

O objetivo dessa breve exposição é o de acompanhar o desenvolvimento do conceito (ou princípio) da


“simpatia” em suas formulações mais tradicionais na filosofia. “Simpatia” tem origem no
correspondente grego sympátheia (sym = com/união + pathos = padecer/sofrer/sentir), possui
correspondência etimológica com a palavra latina compassione e com a palavra alemã Mitgefühl
(Mitleid e Mitfreud). A despeito das correspondências etimológicas entre “simpatia” e “compaixão”,
veremos que esta correspondência não é evidente entre os filósofos que se utilizaram deste conceito.
Para Hume, a simpatia é o princípio do sentido comum da moralidade, pela comunicação das paixões.
“A simpatia não é senão uma ideia vívida convertida em uma impressão”, tornando-a ainda mais
vívida, e é a partir do próprio princípio de associação da experiência ordinária que se torna possível
esta comunicação sentida. Assim, ela é a fonte de aprovação moral, pelos sentimentos de prazer e dor, e
exprime-se de forma não antropocêntrica nas diferentes disposições afetivas, como a compaixão, o
egoísmo e a maldade. Como um princípio do sentimento moral, a compaixão é para Hume a disposição
primária. Em Schopenhauer a simpatia é pensada aqui como um conceito da experiência, e é definida
como “manifestação empírica da identidade metafísica”. A novidade é que agora o conceito de
simpatia, antes pensado enquanto um princípio da moralidade, agora amplia o seu escopo, e avança até
as outras esferas de experiência, incluindo a simpatia com seres inorgânicos. Neste contexto,
Schopenhauer reúne três fenômenos: a compaixão, o amor sexual e a magia: no âmbito da ética, a
compaixão é a motivação genuinamente moral, enquanto que o egoísmo e a maldade serão tratadas por
ele como motivações “antimorais”; no âmbito do amor sexual (Geschlechtsliebe) a simpatia é expressa
na união entre indivíduos em vistas da humanidade, na procriação, e revela a identidade da espécie por
detrás da satisfação egoísta manifestada no instinto sexual; e na magia Schopenhauer encontra uma das
confirmações de sua doutrina, principalmente no magnetismo animal, em que uma conexão empírica
ocorre sem que se estabeleça uma explicação de ordem causal, característica da ciência. A constatação
da magia no mundo inorgânico faz se questionar pelo real critério de distinção entre magia e ciência,
que no fundo resume-se em um critério meramente teórico (a explicação causal), enquanto que na
prática ambos eventos ocorrem. Especialmente relevante, aqui, é a constatação de que a magia é um
fenômeno simpático pois expressa empiricamente a identidade metafísica da vontade, a essência da
realidade. Em Essência e formas da simpatia, Max Scheler desenvolve uma descrição fenomenológica
do conceito e uma crítica dos diferentes usos conceituais de simpatia, que, de alguma forma, incluem as
abordagens de Hume e Schopenhauer. O problema que incomodava Scheler era o da associação entre
simpatia e compaixão, cuja raiz atribui-se ao fato de confundir o simpatizar propriamente dito, e o
objeto da simpatia. Dessa forma, ele distingue quatro manifestações deste fenômeno, correspondentes a
quatro descrições: o contágio afetivo, a empatia, o simpatizar indireto em algo e o simpatizar com
outro. Ao enfrentar a proposta de Max Scheler com as de Hume e Schopenhauer acreditamos ter
condições de fornecer um razoável horizonte para este conceito.

Bibliografia básica:

HUME, David. "Tratado da natureza humana". Tradução de Serafim da Silva. Pontes. Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
SCHOPENHAUER, Arthur. "Arthur Schopenhauers Sämtliche Werke". Hrsg. Von Paul Deussen.
Munique: R. Piper, 1942.
SCHELER, Max. "Esencia y formas de la simpatía". Losada, Buenos Aires, 1957.

Monismo anômalo e superveniência


Luis Deodato Ricardo Machado

Resumo:

Em 1970, no artigo "Mental Events", Donald Davidson apresenta uma teoria sobre a relação entre o
mental e o físico. Essa teoria mostrou-se influente e importante, tanto de um ponto de vista histórico, na
medida em que ocupa um lugar de destaque no desenvolvimento da filosofia da mente na tradição
analítica, quanto de um ponto de vista sistemático, uma vez que pretende ter articulado os elementos
essenciais para a solução dos tradicionais problemas metafísicos sobre a relação mente-corpo e a
causalidade do mental. A posição defendida por Davidson foi batizada de monismo anômalo. O
monismo anômalo afirma que eventos mentais e eventos físicos mantém uma relação de identidade
(monismo ontológico), embora conceitos ou predicados mentais não possam ser reduzidos, nem por
definições nem por leis, a conceitos ou predicados físicos. Temos um reducionismo ontológico sem um
reducionismo conceitual. O monismo anômalo pode ser derivado a partir de apenas três princípios ou
premissas básicas. As premissas básicas são as seguintes: (i) pelo menos alguns eventos mentais estão
causalmente relacionados com eventos físicos (“Princípio de Interação Causal”); (ii) há uma conexão
necessária entre causas e leis (“Princípio do Caráter Nomológico da Causalidade”); (iii) não existem
leis estritas capazes de sustentar previsões e explicações científicas sobre eventos mentais (“Princípio
do Anomalismo do Mental”). O primeiro princípio é tomado como trivialmente verdadeiro; o segundo,
como sendo altamente plausível, a partir de certa tradição filosófica que invoca a autoridade de Hume e
Kant; o “Anomalismo do Mental” é que demanda, na visão de Davidson, um esforço especial de
justificação. De maneira bastante sucinta, pode-se indicar que o movimento de justificação do
“Anomalismo do Mental” abrange os seguintes passos: elucidar o papel central do holismo e da
normatividade na atribuição de predicados mentais; mostrar que os enunciados gerais verdadeiros que
incluem predicados mentais não são legiformes; traçar uma distinção entre generalizações
homonômicas e generalizações heteronômicas; esclarecer a função da tese quineana sobre a
indeterminação da tradução no estabelecimento do anomalismo. Pode-se dizer que o monismo anômalo
precisa negar a existência de leis psicofísicas estritas para afirmar a identidade entre eventos mentais e
eventos físicos. A conclusão do argumento é que eventos mentais estão numa relação de identidade de
ocorrência (token identity) com eventos físicos (embora o mental não possa ser conceitualmente
reduzido ao físico). Essa, em essência, é a posição do monismo anômalo.
Não obstante à rejeição do reducionismo conceitual (com a rejeição da existência de leis psicofísicas
correlacionais), o monismo anômalo afirma uma relação fundamental de superveniência entre
predicados mentais e predicados físicos. A dificuldade é que a superveniência parece implicar algum
tipo de redução conceitual. Para dirimir a dificuldade é preciso caracterizar a noção de superveniência
de modo que se mostre consistente com o antirreducionismo conceitual davidsoniano. Em “Mental
Events”, a superveniência do mental sobre o físico significa que “não pode haver dois eventos similares
em todos os aspectos físicos mas diferindo em algum aspecto mental, ou que um objeto não pode se
alterar em algum aspecto mental sem se alterar em algum aspecto físico”. Segundo Davidson, se a
noção de superveniência for entendida desta forma, então ela não implica o reducionismo conceitual.
Se implicasse, então teríamos que desistir da tese que propriedades morais não podem ser reduzidas a
propriedades descritivas, dado que aceitássemos que propriedades morais são supervenientes em
relação a propriedades descritivas. Ou seja, teríamos que desistir, por exemplo, de tomar a “falácia
naturalista”, aquele padrão defeituoso que G. E. Moore famosamente pretendeu ter identificado em
muitos argumentos morais, como uma falácia genuína. E mais ainda, se a relação de superveniência
implicasse algum tipo de reducionismo, então teríamos que rejeitar um conhecido e comprovado fato
sobre sistemas formais, a saber, que propriedades semânticas não podem ser reduzidas a propriedades
sintáticas, apesar de propriedades semânticas serem supervenientes em relação a propriedades
sintáticas. De acordo com Davidson, os predicados semânticos de uma linguagem formal não podem
selecionar nenhuma sentença que não possa ser selecionada de forma puramente sintática (mas isto é
consistente com o fato de sabermos que predicados semânticos não podem ser definidos em termos de
predicados sintáticos). Ou seja, predicados semânticos são supervenientes ou dependentes em relação a
predicados sintáticos, embora não sejam redutíveis a eles. O caso da relação entre predicados
semânticos e predicados sintáticos é visto por Davidson como um exemplo incontroverso de
“superveniência sem redução”. Desse modo, o exemplo da superveniência das propriedades semânticas
é crucial para a defesa do caso da superveniência dos eventos mentais.
Neste trabalho, nosso objetivo principal será defender a compatibilidade e indispensabilidade da noção
davidsoniana de superveniência em relação às principais teses que compõem o monismo anômalo. Em
especial, procuraremos mostrar que a compatibilidade entre superveniência e monismo anômalo é
crucial para responder às objeções que atribuem a Davidson uma posição em que o mental é
causalmente inerte e, por consequência, meramente epifenomenal.

Bibliografia básica:

DAVIDSON, D. “Mental Events”, in: Essays on Actions and Events. 2. ed. Oxford: Clarendon Press,
2001, pp. 207-225.
______________. “Thinking Causes”, in: J. Heil and A. Mele, eds, Mental Causation. Oxford:
Clarendon Press, 1993, pp. 3-17.
KLAGGE, J. “Davidson’s Troubles with Supervenience”, Synthese, 85, 2, 1990, pp. 339-352.
KIM, J. Supervenience and Mind. Selected Philosophical Essays. Cambridge: Cambridge University
Press.
SHAGRIR, O. “Supervenience and Anomalism are Compatible”, Dialectica, 65, 2, 2011, pp. 241-266.

Neopragmatismo e feminismo: uma introdução a partir de Nancy Fraser e Richard Rorty


Nayara Barros de Sousa

Resumo:

Com o intuito de apresentar o neopragmatismo como uma abordagem contemporânea interessante para
a reflexão filosófica e mais especificamente, para apresentá-lo como aporte teórico viável dentro do
debate sobre os feminismos, utilizo-me de dois autores que se enquadram dentro dessa perspectiva. O
primeiro deles é Richard Rorty, uma das referências diretas do neopragmatismo e, em seguida Nancy
Fraser, que faz um uso mais localizado dessa corrente de pensamento, enquanto teórica feminista- em
diálogo simultâneo com a teoria crítica com a qual também se identifica. Podemos afirmar que o
neopragmatismo seria, em princípio, o conjunto de tentativas para uma releitura da corrente
pragmatista tradicional, que compreendia basicamente o tipo de pensamento desenvolvido por Charles
Peirce, William James e John Dewey, nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século
XX. Apesar de cada um deles ter desenvolvido propostas com um nível de independência elevado em
relação aos demais, são agrupados dentro de um eixo comum nesta única corrente filosófica. Isto se dá
porque todos compartilharam da rejeição a certos pressupostos epistemológicos tradicionais, tais como:
a existência de uma natureza da verdade, da objetividade e da racionalidade. A rejeição a esses
pressupostos seria resultado dos desdobramentos da crença de que a filosofia é uma investigação
significativa originada na prática. Essa prática, entendida como localizada, histórica e contingente, tem
na leitura do pragmatismo de hoje, contudo, um maior foco na questão da linguagem em vez da
experiência, ou da mente, ou da consciência, como era com naqueles primeiros pragmatistas. Nesse
contexto, o neopragmatismo seria então classificado enquanto corrente falibilística, antifundacionista,
com forte conexão com a virada linguística. Outra questão relevante, é destacada por Rorty: é possível
afirmar que, para todos os pragmatistas, tanto os fundadores como os novos, a questão de como nós
passaremos das práticas presentes às práticas futuras ocupa um lugar central. Aqui é possível visualizar
uma das justificativas de que o filósofo se utilizou em sua interlocução com o feminismo, no sentido de
entendê-lo como a concretização de novas práticas que põem em xeque práticas antigas, já não mais
úteis. Deste modo, todos esses elementos elencados até aqui, resultariam na possibilidade de criação de
uma espécie de teoria com impurezas, com pontos úteis para discussões dentro de uma perspectiva
democrática contemporânea, um pragmatismo democrático atualizado, que se torna ferramenta
estratégica, para propostas como o feminismo, como o do tipo que Fraser se alinha. Assim, tendo em
vista o imenso desafio das teorias feministas em precisar lidar com tantas variáveis simultaneamente,
apenas para começar a entender sobre contra o que lutam, exige-se das que se arriscam por esse
caminho, a elaboração de algum suporte teórico que seja tanto flexível, como resistente, que seja capaz
de ser sensível à especificidade das pessoas, mas que também permita compreender grandes objetos de
investigação, tais como o estado e a economia global. Fraser alega que as feministas precisam se
utilizar de estruturas teóricas que lhes permitam não só projetar esperanças utópicas, construir visões
sobre alternativas emancipatórias, mas que também infundam por todo o trabalho uma crítica da
dominação e da injustiça e aposta dela é que o neopragmatismo é um forte aliado na realização deste
intento.

Bibliografia básica:

LaFOLLETTE, Hugh (ed.). The blackwell guide to ethical theory. Oxford, Blackwell
Publish, 2000.
FRASER, Nancy. Falses antitheses. In: BENHABIB, S. Feminist contentions: philosophical exchange.
Routledge: New York, 1995. P. 59-74
________. Pragmatism, feminism, and the Linguistic Turn. In: BENHABIB, S. Feminist contentions:
philosophical exchange. Routledge: New York, 1995. P. 157-172
MISAK, Cheryl (ed.). New pragmatism. Oxford: Claredon Press, 2007.
RORTY, Richard. Feminism and pragmatism. In: The Tanner Lectures on Human Values.Michigan:
University of Michigan, 1990. < Disponível em:
http://www.tannerlectures.utah.edu/lectures/documents/rorty92.pdf > Acesso em:
29.04.2016.
SOUSA, N.B. de. Contribuições rortyanas para uma filosofia feminista: (re)leituras a partir da
autocriação. 2013. 110f. Dissertação (Mestrado em Filosofia)- Universidade Federal do Piauí, 2013.

Imputabilidade e responsabilidade moral na teoria moral normativa de Habermas e Rawls.


Alcione Roberto Roani

Resumo:

O objetivo deste estudo é o de investigar a questão da possibilidade de imputar normas aos sujeitos
agentes e a respectiva responsabilidade decorrente do agir em conformidade ou em contrariedade a
norma com ênfase na teoria moral de Rawls e de Habermas. Uma vez que para o agir moral é
imprescindível analisar os mobiles internos e externos que afetam as vontades agentes e,
consequentemente, os efeitos provocados pelas ações. Diante deste cenário cabe destacar que as duas
teorias morais em voga possuem uma base filosófica familiar, a saber, são principialistas. No entanto,
isso não é critério suficiente para credenciá-las como idênticas dada a concepção de imputabilidade e
de responsabilidade moral concebida em cada teoria. O objetivo é o de demonstrar que apesar da
familiaridade filosófica entre as teorias morais há particularidedes que tornam as teorias únicas sob
determinados aspectos. As vantagens e desvantagens de cada modelo serão considerandas segundo os
seguintes critérios: i) compensação da ausência de um estado de natureza, ii) a racionalidade e a
razoabilidade como condições essenciais para produzir os acordos, iii) a motivação moral via
delineamento da racionalidade (justiça) a partir da liberdade juridicamente concebida ou por imputação
de virtude e iv) o comprometimento dos acordantes/agentes em relação as conseqüências dos juízos
morais. A partir do delineamento das referências a proposta de análise será desenvolvida considerando:
a) Habermas em Faktizität und Geltung: Beitrage zur Disskursstheorie des Rechts und
desdemokratischen Rechtsstaats com ênfase em um modelo de justificação discursiva pautado na
filosofia da linguagem enquanto proposta procedimentalista. A preocupação da ética do discurso de
Habermas com o problema da responsabilidade passa pela fundamentação amparada sobretudo no
elemento performativo da dupla estrutura dos atos de fala (performativo/proposicional). Portando, na
sua base de argumentação está um principio ético que deve ser observado pelos sujeitos da
argumentação. Esse princípio pressupõe a aceitação e igualdade de direitos por parte de todos os
participantes sob o risco de negar o referencial que inevitavelmente é utilizado para argumentar. O
mundo no qual a interação comunicacional acontece é real, histórico e contingente (comunidade real de
comunicação) este distanciamento entre as condições ideais e as reais de comunicação em que acontece
o dialogo pressupõe uma atitude ética a ser adotada que consiste na busca pela superação das
contingências que provocam esta separação. Essa é uma obrigação moral dos participantes e funciona
como uma ideia reguladora auxiliando na efetivação das condições. A discussão entorno do problema
da responsabilidade exige dos participantes a observância de algumas regras vinculadas a
argumentação, a saber: a) todos os problemas devem ser decididos mediante argumentos visando o
consenso e b) todo argumento precisa, em caso de necessidade, ser justificado. Isso tem como
conseqüência uma responsabilidade no sentido de incorporar equívocos que podem ser corrigidos. A
correlação dos equívocos pressupõe um procedimento e um princípio não contingente, mas ético que
como condição forneça os pressupostos para que este processo aconteça. A ética do discurso propõe
uma noção de responsabilidade moral de caráter coletivo amparado em um modelo intersubjetivo
aonde o uso da linguagem e o uso do discurso se transformam em um meio comum para as
subjetividades e, portanto, com uma conotação de solidariedade.b) Rawls em A Theory of justice com
um procedimentalismo formatado em base contratualista de justificação para a justiça como equidade.
Rawls, por sua vez, apresenta uma concepção de responsabilidade moral forjada a partir da capacidade
do sujeito agir razoavelmente, o que implica em qualifica - lá como responsabilidade moral razoável. O
ponto de partida está localizado na proposta de uma concepção política de justiça e, ser razoável nestas
circunstâncias, significa ter consciência dos limites da razão e do juízo. Portanto, a discussão e a
deliberação precisam ser orientadas e os preceitos são apontados por Rawls como: a) disposição para
alcançar o acordo razoável, b) estabilidade psicológica para encontrar desacordos sobre questões
básicas e c) disposição para aceitar a diversidade. A construção de uma concepção política de justiça
com base no critério da razoabilidade/aceitabilidade e assim ação justa e razoavelmente responsável
pressupõe uma escolha razoavelmente responsável. A razoabilidade assume um papel importante para a
teoria da justiça de Rawls, uma vez que esta exige do sujeito uma disposição para propor e cumprir os
termos equitativos de cooperação e de reconhecer os limites da razão (portanto um motivo para adotar a
razoabilidade como procedimento). O ponto de partida reside em admitir uma concepção de sociedade
como um sistema equitativo de cooperação para o estabelecimento dos princípios de justiça. O
razoável nestas circunstancias significa (i) a disposição para propor e cumprir os termos do acordo e (ii)
a disposição para reconhecer os limites do juízo e da razão o que, por sua vez, desfruta de
aceitabilidade social. Por isso que ser responsável por uma ação é antes ter clareza de que sobre a
deliberação pese razões para escolher a melhor alternativa. Assim, Rawls parte para uma concepção de
responsabilidade circunstanciada ao âmbito do pluralismo em que ter capacidade para deliberar e
escolher a melhor alternativa de forma racional e razoável é demonstrar um senso de justiça e de bem.

Bibliografia básica:

HABERMAS, J. Comentários a Ética do Discurso. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.


HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. [Moralbewubtsein und Kommunikativen
Handelns , trad. G. A. Almeida]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
HABERMAS, J. Direito e democracia: entre faticidade e validade. [v. I e II]. [Trad. F. B. Siebeneichler:
Faktizität und Geltung: Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats].
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
RAWLS, J. Political Liberalism. New York: Columbia University Press, 1996.
RAWLS, J. Reply to Habermas. The Journal of Philosophy. New York, v. 92, n 3, march 1995.
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002

Sistema imunológico como mecanismo de individuação através da autopoiese


Francisco Xavier Caprario

Um sistema vivo visto sob a ótica autopoiética, é caracterizado principalmente pela existência de uma
rede físico-quimica interna capaz de se manter por si através de trocas energéticas e químicas com o
meio. Dentre uma das capacidades dos sistemas vivos, visto por essa concepção, a propriedade de auto-
reconhecimento ou identidade somática é um dos mais importantes para a individuação orgânica, além
da compartimentalização física. Desta forma, uma das propriedades do vivente, produz uma referência
própria e identidades auto-reflexivas, com capacidade interpretativa, base do processo cognitivo.
Sob o ponto de vista da autopoiese, a cognição prescinde de sistema nervoso propriamente dito, pois é
uma condição de estruturas vivas intimamente ligada a unidade organizada. É portanto, uma
propriedade emergente, parte do processo de auto-regulação do sistema. Sob essa ótica, Nelson Vaz e
Francisco Varela propõem o conceito de rede cognitiva imunológica, capaz de reconhecer aquilo que é
parte do indivíduo e o que não é, fazendo ainda distinção daquilo que poderá ser absorvido, isto é,
tolerância ou insensibilidade. Este conceito se opõe a da imunologia reducionista, amplamente
reconhecida, mas que não oferece esta interpretação abrangente, pois é baseada basicamente no
estímulo-resposta aos antígenos ou invasores. Partindo destas premissas, o objetivo principal do
presente trabalho é a de explorar os aspectos epistemológicos desta propriedade autorreferencial, sob o
domínio do mecanismo emergente da imunologia autopoiética nos moldes de Nelson Vaz.
O conceito de indivíduo e seus limites é um problema clássico da filosofia. A concepção hilemórfica
do indivíduo subjaz a forma do sujeito já constituído, resultado de forma e matéria. O processo para
sua constituição, portanto não é levada em consideração. Para Simondon o que pode ser considerado
um ser individuado é o caráter coextensivo, pois ele não é somente resultado, mas meio de
individuação. Deste ponto de vista, a individuação é um processo contínuo e dinâmico em que o
sistema vivo está em ininterrupto processo de autorreconhecimento. O processo deve ser levado em
consideração. A sua predisposição existe na genética que o precede e o constitui, enquanto o restrição
espaço-tempo é uma característica intrínseca e própria da individualidade emergente.
Ao consentir com uma identidade somática através da autopoiese, é preciso resgatar o conceito do
fenômeno interpretativo, pois é através da capacidade sistêmica de autorreconhecimento que pode-se
obter a diferença entre o indivíduo, o ambiente e outros indivíduos. É justamente neste ponto que a
propriedade emergente de autorreconhecimento geram intersecção com o mecanismo de identificação
imunitário proposto por Nelson Vaz.
Niels K. Jerne em 1974 propõe uma teoria original acerca da imunologia, baseado na existência de
anticorpos capazes de reconhecer determinantes antigênicos (idiotípicos) em anticorpos formados pelo
mesmo organismo. Desta forma, quando um anticorpo é formado, o organismo responde formando
antianticorpos. A natureza molecular deste último, é discretamente diferente e por esta razão será
produzido antiantianticorpos e o resultado é uma sucessão progressiva (mas não indefinida) e o sistema
se fecha por si mesma. Mas a degeneração e a imprecisão pontual, formará uma rede ramificada e
interconectada. Jerne passou a denominá-la de “Teoria da Rede”, na qual a reatividade imune torna-se
secundária, pois a rede é voltada para si mesma.
Diante disso, Nelson Vaz recorre a autopoiese para unir a Teoria da Rede e a sua observação por
experimentos, que existe a capacidade de transferência de tolerância a um determinada substância
através da introdução de linfócitos previamente induzidos a tolerância. A simples ingestão da
substância geravam indução de tolerância, situação que não acorre ao injetar a mesma substância
diretamente no sangue. Isto indica que existe uma reatividade ao avesso (tolerância). Francisco Varela e
Nelson Vaz publicam Self e Non-sense demonstrando que a reatividade imunológica é uma complexa
rede de reconhecimento daquilo que é organismo próprio, alimento, corpos estranhos e mundo exterior.
Na visão autopoiética, o animal que adquiriu a tolerância através da organização do sistema linfóide,
não permite que seja perturbado pelo antígeno anteriormente reconhecido, o que não significa que é
oposto a resposta imune. Fica evidente que a formação de supressores , em contato com alimentos
habituais da dieta, são parte do sistema de reconhecimento.
O sistema imunológico portanto, observadas estas condições, formam um comportamento sistêmico de
“cognição” no sentido autopoiético. Por esta razão, Nelson Vaz chama de paradigma de
autodeterminação ou autopoiese imunológica. Neste sentido, o autorreconhecimento visto sob a
perspectiva do sistema imunológico poderia ser interpretado como um mecanismo de individuação.

Bibliografia básica:

CHEDIAK, Karla. O problema da individuação na biologia à luz da determinação da unidade de


seleção natural. Scientiae Studia , São Paulo, v.3, n.1, p. 65-78, set. 2005.
DELEUZE, Giles. A Ilha Deserta. São Paulo: Iluminuras, 2006.
JERNE, Niels K. Towards a network theory of the immune system. Annales d'Im
munologie de l'Institut Pasteur, Paris, série C, v. 125, p. 373-389, 1974.
MATURANA, Humberto Romesin; Varela, Francisco. De Máquinas e Seres Vivos. São Paulo: Artmed,
1997.
VAZ, Nelson; VARELA, Francisco. Self and non-sense: An organism-centered approach to
immunology. Medical Hypotheses, v. 4, n. 3, p. 231-261, 263-267, mai-jun. 1978.

O problema do Mundo em Martin Heidegger


Carlos Arturo Zarallo Valdés

Resumo:

O projeto de investigação tem como objetivo principal estudar e analisar a problemática que á suscitado
conceito de mundo desde os textos, Ser e Tempo (1927) parágrafos 1 ao 13, Da essência do fundamento
(1929), Os Conceitos fundamentais da metafísica. Mundo, finitude, Solidão (1929/30) e Die Zeit dê
Weltbildes (1938). O mundo para Heidegger apresenta-se como elemento constitutivo do ser, no
mundo- o ser relaciona- e se compreende como um fenômeno unitário, a partir da estrutura In-der-Welt-
sein existindo, será necessário diz o autor, abordar dita problemática desde uma nova ontologia, uma
ontologia fundamental. Na presente investigação afundaremos na problemática desde uma nova
ontologia, uma ontologia fundamental. Na presente investigação afundaremos na problemática que tem
suscitado o conceito de mundo ao longo da reflexão heideggeriana, mostrando desde as implicações de
pensar o mundo como imagem, até a de ser configurador de mundo. Tendo em conta sempre o
esquecimento do ser -ergessenheit- como problema fundamental da metafísica.
No primer lugar, devemos descer que a proposta do filósofo é uma reflexão que certamente nos leva á
pergunta pelo ser, á pregunta pelo mundo e á pregunta pela relação homem-mundo, desde o concepto
mesmo de Dasein, entendido como a existência humana ó ser que somos em cada caso nos mesmos
(Heidegger, 1997, p.30). Dito conceito que acunã o filósofo com o fim dê-se distanciar da metafísica e
ontologia tradicional, se precisa na busca de uma reflexão diferente, uma reflexão que considere
questões até a época não abarcadas na profundidade que o tema ameritaba e exigia para avançar em seu
pensar com um pouco mais de certeza, se é que se lhe pode chamar ou qualificar desse modo. Com
tudo, o esforço filosófico de Martin Heidegger é inegável e repercute até o dia de hoje em cursos,
debates, seminários e conferências.
No presente trabalho tem como objetivo principal abordar as motivações que levam a Heidegger a
escrever sua obra Ser e tempo, para essa tarefa de leitura e interpretação, o trabalho se baseará em três
momentos inicia-lhes: [1] Cuales som as motivações que levam a Martin Heidegger á escrever sua
obra Ser e Tempo de 1927 [2]Que é o Dasein e [3] Como entende Heidegger a estrutura do estar-no-
mundo. Acercando como já dizíamos a seu conceito ou modo de entender ao homem, justamente como
o caminho para o entendimento do Dasein; caminho que chegará a considerar e estabelecer o que se
denominará em seu trabalho como a analítica existencial do Dasein como em estar-mundo In-der-Welt-
sein, em função de instalar na reflexão filosófica contemporânea uma nova ontologia ou, em palavras
de Heidegger, uma ontologia fundamental como necessidade imperiosa da pergunta e desenvolvimento
filosófico, ontologia que vem a dar um giro totalmente rupturista na filosofia em general e na ontologia
e metafísica em particular.
A tentativa filosófica de Heidegger em Ser e tempo não é precisamente a busca do ser nem muito
menos, sino que O objetivo de ser e tempo é justamente elaborar novamente a questão do ser, e
investigar o sentido de ser em geral. Para isso, se faz a analítica existencial como uma necessidade para
esse objetivo. leva ao filósofo a desenvolver tal faz é justamente aclarar ou sacar de sua escuridão o
sentido da pergunta mesma por dito conceito, elaborada e pensada já desde a reflexão filosófica grega,
mas esquecida ou obviada pela reflexão filosófica posterior. Dita obviedade, como apresentará
Heidegger em Ser e tempo, impede que a reflexão se vire sobre o conceito, o que tem como
consequência uma verdadeira familiaridade com ele desde seu sentido, se se quer usual, ainda que nos
encontremos longe do compreender precisamente em termos de análises e reflexão.
“A consideração dos preconceitos fez-nos ver que não só falta à resposta à pergunta pelo ser, sina que
inclusive a pergunta mesma é escura e carece de direção. Portanto, repetir a pergunta pelo ser significa:
elaborar de uma vez por todas em forma suficiente a proposta mesma da pergunta”. (Heidegger, Martin.
Ser e Tempo 1997. P, 28)
Neste sentido, requerer-se-á, para Heidegger, de uma nova busca ou um novo começo de análise que
sirva de esclarecimento ao problema.
Respeito do conceito de mundo, ao que nos dedicaremos propriamente e prestaremos maior atenção,
Martin Heidegger em Ser e tempo proporá uma crítica e ao mesmo tempo uma carência. O filósofo
leva-nos a uma reflexão a respeito de como se compreendeu ao mundo como uma “realidade alheia” ao
Dasein, como separada ontologicamente da existência humana desde a relação formal entre sujeito e
objeto, o que considerará em sua crítica como um erro grave da metafísica e a lógica proposicional, ao
não atender à realidade da co-pertence existencial entre ambos como uma característica constitutiva
que afasta ao Dasein dos demais entes.

Bibliografia básica:

Acevedo, Jorge. Entorno a Heidegger. Editorial Universitaria, Chile, 1990


Casanova, Marco Antonio. Compreender Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2009. (Série Compreender)
Dreyfus, Hubert L.: Ser-en-el-mundo, Ed. Cuatro Vientos, Santiago, 1996.
Heidegger, Martin. Ser y Tiempo, Editorial Universitaria, Santiago, Chile, 1997.
Heidegger, Martin: La idea de la filosofía y el problema de la concepción del mundo, Ed. Herder,
Barcelona, 2005
Rosales, Alberto. Heidegger y la pregunta por el Ser. Revista de Filosofía práctica., Nº6. Universidad
de los Andes, Venezuela, 2001
Rivera Jorge Eduardo y Stuven, Maria Teresa. Comentario a Ser y Tiempo de Martin Heidegger Vol II.
Editorial Ediciones UC. Santiago, Chile. 2010.

Pós-modernismo e pós-estruturalismo em Michel Foucault


Daniel Luis Cidade Gonçalves
Resumo:

Este artigo tem a intenção de investigar os conceitos de pós-modernismo e pós-estruturalismo,


utilizando-se do pensamento de Michel Foucault como fio condutor. Segundo Lyotard, a pós-
modernidade pode ser definida como a época que se consolidou através de uma crise dos conceitos
caros ao pensamento moderno, como “razão”, “sujeito”, “verdade” e “progresso”. Neste contexto, em
uma célebre definição de Lyotard, podemos entender o pós-modernismo como a “incredulidade em
relação aos metarrelatos.” (LYOTARD, 2009, p. xvi). Para o autor, a crise da filosofia metafísica
pressupõe um desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação. De acordo com esta definição,
pensadores como Nietzsche, Foucault, Rorty e o próprio Lyotard, adequam-se ao rótulo de filósofos
pós-modernos. Segundo Rorty, os autores que negam a possibilidade de legitimar nossas verdades e
nossas práticas em metarrelatos (ou metanarrativas), são acusados de frivolidade pós-moderna, não por
não aceitarem a existência da verdade, mas por acreditarem que não existe um modo de saber como as
coisas realmente são em si mesmas, que o inquérito não pode ter fim e que a verdade não possui uma
função redentora capaz de nos responder definitivamente o que devemos fazer com nossas vidas.
Foucault, por sua vez, demonstra seu aspecto pós-moderno ao nos mostrar em suas arqueologias e
genealogias as relações de poder implícitas aos saberes que nos circundam, ao negar a existência de um
sujeito transcendental fundador do conhecimento e ao propor que façamos uma história crítica da
verdade, reconhecendo seu passado histórico e contingente. Contudo, Foucault está na lista dos autores
denominados pós-estruturalistas (depois de passar a vida inteira sendo rotulado de estruturalista contra
sua vontade). Aqui é preciso esclarecer que o pós-estruturalismo como um todo deixa intacta a
incredulidade perante os metarrelatos da pós-modernidade, e visa ir mais além. Segundo James
Williams, o denominador comum do pós-estruturalismo é a questão dos limites. O limite é
caracterizado como aquilo que desafia a identificação, algo inapreensível que só pode ser conhecido
através de sua função de irrupção e mudança (e por isso não pode ser identificado, embora possa ter
seus traços rastreados). Neste contexto, é importante lembrar que, para Foucault, o sujeito de
conhecimento não é soberano. Nas palavras de Veyne “Cada um só pode pensar como pensa no seu
tempo” (VEYNE, 2009, p. 18). É neste contexto que Foucault é relevante, pois pode nos mostrar como
nosso pensamento é limitado pelas condições discursivas e pelas relações de poder que encontramos
dadas no contexto em que nascemos. De fato, seu trabalho genealógico pode ser entendido como um
pós-estruturalismo que, político por definição, busca diagnosticar a atualidade e nos fornecer
ferramentas emancipatórias, sem que para isso seja necessário recorrer à metanarrativas legitimadoras.
Nas palavras do autor, trata-se de “aprender, por onde e como isso que existe hoje poderia não ser mais
o que é.” (FOUCAULT, 2000, p. 325). Dessa forma, o pós-estruturalismo possui o caráter negativo da
subversão pós-moderna, acrescentando a ela uma potencialidade positiva. Assim, elucidando
estrategicamente a inserção do pensamento foucaultiano dentro da tradição pós-estruturalista teremos a
vantagem de utilizar as obras do autor como ele gostaria que fossem usadas, ou seja, como caixas de
ferramentas (e sabemos que ferramentas são úteis para destruir e construir objetos).

Bibliografia básica:

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 11. ed. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 1979.
______. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões. 32. ed. Tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis: Vozes, 1987.
______. O sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault: Uma
trajetória Filosófica: Para além do Estruturalismo e da Hermenêutica. Tradução de Vera Porto Carrero.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
______. A verdade e as Formas Jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo
Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau, 1996.
______. Arqueologia das ciências e História dos Sistemas de Pensamento: Ditos e escritos. Vol. II.
Tradução de Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 12 ed. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2009.
RORTY, Richard. Consequências do pragmatismo. Tradução de João Duarte. Lisboa: Instituto Piaget,
1982.
______. Ensaios sobre Heidegger e outros. Escritos filosóficos 2. Tradução de Marco Antônio
Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999a.
______. Objetivismo, relativismo e verdade: Escritos filosóficos I. Tradução de Marco Antônio
Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
______. Contingência, ironia e solidariedade. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
VEYNE, Paul. Foucault: O pensamento a pessoa. Tradução de Luís Lima. Lisboa. Edições Texto e
Grafia, 2009.
WILLIAMS, James. Pós-estruturalismo. Tradução de Caio Liudvig. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
2012.

Kant e os paradigmas da dignidade humana


Henrique Franco Morita

Resumo:

A pesquisa procura responder a pergunta sobre a pertinência do recurso à filosofia moral kantiana para
a fundamentação do conceito contemporâneo de dignidade humana, prática verificável em textos
jurídicos e filosóficos, bem como na jurisprudência de cortes ao redor do mundo. Para tanto, concentra-
se o foco de análise na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) e nos Princípios
Metafísicos da Doutrina da Virtude (1797).
Da primeira obra procura-se elucidar o desenvolvimento do imperativo categórico e de suas
formulações, mostrando que a dignidade associa-se, nessa obra, à terceira formulação (fórmula da
autonomia). O termo dignidade (Würde) não aparece, tal como tradicionalmente se afirma, junto à
segunda formulação (fórmula da humanidade) do imperativo categórico. Nem tampouco se verifica a
ocorrência deste conceito quando Kant discute a justificação de sua filosofia moral, na terceira parte da
Fundamentação, qual seja a Passagem da Metafísica dos Costumes à Crítica da Razão Prática.
Em seguida, demonstra-se que na segunda obra analisada, a Doutrina da Virtude, a dignidade aparece
voltada, aí sim, à segunda formulação do imperativo categórico (fórmula da humanidade). A busca pela
explicação desse deslocamento do conceito de dignidade ao longo dessas duas obras provoca o
questionamento do significado mesmo da dignidade utilizada por Kant, que é abordado, então, pela
confrontação entre um paradigma tradicional de dignidade e um paradigma contemporâneo.
O trabalho argumenta, com o auxílio da interpretação dada pelo filósofo norte-americano Oliver Sensen
em sua obra Kant on Human Dignity (2011), que a dignidade adotada por Kant insere-se no paradigma
tradicional (ou clássico) de dignidade humana. Esse paradigma da dignidade é entedido a partir de sua
origem na filosofia de Marco Túlio Cícero (106 a.C. – 43 a.C.), mais especificamente no seu De Oficiis
(44 a.C.), onde o conceito de dignidade é tratado em dois níveis diferenciados e complementares: um
primeiro relativo à constituição racional superior do ser humano em relação aos demais seres da
natureza, entregues às inclinações; enquanto o segundo nível refere-se ao dever que o ser humano tem
de realizar plenamente e maximizar sua dignidade compreendida no primeiro nível.
Esse paradigma ciceroniano se distingue do conceito contemporâneo de dignidade, formatado a partir
da segunda metade do século XX nos documentos político-jurídicos que servem de referência para os
direitos humanos, tais como a Carta das Nações Unidas. Essa concepção fundamenta a dignidade
humana num valor intrínseco que os seres humanos possuem, valor este que acaba por justificar os
direitos humanos em demandas por respeito a essa dignidade. Nesse paradigma o valor inerente aos
seres humanos aparece como anterior e justificador do princípio moral que exige o respeito em face dos
demais seres humanos.
Já o paradigma tradicional da dignidade fundamenta-a de maneira distinta, já que retira o dever (de
maximizar o seu status racional dado pela natureza) de um fundamento teleológico, qual seja, o de que
a natureza rendeu aos seres humanos uma racionalidade que deve ser privilegiada em oposição aos
impulsos e prazeres, que, por sua vez, devem ser evitados, se se quiser afirmar a natureza do humano.
Sensen lista quatro características essenciais da dignidade tradicional: 1) não ser concebida como um
valor intrínseco; 2) possuir dois níveis; 3) não basear, por si mesma, direitos; 4) ser essencialmente
relativa a deveres para consigo mesmo.
Nessa perspectiva, a visão kantiana da dignidade seria drasticamente diferente daquela que a
interpretação moderna e contemporânea lhe atribuem. Assim, os textos kantianos ganham contornos
distintos, pois, embora estabeleçam como imperativo o respeito aos demais seres humanos, tal não
ocorre fundamentado num imediato valor inerente e metafísico que a espécie possui e que, a partir daí,
obriga os demais a respeitarem-se uns aos outros.
A inversão que ocorre é a de que o imperativo categórico se expressa como linguagem de
funcionamento da liberdade mesma, como lei que possibilita o seu exercício. Do dever (do imperativo
enquanto lei causal da liberdade), portanto, é que advém a obrigatoriedade de agir com respeito. É a
dignidade que a lei moral concede ao agente, e não um valor anterior e metafísico incutido no interior
dos demais seres humanos, que obriga o indivíduo a não-instrumentalizar ninguém, sob pena de jogar
fora a condição mesma de ser livre para consigo mesmo.
Assim, o entendimento em Kant possui diferenças significativas em relação ao uso hodierno da
dignidade, presente nos diplomas de direitos humanos no âmbito do direito internacional. Por
derradeiro, parte-se para uma abordagem direta de passagens dos escritos kantianos que podem dar
ensejo à visão de que o filósofo adere ao paradigma contemporâneo, o que é rechaçado. O trabalho,
portanto, desconstitui a possibilidade de legitimar a dignidade humana da ótica dos direitos humanos na
filosofia moral kantiana.

Bibliografia básica:

CÍCERO. Dos Deveres. São Paulo: Martin Claret, 2009.


KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. Lisboa: Edições 70.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Introdução, tradução e notas: Valerio Rohden. 2a ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Introdução, tradução e notas: Guido
Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial; Barcarolla, 2009.
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Tradução: [primeira parte] Clélia Aparecida Martins;
[segunda parte] Bruno Nadai, Diego Kosbiau e Monique Hulshof. Petrópolis: Vozes; Brança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 2013.
PFORDTEN, Dietmar. On the dignity of man in Kant. in Philosophy, Vol. 84, No. 329 (jul. 2009), pp.
371 - 391. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
SENSEN, Oliver. Kant on Human Dignity. Berlim: De Gruyter, 2011.
SENSEN, Oliver. Kant on Human Dignity Reconsidered - A reply to my critics. Kant-Studien, Vol 106,
Issue 1, Pags. 68 - 77. Berlim: De Gruyter, 2015.
Sobre a implausibilidade da categoria dos deveres imperfeitos
Fernanda Belo Gontijo

Resumo:

A classificação tradicional dos atos morais os divide em atos obrigatórios, atos meramente permissíveis
(ou indiferentes) e atos impermissíveis (ou proibidos). Os primeiros são aqueles atos que temos o dever
de realizar. Os meramente permissíveis (ou indiferentes), por sua vez, são os atos que não temos o
dever de realizar ou de deixar de realizar. Já os impermissíveis (ou proibidos), são aqueles atos que
temos o dever de não realizar. Com o intuito de incluir certos atos no âmbito da agência moral, os quais
pareciam não se encaixar dentro da divisão tradicional dos atos morais, autores como Immanuel Kant
(1785) e John Stuart Mill (1861) propuseram uma subdivisão dos atos obrigatórios em deveres
perfeitos e deveres imperfeitos. Os deveres perfeitos são aqueles atos em relação aos quais os agentes
morais têm que ser repreendidos sempre que deixarem de realizar, sendo dirigidos a indivíduos
específicos em períodos determinados (como os deveres de não matar, de não ferir inocentes, de
cumprir promessas, etc.). Já os deveres imperfeitos, consistem naqueles atos em relação aos quais os
agentes morais não podem ser repreendidos por não realizar porque dirigem-se a indivíduos
inespecíficos em períodos indeterminados, como é o caso dos atos de caridade, de beneficência, etc. Os
deveres perfeitos são ainda considerados deveres em sentido forte, enquanto os deveres imperfeitos são
considerados deveres em sentido fraco. O que se pretende mostrar neste trabalho é que a categoria dos
deveres imperfeitos carece de plausibilidade, tendo sido proposta a partir de uma confusão conceitual.
Vejamos por que esse é o caso. É da natureza do conceito de dever que os atos que caem sob essa
categoria sejam passíveis de repreensão se não realizados. Atos que são um dever, mas cujo
descumprimento não é repreensível, como é o caso dos que correspondem aos deveres imperfeitos, têm
a peculiaridade de tratar os deveres como boletos que podem ser pagos ao bel-prazer do agente moral, o
que é incompatível com o conceito de dever. Assim, os deveres imperfeitos ou têm que ser
considerados deveres perfeitos ou não podem ser considerados enquanto deveres. O diagnóstico é que
os deveres imperfeitos foram assim denominados para enquadrar no âmbito da agência moral os atos de
alto valor moral em relação aos quais havia a intuição de que, embora valiosos, não deveriam constituir
uma forte obrigação. Será defendido que os atos que não são um dever, mas parecem ter um estatuto
para além do meramente permissível (ou indiferente), enquadram-se ou na categoria de deveres
perfeitos ou ainda numa quarta categoria, a dos atos supererrogatórios – atos louváveis, mas não
obrigatórios. Para cumprir o que se pretende, será realizada uma breve apresentação das posições de
Kant e de Mill sobre a subdivisão dos deveres perfeitos e imperfeitos, seguida ainda da discussão atenta
de tais posições. Para bem cumprir o que se pretende, o debate será guiado pelos trabalhos de Kant
(1785) e de Mill (1861), bem como pelos trabalhos de Baron (1987, 2015) e de Guevara (1999), dentre
outros que se apresentarem pertinentes ao tema proposto.

Bibliografia básica:

BARON, M. (1987). “Kantian Ethics and Supererogation”, Journal of Philosophy, 84: 237–262.
_______. (2015). “Supererogation and Kant's Imperfect Duties”, in Reason, Value, and Respect:
Kantian Themes from the Philosophy of Thomas E. Hill, Jr., M. Timmons (ed.), New York: Oxford
University Press.

GUEVARA, D. (1999). “The Impossibility of Supererogation in Kant's Moral Theory”, Philosophy and
Phenomenological Research, 59: 593–624.
KANT, I. (1785). Groundwork for the Metaphysics of Morals. New Haven and London: Yale
University Press, 2002.
MILL, J. S. (1861). Utilitarismo. Porto: Porto, 2005.

O que a Filosofia tem a dizer sobre o conceito de Humilhação?


Diana Piroli

Resumo:

Este presente trabalho pretende desenvolver uma visão geral sobre o conceito de humilhação tal como
apresentado por Filósofos. Ao longo dos séculos passados, onde predominou o pensamento moral
cristão, a significação do termo humilhação esteve conectada com a virtude da humildade: humilhar,
neste contexto, significava ser feito humilde (humildar), isto é, ter o orgulho ou qualquer forma de
autoapreciação desmedida coagida. Só a partir do século XVIII há indícios de que a humilhação,
entendida como humildação, começa timidamente perder seu status de uma atitude ou condição
moralmente legítima que colabora para coerção da autoapreciação desmedida de si (orgulho) e
florescimento da virtude da humildade, passando a ser interpretada como uma atitude ou condição
injuriosa, reprovável, ilegítima. Pretende-se apresentar brevemente aqui duas interpretações diferentes
sobre o termo: humilhação (no sentido de humildação) como uma coerção que atua em favor da lei
moral (Kant) e humilhação como atitude ou condição injuriosa de rejeição da humanidade da pessoa
(Margalit).
De modo geral, os filósofos modernos falaram bastante sobre humildade, seja para defende-la como
virtude ou para criticá-la como tal, porém o termo “humilhação” (e o verbo humilhar) teve uma
participação mais modesta, ganhando ênfase no pensamento de Kant, Marx e Nietzsche. Kant destaca-
se nesta discussão, pois é um dos filósofos modernos que já escreve sobre humilhação (Demütigung) e
emprega o verbo humilhar (demütigen). Na Crítica da Razão Prática (CRPr), mais especificamente no
capítulo sobre os motivos da razão prática pura (Livro I, capítulo 3), o autor enfatiza que o respeito à
lei moral é, indubitavelmente, o único e verdadeiro motivo para o agir moral, porém ao mesmo tempo,
apresenta a luta do homem em combater suas inclinações naturais/patológicas. A humilhação se
apresenta como uma parte importante deste processo, pois opera como uma coerção dos impulsos
patológicos do amor de si que tendem a se oferecer ilusoriamente como motivos da ação moral.
Segundo Kant, há duas formas de expressão do amor de si patológico. A primeira seria uma tendência à
beneficência acima de tudo para consigo mesmo, chamado de Amor-próprio (Eigenliebe), e a segunda a
complacência para consigo próprio, chamado de Presunção (Eigendünkel). A coerção dessas duas
formas patológicas de amor de si, através da humilhação, teria como propósito a elevação do amor de si
racional (vernünftige Selbstliebe) um amor de si que visa o respeito/concordância com a lei moral.
Para os leitores contemporâneos da CRPr causa estranhamento ver Kant falar em humilhação como
uma forma de coerção que está em concordância com a lei moral, pois para nós já é intrínseco a
interpretação da humilhação como uma injúria. Porém, deve-se enfatizar que a humilhação que fala
Kant, tratar-se-ia de um processo de humildação. Na Metafísica dos Costumes: Doutrina da Virtude,
Kant apresenta a humildade como a virtude da correta apreciação de si mesmo em relação à lei moral,
onde o indivíduo reconheceria que a única forma legítima de rebaixamento de si é o curvar-se à lei
moral, exaltando sua superioridade e magnanimidade. Kant também alerta para a falsa virtude da
humildade que se propagava até então: o rebaixar-se, de modo servil, a outrem. Desta forma, o autor
enfatiza que a única forma legítima de rebaixamento é o curvar-se à lei moral, rejeitando toda forma de
falsa humildação (chamado servilismo).
A fim de contrastar a interpretação kantiana de humilhação, será apresentada uma outra a partir do
filósofo Avishai Margalit em The Decent Society (1996). Nesta nova interpretação, sua significação
não é mais de humildação. Para o autor, humilhar é tratar as pessoas como se não fossem humanas. Tal
tratamento pode ser de forma direta, onde indivíduos humilham outros indivíduos, ou de forma indireta
como condições de vida humilhantes, por exemplo. Se outrora a humilhação atuava em colaboração
com o respeito à lei moral (Kant), de agora em diante é tratado como seu oposto: humilhar como forma
de tratamento que desconsidera a humanidade da pessoa, ferindo sua dignidade. Para o autor, a
temática da humilhação, tal como ele desenvolve, é uma questão essencialmente político-moral que
pode contribuir muito para a defesa da dignidade humana pelas instituições. Diz ele que muitos
filósofos se dedicaram a justificar a defesa da dignidade humana, e também a buscar maneiras de
promove-la pelas instituições, porém, diz ele, que sua estratégia é inversa: investigar os empecilhos e as
mazelas que afetam a dignidade humana através do conceito de humilhação.

Bibliografia básica:

GRENBERG, Jeanine. Kant and the Ethics of Humility: A Story of Dependence, Corruption, and
Virtue. Cambridge: University Press. 2005
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Valerio Rohden. Edição Bilíngue. SP:
Martins Fontes. 2002.
________________ Metafísica dos Costumes. Tradução de Edson Bini. SP: Edipro, 2003.
MARGALIT, Avishai. The Decent Society. Translated by Naomi Goldblum. Massachusetts: Harvard
University Press,1996.
MILLER, Willian. Humiliation and Other Essays on Honor, Social Discomfort, and Violence. London:
Cornell University Press, 1993.

O conceito de Schuld em Walter Benjamin


Douglas Weege

Resumo:

Cada vez mais se tem descoberto Walter Benjamin como um importante pensador capaz de criticar de
maneira singular o mundo moderno e sua ideologia de um progresso linear. Também é crescente a
aceitação de que sua crítica à modernidade é também eficiente em relação ao mundo contemporâneo.
Inúmeros são os elementos conceituais tanto de autores conhecidos quanto de não tão conhecidos que
acompanharam seu pensamento. Entre tais elementos aparece o conceito nietzschiano de Schuld. No
sexto volume de Gesammelte Schriften, organizado por Rolf Tiedemann e Hermann Schweppenhäuser
em 1985, apareceu o fragmento de Benjamin intitulado O capitalismo como religião, escrito
provavelmente no final de 1921 e que, pode-se dizer já, não estava nem perto de ser destinado à
publicação. No fragmento, Benjamin se opõe a famosa tese de Max Weber, para quem o capitalismo,
segundo sua própria interpretação, é uma formação condicionada pela religião. Para Benjamin, mais do
que isso, o capitalismo é um fenômeno essencialmente religioso, em que três características já são
explícitas em seu tempo. O capitalismo, em primeiro lugar, é uma religião cultual, isto é, uma prática
cotidiana e um modo de vida voltado totalmente para o dinheiro, que é para Benjamin, segundo as
palavras de Simmel, o Deus da época moderna. Em segundo lugar, essa liturgia capitalista diária se
caracteriza por ser uma celebração ininterrupta, que não conhece pausa, hora específica ou dia certo.
Neste sentido, conforme a expressão benjaminiana, trata-se de um culto “sem trégua nem piedade”. Em
último lugar, o conceito nietzschiano de Schuld se apresenta como elemento constituinte da crítica a
ideologia de um progresso linear na filosofia de Walter Benjamin, pois distintamente de outras
religiões, o capitalismo não oferece expiação e redenção, mas apenas Schuld. Benjamin mesmo sugere
atenção com a ambiguidade do termo alemão Schuld, que pode significar culpa ou dívida, lembrando,
com isso, o que Nietzsche havia explorado em 1887 com a publicação de Genealogia da moral. Duas
constatações nietzschianas parecem ser fundamentais para Benjamin: primeiro, a ideia de que o
conceito moral de culpa teve origem no conceito material de dívida, evidenciando que o conceito de
dívida precede o sentimento de culpa; segundo, que a ideia de castigo ou reparação surgiu muito
remotamente a partir da relação entre credor e devedor, mostrando que o culpado deve ser penalizado
de forma equivalente ao prejuízo que acarretou. Neste sentido, o termo alemão para culpa/dívida
consegue abarcar em si toda a complexidade semântica que se evidencia na religião capitalista. A
caracterização benjaminiana, ao assimilar a noção nietzschiana de Schuld para se referir ao capitalismo
como religião, encontra hoje nomes expoentes que, de algum modo, continuam a investigação de
Benjamin. Para o filósofo italiano Maurizio Lazzarato, por exemplo, o capitalismo é uma “economia do
débito”, ao escrever A fábrica do homem endividado em 2012 sugere que a atual crise econômica pode
ser explicada nos termos da culpabilização, ou seja, a culpa/dívida é, pode-se dizer, o motor da história
do capitalismo. O sucesso do capitalismo, deste modo, reflete o endividamento, o débito e a culpa de
seus seguidores, o que indica, segundo o fragmento de Benjamin, a inexistência de redenção na religião
do capital.

Bibliografia básica:

BENJAMIN, W. Opere Complete. Torino: Einaudi, v. I, 2008.


BENJAMIN, W. O capitalismo como religião. Tradução de Nélio Schneider e Renato Ribeiro Pompeu.
1a ed. São Paulo: Boitempo, 2013.
BENJAMIN, W. Escritos sobre Mito e Linguagem. Tradução de Ernani Chaves e Susana Kampf Lages.
1a ed. São Paulo: Editora 34 e Duas Cidades, 2011.
LAZZARATO, M. La fabbrica dell'uomo indebitato. Roma: DeriveApprodi, 2012.
NIETZSCHE, F. W. Genealogia da Moral: uma polêmica. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
STIMILLI, E. Il debito delvivente. Ascesi e capitalismo. Macerata: Quodlibet, 2011.

A crítica de John Rawls à meritocracia


Eduardo de Borba

Resumo:

Em 1954, o sociólogo inglês Michael Young publicou na Inglaterra o livro The Rise of Meritocracy,
uma distopia que narrava a formação, no ano de 2033, de uma sociedade estritamente meritocrática
(que, como resultado, tornara-se um próprio avatar da implementação da doutrina que concebemos
como “darwinismo social”). No livro, a máxima meritocrática é assim expressa: “inteligência + esforço
= mérito”. Até hoje, essa de meritocracia tem um forte apelo junto ao senso comum. Mas pode o senso
comum informar uma teoria de justiça social?
Contra esta noção inicial, faremos uma crítica da meritocracia a partir de um referencial rawlsiano.
Portanto, tome-se a definição de sociedade justa dele: Dizemos que as práticas e instituições de uma
sociedade são justas “quando não se fazem distinções arbitrárias entre pessoas na atribuição dos
direitos e dos deveres fundamentais, e quando as leis definem um equilíbrio apropriado entre as
reinvindicações das vantagens da vida social que sejam conflitantes entre si.” (RAWLS, 2008, p. 6)
Mas quais seriam os critérios que definiriam as distinções arbitrárias e equilíbrio apropriado?
Adotamos a divisão de Nagel (1995) em fatores raciais e de gênero (desigualdades discriminatórias), de
origem familiar e posição social (desigualdade de classe), de talentos natos (desigualdade de talentos) e
de esforço, dedicação e empenho individual (desigualdades de esforço). Cabe então, às diferentes
concepções de justiça presentes na sociedade, defenderem seus pontos tendo em vista suas
consequências, e considerando que uma concepção é preferível à outra “quando suas consequências
mais amplas são mais desejáveis.” (RAWLS, 2008. p. 8)
Numa configuração social meritocrática, uma sociedade justa é aquela que distribui, principalmente
renda e riqueza, segundo os méritos individuais de cada membro da cooperação social. Disto, pode-se
extrair duas implicações: a) uma noção de liberdade voluntarista (liberdade individual de escolha) e b)
uma noção de responsabilidade, onde sucessos e fracassos individuais são de responsabilidade restrita
do próprio indivíduo.
Vejamos então, primeiramente, como Rawls dá conta destas duas implicações que se apresentam.
Uma noção de liberdade voluntarista (a), ao menos como expressa na ideia meritocrática, pretende
expressar um caráter de liberdade real, que não se vê constrangida apenas a sua formalidade. Ora,
Rawls afirma que:
“(...) nenhuma sociedade pode ser um sistema de cooperação no qual se ingressa voluntariamente, no
sentido literal; cada pessoa se encontra, ao nascer, em determinada situação em alguma sociedade
específica, e a natureza dessa situação em alguma sociedade específica, e a natureza dessa situação
repercute de maneira substancial em suas perspectivas de vida.” (RAWLS, 2008, p.16)
Portanto, nos parece claro que, não havendo um ingresso voluntário na sociedade, e este ingresso sendo
fruto de determinada situação em alguma sociedade específica, a ideia de arbítrio do indivíduo sobre
sua própria vida, nos termos de que não exista nada que se interponha entre seu objeto de desejo (seja
ele material ou imaterial) e suas condições próprias para alcança-lo, não se mostra verdadeira. Entende-
se que, mais do que uma ideia de liberdade individual que seria própria da meritocracia, existe uma
ideia de liberação individual, isto é, o indivíduo como um ente que não participa da sociedade nos
termos da cooperação social recíproca, mas, ao contrário, que vê na sociedade uma espécie de “meio
necessário” (no sentido de instância, de uma situação que se apresenta entre uma causa e efeito) para a
realização de seus objetivos. Entretanto, como afirmado, ao ver a sociedade como “meio necessário”,
este indivíduo numa sociedade meritocrática não consegue enxergar justamente como esse meio
“repercute de maneira substancial em suas perspectivas de vida.
Mais: Sendo inverídica essa “auto-suficiência” individual, às implicações para a questão sobre a
responsabilidade e, portanto, da noção de merecimento também são então, impossibilitadas. Isso
porque para Rawls (2008, p. 386), um sistema justo determina os direitos e satisfaz as expectativas
justas em face do acordado nas relações sociais. Entretanto, aquilo que elas têm direito não é
proporcional ao seu valor intrínseco, e portanto, não pode estar condicionado ao mérito do indivíduo.
Não se poderia, então, reivindicar um merecimento moral enquanto critério de distribuição na
sociedade, sendo plausíveis apenas às expectativas legítimas que surgem a partir do contrato social
expresso por meio de alguma concepção de justiça específica.

Bibliografia básica:

RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
NAGEL, T. Equality and Partiality. Oxford: Oxford University Press, 1991.
YOUNG, M. The Rise of the Meritocracy - 1870-2033: An essay on education and society. London:
Thames and Hudson, 1958
VITA, A. A justiça igualitária e seus críticos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2ª ed., 2007

Ciência, axiomatização e o problema do estatuto da lógica nos "Prolegômenos à lógica pura" de


Edmund Husserl
Luís Felipe Netto Lauer
Em meu trabalho, utilizo o conceito de ``modelo clássico de ciência´´ (MCC), desenvolvido por Willem
de Jong e Arianna Betti (2010), para determinar qual o estatuto da lógica nos ``Prolegômenos à lógica
pura´´ (1900), de Edmund Husserl. Nos termos do MCC, é ciência todo e qualquer sistema S de
proposições e conceitos que satisfaz um núcleo mínimo de condições determinadas, como, exempli
gratia, a necessidade de S referir a um conjunto específico de objetos (denominado postulado do
domínio), ou a de possuir conceitos e proposições fundamentais a partir dos quais todos os demais
conceitos e proposições são derivados (correspondendo a um só tempo aos postulados dos princípios,
da ordem e da composição). Segue-se que o MCC não somente permite, mas exige que todas as
proposições não-fundamentais derivadas de S sejam provadas a partir de suas proposições (e
definições) fundamentais (configurando o chamado postulado da prova). Assim, temos que o MCC
codifica um ideal de conhecimento científico como cognitio ex principiis, em que uma ciência em
sentido próprio deve estruturar-se em termos de um sistema estritamente axiomatizado de proposições
(ordenadas por relações de fundamentação e dedutibilidade), permitindo codificar e sistematizar as
disciplinas dedutivas tanto nas ciências reais como nas lógico-matemáticas. No MCC, toda disciplina
que atinja certo grau de rigor em sua elaboração tende a assumir a forma axiomática como modo de
organização final. Porém, há dois níveis possíveis de axiomatização: um primário e outro secundário.
No nível secundário, realizamos a sistematização de uma disciplina A por meio da escolha de
determinadas noções ou termos de A aceitos sem definição, que cumprirão o papel de elementos
primitivos da teoria. A seguir, escolhemos certas proposições de A em que aquelas noções são
relacionadas, proposições estas que serão aceitas sem demonstração. Sobre elas, edificamos nossa
teoria. Noções ``auxiliares´´, advindas de outras ciências, podem ser introduzidas caso sejam
necessárias à sistematização e fundamentação de A. O que obtemos como resultado desse processo é
denominado de axiomática material de A. A reduz-se, então, ao conjunto das consequências que,
através das leis da lógica, podem ser derivadas das proposições primitivas aceitas. A axiomatização
primária, por seu turno, supõe uma única ciência de base: a ``lógica subjacente´´. Ela corresponde à
axiomatização da própria lógica, no sentido de fundá-la ou caracterizá-la, independentemente de outras
disciplinas. No capítulo final dos ``Prolegômenos´´, Husserl demonstra preocupação com essa
diferença: confundir os níveis de axiomatização pode gerar resultados indesejados, pois, no caso da
axiomatização secundária, as leis da lógica desempenham um papel auxiliar, ainda que determinante na
estrutura dedutiva das teorias em apreço. Em contrapartida, na axiomatização primária são aquelas leis
e as consequências delas extraídas que estão em jogo. Assim, temos que, para Husserl, a lógica segue
os princípios do MCC, sendo, portanto, ciência em sentido próprio, axiomático. Isso é demonstrado
primeiramente por meio da análise de seu conceito de justificação, tal como nos é apresentado no texto
dos ``Prolegômenos´´ e nos manuscritos do curso intitulado ``Introdução à lógica e à teoria do
conhecimento´´, ministrado no semestre de inverno de 1906-1907. Tal conceito aponta para a ideia de
lógica como uma disciplina puramente teorética, responsável pela unidade sistemática da totalidade das
verdades de qualquer teoria. Para utilizar uma expressão do autor, a lógica é teoria da ciência
(Wissenschaftslehre).

Bibliografia básica:

BACHELARD, Suzanne. ``A study of Husserl´s `Formal and transcendental logic´. Evanston:
Northwestern University Press, 1968.
DE JONG, Willem; BETTI, Arianna. The classical model of science: a millennia-old model of
scientific rationality. ``Synthese´´, n. 174, 2010. p. 185-203.
HILL, Claire Ortiz; DA SILVA, Jairo José. ``The road not taken´´: on Husserl´s philosophy of logic and
mathematics. Milton Keynes: College Publications, 2013.
HUSSERL, Edmund. ``Prolegômenos à lógica pura´´. Tradução de Diogo Ferrer. Lisboa:
Phainomenon, 2005.
______. ``Introduction to logic and theory of knowledge´´ (lectures 1906-1907). Translated by Claire
Ortiz Hill. Netherlands: Springer, 2008.

Política mundial entre utopia e distopia: a saída habermasiana


José Ivan Rodrigues de Sousa Filho

Resumo:

A política mundial, por um lado, adquiriu uma dimensão fática poderosíssima: decisões universalmente
vinculantes, tomadas para além das cercas nacionais de decisão coletiva, são cada vez mais abundantes
e agudas, capturando os destinos das pessoas dentro de uma nova gaiola de ferro. Os direitos básicos
que as pessoas portariam, suas condições de trabalho, o ambiente natural em que sobrevivem e de que
podem desfrutar, as exigências financeiras que pesam sobre seus governos estatais, suas interações
virtuais, a configuração dos esportes que as entretêm e que são por elas praticados, as realizações
culturais que lhes são acessíveis e que podem criar, as aquisições acadêmicas que podem cogitar são
cada vez mais embaraçados pelos tentáculos da política mundial – cada vez mais a vida das pessoas é
invisivelmente disciplinada por regulações internacionais cuja elaboração está fora do alcance concreto
da autodeterminação dos impactados por elas, os cidadãos mundiais.
Por um lado, portanto, a política mundial parece aprofundar exasperadoramente a distopia sociológica
de Max Weber: a sociedade moderna não é apenas refém do aparelhamento burocrático do estado
nacional, mas também agrilhoada por tratados forjados por cúpulas governamentais em sintonia com
elites empresariais, por compromissos de metas negociadas sob ameaças e manipulações, por
regulamentos impostos por associações mundialmente influentes, por contratos de adesão fornecidos
por corporações mundialmente operantes, por decisões estratégicas de jogadores financeiros sagazes. A
perda de autonomia resultante da armação da nova gaiola de ferro, que Ulrich Beck cunhou como
“subpolítica mundial”, é medonha.
Entretanto, a política mundial também tem uma face utópica, voltada para o reconhecimento e a
implementação de direitos humanos, para a democratização das arenas públicas, para a tolerância, para
a distribuição justa das vantagens da cooperação econômica mundial, para a paz universal e a
eliminação da instrumentalização bélica das pessoas, para a preservação das condições naturais de
existência, para a abolição das instrumentalizações arbitrárias dos animais não humanos.
Por outro lado, portanto, a política mundial parece conter potenciais emancipatórios que apontam para
uma autonomia cosmopolita de cada pessoa, talvez para um “reino dos fins” kantiano no qual todas as
pessoas seguem leis universais das quais elas mesmas são as autoras e cujo conteúdo não degenera a
humanidade em mero meio para a obtenção de fins unilaterais e rejeitáveis no fórum incontornável de
todos os implicados, sequer reduz o universo circundante à dominação calculista, guiada apenas por
finalidades centradas em ego e cegas para alter.
Há, por conseguinte, uma cisão normativa na política mundial tal como ela se apresenta hoje: uma
cisão entre distopia e utopia, entre a imagem desoladora de um mundo completamente administrado e a
imagem esperançosa de um mundo inteiro regulado pela soberania popular. Enquanto o lado distópico
dessa cisão é representado por teses empíricas de uma política pós-democrática e capitaneado pelo
positivismo sociológico do funcionalismo sistêmico, o lado utópico da cisão é cada vez mais
deflacionado: do reino dos fins e da paz perpétua de Immanuel Kant, esse lado derivou para o direito
dos povos de John Rawls, ou seja, derivou da imagem quase-mítica de um mundo plenamente
purificado das coisificações produzidas pela prudência egoísta e pela truculência bélica para a imagem
realista de uma sociedade de povos ordenada por princípios políticos modestos, pouco demandantes e,
dessa forma, capazes de serem endossados não só por povos liberais, mas também por povos não
liberais (não incorporadores dos princípios basilares de iguais liberdades, iguais oportunidades sociais e
partilha equânime dos resultados vantajosos da cooperação social), mas “decentes” (não antagônicos ao
direito dos povos).
Na encruzilhada entre utopia e distopia, Jürgen Habermas posiciona-se do lado utópico, fazendo, em
primeiro lugar, uma mediação entre Kant e Rawls e, em segundo lugar, uma mediação entre filosofia
idealista e sociologia desiludida. Pretendo esclarecer como Habermas está aquém de Kant e além de
Rawls, distinguindo entre os três cosmopolitismos deles tão detalhadamente quanto possível, e como
Habermas confere concreção social a seu cosmopolitismo utópico. Em última instância, pretendo
atingir o objetivo de esclarecer por que a teoria crítica das relações internacionais de Habermas é,
conforme avalio, um cosmopolitismo superior aos de Kant e Rawls no sentido de dar conta de
irreprimíveis exigências emancipatórias mais e melhor do que Kant e Rawls.

Bibliografia básica:

BECK, Ulrich. Die Subpolitik der Globalisierung: die neue Macht der multinationalen Unternehmen.
Gewerkschaftliche Monatshefte, Jg. 47, H. 11-12, 1996, S. 673-680.
HABERMAS, Jürgen. Zur Verfassung Europas: ein Essay. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2011.
KANT, Immanuel. Zum ewigen Frieden: ein philosophischer Entwurf. In: __________. Werkausgabe.
B. XI: Schriften zur Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik 1. 10. Aufl.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.
RAWLS, John. The law of peoples. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
TEUBNER, Gunther. Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie.
Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, B. 63, S. 1-28.

A representação como soberania popular na filosofia política de Kant


Edegar Fronza Junior

Resumo:

Os princípios representativos fundamentam a legitimidade dos regimes, a formação da autoridade, os


arranjos institucionais e as formas de vinculação entre os cidadãos e o poder nas democracias
contemporâneas. A representação política, sua configuração e alargamento, tornou-se tema emergente
do debate democrático não apenas em âmbito acadêmico, mas expandiu-se para a filosofia política bem
como para os meios políticos de grande parte dos países democráticos. Isso se deve a uma série de
fatores, dos quais elencamos três principais. O primeiro fator a ser considerado é a insuficiência das
eleições como expressão da soberania popular, de responsividade e representatividade dos governantes.
Um segundo fator é o peso da ordem econômica sobre a esfera política e a corrupção no financiamento
de campanhas e interesses externos pessoais em relação a tomadas de decisão no nível político que
atingem diretamente tais interessados. Um terceiro aspecto a ser avaliado é a desproporcionalidade na
tradução dos votos em cadeiras além do declínio acentuado do comparecimento às urnas. Em grande
parte das democracias os partidos parecem não conseguir representar opiniões, interesses e valores que
surgiram na sociedade hodierna frente ao processo de profundas transformações no mundo do trabalho
e no plano da cultura (PRZEWORSKI; STOKES E MANIN, 1999). Diante de tais limitações, emergem
propostas de reformas políticas que procuram corrigir os problemas eleitorais e partidários e tornar os
governantes representativos. De outro lado, os que descrêem da representação política e das reformas
dos sistemas institucionais, defendem novas formas de participação para além das eleições dos
partidos. Os princípios centrais do governo representativo foram estabelecidos no século XVIII com o
propósito de refrear a democracia e construir um governo limitado e responsável. A representação é
uma forma de governo original que não é idêntica à democracia eleitoral, possuindo diferentes
acepções conforme os autores e suas teorias. Na esteira da reflexão da representação enquanto
soberania do povo encontramos Kant. Segundo ele, o povo deve exercer seu poder legislativo não de
modo direto, mas através dos seus representantes. Kant, em diferentes momentos, trata do conceito de
representação em sua filosofia política e também em seus escritos jurídicos, no entanto, não há clareza
no modo como essa representação funciona e pode ser exercida. A partir disso surgem alguns
questionamentos: 1. O que a representação política significa para Kant? 2. O que e quem é representado
em sua teoria política? 3. Como ela pode funcionar ser aplicada? A revisão do debate sobre a
representação política justifica-se por várias razões, dentre elas: a) A insuficiência da compreensão
dessa categoria; b) A necessidade de uma reflexão mais aprofundada acerca da representação popular
não apenas como participação através do voto; c) A aplicação prática de uma teoria política capaz de
responder às necessidades da sociedade hodierna. A presente pesquisa tem como objetivo principal
analisar e discutir o conceito de representação como soberania popular na filosofia política de Kant. O
filósofo de Könisberg rejeita qualquer paternalismo estatal bem como a redução da autonomia do
indivíduo ao seu próprio interesse e sua felicidade. O projeto republicano de Kant passa por uma
reformulação no conceito de representação que está no entremeio do contratualismo hobbesiano e do
republicanismo rousseauniano. Kant, através de sua filosofia política, afirma que a soberania reside no
povo e somente nele, sendo os demais, seus delegados representantes. A teoria política de Kant,
analisada e discutida a partir do conceito de representação possibilita entender seu projeto cosmopolita
universal bem como conhecer seus argumentos na defesa de uma filosofia política prática para os
tempos hodiernos. Resgatando elementos da teoria política do filósofo alemão, Nadia Urbinati propõe a
aplicação prática da representatividade popular através da democracia representativa em contraposição
à democracia eleitoral.

Bibliografia básica:

ALMEIDA SOUZA, Monique Kaanade de. O perfil do soberano em Thomas Hobbes. In: Filogenese.
Marília: UNESP, vol. 6, n. 2, 2013.
ARENDT, Hannah. Lectures on Kant’s Political Philosophy. R. Beiner. Chicago: Chicago University
Press, 1982.
BARTELSON, J. A. Geneaology of Sovereignty. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Brasí¬lia: UNB, 1997.
CUNHA, Eleonora Schettini. Aprofundando a Democracia: O Potencial dos Conselhos de Políticas e
Orçamentos Participativos. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Departamento de Ciência
Política, Universidade Federal de Minas Gerais, 2004.
ELLIS, Elisabeth. Kant’s Politics Provisional. Theory for an Uncertain World. New Haven: Yale
University Press, 2005.
GONELLI, Filippo. La filosofia politica di Kant. Roma/Bari: Laterza, 1996.
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Série Os Pensadores)
KNIPPENBERG, J. M. The politics of Kant’s philosophy. In: R. Beiner; W. J. Booth (eds.). Kant and
political philosophy: the contemporary legacy. New Haven: Yale University Press, 1993.
LOUREIRO, Maria Rita. Interpretações contemporâneas da representação. In: Revista Brasileira de
Ciência Política. Brasília, n.1, jan-jul 2009.
MANIN, Bernard. The Principles of Representative Government. Cambridge: Cambridge University
Press, 1997.
_______. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1995,
nº. 29.
MAUS, Ingeborg. Zur Afklarüng der Demokratietheorie. Rechts-und Demokratietheorie tische
Überlegungen im Auschluss an Kant. Suhrkamp Verlag, 1992.
MIGUEL, Luis Felipe. Representação Política em 3-D: Elementos para uma Teoria ampliada da
Representação Política. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 18, n. 51, fev. 2003.
MONETI, Maria C; PINZANI, Alessandro. Diritto, politica e moralità in Kant. Milano: Bruno
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PERES, Daniel Tourinho. Kant: Metafísica e política. Salvador: EDUFBA, 2004.
PINZANI, Alessandro. L´animale che ha bisogno di um padrone. In: Que é o homem? Centro de
Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010.
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PITKIN Hanna Fenichel. The Concept of Representation. Berkeley: University of California Press,
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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaio sobre a origem das línguas; discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; discurso sobre as ciências e as artes. São
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SARTORI, Giovanni. A teoria democrática revisitada. São Paulo: Ática, 1987.
TERRA, Ricardo. Política tensa. São Paulo: Iluminuras, 1995.
Kant Revolucionário? In: BORGES, M; HECK, J. (orgs.). Kant: natureza e liberdade. Florianópolis:
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KANT, Immanuel. O conflito das faculdades. Lisboa: Edições 70, 1993 (= CF).
_______. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2002 (= PP).
_______. A metafísica dos costumes. Bauru (SP): Edipro, 2003. (= MC)
_______. Crítica da razão prática. Lisboa: Edições 70, 1994. (=CRP)
_______. Crítica da razão pura. Petrópolis: Vozes, 2012. (=CRPR)
_______. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
_______. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. São Paulo: Iluminuras, 2006.
_______. Princípios metafísicos da Doutrina do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
URBINATI, Nadia. O que torna a representação democrática. São Paulo: Lua Nova, 2006.
_______. Representative democracy, principles & genealogy. Chicago: The University Chicago Press,
2006 b.
_______; WARREN, Mark. The Concept of Representation in Contemporary Democratic Theory. In:
Annual Review of Political Science, v. 11, sep. 2008.
YOVEL, Y. Kant and the philosophy of history. Princeton: Princeton University Press, 1980.

Contextualismo Epistemólogico, apresentação e desafios da pesquisa


Jeane Vanessa Santos Silva

Resumo:

O contextualismo Epistemológico é uma teoria da justificação que afirma que as condições de verdade
de sentenças de atribuição de conhecimento da forma 'S sabe que p' são sensíveis ao contexto em que
são proferidas. Isto ocorreria porque a relação entre os padrões epistêmicos e a força da posição
epistêmica do sujeito sofreria alguma alteração diante de uma mudança contextual. Como consequência
da suposta contexto-sensibilidade das condições de verdade, os defensores do contextualismo afirmam
duas teses: a) Sentenças de atribuição de conhecimento são sensíveis ao contexto de proferimento e b)
A contexto sensibilidade de sentenças de atribuição do conhecimento ajudaria a explicar o apelo do
argumento cético.
Para a defesa da primeira tese os contextualistas alegam que o termo ‘sabe’ e seus cognatos se
comportam de modo análogo a outros termos indiscutivelmente sensíveis ao contexto como expressões
indexicais (eu, aqui, hoje, etc.) e adjetivos graduáveis (alto, baixo, plano, careca, etc.), o que sugere que
a teoria tem algum fundamento linguístico. Para defender que a contexto-sensibilidade de sentenças de
atribuição de conhecimento ajudam a explicar o apelo dos ataques céticos, contextualistas afirmam que
hipóteses céticas são tão apelativas porque os falantes envolvidos na conversação não estão conscientes
da mudança de significado que acompanha a mudança de contexto, assim, quando o cético afirma que
‘S não sabe que p’ ele não está contradizendo um atribuidor que afirma que ‘S sabe que p’, relativo ao
mesmo sujeito e à mesma proposição, desde que os proferimentos sejam feitos em contextos distintos.
Em objeção à primeira tese, opositores do Contextualismo Epistemológico vem apresentando
argumentos que questionam a validade de uma base linguística como fundamento para a sensibilidade
contextual do termo ‘sabe’. A base linguística dos termos que os contextualistas alegam compartilhar
da mesma contexto-sensibilidade que ‘sabe’ e seus cognatos é então analisada, e maioria dos opositores
concluem que tal analogia não procede, assim, ‘sabe’ não seria indexical ou graduável.
Em oposição à tese de que a contexto-sensibilidade de atribuições de conhecimento ajudaria a explicar
o apelo do argumento cético, alega-se que afirmar que os falantes das conversações não estão
conscientes da mudança de significado decorrente da mudança de contexto, e que deste modo não são
capazes de perceber que o cético manipulou o contexto tornando os padrões epistêmicos mais difíceis
de satisfazer; que os falantes não são capazes de perceber que a negação de conhecimento do cético não
contradiz a atribuição de conhecimento do atribuidor, compromete o Contextualismo com uma
indesejável teoria do erro.
O objetivo deste trabalho é apresentar o Contextualismo de maneira panorâmica mostrando sua
motivação inicial e como suas propostas se desenvolveram ao longo do debate Epistemológico, bem
como os principais desafios que envolvem a pesquisa sobre o Contextualismo dentro do campo da
Filosofia Analítica.

Bibliografia básica:

COHEN, S. Knowledge and Context. The Journal of Philosophy, Vol. 83, No. 10, Eighty-Third Annual
Meeting AmericanPhilosophical Association, Eastern Division (1986), p. 574-583.
DeROSE, K. 'Contextualism and Knowledge Attributions', Philosophy and Phenomenological
Research, (1992): 913-29.
LEWIS, D. 'Elusive knowledge',Australasian Journal of Philosophy,74:4, (1996) 549 - 567.
LUDLOW, P. Contextualism and the New Linguistic Turn in Epistemology. in: In:Contextualism in
Philosophy Knowledge, Meaning, and Truth Edited by Gerhard Preyer and Georg Peter. Clarendon
Press Oxford, 2005, p. 11-50.
STANLEY, J. Knowledge and Practical Interests. Ed. by Peter Ludlow and Scott Sturgeon. Clarendon
Press Oxford, 2005.

História da Apropriação Estética da Arte Segundo Heidegger


Anderson Kaue Plebani

Resumo:
A comunicação pretende, por um lado, expor o que determina formalmente, segundo Heidegger, uma
investigação estética e como este tipo de estudo apropriou-se da arte em suas tematizações ao longo da
história do Ocidente. Por outro lado, tratando-se portanto de um procedimento de desconstrução, tal
tarefa sempre caminha junto a uma tentativa de descobrir o fenômeno acusado como encoberto pela
tradição, ao passo que a comunicação empenha-se a indicar o fenômeno próprio ao qual uma
investigação não estética da arte deve se dedicar. O objetivo da comunicação é, portanto, expor a
distinção entre o objeto da disciplina da estética e o objeto tido como próprio à uma investigação
filosófica da arte.
Divido a comunicação em quatro etapas: primeiro, (1) a enunciação da definição formal da disciplina
estética; depois, (2) a elaboração da concepção heideggeriana de história; feito isto, são enumeradas (3)
as transformações fundamentais na história do ser que repercutem no desenrolar da estética; por fim,
(4) considerações acerca do objeto não abarcado pela estética, o objeto propriamente artístico.
Primeiramente, há de se traçar as características específicas de uma investigação estética. Como
disciplina, a estética surge na metade do século XVIII. O primeiro curso ministrado ocorre em 1742, às
conduções de Baumgarten. Contudo, a reflexão acerca do objeto desta disciplina, a saber, o estado do
homem quando em relação com o belo, já acontece em tempos mais remotos. Constata-se discussões
acerca deste assunto desde os antigos gregos. A formulação de estética utilizada por Heidegger não
restringe-se portanto apenas à disciplina que surge nos tempos modernos, mas também abarca as
investigações dos antigos. Em A Coisa e a Obra, primeira parte de A Origem da Obra de Arte, há
indicações de porque a estética restringe a investigação da obra de arte, contudo, apesar das duras
asserções ali presentes, não há uma formulação positiva acerca da disciplina da estética. Por outro lado,
durante a mesma década em que Heidegger escreve e profere a obra acima mencionada, o filósofo da
Floresta Negra também leciona uma série de cursos acerca do pensamento de Nietzsche. Num destes
cursos, em particular, ministrado no inverno de 1936, posteriormente publicado sob o título A Vontade
de Poder como Arte, Heidegger fornece uma determinação formal positiva sobre a investigação
estética.
Dado que compreende parte fundamental para o alcance do objetivo da comunicação apresentar a
história da estética e o modo como este tipo de investigação mantém incorporada em si uma
formulação imprópria da arte por todo seu desenvolver-se, é de extremo valor que seja elaborada a
concepção heideggeriana de história. Já nos dois capítulos finais de sua obra icônica, Ser e Tempo,
Heidegger fornece indicações de o que compreende por história. É, todavia, apenas a partir da década
de trinta que passará a atribuir um peso determinante para o que chama de "acontecimento originário",
Ereignis, acontecimento este que perfaz épocas da história do Ocidente. Tais acontecimentos resultam
numa transformação total que repercute de modo decisivo em toda atividade humana, inclusive nas
investigações estéticas.
Preparado o terreno metódico e conceitual da análise histórica, é possível partir para a penúltima etapa
da comunicação: expor as transformações fundamentais na história do ser e sua repercursão na história
da estética. Para isto, utiliza-se novamente o curso de 1936 sobre Nietzsche. Em tais preleções, uma
história da estética é pronunciada a título de preparação para um confronto entre a contemporaneidade
e o pensar de Nietzsche. Neste trecho, fatores fundamentais desta história são nomeados. A história da
estética inicia-se com os gregos e consuma-se em Nietzsche. O projeto visa expor, nesta terceira etapa,
os momentos articuladores deste processo de consumação da investigação estética.
Na quarta e derradeira etapa da comunicação, quando já se encontra manifesta a história da estética e o
papel da "arte" dentro desta disciplina, será indicado como a arte pode ser pensada quando não
confinada ao modo estético, segundo Heidegger. As duas partes finais de A Origem da Obra de Arte
servirão a este propósito. Também torna-se pertinente aqui uma exposição rápida da relação que
Heidegger tem com o poeta Hölderlin, uma vez que este é tido como um poeta ainda a ser descoberto e
que seguramente está fora da tradição estética apontada por Heidegger. Assim como uma indicação das
razões de porque os pensadores originários também gozam do estatuto de poetas para Heidegger

Bibliografia básica:

HEIDEGGER, Martin. Nietzsche : Der Wille zu Macht als Kunst. Frankfurt am Main: V. Klostermann,
1985. (tradução pt-br: A Vontade de Poder como Arte. In: Nietzsche: Vol I. Tradução de Marco Antônio
Casanova. Forense Universitária, 2007)
HEIDEGGER, Martin. Der Ursprung des Kunstwerkes. In: Holzwege. Frankfurt am Main: V.
Klostermann, 2003. (tradução pt-br: A Origem da Obra de Arte. Tradução de Idalina Azevedo e Manuel
de Castro J. São Paulo: Edições 70, 2010)
HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Frankfurt am Main: V. Klostermann, 1977. (tradução pt-br: Ser e
Tempo. Tradução de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2012)

A inclusão dos animais como destinatários de direitos. Uma análise a partir da teoria
juspositivista de Hart
Maria Alice da Silva

Resumo:

O objetivo principal deste trabalho é entender como surgem os direitos dentro de uma teoria
juspositivista. A teoria de Hart é o pontapé inicial para a análise do lugar que os animais ocupariam
caso o sistema normativo não privilegiasse diretamente aqueles que escolhem seus princípios. Hart
sustenta que do conteúdo mínimo do Direito natural surgem alguns elementos básicos de qualquer
sistema normativo: Imparcialidade, liberdade e proteção dos vulneráveis são alguns deles. Destes
valores surge direitos, um dispositivo oferecido ao sistema e que advém das verdades sobre a natureza
humana. Para derivar tal conteúdo, basta observar características naturais, como por exemplo,
vulnerabilidade e recursos limitados. Todavia, acreditamos que a tradição deixou de considerar que tais
características não são humanas, mas definidora de todos os animais. Assim, o comprometimento em
fazer jus a tais características, sobretudo de proteção de vulnerabilidade fundamenta também a
titularidade de direitos dos animais e não só de direitos humanos.
Existem valores intrínsecos, em algum grau, contidos em todas as morais sociais, tal como a liberdade
individual, segurança de vida e proteção contra os prejuízos e vulneráveis. MacCormick afirma que os
valores inerentes podem ser anexados à teoria de Hart do conteúdo mínimo do Direito Natural: “Essa
teoria insiste em que há elementos básicos primários no Direito, compartilhados também com todos os
modos da moral positiva, cuja observância comum é essencial à sobrevivência dos seres humanos nas
comunidades sociais” (MacCORMICK, 2010, p. 204). A teoria dos valores intrínseco de Hart está
conectada com as evidências sobre as características da natureza “humana”. Como demonstramos estas
características apresentadas para originar o conteúdo são iguais aos animais, e esta argumentação serve
para fundamentar direitos animais e não só humanos, por isso, preferimos denominar: conteúdo de
verdades sobre a natureza animal.
Em suma o conteúdo mínimo serve para explicar a funcionalidade dos direitos e também para
compreendemos o porquê das pessoas desejarem seguir as regras: pois há benefícios. O sistema precisa
ser garantidor. Este é o ponto onde surgem direitos. As características de vulnerabilidade, força limitada
e outras colocam os indivíduos numa situação igualmente insegura a todos, e o sistema garante
proteção e cooperação. Por isso ao longo do texto ressaltamos a relação com a teoria contratualista, e a
importância do ponto de vista interno anexado a explicação do conteúdo mínimo. Tal garantia de
proteção que advém da liberdade dos indivíduos é o que origina os direitos e os sujeitos a quem o
sistema protege.
Assim, entendemos que parte fundamental para entender a teoria dos direitos em Hart e também em
seu conceito direito dependem da compreensão do conteúdo mínimo com o desenrolar dos mecanismos
do sistema e dos valores que este pressupõe. E insistimos no fato de que as características utilizadas
pela tradição ao explicar a origem dos direitos de proteção, liberdade, vulnerabilidade, recursos
limitados não são exclusivas da espécie humana, de tal forma, abrindo espaço para que a mesma
argumentação seja usada na fundamentação dos direitos animais. Além das características básicas
naturais que originam o sistema normativo de direitos, os animais são seres que possuem liberdade
(possuem vida afetiva, cuidado com a prole, estratégias de vida para a sobrevivência, para a vivencia
social quando vivem coletivamente e outros), e este é o único direito natural, segundo Hart. Ao analisar
os pressupostos do direito natural que o juspositivista coloca na mesa, observamos que são
características animais e não só humanas. De tal modo, os animais podem ser destinatários direto de
justiça.

Bibliografia básica:

FULLER, L. Lon. Positivism and fidelity to law - a reply to professor Hart. Hein on-line: Mar./2012.
FELIPE, Sônia, Ética e Experimentação Animal: fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007.
GARDNER, John. Why law might emerge: Hart’s problematic fable. Legal Research Paper Series,
University of Oxford, n. 61, May 2013.
HART, Herbert L. A. Are there any natural rights? In: The Philosophical Review. Vol. 64, Nº 2, 1975.
p. 175-191.
HART, Herbert L. A. Direito, liberdade e moralidade. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto
Alegre, RS: Fabris, 1987.
HART, Herbert L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
HART, Herbert L. A. Essays on Bentham. Jurisprudence and political theory. Oxford: Clarendon Press,
1982.
HART, Herbert L. A. O conceito de direito (com um pós-escrito). São Paulo: Martins Fontes, 2009.
MacCORMICK, Donald Neil. H. L. A. Hart. Tradução de Claúdia Martins. Rio de Janeiro: Elsevier,
2010.

Ser e Aparência em Aristóteles


Cleiton Rodrigues Imamura

Resumo:
Aristóteles tomará para si o lema forjado por Demócrito e o postulado defendido por Eudoxo: “salvar
os fenômenos” (tithenai ta fainomena), dando-lhes (aos fenômenos) um estatuto de inteligibilidade por
si mesmo, procurando, assim, unir ser e aparência, os quais haviam sido separados por Parmênides e
Platão. Assim, os fenômenos tornam-se fontes de conhecimento e não mais, como para Parmênides e
Platão, barreiras para o mesmo, de modo que tivéssemos que nos afastar da via que nos conduz a eles
afim de fazermos ciência e buscarmos a verdade.
A polissemia do conceito ser é uma das teses fundadoras da filosofia de Aristóteles, de modo que o leva
a afastar-se inicialmente da pretensão platônica de uma ciência unificada do ser e da totalidade. A
verdade, pensada como estando necessariamente vinculada aos fenômenos, é o fim buscado pela
filosofia aristótelica. Como analisar bem os fenômenos? Como dizer de modo adequado os conceitos
pertencentes às diversas áreas do saber que se dedicam aos diversos gêneros do ser? Se tais conceitos
pertencem a categorias distintas e não unificáveis, então o melhor que se pode dizer sobre o ser é aquilo
que as ciências particulares dizem sobre os diversos gêneros de entidades que elas estudam. Essa
compreensão inicial da polissemia do conceito de ser leva-o tanto a uma crítica dos projetos
ontológicos de Parmênides e Platão quanto à crença apenas no que hoje chamaríamos de metafísicas
regionais.
O ser apresentado por Aristóteles nas primeiras linhas do Livro Gama da Metafísica é bem distinto da
concepção de ser apresentada pela Deusa no poema de Parmênides. A imagem lá, dadas as
características do ser, é a esfera, sem partes, um todo indivisível, sem nenhuma relação com o real, com
o fenômeno enquanto tal. E justamente por esta concepção radicalmente contra-intuitiva, segundo
Aristóteles, uma das características fundamentais, que será amplamente defendida pelos discípulos
eleatas é a tese da univocidade do ser.
Para Aristóteles, a Teoria platônicas das Formas é absurda, pois ela consiste em ao mesmo tempo
tomar os fenômenos como cópias das Formas e, ao mesmo tempo, como ontologicamente distintos
destas. A verdade está para além dos fenômenos em Platão. Os fenômenos por si mesmos não são
capazes de serem considerados como verdadeiros.
No Capítulo 9 do Livro Alfa da Metafísica, Aristóteles elenca 26 argumentos contra a Teoria das
Formas, para mostrar o caráter problemático da mesma. Deste modo, a oposição a Platão é evidente e é
confirmada pelos comentadores. Aristóteles, portanto, não se refugia nem numa via única, em que o ser
verdadeiro tem um único sentido, nem em um mundo das Formas, mas desenvolve uma teoria dos
vários sentidos do ser, afim de poder realizar uma análise mais adequada da realidade fenomênica que
nos é dada na experiência sensível.
Portanto, uma ciência geral do ser é possível e a equivocidade do conceito de ser não é um
impedimento, pois tão logo ao afirmar a ciência do ser enquanto ser, se afirma a multiplicidade de
sentidos do mesmo ser. Sem nenhum incômodo da parte de Aristóteles, pois ele encontrou na
significação focal, uma forma de lidar com os vários sentidos do ser.

Bibliografia básica:

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo, Loyola, 2002 (original em grego com tradução para o italiano
por Giovanni Reale e para o português por Marcelo Perine).
__________. Aristotelis opera, 2. vols. Immanuel Bekker (ed.). Berlim: De Gruyter, 1960/1831.
__________. Metaphysics, 2. vols. David Ross (ed.). Oxford: Clarendon, 1998/1924.
__________. The Complete Works of Aristotle, The Revised Oxford Translation. Tradução de
Jonathan Barnes. Oxford: Princeton University Press, 1997.
__________. Da geração e da corrupção seguido de Convite à filosofia. Tradução Renata Maria Pereira
CORDEIRO. São Paulo: Landy Editora, 2001.
__________. De Anima. Tradução integral direta do grego, ensaio introdutório, sumário analítico,
léxico, bibliografia e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34, 2006.
__________. Da alma. Introdução, tradução do grego e notas de Carlos Humberto GOMES. Lisboa:
Edições 70, 2001
__________. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de
W. D. Ross In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973, v.4.
__________. Física I-II. prefácio, tradução, introdução e comentários: Lucas Angioni. Campinas:
Editora da Unicamp, 2009.
OWEN, G. E. L., Lógica e Metafísica em algumas obras iniciais de Aristóteles in ZINGANO, M. (org.)
Sobre a Metafísica de Aristóteles. São Paulo: Odysseus Editora, 2007.
PARMÊNIDES DE ELEIA. In: Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos. São Paulo: Abril Cultural,
vol. I, 1973.
REALE, G. Introdução a Aristóteles. Tradução: Elaina Aguiar. Ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
ZÍNGANO, M. Dispersão Categorial e Metafísica em Aristóteles in Estudos de Ética Antiga. São
Paulo: Discurso Editorial, 2007.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO:

ANGIONI, L. Introdução à teoria da predicação em Aristóteles. Campinas: Unicamp, 2006.


__________. Prioridade e substância na metafísica de Aristóteles. Dois Pontos 7 (3):75-106.
__________. As Noções Aristotélicas de Substância e Essência. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
__________. Princípio de não-contradição e semântica da predicação em Aristóteles. Analytica, v. IV,
n. 2, p. 121-158, 1999.
AUBENQUE, P. O problema do ser em Aristóteles.Tradução: Cristina de Souza Agostin, Dioclezio
Domingos Faustino. São Paulo: Editora Paulus, 2011.
__________. Descontruir a Metafísica? Tradução: Aldo Vannucchi. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
BOLTON, R. “Plato’s distiction between being and becoming”. In Review of Metaphysics, vol. 29, n.
1, 1975, p. 66-95.
BRENTANO, Franz. Aristóteles : vida e obra. Trad.: BRITO, Evandro O. Florianópolis: Bookess
Editora, 2012.
BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 1998.
__________. Aristóteles no Século XX. São Paulo: Loyola, 1998.
CASSIN, B. O efeito sofístico. Tradução: Ana Lúcia de Oliveira, Maria Cristina Franco Ferraz e Paulo
Pinheiro. São Paulo: Ed. 34, 2005 (Coleção TRANS)
__________. “Das plantas que falam”. In O efeito sofístico, pg. 77-141.
CASSIN, B., NARCY, M. La décision du sens, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1989.
CORDERO, N. L. Sendo, se é: a tese de Parmênides. São Paulo: Odysseus, 2011.
Irwin, Terence, 1981, ‘Homonymy in Aristotle,’ Review of Metaphysics, 34: 523–544
HINTIKKA, J. “Aristotle and the ambiguity of ambiguity”. In Time and Necessity. Oxford: Clarendon,
1973, p. 1-26.
JAEGER, W. Aristóteles: bases para la historia de su desarollo intelectual; trad. José Gaos. México:
Fondo de Cultura, 1995/1923.
MARQUES, M. P. Platão, pensador da diferença: uma leitura do Sofista. Belo Horizonte: UFMG,
2006.
Owen, G. E. L., ‘Tithenai ta phainomena,’ Logic, Science and Dialectic, London: Duckworth, 239–251.
Owens, Joseph, 1978, The Doctrine of Being in the Aristotelian Metaphysics, 3rd edition, Toronto: The
Pontifical Institute of Mediaeval Studies.
PLATÃO. Platonis opera, vol. 1. John Burnet (ed.). Oxford: Clarendon, 1995/1900.
__________. O sofista; José T. dos Santos (introd.), Henrique Murachco (trad.). Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2012.
__________. Parmênides; trad. Maura Iglésias. São Paulo/Rio de Janeiro: Loyola/PUCRIO, 2008.
ROSS, W. D. Aristóteles. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987.
SHIELDS, C. Order in multiplicity: homonymy in the philosophy of Aristotle. Oxford: Oxford UP,
1999.
SOUZA, E. C. Discurso e ontologia em Platão: um estudo sobre o Sofista. Ijuí: Unijuí, 2009.
Susana Amaral Vieira (2010). O livro Г da Metafísica de Aristóteles: Ontologia - a Ciência do Ser
enquanto Ser. Princípios 2 (3):155-165.
ZINGANO, M. (org.) Sobre a Metafísica de Aristóteles: textos selecionados. São Paulo: Odysseus,
2005.
__________. “Unidade do gênero e outras unidades em Aristóteles: significação focal, relação de
consecução, semelhança, analogia”. In Analytica, vol. 17, n. 2, 2013, p. 395-432.
__________. “Notas sobre o princípio de não-contradição em Aristóteles”. In Cadernos de História e
Filosofia da Ciência, vol. 13, n. 1, 2003, p. 7-32.
__________. Estudos de ética antiga. São Paulo: Discurso Editorial.

Da histeria à fantasia: um estudo epistemológico em Freud


Adriana Cândido da Silva

Resumo:

O saber sobre a histeria não é algo dos dias de hoje. A histeria foi objeto de estudo desde os primórdios
da medicina, e sempre inquietou os estudiosos. Essa inquietação também esteve presente em Freud e,
esse fato, entre outros, o impulsionou a estudar a histeria. A partir dela, Freud inventou a psicanálise,
com a criação da regra fundamental (associação livre) e criou outros conceitos fundamentais como o da
fantasia, por exemplo. No “Projeto de uma psicologia”, em 1895, Freud apresentou uma visão
“neuronal” acerca dos fenômenos psíquicos, ou seja, utilizou dois postulados gerais que,
interelacionados, edificam a primeira parte do projeto, a saber: a concepção quantitativa e a teoria
neuronal. O ineditismo freudiano postulado no Projeto foi baseado no fato de que os histéricos estão
submetidos a uma compulsão, exercida por representações muito intensas. Já no livro “Estudos sobre a
histeria”, publicado em 1893 justamente com Josef Breuer, esta noção “neuronal” não é destacada. Essa
ausência de enfoque neuronal fez com que Freud se justificasse, alegando que os relatos de seus casos
clínicos apresentados nos Estudos podem parecer contos e que, como se poderia dizer, falta-lhes a
marca de seriedade da ciência. Neste livro, Freud ainda apresenta uma visão bastante orgânica dos
fenômenos histéricos, isto é, ele permanecia permeado em um discurso médico, sendo que a noção de
fantasia é ali apenas tangenciada. Nos Estudos, a partir de cinco casos clínicos de pacientes histéricas,
os autores discutem questões centrais como o conceito de conversão, sintoma e sexualidade. Estes
pontos possibilitaram Freud a elaborar, no volume seguinte, a teoria da sedução (ou trauma) que
consistia em dois momentos, sendo que o segundo momento na adolescência é que conferia um caráter
traumático ao primeiro momento (onde ocorreu a cena de sedução na infância). Já em 1900, com a
publicação de “A Interpretação dos sonhos”, na qual foi criada a primeira tópica do aparelho psíquico,
Freud ampliou sua visão para uma análise mais interpretativa dos fenômenos anímicos. A partir disto,
em 1905, principalmente com o “caso Dora”, Freud, por meio da análise dos sonhos da paciente,
abandona sua teoria da sedução e inaugura a teoria da fantasia, estabelecendo a tese de que os fatos não
precisam ter ocorridos na realidade material, mas, sim, que eles podem ser fantasiados. Com isto, a
partir do caso Dora, Freud passará a dar maior importância à fantasia do que a uma eventual sedução na
compreensão dos sintomas histéricos. Debruça-se, então, exaustivamente sobre o conceito de fantasia,
ampliando sua ideia orgânica dos fenômenos histéricos para uma visão mais interpretativa acerca da
histeria. Diante disso, o presente trabalho tem por objetivo identificar, a partir de uma via
epistemológica, como Freud produziu o conceito de histeria, a partir do que já se tinha concebido sobre
este conceito, como os dispositivos teóricos estabelecidos pelo fundador da psicanálise o auxiliaram na
elaboração de sua teoria da histeria até chegar no conceito de fantasia e como ele validou ou refutou
sua teoria a partir dos fenômenos principalmente histéricos.

Bibliografia básica:

ASSOUN, P. L. Introdução à epistemologia freudiana. Rio de Janeiro: Imago, 1983.


FREUD, SIGMUND. Estudos sobre a histeria. In: ______. Ed. Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, v. II, 1893 [1996].
______. Fragmento da Análise de um Caso de Histeria. In: ______. Ed. Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, v. VII, 1905 [1996], p. 19-116.
______. Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade. In: ______. Ed. Standard Brasileira
das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, v. IX, 1908 [1996], p. 147 154.
______. Um Estudo Autobiográfico. In: ______. Ed. Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, v. XX, 1924 [1996], p. 11-51.

Duas teorias neomooreanas


Breno Ricardo Guimarães Santos

Resumo:

Considere o seguinte caso: Em um mundo M, Ana possui os mesmos estados mentais que Ana-x no
mundo M-x. Em ambos os mundos Ana e Ana-x formam as mesmas crenças, com base no mesmo tipo
de justificação subjetiva. Por exemplo, tanto em M-x quando em M, respectivamente, Ana-x e Ana
formam suas crenças com base naquilo que suas percepções oferecem como evidência para proposições
acerca do mundo. No entanto, todas as crenças de Ana estão sendo produzidas artificialmente por um
computador que alimenta Ana com informações falsas sobre mundo, de modo que ela está sempre
formando crenças idênticas às de Ana-x, mas que são por sua vez falsas. Suponha, então, que Ana-x
forma a crença de sentada à mesa, lendo um livro. Esta crença é verdadeira. A crença também é
idêntica e tem mesmo suporte evidencial subjetivo que a crença de Ana de que ela está sentada à mesa,
lendo um livro. No entanto, a crença de Ana é falsa, pois todos os dados da percepção que suportam
subjetivamente sua crença a este respeito foram criados por um computador cuja função, como
mencionado acima, é criar crenças falsas, mas idênticas às de Ana-x, a respeito do mundo. Na verdade,
nem seria fisicamente possível que Ana estivesse de fato sentada à mesa, dado que ela é apenas um
cérebro em uma solução aquosa, dentro de uma cuba, conectada a este super computador manipulador.
Portanto, enquanto a crença de Ana-x é verdadeira - ela de fato está sentada à mesa, lendo um livro, não
podemos dizer o mesmo sobre a crença de Ana, ainda que ela esteja em uma situação epistêmica
subjetivamente indistinguível daquela na qual sua contraparte não-manipulada está. A questão motivada
pelo exemplo acima é simples: Como podemos saber se somos como Ana-x e formamos nossas crenças
sem interferência de qualquer tipo de manipulação ou enganação, ou se somos como Ana e formamos
crenças que, embora idênticas às de Ana-x do ponto de vista epistemicamente subjetivo, são
simplesmente falsas? E esta questão está intimamente conectada à problemática cética. A conexão com
o problema cético se dá no sentido em que, caso sejamos como Ana do mundo manipulado, não só
nossas crenças sobre estarmos ou não sentados é falsa, mas todo o conjunto de crenças perceptivas (e
possivelmente de outros tipos) se torna problemático. A possibilidade de sermos como Ana é a hipótese
cética relevante para nossos propósitos. O problema central gerado por ela é o de que, mesmo se não
fôssemos como Ana não teríamos como distinguir subjetivamente um mundo M-x de um mundo M,
considerando que todos os dados supostamente advindos da percepção seriam idênticos em ambos os
casos. Se não podemos distinguir entre o mundo manipulado e o não-manipulado, então não podemos
de fato saber se as experiências que temos do mundo são genuínas do ponto de vista de sua factividade
ou se são alimentadas à nossa mente por um mecanismo de enganação profunda. Desta forma, a dúvida
filosófica se impõe na forma de um Paradoxo Cético Radical:
I: Eu não conheço a negação da hipótese cética;
II: Se eu não conheço a negação da hipótese cética, eu não conheço muitas das coisas nas quais eu
acredito cotidianamente;
III: Eu conheço muitas das coisas nas quais eu acredito cotidianamente.
Neste trabalho, pretendo apresentar e discutir duas teorias recentes em epistemologia que, seguindo
uma estratégia semelhante à proposta de senso comum de G. E. Moore ao lidar com o cético, tentaram
responder ao problema apelando de um lado a um tipo de anticeticismo externalista, como é o caso da
teoria da segurança de Ernest Sosa, ou sustentando alternativamente uma defesa internalista do
anticeticismo, como é o caso do disjuntivismo de John McDowell. Após apresentar a estrutura de
ambas as propostas neomooreanas, quero discutir brevemente os erros e os acertos de cada uma, além
do potencial anticético que uma exploração mais profunda delas pode revelar.

Bibliografia básica:

MCDOWELL, John. “Criteria, Defeasibility and Knowledge,” in Proceedings of the British Academy
68, 455–79, 1982.
MILLAR, Allan. “Disjunctivism and Skepticism,” in Oxford Companion to Skepticism, (ed.) J. Greco,
581–604, Oxford: Oxford University Press, 2008.
PRITCHARD, Duncan. “Resurrecting the Moorean Response to Scepticism,” in International Journal
of Philosophical Studies 10, 283–307, 2002.
PRITCHARD, Duncan. “McDowell on Reasons, Externalism and Scepticism,” in European Journal of
Philosophy 11, 273–94, 2003.
SOSA, Ernest. “How to Defeat Opposition to Moore,” in Philosophical Perspectives 13, 141–54, 1999.

Hegel e a imaginação: o caminho da fantasia no desenvolvimento do espírito


Norton Gabriel Nascimento

Resumo:

Para Hegel, a imaginação é a atividade da inteligência que eleva-se em primeiro grau da mera intuição,
revivendo as imagens na imaginação reprodutiva, vinculando-se em combinação com outras imagens
na imaginação associativa e por fim, assumindo-se como imaginação produtiva, na criação de
concepções. A relevância da imaginação para com o sistema proposto por Hegel, revela-se em seu
poder do agir livre da inteligência, que leva à linguagem e a criação artística na arte. A imaginação, isto
posto, não deve ser observada apenas como artifício de reproduzir imagens ou como uma simples
memória, mas sim, como um caminho para a significação, no desenvolvimento das estruturas que
constroem a representação e a interpretação da realidade.
Quando liberta-se do conteúdo da imagem para se confirmar, a representação universal passa a se
determinar em si e para si e torna-se, distinguindo-se do símbolo, signo, em um material exterior
escolhido por si própria. A intuição não representa mais a si mesma, mas outra coisa. “Quando a
inteligência significou algo, levou a cabo o conteúdo da intuição, e deu por alma ao material sensível
uma significação que lhe é estranha.” (HEGEL, 1995, p. 246, grifo do autor). A imagem recebe como
sua significação, uma representação autônoma. É esta intuição que se caracteriza como signo.
Para chegar à linguagem, a dependência do símbolo em relação a imagem deve ser deixada para trás. A
linguagem desensolve-se pela repetição da atividade da imaginação simbólica, que leva à imaginação
sinalizadora. Dos símbolos suprassumidos, é que surgem os signos. No signo, a ligação do significado
com a imagem é exclusivamente arbitrária. Desta forma: “[…] a inteligência avança necessariamente
da confirmação subjetiva presente no símbolo, e mediatizada pela imagem, até a confirmação objetiva,
essente em si e para si da representação universal.” (HEGEL, 1995, p. 246, grifo do autor).
Para HÖSLE (2007, p. 440): “[…] Hegel, na Enciclopédia, interpreta a linguagem essencialmente a
partir de sua função designadora”, defendendo mesmo que apenas de passagem, que a linguagem é
obra e depende do pensamento. “Justamente por isso, segundo Hegel, a linguagem é o mais elevado
medium da arte.” (HÖSLE, 2007, p. 446). Para Hegel, a imaginação além de construir uma relação de
importância para com a construção da linguagem, estabelece uma posição fundamental no
desenvolvimento artístico.
Logo, a imaginação em sua terceira forma, como fantasia criadora, “[…] constitui o [princípio] formal
da arte, porque a arte expõe o verdadeiramente universal ou a ideia na forma do ser-aí sensível, da
imagem.” (HEGEL, 1995, p. 244, grifo do autor). Nos escritos sobre estética, Hegel afirma: “Quanto ao
poder geral da criação artística, uma vez ele admitido, logo se deve ver na imaginação a faculdade
artística mais importante.” (HEGEL, 1999, p. 274). A imaginação, desse modo, percorre o
desenvolvimento do espírito transpondo seu lugar no espírito subjetivo e teórico, para assumir
influência na arte no espírito absoluto.

Bibliografia básica:

HEGEL, G. W. F. Cursos de estética, volume I. Tradução Marco Aurélio Werle. 2. Ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
______. Cursos de estética, volume II. Tradução Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
______. Cursos de estética, volume III. Tradução Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
______. Cursos de estética, volume IV. Tradução Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
______. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. Tradução Paulo Meneses com
colaboração de José Machado. São Paulo: Loyola, 1995.

Ensaio fenomenológico sobre os conceitos de possibilidade existencial, morte e impessoal em


Heidegger
André Luiz Ramalho da Silveira

Resumo:

Ao compreender o ser-aí humano enquanto ser-no-mundo, a partir do conceito de existência, a


ontologia fundamental elaborada em Ser e Tempo possibilitou pensar o ser humano em sua relação
incontornável com o ser. A investigação de Heidegger visa mostrar que aquele ente que compreende ser
é o ente no qual o seu próprio ser está em questão. Neste sentido, a existência humana é compreendida
a partir da finitude como possibilidade existencial, de modo que o morrer e o conceito de morte
precisam ser interpretados à luz do conceito de possibilidade. Neste sentido, o ser-aí será compreendido
não a partir de propriedades e instâncias, mas a partir de modos e possibilidades, implicando assim que
a identidade do ser-aí não estaria determinada previamente e de um modo completo. A justificativa para
compreender o conceito de morte em conexão com o conceito de possibilidade é que Heidegger
concebe o ser para a morte como a possibilidade mais própria do poder-ser que caracteriza o ser-aí.
Concernente ao conceito de morte, é preciso ter em mente que ele é fonte de diversas controvérsias nos
comentadores da obra de Heidegger. O importante é manter claro que Heidegger admite haver distintos
sentidos ontológicos para o terminar do ser-aí, isto é, o terminar enquanto o fim do ser-aí humano.
Heidegger distingue entre o deixar de viver ou falecer (Ableben), perecer (Verenden) e morrer
(Sterben). O falecer é o fim de um ciclo vital, o término que assola a todo aquele que existe. É essa
concepção, no entanto, que Heidegger diz ser a compreensão comum sobre a morte, isto é, revela-se na
compreensão cotidiana do morrer o fim do ser-aí apenas como fim de um ciclo vital. Desvinculado da
existência, o perecer é o sentido atribuído para a animalidade e o sentido de ser da vida, que não
morrem, mas, perecem. Por conseguinte, o morrer do ser humano existencialmente entendido será o
conceito explicitado no ser para a morte.
Além disso, Heidegger identifica uma necessidade em se visualizar a conexão entre o ser para a morte e
o cuidado enquanto o ser do ser-aí, na medida em que o ser para o fim concerne à totalidade do ser do
ser-aí. Contudo, a analítica existencial mostra que de imediato e na maioria das vezes o ser-aí é não
próprio, isto é, impessoalmente o ser-aí não se projeta a partir de suas próprias possibilidades, mas é
como os outros são. Deste modo, há também a necessidade em se visualizar o ser para a morte
justamente a partir da cotidianidade, enquanto a concreção mais imediata do ser-aí. O problema a ser
investigado é como se articula a interpretação da morte no âmbito mediano do impessoal.
Heidegger apresenta o decair (Verfallen) como um caráter ontológico do ser-aí e, junto com os
existenciais que constituem a abertura do “aí” do ser-aí, o decair perfaz o modo específico de abertura
do ser-aí inautêntico em sua cotidianidade mediana. Os elementos que configuram a abertura cotidiana
do ser-aí absorvido na publicidade do impessoal são o falatório, a curiosidade e a ambiguidade. O
problema a ser investigado é como se articula o discurso e a compreensibilidade cotidiana do ser para a
morte, tendo em vista que ela é articulada justamente a partir do falatório. Para investigar esse ponto,
Heidegger utiliza como exemplo a novela A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, segundo a qual é
apresentado não apenas a morte entendida cotidianamente, mas, também é possível observar esboçado
nessa obra o sentido existencial de morte. Deste modo, Heidegger questiona, como se comporta o
impessoal em seu compreender concernente a mais própria, irremetente e insuperável possibilidade do
ser-aí?
Tendo em vista que no impessoal ocorre o que Heidegger chama de nivelação de todas as
possibilidades de ser, toda regulação do mundo publicamente estabelecido será normalizadora, ausente
de qualquer notoriedade e tenderá a anular qualquer diferença. No caso da morte, a publicidade do
conviver cotidiano irá conhecê-la apenas como um “caso de morte”, isto é, “se morre”, mas não eu e
não agora. Esse “a gente” do impessoal é o ninguém; deste modo, o morrer, que é a possibilidade mais
própria de cada ser-aí, se converte em um acontecimento público que ocorre para o impessoal.
Portanto, o presente ensaio visa mostrar o conceito de morte a partir da concreção mais imediata do ser-
aí, isto é, da cotidianidade mediana. Com efeito, é preciso também apresentar a vinculação entre morte
e possibilidade existencial, bem como uma elucidação sobre os distintos sentidos de morte investigados
por Heidegger. Ademais, será possível ver fenomenologicamente como se estrutura a compreensão
impessoal da morte a partir da referida novela de Tolstói e o modo como essa compreensão impessoal
encobre justamente o caráter de possibilidade da morte, esta entendida como a possibilidade primordial
da existência.

Os Problemas de Gênero
Mateus Gustavo Coelho

Resumo:

O movimento feminista em um primeiro momento se caracteriza como um movimento social com


diferentes reivindicações relacionadas à realidade das mulheres. Já no final do século XIX as mulheres
lutavam por melhores condições de trabalho nas fábricas, por igualdade nos direitos contratuais e à
propriedade privada, pelo direito ao divórcio e pelo fim dos casamentos arranjados, mas principalmente
pela busca por direitos políticos, especialmente o direito ao sufrágio pelas mulheres. As sufragistas
foram ouvidas e conseguiram o direito ao voto em 1919 nos Estados Unidos, 1928 no Reino Unido e
em 1932 no Brasil. O direito ao sufrágio universal foi um marco nas lutas feministas, após sua
conquista o movimento perde sua força retomando novamente apenas na década de 60 lutando por uma
maior igualdade entre mulheres e homens, pelo direito das mulheres a sua autonomia e à integridade de
seus corpos.
Como movimento social o feminismo conseguiu diversos avanços na realidade social que vivemos,
mas além de ser um movimento social as lutas feministas se caracterizam pela concordância entre
teoria e prática, sendo assim, também, um movimento tanto filosófico quanto político.
É sobre a questão da teoria do feminismo que este trabalho pretende discorrer, partindo do ponto que
uma luta sem teoria como alicerce se torna vã e facilmente perde seu foco. A partir da leitura do
clássico “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir, onde a autora partindo de pressupostos
existencialistas nos quais “a existência precede a essência” faz uma clara divisão entre as características
biológicas e culturais na formação do que conhecemos como “mulher”. O texto de Beauvoir por ser
umas das principais obras do feminismo sofreu diversas críticas durante história, entre elas a visão pós-
estruturalista retratada aqui pela escola denominada de feminismo francês, que parte de pressupostos
simbólicos para denunciar a dominação masculina presente em nossa sociedade.
Com a leitura do texto de Pierre Bourdieu “A Dominação Masculina” vemos claramente a presença do
simbólico na construção de diferentes papéis sociais destinados aos homens e às mulheres em nossa
sociedade ocidental. Mas, Bourdieu peca na construção de seu texto vendo sobre um prisma
estritamente determinista a forma como estes papéis devem ser desempenhados.
Por fim uma visão contemporânea a respeito do feminismo a partir da leitura da filósofa norte
americana Judith Butler, e as questões que esta colocou sobre o feminismo na última década do século
XX. Butler repensa a categoria de “mulher” dentro das teorias feministas ao não apoiar a ideia de
“mulher” como essência, mas sim, de uma pluralidade de indivíduos que se enquadram no “ser
mulher”, problematizando que seria impossível generalizar as experiências das mulheres por todas as
suas culturas e histórias. Ao colocarmos todas as mulheres em um único conceito identitário excluímos
todas as outras possibilidades de construção do sujeito. Para Butler a construção de gênero não seria
um fator identitário, mas muito mais um ato performativo, assim podemos performar diferentes gêneros
em situações distintas. Butler vê a própria construção gênero como um problema a ser refletido,
segundo ela a distinção entre sexo como natural e gênero como construção cultural não engloba todas
as possibilidades do gênero, pois para a construção da categoria gênero o sexo seria fator primordial.
Butler faz uma crítica ao feminismo não para abandonar suas teorias, mas sim para “esgarçar” os
limites do que já havia sido pensado. Apoiado na discussão teórica levantada por Butler em seu livro
mais célebre “Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity” de 1990, este trabalho busca
demonstrar que o conceito de “gênero” não deve ser encarado como um ponto estático amparado
unicamente pela biologia; “Gênero” é uma construção a partir da cultura não sendo algo que está
acabado, estando constantemente em construção através do tempo, constituindo um fenômeno
inconstante e contextual.
O feminismo possui mais de um século de lutas e neste período diferentes foram suas reivindicações e
suas teorias que o nortearam, mas apesar de ele sempre estar se reconstruindo e se alterando continua
presente em nossa sociedade por buscar o direito à igualdade independente de sexo, raça, religião,
representação de gênero, etnia, classe social, etc. O movimento feminista vai além apenas de lutas
pelos direitos das mulheres, estando sempre relacionado com outros movimentos sociais em busca de
uma sociedade mais igualitária.

Bibliografia básica:

BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: Mitos e Fatos. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo, Difusão
Europeia do Livro, 1970. 1 v.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: A Experiência Vivida. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo,
Difusão Europeia do Livro, 1967. 2 v.
BOURDIEU, Pierre. La Dominación Masculina. Tradução de Joaquín Jordá. Barcelona: Editorial
Anagrama, 2000.
BUTLER, Judith. Bodies That Matter. New York: Routledge, 1993.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão de identidade. Tradução de Renato
Aguiar. 3a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
O primado da ação na teoria política maquiaveliana
Marcone Costa Cerqueira

Resumo:

A abrangência do assunto que anima esta comunicação constrange-nos a dar-lhe delimitações de talhe
histórico e teórico, ou seja, pensar ética e política em um campo tão fértil quanto o da filosofia é uma
tarefa que exige extrema cautela e sistematização. Os meandros constitutivos do pensamento político
de Maquiavel foram, e são, exaustivamente analisados, criticados e elogiados. O foco de nossa análise,
na obra maquiaveliana, é o pensamento que visa a materialidade da ação política e o antagonismo que o
permeia. A leitura mais imediata e óbvia da obra maquiaveliana é sem dúvida a de uma busca ferrenha
pela objetividade da ação política e os meandros que a constitui em vista do seu fim. Ou seja, o foco da
política como ciência autônoma e extremamente realista sempre se impôs na maioria das colocações
críticas sobre o texto maquiaveliano. Nossa perspectiva, nesta comunicação, será posta a partir do
ângulo da relação entre ética e política, propondo, ou melhor, ressaltando um antagonismo que muitas
vezes é aglutinado pelo foco da objetividade política. Tal antagonismo se dá entre a intencionalidade do
querer (prescrição) e a materialidade da ação (descrição) no contexto ético-político. Quando dissemos
que o ângulo de origem de nossa perspectiva é a relação entre ética e política, indicamos já o cerne do
antagonismo e a chave de leitura pela qual pretendemos abordar a obra do florentino.
Mais do que delimitar um realismo baseado na ação política, a asserção maquiaveliana aponta para uma
falha, uma dissonância existente entre a prescrição do que se deve fazer e a descrição do que se faz
realmente. Surge aí uma crítica a toda uma tradição teórica que subjulgou a ação à intenção, a descrição
à prescrição, o concreto ao formal. Ou seja, Maquiavel acena para um problema teórico que deve ser
superado em prol do surgimento de um pensamento político efetivo e concreto. Mais do que uma
simples crítica a uma tradição ético-política anterior a ele, Maquiavel, em seu movimento, estabelece
uma teoria da ação política que articula intenção e ação, querer e agir, o que entendemos ser a base de
todo pensamento ético-político, sem prejuízo à valoração última do resultado do agir. Empreenderemos
tal movimento analisando o pensamento maquiaveliano – principalmente sua crítica à construção ético-
política tradicional de corte cristão – à contraluz da tradição ético-política presente no humanismo
italiano advinda dos desdobramentos de uma teoria da Vontade agostiniana. O cerne teórico de nossa
hipótese, dentro da perspectiva de abordagem apontada, se guia pela relação entre o formal
(intencionalidade - querer) e o concreto (materialidade - agir) da ação política. Tal relação entre o
formal e o concreto da ação política será analisada a partir de três eixos: o antropológico (do fim
homem), o epistemológico (do fim da lei) e o político (do fim da ação). Intentamos oferecer uma leitura
do pensamento maquiaveliano a partir dos pontos que lhe conferem originalidade, como dissemos, à
contraluz da tradição ético-política anterior a ele e percebida no humanismo italiano. Ética e política
não se desprendem da necessidade impressa pelo contexto político, antes se coadunam na tarefa de
produzir uma ação política dinâmica e objetiva que responda às vicissitudes do real.

Bibliografia básica:

MACHIAVELLI, Niccolò. Tutte le opere: storiche, politiche e letterarie. A cura di Alessandro Capata.
Roma: Grandi Tascabili Economici Newton, 1998.
NEDEL, José. Maquiavel: concepção antropológica e ética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. Coleção
filosofia; 43.
PAREL, Anthony. The machiavellian cosmos. New Haven/London: Yale University Press, 1992.
PELÁEZ, Jorge Humberto. Maquiavelo frente a una ética política inspirada en el cristianismo. Santafé
de Bogotá: Ceja Editorial, 1994.
PINZANI, Alessandro. Ghirlande di fiori e catene di ferro: istituzioni e virtù politiche in Machiavelli,
Hobbes, Rousseau e Kant. Firenze: Le Lettere, 2006.

Enunciando o mais firme de todos os princípios: notas sobre Metafísica, Γ3 de Aristóteles


Daniel Lourenço

Resumo:

Aristóteles afirma em Metafísica Γ 3 que em razão do caráter absolutamente universal da ciência do ser
enquanto ser cabe ao filósofo, e a mais ninguém, enunciar o mais firme de todos os princípios. Após
defender a exclusividade do filósofo na execução de tal tarefa, e apresentar uma breve enumeração das
características que um princípio deve preencher em ordem de ser qualificado como o mais firme de
todos, Aristóteles enuncia o Princípio de Não Contradição (PNC) como sendo o princípio buscado. Por
fim, na última parte do texto em questão, apresenta dois argumentos com o intuito de provar que o
PNC, de fato, preenche as características por ele enumeradas.
Não obstante a importância da tarefa que Aristóteles designa ao filósofo, o sucesso da argumentação
por ele desenvolvida tem sido alvo de interessante controvérsia na literatura secundária contemporânea.
Parte significativa dos intérpretes partilha da opinião de que Aristóteles não é bem-sucedido em seu
intento. Via de regra, as críticas apontam para a natureza circular da argumentação e para a existência
de uma petição de princípio. Contudo, leituras alternativas, mais condescendentes com os esforços
aristotélicos, têm desenvolvido interessantes respostas aos problemas usualmente associados aos
argumentos apresentados em Γ 3. De um modo geral, tais leituras buscam suporte em interpretações
alternativas para aquela passagem em que Aristóteles caracteriza o princípio mais firme de todos.
Enquanto alguns autores procuram deflacionar as exigências aristotélicas, afim de que os argumentos
por ele oferecidos possam melhor acomodá-las, outros procuram mostrar um propósito alternativo para
a argumentação como um todo.
No presente trabalho analisarei a passagem em 1005b 11-17, onde Aristóteles apresenta a
caracterização do princípio mais firme de todos, procurando mostrar a divergência entre os intérpretes
quanto ao número das características e as diferentes interpretações quanto ao significado das mesmas.
Em geral, os intérpretes reconhecem a enumeração de três características que o princípio mais firme de
todos deve preencher: (i) impossibilidade de erro (também designada como indubitabilidade ou
incorrigibilidade), (ii) ser mais conhecido (prioridade na ordem do conhecimento) e (ii) ser não-
hipotético (prioridade lógica). Contudo, na medida em que não existe consenso sobre o modo como tais
características se relacionam, alguns autores desenvolvem leituras que consideram as três
características isoladamente, outros, apenas duas, sendo uma das três características subsumida em
outra; outros ainda, defendem apenas uma característica, sendo as duas restantes entendidas como
consequência desta primeira. O modo como os interpretes se posicionam frente ao número das
características necessárias para a identificação do princípio mais firme de todos está estreitamente
relacionado ao entendimento destes sobre o que elas significam. As características (i) e (iii), na maioria
das vezes, são compreendidas separadamente, sendo a característica (ii) geralmente associada com (i).
Concentrarei minha atenção sobre esse ponto, pois nele se torna mais perceptível a discordância entre
os intérpretes, assim como as consequências decorrentes de tais decisões para o restante da leitura do
texto aristotélico. Por meio de tal análise pretendo tornar visível os principais problemas, e suas causas,
associados às principais linhas de leitura na contemporaneidade para Metafísica, Γ 3, tanto no que diz
respeito aos prejuízos para o sucesso da argumentação aristotélica, quanto para o seu alcance na
eventualidade de sucesso.

Bibliografia básica:
BALTZLY, Dirk (1999): Aristotle and Platonic Dialectic in "Metaphysics" Γ 4. Apeiron, Vol. 32, No. 3,
pp. 171-202.
CODE, Alan (1987): Metaphysics and Logic, in Aristotle Today: Essays on Aristotle’s Ideal of Science,
p. 127-149.
KIRWAN, C. (1971) Aristotle’s Metaphysics, Books G, D and E. Oxford: Claredon Press.
LEAR, Jonathan (1980). Aristotle and Logical Theory. Cambridge: Cambridge University Press
UPTON, Thomas (1985) - Aristotle on Hypothesis and the Unhypothesized First Principle. The Review
of Metaphysics, Vol. 39, No. 2, pp. 283-301.
WEDIN, Michael V. (2004): Aristotle on the Firmness of the Principle of Non-Contradiction.
Phronesis, Vol.,49, Issue 3, p. 225-265.

Aspectos do humano nos livros I-II, IV e XII da Metafísica de Aristóteles: considerações


preliminares
Rafael Adolfo

Resumo:

A presente pesquisa objetiva descrever os aspectos do humano nos livros I-II, IV e XII da Metafísica de
Aristóteles. Temos como hipótese a ideia de que é possível fazer essa descrição identificando as
capacidades e os modos de ser do humano (ἄνθρωπος) que Aristóteles julga necessários para a
constituição da ciência do ser nos livros I-II, IV e XII da Metafísica. Isso se explica pela razão de o
Estagirita conceber o humano como o único ser capaz de pensar e empreender a ciência do ser e refletir
sobre si próprio como parte integrante dessa investigação. O desenvolvimento central da pesquisa tem
por base os livros I-II, IV e XII da Metafísica. A pesquisa está dividida em três capítulos. Cada um dos
capítulos está subdividido em duas outras partes principais: a descrição (Parte I) de capacidades da
estrutura de corpo (σῶμα) e alma (ψυχή) humano e (Parte II) de modos de ser do humano em relação
com a natureza (φύσις), com os outros humanos (ἀλλήλους) e consigo mesmo (α ὐτῷ πρ ὸς α ὑτόν). O
desenvolvimento do texto segue tematizado do seguinte modo: (Cap. I) no contexto dos livros I e II,
(Parte I) a capacidade da visão (ὄμμα) e a admiração (θαυμάζω) na percepção sensível (α ἴσθησις) e o
princípio racional (λόγον)da alma no humano, (Parte II) o‘homem culto’ (πεπαιδευμένου) e o seu
conhecimento (ἐπιστήμη) do sobre a natureza, o ensino (διδασκαλία) na relação do sábio-educador
com os outros e a liberdade (ἐλευθερία) do sábio(σοφός) em vista de ( ἕνεκα) de si mesmo ; (Cap. II)
no contexto do livro IV, (Parte I) o pensamento (νόημα), a linguagem (λόγος) e a imaginação
(φαντασία) do humano, (Parte II) o discurso (λόγος) sobre a natureza, o diálogo (διαλέγεσθαι) entre os
humanos e o diálogo do indivíduo consigo mesmo; (Cap. III) no contexto do livro XII, (Parte I) o
intelecto (νοῦς) e o desejo (ὄρεξις) humanos, (Parte II) a atividade contemplativa (θεωρία) do humano
ante a natureza divina, o conjunto ordenado (συντάσσω) da comunidade humana segundo um fim e o
prazer (ἡδονή) do indivíduo na atividade teorética. A presente pesquisa espera evidenciar que
Aristóteles identifica aspectos do humano na medida em que ele desenvolve seu projeto de
fundamentação da ciência do ser nos livros I-II, IV e XII da Metafísica, o que justificaria a descrição de
tais aspectos na referida obra.

Bibliografia básica:

ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni
Reale. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002, v. 2.
_____________. De anima. Tradução de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34, 2006.
_____________.Nicomachea Ethics. Translated by E. D. Ross. In. BARNES, J. Complete Works
(Aristotle). Princeton: Princeton University Press, 1991.
CLARK, S. Aristotle’s man: speculations upon Aristotelian anthropology. Oxford, 1975.
PEREIRA, O. P. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: UNESP, 2011. (Coleção Biblioteca de
Filosofia)
WEIL, E. L’Antropologie d’Aristote. Revue de Métaphysique et de Morale, 51e. Année, n.1. Janvier,
1946.

Liberdade e facticidade na ontologia de Sartre: a situação


Helen Aline dos Santos Manhães

Resumo:

Se quiséssemos encontrar o eixo central do pensamento sartriano, este seria a liberdade. Para além de
um sentido ético ou existencial, trata-se de uma liberdade ontológica, que define o ser da realidade
humana. A obra magna do filósofo, O ser e o nada, consiste justamente na descrição do humano desde
este ponto de vista originário, partindo do conceito de intencionalidade, de Edmund Husserl, que
afirma: “toda consciência é consciência de alguma coisa”. Apropriando-se deste conceito, Sartre efetua
a purificação do campo transcendental, que significa, grosso modo, retirar toda a substancialidade da
consciência, torná-la límpida, torná-la nada. Se a consciência nada é, ela se define por aquilo de que é
consciência: depende em seu ser de um ser que lhe é exterior e ao qual é presente. Eis o em-si, o ser
autônomo e indiferente que sustenta o caráter de realidade daquilo que aparece. Esta concepção
ontológica bipartida, ou seja, expressa em termos de em-si e para-si, ser e nada, mundo e realidade
humana, é o que fundamenta a liberdade do existencialismo. A contrapartida existencial do nada de ser
da consciência (puro escoamento ao ser que não é, perpétua intenção voltada ao objeto) se traduz como
liberdade absoluta, como livre escolha de fins. A lei de ser do homem torna-se a necessidade de
escolher seu ser, de projetar seus fins a partir de sua facticidade. Esta, por sua vez, consiste nos dados
factuais, contingentes e não dedutíveis da existência – o passado, os arredores, a existência do outro, a
morte. A objeção comum que se faz à liberdade humana consiste em apontar os limites objetivos que
esta encontra e que a ela se impõem. Queremos dissolver, conforme os termos sartrianos, este impasse,
utilizando para isto a noção de situação. O filósofo afirma que não é apenas possível, mas necessário
que haja limites à liberdade para que ela exista, entendendo-a em seu sentido mais profundo, não como
a capacidade de o homem sempre alcançar o que deseja, mas como a possibilidade permanente de
projetar seus próprios fins. Ser livre é ser em aberto, é um poder-ser, é desfrutar do modo de ser ek-
stático, isto é, que existe à distância de si, lá no futuro, lançado aos fins de um projeto de ser. Assim, os
supostos limites objetivos perdem seu caráter de dado bruto, de fato. Ao invés, adquirem um sentido
particular e humano que só existe inserido em um projeto, iluminado por um fim. Uma montanha
extremamente íngreme só pode se dar como “difícil de escalar” ao alpinista; àquele que a admira por
sua grandiosidade, é apenas objeto de contemplação. Do mesmo modo, um muro alto só se faz limite
para mim se tenho como projeto a evasão furtiva do lugar onde estou. Se, ao contrário, sinto-me
protegido no interior dele, o muro não será limite, mas sim auxílio. Queremos com isso ilustrar que o
caráter de limite não é um dado bruto, mas depende originalmente de uma liberdade que ilumina o dado
a partir de seu projeto de ser e o transforma em adversidade ou não. Eis a situação: trata-se do encontro
peculiar e imprescindível do duplo caráter da experiência, que a torna objetiva e subjetiva ao mesmo
tempo. Por um lado, a objetividade autônoma do em-si, o dado bruto da situação que não depende de
meu bel prazer modificar, mas que se impõe a mim como fato. Por outro lado, a existência do para-si
enquanto projeto, que fornece sentido ao dado de acordo com seus fins escolhidos livremente. Ao
existir lançado ao futuro, o homem faz surgir um mundo com adversidades e empecilhos que, por si só,
não há. Por existir temporalmente e como uma construção de si, o homem traz o limite à existência.

Bibliografia básica:

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão.
Petrópolis: Vozes, 2009.
_________________. O existencialismo é um humanismo. In: Os pensadores. 3a edição. São Paulo:
Nova Cultural, 1987.
SCHNEIDER, Daniela Ribeiro. Sartre e a psicologia clínica. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2011.
SILVA, Luciano Donizetti da. Filosofia, literatura e dramaturgia: liberdade e situação em Sartre. Dois
pontos. Curitiba, São Carlos. Vol. 3, nº 2, pp. 83-103. 2006.

Reconciliando ética e economia: uma análise do pensamento de Amartya Sen em Sobre Ética e
Economia
Tiago Mendonça dos Santos

Resumo:

Este trabalho busca analisar o pensamento Sen em Sobre Ética e Economia. Segundo o autor, a
Economia possui duas origens, uma ligada à Ética e outra que pode ser chamada de abordagem
engenheira. A primeira tradição visa contribuir à realização do bem do indivíduo e da coletividade,
enquanto a segunda origem se ocupa com a eficácia na alocação dos recursos disponíveis. A
importância da abordagem ética diminuiu substancialmente com a evolução da Economia moderna,
particularmente após a revolução marginalista. Sen destaca que, embora a abordagem engenheira tenha
aportado muitas contribuições valiosas, houve um empobrecimento pelo distanciamento da Ética. Deste
modo, o objetivo do autor é considerar as formas que possibilitam a reconciliação entre ambos os
saberes, sem que isto signifique implodir o edifício da teoria econômica baseada em considerações
logísticas. Busca-se enriquecer o debate a partir da inclusão de questões éticas e de uma perspectiva
mais realista da ação humana. Na obra são destacados especialmente dois aspectos: o paradigma da
racionalidade dos agentes econômicos e a atual configuração da Economia do bem-estar, disciplina que
avalia as consequências da eficiência econômica para o bem-estar geral, sob uma perspectiva
microeconômica. A teoria econômica dominante concebe que todos os homens são racionais, ou seja,
são maximizadores do seu próprio interesse e capazes da tomada de decisões consistentes. Sen
demonstra que tal perspectiva simplifica em demasia o homem real, reduzindo-se inclusive a
capacidade preditiva dos modelos econômicos. Nem mesmo os avanços da teoria dos jogos foram
suficientes para explicar o comportamento dos indivíduos que decidem cooperar entre si,
independentemente da maximização das suas utilidades pessoais. A inserção de considerações éticas,
por outro lado, permite conceber que os indivíduos miram outros objetivos, para além do próprio bem-
estar. Outra questão abordada é o reposicionamento da Economia do bem-estar, que atualmente está
restrita à hipótese do equilíbrio geral dos mercados, tendo como principal critério o ótimo de Pareto,
estado em que um alguém não pode aumentar a sua utilidade sem reduzir a utilidade de outrem. Sen
destaca que este critério pode esconder relações demasiado injustas, pois uma sociedade pode estar no
ótimo de Pareto havendo desigualdade extrema e, neste caso, se os miseráveis não puderem melhorar
suas condições sem reduzir o luxo dos mais ricos, não há possibilidade de mudança. Portanto, o critério
da otimalidade de Pareto é um modo limitado de avaliar a realização social. Este critério é destacado
como um dos resquícios da influência utilitarista na Economia, tendo em vista que ele atende aos três
requisitos do utilitarismo como princípio moral: bem-estarismo; ranking pela soma (sum-ranking) e
consequencialismo. O autor critica o bem-estarismo em três aspectos: o bem-estar não é a única coisa
valiosa para o indivíduo; a utilidade (enquanto felicidade ou satisfação dos desejos) não representa
adequadamente o bem-estar; e, além disso, a vantagem de uma pessoa pode ser mais bem representada
pela sua liberdade do que em termos do que esta pessoa realiza por ser livre. Uma pessoa pode então
ser compreendida tanto em termos de bem-estar, quanto pela sua condição de agente, ou seja, a
capacidade dessa pessoa estabelecer objetivos, comprometimentos, valores, etc., levando-se em conta o
que uma pessoa pode considerar como valioso. Esta distinção é importante, pois o aspecto do bem-estar
abrange as realizações e oportunidades do indivíduo no contexto de sua vantagem pessoal, enquanto
que a condição de agente vai além e permite examinar as realizações e oportunidades em termos de
outros objetivos e valores. Esta proposta difere do formato típico da Economia do bem-estar, que
considera a liberdade como valiosa instrumentalmente e restringe a condição de agente à maximização
do bem-estar. Outro aspecto importante é o fato de que as teorias fundadas na utilidade tendem a
rejeitar teorias morais fundadas em direitos, de modo que os direitos são considerados meramente
instrumentais para a obtenção de outros bens. Sen propõe a inclusão dos direitos no debate econômico,
mesmo que tais direitos tenham apenas um papel instrumental. Para o autor a avaliação global do status
ético de uma atividade não inclui apenas o seu valor intrínseco, mas também o seu papel instrumental e
as suas consequências sobre outras coisas, ou seja, deve-se examinar as consequências intrinsecamente
valiosas ou não que tal atividade pode ter. Neste sentido, um raciocínio consequencial também pode ser
valioso, sem que isto implique em aceitar a doutrina consequencialista. Ao agregar vários objetos de
valor, a Economia terá de enfrentar o desafio de determinar critérios para a valoração destes diferentes
aspectos. Sen propõe três modos de lidar com esta questão, discutindo as limitações de tais critérios,
mas sem apontar qual deles é o mais adequado. Verifica-se que nesta obra Sen preocupa-se muito mais
em problematizar a Economia vigente e aportar formas de reencontro com a Ética, do que determinar
de que forma o encontro entre as duas disciplinas efetivamente ocorre ou quais são os resultados desta
integração.

Bibliografia básica:

SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999. (Prêmio Nobel).

O conceito de Direito de Kelsen a partir da obra A Ilusão da justiça


Rubin Assis da Silveira Souza

Resumo:

Trata da concepção metaética emotivista de Kelsen com foco na sua leitura do platonismo a partir do
texto A Ilusão da justiça. Busca unificar o entendimento do autor acerca do seu conceito de direito e
dos problemas relativos às transições teóricas no decorrer dos seus escritos através da leitura da obra
em questão. Nesse sentido, associa os seus pressupostos teóricos com a sua concepção do positivismo
exclusivo a partir da crítica ao jusnaturalismo, isto é, defende que a sua percepção emotivista e
antiplatônica da moral serve de constante de leitura para todas as obras e períodos nos quais suas
principais teses foram apresentadas.
Com tal procedimento, questiona o processo de periodização da obra de Kelsen no sentido de
confrontar a hipótese, defendida por Stanley Paulson, acerca das mudanças de fundo teórico nas suas
principais obras. Assim, via entendimento dos conceitos políticos e morais, prova-se que tal
periodização não ocorre de forma tão radical quanto à proposta defendida por Paulson.
Especificamente sobre a periodização da obra, Paulson, citando a monografia de Heidemann, expõe a
transição dos conceitos kelseniano divididos em quatro períodos: 1) fase construtivista, 2)
transcendental, 3) realista e 4) analítico-linguística. A primeira fase consiste na publicação da sua tese
de habilitação, Main Problems in the Theory of Public Law, que data de 1911, na qual os conceitos
como pessoa, Estado e vontade são construídos em decorrência do conceito de norma jurídica. A fase
transcendental desenvolve-se entre os anos de 1916 e 1922 e resulta na publicação da primeira edição
da Teoria pura do direito e na obra Introduction to the Problems of Legal Theory – esse é o momento de
maior compromisso entre Kelsen e as teses neokantianas na formulação da norma hipotética
fundamental. A terceira fase é nomeada de realista, iniciada em 1935 até 1962 – segundo Paulson, a
segunda edição da Teoria pura do direito e a Teoria geral do direito e do Estado pertencem a essa fase –
aqui, Kelsen mantém o transcendentalismo da norma hipotética, porém introduz objetivos realistas
(realist desiderata), exemplificados como a função descritiva da ciência do direito (não mais
construtiva) e, principalmente, a objetividade do conceito de norma justificada pela verificabilidade
empírica. Por fim, a última fase evidencia a virada pragmática a partir de 1962 até o final da sua vida –
Kelsen, nessa fase, desenvolve a semântica e a pragmática das normas, além de fortalecer o
voluntarismo da decisão judicial.
Observa-se, por fim, que Paulson propõe uma separação da obra em três fases: fase construtivista,
clássica e cética. No geral, entretanto, Paulson concorda com o trabalho de Heidemann no aspecto das
mudanças na obra de Kelsen. E além, enfatiza que tais mudanças são essenciais para a interpretação
dos textos.
Por oposto a essa hipótese, analisando-se o não-cognitivismo moral que acompanha Kelsen em todas as
suas obras, especialmente na A Ilusão da justiça, prova-se uma constante no pensamento do autor, o que
nos permite, ao fim, uma unidade interpretativa das suas ideias. Nesse sentido, mesmo concordando
com a reformulação dos conceitos especificamente teóricos, como a norma fundamental (de hipotética
para ficcional) e a questão do debate entre formalismo e realismo da interpretação, o presente trabalho
sustenta que a concepção cética kelseniana acerca da moral absoluta ou universal permanece inalterada.
Em suma, há mudanças nos aspectos teóricos da Teoria pura do direito, mas não nos seus aspectos
políticos e morais; portanto, estes devem ser a constante de análise da sua filosofia do direito, e não o
oposto, como faz Paulson.

Bibliografia básica:

GAVAZZI, Giacomo. Introdução. In: KELSEN, Hans. A democracia. Tradução: Vera Barkow et al. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000b.
JABLONER, Clemens. Kelsen and his Circle: the vienense years. European Jornal of International
Law, n. 9: 1998, p. 368-385.
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução: Vera Barkow et al. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000a.
______. A ilusão da justiça. Tradução: Sérgio Tellaroli. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000b.
______. O que é justiça? Tradução: Luís Carlos Borges e Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
______. Sociedad y Naturaleza: una investigacion sociologica. Tradução: Jaime Perriaux. Buenos
Aires: Editorial DEPALMA, 1945.
______. Teoria geral das normas. Tradução: José Florentino Duarte. Porto Alegre, Fabris, 1986.
______. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
______. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2009.
______. O problema da justiça. Tradução: João Baptista Machado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
PAULSON, Stanley; PAULSON, Bonnie Litschewski (Org.). Normativity and Norms: Critical
Perspectives on Kelsenian Themes. New York: Oxford University Press Inc.: 2007.
PAULSON, Stanley. Reflexões sobre a periodização da teoria do direito de Hans Kelsen – com pós-
escrito inédito. In: OLIVEIRA, Júlio de Aguiar; TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes (Orgs.).
Hans Kelsen: Teoria jurídica e política. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 3-37.
WRIGHT, Georg Henrik von. Is an Ought. In: PAULSON, Stanley; PAULSON, Bonnie Litschewski
(Org.). Normativity and Norms: Critical Perspectives on Kelsenian Themes. New York: Oxford
University Press Inc.: 2007, p. 365-382.

O lugar da estabilidade na justificação da teoria da justiça como equidade, a partir do livro Uma
Teoria da Justiça de John Rawls
Raquel B. Cipriani Xavier

Resumo:

Uma das dificuldades enfrentadas pelo leitor ao se propor a tarefa de investigar os argumentos em favor
da estabilidade em Uma Teoria da Justiça é lidar com os argumentos que foram desenvolvidos de modo
intermitente e pouco claro na Parte III de referido livro. Acreditamos que uma das maneiras de
organizar as ideias ali expostas é esclarecer o lugar em que os argumentos em favor da estabilidade se
localizam na estrutura argumentativa da posição original, e qual o lugar da estabilidade na estrutura
justificatória da teoria. Uma leitura um pouco mais apressada da Parte III nos conduz à impressão de
que o raciocínio da estabilidade ocorre fora da posição original, como se em algum momento depois de
finalizado o experimento, ou em um ponto de vista em que as partes não estejam submetidas às
restrições da posição original. Esta impressão é fortalecida quando nos guiamos pelos textos dos
principais comentários tanto à posição original quanto à estabilidade e a motivação moral em UTJ:
neles é comum que a construção da posição original e o raciocínio que conduz aos dois princípios de
justiça sejam tomados como todo o procedimento e única função do experimento mental. Quando
compreendida desse modo, a posição original é facilmente vista como não essencial ou mesmo
desnecessária para o desenvolvimento da teoria da justiça como equidade. Tal percepção incorreta
ocorre quando não se releva uma importante e nem sempre notada característica da posição original:
sua estrutura argumentativa é dividida em dois estágios: o primeiro trata da especificação do
procedimento e da escolha dos princípios e o segundo da confirmação da escolha através da análise da
estabilidade. Somente depois de analisar ambos é que a justificação a partir da posição original está
concluída. No entanto, quando o leitor ignora a segunda etapa argumentativa é levado a supor que o
primeiro estágio “é o argumento completo a partir da posição original, e uma vez que as partes tenham
feito suas escolhas o trabalho delas está concluído e elas podem, por assim dizer, encerrar o negócio”
(GAUS, 2014, p. 236). Com o presente trabalho pretendemos evidenciar essas duas etapas
argumentativas da posição original e, com isso, afirmar a necessidade da posição original para a teoria.
Uma das implicações de reconhecer tal bipartição é que também fica mais claro qual é o lugar e o papel
do argumento da estabilidade na teoria da justiça como equidade, tal como desenvolvido em Uma
Teoria da Justiça.

Bibliografia básica:

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Jussara Simões. Revisão técnica e da tradução
Álvaro de Vita. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
RAWLS, John. Liberalismo Político. Tradução de Álvaro de Vita. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,
2011.
BRAGA, Antonio Frederico Saturnino. Kant, Rawls e o utilitarismo: justiça e bem na filosofia política
contemporânea. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.
GAUS, Gerald. The Turn to a Political Liberalism. In: MANDLE, Jon ; REIDY, David. (Org) A
Companion to Rawls. Oxford: Wiley Blackwell, 2014, pp. 235-250.
MAFFETTONE, Sebastiano. Rawls: an introduction. Cambridge: Polity Press, 2010.
WEITHMAN, Paul. Why Political Liberalism? On John Rawls’s Political Turn. Oxford: Oxford
University Press, 2010.

Modelando a Realidade ou Realidade Modelada? Aspectos Metodológicos da Ontologia aplicada


ao caso Quântico
Lauro de Matos Nunes Filho

Resumo:

Espaço e tempo são dois conceitos centrais para a filosofia, não havendo filósofo que não tenha se
envolvido minimamente com ambos os conceitos. Em geral, tais conceitos são tomados de forma
generalista ou uniforme, como, por exemplo, na filosofia de Kant. No nosso caso nos interessa a
aplicabilidade de tais conceitos no contexto das investigações ontológicas projetadas sobre a ciência, ou
melhor, sobre as estruturas científicas. De maneira direta, nosso interesse gira em torno da noção,
pouco clara, de entidade quântica, tendo como tema a possibilidade de aplicação da categoria espaço-
temporal de tropo às entidades, partícula e campo, com as quais o formalismo da Mecânica Quântica
Não-Relativística (MQNR) e a Teoria Quântica de Campos (TQC) estão associadas. Assim, trata-se de
uma investigação de cunho ontológico voltada às recentes abordagens da ontologia analítica sobre os
aspectos conceituais e formais da MQNR e, mais recentemente, sobre alguns aspectos da TQC. A
proposta traçará, inicialmente, os conceitos de metafísica, ontologia e aquilo que denominamos por
ontologia analítica, definindo nesta última um possível método de abordagem ao estudo de estruturas
científicas através da ontologia. Assim, um trabalho que verse sobre teorias físicas, em qualquer
escopo, não pode ser tratado de maneira usual e deve ser abordado do ponto de vista interno (formal e
pragmático) da teoria física, sendo esta uma consequência da subdeterminação da ontologia pela física,
em cada caso. Em suma, como proposto por Kuhlmann, devemos dispor de uma ontologia que possa
ser modelada pela teoria escolhida, o que acarreta que a caracterização desta ontologia depende,
necessariamente, no caso de teorias físicas, de um conhecimento adequado dessas teorias. Neste
sentido, faz-se necessária uma abordagem metodológica vinculada, primeiro, ao conteúdo não
filosófico e, segundo, duas abordagens vinculadas ao conteúdo filosófico, o que pode ser visto abaixo.
Propriamente, o método de abordagem tratará de verificar e comparar do ponto de vista conceitual e,
eventualmente formal, as propostas de análise de problemas ontológicos no domínio quântico por meio
da categoria de tropo sobre dois enfoques. Primeiramente, trataremos da proposta de Peter Simons para
uma teoria nuclear de tropos (nuclear theory) aplicada à MQNR (1994) e ampliada mais tarde à TQC
(2002). A proposta de Simons busca conciliar as teorias de substrato (substratum) com as teorias de
feixes (bundle theories), tentando conservar os aspectos positivos destas abordagens. Em seguida,
colocaremos em análise a abordagem de Meinard Kuhlmann (2010) acerca da proposta de Simons. A
leitura de Kuhlmann será entendida como uma visão revisionista e mais acabada da visão de Simons, a
qual é operada por Kuhlmann através do que ele denomina como Ontologia Disposicional de Tropos. A
visão de Kuhlmann mostra-se interessada em operar uma fundamentação das noções de partícula e
campo na categoria de tropo disposicional (dispositional trope). Neste sentido, nosso intento será
verificar a adequação categorial e formal entre a teoria e a abordagem via tropos, analisando se esta
abordagem é uma via suficientemente forte para fundamentar as entidades quânticas (partícula; campo)
na categoria de tropo disposicional, e se isto acarreta, de maneira geral, em uma unificação das
ontologias associadas à MQNR e à TQC. Em especial, estaremos interessados em analisar de que modo
esses autores lidam com a noção de individualidade das entidades quânticas. Outras questões
secundárias, ligadas ao escopo da tese, deverão ser tratadas ao longo do trabalho.

Bibliografia básica:

ARENHART, JONAS R. B.. “Ontological Frameworks for Scientific Theories. Foundations of


Science” (Print), v. 17, p. 339-356, 2012.
FRENCH, Steven & KRAUSE, Décio. Identity in physics: a historical, philosophical, and formal
analysis. Oxford: Clarendon Press, 2006.
KUHLMANN, M., LYRE, H. & WAYNE, A. (eds.). Ontological Aspects of Quantum Field Theory.
Singapore: World Scientific, 2002.
SIMONS, P.. “Candidate general ontologies for situating quantum field theory”, In: Kuhlmann, Lyre
and Wayne (2002), pp. 33-52.
________. “Particulars in particular clothing: Three tropes theories of substance”, In: Philosophy and
Phenomenological Research, 54 1994. (pp. 553–576).

A Rebelião dos obedientes: os dramas da desobediência civil em Shakespeare e Hobbes


Marcelo Alves

Resumo:

Os estudos shakespearianos quando se voltam para o campo da política frequentemente se vêem


tentados a fazer de Maquiavel umas das principais fontes capazes de explicar o tipo de realismo
político que amiúde se pode encontrar nas peças do Bardo. Personagens como Ricardo III e Henrique
IV, entre muitos outros, encarnariam a concepção política do florentino tal como expressa em seu O
Príncipe. A tentação de aproximar a concepção política presente em inúmeras peças de Shakespeare
com aquela de Maquiavel é maior ainda quando se verifica que o próprio dramaturgo inglês cita o
nome do florentino três vezes em sua obra. Mas se é verdade que a leitura atenta da obra
shakespeariana obriga a reconhecer, de um lado, que o realismo maquiaveliano comparece em várias
peças do Bardo – nem que seja na forma caricatural com a qual o teatro elizabetano estava bastante
familiarizado –, é forçoso, por outro, reconhecer que aquele realismo é incapaz de contemplar toda a
complexidade política e humana que as peças shakespearianas põem em movimento. Exemplo disso é o
modo como o tema central da obediência/desobediência aparece tematizado na obra de Shakespeare. O
tema da obediência devida pelo súdito ao seu soberano orienta grande parte das reflexões e debates
políticos da Inglaterra de meados do século XVI até fins do século XVII, sendo freqüentemente
abordado a partir da situação-limite da desobediência, que tem a capacidade de problematizar um
amplo conjunto de conceitos, valores e práticas significativos da teoria política, pois indaga com
veemência, a um só tempo, sobre o fundamento, os limites e o exercício do poder político. A
obediência/desobediência era assunto que não se restringia aos círculos intelectuais, mas cuja
popularidade fez com que fosse abordado inclusive pelo teatro elisabetano, especialmente por
Shakespeare. Em várias de suas peças, particularmente em seus Dramas Históricos (History Plays), a
desobediência ocupa um lugar decisivo, arrastando quase sempre rei e reino à ruína ou à beira dela. Por
isso, vários comentadores lêem em Shakespeare uma defesa da obediência em perfeita sintonia com a
ideologia Tudor (por exemplo, Lily Campbell e E. W. Tillyard). Também se sabe o quanto Hobbes
insiste sobre a necessidade da obediência para a vida em sociedade e para a própria preservação da vida
dos indivíduos, o que o levou muitas vezes a ser tachado como defensor de um absolutismo tout court.
Mas, se a defesa da obediência parece, à primeira vista, ser a tônica tanto em Shakespeare como em
Hobbes, há também em suas obras elementos que reconhecem os limites da obediência devida ao
soberano. A tese aqui proposta é que estes limites têm motivações e contornos muito parecidos nos dois
autores e que, assim sendo, a arte de Shakespeare prefigura dramaticamente aspectos centrais do
conceito hobbesiano de obediência (e que, por consequência, aquela dramatização da
obediência/desobediência dialoga com outros conceitos da filosofia política de Hobbes). Em peças
como King John, Richard II e Henry VI, os problemas e dilemas em torno da obediência/desobediência
vêm à tona em toda a sua complexidade de carne e espírito e reiteradamente apresentam a capacidade
de oferecer proteção por parte do soberano como pressuposto do dever de obediência do súdito e,
também, o limite para essa obediência, ou seja, sinalizam que, como afirma Hobbes no Leviatã, “a
obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder
mediante o qual ele é capaz de os proteger” (cap. XXI).

Bibliografia básica:

SHAKESPEARE, William. The Arden Shakespeare Complete Works. Edited by Richard Proudfoot,
Ann Thompson and David Scott Kastan. London: Arden Shakespeare, 2001.
HOBBES, Thomas. The Collected Works of Thomas Hobbes. Edited by Sir William Molesworth.
London and Bristol: Rotledge/Thoemmes Press, 1999. 12 volumes with an. Introduction by G. A. J.
Rogers.
________. Leviathan. Edited by Richard Tuck. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
UNDERDOWN, David. Revel, riot, and rebellion: Popular politics and culture in England, 1603-1660.
Oxford: Clarendon Press, 1985.
WOOD, Andy. Riot, rebellion and popular politics in Early Modern England. London: Palgrave
Macmillan, 2002.

A falta e o sujeito sartreano


Diego Rodstein Rodrigues

Resumo:

A obra O Ser e o Nada confronta diretamente as propostas essencialistas sobre o sujeito. Para ele o
sujeito não possui formas pré-determinadas a sua existência, tornando-o fundante de sua própria falta.
O conceito de falta pode ser encontrado na proposta sartreana como algo que está no cerne da estrutura
do sujeito. Sua ontologia propõe que somos um movimento ininterrupto de transcendência em direção
aos objetos do mundo, nos notando sempre como diferença dele. Vemos então um sujeito totalmente
negado em si; a consciência sartreana se apresenta enquanto nada, sem nenhuma forma de
essencialismo que possa defini-la.
Sartre encara a noção de subjetividade negativa fundada no Nada, instaurada numa condição pré-
posicional da consciência. Ou seja, sua estrutura original é o nada que habita a consciência e é através
dele que ela, permeada por sua falta de essência, manifesta seu desejo como liberdade. Ela é abertura
para que se pergunte por si, e ao fazê-lo, ela encontra o nada, de tal forma que é infestada por ele. Ao
afirmar tal infestação, chega-se a uma conclusão: o nada não existe previamente ou posteriormente ao
ser – ele divide simultaneamente o ser. Sem nenhuma forma de pré-determinação do sujeito, tomamos a
existência como acidental e contingente, não podendo ultrapassar a diferença de si em relação ao
mundo.
Tal processo carrega consigo um peso ontológico. A consciência reflexiva nota-se nesse constante
abismo do nada, sua negatividade salta aos olhos e ela se nota enquanto falta. Notar tal condição
intransponível torna a consciência angustiada. Sartre nos mostra que a angústia é a forma pela qual a
liberdade tem de apontar a consciência a condição à qual está presa. Ou como o próprio autor define:
“(...) se se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser, é na angústia que a
liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão” (SARTRE, 1997, p.72).
O sujeito angustiado busca livrar-se de seu fado existencial dando a si uma designação que não lhe
pertence. Mentido para si mesmo e para o mundo, agindo de má-fé consigo como se representasse um
papel teatral. Como se o sujeito agisse perante uma gama de padrões, pré-estipulados por ele mesmo,
na tentativa de tornar-se em-si. Uma representação de uma função, como ser garçom, chefe ou até
mesmo ser “o problema do relacionamento”. “O ato primeiro da má-fé é para fugir do que não se pode
fugir, fugir do que se é. Ora, o próprio sujeito revela à má-fé uma desagregação íntima no seio do ser, e
essa desagregação é o que ela almeja ser.” (SARTRE, 1997, p.118)
A angústia de uma consciência que não alcança determinação essencial visto que suas possibilidades
não garantem um ser a ela, reforça o aspecto negativo de sua existência. O sujeito que está preso a tal
condição tenta de alguma forma cessar tal compromisso com sua falta buscando um sentido, um Eu.
Tentando se constituir através de uma ação negadora que está fadada a retornar a falta.

Bibliografia básica:

BORNHEIM, G. Sartre - Metafísica e existencialismo. São Paulo, perspectiva, 2007.


MOUTINHO L.D Sartre – Existencialismo e liberdade. Editora Moderna. São Paulo, 1995.
SARTRE J.P. A Transcendência do Ego. Tradução de Pedro M. S. Alves. Lisboa: Edições Colibri, 1994.
_______. O Ser e o Nada. Petrópolis: Vozes, 1997.
SILVA, FL. A transcendência do ego. Subjetividade e narrabilidade em Sartre. v. 27, n. 88, p. 165-182.
Belo Horizonte: Síntese (Belo Horizonte), 2000.

A liberdade anônima: discurso sobre a passividade que contamina a livre expressão criativa
Paulo Thiago Bertucci Schmitt

Resumo:

Este escrito convida a meditar sobre ontologia e filosofia da arte partindo de Maurice Merleau-Ponty.
A produtividade da natureza e suas consequências para a esfera cultural é eixo temático no qual se
procurará compreender o momento da criação de um novo “ser cultural”, especificamente no processo
criativo da arte, para investigar como ali a expressão criativa, autêntica ou inédita ainda pode ser
pensada como exercício de liberdade. Sobretudo, perseguindo uma indicação da “última” ontologia de
Merleau-Ponty, qual seja, que o campo de possibilidade de sentido emergente na cultura tem sua raiz
em dimensões temporais que se auto-produzem sem requererem articulação sintética da consciência.
Tal proposta de investigação sobre a relação entre criação e liberdade exige, preliminarmente, que o
deslocamento dos conceitos de ontologia referentes às imbricações entre a ordem da natureza e a ordem
da criação cultural seja devidamente descrito. Somente depois de realizada essa tarefa, pautada no
trajeto merleau-pontyano da eliminação dos vestígios da “filosofia da consciência”, que num segundo
momento poder-se-á abordar o problema da passividade na atividade de criação. Sendo assim,
proponho um encontro com a noção ontológica de “produção natural” sob um ponto de vista inspirado,
sobretudo, pelo “reconhecimento de um ser não sabido”, de um “excesso do Ser sobre a consciência do
Ser”. O sentimento de que a abertura de minha experiência com o mundo não pode ser encerrada por
um pensamento objetivo, quer dizer, de que a Natureza não pode repousar plenamente diante de mim
como um simples objeto, mas pelo contrário, sendo ela o Ser que antecede, sustenta e escapa a toda
reflexão – visto já estarmos investidos desse Ser não sabido quando nos voltamos a ele – estimula aqui
o desejo de se pensar a Natureza enquanto solo de partida, enquanto pregnância e produtividade de
sentido prévio às atividades da vida consciente. Quando se fala em produção natural no horizonte de
Merleau-Ponty não se tem em vista, portanto, a distinção entre produtor e produto: o interior ou ímpeto
produtivo da Natureza não tece a contextura dos acontecimentos que compõe o mundo tal como o
artesão cria seus artefatos, estando deles separado pelos instrumentos enquanto autor de uma peça; o
“interior” da Natureza está mais para uma latência que engendra o fluxo existencial ao fazer “algo
acontecer”, aquilo que “faz mundo”, ou melhor, faz com que uma experiência dele possa se abrir como
fenômeno para mim numa espécie de co-autoria inseparável entre criador e criatura, na reversibilidade
e na sobredeterminação entre o que há de natural e o que há de artificial: Ser bruto onde se situam
espíritos ancorados corporalmente num mesmo mundo que vibra e se desdobra temporalmente. Tal
estudo sobre a relação entre Natureza e cultura nos levará ao encontro de três proposições centrais para
essa pesquisa de filosofia que interroga a passividade no gesto livre de criação. Se pudéssemos reuni-
las aqui de modo breve, as enunciaríamos da seguinte maneira: a) o ser cultural é uma metamorfose não
dicotômica do ser natural – atendendo a premissa ontológica de reversibilidade e mutua fundação entre
naturante e naturado; b) a criação cultural ou dimensão originária da linguagem se erige de modo
indireto, alusivo e sempre aberto a novas investidas (especialmente na arte) – porque tal criação se dá
ambiguamente como arrebatamento por uma produtividade natural cega, gesto criativo que retoma uma
coesão sem síntese do ser-prévio, produção de sentido originário que jamais alcança um termo ou
significado definitivo; c) a criação do ser cultural enquanto gesto livre pauta uma redefinição da
liberdade que inclui algo de anônimo no protagonismo do agente livre – já que a autoria repartida da
criação (confusão entre criador e criatura) atesta uma passividade na atividade livre que desautoriza um
estatuto autárquico daquele que cria, ou daquele que age livremente. Essas três proposições são centros
de convergência no caminho que vai do inquérito da Natureza como Ser bruto à descrição da origem da
cultura como Espírito Selvagem segundo o trabalho do Desejo, remetendo-nos finalmente a uma
liberdade anônima na ontogênese dos cursos existenciais intercorpóreos. Se o “ser cultural” é
condicionado pelo “ser natural”, toda a atividade de criação apenas retoma e amplia algo já sussurrado
pela natureza, e por isso gostaríamos de suscitar um assentimento que impele a despojar a autarquia da
atividade criativa, isto é, retirar-lhe uma autoria que exceda ou ultrapasse a ordem da natureza;
admitindo, desde então, certa passividade no exercício livre de criação. Todavia, o agente da livre
iniciativa assume um protagonismo ambíguo ao inovar na criação, vive certa autoria repartida daquilo
que cria de inédito pelo que há de passivo (e anônimo) em sua iniciativa. E eis que se configura então o
alvo principal desse discurso: tornar presente ao pensamento os contornos da ambiguidade do sentido
de ser originário do horizonte cultural, aberto pela expressão criativa na compatibilidade entre natureza
e liberdade.

Bibliografia básica:

CARBONE, Mauro. La chair dês images – Merleau-Ponty entre peinture et cinema. Paris: Vrin, 2011
HUSSERL, Edmund. Lições para uma Fenomenologia da consciência interna do tempo. Lisboa: Ed.
Imprensa nacional-Casa da Moeda, 2001.
MÉNASÉ, Stéphanie. Passividade e criação: pintura e abertura, a partir de Merleau-Ponty. In: Merleau-
Ponty em Salvador. Salvador: Ed. Arcádia, 2008.
MERLEAU-PONTY, Maurice. A Natureza. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.
____. Signos. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1° edição, 1991.
____. O visível e o invisível. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2012.
MÜLLER, Marcos J. Gestalt como Filosofia da carne e os três registros da experiência: Imaginário,
Simbólico e Real In: Merleau-Ponty em Florianópolis. Porto Alegre, Editora Fi, 2015

A noção de scala amoris no Banquete de Platão


Yuri Galvão Oberlaender de Almeida
Resumo:

No diálogo O Banquete a sacerdotisa Diotima introduz o leitor, e também Sócrates, à noção de scala
amoris,ou seja, de escada do amor. Essa noção corresponde à ascensão, de “degrau em degrau” como
em uma escada, a que o amor (eros) humano deve submeter-se em vista de sua plena, e verdadeira,
realização. É o tratamento conceitual que Platão dá à noção de Eros, característico ao diálogo
Banquete. O perigo de ignorar essa noção, no contexto da filosofia platônica, é a de tomar a ilusão pela
realidade, de maneira similar aos prisioneiros da caverna, apresentados no livro VII da República. A
presente pesquisa é conduzida no sentido de explorar a importância dessa noção na filosofia platônica.
O primeiro momento da pesquisa concentra-se no Banquete de Platão. Buscamos uma leitura atenta
pela qual a noção de escada do amor esteja devidamente inserida em seu contexto e suas relações com
o diálogo platônico do qual faz parte. Em seguida, através do estudo de comentadores, traçamos um
panorama das interpretações que vem sendo desenvolvidas no ambiente acadêmico a respeito do
discurso de Diotima. Para tanto, busca-se compreender como essa noção, apesar de característica do
diálogo Banquete, expressa temas centrais ao platonismo: a separação ontológica entre seres materiais e
imateriais, o telos metafísico do homem e a ética fundada nos valores supramundanos. Em outras
palavras, o objetivo é lançar luzes em temas fundamentais do platonismo através do estudo do diálogo
Banquete.
Uma descida possível: o discurso de Alcibíades (215 A -222 C)
A descida não apresenta-se, com a mesma clareza do mito da caverna, na scala amoris. Esse fato aponta
na direção de uma diferença fundamental entre os dois mitos platônicos. Afinal, será o caso de
apresentarem tamanha semelhança quanto a estrutura de ascensão e, apesar disso, separarem-se de
maneira fundamental no que diz respeito à descida?
Nesse capítulo o objetivo é investigar uma possível descida presente no Banquete, presente no
derradeiro discurso, aquele proferido por Alcibíades. A investigação que empreendo nessa seção é
central para o presente trabalho, pois através dela duas ideias fundamentais vem a tona: 1- a noção de
scala amoris tem uma importância crucial para a filosofia platônica, uma vez que expõe e esclarece, de
maneira essencial, uma teoria central dessa filosofia: o mito da caverna; nesse sentido a scala amoris
pode ser lida como uma preparação, ou complemento, ao livro VII da República; 2- a paideia está
intimamente ligada à filosofia platônica, a descida do filósofo expressa-se de maneira ideal na atividade
pedagógica radical, vivida por Sócrates. Em outras palavras, a primeira ideia está preocupada em
discernir a forma geral do movimento expresso no mito da caverna e sua relação à scala amoris; a
segunda preocupa-se em explorar o conteúdo desse movimento.
O mito da caverna, presente no livro VII da República, é considerado trecho básico para o
conhecimento da filosofia de Platão. De fato, ali se encontram, amalgamados, elementos essenciais
para a compreensão de seu pensamento. Além de uma referência direta ao conteúdo da verdadeira
filosofia.
Aqui chegamos ao centro do presente trabalho. Qual o seu tema afinal? A vida contemplativa, em
outras palavras, a vida intelectual e os elementos que a compõe, com especial atenção para sua
apresentação na filosofia platônica. Por que, afinal, traçar uma relação entre a scala amoris e o mito da
caverna? Porque a relação entre essas duas analogias permite ver, de maneira sintética, a essência da
bios theoretikos platônica.

Bibliografia básica:

HADOT, P. O que é a filosofia antiga? São Paulo: Loyola, 1999


JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4a edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
JIRSA, J. (2007) Alcibiades’ Speech in the ‘Symposium’ and its Origins, In. A.
PLATO. [Works. English. 1997] Complete works / Plato; edited, with introduction
And notes, by John M. Cooper; associate editor, D. S. Hutchinson.
CHANG, R.-C. (2002). “Plato’s Form of the Beautiful in the ‘Symposium’ versus Aristotle’s Unmoved
Mover in the ‘Metaphysics’ Lambda”, «Classical Quarterly» V. 52, p. 431-46.

Princípio de não-contradição explicitado na arte


Oscar José Zanardi

Resumo:

Parte-se da questão da definição de arte com o exemplo dos indiscerníveis, e se resolve a questão com
o princípio de não-contradição de Protágoras e Aristóteles. Conclui-se que o princípio da identidade
dos indiscerníveis é o princípio da não-contradição que distingue como contrários os idênticos, e é, por
isso, princípio enquanto harmonia entre contrários. A harmonia é traduzida para a filosofia da arte
como beleza, e está no axioma supremo da Estética Filosófica o princípio de identidade entre
contrários, enquanto princípio de não-contradição demonstrado pela arte: “A natureza é bela quando
parece que é criada, e a arte é bela quando parece que é natural”. Este enunciado por Kant guarda o
significado da revolução copernicana e está presente desde a Antiguidade nos pensamentos dos
filósofos sobre os contrários, nos quais a realidade é descrita como o seu oposto, como simulacro ou
pintura artificial, como fenômeno totalmente dependente do homem, para assim fixar a harmonia entre
os contrários como princípio da sua identidade. Com isso, configura-se a prova artística do princípio de
não-contradição e a arte é definida, quando atinge a sua função de ser idêntica à natureza, como
contrária a esta. Tal prova significa a realização do gênio artista enquanto distinção por meio de uma
autocontradição performativa, como morte ou autoimolação de si mesmo, pela qual ele desaparece e a
obra de arte aparece espontaneamente e sem esforço; a mesma autocontradição performativa que é
necessária para se demonstrar o princípio de não-contradição. A prova artística indica que, além dos
sentidos já catalogados, como os lógico, psicológico, ontológico e sensorial, o princípio tem sentido
artístico. Quando um artista chega a esta compreensão, ele pode ser chamado de gênio, pois tornou-se
ele mesmo o que ele é, o princípio da identidade entre arte e natureza. Instaurar a Distinção pela qual
arte e realidade são idênticas, isso significa tornar-se gênio. Todas as características atribuídas ao
desaparecimento ou morte do homem resultam da negação do princípio de não-contradição: não-
entendimento, não-sensibilidade, não-lógica, em suma, a indistinção de tudo com tudo, o caos ou
indeterminado. A negação de ambos é a indistinção ou a conclusão de que “tudo é um”. Tanto o homem
quanto o princípio de não-contradição, suprimidos, disto se segue que tudo é um: nada poderá ser
determinado nem discernido. Ou seja, a refutação do princípio tem de ser idêntica à morte do homem,
porque o homem é, na verdade, o princípio da não-contradição. Por isso, eles são idênticos.
Compreende-se aqui que a sabedoria do homo-mensura de Protágoras é idêntica ao processo de
demonstração do princípio de Aristóteles. Ao entrar em estado terminal de autocontradição, o homem
torna-se o que ele mesmo é, o princípio de não-contradição que tentou refutar, segundo o qual não há
contradição em parte alguma e, por isso, não só é inútil, como impossível contradizer. O princípio da
não-contradição é o mesmo que a impossibilidade de contradizer, porque o homem é a medida e fonte
de determinação de todas as coisas. O princípio de não contradição é o próprio homem, que é medida
de todas as coisas e princípio absoluto do relativismo. Obras citadas como explicitando o princípio:
Girassóis de Van Gogh, Parnaso de Rafael, afresco de Anúbis, Hércules de Eurípides etc.

Bibliografia básica:

ARISTÓTELES. Metafísica. Ed. por Valentín García Yebra. Madri: Editorial Gredos, 1998.
DANTO, Arthur C.. O Mundo da Arte. In: D’OREY, Carmo (org). O que é a arte? – A perspectiva
analítica. Lisboa: Dinalivro, 2007.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Trad.: Valerio Rohden e António Marques. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995.
Os Pré-Socráticos. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2006 (Coleção “Os Pensadores”).
SCHIAPPA, Edward. Protagoras and Logos: a study in greek philosophy and rethoric. 2ª ed. Columbia:
University of South Carolina Press, 2003.

Problema do Regresso e Problema da Estrutura da Justificação


Allysson Vasconcelos Lima Rocha

Resumo:

Comumente, o problema do regresso é conhecido como a tentativa de interromper uma sequência de


inferências que tende ao infinito. A exigência é de que isso seja feito de uma maneira que não transmita
arbitrariedade ou que não perfaça um raciocínio circular. Não conseguir uma interrupção nestes moldes
impede que alguma agente epistêmica alcance justificação e conhecimento. Nesta oportunidade, eu
chamo atenção para o fato de que, em sua origem, aquilo que hoje é conhecido como o problema do
regresso tem contornos mais amplos. Na obra de Sexto Empírico, o que se observa são os cinco modos
de suspensão do juízo (PH I 164-169). Sua exposição não é centrada no regresso, sendo este apenas um
dos modos vislumbrados entre os da discrepância, da relatividade, da hipótese e da reciprocidade. Tais
modos remetem a características presentes no Pirronismo que proporcionam uma larga discussão
acerca do que Sexto Empírico quis, realmente, propor com estes argumentos. Meus interesses,
entretanto, não se direcionam ao aspecto exegético da discussão. Antes, eu me volto para os traços que
permeiam o debate atual, em torno de uma solução. Por muito tempo convencionou-se que os cinco
modos remetiam ao problema que apresentei na abertura deste resumo. Portanto, a perspectiva de que
interromper o regresso solucionaria o problema era pervasiva. As tentativas neste sentido sempre
apelaram para fundamentos em crenças básicas (fundacionismo) ou uma noção de coerência
(coerentismo) que evitasse uma sequência inconclusiva de inferências. É interessante, porém, observar
que alguns autores, no ponto adiantado do debate, começaram a chamar atenção para o fato de que o
Pirrônico não necessariamente vê o regresso como incompatível com justificação. No caso mais
conhecido, Peter Klein, numa retomada da discussão em torno do Pirronismo, colocou esta crítica de
maneira mais robusta, dando origem à visão de sequências sem fim e não repetidas de inferências de
proposições podem gerar justificação ou conhecimento (infinitismo). A dificuldade que aparece disso é
que o problema do regresso, a partir desta crítica, surge como uma variação dos cinco modos de
Agripa, isto é, aquela em que se assume de saída a incompatibilidade do regresso com a justificação.
Nesta oportunidade, eu pretendo, primeiro, dar alguns exemplos de como diferentes critérios usados
para discernir o problema conduzem a diferentes soluções. Depois disso, eu abordo duas questões.
Primeiro, em que medida estas diferentes abordagens podem representar uma dificuldade adicional ao
debate. Segundo, se é possível entrever critérios comuns a todas as abordagens que facilitassem a
avaliação das teorias e suas propostas.

Bibliografia básica:

EMPIRICUS, Sextus. Outlines of Scepticism. Trans. ANNAS, Julia & BARNES, Jonathan.
Cambridge: Cambridge University Press, 2000
KLEIN, Peter. Human Knowledge and the Infinite Progress of Reasons. Philosophical Studies. New
York. Vol. 134, 2007a. p. 1-17
AUDI, Robert. The Structure of Justification. New York: Cambridge University Press, 1993
BONJOUR, Laurence; SOSA, Ernest. Epistemic Justification: internalism vs externalism, foundations
vs virtues. Malden: Blackwell Publishers, 2003

O valor da Arte: A possibilidade estética da teoria de Nelson Goodman


Ana Carolina de Melo Coan

Resumo:

No campo da estética diversas teorias foram e vem sendo elaboradas com intuito de responder qual é o
valor da arte, as Teorias Normativas da Arte. O presente trabalho apresentará a teoria Construtivista
desenvolvida por Nelson Goodman, o qual sustenta, através de sua teoria geral dos símbolos, que o
valor da arte está em sua capacidade de proporcionar entendimento. O problema epistêmico, a saber, se
a arte pode ou não proporcionar conhecimento, será investigado por meio da percepção dos críticos de
Goodman sobre a plausibilidade da teoria construtivista como resposta ao problema da valorização da
arte.

Bibliografia básica:

GOODMAN, N. Linguagens da Arte – Uma Abordagem a Teoria dos Símbolos. Lisboa: Gradiva, 2003.
GOODMAN, N. Ways of World Making. Indianapolis: Hackett Publishing. 1978.
GOODMAN, N.; ELGIN,C.Z. Reconceptions in Philosophy and Others Arts and Sciences. London:
Routledge, 1988
RAMME, N. Arte e construção de mundos: um estudo sobre a teoria dos símbolos de Nelson
Goodman. Tese de Doutorado - Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2004.
RAMME, N. Instauração: um conceito na filosofia de Goodman. Rio de Janeiro, 2012.

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