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A HISTÓRIA É PARTE DE NÓS.

POR QUE SE CONCEDEU O PRÊMIO DA


DEMOCRACIA A DANIEL J.
GOLDHAGEN?1

Jürgen Habermas*

O Prêmio de Democracia do ano em curso [1997] foi concedi-


do ao laureado com a seguinte justificativa: Daniel Goldhagen teria
dado "impulsos essenciais à consciência pública da República Fede-
ral da Alemanha em razão da energia e da força moral de suas expo-
sições" e aguçado "a sensibilidade para com os motivos, a proveni-
ência e as limitações de uma normalização alemã." A referência ao
efeito retórico do livro e à questão polêmica da normalização, que se
coloca novamente com a fase de transição para a República de Ber-
lim, deixa entrever o que a curadoria da revista Cadernos de Política
Alemã e Internacional tem - e não tem - em mente com a concessão

1 A revista Cadernos de Política Alemã e Internacional (Blàtter für deutsche und intemationale
Politik), foro aberto à polêmica sobre temas da atualidade e questões fundamentais, concedeu o
Prêmio da Democracia 1997 ao historiador Daniel J. Goldhagen por seu livro Os carrascos vo-
luntários de Hitler (Hitlers willige Vollstrecker). Os editores convidaram Jürgen Habermas e Jan
Philipp Reemstma para pronunciar os discursos de apresentação e de louvor do premiado. Haber-
mas até então ainda não tinha se pronunciado a respeito das teses de Goldhagen 0 Muitos dos
historiadores que têm afinidade com as posições intelectuais dofilósofosocial haviam se distanci-
ado de Goldhagen e de sua opinião de que com o genocídio os alemães nada mais fizeram do que
levar a efeito a ação de um anti-semitismo profundamente arraigado. Alguns dos mais renomados
especialistas em história do período nacional-socialista, que se opunham a qualquer tentativa de
normalização, viram-se de repente colocados na defensiva. Em razão de tudo isso, aguardava-se
com especial expectativa o discurso laudatório de Habermas, do qual a revista internacional alemã
Humboldt (vol. 39, n° 75, 1997, pp. 64-67; Inter Nationes, Bonn) publicou este extrato, traduzido
para o português. O original do discurso, pronunciado por Habermas em 10 de março de 1997, foi
publicado na edição de abril de 1997 da revista mensal Blàtter e na documentação bilíngüe Aus
der Geschichte lernen - How to Learn from History (Blãtter Verlag, Bonn). Textos de História
agradece à editora Blàtter e à Inter Nationes a autorização para reproduzir este extrato traduzido.
Tradução de Estevão de Rezende Martins.
* Professor emérito da Universidade de Frankfurt, ex-diretor do Instituto Max Planck de Ciências
Sociais, Alemanha.
Textos de História, v. 5, n" I (1997): 127-133.
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deste prêmio. Ela nem pode e nem quer intervir numa controvérsia
científica. Também na Alemanha, renomados historiadores, muitas
vezes com a energia de toda uma vida acadêmica, obtiveram grandes
méritos com a pesquisa da era nazista e o esclarecimento político dos
cidadãos acerca dos complexos antecedentes do holocausto. A ques-
tão não é quem dos historiadores da Idade Contemporânea teria me-
recido a atenção de um público mais amplo, mas sim como se deveria
avaliar a atenção extraordinária de cidadãos interessados que o livro
de Daniel Goldhagen realmente despertou. O sentido performativo
da concessão do prêmio reza que a ressonância pública que o autor e
o livro tiveram na República Federal da Alemanha tanto é merecida
como digna de ser aclamada.
Esta afirmação provoca protestos veementes. O livro, diz-se,
satisfaria as necessidades da massa do público em encontrar explica-
ções simplificadas por meio de uma exposição global e niveladora de
um acontecimento complexo. Através de meios estilísticos de uma
estética da crueldade, criaria efeitos emocionais, obscureceria a ca-
pacidade de discernimento, utilizando descrições obscenas. Outras
admoestações referem-se muito menos ao texto do que aos motivos
dos compradores e leitores. Aí encontramos os conhecidos estereóti-
pos da boa gente, do nacionalismo negativo e do êxodo da história.
Os descendentes dos autores do crime criariam por intermédio da
identificação posterior com as vítimas uma satisfação gratuito-pre-
sunçosa. Aproveitariam novamente a oportunidade de abandonar a
lealdade às próprias tradições e de refugiar-se em um pós-nacionalis-
mo quimérico. Tenho que admitir que não entendo tais reações exal-
tadas. Elas procuram explicar um fenômeno que não necessita de
explicação.
Trivialmente, era de se esperar que um livro desses tivesse
uma grande ressonância. Precisa-se apenas entender essa interrela-
ção: os estudos analíticos de casos de extermínio de judeus feitos por
Goldhagen e a atitude de expectativa do público, interessado no es-
clarecimento desse capítulo criminoso de sua História. As pesquisas
feitas por Goldhagen são moldadas exatamente nas questões que po-
larizam nossas discussões, tanto particulares quanto públicas, há meio
século. Desde os primórdios da República Federal da Alemanha existe
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um contraste entre aqueles que preferem explicar a quebra da civili-


zação como um fenômeno da natureza, provocado pelas circunstân-
cias, e os que a imputam antes a pessoas responsáveis por seus atos, e
não somente a Hitler e seu grupo mais restrito. Hoje as duas partes
defrontam-se numa atribuição recíproca de motivos: ao diagnóstico
da negação, contrapõe-se a acusação da moralização presunçosa. Esta
briga infrutífera ofusca a questão fundamental: o que significa
mesmo uma responsabilização por crimes a posteriori, que nós hoje
utilizamos como instrumento da Selbstverstündigung, do auto-enten-
dimento ético-político entre cidadãos? Goldhagen deu um novo im-
pulso à reflexão acerca do uso público correto da História.
Nos discursos para o auto-entendimento, que são incitados
tanto por filmes, seriados de televisão e exposições como por apre-
sentações históricas ou escândalos, não brigamos por causa de obje-
tivos ou políticas a curto prazo, mas sim de formas desejáveis de
convivência política, também de valores que devem ter prioridade na
comunidade política. Trata-se, ao mesmo tempo, do seguinte: em que
circunstâncias podemos respeitar-nos mutuamente enquanto cidadãos
desta República e em que papel queremos ser reconhecidos por
outros. Para tal, a História nacional representa uma base essencial.
Tradições nacionais e mentalidades que se tornaram parte de nossa
personalidade têm origem mais remota do que os primórdios desta
República. Esta ligação entre autocompreensão política e consciên-
cia histórica determina também a perspectiva sob a qual o livro de
Goldhagen torna-se relevante para nós. Dado que aquele crime sin-
gular que veio possibilitar a formação do conceito de crime contra a
humanidade, teve origem no seio de nossa vida coletiva, levantam-se
obrigatoriamente - para aqueles que nasceram depois que querem
entender sua existência política nesse país - as seguintes questões: é
possível imputar a indivíduos ou grupos de pessoas a criminalidade
política em massa? Quem teriam sido, no caso, os protagonistas res-
ponsáveis e quais as suas razões? Estariam as justificativas normati-
vas, na medida em que teria sido determinantes, ancoradas na cultura
e no pensamento?
Nossa auto-compreensão tem que ser afetada, quando Gol-
dhagen atribui a um círculo representativo de autores, de certa ma-
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neira convencidos de seus atos, uma justificativa subjetiva, que foi


parte integrante das convicções básicas dominantes naquela altura:
"Os judeus representam um tipo de rasgão no tecido cultural alemão
(...), um rasgão no qual todos os tabus culturais romperam, sempre
que os alemães se irritaram com os judeu Partindo da premissa de
que cada geração viva esteja ligada às formas de vida e modo de
pensar das gerações passadas por uma teia de fios culturais quanto ao
modo de pensar e sentir, gesto das expressões e à forma de percep-
ção, uma afirmação deste tipo, se e até onde é verdadeira, deve abalar
a confiança ingênua preexistente nas próprias tradições. Esta posição
crítica em relação ao próprio é o que os estudos de Goldhagen fo-
mentam - e o que suscita a preocupação de certos conservadores.
Nesses círculos crê-se que somente tradições inquestionáveis
e valores fortes tornam um povo capaz de enfrentar o futuro. Por
isso, sobre toda retrospectiva indagadora e cética recai a suspeita de
moralização desenfreada. Desde 1989 vem se fixando na Alemanha
reunificada uma espécie nova de espírito patriótico para o qual os
processos de aprendizagem das últimas décadas; já vão "longe de-
mais". Também aqueles que pensam de maneira diferente parecem
temer que os estudos de Goldhagen avivem um acerto de contas de
moral duvidoso com os contemporâneos do holocausto que o ignora-
ram. Contudo, exatamente esta investigação demonstra que as ques-
tões históricas da responsabilização subjetiva, no contexto atual de
um auto-entendimento ético-político, tem um valor completamente
diferente. Irei inicialmente lembrar como é possível fazer um uso
público legítimo da História, para então explicar por que os estudos
de casos de Goldhagen se adequam a um auto-entendimento ético-
político isento de equívocos moralistas.
A historiografia moderna tem dois destinatários: a classe dos
historiadores e o público em geral. Uma boa apresentação da Idade
Contemporânea deve ao mesmo tempo satisfazer os padrões críticos
da ciência e as expectativas dos leitores interessados. A visão do his-
toriador não deve, é evidente, se deixar conduzir pelo interesse des-
ses leitores, que reclamam esclarecimentos quanto à sua própria lo-
calização histórica. Assim que a visão do observador que está anali-
sando mistura-se com a perspectiva adotada pelos participantes em
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discursos de auto-entendimento, as ciências históricas transformam-


se em política histórica. A união de historicismo e nacionalismo, no
passado, surgiu graças a esta confusão; hoje uma confusão semelhan-
te reflete-se ainda nas tendências de prolongar a Guerra Fria por mei-
os historiográficos. É evidente que somente cientistas íntegros, que
insistem nesse ponto na diferença entre a perspectiva do observador e
do participante, podem ser peritos confiáveis.
De peritos históricos depende por exemplo a justiça penal
política. Quando se trata de criminalidade em massa, tanto a justiça
como a história contemporânea ocupam-se das mesmas questões de
imputação de culpa. Ambas estão interessadas em descobrir quem
participou de tais crimes, se é preciso responsabilizar antes as pesso-
as ou as circunstâncias pelas seqüências de ações ocorridas, se as
pessoas envolvidas poderiam ter agido de outra maneira, se agiram
eventualmente de acordo com convicções normativas ou por razões
de perspicácia, se se poderia ter exigido outro comportamento, etc.
Mas o juiz criminal só pode usufruir de pareceres históricos - do
mesmo modo que o historiador de autos dos inquéritos da promotoria
pública - enquanto ambos considerarem os mesmos fenômenos de
perspectivas diferentes. A primeira parte está interessada na questão
da censurabilidade de ações, a outra no esclarecimento de suas cau-
sas. Do ponto de vista do historiador, a responsabilização por ações
não decide quanto à culpa ou inocência, mas sim quanto ao tipo de
razões explicativas. Independentemente da explicação - se as razões
decorrem das pessoas ou das circunstâncias -, uma explicação causai
não pode por si mesma culpar ou desculpar o protagonista. Somente
a partir da perspectiva dos envolvidos, que se encontram no tribunal
ou no cotidiano e exigem satisfações recíprocas, transformam-se as
questões da responsabilização em questões jurídicas - ou também
morais.
Pois mesmo sob pontos de vista morais, trata-se de julgar o
justo ou o injusto, contudo sem as regras rígidas de procedimento do
Código Penal. Do mesmo modo que para os objetivos da justiça, os
conhecimentos históricos podem ser naturalmente empregados no
cotidiano também em querelas morais como no embate proverbial
entre pais e filhos. Em ambos os casos, o conhecimento histórico
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torna-se relevante para os envolvidos no mesmo sentido. Este senti-


do de justiça diferencia-se porém daquele aspecto sob o qual as gera-
ções subseqüentes se asseguram de uma herança histórica, que preci-
sam assumir de qualquer modo como cidadãos de uma comunidade
política. Esta diferença é importante para mim. As atribuições expli-
cativas do historiador adquirem, do ponto de vista do auto-entendi-
mento ético-político dos cidadãos, outra função, diversa daquela que
desempenhariam nos discursos morais ou legais.
Trata-se aqui, primeiramente, não de culpa ou inocência dos
antecedentes, mas de um assegurar-se de modo crítico dos descen-
dentes. O interesse público daqueles que nasceram mais tarde, que
não podem saber como eles próprios teriam se comportado naquela
altura, está voltado para outro objetivo que o fervor de julgadores
morais contemporâneos que se encontram no mesmo contexto inte-
rativo e exigem explicações recíprocas. Descobertas dolorosas acer-
ca dos próprios pais e avós, que só poderiam desencadear tristeza,
continuam sendo uma questão particular entre aqueles diretamente
envolvidos. Enquanto cidadãos, os descendentes têm um interesse
público no capítulo mais negro de sua História nacional em relação a
si próprios - e ao relacionamento com as vítimas ou seus descenden-
tes, sem apontar para outros. Eles querem esclarecimentos acerca da
matriz cultural de uma herança comprometedora, para reconhecer pelo
que são responsáveis juntos e o que, por seu turno, continua ainda
persistindo das tradições que formaram naquela época as bases de-
sastrosas da motivação e requer uma revisão. Em decorrência de um
comportamento culposo, amplamente difundido entre os indivíduos
no passado, surge a consciência de responsabilidade coletiva; isso
nada tem a ver com a imputação de culpa coletiva, que já por ques-
tões semânticas é um absurdo.(...)
O que temos que julgar nesta oportunidade são os mérito que
um historiador americano, judeu, adquiriu em relação maneira corre-
ta de os alemães lidarem com um capítulo criminoso de sua história.
E para encerrar, quero lançar mão do pensamento de um colega juris-
ta, Klaus Günther, acerca do tratamento público da história da crimi-
nalidade política. Parece que não depende apenas de fatos, mas tam-
bém da nossa visão dos fatos, como nós decidimos sobre as questões
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de responsabilização. Depende também de uma compreensão prévia,


com a qual nos aproximamos do acontecimento, quais as cotas que,
na retrospectiva histórica, atribuímos às pessoas e quais às circuns-
tâncias, onde estabelecemos os limites entre liberdade e coação, cul-
pa e desculpa. A disposição hermenêutica de reconhecer é extensão
da responsabilidade e da conivência varia de acordo com nossa
concepção de liberdade - de como nos julgamos como pessoas res-
ponsáveis e quanto exigimos de nós mesmo em ação política. Junto
com as questões do auto-entendimento ético-político, coloca-se em
discussão a própria compreensão prévia. A maneira como vemos na
retrospectiva histórica a distribuição de culpa e inocência reflete tam-
bém as normas segundo as quais estamos dispostos a nos respeitar
mutuamente como cidadãos desta República. Deste discurso partici-
pam os historiadores não mais como peritos, senão assumem, como
todos nós, o papel de intelectuais.
Nisso vejo propriamente o mérito de Goldhagen. Ele lança o
olhar não sobre supostos universalismos antropológicos, não sobre
regularidades às quais todos os homens estão presumivelmente sub-
metidos. Eles talvez pudessem explicar, como afirma o estudo com-
parativo de genocídios, uma parte do inexprimível, do indescritível.
A explicação de Goldhagen refere-se, porém, a tradições e mentali-
dades específicas, a maneiras de pensar e perceber num determinado
contexto cultural. Ela não se refere a algo imutável, ao qual teríamos
que nos submeter, mas sim a fatores que podem ser modificados atra-
vés de uma mudança de consciência - e que, entrementes, mudaram
em decorrência de um esclarecimento político. O pessimismo antro-
pológico, que se encontra aliado aqui em nosso país a um historicis-
mo fatalista, faz antes parte de um problema cuja solução ele preten-
de apresentar. Daniel Goldhagen merece um agradecimento pelo apoio
que nos deu para encarar o passado sob outra perspectiva.

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