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4/22/2018 Folha de S.

Paulo - Três visões de Canudos - 6/11/1995

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São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 1995

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Três visões de Canudos


ROBERTO VENTURA

A Imitação dos Sentidos - Prógonos, Contemporâneos e Epígonos de


Euclides da Cunha Leopoldo M. Bernucci Edusp, 346 págs. R$ 47,00

Canudos, o Povo da Terra


Marco Villa Ática, 278 págs. R$ 27,00

O Sertão Prometido - O Massacre de Canudos


Robert M. Levine Tradução: Monica Dantas Edusp, 392 págs. R$
30,00

A guerra de Canudos e seu maior intérprete, Euclides da Cunha, autor


de "Os Sertões", vêm despertando interesse constante por parte de
historiadores e intérpretes literários. Nesses três lançamentos
recentes, Euclides é criticado quer pelo uso de fontes sem o devido
crédito, quer pelos erros de interpretação sobre a comunidade e seu
líder, Antônio Conselheiro.
Leopoldo Bernucci, professor de literatura latino-americana na
Universidade do Colorado (EUA), discute em "A Imitação dos
Sentidos" como Euclides incorporou ao seu relato imagens e idéias de
artigos de jornal, de relatórios militares e governamentais, de ensaios
históricos, como o "Facundo" (1845), do argentino Domingo
Sarmiento, e de romances históricos de Victor Hugo e Afonso Arinos.
Bernucci é meticuloso na análise dos empréstimos entre Euclides e
outros escritores. Mas faz pouco sentido sua crítica a Euclides pela
falta de rigor na citação de fontes. Como correspondente de "O
Estado de S. Paulo", Euclides presenciou pouco mais de 15 dias de
uma guerra que se estendeu por quase um ano, de novembro de 1896
a outubro de 1897, no sertão da Bahia. Recorreu a notícias de jornais
e a documentos oficiais numa época em que não havia tanta
preocupação, como hoje, na enumeração exaustiva de fontes.
"O Sertão Prometido, do norte-americano Robert Levine, e "Canudos,
o Povo da Terra", de Marco Villa, da Universidade Federal de São
Carlos, são estudos históricos sobre Canudos. Publicado em 1992
como "Vale of Tears" (University of California Press), o livro de
Levine, professor de história na Universidade de Miami, é lançado
agora em tradução brasileira. Ambos colocam sob suspeita a imagem
de Canudos criada por Euclides. Villa chega a afirmar, com exagero,
que "Os Sertões" se tornou uma "barreira" para o conhecimento do
conflito.
Euclides teve, sem dúvida, uma visão negativa de Canudos, que
chamou de "urbs monstruosa" e considerou comunidade primitiva e
até promíscua, onde haveria o "amor livre" e o coletivismo dos bens.
Tal viés se deveu, em parte, ao contato com uma cidade semidestruída
pelos bombardeios e pelas privações da guerra. Foi tributário ainda de
sua formação científica, que combinava evolucionismo e positivismo,
e dos preconceitos raciais próprios à sua época, que traziam a crença
na inferioridade dos grupos não-brancos.
Euclides atribuiu, de forma errônea, a Antônio Conselheiro a autoria
de profecias apocalípticas, encontradas em manuscritos, que
anunciavam o fim do mundo e o retorno de d. Sebastião para
combater as tropas republicanas. Os sermões escritos pelo líder de
Canudos, a que Euclides não teve acesso enquanto escrevia "Os
Sertões", revelam um líder religioso adepto de um catolicismo
tradicional, centrado na idéia de penitência, sem sugestão de espera
milenarista ou de suposta personificação do Messias.
Tanto Villa quanto Levine questionam idéias estabelecidas sobre
Canudos, como o caráter messiânico do movimento, e mostram
dúvidas sobre o grau de adesão de seus habitantes às crenças
sebastianistas apontadas por Euclides. Para ambos, o extermínio da
comunidade se deveu menos ao seu anti-republicanismo do que a
fatores políticos, como a disputa entre civilistas e militaristas, ligada à
sucessão presidencial; os conflitos entre facções partidárias na Bahia;
a atuação da igreja contra o catolicismo pouco ortodoxo dos beatos;
as pressões dos proprietários de terras contra Canudos, cuja expansão
trazia escassez de mão-de-obra e rompia o equilíbrio político da
região.
Levine observa que a atração exercida pelo Conselheiro não era

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predominantemente messiânica, já que a comunidade oferecia
melhores condições de vida do que outras regiões do sertão
nordestino. Villa é ainda mais ousado e original ao negar que se
tratasse de uma comunidade messiânica ou milenarista. O fim do
mundo teria sido, para ele, apenas um elemento do discurso religioso,
mas não o principal fator na organização da vila, que manteve
ligações com a economia regional.
"Canudos, o Povo da Terra", de Marco Villa é mais preciso e sintético
do que o livro de Levine. Villa destaca-se, como historiador, pela
pesquisa rigorosa, ainda que seja pouco cauteloso quanto à
possibilidade de difusão de crenças sebastianistas e milenaristas entre
os seguidores do Conselheiro. É bem verdade que os oficiais e
jornalistas da época recorreram ao fanatismo religioso, para explicar a
resistência dos conselheiristas e a derrota de três expedições militares
contra a vila. Mas a hipótese de circulação de idéias milenaristas,
descartada por Villa, permite dar conta de aspectos do conflito, como
a intensa migração para Canudos em pleno acirramento da guerra e a
luta heróica e quase suicida dos conselheiristas contra o Exército.
Na edição brasileira de "O Sertão Prometido", os textos citados por
Levine foram traduzidos, com exceção de "Os Sertões", da versão
norte-americana, o que prejudica o caráter documental do livro. Mais
grave porém são os erros factuais que o autor comete, inadmissíveis
em uma obra histórica. A ação militar contra Canudos não durou
quase dois anos, mas pouco menos de um ano. O ataque aos jornais
monárquicos no Rio e em São Paulo, após a notícia da derrota da
terceira expedição, não ocorreu em fevereiro de 1897, mas no mês de
março. Canudos não se rendeu, pois lutaram até a morte os
conselheiristas que não optaram pela fuga ou rendição.
São ainda maiores os erros de Levine a respeito de Euclides. Este não
tinha "aparência amulatada", sendo descabido compará-lo a escritores
negros ou mulatos, como Machado de Assis, Lima Barreto e Nina
Rodrigues. Foi seu pai, e não o futuro sogro, o general Solon Ribeiro,
quem interveio para abrandar sua punição ao ser desligado da Escola
Militar em 1888, por ato de protesto contra a monarquia.
Depois, foi o futuro sogro, e não Benjamin Constant, quem o ajudou a
regressar ao Exército após a proclamação da República. "Os Sertões"
foi publicado a partir de 1911 pela Livraria Francisco Alves, e não
pela Laemmert, que havia lançado apenas as três primeiras edições.
Villa e sobretudo Levine interpretam "Os Sertões" de forma muito
esquemática, com base em uma suposta oposição entre litoral e
sertão, entre civilização e barbárie. Preocupados em apontar os
equívocos de Euclides, não perceberam a ambiguidade de sua
narrativa histórica, que transita entre a literatura e a ciência.
Não deram tampouco a devida importância ao seu impacto literário e
cultural, com uma extraordinária recepção, reedições sucessivas e
inúmeros estudos. Outras obras até mais fidedignas, como "O Rei dos
Jagunços", de Manoel Benicio, não tiveram a mesma repercussão.
Levine chega a reconhecer a ambivalência de Euclides no retrato do
sertanejo como raça retrógrada e combatente corajoso. Mas enquadra,
de forma errônea, Euclides no que chama de "visão do litoral",
própria às elites urbanas que importavam técnicas e idéias da Europa
e desprezavam a vida rural como rústica e primitiva, tomando
Canudos como símbolo do choque entre racionalidade urbana e atraso
rural.
Euclides criticou justamente tal racionalidade urbana e suas
pretensões civilizatórias, ao denunciar o massacre cometido pelo
Exército, em nome da ordem e do progresso. A partir da cobertura ao
vivo dos momentos finais da guerra, ganhou distância crítica frente ao
ideário republicano e percebeu a ausência de intuito político dos
seguidores do Conselheiro, cujo monarquismo era, antes de tudo,
mítico e religioso.
Adotou, em "Os Sertões", um modo historiográfico ousado, ao dar um
arranjo poético-científico aos fatos selecionados. Sua narrativa oscila
entre a perspectiva científica, do determinismo do meio e da raça, e a
construção literária marcada pelo fatalismo trágico, que vê inscrito na
própria natureza. Recorreu a formas de ficção, como a tragédia e a
epopéia, para dar conta do horror da guerra. A epopéia gloriosa da
República, pela qual combatera na juventude, adquiriu caráter trágico
no violento massacre de que foi testemunha em Canudos.
Euclides mostrou a multiplicidade de tempos históricos e culturais e
traçou paralelos entre os dois lados do conflito, entre o soldado e o
jagunço, entre a República e Canudos, mergulhados no mesmo
fanatismo. Revelou, com pessimismo irônico, as ilusões dos ideais de
progresso que pregavam a reprodução da experiência européia. Ao
construir uma ampla interpretação do Brasil, inseriu a história da
guerra em um enredo capaz de ultrapassar a significação dos fatos que
lhe deram origem.

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