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Camaçari
2016
LUANDSON MARQUES RAMOS
Camaçari
2016
ANÁLISE DO PL 7270/2014: PRODUÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO,
COMERCIALIZAÇÃO E OS BENEFÍCIOS DA REGULAMENTAÇÃO
DE CANNABIS NO BRASIL.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Prof.ª Márcia Margarida Martins
_____________________________________________________________
Examinador (a) 2
_____________________________________________________________
Examinador (a) 3
This paper deals with the possible benefits provided to the eventual approval of the PL
7270/2014 regulating cannabis production in Brazil. It introduces the concepts of drugs,
species cannabis and a brief history of consumption and repression in the world. Therefore
provides a summary of how the issue is addressed in various countries across the globe. In a
third step, a synthesis of the above bill, pointing its main articles and innovations in drug
policy. At the end, it has positive aspects that the approval of this project would provide,
changing the drug policy as a whole, decriminalizing possession, emphasizing the treatment
of problematic and dependent users and thus reducing the violence generated by the war on
trafficking.
Art. Artigo
CF Constituição Federal
PL Projeto de Lei
STF Superior Tribunal Federal
ONU Organização das Nações Unidas
OMS Organização Mundial da Saúde
UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
WDR World Drug Report
THC Tetrahidrocanabinol
RE Recurso Extraordinário
Agradecimentos
Dedico este trabalho para conclusão de curso e toda a difícil trajetória acadêmica que
vivi à minha família.
Edileusa e Maria. Mãe e avó. Obrigado por toda a dedicação desde o momento de meu
nascimento pela qual sempre serei grato e que espero um dia poder retribuir na mesma
proporção.
Aos meus irmãos que tanto amo, à memória de meu pai e ao pai que desempenhou
este papel da melhor maneira que poderia tê-lo feito, o meu profundo agradecimento a todo
apoio abnegado.
Amo todos vocês!
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 09
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 52
9
1 INTRODUÇÃO
Quase toda a política drogas ao redor do mundo principalmente ocidental, teve seu
início e sustentação baseada nas experiências americanas, tudo isso graças a sua influência
mundial adquirida após o fim da segunda grande guerra, onde parte do globo ficou “refém” do
imperialismo norte-americano, tendo em vista sua heroica participação no conflito. 1
Tal imperialismo não se resumia apenas a impor sua cultura, influenciar ditaduras e
abalar estados onde o socialismo era latente, o imperialismo americano se reverteu também
em exportação de ideias para o combate do recente problema das drogas, ideias estas baseadas
em conceitos proibicionistas, moralistas e preconceituosos, sendo ainda pouco científicos.
O Brasil, como parte integrante do mundo ocidental, acabou por importar esta
concepção cometendo o erro de impor a experiência de uma cultura muito diferente da
brasileira de forma incisiva no nosso país, o resultado disso é notório, de lá pra cá os
problemas envolvendo drogas só aumentaram, violência, desigualdade, fortalecimento do
crime organizado são só alguns dos problemas proporcionados por esta política.
É por isso que novas formas de lidar com o problema das drogas devem sim ser
buscadas, experimentadas e aproveitadas da melhor maneira possível, descriminalização do
porte para consumo próprio é o primeiro passo, não por acaso tal assunto já é discutido pelo
STF no RE 635.659 que trata da inconstitucionalidade do art. 28 da lei 11.343/06 que
criminaliza o uso e porte de drogas em geral para consumo, assunto que será tratado de forma
mais aprofundada neste trabalho.
Contudo, é necessário analisar o assunto de forma mais abrangente, buscando
maneiras de reduzir os riscos atrelados ao consumo e combatendo o imenso poder que está
nas mãos do tráfico de drogas, pois, só descriminalizar o consumo de nada afeta o tráfico,
apenas garante ao usuário sua liberdade individual.
Por esta razão, o que se busca na presente pesquisa é debater outras vias alheias ao
proibicionismo, sendo, então, a regulamentação estatal das drogas a melhor maneira de frear
os problemas existentes nesta seara.
1
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
10
Portanto, cumpre esclarecer que o presente trabalho tem como bojo principal discutir
a aplicabilidade da eventual aprovação do PL 7270/2014 que regulamenta produção,
industrialização e comercialização de Cannabis, entretanto, de forma mais ampla, busca-se
colocar em pauta toda uma nova perspectiva em relação à política de drogas brasileira
baseada principalmente em redução de danos ao usuário e na consequente diminuição da
violência e enfraquecimento do poder adquirido pelo tráfico em razão, principalmente, ao
proibicionismo.
O tema foi escolhido inicialmente pela experiência de presenciar como simples
usuários recreativos são descriminados e apontados como delinquentes perigosos, pessoas
estas que não proporcionam quaisquer tipos de ameaças para a sociedade, além de ser uma
problemática polêmica e ainda muito pouco discutida de forma profunda por grande parte dos
cidadãos.
O trabalho está dividido em quatro capítulos, o primeiro apresenta o conceito de
drogas, Cannabis e suas espécies, além de traçar um histórico do consumo pela humanidade.
O segundo capítulo por sua vez, apresenta as legislações pertinentes pelo mundo, no terceiro é
feita uma análise do projeto, indicando e analisando seus principais pontos. Por fim, no último
capítulo é feita uma defesa pela aprovação do projeto de lei sinalizando para suas principais
inovações benéficas e comparando-o com a atual política já manifestamente fracassada.
Como método de abordagem foi utilizado o método dedutivo, através do raciocínio
logico, fazendo uso da dedução para se extrair premissas. Para isso, foram utilizadas,
pesquisas bibliográficas através de livros, artigos, notícias relacionadas ao tema, bem como o
estudo de legislações pertinentes.
11
A priori, se faz mister esclarecer o que seria droga nos mais variados sentidos,
portanto, buscando a origem da palavra chegamos à conclusão de que a mesma está
intimamente ligada às substâncias de cunho farmacológico/natural, sua raiz vem da palavra
Droog2 do holandês antigo e significa “folha seca”, pois, antigamente a maioria dos
medicamentos era à base de folhas vegetais.
Na língua pátria encontramos algumas definições para a palavra Droga:
Substantivo feminino.
1.Med. Qualquer composto químico de uso médico, diagnóstico, terapêutico ou
preventivo.
2.Restr. Substância cujo uso pode levar a dependência.
3.Restr. Substância entorpecente, alucinógena, excitante, etc.
4.Coisa de pouco valor ou desagradável.
2016, Mini Aurélio Eletrônico.
Note-se que o quarto ponto nos traz um significado coloquial da palavra, oriunda da
visão que a sociedade tem das substâncias que já tiveram parte das suas características
definidas nos pontos anteriores, isto é em parte gerado pela ignorância e preconceito
enraizado no imaginário popular.
Segundo a OMS 3droga é toda substância que, em contato com o organismo, modifica
uma ou mais de suas funções, seja ela sintética ou natural e que podem proporcionar desde
cura de doenças, melhoria da qualidade de vida e saúde, a efeito nocivo ao corpo humano, em
ambos o casos podem elas ser lícitas e ilícitas, pois, como o fator principal para determinar se
uma droga é ou não ilícita é normalmente o de cunho político/moral/discricionário, é comum
que uma substância que ainda não tem seu lado nocivo totalmente estudado e que proporciona
2
Drogas. ://www2.unifesp.br/dpsicobio/drogas/defini.htm
3
Organização Mundial da Saúde.
12
em alguns casos além do benefício recreativo, benefícios à saúde, seja considerada uma droga
ilícita e até perversa.
Algo sim parece estar claro: a palavra droga não pode ser definida corretamente
porque é utilizada de maneira genérica para incluir toda uma série de substâncias
muito distintas entre si, inclusive em “sua capacidade de alterar as concepções
psíquicas e/ou físicas”, que têm em comum exclusivamente o fato de haverem sido
proibidas. Por um lado, a confusão aumenta quando se compara uma série de
substâncias permitidas, com igual capacidade de alterar essas condições psíquicas
e/ou físicas, mas que não se incluem na definição de droga por razões alheias à sua
capacidade de alterar essas condições, como, por exemplo, o caso do álcool.
( DEL OLMO, 1990, p. 22)
As drogas, comumente, são subdivididas com relação a seus efeitos sob a fisiologia
humana, categorizam-se então em três grupos distintos, os psicolépticos, os psicodislépticos e
os psicoanalépticos:4
Psicolépticas são as drogas que minimizam a atividade do sistema nervoso, alterando
principalmente a capacidade de raciocínio rápido, podemos elencar o álcool, morfina e
heroína; já as drogas psicodislépticas são responsáveis por modificar a percepção do usuário,
ocasionando alucinações e delírios, são exemplos o LSD, algumas espécies de cogumelos e
plantas alucinógenas, além da Cannabis, objeto de pesquisa no presente trabalho; e por fim
temos as substâncias psicoanalépticos tidas como estimulantes, atuam para aumentar a
atividade cerebral humana, sua percepção, diminuir cansaço e sono, mas que causam grande
dependência na qual sintomas como alucinações são extremamente comuns, a este grupo
estão inseridos a cocaína, crack e metanfetaminas.
5
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar
com as drogas
6
Tipos de Maconha. http://maryjuana.com.br/2016/05/tipos-de-maconha/
14
7
Considerado o Pai da História
8
A história da Maconha, a droga mais polêmica do mundo. http://psicodelia.org/noticias/a-historia-da-
maconha-a-droga-mais-polemica-do-mundo
15
A Cannabis foi levada para a África e para América pelos europeus, na América
inicialmente as plantações foram feitas no Chile por espanhóis, mas desde o descobrimento
deste continente a planta já estava presente nas caravelas espanholas e portuguesas em forma
de tecidos de fibras.
No Brasil, mesmo com esforços da coroa Portuguesa no sentido de implantar o cultivo
da Cannabis com fins puramente econômicos, vista a sua alta utilidade e lucratividade, o fato
de se imaginar que a planta teria sido trazida em grande parte por escravos africanos
repercutiu como forma de preconceito, até pelo motivo de os escravos a utilizaram em rituais
religiosos de Candomblé, prática tida à época como “magia negra”, contudo, nada prova que
ela não possa ter sido introduzida pelos portugueses.
Nos EUA, local onde a repressão se iniciou, o preconceito provinha do fato de os
primeiros usuários da Cannabis como um psicotrópico terem sido imigrantes mexicanos e
negros, pessoas marginalizadas na sociedade.
Não se pode analisar a repressão ao uso de Cannabis sem estudar como tudo se deu
nos EUA, pois, fora este o país precursor na política de repressão às drogas.
Em meados do século XX o consumo de Cannabis nos EUA se restringia a imigrantes
mexicanos em sua maioria e a afrodescendentes9, assim, como já explanado nos últimos
parágrafos do tópico anterior, no que diz respeito ao preconceito criado entorno do uso de
Cannabis como entorpecente, muito se deve ao fato desta droga ter sido inicialmente usadas
por parcelas mais marginalizadas da sociedade.
Após o fim da proibição do consumo do álcool em 1933, após 13 anos de uma
repressão fracassada que culminou no aumento estrondoso da violência e no enriquecimento
9
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
16
10
Considerado o Czar Antidrogas nos EUA. BURGIERMAN, Denis Russo.
11
Organização das Nações Unidas
17
3.1 – HOLANDA:
12
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
19
3.2 – EUA:
de Massachusetts, Maine, Nevada, Arizona e Califórnia que podem ter legislações aprovados
no sentido da legalização ainda no ano de 201613, sendo o mais importante e rico a Califórnia,
que nesta posição relevante pode servir de espelho para mudanças tanto no âmbito Federal
quanto em outros estados.
O caso da Califórnia é importante, pois foi o primeiro estado a proibir o uso de
Cannabis, assim como foi dali que surgiu o movimento que disseminou o uso da Cannabis
pelo mundo nas mais variadas classes sociais, o “Flower Power”, no Brasil mais conhecido
como movimento “Hippie”, contudo, hoje quase cinquenta anos após o início do movimento
o uso recreativo da Cannabis ainda não é permitido. 14
Malgrado a proibição para uso recreativo, ainda é o estado que mais arrecada com o
consumo de Cannabis e sua vasta gama de produtos derivados, todos com o viés medicinal
como plano de fundo.
Isto gera ao estado da Califórnia uma arrecadação gigante sem sequer liberar consumo
recreativo.
O principal argumento para a legalização é tirar das sombras uma indústria que já é
gigantesca em si e impossível de perseguir pelas agências de segurança federais. Os
benefícios fiscais seriam de “centenas de milhões por ano”, segundo os proponentes
da lei californiana. O Colorado arrecadou no ano passado 135 milhões de dólares
(mais de 445 milhões de reais) em impostos para a cannabis, 77% mais do que os 76
milhões (cerca de 250 milhões de reais) de 2014, o dobro arrecadado com o álcool.
O Colorado tem 5 (cinco) milhões de habitantes e a Califórnia, 38 milhões. A
consultoria especializada ArcView estima as vendas legais no ano passado em todo
o país em 5,7 bilhões de dólares (cerca de 570 bilhões de reais). Ninguém sabe
quanto aumentaria isso se o mercado ilegal for incorporado. A perspectiva de um
efeito parecido, em escala muito maior, gerou uma verdadeira febre do ouro verde.
(EL PÁIS, 2016)
13
El País, 2016.
14
BURGIERMAN, Denis Russo O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
21
As estimativas de arrecadação para uma possível liberação do uso a nível nacional são
imprecisas e desiguais, haja vista a dificuldade de calcular um mercado que até o momento é
quase que completamente clandestino, contudo, em uma coisa todos concordam, a taxa de
lucratividade seria altíssima, rondando a casa dos vários bilhões.15
Não obstante, acrescenta-se a isso o fato de a sociedade americana em sua maioria
também aprovar a liberação do uso recreativo da Cannabis. Em pesquisa realizada pelo
instituto Gallup16 de pesquisa de opinião, constatou-se que 58% dos americanos aprovam a
liberação, diferente dos 12% que aprovavam na época em que a proibição ganhou nível
federal.
Americans' support for legal marijuana has steadily grown over time. When Gallup
first asked the question, in 1969, 12% of Americans thought marijuana use should
be legal, with little change in two early 1970s polls. By the late 1970s, support had
increased to about 25%, and held there through the mid-1990s. The percentage of
Americans who favored making use of the drug legal exceeded 30% by 2000 and
was higher than 40% by 2009. (GALLUP, 2015)
3.3 – URUGUAI:
15
El País, 2016.
16
Gallup, Inc. American company performance-management consulting
22
Da mesma forma que na Holanda, por exemplo, o Uruguai tenta afastar o usuário de
Cannabis do convívio com traficantes e consequentemente de outras drogas tidas como mais
pesadas, dando assim um duro golpe no tráfico de drogas, pois retira uma das suas principais
fontes de faturamento e reduz a possibilidade de adquirir novos consumidores, sempre
direcionando os ganhos tributários para políticas voltadas à prevenção e tratamento de
dependentes.
O art. 4 da ley 19.172 é importante norte para entender a intenção uruguaia com a nova
lei:
Artículo 4º.- La presente ley tiene por objeto proteger a los habitantes del país de los
riesgos que implica el vínculo con el comercio ilegal y el narcotráfico buscando,
mediante la intervención del Estado, atacar las devastadoras consecuencias
sanitarias, sociales y económicas del uso problemático de sustancias psicoactivas,
así como reducir la incidencia del narcotráfico y el crimen organizado.
Por ser uma lei inovadora, todos os aspectos que a envolvem são de extrema
importância, contudo, alguns devem ser salientados e um deles é o fato de só se permitir a
venda de Cannabis para maiores de 18 anos, sendo estes uruguaios ou estrangeiros e que
residam de forma fixa no Uruguai, isso afasta a perspectiva do turismo de Cannabis. Tendo
em vista as intenções do governo uruguaio já terem sido exemplificadas fica claro que o
mercantilismo (como é em alguns estados dos EUA) não é prioridade naquele país.
Ainda na mesma lei se cria o IRCCA (Instituto de Regulação e Controle de Cannabis)
que tem o objetivo de regular plantio, cultivo, colheita, produção, processamento,
armazenamento, distribuição e venda de Cannabis, além de promover e propor ações para
dirimir riscos e danos relacionados ao consumo abusivo da mesma, tendo ainda o condão de
fiscalizar o cumprimento da já referida lei.
23
Para adquirir a Cannabis todo usuário deve ser cadastrado no IRCCA e só após ter
acesso via farmácias (que terão a faculdade de dispor ou não do produto), se tornar sócio de
um clube de plantio ou, se preferir, plantar em casa.
Nas farmácias o usuário cadastrado, que tenha receita ou carteira de usuário fornecida
pelo IRCCA, terá o direito de adquirir 10 gramas por semana ou 40 gramas por mês.
Os clubes devem obter autorização do IRCCA e só podem conter até 45 sócios, sendo
que o limite máximo de pés plantados é de 99, deste modo o sócio poderá obter até 40 gramas
por mês; tais clubes obedecem a regras como as exigidas nos Coffee Shop da Holanda com
relação à publicidade e propaganda visando não incentivar o consumo.
Optando o usuário por plantar em casa, ficará o mesmo adstrito ao limite máximo de
06 pés por pessoa, sendo, também, necessária a autorização do IRCCA.
Por ser uma política de redução de danos onde o Estado toma para si toda e qualquer
responsabilidade por produção e comercialização, não se poderia afastar a incidência de penas
duras para quem desobedecer tal política e por isso o art. 6 traz a seguinte redação.
"ARTÍCULO 30.- El que, sin autorización legal, produjere de cualquier manera las
materias primas o las sustancias, según los casos, capaces de producir dependencia
psíquica o física, contenidas en las listas a que refiere el artículo 1º, precursores
químicos y otros productos químicos, contenidos en las Tablas 1 y 2 de la presente
ley, así como los que determine el Poder Ejecutivo según la facultad contenida en el
artículo 15 de la presente ley, será castigado con pena de veinte meses de prisión
a diez años de penitenciaría.
No Uruguai muito se discute sobre lacunas que a supracitada lei possa ter deixado,
principalmente no que diz respeito à fiscalização: como fiscalizar lares, pessoas que compram
em farmácias e plantam em suas casas ou pessoas que trabalham sob efeito de Cannabis são
alguns dos questionamentos.
24
Entendemos que tais questionamentos são plausíveis e que o governo uruguaio deve
buscar formas de ao menos minimizá-los, contudo, solução absoluta é impossível de se obter,
o que se busca é diminuir riscos, e o que se deve observar principalmente é a tentativa
inovadora do Uruguai, haja vista a já notoriamente falida segunda opção de guerra às drogas
que vem sendo difundida por tantos anos sem demonstrar qualquer eficácia.
Apesar de toda política antidrogas imposta pela Convenção única Sobre Drogas
Narcóticas de 1961, inúmeros são os países que adotam políticas antiproibicionistas de
tratamento à Cannabis e outras drogas, seja tolerando o consumo recreativo e/ou até
gerenciando-o, como nos casos citados em tópicos anteriores, contudo, o número é realmente
maior quando se trata do consumo medicinal de Cannabis.
Portugal é um destes países; por querer respeitar a convenção de 1961 lá não existe
nenhuma espécie de legislação no sentido de legalizar drogas como no Uruguai, acontece lá
desde 2001 com uma nova legislação sobre o assunto, uma política de redução de danos na
qual existem para o usuário e portador de Cannabis e/ou outras drogas para consumo pessoal
apenas uma punição administrativa, não se criminaliza consumo de nenhuma droga.
Nos últimos dez anos, desde que o novo modelo foi implantado, o consumo de
drogas entre menores de idade caiu, o número de contaminações de aids e hepatite C
despencou, o de usuários de drogas problemáticos diminuiu, o de dependentes de
droga em tratamento cresceu, o índice de sucesso do tratamento aumentou, as
cadeias e os tribunais estão mais vazios e conseguindo fazer seu trabalho com mais
eficiência, a polícia está tendo mais sucesso no combate ao tráfico internacional, e a
sociedade está economizando uma fortuna. (BURGIERMAN, 2011, p. 100)
Tal política de redução de danos consiste entre outras coisas em tratar o dependente de
heroína com metadona, que é uma substância com efeitos semelhantes ao da heroína e
morfina, mas que tem uma síndrome de abstinência mais leve, oportunizando o abando ao
vício, distribuição de seringas evitando a proliferação de doenças como a AIDS e Hepatite C e
acompanhamento psicológico do dependente, caso alguém seja pego com quantidade superior
25
a permitida fica a cargo de o Juiz analisar se é caso de enquadramento ou não como tráfico,
prática que tem penas duras.
Já na Espanha, principalmente por causa de jurisprudências no sentido da não
criminalização do plantio para consumo próprio, aos poucos foi se desenvolvendo uma cultura
de associações sem fins lucrativos para a distribuição entre os associados, ainda não existe
legislação regulando tais associações.
Israel permite o plantio de Cannabis desde a década de 1990, contudo tal plantio só é
permitido com fins terapêuticos, lá continua sendo a Cannabis uma “droga” ilegal. Entretanto,
é utilizada para diversos tratamentos de doenças como câncer, esclerose, glaucoma e
transtornos relacionados a estresse pós-traumático, existem ainda programas em que o próprio
Estado de Israel fornecesse Cannabis para pessoas com estas doenças.
Na Colômbia, principal produtor e exportador de drogas na América do Sul, o
consumo e porte de pequenas quantidades de drogas não são passíveis de prisão, todavia,
ainda não se discute abertamente a regulamentação de Cannabis ou outra droga, tendo em
vista a forte influência da política antidroga americana enraizada desde os anos 70.
Podemos citar ainda o Marrocos, principal produtor mundial de haxixe e principal
fornecedor da Europa segundo a ONU, neste país pobre, muito da economia está ligada a está
prática antiga, no entanto, mesmo num país com cultura intimamente ligada ao consumo deste
derivado de Cannabis, a política proibicionista aos poucos está sendo imposta.
O primeiro país a permitir legalmente o uso de Cannabis com fins terapêuticos foi o
Canadá, lá os cidadãos que portarem receita médica ou um documento expedido pelo
governo, são autorizados a cultivar e consumir Cannabis. 17
Existe a possibilidade de o Canadá liberar o consumo recreativo ainda em 2016 e,
tanto neste país quanto em outros países do mundo que começam a discutir o assunto com
uma nova perspectiva, muito se deve ao fato de o principal “exportador” da política severa
contra as drogas, os EUA, estar começando paulatinamente a rever conceitos, particularmente
em alguns estados (Vide tópico 3.2).
17
Portal G1, 2013.
26
4 ANÁLISE DO PL 7270/2014:
aprovação, carente de regulamentação por parte do poder executivo que disporá dos detalhes
envolvendo a nova legislação.
Chamamos atenção às linhas finais do artigo onde podemos perceber uma importante
diferença em relação à Lei uruguaia, pois lá os cultivos domésticos carecem de autorização
por parte do Estado. Esclarece o Deputado JEAN WYLLYS (2014) “não seguimos o caminho
adotado pela lei uruguaia, que inclui a criação de um registro de usuários, já que
28
consideramos que o mesmo violaria a privacidade das pessoas.”, entendemos ser demasiado
relevante o respeito à privacidade, direito assegurado pela Carta Magna, entretanto, isto
geraria aqui no Brasil umas das principais questões levantadas no Uruguai no que diz respeito
a como se saberia quando as pessoas estariam obedecendo aos limites estabelecidos pela lei
em seus lares, sendo um local de acesso inviolável, protegido pela mesma Carta Magna, tanto
uruguaia como pela brasileira.
O artigo seguinte trata do cultivo coletivo realizado pelos denominados “Clubes de
autocultivadores” experimento de sucesso em diversos países onde é comum se limitar o
número de associados e de plantas, importante por eliminar a intermediação do mercado.
O último artigo da primeira parte do PL dita as penalidades para quem incorrer nas
infrações dispostas no próprio projeto, se tratando sempre de processo administrativo e indo
desde a advertência à suspensão de registro ou licença ou ainda penas pecuniárias, sendo
todas as punições elencadas neste artigo extremamente parecidas com as dadas no caso da
regulamentação do álcool ou do tabaco.
momento da aprovação da lei será uma consequência da qual não se pode fugir, sendo este um
dos artigos de maior repercussão, em vista disso, instrui o art. 21 do PL 7270/2014:
Tal artigo é deveras polêmico e será de difícil assimilação para o público em geral,
pois, mesmo com o § 1º excluindo da anistia, entre outras hipóteses, aquelas em que a conduta
fora realizada com violência, grave ameaça e emprego de arma de fogo; o sentimento de que
alguns se aproveitarão desse justo efeito para disseminar boatos maldosos e contrários à nova
lei é muito grande. Sendo este sentimento ainda maior quando se fala no § 3º que inclui na
anistia indivíduos que tinham outras drogas como objeto de suas condutas, mas que ainda não
respondiam a processos e que, por sua iniciativa, abandonarem tais práticas para junto ao
órgão responsável no Poder Executivo, adentrar ao comércio legal de Cannabis, sendo esta
outra importante ferramenta de inserção.
Todavia, a anistia esbarra no art. 2ºA da lei 8.072/1990 (lei dos Crimes hediondos) que
inclui a conduta de trafico ilícito de drogas, tortura e terrorismo como insuscetível de anistia,
graça ou indulto, e é por isso que o PL em seu art. 19 propõe, também, mudanças neste
31
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
com relação ao uso recreativo também são adotadas medidas de prevenção, informação sobre
consequências do uso e etc., contudo, noutro momento do projeto de lei.
Necessário também distinguir uso problemático de dependente químico, pois temos no
primeiro uma situação na qual o usuário necessita de ajuda, pois o uso ocasiona problemas em
sua vida (violência, furtos para sustentar vício e etc.), entretanto, não necessariamente em sua
saúde; já na segunda situação o usuário é considerado dependente por ter uma severa
dependência à substância, causando graves danos a sua saúde.
Ainda no campo das importantes modificações, encontramos a alteração do conceito
de “tráfico ilícito de drogas” para “tráfico de drogas ilícitas”, é importante fazer a distinção
entre o antigo e novo conceito pelas seguintes razões: imaginemos uma situação hipotética na
qual, em um futuro próximo onde a Cannabis não será mais considerada droga ilícita, um
carregamento desta mesma droga agora lícita é apreendido na fronteia, alegando o motorista
que não comete crime, pois no Brasil é permitido o comércio de Cannabis, porém sendo este
carregamento ilegal por não ser permitida a importação desta droga para comercialização
dentro do Brasil, pois fica a cargo do Estado brasileiro a concessão de permissões para
produção e industrialização de Cannabis a ser consumida no território nacional, ficando então
a conduta hipotética aqui contextualizada configurada como tráfico ilícito de drogas, passível
de punição, e não tráfico de drogas ilícitas por não ser mais a Cannabis, em tese, ilícita.
A respeito disso, o art. 23 do PL correspondente ao art. 2 da lei de drogas que antes
proibia em todo território nacional “as drogas”, prescreve:
§ 1º. Para fins desta lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos
capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas anualmente pelo Poder Executivo da União, de conformidade
com as disposições legais em vigor e tecnicamente fundamentadas em critérios
científicos atualizados.”
Para melhor explorar as mudanças com o novo diploma legislativo sem a necessidade
de especificar artigo por artigo pelas razões já expostas, passaremos a traçar um comparativo
entre as antigas e novas redações do título III e seu capítulo II, disponíveis nos artigos 28 e 30
do PL em questão, respectivamente:
33
Redação anterior:
TÍTULO III
DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO, ATENÇÃO E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS E DEPENDENTES DE DROGAS
Seguindo no PL temos:
Redação anterior:
DA PREVENÇÃO
CAPÍTULO II
DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL
DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS
das diversas medidas de redução de danos e reinserção social espelhadas em experiências bem
sucedidas de outros países como Portugal e Canadá.
Os direitos fundamentais destas pessoas (usuários problemáticos e dependentes)
também são protegidos pelo PL, direitos como não sofrer discriminação em campanhas contra
o uso de drogas, ter acesso a tratamentos voluntários de superação da dependência química
e/ou de outros problemas de saúde decorrentes do uso problemático de drogas, ter acesso a
apoio psicológico durante e após o tratamento e ter garantia de sigilo nas informações
prestadas são alguns destes direitos.
A nova redação do polêmico art. 28 da lei 11.343/2006 fornecida pelo art. 38 do PL
em questão prescreve:
“Artigo 28 - Não comete crime quem, para uso ou consumo pessoal, com fim
religioso, medicinal, recreativo ou qualquer outro:
I. - adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas ilícitas, ou
plantas ou outras matérias primas destinadas à preparação de drogas ilícitas;
II. - semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas ilícitas.
beneficiados com os lucros e os que mais sofrem com a violência gerados com a guerra ao
tráfico, destarte, disciplina o art. 40 do PL 7270/2014:
Antes de qualquer observação, apontamos para a principal alteração que está presente
no Caput deste artigo e diz respeito a só estar incorrendo nas condutas por ele elencadas quem
as pratica com intenção de obter lucro, isto eliminaria alguns disparates do atual diploma
onde, por exemplo, oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
relacionamento, para juntos consumirem pode ser punido com pena de 06 meses a 01 ano,
adentrando, assim, o Estado na esfera privada e desrespeitando princípios basilares da
Constituição Federal como o direito a intimidade e a vida privada.
Percebemos ainda claramente a distinção das penas conforme a conduta a ela
relacionada, por exemplo, no diploma atual, tanto quem importa drogas ilícitas para venda,
quanto quem cultiva plantas que servem de matéria-prima para produção de drogas ilícitas,
incorre na mesma pena que é de 05 anos a 15 anos, acrescido de multa, totalmente fora de
36
18
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
37
Com este relatório, que por sinal seria atualizado anualmente, se buscaria corrigir
possíveis erros, pois toda nova legislação é passível de erros, implementar as políticas que
forem bem sucedidas e estendê-las. E em caso de sucesso, sempre com base técnico-
científica, patrocinando uma possível regulamentação do consumo de outras drogas, sendo
este um dos principais desejos dos idealizadores do projeto de lei.
Por essa razão, compete também ao CNAPA, mediantes tais relatórios, recomendar ao
Poder Executivo da União a exclusão de alguma droga da lista de drogas ilícitas,
recomendando sobre a forma, prazos e condições da regulação e regulamentação da produção
e comercialização da mesma.
Desta forma, o gestor público passará a pautar as políticas públicas de drogas com
base principalmente em estatísticas e observação das consequências da nova legislação.
Suso exposto, passaremos a adotar o modelo das ciências, baseado em
experimentação, observação e tentativas, e não mais o modelo político moral atual do poder
executivo que de forma discricionária, não levando em consideração a opinião de nenhum dos
principais entes envolvidos, perpetua uma política regrada a pânico, medo e pré-conceito.
38
5 APOLOGIA AO PL 7072/2014:
Inicialmente, não se pode fazer uma defesa à aprovação do projeto de lei objeto deste
trabalho, sem ressaltar o quão a política de drogas brasileira afeta a liberdade individual de
escolha do cidadão, pois, ao não se distinguir as drogas quanto a seus efeitos, e os usuários
quanto a suas respectivas implicações na sociedade, o que acontece é um cerceamento da
liberdade que converge no detrimento ao direito à privacidade e a autonomia da vida privada,
todos protegidos pela Magna Carta.
Dito isto, preceitua a Constituição Federal brasileira em seu art. 5º Inciso X:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
28 da lei 11.343/06 que criminaliza o uso e porte de drogas para consumo, o Ministro Luís
Roberto Barroso aduz:
Todavia, com a desculpa da proteção à segurança pública, que é uma questão bem
mais complexa e que não envolve simplesmente o consumo de drogas e sim uma gama de
outros assuntos sendo estes, principalmente, socioeconômicos, o Estado cerceia direitos das
pessoas ao criminalizar e/ou penalizar o consumo de drogas e é nesta essência que esclarece
Salo de Carvalho:
Outro fator que serve de justificativa para limitar a autonomia privada das pessoas no
caso do consumo de drogas é o da proteção à saúde pública, porém, o que a experiência de
outros países que descriminalizaram o consumo de drogas nos fornece é que, ao contrário do
que se pensa, a criminalização piora as questões de saúde quando dificulta o acesso pelos
usuários aos tratamentos e informações relativas ao consumo.
O sistema atual de Guerra às Drogas faz com que as preocupações com a saúde
pública – que são o principal objetivo do controle de drogas – assuma uma posição
secundária em relação às políticas de segurança pública e à aplicação da lei penal. A
política de repressão penal exige recursos cada vez mais abundantes, drenando
investimentos em políticas de prevenção, educação e tratamento de saúde.
E o pior: a criminalização de condutas relacionadas ao consumo promove a exclusão
e a marginalização dos usuários, dificultando o acesso a tratamentos. (MIN.
BARROSO, 2015)
40
19
MENDES, Min. Gilmar. RE 635.659, STF.
41
importância e valor social têm que ser feitas paulatinamente, analisando suas consequências
antes de estendê-las a outras searas.
O ministro Roberto Barroso, com o fim de dirimir eventuais injustiças na
diferenciação de porte para consumo e tráfico, propôs estabelecer a quantidade de 25 gramas
de maconha por pessoa (visto a urgência da distinção), com base em experiências de outros
países que já descriminalizaram o porte para consumo, principalmente, Uruguai;
diferentemente de seus dois outros colegas que optaram por deixar a cargo do congresso a
delimitação de quantidades. 20
No momento da confecção do presente trabalho este recurso encontra-se com vistas ao
ministro Teori Zavascki já pelo período de um ano.
Analisar o Recurso Extraordinário supramencionado é de suma relevância para
entendermos a já presente, contudo, ainda lenta, mudança de perspectiva da sociedade com
relação às drogas, visto que, alguns anos atrás, discutir tal assunto fosse pela via judicial ou
pela via legislativa seria inconcebível.
Sendo o STF o órgão máximo do judiciário brasileiro, discussões referentes a tal
assunto em seu plenário são necessárias, entretanto, a via correta para uma mudança de
paradigma desta magnitude deve ser a que perpassa pelo Congresso Nacional, e é nesse
campo fértil que deve florescer o PL 7270/2014, posto que, vislumbrando uma eventual
aprovação, já não seria necessário, por exemplo, que o STF julgasse a demanda supracitada,
pois, como já explica no subitem 4.4, o projeto traz diversas alterações na lei de drogas,
inclusive descriminalizando o porte para consumo de quaisquer drogas, trazendo ainda tanto
outros avanços tendo sido boa parte deles aqui explicados.
Malgrado a diferença de amplitude se comparado o projeto de lei com o recurso
extraordinário no STF, posto que um só descriminaliza e o outro além de descriminalizar
regulamenta por parte do Estado a produção, industrialização e comércio da Cannabis, os dois
têm diversos denominadores comuns, sendo alguns dos principais a liberdade individual já
tratada no subitem anterior e também a desmarginalização do simples usuário, aquele
indivíduo privado de liberdade no âmbito particular, privado de assistência adequada de
saúde, de informações referente aos danos que o consumo de drogas pode ocasionar e que se
vê colocado à margem da sociedade, em posição vulnerável à violência gerada com o tráfico e
20
BARROZO, Min. Roberto. RE 635.659, STF
42
aos danos causado pelo consumo inconsequente, tudo isso por uma escolha que na imensa
maioria das vezes apenas afeta a si mesmo.
Isto posto e ainda no tocante à descriminalização, também como forma de
desmarginalizar o simples usuário, Salo de Carvalho citando Weigert expõe:
A vista disso chega-se à conclusão de que impor a marginalização ao usuário, seja pela
exposição à violência, seja pela intensificação dos danos causados à saúde, têm consequências
tão ou mais danosas que as causadas pelo consumo em si (MIN. BARROSO, 2015), mas que
podem ser abrandadas pela descriminalização e mais ainda pela regulamentação, ideia
defendida aqui e no PL 7270/2014.
21
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
43
física, para uso próprio, com prescrição de profissional e para tratamento de saúde já vinha
sendo autorizada.22
O que ocorreu foi uma confirmação de prática que já vinham sendo adotada, abrindo-
se caminhos também para substâncias a base de THC e para amplificação dos pedidos
relacionados.
Contudo, na própria ANVISA a decisão não é vista com bons olhos, por alegar que,
mesmo tendo como exigência para a importação a regularidade das substâncias em seus
respectivos países, em muitos destes países tais substâncias não são consideradas como
medicamentos, podendo não ter sido avaliado por qualquer autoridade de saúde.
Todas estas preocupações são cabíveis, sendo necessário buscar mecanismos para
dirimi-las, a fim de proporcionar à pessoa que necessita de tais substâncias uma maior
segurança quanto a sua qualidade e procedência, pois o que se busca é uma melhora na saúde
das pessoas ou ao menos amenizar o sofrimento de algumas espécies de tratamento.
Cabe-nos aqui destacar a importância da aprovação do PL 7270/2014 em sentido
geral, mas também em questões específicas como esta do consumo medicinal, já é notório que
o consumo de Cannabis proporciona melhorias nas reações adversas causadas com o
tratamento do câncer, epilepsia, glaucoma e etc. Em Israel, desde a década de 90 o próprio
Estado disponibiliza as substâncias supramencionadas nestes casos específicos. (Vide 3.4)
Ademais, a aprovação evitaria absurdos como no caso do senhor Alexandre Tomaz23,
morador de Porto Alegre - RS, que após sofrer por um longo período com o tratamento de
linfoma na região do pescoço, resolveu buscar alternativas para amenizar as consequências da
radioterapia, quimioterapia e dos fortes remédios lhes receitados para depressão causada pela
doença; foi então que o mesmo tomou conhecimento que em alguns países o consumo de
Cannabis já era feito com esse fim, inclusive com incentivos em países proibicionistas,
Alexandre então resolveu cultivar Cannabis, apenas para consumo próprio, com fins
exclusivamente terapêuticos e sem intenção alguma de lucro.
Algum tempo depois, após delação anônima, foi denunciado pelo Ministério Público
do Rio Grande do Sul como incurso nas penas previstas no art. 33 da lei 11.343/06 (tráfico de
drogas), tendo o magistrado desclassificado para o art. 28 da mesma lei, acontece que em
22
ANVISA permite prescrição e importação de produtos com canabidiol e THC. ASCOM, 2016.
23
CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei 11.343/06
P. 299/300, 2016.
44
qualquer dos casos existe uma anomalia na qual uma pessoa que busca amenizar sua dor e
sofrimento, exercendo uma prática que afeta apenas a si mesmo, pode ser considerado um
criminoso, tratando-se aqui de mais uma questão que se findaria com a eventual aprovação.
É notório que a atual política de guerra às drogas pautada numa repressão severa a
toda cadeia de produção, ao consumo e encarcerando em massa de todos os envolvidos sem
analisar sua real importância para a sistemática do tráfico esta sendo até os dias atuais um
total fracasso.
Até o momento, quase 50 anos após, não se conseguiu erradicar as drogas da
sociedade, como propôs o presidente americano Richard Nixon nos anos 70 ao declarar a
atual guerra, pelo contrário, as consequências foram catastróficas, genocídio de pobres,
aumento da criminalidade, crescimento e enriquecimento do crime organizado, consumo
desordenado, cadeias superlotadas, na sua maioria por jovens pobres e negros que são
expostos lá dentro a mais violência ainda e que quando saem voltam a delinquir, esses são só
algumas das sequelas que podemos citar brevemente.
Ainda com relação ao encarceramento, segundo dados do censo penitenciário de 2014
o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, ultrapassando os 600.000
detentos e 25% das pessoas presas condenadas ou aguardando julgamento lá estão em virtude
de condutas relacionadas ao tráfico de drogas, figurando em segundo lugar, atrás apenas de
crimes ao patrimônio que em boa parte tem relação intima com drogas, a proporção pula para
40% quando se fala de encarceramento de mulheres, isto gera custos elevadíssimos tanto para
manter estes presos, quanto para coibir que mais pessoas entrem nessa estatística.24
O vencedor do Nobel de economia Milton Friedman citado por Salo de Carvalho,
discorre sobre a guerra às drogas americana da seguinte maneira:
“O atual estado das coisas é uma desgraça social e econômica. Veja o que acontece
todos os anos neste país: colocamos milhares de jovens na prisão, jovens que
deveriam estar se preparando para o seu futuro, não sendo afastados da sociedade.
Além disso, matamos milhares de pessoas todos os anos na América Latina,
principalmente na Colômbia, na tal ‘Guerra contra as Drogas’. Nós proibimos o uso
24
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Censo penitenciário 2014.
45
das drogas, mas não podemos garantir que elas não sejam de fato consumidas. Isso
só leva à corrupção, à violação de direitos civis. Acho que o programa contra as
drogas dos EUA é uma monstruosidade e ele é que devia ser eliminado. A maconha
é apenas um pequeno pedaço desse problema, mas essa equação pode ser aplicada a
qualquer droga hoje em dia ilegal” (CARVALHO apud FRIEDMAN, 2016. p. 128)
Não podemos dizer que tais consequências não eram previsíveis, no subitem 2.3 foi
traçado um breve relato sobre a repressão ao consumo de drogas no século XX, perpassando
pela repressão americana ao álcool na década de 20, que causou aumento alarmante da
violência naquela época, o que podemos deduzir da análise a repressão ao álcool e da atual
repressão às drogas é que o modelo proibicionista não é o que melhor se encaixa com a
realidade da nossa sociedade por razões óbvias.
Podemos passar todo o presente trabalho apenas enumerando as razões pelas quais a
política de guerra às drogas não funcionou, porém, um dos principais motivos que podemos
aqui citar foi a intenção de erradicar as drogas da sociedade, Salo de Carvalho citando o
renomado jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni nos traz o seguinte raciocínio:
“una Política Criminal, que sueñe con que su objetivo sea la erradicación será
absurda, porque el delito, en su contenido concreto, es un concepto cultural y, por
ende, relativo, históricamente condicionado. Siempre habrá delitos, siempre habrá
conductas jurídicamente prohibidas y reprochables” (CARVALHO apud
ZAFFARONI, 2016. p. 84)
Suso exposto fica claro que proibir não é o caminho correto, não se trata aqui de
liberar ou abandonar ao bel prazer dos traficantes, mas sim de tomar para si o controle a
tempo perdido, para alguns pode ser difícil admitir, mas é impossível vencer totalmente as
drogas, elas fazem parte da humanidade e sempre farão, por isso, se não pode erradicá-las,
controle-as, minimize os danos, arrecade e converta os ganhos em prevenção e informação.
46
Os dados apresentados acima pelo Min. Barroso com relação ao tabaco exemplificam
o poder do controle estatal. Quando o Estado se apossa da regulação, dita limites e se
compromete a proteger o usuário de determinada droga, o que ocorre é a diminuição do
consumo. Anos atrás existiam demasiadas propagandas nas quais fumar era considerado
status, mulheres lindíssimas, homens bem sucedidos, todos fumando cigarros sem qualquer
espécie de informação sobre os riscos relativos ao consumo.
Hoje as pessoas tem acesso à informação, não são expostas às propagandas
incentivadoras de outrora e estão cientes de todos os perigos correlacionados, convertendo-se
em drástico decréscimo nos fumantes e, consequentemente, nas doenças atreladas ao uso.
São por estas razões que alterar totalmente a política de drogas atual é tão importante,
pois criminalizar não resolve o problema, na verdade só vem causando mais problemas
principalmente em um país como o Brasil, onde as diferenças socioeconômicas são tão
evidentes. Um sistema onde a condição social e a raça são fatores determinantes para moldar
o tratamento dado ao infrator, exempli gratia, um jovem branco de classe média pego com
drogas é rotulado de usuário/dependente, todavia, no caso de um jovem negro, pobre, morador
de comunidade carente e flagrado na mesma situação, este recebe quase sempre o rótulo de
delinquente.
O PL 7270/2014 ao propor uma alternativa diferente da guerra às drogas possibilita a
abertura de um leque maior de soluções para o tema e tendo a ideia da redução de danos como
um dos seus princípios norteadores, busca-se sanar a racionalidade moralizadora
proibicionista que cerceia o direito de opinar daqueles que são os principais destinatários das
políticas de redução de danos, novamente citando Salo de Carvalho:
olhos atentos, entretanto, a realidade brasileira é diferente da realidade destes países há pouco
mencionados, apenas nossa própria experiência vai poder dizer o melhor caminho a seguir,
contudo, não podemos fugir do fato que, a sistema proibicionista faliu e seja pela alternativa
do PL 7270/2014, ou por outras opções que venham a aparecer, uma modificação no
panorama atual se faz urgente. A guerra às drogas fracassou e não podemos apagar e nem
esquecer todos os males que ela causou.
Podemos refletir de maneira mais clara com as lúcidas palavras do magistrado
brasileiro Gerivaldo Neiva, ativista e defensor da legalização das drogas:
Nestes fatores esbarra o projeto de lei aqui objeto de pesquisa, afinal, modificar
décadas de disseminação de determinadas ideias não pode acontecer da noite para o dia,
contudo, o debate é necessário e eficaz para a tão sonhada mudança de panorama.
O WDR25 2016 é um relatório anual feito pela ONU por meio do UNODC 26para traçar
um panorama do consumo e tráfico de drogas ilícitas pelo mundo, segundo o WDR no ano de
2014, que é o marco temporal para a análise dos dados, ocorreu algo em torno de 207 mil
mortes relacionadas com drogas, sendo de um terço a metade destas mortes acontecendo por
overdose que na maioria dos casos é causado pelos chamados opiáceos, substâncias derivadas
do ópio (heroína, morfina, codeína e etc.).
Saliento que em toda pesquisa não se encontrou relato de nenhuma morte causada por
overdose de Cannabis.
Outro fator de suma importância a ser destacado é o papel que a Cannabis tem em todo
o comércio ilegal de drogas, sendo a droga mais usada no mundo e, consequentemente, no
Brasil, o WDR ressalta que em 2014 cerca de 1 em cada 20 adultos com idades entre 15 e 65
anos usou alguma espécie de droga, aproximadamente, 250 milhões de pessoas, desse
número, por volta de 183 milhões dessas pessoas usaram Cannabis, colocando-a no topo do
consumo.
O relatório ainda aponta que o consumo de Cannabis se mantém estável desde a
década de 90, sofrendo elevação em virtude principalmente do crescimento da população
mundial.
Da análise fria dos dados apresentados compreendemos algumas coisas. Primeira:
como já ressaltado e exemplificado, a proibição não diminui o consumo; segundo: sendo a
Cannabis, com larga distância, a droga mais usada no mundo, regulamentá-la seria um grande
golpe no tráfico organizado, pois reteria uma das suas principais fontes de renda e afastaria
seus usuários do convívio com drogas mais pesadas e a violência do tráfico, que seria, em
tese, enfraquecido; terceiro: a Cannabis, se comparada com outras drogas, não se encontra
entre as mais perigosas, os próprios dados com relação à overdose comprovam isso.
Portanto, são estes os motivos pelos quais, neste momento do debate social,
regulamentar apenas a Cannabis vai ser de mais valia do que expandir a política
antiproibicionista de forma desordenada.
25
WORLD DRUG REPORT (Relatório Mundial sobre Drogas)
26
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
50
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, com a pesquisa ora apresentada, buscou-se, sem pretensão de exaurir todos os
detalhes envolvidos no tema, desenvolver um conteúdo de grande polêmica e na mesma
proporção, de grande importância para a sociedade brasileira e mundial como é qualquer
temática que envolva mudanças na política de drogas.
Entender que modificar um paradigma sempre que uma nova perspectiva nos é
apresentada é necessário em toda sociedade que se diz democrática, por mais que tal mudança
seja de difícil assimilação; fugir do debate e se esconder atrás de uma cortina de falácias pode
ser o caminho mais adequado para quem se beneficia com o panorama atual, contudo, na
posição de operadores do direito, colocar o tema em pauta buscando soluções que melhor se
adequem à realidade fática deve ser encarado como obrigação.
Por essa razão, o objetivo principal da presente pesquisa foi apresentar o projeto de lei
7270/2014 que tramita na Câmara dos Deputados e que regula a produção, industrialização e
comércio de Cannabis, tarefa desenvolvida de forma satisfatória, sempre buscando traçar
paralelos com experiências bem sucedidas em outros países a fim de criar a sustentação para a
defesa de sua aprovação.
Com as análises feitas no decorrer do trabalho e a simultânea constatação da realidade
atual, tendeu-se a apresentar as soluções propostas pelo projeto de lei ao problema das drogas
por entender que é o que melhor se adapta ao horizonte brasileiro, pois discute o assunto de
forma responsável, sem demagogias, muitas das vezes indo de encontro ao senso comum, mas
sendo sempre fiel aos seus princípios, mesmo que para isso alguns olhares desaprovadores
sejam detectados no caminho.
Tais soluções são pautadas na política de redução de danos, das liberdades individuais
e do respeito ao ser humano, ensejando um caminho seguro, humanizado e intimamente
ligado à realidade, para tratar do problema das drogas na sociedade moderna.
Ao final, conclui-se que, apesar da forte recusa por boa parcela da sociedade em
entender que o sistema atual de combate às drogas falhou, pode-se afirmar o surgimento,
ainda que modesto, de uma nova realidade na tratativa dada ao tema, buscando-se alterar as
políticas atuais, preocupando-se mais com o bem estar e dignidade da pessoa humana e
respeitando as liberdades de escolhas comportamentais.
51
Esta nova realidade pode ser constatada em todos os debates acalorados que
acontecem nos mais variados setores, buscando novas alternativas para a já falida guerra às
drogas, algumas dessas alternativas indo na contramão à tendência mundial de
descriminalização, porém na maioria das vezes buscando opções antiproibicionistas como a
aqui apresentada.
Portando, sendo o tema de tamanha relevância, envolvendo questões socioeconômicas,
de segurança pública, saúde, princípios e direitos de ordem constitucional e fundamental, e
após uma análise detalhada do mesmo ficou claro que, sem sobra de dúvidas, a eventual
aprovação do projeto de lei em questão será satisfatória para a sociedade brasileira, assim
poderemos encarar o problema de frente, de forma responsável, cautelosa e acima de tudo
respeitosa com as pessoas, sejam usuários ou não usuários, uma vez que o assunto das drogas
envolve todos os graus da sociedade.
52
REFERÊNCIAS:
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Edições Técnicas 2007.
URUGUAI. Ley 19.172/2014 Marihuana y Sus Derivados. Uruguai, 2014. Disponível em:<
https://parlamento.gub.uy/documentosyleyes/leyes/ley/19172> Acesso em 10 jul. 2016
DEL OLMO, Rosa. La cara oculta de la droga. Tradução: Teresa Ottoni – Rio de Janeiro:
Revan, 1990.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral : (arts. 1º a 120) /
Fernando Capez. — 16. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012.
UNITED Nations Office on Drugs and Crime, World Drug Report 2016 (United Nations
publication, Sales No. E.16.XI.7). Disponível em:<http://www.unodc.org/doc/wdr2016/
WORLD_DRUG_REPORT_2016_web.pdf > Acesso em: 12 set 2016
53
NEIVA, Gerivaldo. A falácia das drogas como bode expiatório das mazelas do mundo.
2016. Disponível em:< http://www.gerivaldoneiva.com/2016/06/a-falacia-das-drogas-como-
o-bode.html> acesso em 29 set 2016.
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Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150813_leis_drogas_
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SANDOVAL, Pablo Ximénez. Tudo pronto para os primeiros milionários da maconha nos EUA.
El País, Los Angeles, 13/09/2016. Disponível
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VEJA como é a legislação relativa à maconha em outros países. Portal G1. São Paulo,
10/15/2013 Disponível em:<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/12/veja-como-e-
legislacao-relativa-maconha-em-outros-paises.html> acesso em 20 ago 2016.