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O Discurso Midiático e a Construção da Notícia 3
p.203). Neste sentido, para Bakhtin, ela é o [...] sua pureza semiótica, sua
modo mais puro e sensível de relação social neutralidade ideológica, sua im-
(BAKHTIN, 2006, p.34) e serve como indi- plicação na comunicação humana
cador de mudanças, sendo veiculada através ordinária, sua possibilidade de
da língua para refletir-se nas ideologias. interiorização e, finalmente, sua
De certo modo, conforme Bakhtin, é presença obrigatória, como fenô-
através do estudo do signo linguístico que meno acompanhante, em todo
se observa mais facilmente e de forma mais ato consciente – todas essas pro-
profunda a continuidade do processo dia- priedades fazem dela o objeto fun-
lético de evolução que vai da infraestrutura damental do estudo das ideologias.
às superestruturas. Mas afinal, que estruturas (BAKHTIN, 2006, p.36).
são essas? E como podem ser assimiladas
para os estudos da mídia? O caráter ideológico das informações e
do discurso midiático torna-se mais presente
nos meios de comunicação de massa na me-
2 Mídia e sociedade: Uma dida em que se torna mais estreita a relação
relação de interdependência homem x mídia x sociedade. O homem passa
entre infraestrutura e a ser elemento da mídia, e a mídia artifí-
superestrutura cio do homem. Consequentemente, a mídia
torna-se decisiva no desenvolvimento da so-
Mikhail Bakhtin (2006) diferencia conceitos ciedade, que por sua vez, reflete na realidade
que acabaram por se tornar básicos para dos meios de comunicação de massa.
os estudos da linguagem, como os de in- Processa-se, então, uma relação de inter-
fraestrutura e superestrutura. Para ele, a ação e interdependência entre infraestrutura
infraestrutura compõe a base da sociedade, e superestrutura. Relações que se estabele-
as informações e fatos constituintes do so- cem na e pela linguagem, tanto em sua di-
cial. Já a superestrutura refere-se aos re- mensão verbal, quanto escrita, que se produz
flexos que as mudanças na realidade acar- nas relações sociais e materiais. Neste sen-
retam, ou melhor, são essencialmente, ele- tido, estas reflexões se mostram favoráveis,
mentos e relações sociais gerados e geridos no campo da mídia e mais especificamente
pela infraestrutura. Entre os elementos cons- do jornalismo, para compreendermos seus
tituintes da superestrutura estão, entre ou- discursos e o processo de construção das
tros, a psicologia, o Estado, a ideologia so- notícias.
cial, a educação, a política e a mídia.
A mídia, especificamente no campo jor-
nalístico, é uma área que facilita a visua-
2.1 Do fato à notícia: Um passeio
lização destas relações entre infraestrutura e pelas estruturas
superestrutura. Principalmente porque tra- Se o discurso é a matéria-prima da pro-
balha, mesmo que inconscientemente, com a dução midiática, a notícia – prática discur-
palavra enquanto signo ideológico e que in- siva – exerce grande influência sobre a cons-
fluencia no cotidiano social. tituição social de uma determinada comu-
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nidade, até porque todo discurso é carregado constituídos nas circunstâncias de uma co-
de ideologia. Neste sentido, a construção municação verbal espontânea como a ré-
da notícia não se dá de forma totalmente plica do diálogo cotidiano ou a carta, por
livre, uma vez que os eixos de poder e ins- exemplo) e os gêneros secundários (aque-
tâncias produtivas se inter-relacionam e es- les predominantemente escritos, que surgem
tão em constante movimento, transitando en- nas condições de um convívio cultural
tre um eixo e outro das estruturas. Nesse mais complexo e relativamente muito desen-
caso “as notícias, ao surgirem no tecido so- volvido e organizado), a exemplo do artís-
cial por ação dos meios jornalísticos, parti- tico, científico, sociopolítico, etc. Nesse
cipam da realidade social existente, confi- caso, para Bakhtin (2003), os gêneros se-
guram referentes coletivos e geram determi- cundários (romance, teatro, discurso cientí-
nados processos modificadores dessa mesma fico, discurso jornalístico etc.), que se cons-
realidade.” (SOUSA, 2002:119). troem em circunstâncias complexas de co-
Embora com diferentes perspectivas, as municação, absorvem e modificam, durante
teorias do discurso de forma geral apontam o processo de sua formação, os gêneros
para o caráter histórico-social de todo dis- primários. E isso só é possível pelo caráter
curso, sem esquecer os da mídia. Nesse caso, dialógico e pela diversidade de vozes que
é atributo do discurso jornalístico contem- repercutem suas ideologias, através da pro-
porâneo se postular o papel de remissor da dução de sentidos gerada pela heterogenei-
verdade, testemunha do fato. No entanto, dade discursiva.
o que vemos é uma apropriação deste real Neste sentido, imaginar o discurso como
através de estratégias enunciativas, tanto ver- dotado de um sentido único e portador de
bais como não verbais, tendo formulados os uma única voz é não concebê-lo como pro-
discursos não só a partir do sujeito que fala duto social, como ação social, já que pra
– a partir de outras falas, mas também na a análise do discurso, é fundamental reco-
interação com o sujeito que recebe ou que nhecer os discursos como práticas descon-
se supõe que receberá. Essas apropriações tínuas, sem transformá-los em um jogo de
do real não são condutoras de significados significações prévias. Neste sentido, deve-se
por elas mesmas, mas pela interação entre levar em consideração que
os sujeitos, no processo comunicativo, que
para Bakhtin é um processo interativo, muito Sempre que tentamos dar conta
mais amplo do que a mera transmissão de in- da realidade empírica, estamos às
formações. voltas com um real construído,
Isso nos remete aos conceitos de polifonia e não com a própria realidade.
e dialogia, que embora não sejam sinônimos, [...] O espaço social é uma rea-
se encontram pela concepção sociointera- lidade empírica compositória, não
cionista da linguagem. homogênea, que depende, para sua
Nos estudos da linguagem, é importante significação, do olhar lançado so-
destacarmos que Bakhtin distingue, de forma bre ele pelos diferentes atores so-
bem abrangente, dois tipos de gêneros do ciais, através dos discursos que
discurso: os gêneros primários (aqueles produzem para tentar torná-lo in-
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O Discurso Midiático e a Construção da Notícia 5
A partir disso, não parece remota, então, Consumidas em contextos sociais diver-
a ligação da teoria Bakhtiniana com os estu- sos, de forma coletiva ou individual, as notí-
dos de comunicação social, principalmente cias obedecem à rotina de produção coletiva,
se compreendermos que um dos fenômenos com o envolvimento de diferentes profissio-
linguísticos mais discutidos por Bakhtin – o nais, norteados pelas relações hierárquicas e
discurso reportado – é figura constante na concepções ideológicas.
mídia que, explicitamente, recorre aos dis- Neste sentido, ao refletir sobre a notícia
cursos de outrem. Neste caso, o caráter in- enquanto discurso, observamo-la como re-
tertextual da notícia é fator constituinte de sultado da interação socioideológica, em que
sua prática discursiva, sendo esta a condição emerge de uma multidão de vozes.
que todo texto tem de estar ou ser repleto
Desse ponto de vista, nossos enun-
de fragmentos de outros, os quais podem ser
ciados são sempre discurso citado,
facilmente identificados ou não. No caso das
embora nem sempre percebidos
notícias elas se situam no campo da intertex-
como tal, já que são tantas as vozes
tualidade sempre que os jornalistas lançam
incorporadas que muitas delas são
mão de discursos diretos ou indiretos, recor-
ativas em nós sem que percebamos
rem à ironia, usam pressuposições etc.
sua alteridade (na figura bakhtini-
Charaudeau (2007) explica que as mídias
ana, são palavras que perderam as
têm por tarefa reportar os acontecimentos do
aspas). (FARACO, 2009, p. 85).
mundo (p. 133). Nesse caso, “reportar não
é fundamentalmente reproduzir, repetir; é Sendo assim, o estudo da notícia é uma
principalmente estabelecer uma relação ativa das maneiras de analisar as ideologias em
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atuação na mídia e como esses filtros ideo- no conjunto dos títulos); a quanti-
lógicos permitem sua fabricação, já que de dade de superfície redacional (ou
acordo com Erbolato (2006) elas são “a icônica) comparada a de outras
matéria-prima do jornalismo” (p.49). Con- notícias, em porcentagem. (p.
siderando as notícias como artefatos linguís- 146-147).
ticos que representam aspectos da realidade,
Souza (2000) descreve que elas resultam da Nesta perspectiva, a escolha do que deve
interação de diversos fatores: ser noticiado, a forma como fazê-lo, a es-
colha de testemunhas, de ângulos, de falas a
[...] resultam de um processo de reportar, de perspectivas a abordar, demons-
construção e fabrico onde inter- tra o quanto essa visão da realidade (in-
agem, entre outros, diversos fa- fraestrutura) é parcial, logo e consequente-
tores de natureza pessoal, social, mente, ideológica (superestrutura).
ideológica, cultural, histórica e do
meio físico/tecnológico, que são Esse tipo de comunicação tem
difundidos pelos meios jornalísti- vínculo direto tanto com os pro-
cos e aportam novidades com sen- cessos de produção material da
tido compreensível num determi- vida, no lugar da infraestrutura,
nado momento histórico e num de- quanto com as esferas das diver-
terminado meio sociocultural (ou sas ideologias especializadas e for-
seja, num determinado contexto), malizadas, na superestrutura, en-
embora a atribuição última de sen- tendida como sistema de referên-
tido dependa do consumidor da cia que troca sentido com toda a
notícia (p.15). sociedade. (MIOTELLO, 2008, p.
171)
Desse modo, a realidade é (re)construída
a partir dos recursos específicos de cada tipo Como já vimos, no conceito bakhtiniano
de mídia. Na imprensa escrita, por exemplo, a palavra é, por essência e por excelência,
Charaudeau (2007) destaca: ideológica. Assim sendo, e levando-se em
consideração que esta (a palavra) é o instru-
a notícia é apresentada segundo mento de trabalho do comunicador e o e-
critérios determinados de cons- lemento que o relaciona com a sociedade,
trução do espaço redacional e supõe-se, que o discurso da mídia é, neces-
icônico, que seria correspondente sariamente, ideológico.
ao grau de importância que se
atribui a ela: a localização (na
3 O discurso ideológico
primeira página, ou numa página
interna, no alto ou no fim da O conceito de ideologia é um dos mais am-
página, com pré-título, título ou plos e variados a que se pode ter acesso. Em-
subtítulo); a tipografia (dimensão e bora não se tenha alcançado uma definição
corpo dos caracteres de impressão rematada, que abrangesse toda a riqueza de
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Referências
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia
da Linguagem. São Paulo: Hucitec,
2006.
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