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Marxismo libertário e a imaginação

revolucionária em Michael Löwy


Fabio Mascaro Querido I

B
rasileiro de nascimento, filho de -se em importantes livros coletivos, que
pais judeus vienenses exilados, fran- certamente poderão servir como eixo de
cês por opção existencial; enfim, intelec- orientação para futuros trabalhos teóri-
tual internacionalista, compromissado cos sobre o autor homenageado.
com o cosmopolitismo dos párias, dos No Brasil, em 2005, em seminário
subalternos e dos vencidos cujas resis- realizado pela revista Margem Esquerda,
tências e sofrimentos podem (e devem) diversos intelectuais debateram, em vá-
ser rememorados como prelúdio de rias mesas-redondas, aspectos específicos
uma redenção futura. Assim pode, em da obra de Michael Löwy. Dois anos mais
poucas palavras, ser definido Michael tarde, publicou-se pela editora Boitempo
Löwy (1938), intelectual desde sempre o livro – organizado por Ivana Jinkings
orientado pela tentativa de dialogar, a e João Alexandre Peschanski – As uto-
partir de uma compreensão singular pias de Michael Löwy: reflexões sobre um
do marxismo, com as múltiplas verten- marxista insubordinado, composto por
tes (românticas, messiânicas, religiosas, importantes contribuições críticas so-
profanas, libertárias) da grande recusa bre o pensamento de Löwy, com desta-
anticapitalista. que especial para os ensaios de Roberto
Após mais de cinco décadas de um Schwarz e de Marcelo Ridenti (o deste
itinerário intelectual tão extenso quanto último também reproduzido na edição
brilhante, seja pela quantidade ou pela francesa), cujos textos, além de destaca-
qualidade de seus trabalhos, a sólida obra rem traços particulares da trajetória do
de Michael Löwy vem conquistando nos autor, esboçam prerrogativas de inter-
últimos anos – mais do que o já conso- pretação do conjunto da obra.
lidado reconhecimento intelectual – um Os trabalhos apresentados no coló-
espaço importante nos debates interna- quio francês, realizado em Paris na Mai-
cionais pela revitalização do pensamento son de l’Amérique Latine, em abril de
crítico e de um marxismo destituído de 2009, foram, por sua vez, muito recen-
todo dogmatismo. Uma pequena amos- temente publicados em livro na França,
tra dessa tendência pode ser conferida com o título Cartographie de l’utopie.
em dois recentes e importantes semi- L’oeuvre indisciplinée de Michael Löwy.
nários realizados em sua homenagem, Igualmente elaborado através de breves
nos dois países que mais marcaram seu (em sua maioria) artigos, recheados de
percurso existencial e intelectual: Brasil testemunhos pessoais, o livro publicado
e França. Em ambos os colóquios, as na França, ao mesmo tempo que permi-
contribuições e os comentários sobre te entrever as diferentes ênfases inter-
sua obra, realizados por vários de seus pretativas, aqui e lá, destaca-se por uma
interlocutores (sobretudo brasileiros e maior densidade relativa no trato teórico
franceses, mas não só), transformaram- com a obra de Michael Löwy.

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Enquanto a obra brasileira está dividi- Enzo Traverso sublinha – como carac-
da em cinco “partes” que, internamen- terística fundamental do pensamento
te, não apresentam uma coerência temá- do autor – a singularidade de seu itine-
tica rigorosa, o livro publicado na França rário intelectual e político: “A trajetória
concentra-se em três tópicos centrais, os de Michael se inscreve naquela de uma
quais manifestam com maior harmonia geração e de movimentos intelectuais e
os principais momentos do itinerário políticos aos quais ele pertenceu, mas
teórico e político do autor – embora possui algo de irredutivelmente singu-
também reflitam, na mesma medida, as lar” (p.28 – tradução livre do francês).
especificidades da leitura “francesa” da Desde quando ainda cursava Ciências
obra em questão. O primeiro tópico, Sociais, na USP (localizada, à época, na
“Images de l’homme et de l’oeuvre”, Maria Antônia), no final dos anos 1950
apresenta ensaios sobre elementos re- e começo dos anos 1960, Löwy foi reco-
levantes das influências assimiladas e da lhendo influências diversas, que eram fil-
trajetória de Michael Löwy; o segundo, tradas pela perspectiva política do então
“Le romantisme et le marxisme travaillés militante de correntes trotskistas e/ou
par l’utopie”, é composto por aborda- luxemburguistas, como a LSI e a Polop –
gens em torno da ligação inequívoca em das quais ele foi fundador. Foi por aqui,
Löwy – sobretudo nos seus trabalhos das por exemplo, que Michael Löwy travou
últimas três décadas – entre marxismo, o primeiro contato com obras teóricas
utopia e romantismo, cujas afinidades que estariam presentes – sendo cons-
eletivas redescobertas se oxigenam re- tantemente atualizadas – em toda a sua
ciprocamente a fim de contribuir para trajetória, como História e consciência de
a reformulação necessária da teoria e da classe, do jovem Lukács, e os trabalhos
práxis revolucionária. Já o terceiro tópi- de Lucien Goldmann, cuja reelaboração
co – “Judaïsme, christianisme, messia- das teses lukacsianas nos termos de uma
nisme” – contém textos sobre a presença sociologia da cultura (e da religião) fun-
das utopias teológicas na obra desse in- cional à pesquisa acadêmica contribuiu
centivador de uma “religiosidade ateia”. em muito para a decisão do então jovem
Talvez por isso mesmo – quer dizer, sociólogo marxista de ir fazer o doutora-
em razão dessa construção interna mais do em Paris, em 1961 – sob orientação,
coesa –, além das contribuições e tes- é claro, do próprio Goldmann.
temunhos mais restritos, podem-se en- A tese, defendida já em 1964 (quan-
contrar no livro francês ensaios que não do o autor tinha apenas 26 anos incom-
hesitam em enveredar pelos caminhos de pletos!), sobre a teoria da revolução no
uma interpretação generosa, mas tam- jovem Marx – a qual, diga-se de passa-
bém crítica e problematizadora. Dentre gem, encontrou resistências “políticas”
esses, pode-se destacar, por exemplo, o da parte do próprio orientador, a despei-
excelente texto de Enzo Traverso, “Le to de esse ser a inspiração teórico-meto-
marxisme libertaire de Michael Löwy” dológica central –, já demonstrava com
(p.27-38), que delineia hipóteses ousa- bastante acuidade a leitura de Michael
das, por certo polêmicas, sobre a obra Löwy do marxismo como uma teoria da
de Löwy, focalizando-a como um todo práxis, baseando-se na ideia (de fundo
em movimento. Com muita perspicácia, luxemburguista, como atesta o ótimo

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Frankfurt), as sociologias históricas de
Max Weber e Karl Mannheim e o mes-
sianismo judaico-libertário. Porém, mais
do que uma leitura meramente exegéti-
ca, tais influências foram sempre (re)in-
terpretadas ativamente sob a óptica do
“marxismo-libertário” que, desde sua
precoce paixão pelo surrealismo e pelas
“correntes-quentes” da esquerda antis-
talinista latino-americana (de Che Gue-
vara e José Carlos Mariátegui à Teologia
da Libertação), condicionou sua démar-
che intelectual. Não por acaso Löwy ela-
borou, na França, segundo diz Traverso
(p.30), “uma sociologia da cultura es-
trangeira às correntes dominantes da so-
DELECROIX, V.; DIANTEILL, E. (Org.) ciologia francesa”, de Émile Durkheim a
Cartographie de l’utopie. L’oeuvre Pierre Bourdieu.
indisciplinée de Michael Löwy. Eis, portanto, uma obra que, vista em
Paris: Sandre Actes, 2011. 206p. sua totalidade ainda inconclusa, se apre-
senta como uma unidade em movimen-
to, composta por um “fio vermelho”
texto de Isabel Loureiro, “Rosa Luxem- subterrâneo permanentemente reelabo-
burg selon Michael Löwy” (p.81-90)) rado conforme os desafios do “tempo-
de que a emancipação social só pode ser -de-agora”. Dentre esses momentos de
uma autoemancipação das classes subal- redefinição, ou melhor, de atualização
ternas. Não é à toa que o trabalho, pu- do pensamento crítico, o diálogo com
blicado em livro anos depois, é até hoje aspectos da cultura romântica, sobre-
uma referência nos estudos teóricos so- tudo em suas vertentes revolucionárias
bre o pensamento e trajetória do jovem – que ele iria defender inclusive contra
Marx. seus detratores marxistas, como o “ve-
Daí em diante, a França – país onde lho” Lukács –, teve um papel absolu-
Löwy consolidou sua inserção acadêmi- tamente central, vindo a ser, conforme
ca, intelectual e política e vive até os dias sugere mais uma vez Enzo Traverso
de hoje, após breves passagens por Israel (p.32), “sua principal contribuição à so-
e Inglaterra na década de 1960 – seria ciologia da cultura e ao pensamento crí-
o lugar de cruzamento entre as diferen- tico contemporâneo”.
tes “constelações” teóricas (segundo diz Pois, como se vê no belo ensaio de
Erwan Dianteill em “Les trois constella- Vincent Delacroix, “Le temps roman-
tions Löwy – contribution à une socio- tique de Michael Löwy” (p.117-27),
logie benjaminienne de la connaissance” a incorporação da temática da visão de
(p.47-58)) que o autor foi incorporando mundo romântica em Löwy, de tão pro-
ao longo dos anos, tais como o marxis- funda, possibilitou uma rearticulação ra-
mo ocidental (de Lukács à Escola de dical do tempo histórico. Os trabalhos

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Karl Marx
(1818-1883)

sobre a crítica romântica da modernida- pano de fundo de um “romantismo re-


de – realizados ao lado de Robert Sayre, volucionário” que, agora sabemos, sem-
que assina o ensaio “Romantisme et mo- pre esteve implícita ou explicitamente
dernité. Parcours d’um concept et d’une presente no que de melhor produziu a
collaboration” (p.61-72) – estimularam tradição marxista. Por meio da “eficácia
uma nova abordagem da história a partir retroativa do presente sobre o passado”,
da óptica dos vencidos e, por isso mes- Löwy restitui as energias revolucionárias
mo, na contramão das ideologias mo- daquilo que, envelhecido, parecia fa-
dernas do progresso que veem na triunfo dado a sucumbir em face do progresso
dos dominantes do passado tão somente violento da história dos vencedores. No
o prelúdio de um presente “historica- pretérito, ele reencontra traços e alego-
mente necessário”. O passado é “deson- rias do futuro.
tologizado”, por assim dizer, razão pela Nesse processo de redescoberta das
qual o que parecia relegado à condição utopias românticas, desde meados dos
de resquício anacrônico ressurge como anos 1980, a influência intelectual de

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Walter Benjamin foi, sem qualquer dú- ção herética (apoiada nas indicações da
vida, e sob vários aspectos, decisiva. É a teoria da reificação em HCC) do diag-
leitura de Benjamin que permite a Löwy nóstico weberiano da Modernidade,
a fundamentação de uma nova escrita “desviando-o” a fim de incorporá-lo no
da história, na qual, além do romantis- âmbito de uma perspectiva política an-
mo, o messianismo judaico e as “utopias ticapitalista. A crítica “marxista-weberia-
concretas” (como diria Ernst Bloch) na” da modernidade capitalista é um dos
assumem um papel de suma relevância. núcleos a partir dos quais Michael Löwy
Desde Redenção e utopia: o judaísmo li- interpreta desde a formalização estética
bertário na Europa Central (trabalho pu- kafkiana das “cadeias de papel” – que
blicado em 1988 e que, talvez em razão desenvolve o perigo da burocratização
da maior presença dos judeus na Univer- alertado por Weber –, passando pelo sur-
sidade, é muito mais lido na França do realismo, até o mais recente ecossocia-
que no Brasil) até Revolta e melancolia: lismo, cujo êxito depende, entre outras
o romantismo na contramão da moder- coisas, da capacidade do marxismo de
nidade (1992), as utopias libertárias – in- consolidar sua ruptura teórica e política
cluindo as religiosas – servem para Löwy com o paradigma civilizatório capitalis-
como artifício profícuo à potencializa- ta-moderno. No dizer do próprio Löwy,
ção e redefinição do marxismo no fim de num ensaio/testemunho anexado ao li-
século XX e início do seguinte. vro, “À propos de Lucien Goldmann”
No limite, tratava-se, a partir daí, de (p.177-86): “A questão não é diluir o
uma tentativa de se redescobrir “afini- programa marxiano, mas radicalizar sua
dades eletivas” até então “ocultas” pelo ruptura com o paradigma da civilização
domínio das ortodoxias oficiais. E nada capitalista ocidental” (p.185).
melhor que o marxismo idiossincrático A fidelidade à utopia e à imaginação
de Walter Benjamin para orientar essa revolucionária, que sintetiza o percur-
perspectiva, num momento marcado so intelectual de Michael Löwy (como
pelo colapso do progresso, seja em sua afirma Régine Azria, em “Intellectuel et
versão propriamente capitalista, seja em juif: fidelité, utopie. Parcours intellec-
sua tonalidade pós-capitalista (autode- tuel, parcours existenciel” (p.19-26)),
nominada “socialista”). Por intermédio entrelaçam-se, assim, no embate comum
de Benjamin, cujas teses sobre o conceito contra a “gaiola de aço” e o “desencan-
de história foram objetivo de um dos tamento do mundo” diagnosticados
seus mais recentes livros (Aviso de incên- pelo sociólogo de Heidelberg. E é na
dio, 2005), Michael Löwy pôde recupe- investigação da possibilidade de consti-
rar uma crítica da Modernidade capaz de tuição de laços entre as várias formas de
restituir os destroços, as ruínas da his- críticas e resistências à modernidade ca-
tória, que são rememoradas no presente pitalista que se funda a ética intelectual
como testemunho da necessidade de in- de Michael Löwy. Nesse contexto, a acu-
terrupção revolucionária de um progres- sação de ecletismo, que volta e meia lhe
so que caminha em direção à catástrofe. é remetida, só faz sentido àqueles que
Essa radicalização da dimensão diale- concebem o marxismo como um sistema
ticamente “negativa” da Modernidade teórico-filosófico “fechado”, como um
intensifica-se ainda com a incorpora- edifício impecável cuja autossuficiência

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prescinde do diálogo com contribuições
teóricas e políticas que lhe são “exterio-
res”.
Para Löwy, ao contrário, o marxismo
e o pensamento dialético atuam, antes,
como horizonte teórico-político capaz
de absorver e subsumir, transforman-
do-se a si mesmo, análises que possam
contribuir com a complexa tarefa de in-
terpretar o mundo, quando a luta para
transformá-lo parece imediatamente
longínqua. Foram essas características,
formadoras de uma obra original e in-
ventiva, que garantiram a Michael Löwy
– cujas dezenas de livros e artigos foram
traduzidos em mais de 25 idiomas – um
trânsito relativamente livre em diferen-
tes vertentes da esquerda intelectual e
política, tornando-o personagem indis-
pensável do processo de renovação in-
ternacional do pensamento crítico con-
temporâneo, como demonstra, em certa
medida, o livro aqui apresentado.

Fabio Mascaro Querido é doutorando em


Sociologia, IFCH – Unicamp. Bolsista
Fapesp. @ – fabiomascaro@yahoo.com.br
I
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas,
Campinas/SP, Brasil.

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