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SOBRE
PROCESSO
ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR
6 de novembro de 2015
2
AGRADECIMENTOS E CRÉDITOS
A Rudinei Junkes, de quem, à revelia de seu conhecimento, como aluno, extraí as
técnicas e procedimentos de ordem prática explanados em aula ministrada de 10 a 13 de
novembro de 2003, que não só vieram a se constituir na maior parte dos acertos e virtudes
deste texto (os equívocos porventura existentes ficam por minha exclusiva conta) como
também me deram a necessária segurança para ministrar aulas de processo administrativo
disciplinar, a partir de 24 a 28 de novembro de 2003.
Por fim, muito especial agradecimento a Graça Maria Oliveira Pimentel e Carlos
Eduardo Barbosa Magalhães, pois nada do descrito acima seria possível se não fossem a
grandeza e a visão com que, à custa de verem sobrecarregada a divisão de tarefas cotidianas,
não me impediram de desviar muitas horas do esperado cumprimento de minhas atribuições
legais para a elaboração deste texto.
ÍNDICE
1 - INTRODUÇÃO ............................................................................22
2 - ESTRUTURA CORRECIONAL NA SECRETARIA DA
RECEITA FEDERAL DO BRASIL E ANTECEDENTES DO
PROCESSO........................................................................................27
2.1 - DEVERES DE REPRESENTAR E DE APURAR
IRREGULARIDADES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. 27
2.1.1 - A Inserção dos Deveres em Via Hierárquica ............................... 27
2.1.2 - A Especificidade das Corregedorias ............................................. 30
2.1.3 - Pontos Comuns na Via Hierárquica e em Corregedoria ............ 30
2.1.4 - A Controladoria-Geral da União e o Sistema de Correição do
Poder Executivo Federal............................................................................ 31
2.1.5 - A Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda........................ 47
Oral............................................................................................................................ 617
4.4.4.6 - Colaborador Eventual, Videoconferência e Precatória.......................... 622
4.4.5 - Declarantes sem Compromisso de Verdade ............................... 633
4.4.6 - Diligências ...................................................................................... 635
4.4.6.1 - Diligências de Natureza Fiscal no Curso do Processo Administrativo
Disciplinar ................................................................................................................. 640
4.4.6.2 - Reprodução Simulada ............................................................................... 647
4.4.7 - Pesquisas da Própria Comissão em Sistemas Informatizados.. 647
4.4.8 - Apurações Especiais...................................................................... 648
4.4.9 - Perícias e Assessorias Técnicas .................................................... 652
4.4.9.1 - Perícias e Atestados Médicos e Juntas Médicas Oficiais........................ 658
4.4.9.2 - Integrante de Comissão Designado para Atuar como Perito Externo.. 663
4.4.10 - Consultas ou Assistências Técnicas e Requisições de Dados ou
Informações a Unidades ou Órgãos........................................................ 664
4.4.11 - Acareação..................................................................................... 668
4.4.12 - Atos de Instrução que Envolvem Sigilos Fiscal ou Bancário.. 671
4.4.12.1 - O Dever Funcional de o Agente do Fisco Guardar Sigilo dos Dados
Fiscais e a Questão do Ministério Público.............................................................. 672
4.4.12.2 - O Regramento Atual da Disponibilização de Dados Sigilosos, por Parte
da Secretaria da Receita Federal do Brasil, para Órgãos Externos .................... 682
4.4.12.3 - A Questão do Sigilo Fiscal Especificamente para Servidores da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, Sobretudo Aqueles que Integram o
Sistema Correcional ................................................................................................. 690
4.4.12.4 - Envio de Informações, por Parte da Comissão, para Outras Unidades e
para Órgãos Externos .............................................................................................. 701
4.4.12.5 - Sigilo Bancário ......................................................................................... 703
4.4.13 - Prova Emprestada ...................................................................... 714
4.4.14 - Inadmissibilidade de Provas Ilícitas.......................................... 718
4.4.14.1 - Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas.......................................................... 718
4.4.14.2 - Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada............................................. 720
4.4.15 - Interceptação Telefônica ............................................................ 722
4.4.15.1 - Nos Termos da Lei nº 9.296, de 24/07/96: com Autorização Judicial,
Realizada por Terceiros e sem Conhecimento dos Interlocutores....................... 722
4.4.15.2 - Gravações Clandestinas, Feitas pelo Interlocutor, e Interceptação
Ambiental, Feita por Terceiro................................................................................. 726
4.4.15.3 - A Extensão para o Correio Eletrônico ................................................... 729
4.4.15.4 - Filmagem ou Gravação em Ambiente de Trabalho ou Público........... 732
4.4.16 - Interrogatório do Acusado ......................................................... 735
4.4.16.1 - O Momento do Interrogatório ................................................................ 735
13
DISCIPLINAR...............................................................................1352
ANEXO III - RESPONSABILIZAÇÕES ADMINISTRATIVA E
CIVIL EM DECORRÊNCIA DE DANO OU
DESAPARECIMENTO DE BENS PÚBLICOS NO ÂMBITO DA
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL .........1360
ANEXO IV - ASSÉDIO MORAL E ASSÉDIO SEXUAL ........1403
ANEXO V - DADOS DE PUBLICAÇÃO DAS NORMAS
CITADAS NO TEXTO .................................................................1430
ANEXO VI - FLUXOGRAMAS ..................................................1441
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................1445
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1 - INTRODUÇÃO
Apresenta-se este texto como uma dissertação, uma tese, um mero estudo teórico, de
natureza pessoal e autoral, sobre processo administrativo disciplinar na Administração Pública
federal, com ênfase nas peculiaridades da atividade correcional no âmbito da Secretaria da
Receita Federal do Brasil (órgão resultante da fusão da ex-Secretaria da Receita Federal com a
extinta Secretaria da Receita Previdenciária, conforme a Lei nº 11.457, de 16/03/07). Assim,
esta consolidação de anotações, apontamentos, opiniões, sugestões, comentários e
questionamentos equivale tão-somente a uma peça doutrinária qualquer, de livre adesão ou
discordância, não vinculando as comissões de sindicância e de inquérito e as autoridades
legalmente competentes, nem no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil e muito
menos nos demais órgãos públicos federais. Tampouco o fato de ter contado com a amistosa
colaboração de outros servidores afasta o caráter meramente autoral e não institucional deste
texto, não se podendo atribuir àqueles colaboradores qualquer forma de responsabilização em
função do conteúdo da peça.
Sendo obra pessoal e autoral, este texto não deve ser confundido com material
institucional e tampouco se propõe ou pretende se fazer passar como voz e posicionamento
oficiais, sequer da Corregedoria e muito menos da Secretaria da Receita Federal do Brasil,
nem mesmo sobre matéria correcional e menos ainda sobre qualquer outro tema
administrativo de interesse da instituição. Para esse fim, adverte-se e informa-se que existe
um conjunto de cinco apostilas oficialmente adotadas pela Corregedoria (Apostilas
Orientadoras da Aplicação do Processo e do Regime Disciplinar), por meio da Portaria Coger
nº 41, de 05/07/12, das quais se destaca a de nº 1, contemplando Manual de PAD, Notas
Técnicas e Modelos de Termos e Atos Processuais, todas disponíveis na Biblioteca Virtual da
intranet corporativa. Ademais, em nenhum momento o presente texto pretende se contrapor
àquele material institucional existente. Caso, eventualmente, o leitor extraia interpretações
divergentes da leitura deste texto com o citado conjunto de Apostilas institucionais ou com
qualquer tipo de determinação, deliberação, recomendação ou prática adotada pela
Administração, deve sempre prevalecer o entendimento oficial.
Feita acima a necessária ressalva de emprego e validade, tem-se que o objetivo deste
texto é apresentar as normas, técnicas e práticas acerca da condução do processo
administrativo disciplinar em âmbito federal, com o enfoque no rito processual da Lei nº
8.112, de 11/12/90.
Assim, no âmbito federal, foi editada a Lei nº 8.112, de 11/12/90. Esta Lei, também
chamada de Estatuto ou Regime Jurídico dos servidores públicos civis federais, foi
originalmente publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 12/12/90, pg. 23935, e teve sua
redação consolidada no DOU de 18/03/98, pg. 1, por determinação do art. 13 da Lei nº 9.527,
de 10/12/97, DOU de 11/12/97, pg. 29421. De acordo com a redação original do caput do art.
39 da CF, que exigia a instituição de regime jurídico único na Administração Pública direta e
nas autarquias e fundações públicas, em âmbito federal, a Lei nº 8.112, de 11/12/90,
consubstanciava este comando. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98
(a chamada Emenda da Reforma Administrativa), flexibilizou na Administração Pública
direta, autárquica e fundacional o instituto do regime jurídico único, implementando a figura
do contrato de emprego público. Mas esta atividade constituinte derivada teve sua eficácia
suspensa, por meio de medida cautelar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
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Aqui, desde já, se aponta a frustração consubstanciada com o advento da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, - pelo menos no que se refere à instância correcional - seja em sua redação
original, seja em sua redação consolidada pela Lei n° 9.527, de 10/12/97 (que pouco alterou o
regime e o processo disciplinar). O legislador cometeu o equívoco de reproduzir, neste atual
Estatuto - que deveria refletir a integralidade do estado democrático de direito recém-
conquistado -, dispositivos do Estatuto dos Funcionários (EF, a Lei nº 1.711, de 28/10/52),
expressamente revogado pela Lei nº 8.112, de 11/12/90, o qual, por sua vez, fazia o mesmo,
também reproduzindo dispositivos da norma anterior (o Decreto-Lei nº 1.713, de 28/10/39),
editada há mais de cinquenta anos e sob o regime ditatorial do Estado Novo. Assim, não é
errado afirmar que, na verdade, pelo menos na matéria correcional, a atual Lei nº 8.112, de
11/12/90, encontra sua matriz inspiradora naquele ultrapassado Decreto-Lei n° 1.713, de
28/10/39.
Assim, é de se dizer que tanto a Lei nº 1.711, de 28/10/52, quanto a Lei nº 8.027, de
12/04/90, foram revogadas pela Lei nº 8.112, de 11/12/90. Aquela longeva Lei, e toda sua
legislação complementar, foi expressamente revogada no art. 253 do atual Estatuto. E, embora
a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não tenha revogado expressamente a Lei nº 8.027, de 12/04/90,
por ter regulado inteiramente a matéria de que esta tratava - qual seja, o regime disciplinar do
servidor, tendo redefinido ilícitos, a eles vinculado penas e estabelecido prazos prescricionais
e competências julgadoras -, nos termos do art. 2º, § 1º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42
(antiga Lei de Introdução ao Código Civil - LICC, atualmente denominada Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro), operou a revogação tácita da mencionada Lei, após apenas
sete meses de sua vigência.
Os temas são apresentados em tópicos, com textos narrativos seguidos por reproduções
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da base legal (em azul) e por citações de entendimentos adotados na Administração (em
vermelho), de decisões judiciais (em verde) e manifestações doutrinárias (em marrom),
quando cabíveis. Além disto, sempre que cabível, o texto aborda normas internas específicas
da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Assim, uma vez que os textos expositivos se fazem
seguir da reprodução da sua base legal (quando existente), convencionou-se, em regra, não
sobrecarregar a narrativa com citações de artigos e normas, salvo quando relevante.
Ressalve-se que não se teve a intenção de, no presente texto, reproduzir todas as
manifestações de entendimentos administrativos, jurisprudenciais e doutrinários sobre matéria
processual disciplinar. Ao contrário, para não sobrecarregar demasiada e desnecessariamente
o texto, lançou-se mão das citações daquelas três fontes apenas nos pontos em que se
considerou relevante trazer à tona tais apoios às interpretações ora adotadas, poupando
reproduzir entendimentos administrativos, jurisprudenciais e doutrinários quando estes
simplesmente repetem os dispositivos das normas ou quando abordam temas pacificados e
que não suscitam nenhuma polêmica.
Ademais, faz-se necessário esclarecer que, uma vez que o principal objetivo deste
texto é apresentar um roteiro prático para condução do processo administrativo disciplinar,
aqui se reproduziram apenas as manifestações jurisprudenciais e doutrinárias que coincidem
com os entendimentos ora adotados. Assim, deliberadamente, não se mencionam julgados ou
autores em sentido oposto ao ora adotado. Como regra geral, não faz parte do objetivo do
presente texto apresentar discussões conceituais, diferentes teorias, correntes contrárias de
pensamento, etc.
conversão da lei em ato concreto, ou seja, à sua real execução no mundo real, por meio do que
se chama de ato administrativo. Daí porque, precipuamente, se associa a expressão
“Administração Pública” ao Poder Executivo. Este alcance inicial da expressão engloba não
só a estrutura orgânica e instrumental (ou seja, entidades, órgãos e agentes públicos) mas
também abrange as próprias funções e as atividades administrativas em si (ou seja, a atuação
estatal concreta e direta, na prestação de serviços públicos, para satisfazer as necessidades
coletivas). A estrutura orgânica divide-se em Administração Pública direta (formada pelas
pessoas jurídicas políticas - ou entidades estatais ou entes federados - União, Estados, Distrito
Federal e Municípios e seus órgãos integrantes) e Administração Pública indireta (autarquias,
fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista dos respectivos entes
federados), estando toda esta instrumentalidade do Poder Executivo, com os respectivos
quadros de agentes públicos, englobada no conceito de Administração Pública. Por óbvio, o
presente texto restringe-se ao âmbito federal, representada pela União, cuja organicidade
apresenta-se na redação atual do art. 4° do Decreto-Lei nº 200, de 25/02/67.
Mas aquela primeira associação, embora precípua e majoritária, não é suficiente para
definir a expressão “Administração Pública”, uma vez que a tripartição de Poderes não é
absolutamente estanque. A expressão também contempla a estrutura e as funções ou
atividades dos Poderes Legislativo e Judiciário quando eles, de forma residual, paralela,
secundária e instrumental às suas respectivas competências predominantes (normativa, de
elaborar normas gerais e abstratas - leis; e judicial, de aplicar coativamente a lei nos litígios e
conflitos), administram seus próprios serviços, bens e pessoal e se organizam, por meio de
atos materialmente administrativos. E, mais extensivamente, pode-se ainda considerar
albergadas no conceito de Administração Pública as estruturas e as funções do Ministério
Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) quando estas duas
instituições atuam em suas gestões meramente administrativas, fora de suas atividades-fim.
Em reforço à cautela recomendada acima para a adoção das teses defendidas ao longo
deste texto, tem-se que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, constituindo-se no Estatuto do servidor
público civil federal, como tal, aborda todo o tipo de direitos e deveres da relação jurídico-
estatutária firmada entre servidores e a Administração Pública federal, de sorte que a matéria
disciplinar nela encartada não é a única e nem mesmo a sua principal vocação. Desta forma, a
Lei nº 8.112, de 11/12/90, deixa muitas lacunas acerca do processo administrativo disciplinar,
que obrigam a integração por meio de outras leis, voltadas para a processualística
administrativa ou, residualmente, até mesmo judicial, e de demais fontes, tais como princípios
jurídicos, entendimentos sedimentados na Administração e no Poder Judiciário e, por fim, nas
manifestações da doutrina.
Além do texto principal em si, seguem seis Anexos. O primeiro consolida as principais
passagens de Pareceres da Advocacia-Geral da União sobre matéria disciplinar, de aplicação
obrigatória ou referencial na Administração Pública federal, que se encontram distribuídas ao
longo deste texto. O segundo consolida as diversas passagens ao longo do texto em que se
abordam ou se contrapõem aspectos atinentes à qualidade do trabalho e à celeridade. O
terceiro descreve o processo de tomada de conta especial, propositalmente reservado para um
anexo, fora do corpo principal do texto, visto que, embora guarde correlações com a matéria
disciplinar, é um instituto voltado à responsabilização civil. O quarto apresenta uma análise
sobre os conceitos de assédio moral e assédio sexual. O quinto lista os dados de publicação de
todas as normas citadas no texto. E o último sintetiza os ritos processuais ordinário e sumário
por meio de fluxogramas.
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Isto porque, por força da leitura conjunta dos incisos VI e XII do art. 116 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, uma vez que um servidor, em razão de suas atribuições legais, tenha
conhecimento de suposta irregularidade ou de suposto ato ilegal, omissivo ou com abuso de
poder, cometido por qualquer outro servidor em conduta que guarde algum grau de correlação
(ao menos indireta) com o cargo que ocupa, sobre ele recai o dever funcional de representar à
autoridade competente. Interpreta-se que, enquanto a regra geral do mencionado inciso VI
genericamente impõe o dever funcional de representar contra qualquer servidor ou ainda
qualquer autoridade, mesmo que de outra linha hierárquica ou até de outro órgão, por toda
forma de irregularidade, o foco do comando do citado inciso XII também repousa na
obrigação de representar especificamente contra autoridade hierarquicamente superior e que
cometa ato ilegal, omissivo ou com abuso de poder.
Não se olvide, de antemão, que a previsão de tal dever no texto da Lei estatutária acata
o comando estabelecido no inciso III do § 3º do art. 37 da CF.
CF - Art. 37.
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública
direta e indireta, regulando especialmente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 14/06/98)
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,
emprego ou função na administração pública. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19,
de 14/06/98)
Como reflexo deste posicionamento legal, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, possui uma
cláusula de salvaguarda, no seu art. 126-A, a favor do servidor que se predispõe a
regularmente cumprir este espinhoso dever funcional de representar por suposta ocorrência de
crime ou de improbidade, vedando que, em virtude de tal ato, possa ele vir a ser
responsabilizado em instância administrativa, civil ou penal. Embora, a rigor, o dispositivo
legal em comento preveja a proteção apenas em decorrência de comunicação de suposto crime
ou de ato ímprobo, não a expressando para a hipótese mais comum, de representação em
decorrência de suposto ilícito disciplinar, é pertinente interpretar extensivamente para também
abarcar a hipótese de representação por suposta infração administrativa. Afinal, se o legislador
entendeu que até a inadequada provocação por supostos atos de maior gravidade (crime ou
improbidade - os quais, aliás, em ato funcional, obrigatoriamente também configuram ilícito
disciplinar) não deve merecer repercussão disciplinar ao representante, menos ainda se deve
cogitar de tal hipótese em virtude de comunicação de suposta infração estatutária.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil,
penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de
informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento,
ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública. (Incluído
pela Lei nº 12.527, de 18/11/11)
caso, para instaurar o processo administrativo disciplinar. Não por acaso se aplica certo grau
de inespecificidade na afirmativa anterior, uma vez que, por um lado, tal competência, nos
termos do art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não é outorgada de forma ampla e
generalizada a qualquer autoridade, nem mesmo dentro desta via hierárquica, para poder
instaurar processo administrativo disciplinar, e, por outro lado, muito menos cuida a citada
Lei de especificar, em cada órgão público federal, a que autoridade da linha de hierarquia
caberá apreciar as notícias de supostas irregularidades. Faz-se necessária, então, expressa
definição legal ou infralegal de tal competência.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo
administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para
decidir.
Pelo exposto, a primeira leitura é de que, na regra geral da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
ambos os deveres, tanto de o servidor representar quanto de a autoridade apurar as supostas
irregularidades, se inserem na linha hierárquica, o que pode fazer com que ambos guardem
proximidade com o local de ocorrência da suposta ilicitude. O rito de cumprimento destes
dois deveres funcionais voltará a ser abordado em 2.3, com as especificidades de como se
30
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no
serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou
processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
Tanto é verdade que ela pode incorrer em crime de condescendência criminosa se, por
indulgência, deixa de responsabilizar o servidor subordinado que cometeu infração
(administrativa ou penal) no exercício do cargo ou não leva o fato ao conhecimento da
autoridade competente.
31
Uma situação que bem exemplifica a hipótese acima (seja na regra geral da apuração
em via hierárquica, seja existindo Corregedoria) é quando o representante tem alguma
desconfiança da imparcialidade de seu chefe imediato ou outra autoridade hierarquicamente
superior ou quando algum destes é justamente o representado ou pode estar envolvido no fato
relatado. À vista dos naturais constrangimento e desconforto e até mesmo da possibilidade de
obstrução de provas e de medidas de retaliação, a própria Lei nº 8.112, de 11/12/90, no inciso
VI de seu art. 116, disciplina esta situação específica, refletindo a inadequação da manutenção
do comando geral (de a representação dever ser encaminhada na via hierárquica de quem a
formula) e se harmoniza com a realidade fática, para permitir que o representante encaminhe
sua peça para outra autoridade - que se recomenda, em princípio, que seja o titular da unidade
ou qualquer outra, ainda em linha hierárquica, iniciada a partir da autoridade imediatamente
acima daquela representada.
Assim, neste rumo mais específico, o art. 18 da Lei nº 10.683, de 28/05/03, impõe à
Controladoria-Geral da União encaminhar aos órgãos competentes as representações ou
denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão ou a ameaça de lesão a patrimônio
público, requisitar as pertinentes instaurações, acompanhar e inspecionar as apurações e
confere-lhe ainda competência para avocar tais apuratórios e para instaurar procedimento com
o fim de apurar eventual inércia da autoridade originariamente competente.
Ainda segundo este Decreto, no que diz respeito aos integrantes do Sistema de
Correição do Poder Executivo Federal, tem-se que à Controladoria-Geral da União incumbe,
além daquelas competências típicas de órgão central (tais como de padronizar, sistematizar,
orientar, normatizar, aprimorar, gerenciar, controlar e integrar os procedimentos correcionais),
instaurar, em situações específicas (pela inexistência de condições operacionais no órgão de
origem ou pela complexidade e relevância da matéria ou pela autoridade envolvida ou ainda
por envolvimento de servidores de mais de um órgão), procedimentos disciplinares no âmbito
do Poder Executivo Federal ou, naquelas mesmas situações, avocar procedimentos em curso;
ou ainda, para quaisquer casos em geral, recomendar ao órgão competente a instauração,
conforme os incisos VIII, XII e XIII do seu art. 4º.
Ainda quanto às unidades seccionais de correição, acrescente-se que, por força do art.
8º do Decreto nº 5.480, de 30/06/05, seus titulares devem ser ocupantes de cargo efetivo e ter
nível de escolaridade superior e que, preferencialmente, sejam graduados em Direito e
ocupantes de cargos integrantes da Carreira de Finanças e Controle; ademais, sua indicação
com vista à nomeação para exercer mandato (que, como regra geral, é dois anos, ressalvando-
se a existência de normas específicas neste sentido no âmbito do Ministério da Fazenda,
conforme se verá em 2.1.5 e 2.2.1.2) submete-se à prévia apreciação da Controladoria-Geral
da União.
Em reforço ao já abordado acima (que, embora ainda como exceção, alguns órgãos
públicos federais já contam em seu organograma com uma unidade especializada para a
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curso em órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, quando verificada qualquer das
hipóteses previstas no inciso VIII, inclusive promovendo a aplicação da penalidade
cabível; (Incluído pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
XIII - requisitar as sindicâncias, procedimentos e processos administrativos disciplinares
julgados há menos de cinco anos por órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal,
para reexame; e (Incluído pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
XIV - representar ao superior hierárquico, para apurar a omissão da autoridade
responsável por instauração de sindicância, procedimento ou processo administrativo
disciplinar. (Incluído pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
§ 1º (Revogado pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
§ 2º (Revogado pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
§ 3º Incluem-se dentre os procedimentos e processos administrativos de instauração e
avocação facultadas à Controladoria-Geral da União aqueles objeto do Título V da Lei nº
8.112, de 11 de dezembro de 1990, e do Capítulo V da Lei nº 8.429, de 2 junho de 1992,
assim como outros a ser desenvolvidos, ou já em curso, em órgão ou entidade da
administração pública federal, desde que relacionados a lesão ou ameaça de lesão ao
patrimônio público.
§ 4º O julgamento dos processos, procedimentos e sindicâncias resultantes da instauração,
avocação ou requisição previstas neste artigo compete: (Redação dada pelo Decreto nº
7.128, de 11/03/10)
I - ao Ministro de Estado do Controle e da Transparência, nas hipóteses de aplicação das
penas de demissão, suspensão superior a trinta dias, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou destituição de função comissionada;
(Redação dada pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
II - ao Corregedor-Geral, na hipótese de aplicação da pena de suspensão de até trinta
dias; e (Redação dada pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
III - aos Corregedores-Gerais Adjuntos, na hipótese de aplicação da pena de advertência.
(Incluído pelo Decreto nº 7.128, de 11/03/10)
Art. 5º Compete às unidades setoriais e seccionais do Sistema de Correição:
I - propor ao Órgão Central do Sistema medidas que visem a definição, padronização,
sistematização e normatização dos procedimentos operacionais atinentes à atividade de
correição;
II - participar de atividades que exijam ações conjugadas das unidades integrantes do
Sistema de Correição, com vistas ao aprimoramento do exercício das atividades que lhes
são comuns;
III - sugerir ao Órgão Central do Sistema procedimentos relativos ao aprimoramento das
atividades relacionadas às sindicâncias e aos processos administrativos disciplinares;
IV - instaurar ou determinar a instauração de procedimentos e processos disciplinares,
sem prejuízo de sua iniciativa pela autoridade a que se refere o art. 143 da Lei nº 8.112, de
1990;
V - manter registro atualizado da tramitação e resultado dos processos e expedientes em
curso;
VI - encaminhar ao Órgão Central do Sistema dados consolidados e sistematizados,
relativos aos resultados das sindicâncias e processos administrativos disciplinares, bem
como à aplicação das penas respectivas;
VII - supervisionar as atividades de correição desempenhadas pelos órgãos e entidades
submetidos à sua esfera de competência; (Redação dada pelo Decreto nº 7.128, de
11/03/10)
VIII - prestar apoio ao Órgão Central do Sistema na instituição e manutenção de
informações, para o exercício das atividades de correição; e
IX - propor medidas ao Órgão Central do Sistema visando à criação de condições
melhores e mais eficientes para o exercício da atividade de correição.
Art. 6º Compete à Comissão de Coordenação de Correição:
I - realizar estudos e propor medidas que visem à promoção da integração operacional do
Sistema de Correição, para atuação de forma harmônica, cooperativa, ágil e livre de vícios
burocráticos e obstáculos operacionais;
II - sugerir procedimentos para promover a integração com outros órgãos de fiscalização e
auditoria;
III - propor metodologias para uniformização e aperfeiçoamento de procedimentos
relativos às atividades do Sistema de Correição;
IV - realizar análise e estudo de casos propostos pelo titular do Órgão Central do Sistema,
com vistas à solução de problemas relacionados à lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio
público; e
V - outras atividades demandadas pelo titular do Órgão Central do Sistema.
37
II - controle interno;
III - auditoria pública;
IV - correição;
V - prevenção e combate à corrupção;
VI - atividades de ouvidoria; e
VII - incremento da transparência da gestão.
§ 1o Compete à Controladoria-Geral da União exercer a supervisão técnica dos órgãos que
compõem o Sistema de Controle Interno, o Sistema de Correição e das unidades de
ouvidoria do Poder Executivo federal, e prestar orientação normativa na condição de
órgão central.
Art. 3o A Controladoria-Geral da União tem a seguinte estrutura organizacional:
I - órgãos de assistência direta e imediata ao Ministro de Estado:
a) Gabinete;
b) Assessoria Jurídica; e
c) Secretaria-Executiva:
II - órgãos específicos singulares:
a) Secretaria Federal de Controle Interno:
b) Ouvidoria-Geral da União;
c) Corregedoria-Geral da União:
1. Corregedoria-Adjunta da Área Econômica;
2. Corregedoria-Adjunta da Área de Infraestrutura; e
3. Corregedoria-Adjunta da Área Social; e
d) Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção:
III - unidades descentralizadas: Controladorias Regionais da União nos Estados; e
IV - órgãos colegiados:
a) Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção;
b) Comissão de Coordenação de Controle Interno; e
c) Comissão de Coordenação de Correição.
Art. 15. À Corregedoria-Geral da União compete:
I - exercer as atividades de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo
federal;
II - analisar, em articulação com a Secretaria Federal de Controle Interno e com a
Diretoria de Pesquisas e Informações Estratégicas da Secretaria-Executiva, as
representações e as denúncias encaminhadas à Controladoria-Geral da União;
III - conduzir investigações preliminares, inspeções, sindicâncias, inclusive as
patrimoniais, e processos administrativos disciplinares;
IV - instaurar ou requisitar a instauração, de ofício ou a partir de representações e
denúncias, de sindicâncias, de processos administrativos disciplinares e demais
procedimentos correcionais para apurar responsabilidade por irregularidades praticadas
no âmbito do Poder Executivo federal;
V - propor ao Ministro de Estado a avocação de sindicâncias, procedimentos e outros
processos administrativos em curso em órgãos ou entidades da administração pública
federal;
VI - instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, propor ao
Ministro de Estado representar ao Presidente da República para apurar eventual omissão
das autoridades responsáveis pelos procedimentos a que se referem os incisos IV e V;
VII - apurar a responsabilidade de agentes públicos pelo descumprimento injustificado de
recomendações do controle interno e das decisões do controle externo;
VIII - realizar inspeções nas unidades do Sistema de Correição do Poder Executivo
federal;
IX - verificar a regularidade das sindicâncias e dos processos administrativos instaurados
no âmbito do Poder Executivo federal;
X - propor a avocação e a declaração de nulidade de sindicâncias e dos procedimentos e
processos administrativos disciplinares instaurados no âmbito do Poder Executivo federal;
XI - propor a requisição de empregados e servidores públicos federais para constituição de
comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar;
XII - requisitar a órgãos e entidades públicas e solicitar a pessoas físicas e jurídicas de
direito privado documentos e informações necessários à instrução de procedimentos em
curso na Controladoria-Geral da União;
XIII - requerer a órgãos e entidades da administração pública federal a
realização de perícias;
XIV - promover capacitação e treinamento em processo administrativo disciplinar e em
outras atividades de correição, sob orientação da Secretaria-Executiva;
XV - instaurar ou recomendar a instauração de processos administrativos que tenham por
39
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 11. No âmbito do Órgão Central e das unidades
setoriais, a instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar caberá ao
Ministro de Estado do Controle e da Transparência, ao Secretário-Executivo, ao
Corregedor-Geral e aos Corregedores Setoriais, conforme o nível do cargo, emprego ou
função do servidor ou empregado a ser investigado.
§ 1° A sindicância e o processo administrativo disciplinar poderão ser diretamente
instaurados ou avocados, a qualquer tempo, em razão de:
I - omissão da autoridade responsável;
II - inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão de origem;
III - complexidade, relevância da matéria e valor do dano ao patrimônio público;
IV - autoridade envolvida;
V - envolvimento de servidores de mais de um órgão ou entidade; ou
VI - descumprimento injustificado de recomendações ou determinações do Órgão Central
do Sistema de Correição, bem como dos órgãos do Sistema de Controle Interno e de
decisões do controle externo.
§ 2° O Corregedor-Geral poderá, de ofício ou mediante proposta, a qualquer tempo,
avocar sindicância ou processo administrativo disciplinar em curso na Administração
Pública Federal, para verificar a sua regularidade ou corrigir-lhe o andamento.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 29. As unidades setoriais e seccionais, para
atendimento do previsto no artigo 5°, inciso VI, do Decreto n° 5.480, de 30 de junho de
2005, enviarão trimestralmente à Corregedoria-Geral da União, por meio de transmissão
informatizada, relatório de atividades dos procedimentos instaurados, concluídos e em
andamento, de acordo com as normas fixadas pela Controladoria-Geral da União.
Parágrafo único. O relatório a que se refere o caput deste artigo será enviado à
Corregedoria-Geral até o dia dez do mês imediatamente subseqüente ao trimestre ao qual
se refere.
Art. 31. Para implementação do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, os
órgãos e titulares das respectivas unidades deverão adotar as seguintes providências:
III - os titulares das unidades seccionais:
a) manter registro da tramitação e resultado dos processos e expedientes em curso;
b) encaminhar ao Órgão Central dados consolidados e sistematizados, relativos aos
processos e expedientes em curso, os resultados das sindicâncias e processos
administrativos disciplinares, bem como informações sobre a aplicação das penalidades
respectivas.
Ademais, ainda neste tema, é se antecipar um conceito que será apresentado ao final
do presente tópico, acerca de instrumentos e de competências ao alcance do Sistema de
Correição do Poder Executivo Federal, que é a inspeção. Uma vez que, conforme o art. 4º, X
do Decreto nº 5.480, de 30/06/05, o art. 15, VIII do Decreto nº 8.109, de 17/09/13, e os arts.
20 a 23 da Portaria CGU nº 335, de 30/05/06, compete à Controladoria-Geral da União (por
meio de sua Corregedoria-Geral da União e de suas Corregedorias Setoriais) realizar inspeção
procedimental nas unidades correcionais jurisdicionadas, em consequência, incumbe às
unidades seccionais de correição, quando requisitadas, fornecer informações e documentos
41
Assim, compete aos Escor (e também à Coger, nas excepcionais hipóteses em que o
Corregedor figura como autoridade instauradora ou julgadora) alimentar a base de dados
externa do mencionado sistema CGU-PAD a cada evento concretamente ocorrido em
procedimentos estritamente disciplinares (PAD e sindicância disciplinar). É de se ressalvar
que, dentre procedimentos investigativos, o sistema correcional da Secretaria da Receita
Federal do Brasil informa no sistema CGU-PAD a existência apenas de sindicâncias
investigativas e patrimoniais, não cadastrando investigações preliminares e investigações
patrimoniais.
Neste rumo, informe-se ainda que, antes mesmo da implantação do sistema CGU-
PAD, o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil já contava com um
sistema interno de acompanhamento da atividade correcional (o Sistema de Acompanhamento
de Comissões - Siacom), cuja base de dados é similar àquela que posteriormente a
Controladoria-Geral da União viria a implantar no âmbito de todo o Poder Executivo Federal
e cuja alimentação também cabe, precipuamente, aos Escor e, residualmente, à Coger.
Todavia, por razões técnicas de tecnologia da informação, apesar de ser um sistema
oficialmente homologado, tornou-se necessário descontinuar o emprego do Siacom em
31/07/14.
houve absolvição ou responsabilização e, neste caso, os dados do ato punitivo, tais como nº da
portaria, autoridade signatária, punição aplicada, data e meio de publicação e eventual efeito
da prescrição), bem como o encaminhamento dos autos à autoridade julgadora, as declarações
administrativa ou judicial de nulidade e a interposição de qualquer esfera recursal ou
revisional e as respectivas decisões.
De forma muito sintética, pode-se estabelecer que o presente texto, ao longo de todos
os seus tópicos, visa a, precipuamente, descrever em detalhes a condução do rito disciplinar
no âmbito específico da Secretaria da Receita Federal do Brasil (que é uma unidade
seccional).
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
II - sindicância investigativa ou preparatória: procedimento preliminar sumário,
instaurada com o fim de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao
45
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
III - sindicância acusatória ou punitiva: procedimento preliminar sumário, instaurada com
fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço público, com caráter
eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a oportunidade de defesa e a estrita
observância do devido processo legal;
IV - processo administrativo disciplinar: instrumento destinado a apurar responsabilidade
de servidor público federal por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que
tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido;
Art. 12.
§ 2° No caso de sindicância acusatória ou punitiva a comissão deverá ser composta por
dois ou mais servidores estáveis.
§ 3° A comissão de processo administrativo disciplinar deverá ser constituída por três
servidores estáveis, nos termos do art. 149 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Art. 13. As unidades setoriais, tão logo instaurem procedimentos disciplinares, remeterão à
Corregedoria-Geral cópia da portaria de instauração, sem prejuízo da adoção dos demais
controles internos da atividade correcional.
Art. 14. A Corregedoria-Geral deverá acompanhar e avaliar as atividades correcionais das
unidades setoriais, notadamente quanto aos prazos e adequação às normas, instruções e
orientações técnicas.
Art. 15. As sindicâncias e os processos administrativos disciplinares cujas instaurações
decorram de ato da Corregedoria-Geral da União e das unidades setoriais serão julgados:
I - pelo Ministro de Estado do Controle e da Transparência, nas hipóteses de aplicação das
penas de demissão, suspensão superior a trinta dias, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou destituição de função comissionada;
47
Neste rumo, de imediato, é interessante apontar que, embora seja uma unidade de
correição a que o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil guarde
relação de observância técnico-normativa, a Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda, no
âmbito do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, é uma unidade seccional da
mesma forma como a Coger.
Mais que isto, de certa forma, pode-se inferir que a atuação da Corregedoria-Geral do
Ministério da Fazenda, nos limites de sua competência, exclui apenas a atuação do sistema
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pois na mesma linha já delineada desde
o Decreto nº 8.029, de 20/06/13, a regulamentação inferior, operada pela Portaria MF nº 492,
de 23/09/13, que traça normas gerais para a atuação correcional no âmbito do Ministério da
Fazenda, praticamente reconhece apenas a Coger como outra unidade seccional de correição e
não deixa espaço para criação de novas unidades seccionais de correição nos demais órgãos
da Pasta. Além do claro comando exposto no art. 1º da mencionada norma, o mesmo tipo de
construção, adotando uma espécie de lista exaustiva - incluindo apenas a Corregedoria-Geral e
o Corregedor-Geral do Ministério da Fazenda e a Corregedoria e o Corregedor da Secretaria
da Receita Federal do Brasil - também é verificado em diversos outros dispositivos de índole
procedimental (tais como os arts. 8º, 10, 11, 16, 17, 19 e 20, de desnecessária reprodução
nesta passagem do texto).
Feita esta apresentação do foco subjetivo da competência, nos termos do art. 4º-B, I e
II do Decreto nº 7.482, de 16/05/11, cabe, então, à Corregedoria-Geral do Ministério da
Fazenda atuar - no sentido mais amplo do termo, aplicando, no âmbito exclusivo da Pasta,
todos os procedimentos correcionais, sejam investigativos, sejam contraditórios, na análise de
representações e denúncias, na realização de juízo de admissibilidade, na instauração de ritos
investigativos, inclusive de sindicância patrimonial, ou de sindicância disciplinar ou de
processo administrativo disciplinar - em face de irregularidades praticadas no âmbito de órgão
singular ou colegiado que não possua unidade própria de correição ou quando relacionadas a
mais de um órgão ou ainda para apurar atos atribuídos a titulares de órgãos (em que se destaca
o Secretário da Receita Federal do Brasil) e a conselheiros de órgãos colegiados da estrutura
do Ministério da Fazenda (em que se destaca o caso dos servidores da Carreira de Auditoria
da Receita Federal do Brasil atuando no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Carf -
na função pública de conselheiro representante da Fazenda Nacional, em dedicação integral e
exclusiva neste órgão colegiado, ou nele ocupando cargo em comissão ou função de
confiança), por determinação ministerial nos dois últimos casos.
Lei nº 11.457, de 16/03/07 - Art. 7º Fica criado o cargo de Natureza Especial de Secretário
da Receita Federal do Brasil, com a remuneração prevista no parágrafo único do art. 39
da Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003.
Parágrafo único. O Secretário da Receita Federal do Brasil será escolhido entre
brasileiros de reputação ilibada e ampla experiência na área tributária, sendo nomeado
pelo Presidente da República.
56
2.2.1.1 - Histórico
E, como de outra forma não poderia ser, visto que o ordenamento não pode comportar
incoerências, o dispositivo do Decreto nº 2.331, de 01/10/97, específico para o sistema
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil, encontra-se em consonância com os
comandos generalistas para toda a Administração Pública federal, do Decreto nº 5.480, de
30/06/05, e também com os comandos mais específicos do Decreto nº 8.029, de 20/06/13,
estes voltados para a atuação correcional no âmbito exclusivo do Ministério da Fazenda (até
porque este último diploma normativo alterou aquele primeiro, harmonizando-o). Conforme já
exposto em 2.1.4 e em 2.1.5, na atual estrutura estabelecida pelo Decreto nº 5.480, de
30/06/05, a Coger enquadra-se como unidade seccional no Sistema de Correição do Poder
Executivo Federal. Repisa-se que esta condição de unidade seccional não retira do sistema
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil, de suas autoridades e de seu quadro
funcional a exclusiva linha de subordinação hierárquica em relação ao Secretário da Receita
Federal do Brasil, não os colocando hierarquicamente subordinados às autoridades da
Controladoria-Geral da União e da sua Corregedoria-Geral, tampouco às autoridades da
Corregedoria Setorial do Ministério da Fazenda, no âmbito da Corregedoria-Geral Adjunta da
Área Econômica, e muito menos às autoridades da Corregedoria-Geral do Ministério da
Fazenda. De acordo com o art. 2º, § 2º do Decreto nº 5.480, de 30/06/05, a Coger deve apenas
prestar-se à orientação normativa da Controladoria-Geral da União e de sua Corregedoria-
Geral e à supervisão técnica da unidade setorial de correição, o mesmo se aplicando, por força
do Decreto nº 8.029, de 20/06/13, à Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda (que,
igualmente à Coger, também tem status de unidade seccional de correição no Sistema de
Correição do Poder Executivo Federal).
No âmbito do MF
Escor e da RFB:
Subordinação
Nucor hierárquica
Este foi um tema interno que especificamente sofreu relevante alteração com a edição
do Decreto nº 8.029, de 20/06/13, que, ao alterar o Decreto nº 7.482, de 16/05/11, que trata da
estrutura regimental do Ministério da Fazenda, instituiu a Corregedoria-Geral do Ministério
da Fazenda. Uniformizando o tema no âmbito das unidades seccionais de correição do
Ministério da Fazenda, o Decreto nº 7.482, de 16/05/11, passou a estabelecer que o mandato
trienal dos titulares comporta apenas uma única recondução, limitação que não constava do
Decreto nº 2.331, de 01/10/97. Assim, o Decreto nº 8.029, de 20/06/13, revogou o art. 2º do
Decreto nº 2.331, de 01/10/97, passando a questão interna a ser disciplinada pelo art. 15-A do
Decreto nº 7.482, de 16/05/11, e com regra de transição específica no art. 6º do Decreto nº
8.029, de 20/06/13.
Por sua vez, os servidores lotados e em exercício na Coger ou em seus Escor são
diretamente subordinados ao Corregedor ou ao respectivo Chefe do Escor. Por força do art. 5º
do Decreto nº 2.331, de 01/10/97, regulamentado pelo inciso VI do caput e pelo inciso IV do
§ 2º, ambos do art. 3º da Portaria RFB nº 3.300, de 29/08/11, especificamente os servidores
integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil contam com a prerrogativa
de, após três anos contínuos de simultâneos lotação e exercício em unidade do sistema
correcional (Coger, Escor ou Nucor), poderem escolher qualquer unidade da Secretaria da
Receita Federal do Brasil a fim de serem removidos a pedido.
É imperioso destacar que tal cláusula não subsiste como uma prerrogativa e muito
menos como um privilégio por si só. Ao contrário, sua leitura reflete a intenção de se suprir ao
quadro correcional a necessária segurança para o desempenho da espinhosa atividade
correcional. A correta leitura deste dispositivo é de que, como cláusula de segurança
funcional, caso o servidor integrante do sistema correcional, em razão de sua atuação
profissional, venha a sofrer qualquer tipo de ameaça, lhe é garantido o direito de se remover
para qualquer outra unidade distante do foco de eventual pressão.
uma vez que garantiu a manutenção destes servidores no sistema correcional por pelo menos
dois anos.
A rigor, por ausência de previsão legal, estas prerrogativas acima, acerca de remoção,
não beneficiam os servidores ocupantes de demais cargos que não integram a Carreira de
Auditoria da Receita Federal do Brasil.
Uma outra prerrogativa a se mencionar - que também alcança todo o quadro funcional
da Secretaria da Receita Federal do Brasil e não apenas aos integrantes da Carreira de
Auditoria da Receita Federal do Brasil - é que, no âmbito da RFB, a área de atuação
correcional é destacadamente contemplada pela ferramenta gerencial denominada Painel de
Intenção de Atuação Profissional (Piap) e que figura como o principal instrumento para, de
forma continuada, suprir o necessário quadro de lotação da Coger e dos Escor. Segundo esta
sistemática, incluída no art. 3º, XIII da Portaria RFB nº 3.300, de 29/08/11, e regulamentada
65
pela Portaria RFB nº 914, de 12/04/12, e pela Portaria Cogep nº 322, de 27/06/12,
inicialmente é necessário que os servidores interessados em integrarem o quadro do sistema
correcional informem seus dados pessoais, curriculares e profissionais e manifestem sua
intenção de movimentação a pedido, nos espaços virtuais apropriados no âmbito do Sistema
de Apoio às Atividades Administrativas (SA3) e que sejam avaliados e selecionados pelo
gestor da respectiva área de atuação indicada (o Corregedor, no caso). Ato contínuo, de
acordo com critérios e quantidades anualmente firmados entre o Secretário da Receita Federal
do Brasil e o Corregedor, este deve encaminhar os nomes dos servidores selecionados à
Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas, com as exposições de motivos que justificam as
remoções, independentemente de anuência das chefias das unidades de origem. Após analisar
as exposições de motivos, a Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas deve submeter
mensalmente os pedidos apresentados ao Secretário da Receita Federal do Brasil, a fim de
serem autorizadas as remoções a pedido.
Portaria Cogep nº 322, de 27/06/12 - Art. 3º Com base na manifestação dos servidores no
PIAP e na adequação aos processos de trabalho, o gestor providenciará o preenchimento
do Anexo III, constante da Portaria RFB nº 914/2012, acompanhado de exposição de
motivos com subsídios técnicos, consignando de forma expressa os seguintes elementos:
a) atividades a serem desempenhadas pelo servidor;
b) especificação do perfil de competências para atuação no processo de trabalho;
c) retorno esperado com a atuação do servidor relativamente às metas da unidade e aos
objetivos estratégicos da RFB;
d) ganhos adicionais esperados para a RFB, nos casos que envolverem deslocamento de
servidor pertencente a unidade com grau de lotação inferior ao da unidade pretendida, no
respectivo cargo;
e) indicação de alteração de exercício a pedido, designação para Trabalho Remoto ou
remoção a pedido, conforme o caso; e
f) outras informações consideradas relevantes.
Parágrafo único. A exposição de motivos de que trata o caput, bem como outras
66
Organograma da RFB
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
UNIDADES DESCENTRALIZADAS:
DELEGACIAS DE
JULGAMENTO
SUPERINTENDÊNCIAS REGIONAIS
INSPETORIAS ALFÂNDEGAS
DERAT, DEFIS, DELEX DELEGACIAS
ESPECIAIS ESPECIAL A,
DEINF, DEMAC E DERPF A, B, C, D, E
A, B, C A, B, C
AGÊNCIAS A, B, C, D INSPETORIAS A, B
exclusões nas competências do Corregedor e dos Chefes de Escor estendem-se aos ocupantes
daqueles cargos em comissão tanto ao tempo do cometimento do fato quanto ao tempo da
decisão de instaurar o rito disciplinar e aos respectivos substitutos eventuais por atos
cometidos no exercício interino de tais funções (o instituto da substituição eventual está
previsto no art. 38 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), conforme melhor se aduzirá em 2.5.2 e em
4.2.1. Informe-se ainda que, em leitura a contrario sensu do art. 288 do Regimento Interno, o
Chefe do Nucor não possui competência para instaurar investigações ou processos
disciplinares contra quem quer que seja, estando tal poder a cargo apenas do Chefe do
Escor02.
Organograma da Coger
NA UC NAS RF
CORREGEDOR
CORREGEDOR ADJUNTO
COORDENAÇÃO
DISCIPLINAR - CODIS
Por óbvio, de um lado, a afirmação acima de que as demais autoridades não possuem
competência para matéria disciplinar é excepcionada pela residual competência do titular do
71
Apenas se ressalve que a Portaria RFB nº 136, de 06/02/13, não foi integralmente
revogada de forma tácita porque nem todos os seus dispositivos foram objeto de nova
normatização. O seu art. 13 trata da subdelegação de competência, por parte do Secretário da
Receita Federal do Brasil, ao Corregedor e aos Chefes de Escor para declarar necessidade de
interrupção de férias. Uma vez que tal competência legal, nos termos do art. 80 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, é justamente daquele titular do órgão, não foi objeto de disciplinamento
na Portaria Coger-MF nº 42, de 21/11/13, como de fato nem poderia mesmo ser, já que não
caberia à Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda subdelegar competência que nunca foi
sua. Daí, resta forçoso interpretar que o art. 13 é o único comando ainda em vigor da presente
Portaria RFB nº 136, de 06/02/13, o que impede de se declarar aquela norma como
integralmente revogada de forma tácita.
Daí, em vista da revogação tácita das normas da lavra do Secretário da Receita Federal
do Brasil e que regulavam toda a atuação correcional interna, o Corregedor editou as Portarias
Coger nº 62, de 10/10/14, que disciplina os procedimentos de investigação patrimonial ainda
não concluídos até a publicação desta Portaria; e a Portaria Coger nº 4, de 16/01/14, que
delega aos Chefes de Escor e de Nucor a competência para autorizar o acesso aos sistemas
informatizados.
Esta delegação de competência deve ao máximo ser evitada, mas, quando insuperável,
deve se restringir ao período da excepcional ausência simultânea do titular e do substituto
eventual e a atos corriqueiros da manutenção do funcionamento da unidade, jamais se
cogitando de o servidor delegado, nesta condição atípica, instaurar procedimentos, designar
ou reconduzir comissões e equipes ou prorrogar seus prazos, bem como convocar servidores,
autorizar viagens a serviço, provocar instância fiscal, declarar nulidade processual, julgar e
aplicar penalidades e decidir recursos. Atente-se que esta lista de delegação vedada sintetiza
as competências exclusivas do Corregedor e dos Chefes de Escor, respectivamente previstas
nos arts. 285 e 287 do Regimento Interno; as competências conjuntas (não exclusivas) se lêem
nos respectivos arts. 312 e 313 do Regimento Interno e nada mais são que as competências
para a prática de atos meramente de expediente e da administração da Corregedoria ou do
Escor e que não podem ser adiados e estas sim são delegáveis nas situações atipicamente
emergenciais.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não
houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares,
ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em
razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência
dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.
§ 1º O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da
atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo
conter ressalva de exercício da atribuição delegada.
§ 2º O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.
§ 3º As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e
considerar-se-ão editadas pelo delegado.
Nestes termos, informe-se que, por meio da Portaria Coger nº 51, de 11/08/10, o
Corregedor delegou competência ao Coordenador Disciplinar e a seu substituto eventual,
para, nos afastamentos e impedimentos do Corregedor e do Corregedor Adjunto, praticarem
todos os atos de que trata o art. 285 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do
Brasil.
Isto porque, seja pela leitura dos dispositivos regimentais e dos demais conjuntos
normativos internos, seja pelo senso comum, tem-se que o combate à degradação do
comportamento exige que a instituição mantenha-se vigilante para inibir as situações
suscitadoras da conduta reprovável, por meio de uma atuação preventivo-educativa sobre o
corpo funcional e por meio do controle das atividades por ele desenvolvidas, com o fim de
buscar a gestão de sua integridade. Não obstante, além disto, a atuação oficial deve também
conscientizar seu quadro da existência de uma matéria repressora e punitiva, por meio de um
poder de certa forma intimidador, com o fim de reprimir a conduta antijurídica.
difundida no quadro de servidores da instituição, se pode ter mitigado ou até mesmo afastado,
em grande parte, o risco do cometimento de infração disciplinar, a atividade de controle
investigativo, por sua vez, instrui a atividade de repressão.
Ainda neste tema, convém acrescentar que a Secretaria da Receita Federal do Brasil,
por força da Portaria RFB nº 3.262, de 19/08/11, conta com foro próprio e específico para a
apreciação de temas éticos atinentes a todos agentes públicos em exercício no órgão (e não
apenas aos servidores estatutários, com exceção das autoridades submetidas à Comissão de
Ética Pública Setorial do Ministério da Fazenda - CEPS-MF -, conforme o art. 3º da Portaria
MF nº 39, de 18/02/08), a saber, a Comissão de Ética Pública Seccional da Secretaria da
Receita Federal do Brasil (CEPS-RFB).
Portaria RFB nº 773, de 24/06/13 - Art. 1º Aprovar o Código de Conduta dos Agentes
Públicos em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 2º Os agentes públicos em exercício na RFB deverão observar o disposto no Código de
Conduta.
Código de Conduta dos Agentes Públicos em Exercício na Secretaria da Receita Federal
do Brasil
78
Art. 42. É responsabilidade de todo agente público observar o disposto neste Código e
estimular o seu cumprimento integral.
Art. 43. A inobservância das normas estipuladas neste Código acarretará, ao servidor, a
aplicação, pela Comissão de Ética Pública Seccional da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (CEPS-RFB), da censura ética prevista no Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto 1.171, de 1994, ou a
lavratura de Acordo de Conduta Pessoal e Profissional (ACPP), conforme rito previsto na
Resolução nº 10, de 29 de setembro de 2008, recepcionado pela Portaria RFB nº 3.693, de
28 de novembro de 2011, observado o princípio do contraditório e ampla defesa, de acordo
com o disposto no Decreto nº 6.029, de 1º de fevereiro de 2007, que estabeleceu o Sistema
de Gestão de Ética do Poder Executivo Federal.
§ 1º A CEPS-RFB poderá, ainda, adotar medidas para evitar ou sanar desvios éticos,
podendo também sugerir ao Secretário da Receita Federal do Brasil:
I - exoneração de ocupante de cargo ou função de confiança;
II - retorno do servidor ao órgão ou entidade de origem;
III - remessa de expediente ao setor competente para exame de eventuais transgressões de
naturezas diversas, inclusive disciplinares ou penais.
§ 2º Sempre que constatar possível ocorrência de ilícitos penais, civis de improbidade
administrativa ou de infração disciplinar, a CEPS-RFB encaminhará cópia dos autos às
autoridades competentes para apuração de tais fatos, sem prejuízo da adoção das demais
medidas de sua competência.
Neste rumo, é de se ratificar a atuação da Coger e dos Escor com a CEPS-RFB e com
as chefias hierárquicas. Sabe-se que, de um lado, a competência para matéria disciplinar
concentra-se, essencialmente, nos titulares da Coger e dos Escor, falecendo qualquer
competência nesta área para as demais autoridades da Secretaria da Receita Federal do Brasil,
com exceção do titular do órgão, o Secretário da Receita Federal do Brasil. Por outro lado,
como de outra forma não poderia ser, diante de sua matéria-fim, a este mesmo sistema
correcional também incumbe atuar e contribuir nas ações conscientizadoras da necessidade do
comportamento ético no órgão, precipuamente na prevenção ao desvio de conduta, em total
articulação com a CEPS-RFB, que figura como o foro institucional especializado no tema e
detentor de seu próprio ferramental amparado em normatização específica, e ainda com as
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autoridades regionais e locais, às quais, de forma difusa, também competem ações de natureza
preventiva junto a seus subordinados. É inequívoco que, à margem de previsões regimentais,
como a qualquer outra unidade ou autoridade administrativa, ao sistema correcional e a seus
titulares e integrantes também incumbe, diuturnamente, de forma diluída com todas as suas
demais competências, zelar, preventivamente, pela postura ética do quadro funcional, também
sendo certo que, no atual ordenamento interno, sua atuação nesta seara, focando a prevenção,
deve se harmonizar, sem se superpor e muito menos se contrapor, à atuação específica da
CEPS-RFB.
que incube, regimentalmente, executar a auditoria interna e de gestão no sentido mais lato da
expressão.
No que aqui mais de perto interessa, cabe ao sistema correcional a terceira e última
forma de exercício do controle investigativo. A Coger e os Escor, regimentalmente, também
dispõem de competência para instituírem as suas próprias linhas de atuação investigativa, com
o fim específico de levantar indícios de desvios de conduta e, em alguns casos, aferir os riscos
de que venham ocorrer tais desvios, conforme mais detidamente se detalhará em 2.2.2.2.2.
Tem-se certo que, quanto mais eficiente forem a prevenção em sentido estrito e o
controle investigativo dentro da instituição, menos se necessitará lançar mão da derradeira
linha de atuação, a repressiva. Não obstante, caso estas ferramentas profiláticas não tenham
gerado o efeito desejado de inibir o ilícito, eventuais indícios de desvio de conduta devem ser
encaminhados ao sistema correcional. Na sequência, pode se fazer necessário lançar mão da
última ferramenta de combate ao desvio de conduta, a repressão, demandando da
Administração a atuação reativa, de índole punitiva, especificamente sobre o infrator, com a
decorrente instauração de sindicância disciplinar ou de PAD, previstos na Lei nº 8.112, de
11/12/90, e, eventualmente, aplicando-se uma penalidade administrativa.
Antes disto, assevera-se não haver dúvida de que, no caso específico da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, a atuação correcional, além de gerar os imediatos efeitos no
combate à corrupção e de gerir a integridade institucional, também propicia um conhecimento
do próprio órgão, das lacunas, das praxes administrativas e de seu ordenamento,
possibilitando suprir rotinas e normas, e sobretudo se reflete na percepção da presença fiscal
e, por conseguinte, protege sua imagem externamente e auxilia o desempenho das atividades-
fim (arrecadação tributária).
A rigor, o que se quer aqui diferenciar não são atuações da Diaco e da Divid, mas sim
as atuações associadas à investigação disciplinar das atividades correcionais. Como Divisões
da unidade central, não se perde de vista que, na verdade, a Divid e a Diaco atuam nas
respectivas áreas, mas não com ênfase na execução em si e sim da forma como se espera de
unidade central, qual seja, uniformizando, padronizando, disseminando, supervisionando e
capacitando as respectivas atividades fins executadas pelos Escor.
Portaria Coger nº 36, de 16/04/15 - Art. 1º Deverão ser constituídos Grupos e Equipes de
Trabalho, no âmbito dos Escritórios de Corregedoria, com finalidade de organizar
administrativamente os processos de trabalho existentes e executar as tarefas específicas
de cada atividade, conforme a seguir:
I - Grupo de Atividades Correcionais, com a tarefa de conduzir os processos
administrativos disciplinares instaurados.
II - Grupo de Investigação Disciplinar, com a tarefa de conduzir as investigações
disciplinares determinadas pela chefia do Escritório.
III - Grupo de Assessoramento, com a tarefa de elaborar análises e pareceres em relação
aos assuntos que devam ser submetidos à apreciação do Chefe do Escritório.
IV - Grupo de Atividades Auxiliares.
Art. 2º A composição dos Grupos e Equipes de Trabalho será compatível com o efetivo
disponível e com o volume de atividades de cada Escritório, sendo que cada Grupo de
trabalho poderá ter um coordenador responsável por sua condução.
Art. 3º As Equipes pertencentes aos Grupos de Atividades Correcionais e de Investigação
Disciplinar deverão ter identificação única e padronizada, a fim de possibilitar
individualização nos sistemas de trabalho e gerenciais.
Com isto, na prática, as chefias dos Escor mantêm grupos de servidores com perfil
investigativo, grupo de servidores com perfil processual e grupo de servidores com perfil
jurídico, para, respectivamente, atuarem nas execuções dos procedimentos prévios de
investigação disciplinar ou nas execuções das atividades correcionais e de assessoramento,
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Embora se saiba que, na prática, estas duas áreas de atuação técnica da Coger sejam
exercitadas diuturna e simultaneamente pelas respectivas Divisões previstas no Regimento
Interno, aqui, didaticamente, convém apresentá-las na sequência com que teoricamente
deveriam ser empregadas. Isto é possível porque, conceitualmente, ao se tomar um
determinado caso isolado, até é verdade que se pode conceber uma linha consecutiva e
sequenciada de atuação, tanto entre a Divid e a Diaco, no desempenho das competências,
funções e atividades típicas de unidade central, quanto entre os grupos de investigação
disciplinar e de atividades correcionais, no âmbito dos Escor.
Relembre-se que mais do que diferenciar as atuações das duas Divisões técnicas da
Coger, aqui se quer diferenciar as duas linhas de atividade e que ambas linhas de atuação são
exercidas de formas distintas na unidade central (onde excepcionalmente são executadas) e
nos Escor (onde, ao contrário, a menos de casos específicos, são precipuamente executadas).
A Diaco, por exemplo, em particular, além de suas competências típicas de unidade central
para todo o sistema, executa as atividades correcionais (e também de assessoramento)
especificamente nos casos excepcionais em que o Corregedor figura como autoridade
instauradora.
Uma vez que a matéria correcional será o precípuo foco de interesse de todo o presente
texto, aqui, neste tópico específico, não se concentrará atenção à matéria de interesse da
Diaco, mas sim se dedicará algum esforço às investigações disciplinares excepcionalmente
conduzidas pela Divid ou comumente conduzidas pelos Escor e apenas supervisionadas pela
Divid. E este maior esforço também se justifica ao se repisar que, embora a atividade
investigativa anteceda a aplicação do Direito Administrativo Disciplinar, tem-se que as
investigações disciplinares, em termos teórico-conceituais, já se aproximam mais do processo
disciplinar que a atuação de prevenção - mas sem com ele se confundir.
83
A investigação disciplinar, em sua primeira forma de compreensão, pode ser tida como
um procedimento que se foca no esclarecimento de uma notícia inicial acerca de
determinado(s) agente(s) e de determinada(s) conduta(s). Em outras palavras, a investigação
disciplinar é um gênero procedimental que visa a identificar indícios de materialidade e de
autoria de suposta(s) ilicitude(s) cometida(s) por um ou mais de um determinado(s)
servidor(es), deflagrando-se a partir de uma notícia inicial possuidora de algum grau de
delimitação objetiva ou subjetiva, ainda que abarcando um foco abrangente de condutas ou de
agentes.
Feito este esforço inicial de apresentar uma incipiente diferenciação dos diferentes
ritos que podem ser empregados na genérica competência regimental de proceder a
investigações disciplinares (tais definições serão aprofundadas em 2.5.3.3), ainda assim, é de
se reconhecer que, em geral, a menos de tópicos cujo fim seja especificamente aprofundar a
análise de tais assuntos, se usará, ao longo deste texto, por mera economia de redação, a
expressão “investigação disciplinar” ou “atividades investigativas” para referência a qualquer
espécie das investigações sigilosas, discricionárias e inquisitoriais que antecedem o processo
disciplinar.
Não obstante, para os objetivos deste texto, mais relevante é tentar definir investigação
disciplinar em gênero em comparação com a matéria ético-preventiva, que a antecede, e com
a matéria disciplinar, que a sucede, situando-a em meio àquelas duas outras atividades.
de desenvolvimento de pessoal.
Por fim, na área de apoio administrativo da atividade correcional, a Coger conta com o
Seaux, a que compete a execução das atividades financeiras e orçamentárias referentes a
deslocamentos de servidores e também, no que cabível (já que os Escor contam, nas
respectivas Regiões Fiscais, com apoio das Divisões de Gestão de Pessoas e de Logística e
Programação das Superintendências Regionais), ao controle das atividades referentes a
pessoal, patrimônio e serviços gerais.
Tal competência resta refletida no art. 4º, § 2º da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14.
Isto porque embora cada vez mais o sistema correcional invista nas suas próprias
demandas e investigações disciplinares internas, muito da sua atuação ainda decorre das
provocações externas à Coger e aos Escor. Em outras palavras, ainda prevalecem como
origem da maior parte das provocações ao sistema as notícias recebidas, sobretudo da lavra de
agentes públicos, sejam de unidades da própria Secretaria da Receita Federal do Brasil, sejam
89
Embora a norma infralegal mais genérica dentre as acima citadas, qual seja, a Portaria
MF nº 492, de 23/09/13, conceda ao servidor que tem ciência de suposta irregularidade
cometida no âmbito do Ministério da Fazenda a alternativa de formular representação na via
hierárquica ao titular de sua unidade ou diretamente à autoridade correcional, nas
regulamentações mais específicas, tanto no de toda a Pasta quanto no âmbito específico da
Secretaria da Receita Federal do Brasil prevalece o comando de que o servidor que, em razão
de suas atribuições legais, tem ciência do cometimento de suposta irregularidade por parte de
algum outro servidor ou autoridade do órgão, em ato também exclusivamente associado ao
exercício do cargo deste (mesmo que indiretamente), deve representar, por escrito, por
intermédio do seu chefe imediato, ao titular da sua unidade regional ou local em que é lotado
(ou em que tem exercício, caso a unidade de exercício seja distinta da de lotação). Verifica-se
que, até este ponto, no foco institutucional do presente interesse, o rito interno da Secretaria
da Receita Federal do Brasil se coaduna com o regramento geral, previsto no parágrafo único
do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Demarcando o ponto em que o procedimento interno
específico se diferencia do rito genérico previsto na mencionada Lei, a esta autoridade fiscal
(ou administrativa), por sua vez, cabe tão-somente encaminhar a representação que lhe foi
remetida por servidor subordinado ao Chefe do Escor da Região Fiscal que jurisdiciona o
representado, a quem, em princípio, competirá o juízo de admissibilidade e, se for o caso, a
instauração do apuratório disciplinar, determinada pelo art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90
(conforme se descreverá em 2.5.2 e 4.2.1). Óbvio que, como um servidor em sentido lato,
quando o conhecimento do fato supostamente ilícito se origina na própria autoridade fiscal
(ou administrativa), titular de unidade regional ou local, a este agente público cabem ambos
mandamentos acima, de formular a representação e de encaminhá-la àquele Chefe do Escor.
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14 - Art. 7º O servidor que tiver ciência de irregularidade
no serviço público deverá, imediatamente, representar, por escrito, ao titular da unidade,
ou, no caso de representação contra o titular da unidade, remetê-la diretamente ao Chefe
do Escor, no âmbito da respectiva Região Fiscal, sob pena de responsabilidade
administrativa, civil e penal.
§ 1º O titular da unidade deve encaminhar a representação recebida ou, sendo quem
primeiramente teve conhecimento da irregularidade, representar diretamente ao Escor, no
âmbito da respectiva Região Fiscal.
embora se faça relevante ser abordado aqui em termos genéricos, será objeto de detalhada
apresentação em 2.5.2 e em 4.2.1.
Sob a ótica do representante, isto é o que por ora pode interessar: tendo ciência de
suposta irregularidade funcional, cabe-lhe apenas encaminhar a representação em sua própria
via hierárquica a partir de seu chefe imediato, até o titular da sua unidade de lotação (ou de
exercício, se diferente), a fim de que este encaminhe à competente projeção regional do
sistema correcional. A partir daí, esta própria estrutura especializada se incumbirá de dar a
leitura jurídica adequada a quem cabe apreciar a representação e decidir o juízo de
admissibilidade.
Neste rumo, com o fim de atender ao disposto no art. 116, XII da Lei nº 8.112, de
11/12/90, e à regulamentação imposta pelo caput do art. 7º da Portaria Coger nº 14, de
30/01/14, quando o servidor representa diretamente à Coger, em regra, esta unidade central
remete a provocação para o Escor da correspondente jurisdição apuratória, recomendando
ainda que seja dada ciência da representação ao chefe imediato do representante (sem prejuízo
de, em algum caso específico, a seu exclusivo critério ou nas restritas hipóteses que o
ordenamento interno vincula, refletindo o princípio da hierarquia, consagrado no art. 15 da
Lei nº 9.784, de 29/01/99, o Corregedor avocar a competência, conforme se abordará em
4.2.1).
se diferente) mas sem ser o titular da unidade, o próprio ordenamento legal reflete a
inadequação da manutenção do comando geral (de a representação dever ser encaminhada na
via hierárquica de quem a formula) e se harmoniza com a realidade fática, para permitir que o
representante encaminhe sua peça para outra autoridade - que se recomenda, em princípio, que
seja o titular da unidade ou qualquer outra, ainda em linha hierárquica, iniciada a partir da
autoridade imediatamente acima daquela representada.
E a leitura do que materialmente pode ou não ser considerado desvio ético se encontra
consolidada no Código de Conduta dos Agentes Públicos em Exercício na Secretaria da
Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria RFB nº 773, de 24/06/13.
Portaria RFB nº 773, de 24/06/13 - Art. 1º Aprovar o Código de Conduta dos Agentes
Públicos em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 2º Os agentes públicos em exercício na RFB deverão observar o disposto no Código de
Conduta.
Código de Conduta dos Agentes Públicos em Exercício na Secretaria da Receita Federal
do Brasil
Art. 42. É responsabilidade de todo agente público observar o disposto neste Código e
estimular o seu cumprimento integral.
Art. 43. A inobservância das normas estipuladas neste Código acarretará, ao servidor, a
aplicação, pela Comissão de Ética Pública Seccional da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (CEPS-RFB), da censura ética prevista no Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto 1.171, de 1994, ou a
lavratura de Acordo de Conduta Pessoal e Profissional (ACPP), conforme rito previsto na
Resolução nº 10, de 29 de setembro de 2008, recepcionado pela Portaria RFB nº 3.693, de
28 de novembro de 2011, observado o princípio do contraditório e ampla defesa, de acordo
com o disposto no Decreto nº 6.029, de 1º de fevereiro de 2007, que estabeleceu o Sistema
de Gestão de Ética do Poder Executivo Federal.
§ 1º A CEPS-RFB poderá, ainda, adotar medidas para evitar ou sanar desvios éticos,
podendo também sugerir ao Secretário da Receita Federal do Brasil:
I - exoneração de ocupante de cargo ou função de confiança;
II - retorno do servidor ao órgão ou entidade de origem;
III - remessa de expediente ao setor competente para exame de eventuais transgressões de
naturezas diversas, inclusive disciplinares ou penais.
§ 2º Sempre que constatar possível ocorrência de ilícitos penais, civis de improbidade
administrativa ou de infração disciplinar, a CEPS-RFB encaminhará cópia dos autos às
autoridades competentes para apuração de tais fatos, sem prejuízo da adoção das demais
medidas de sua competência.
indícios de desvio ético. Esta instância somente deve ser provocada quando de plano, já desde
o recebimento da representação ou da denúncia, ou após o esgotamento do rito disciplinar,
restarem apenas indícios de desvio ético.
Por fim, a autoridade competente para a matéria correcional deve exercitar seu poder-
dever com extremado bom senso. A matéria correcional deve ser compreendida com reserva e
com cautela, de emprego residual (o que em nenhum momento significa omissão, negligência
ou condescendência), mas tão-somente nas hipóteses e propósitos elencados na lei.
Ademais, podem também ser somadas ao rol das notícias deflagradoras da atuação
correcional as representações oficiadas por outros órgãos ou entidades públicos (Poder
Judiciário, Ministério Público Federal, Departamento de Polícia Federal, Controladoria-Geral
da União, Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda, Comissão de Ética Pública,
Comissão de Ética Pública Seccional da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou demais
comissões de ética, etc); as denúncias apresentadas por contribuintes e por particulares em
geral, pessoalmente ou por intermédio da Ouvidoria do Ministério da Fazenda ou da
Ouvidoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil; as notícias veiculadas na mídia e até as
denúncias anônimas.
2.4.1 - Representação
Formalmente, a expressão “representação funcional” (ou, simplesmente,
“representação”), mencionada em 2.1.1, refere-se à peça escrita apresentada por servidor,
como cumprimento de dever legal de informar à Administração o seu conhecimento, advindo
de suas atribuições legais, de suposta irregularidade ou de suposto ato ilegal, omissivo ou com
abuso de poder, cometidos por qualquer outro servidor ou autoridade em conduta que guarde
algum grau de correlação (ao menos indireta) com o cargo que ocupa. Em espécie, também
abarca a formalização, por parte da própria autoridade superior, de conhecimento de suposta
irregularidade cometida por subordinado, em razão do direto exercício do poder hierárquico.
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14 - Art. 7º O servidor que tiver ciência de irregularidade
no serviço público deverá, imediatamente, representar, por escrito, ao titular da unidade,
98
Não obstante, observando-se a finalidade da norma (e não apenas seu texto), a fase de
admissibilidade a que se submeterá a representação, pode relevar a falta de algum dos
requisitos formais acima, quando houver, por outro lado, a indicação precisa do fato e das
respectivas provas.
2.4.2 - Denúncia
Já o termo “denúncia” pode comportar dois sentidos. O primeiro, mais abrangente,
teria o valor em gênero de todas as notícias de irregularidades, englobando a espécie das
representações (como, a rigor, parece ser o emprego adotado na Lei nº 8.112, de 11/12/90). O
segundo sentido, mais estrito, diferenciado da representação, refere-se exclusivamente à peça
apresentada por particular, noticiando à Administração o suposto cometimento de
irregularidade associada ao exercício de cargo. Apenas por uma questão didática, de deixar
claro a origem da notícia de irregularidade a que se fará referência neste texto, aqui se
empregará o termo “denúncia” com o segundo enfoque, mais restrito, não abrangente mas sim
complementar em relação às representações, como as notícias de irregularidades trazidas por
particulares.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de
apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam
formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
documento por escrito, de forma que a notícia apresentada verbalmente deve ser reduzida a
termo pela autoridade competente. A positivação para que se exijam determinados critérios de
validade para aceitabilidade de denúncia se encontra no art. 6º, §§ 1º e 2º da Portaria CGU nº
335, de 30/05/06, que ao dispor sobre as investigações preliminares em fase de
admissibilidade, determina que, indistamente, representações e denúncias apresentem como
conectivos mínimos a descrição clara, objetiva e circunstanciada da suposta irregularidade, a
identificação do denunciado e apresentação dos indícios.
Pelo exposto, à vista do enfoque aqui adotado para o instituto da denúncia, no que
cabível, adotam-se os mesmos entendimentos já emanados em 2.3.1 e em 2.4.1, em que se
abordaram a competência para receber representações e seus requisitos a priori básicos de sua
aceitabilidade, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, uma vez que, conforme
se aduzirá em 2.5, os procedimentos para emissão de juízo de admissibilidade são
praticamente idênticos para provocações oriundas tanto de servidores quanto de particulares.
A leitura conjunta dos dois citados dispositivos legais permite extrair que, a despeito
da literalidade do art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, no sentido da instauração imediata
diante de qualquer notícia de suposta irregularidade, logo em seguida, a mesma Lei, no
parágrafo único do seu art. 144, flexibiliza aquele comando a priori impositivo e concede à
autoridade instauradora a competência para efetivamente atuar, a fim de não ser sempre
inquestionavelmente obrigada a instaurar a instância disciplinar, atribuindo-lhe o poder de
ponderar os elementos informativos que chegam a seu conhecimento e de emitir uma decisão
se arquiva preliminarmente o feito ou se deflagra a persecução disciplinar.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no
serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou
processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
100
Art. 144.
Parágrafo único. Quando o fato narrado não configura evidente infração disciplinar ou
ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.
Ressalve-se desde já que a responsabilização disciplinar pode não atingir apenas quem
comete o ato ilícito, mas, em determinados casos, pode recair sobre quem, embora não o tenha
cometido, tenha propiciado, com sua ação ou omissão, que outro o cometesse, concorrendo
para a ocorrência. Assim, ao longo deste texto, o termo “autoria” deve ser lido tanto no
sentido estrito referente a “autor do ato” quanto no sentido amplo de “responsável pelo ato,
por concorrência”.
CP - Relação de causalidade
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido.
Relevância da omissão
§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o
resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Mas, uma vez que o juízo de admissibilidade pode ser precedido de diversos tipos de
procedimentos de investigação e de atividades de natureza analíticas, é necessário reconhecer
a possibilidade de dúvidas acerca de diferentes entendimentos e conteúdos que a expressão
pode comportar.
Uma primeira interpretação, ainda também em sentido estrito mas não tanto como a
conceituação adotada, contemplaria na expressão “juízo de admissibilidade” tanto a
manifestação técnico-analítica, em forma de parecer propositivo, como elemento de amparo e
de subsídio jurídico da decisão a ser tomada, quanto, por fim, este ato conclusivo da decisão
de instaurar ou não a instância disciplinar, de cognição exclusiva da autoridade instauradora.
Conforme se percebe facilmente, esta interpretação abarcaria a conceituação ora adotada.
Embora não se adote no presente texto aquelas duas interpretações acima, este
encadeamento procedimental é reconhecido, por meio de referências também à “fase de
admissibilidade”, com o sentido conglobante de abarcar todo o ferramental instrucional
porventura utilizado até se atingir a manifestação analítica propositiva (geralmente em forma
de um parecer) e a decisão cognitiva da autoridade. Assim, no presente texto, além da
expressão “juízo de admissibilidade”, convencionada apenas para a decisão cognitiva da
autoridade competente, também se emprega a expressão “fase de admissibilidade” que, na
maioria dos casos, pode ser composta por variados procedimentos de investigação (ou
variados ritos investigativos, tais como investigação preliminar, sindicância patrimonial,
sindicância investigativa e investigação patrimonial, inaugurando a subfase investigativa), que
redundam em um parecer propositivo (na subfase analítica) e, por fim, na decisão
administrativa, englobando toda esta procedimentalização.
A rigor, nos termos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, o legislador não previu e não regulou
de forma expressa a fase e tampouco o juízo de admissibilidade e, em consequência, muito
menos estabeleceu seu rito, sua base principiológica e sua forma de externalização, tendo se
restringido tão-somente a discorrer sobre o processo administrativo disciplinar em si, para o
qual estabeleceu, de forma inequívoca, o devido processo legal e a necessidade de se atender
aos princípios da ampla defesa e do contraditório e a alguns requisitos formais essenciais. Não
obstante, se, por um lado, o emprego de uma fase e de um juízo de admissibilidade não
encontra expressa previsão legal, reitere-se que, por outro lado, em nada afronta a citada Lei,
uma vez que o citado parágrafo único do art. 144 excepciona o mandamento apriorístico do
seu antecedente art. 143 (de instaurar instância disciplinar), quando prevê que se analise se há
ou não, no caso noticiado, elementos de materialidade e autoria a fim de, em caso negativo, se
poder proceder ao liminar arquivamento.
No campo das normas emitidas acima da Coger, tem-se que os três procedimentos de
investigação a que se refere o caput do art. 2º da Portaria Coger-MF nº 24, de 29/10/13, são
exatamente aqueles descritos nos incisos I, II e V do art. 3º da Portaria MF nº 492, de
23/09/13, e que, por sua vez já reproduzia exatamente os mesmos ritos investigativos
previstos nos incisos I, II e V do art. 4º da Portaria CGU nº 335, de 30/05/06, a saber, a
investigação preliminar, a sindicância investigativa e a sindicância patrimonial. Mas, desde já,
antecipe-se o que será detalhadamente abordado nos tópicos seguintes: especificamente no
sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil existem ainda previsões
normativas e definições doutrinárias para outro procedimento de investigação (ou seja, para
outro ritos investigativo), a saber, a investigação patrimonial.
Fechado este parêntese, por ora, importa destacar que a fase de admissibilidade pode
conter uma subfase investigativa (na qual, se for o caso - e nem sempre será, pois nem sempre
é necessária esta subfase investigativa - podem ser empregados os mencionados
procedimentos de investigação, conforme se detalhará em 2.5.3.2) e/ou pode conter uma
subfase analítica para elaboração do parecer de admissibilidade (em geral, existe este parecer,
que se descreverá em 2.5.4 e que pode ou não ser precedido por algum daqueles ritos
investigativos da subfase investigativa) e, por fim, sempre contém o juízo de admissibilidade
em si da autoridade instauradora.
FASE DE
ADMISSIBILIDADE SUBFASE ANALÍTICA (opcional - art. 3º):
Parecer propositivo de admissibilidade
(segundo Portaria (Modelo da Diaco e Apostila de exemplos)
Coger-MF 24/13)
Como a Lei nº 8.112, de 11/12/90, nem sequer menciona em seu texto a expressão
“juízo de admissibilidade”, em geral, na Administração Pública federal, é a lei orgânica, o
estatuto ou o regimento interno específico de cada órgão que trata de competência para
matéria disciplinar, mas freqüentemente o faz apenas identificando a autoridade competente
para instaurar a instância disciplinar, nada esclarecendo sobre a competência que ora
interessa, para exarar aquele ato cognitivo. Uma vez que é comum a competência instauradora
atrair a competência para exarar o juízo de admissibilidade, visto este ser o ato de cognição da
própria autoridade a favor da instauração da instância disciplinar ou do liminar arquivamento
do feito, e, em conseqüência, também indicar a quem devem ser dirigidas as representações e
denúncias, em geral, aquela autoridade que a lei orgânica, o estatuto ou o regimento interno
em cada órgão estabelece como competente para instaurar a instância disciplinar ou para
arquivar o feito é a mesma a quem devem ser encaminhadas as notícias de supostas
irregularidades que dão entrada no órgão e também é a mesma a quem incumbe, previamente
a algum daqueles dois atos finais, emitir a decisão cognitiva do seu juízo de admissibilidade.
Em virtude então das lacunas normativas acerca da competência para exarar juízo de
admissibilidade e das mais ricas e detalhadas previsões legais para competência instauradora,
o presente tópico se limitará a apresentar a regra geral de competência para emissão de juízo
de admissibilidade no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Em complemento,
reporta-se à indispensável a leitura de 4.2.1, onde, ao se discorrer sobre a competência
instauradora, se apresentarão as situações específicas que também repercutem nas
competências em fase de admissibilidade.
Ressalve-se que, por leitura a contrario sensu do art. 288 do Regimento Interno, o
Chefe do Nucor de Manaus não possui competência para examinar representação ou denúncia
e muito menos para decidir a fase de admissibilidade, nem mesmo para servidores lotados (ou
em exercício) naquela jurisdição municipal, estando tais poderes a cargo do Chefe do
Escor02.
Relembre-se, conforme já aduzido em 2.2.2.2.2, que, por força da Portaria RFB nº 268,
de 06/03/12, o Corregedor possui, por delegação, competência para transferir competências
entre as subunidades (entre suas Coordenação, Divisões, Serviços, Seção, Escor e Nucor),
para transferir atribuições dos respectivos chefes e também para estabelecer jurisdição de
Escor de forma concorrente em todo território nacional. Com isto, no aspecto que aqui mais
pode interessar, a competência para exarar juízo de admissibilidade pode ser transferida de um
Escor para outro.
Tal competência resta refletida no art. 4º, § 2º da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14.
§ 1º As atribuições previstas no inciso I do caput deste artigo não abrangem os atos e fatos
praticados pelo Superintendente da Receita Federal do Brasil e pelo Superintendente
Adjunto da Receita Federal do Brasil, bem como pelos servidores que praticaram atos
passíveis de apuração disciplinar nestas qualidades.
§ 2º As atribuições previstas no inciso I do caput relativas ao Chefe do Escritório de
Corregedoria da 1ª Região Fiscal não abrangem os atos e fatos praticados pelo Secretário
da Receita Federal do Brasil, Secretário-Adjunto da Receita Federal do Brasil,
Subsecretários da Receita Federal do Brasil, Coordenador-Geral, Corregedor, Corregedor
Adjunto, Coordenador Disciplinar, Chefe de Gabinete e Chefes de Assessorias da
Secretaria da Receita Federal do Brasil. (Redação dada pela Portaria MF nº 512, de
02/10/13)
Não obstante, se faz relevante destacar que, diferentemente desta configuração comum
e esperada, podem ocorrer situações atípicas, como, por exemplo, o representado ter lotação e
exercício em unidades situadas em diferentes Regiões Fiscais ou ainda de o agente, ao tempo
da emanação do juízo de admissibilidade, estar lotado (ou em exercício, se diferentes os
108
locais) em Região Fiscal distinta daquela em que cometeu o fato - inclusive em decorrência de
investidura em outro cargo, na própria Secretaria da Receita Federal do Brasil ou em outro
órgão público federal - ou já nem mais ser servidor. Em situações peculiares deste tipo, à vista
das interpretações teleológica e sistemática que se extraem da Portaria Coger nº 14, de
30/01/14, é inequívoco que, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, quer-se
privilegiar que o processo administrativo disciplinar, caso venha a ser instaurado, transcorra o
mais próximo possível do local onde fisicamente o representado desempenha as atribuições
legais de seu cargo, como forma de facilitar seu pleno exercício de defesa, com acesso aos
autos, à comissão processante e aos trabalhos apuratórios em si. Assim, em tais casos, a
representação deve ser remetida, pelo titular da unidade de lotação do representante (ou de
exercício, se diferente), ao Escor que jurisdiciona a unidade de lotação do representado (ou de
exercício, se diferente) ao tempo da formulação daquela provocação ou, no caso de ex-
servidor, ao Escor que jurisdiciona a última unidade em que foi lotado (ou em que teve
exercício). A jurisprudência acata que esta valoração, operada pelo sistema correcional da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, em favor da proximidade com a defesa, acarrete a
desvinculação com o local de ocorrência dos fatos.
TRF da 5ª Região, Agravo de Instrumento nº 64.934: Voto: “4. Significa, portanto, que,
num órgão de abrangência nacional, como o é a Superintendência da Polícia Federal, a
Comissão Disciplinar Permanente (ou a temporariamente formada para determinada
apuração de irregularidade) de um Estado da Federação pode desempenhar suas funções
na averiguação de irregularidades ocorridas em outro Estado da Federação. 5. Nos termos
do artigo 149 da Lei 8.112/90, ademais, ‘o processo disciplinar será conduzido por
comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente,
observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que
deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de
escolaridade igual ou superior ao do indiciado’. 6. Como se vê, os requisitos para a
regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus
membros, (ii) o seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade
competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido no próprio Estado em que
trabalham ou em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação. 7. Demais
disso, é de acrescentar-se que uma Comissão formada por servidores de outro Estado
provavelmente será até mesmo mais imparcial nas apurações do que se formada por
servidores do mesmo local de trabalho do investigado, servindo ainda mais aos ditames do
art. 150 da Lei n 8.112/90, segundo o qual ‘A Comissão exercerá suas atividades com
independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da administração’.
Assim, tal emanação por parte do Corregedor e sua competência instauradora devem
ser tidas como hipótese excepcional, conforme melhor se abordará em 4.2.1 (e, nesta hipótese
excepcional de o Corregedor figurar como autoridade instauradora é que justificará a
incomum competência executora a cargo da Diaco, já mencionada em 2.2.2.2.2) e ainda mais
residualíssimas são as hipóteses de o Secretário da Receita Federal do Brasil, do Corregedor-
Geral do Ministério da Fazenda e do Ministro de Estado da Fazenda emitirem juízo de
admissibilidade e consequentemente atuarem como autoridades instauradoras.
Reitere-se mais uma vez que, como a competência instauradora traz associada a si
mesma a competência para emissão de juízo de admissibilidade, deve-se, em 4.2.1, não só
aprofundar a compreensão conceitual deste tema mas também e sobretudo complementar a
lista de situações específicas que refogem da competência apriorística do Chefe do Escor e
que migram excepcionalmente para a competência do Corregedor e, de forma ainda mais
residual, para o Secretário da Receita Federal do Brasil, para o Corregedor-Geral do
Ministério da Fazenda e para o Ministro de Estado da Fazenda, destacadamente com atenção à
síntese tabelada de todos os desdobramentos de tais competências.
Daí, importa esclarecer se mesmo nos casos em que não se vislumbre nenhuma
necessidade de promoção de procedimentos de investigação, pode a própria autoridade
instauradora redigir diretamente a peça analítica em que se baseará, ato contínuo, a sua
própria decisão ou se deve a fase de admissibilidade ser instruída por peça opinativa
obrigatoriamente redigida por servidor subordinado àquela autoridade. Na esteira, também
convém esclarecer se, caso haja necessidade de se proceder a procedimentos de investigação,
há obrigatoriedade de serem conduzidas por outro servidor a fim de amparar a decisão em fase
de admissibilidade ou se pode a própria autoridade instauradora, diretamente, fazê-las e emitir
a decisão, dispensando trabalho instrutório a cargo de outro agente subordinado. Também se
aproveita para enfrentar a questão se incorre em impedimento ou suspeição o servidor que
proceder aos procedimentos de investigação (ou que deles participar em equipe ou comissão)
e que, consecutivamente, vier a elaborar o parecer propositivo de admissibilidade, em
excepcional afastamento da rotina proposta em 2.5.3, de segmentação das tarefas
investigativas e analíticas. Também vale esclarecer se incorre em impedimento ou suspeição
um mesmo servidor (ou uma mesma equipe ou comissão) atuar em procedimentos
investigativos diversos por diferentes fatos em fase de admissibilidade em face de um mesmo
servidor investigado.
Quanto ao primeiro ponto, pela simples leitura atenta do caput do art. 3º da Portaria
Coger-MF nº 24, de 29/10/13, se atesta que não há necessidade de se ter peça opinativa da
lavra de outro servidor diferente da autoridade instauradora se a fase de admissibilidade se
soluciona apenas com um trabalho de análise jurídica e que, mesmo havendo tal peça
propositiva, ela não possui poder vinculante. E nem seria mesmo razoável que a autoridade
legalmente competente para arquivar o feito ou para instaurar o rito disciplinar estivesse
vinculada a uma peça propositiva, prevista em norma de menor status e da lavra de um
subordinado, para amparar a decisão que desde sempre a Lei nº 8.112, de 11/12/90, já lhe
confere. Ao contrário, a mencionada norma interna tão-somente confere à autoridade
instauradora a faculdade de ela própria elaborar a análise jurídica ou de distribuir a tarefa a
um subordinado, hipótese em que, aí sim, a peça propositiva deve seguir os regramentos da
norma interna (quais sejam, conter breve descrição fática e análise dos indícios de
materialidade e de autoria).
Ademais, se a própria leitura conjunta dos arts. 143 e 144, parágrafo único, da Lei nº
8.112, de 11/12/90, indica que à mesma autoridade a quem incumbe a imediata instauração do
processo administrativo disciplinar ou da sindicância disciplinar diante de notícia de
irregularidade também compete a realização de uma análise prévia acerca da existência ou não
de indícios de materialidade e de autoria, por óbvio não há que inferir impedimento e muito
menos suspeição para que tal análise seja realizada pelo mesmo agente regimentalmente
111
Orientação Coger nº 2
Não há ilegalidade no fato de a própria autoridade instauradora proceder ao juízo de
admissibilidade, desde que se limite à análise e à confirmação dos dados constantes dos
autos desde a peça inicial.
Orientação Coger nº 12
Servidor que tenha atuado na sede investigativa não pode instaurar o procedimento
disciplinar subsequente, prorrogar o prazo ou designar ou reconduzir nova comissão
processante e integrar a comissão.
Orientação Coger nº 36
A autoridade instauradora pode tomar as descrições fáticas e a eventual proposta
constantes do relatório ou da informação de trabalho investigativo diretamente como base
de sua decisão cognitiva de arquivar o feito ou de instaurar o rito disciplinar; não
obstante, caso aquelas descrições fáticas não forneçam informações e subsídios suficientes,
pode a autoridade instauradora devolver os elementos até então coligidos ao mesmo
servidor ou à mesma equipe ou comissão, ou repassá-los a outro(s), para que se proceda à
análise jurídica em parecer propositivo, a servir como base daquela decisão cognitiva.
.
Abordando-se o terceiro ponto acima cogitado, não há impedimento ou suspeição em
um mesmo servidor (ou uma mesma equipe ou comissão) realizar procedimentos de
investigação e, na sequência, elaborar o respectivo parecer propositivo de admissibilidade,
dirigido à autoridade instauradora, a fim de se arquivar o feito ou de se instaurar o rito
disciplinar, visto que contemplam uma atividade tão-somente descritiva e uma atividade de
simples proposição analítica em cima daquilo que o próprio agente descreveu, ambas sem o
condão decisório em desfavor do investigado - ressalvando-se, por óbvio, que servidor que
agregar os procedimentos de investigação e de análise jurídica não deve coincidir com a
própria autoridade instauradora. Embora, conforme se aduzirá em 2.5.3.1, se recomende a
segmentação das tarefas de natureza investigativa e das tarefas de natureza jurídico-analíticas
- apenas por um foco gerencial de melhor aproveitamento de pessoal e de especialização -, a
eventual necessidade de condensar em um mesmo servidor (ou uma mesma equipe ou
comissão) as duas tarefas antecedentes à decisão da autoridade instauradora não configura
hipótese de impedimento ou suspeição.
Orientação Coger nº 35
Não há impedimento ou suspeição em um mesmo servidor, individualmente ou em equipe
ou em comissão, atuar nas investigações e na consecutiva elaboração de parecer de juízo
de admissibilidade de um mesmo procedimento, desde que não venha a ser autoridade
instauradora.
112
Por fim, quanto à última questão levantada, da mesma forma como na investigação
criminal uma mesma autoridade policial pode conduzir mais de um inquérito em relação ao
mesmo investigado, tem-se que, em fase pré-processual administrativa, ao amparo do
princípio do formalismo moderado, não há impedimento ou suspeição em um mesmo servidor
(ou uma mesma equipe ou comissão) conduzir diferentes procedimentos de investigação em
face de um mesmo investigado na busca de fatos diversos. Isto porque tais procedimentos
investigativos são marcados pela simples busca inquisitorial de elementos fáticos (uma vez
que a garantia de contraditório somente vem à tona no rito disciplinar) e pela ausência do
caráter punitivo, não sendo produzida nenhuma decisão que possa ser crítica em desfavor do
investigado.
Orientação Coger nº 34
Não há impedimento ou suspeição em um mesmo servidor, individualmente ou em equipe
ou em comissão, atuar em mais de um procedimento investigativo em face de um mesmo
investigado.
art. 265, III do CPC prever a suspensão, elege-se como primeira fonte de integração a
processualística penal, em razão da maior afinidade). Mas, por outro lado, uma vez decidido
pela ocorrência de impedimento ou de suspeição do servidor ou da autoridade instauradora, os
atos por ela cometidos são declarados nulos e devem ser refeitos.
CPP - Art. 97. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito,
declarando o motivo legal, e remeterá imediatamente o processo ao seu substituto,
intimadas as partes.
Art. 98. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá fazê-lo em petição
assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas
razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas.
Art. 99. Se reconhecer a suspeição, o juiz sustará a marcha do processo, mandará juntar
aos autos a petição do recusante com os documentos que a instruam, e por despacho se
declarará suspeito, ordenando a remessa dos autos ao substituto.
Art. 100. Não aceitando a suspeição, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará
sua resposta dentro em três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida,
determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em vinte e quatro horas, ao juiz
ou tribunal a quem competir o julgamento.
Art. 101. Julgada procedente a suspeição, ficarão nulos os atos do processo principal,
pagando o juiz as custas, no caso de erro inescusável; rejeitada, evidenciando-se a malícia
do excipiente, a este será imposta a multa de duzentos mil-réis a dois contos de réis.
Art. 111. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra,
o andamento da ação penal.
Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça
e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver
incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a
abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-
se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.
Em reforço ao que já foi aduzido em 2.2.2.2.1 e em 2.3.1, cabe aqui abrir um parêntese
específico sobre a admissibilidade de notícia acerca de suposto desvio ético. Neste tema
opera-se uma especificidade, em razão da Portaria RFB nº 3.286, de 24/08/11. Embora o
sistema correcional não seja competente para processamento do rito específico para apuração
de transgressão a princípio ou norma ética (competência que recai sobre a CEPS-RFB, como
foro independente da Coger e dos Escor), positivou-se, no ordenamento interno, que as
representações ou as denúncias acerca de supostos desvios éticos cometidos por agentes
públicos (estatutários ou não) no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil são
recepcionadas, a exemplo de notícias de supostas infrações disciplinares, pelo Escor da
jurisdição do representado ou denunciado, tanto como forma de suprir padronização interna
quanto também para dispensar e inibir qualquer análise prévia de mérito por autoridades
incompetentes, conforme os arts. 1º, 20 e 21 da Portaria RFB nº 3.693, de 28/11/11.
Assim, por regra (atendendo às mesmas exceções, descritas neste tópico e em 4.2.1,
que conferem foro qualificado na emissão de juízo de admissibilidade em matéria disciplinar),
compete ao Chefe do Escor da jurisdição do representado ou denunciado proceder à análise
prévia acerca do conteúdo material do fato noticiado. Caso a notícia não contenha indícios
sequer de desvio ético e muito menos de infração disciplinar e de ilícito penal, o feito deve ser
114
arquivado; caso a notícia contenha indícios tão-somente de suposto desvio ético, o feito deve
ser encaminhado à CEPS-RFB, via Coger, para seu próprio juízo de admissibilidade e
processamento de sua respectiva alçada; caso a notícia contenha indícios de infração
disciplinar, com ou sem indícios também de desvio ético ou de crime contra a Administração,
o feito deve ser processado nos termos do regramento da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e da
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, conforme se aduzirá em 4.2.1; e caso a notícia contenha
apenas indícios de crime comum e sem nenhuma relação sequer indireta com o exercício do
cargo, cópia do feito deve ser encaminhada para o Ministério Público Federal.
E a leitura do que materialmente pode ou não ser considerado desvio ético se encontra
consolidada no Código de Conduta dos Agentes Públicos em Exercício na Secretaria da
Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria RFB nº 773, de 24/06/13.
Portaria RFB nº 773, de 24/06/13 - Art. 1º Aprovar o Código de Conduta dos Agentes
Públicos em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 2º Os agentes públicos em exercício na RFB deverão observar o disposto no Código de
Conduta.
Código de Conduta dos Agentes Públicos em Exercício na Secretaria da Receita Federal
do Brasil
Art. 42. É responsabilidade de todo agente público observar o disposto neste Código e
estimular o seu cumprimento integral.
Art. 43. A inobservância das normas estipuladas neste Código acarretará, ao servidor, a
aplicação, pela Comissão de Ética Pública Seccional da Secretaria da Receita Federal do
Brasil (CEPS-RFB), da censura ética prevista no Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto 1.171, de 1994, ou a
lavratura de Acordo de Conduta Pessoal e Profissional (ACPP), conforme rito previsto na
Resolução nº 10, de 29 de setembro de 2008, recepcionado pela Portaria RFB nº 3.693, de
28 de novembro de 2011, observado o princípio do contraditório e ampla defesa, de acordo
com o disposto no Decreto nº 6.029, de 1º de fevereiro de 2007, que estabeleceu o Sistema
de Gestão de Ética do Poder Executivo Federal.
115
§ 1º A CEPS-RFB poderá, ainda, adotar medidas para evitar ou sanar desvios éticos,
podendo também sugerir ao Secretário da Receita Federal do Brasil:
I - exoneração de ocupante de cargo ou função de confiança;
II - retorno do servidor ao órgão ou entidade de origem;
III - remessa de expediente ao setor competente para exame de eventuais transgressões de
naturezas diversas, inclusive disciplinares ou penais.
§ 2º Sempre que constatar possível ocorrência de ilícitos penais, civis de improbidade
administrativa ou de infração disciplinar, a CEPS-RFB encaminhará cópia dos autos às
autoridades competentes para apuração de tais fatos, sem prejuízo da adoção das demais
medidas de sua competência.
importa severos ônus (materiais e imateriais). Esta esfera jurídica é materialmente onerosa
visto requerer estrutura operacional, recursos humanos e materiais para uma atividade-meio
no órgão cuja finalidade é a atividade fiscal e é imaterialmente muito custosa porque lida com
bens jurídicos de valor intangível, que são a honra, a imagem e a reputação de pessoas.
Também, a instância disciplinar não deve ser provocada e muito menos se sentir
efetivamente provocada diante, por exemplo, de mera transgressão ética (conforme já exposto
em 2.5.2.1), de crimes comuns (conforme se definirá em 3.2.1), de atos de naturezas jurídicas
diversas (tais como fiscal, contábil, trabalhista, dentre outros), de atos exclusivamente de vida
privada (conforme se definirá em 3.2.3.1), de atos de gerência administrativa de pessoal ou de
pequenos aspectos comportamentais (conforme se definirá em 3.2.3.3), de atos
incipientemente associados a dano ou desaparecimento de bens (conforme se definirá em
3.2.3.5.2) ou ainda de atos cometidos por não servidor (conforme se definirá em 3.2.4.1).
Ademais, recomenda-se que também se atente, desde a fase de admissibilidade, com a devida
cautela, para os princípios da intervenção mínima e da insignificância e para os conceitos de
mera voluntariedade, erro escusável e de ausência de ilicitude material, como motivações de
arquivamentos, conforme se abordará, respectivamente, em 4.6.1.1, em 4.6.3.1, em 4.6.3.2 e
em 4.6.3.3, ao se tratar de indiciação e de enquadramentos.
“Para que o processo disciplinar seja instaurado com legitimidade não basta tão-somente
que seja a autoridade hierárquica competente para tanto, havendo, de rigor jurídico, a
necessidade de um mínimo legal que, traduzindo possibilidade de condenação (‘fumus boni
juris’), se estribe em elementos concretos indicadores de tal viabilidade. Não é jurídico
nem democrático que o servidor público venha, sem mais nem menos, responder a processo
disciplinar.
A garantia constitucional do devido processo legal não somente contenta-se em que o
processo recepcione a ampla defesa e o contraditório, como também exige, para sua
legítima inauguração, que haja, no mínimo, um princípio de prova. Sem esse princípio de
prova (‘fumus boni juris’), sinalizador da plausibilidade da pretensão punitiva da
Administração, não poderá haver processo disciplinar.
Tais elementos, embora não seja exigível que já possam, no limiar do processo, traduzir
um juízo seguro ou razoável de certeza, devem, contudo, apresentar, pelo menos, um juízo
de possibilidade condenatória em desfavor do servidor imputado. Consistindo em qualquer
detalhe lícito produtor de convicção definível como princípio de prova, esses elementos
constituem os conectivos processuais ensejadores da abertura de tal empreitada apuratória
de possíveis transgressões disciplinares. Sem tais conectivos, não é lícita a abertura de tais
procedimentos.
O Direito Processual Disciplinar exige a presença desses conectivos (princípios da prova)
como forma de evitar que venha o servidor público sofrer os incômodos e os
aborrecimentos oriundos de um processo disciplinar precipitadamente instaurado, além de,
com tal cuidado, proporcionar resguardo à dignidade do cargo ocupado pelo acusado, o
que reverte-se, por fim, em benefício da normalidade e regularidade do serviço público,
escopo inarredável a que deve preordenar-se toda repressão disciplinar.” José Armando
da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 204 e 205,
Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Tendo em vista o caráter restrito e excepcional com que deve ser empregada a
instância administrativa disciplinar, a análise, acima mencionada, na fase de admissibilidade,
deve ser aprofundada, detalhada e o mais fartamente possível instruída, para que se evite a
118
Ressalve-se que tal recomendação em nada se confunde com determinação de, desde o
início dos procedimentos de investigação, o agente que estiver trabalhando no processo
promover a imediata autuação de todos os elementos de pesquisa, visto que somente ao final
ele terá condições de avaliar, discricionária e inquisitorialmente, aquilo que se demonstra
relevante como peça de instrução de sua informação disciplinar ou parecer e da decisão da
autoridade instauradora e aquilo que, por ser irrelevante, deve ser descartado, bem como
também não convém que sejam de imediato autuadas peças acerca de diligências ou vias
investigativas ainda incompletas ou em curso, cujo eventual conhecimento prévio pelo
121
Feita esta primeira leitura dos autos, a autoridade instauradora deve distribuir o
processo ou a um dos servidores de seu grupo de assessoramento ou a um dos servidores do
seu grupo de investigação disciplinar ou ainda, excepcionalmente, em ambos os casos, a uma
comissão ou equipe de servidores. A atribuição de tal tarefa é feita sem exigência de forma,
podendo apenas decorrer de entrega física do processo ou, no máximo do rigor, utilizando-se
de um simples despacho manual, não havendo, como regra (a menos de casos específicos de
designação de equipe de investigação ou de comissão de sindicância) necessidade de
formalizar designação por meio de portaria e de publicar tal ato.
A rigor, pode se dizer, de forma mais genérica e abrangente, que qualquer peça
(independentemente da forma que assuma - seja ou não um relatório ou uma informação
disciplinar (decorrente de procedimento de investigação) ou um parecer propositivo - e de
conter ou não expressa proposta de arquivamento ou de instauração) pode ser apta para que,
tomando-a como base, a autoridade instauradora manifeste sua decisão cognitiva de arquivar
o feito ou de instaurar o rito disciplinar.
equipe ou comissão) e as tome diretamente como as bastantes razões de sua decisão cognitiva
de arquivar o feito ou de instaurar o rito disciplinar; não obstante, caso aquelas descrições
fáticas não forneçam informações e subsídios suficientes, também é válido que a autoridade
instauradora devolva ao mesmo servidor (ou à mesma equipe ou comissão) - ou também que
repasse para outro(s) - para que se proceda à análise jurídica em parecer propositivo, a fim de
servir como base daquela decisão cognitiva.
Chefe do Escor
Pedido de análise
Pedido de pesquisa
Grupo de pontual ou aprofundada Grupo de
investigação assesso-
disciplinar Pesquisa ramento
pontual
Informação disciplinar (de Parecer de admissibilidade,
investigação preliminar ou (proposta de arquivamento
patrimonial) ou relatório de ou de instauração
sindicância (investigativa de rito disciplinar)
ou patrimonial)
Não obstante, na dinâmica do ordenamento jurídico, eis que outras normas, de diversas
origens e abrangências, vêm esclarecer e regulamentar o que são, enfim, as genéricas
investigações disciplinares.
Em acréscimo, convém relembrar que a Portaria CGU nº 335, de 30/05/06, em seu art.
5º, parágrafo único, ressalva e respeita as peculiaridades normativas de cada unidade
seccional de correição, o que respalda a convicção de que os institutos empregados na norma
geral podem ser harmonizados com aqueles empregados não só nas normas da lavra da Coger-
MF como também nas normas específicas do sistema correcional da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, sobretudo de envergadura regimental.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
I - investigação preliminar: procedimento sigiloso, instaurado pelo Órgão Central e pelas
unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da
instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar;
Art. 5º
Parágrafo único. Nas unidades seccionais, a apuração de irregularidades observará as
normas internas acerca da matéria.
Art. 6° A investigação preliminar é procedimento administrativo sigiloso, desenvolvido no
âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para
verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo
disciplinar, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da
Transparência, do Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-
Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos.
§ 1° A investigação preliminar será realizada de ofício ou com base em denúncia ou
representação recebida que deverá ser fundamentada, contendo a narrativa dos fatos em
linguagem clara e objetiva, com todas as suas circunstâncias, a individualização do
servidor público envolvido, acompanhada de indício concernente à irregularidade ou
ilegalidade imputada.
§ 2° A denúncia que não observar os requisitos e formalidades prescritas no parágrafo
anterior será arquivada de plano, salvo se as circunstâncias sugerirem a apuração de
ofício.
§ 3° A denúncia cuja autoria não seja identificada, desde que fundamentada e uma vez que
contenha os elementos indicados no § 1°, poderá ensejar a instauração de investigação
preliminar.
Art. 7° O titular da unidade setorial assegurará à investigação preliminar o sigilo que se
faça necessário à elucidação do fato ou que decorra de exigência do interesse público.
Art. 8° A investigação preliminar deverá ser concluída no prazo de sessenta dias, sendo
admitida prorrogação por igual período.
Art. 9° Ao final da investigação preliminar, não sendo caso de arquivamento, o titular da
127
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 3º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidos
os seguintes procedimentos correcionais no âmbito do Ministério da Fazenda:
I - investigação preliminar: procedimento sigiloso, conduzido pela Corregedoria-Geral do
Ministério da Fazenda e pela Corregedoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil,
com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de
128
Assim, de uma forma ou de outra (sequer havendo notícia inicial ou, se havendo, tendo
ela sido descartada), tem-se que este tipo de investigação preliminar marca-se pelos fatos da
inespecificidade objetiva e subjetiva e de que o conhecimento da suposta irregularidade
sempre advém de pesquisas oriundas (quando não há notícia inicial) ou realizadas (quando se
descarta a notícia inicial) internamente no próprio sistema correcional, sendo certo que, ao
tempo de seu início, não se dispõe de elementos que justifiquem a instauração de um
procedimento investigativo mais aprofundado e muito menos a instauração da instância
disciplinar. Importa destacar que, tendo se originado de um procedimento geral e impessoal
para todo o corpo funcional ou para uma parcela dele ou tendo se originado de notícia
concreta, este tipo de investigação preliminar é totalmente desvinculada das atividades e
planejamentos da Audit.
“Dessa forma, tem-se que não há um rito próprio e preestabelecido em todos os detalhes
para a Sindicância Investigativa, resultando daí que tanto a autoridade instauradora
quanto o(s) sindicante(s) (servidor(es) designado(s) para a condução dos trabalhos) estão
dispensados de seguirem uma rígida rotina no desempenho de seus misteres, observando-se
a mesma orientação disposta no tópico da Investigação Preliminar, qual seja, a
indispensável manutenção de suas características essenciais: a) sigilo; b) caráter
investigativo; e c) prescindibilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 73,
2013, disponível em http://www.cgu. gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.
pdf, acesso em 07/08/13
Esta sindicância investigativa, que pode ser instaurada por qualquer autoridade
administrativa, não é prevista na Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, como tal, não se confunde com
a sindicância disciplinar (ou contraditória ou punitiva ou autônoma ou acusatória ou
apuratória), prevista nos arts. 143 e 145 daquele diploma legal e que, de forma excludente,
somente pode ser instaurada por autoridade competente para a matéria correcional. No âmbito
da Secretaria da Receita Federal do Brasil, qualquer titular de unidade é regimentalmente
competente para instaurar sindicância investigativa no âmbito de sua jurisdição.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
II - sindicância investigativa ou preparatória: procedimento preliminar sumário,
instaurada com o fim de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao
processo administrativo disciplinar, sendo prescindível de observância dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa;
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 3º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidos
os seguintes procedimentos correcionais no âmbito do Ministério da Fazenda:
II - sindicância investigativa ou preparatória: procedimento preliminar de caráter sigiloso
e inquisitorial, instaurado com o fim de investigar irregularidades de natureza disciplinar,
que precede a sindicância disciplinar ou o processo administrativo disciplinar;
131
STF, Mandado de Segurança nº 22.888: Voto: “(...) No caso concreto, (...) teve-se a
sindicância, que chamei de ‘procedimento unilateral inquisitivo’.
(...) o art. 143, ao prever a sindicância, fala em ampla defesa.
Mas, a meu ver, o sistema - se é que se pode chamar de sistema esse aglomerado de
dispositivos da Lei 8.112 - leva-nos a interpretar cum grano salis essa alusão à ampla
defesa. Ela frequentemente não pode ser facultada desde o início, porque a sindicância
pode ter por objeto buscar, já não digo a prova, mas indícios, elementos informativos sobre
a existência da irregularidade de que se teve vaga notícia e de quem possa ser o seu autor,
para que, aí sim, resultar, se a falta é grave, na instauração do processo, com a
imprescindível notificação inicial para que o acusado acompanhe toda a instrução, esta,
iniludivelmente contraditória. Nesse caso, não faria efetivamente sentido - que a essa
sindicância - que se destina unicamente a concretizar uma imputação, a ser objeto de uma
instrução contraditória futura - que já se exigisse fosse ela contraditória. (...)”
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
V - sindicância patrimonial: procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não-punitivo,
destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, à
vista da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e
disponibilidades;
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 3º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidos
os seguintes procedimentos correcionais no âmbito do Ministério da Fazenda:
V - sindicância patrimonial: procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não-punitivo,
destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, à
vista da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e
disponibilidades.
Art. 6º A sindicância patrimonial será iniciada mediante determinação do Ministro de
Estado da Fazenda, do Corregedor-Geral do Ministério da Fazenda, do Corregedor da
Secretaria da Receita Federal do Brasil ou das demais autoridades instauradoras de
processos administrativos disciplinares, conforme previsto nos respectivos regimentos
internos.
Então, à vista do exposto ao longo deste tópico, a investigação patrimonial se soma aos
134
três procedimentos de investigação de que tratam as normas mais genéricas (a Portaria CGU
nº 335, de 30/05/06, a Portaria MF nº 492, de 23/09/13, e a Portaria Coger-MF nº 24, de
29/10/13), a saber, a investigação preliminar, a sindicância investigativa e sindicância
patrimonial. Como tal, estão todos estes quatro ritos aptos a figurarem como procedimento de
investigação na subfase investigativa da fase de admissibilidade.
Por notícia objetiva e Art. 18, II e VIII e art. 20 Por pesquisa de ofício
subjetivamente delimitada Regimento Interno genérica ou não delimitada
É necessário aduzir que nem mesmo a sindicância disciplinar e muito menos o PAD,
uma vez instaurados - e com todos os ônus daí decorrentes - devem ser equivocadamente
136
entendidos como o foro para investigações. Os ritos disciplinares devem ser instaurados tão-
somente depois de esgotadas as investigações elucidadoras de indícios de materialidade e de
autoria. O esgotamento de tais investigações deve ser buscado na fase de admissibilidade, a
fim de poupar tanto a Administração quanto o servidor dos ônus decorrentes da precipitada
instauração.
Atingindo tal grau de refinamento na fase de admissibilidade, sem dúvida haverá duas
repercussões positivas: a primeira, de evitar instaurações inócuas (em que os primeiros atos do
oneroso inquérito já seriam suficientes para o deslinde), com o imediato arquivamento da
representação ou denúncia; e a segunda, de, no caso de se instaurar, a comissão já ter, como
ponto de partida, um rumo apuratório a prosseguir e antecipada parte de seus trabalhos.
Em princípio, sem ser uma regra fixa, pode se supor que as tais pesquisas se façam
mais necessárias em fase de admissibilidade decorrentes de denúncias de particulares, de
denúncias anônimas ou divulgadas pela mídia do que nos casos em que decorrem de
representações funcionais ou de representações encaminhadas por autoridades de outros
órgãos públicos. Mas a regra é que, independentemente da origem da peça inicial, se realizem
procedimentos de investigação, nem que sejam no sentido mais residual de investigações
preliminares, instruídas com pesquisas de maior ou menor extensão e profundidade,
dependendo da qualidade da provocação - com o fim de se propiciar amparo à decisão da
autoridade instauradora.
Mas não é possível pré-estabelecer uma lista de atos de instrução a se realizar em fase
de admissibilidade, pois cada caso em concreto pode ter diferentes análises e suscitar
diferentes linhas de pesquisa. Este procedimento prévio tanto pode se reduzir a algumas trocas
de documentos e informações ou instantâneas pesquisas em sistemas informatizados internos
de uso cotidiano, quanto pode abarcar aprofundadas pesquisas em sistemas informatizados
mais complexos, restritos e externos e até se estender, procedimentalmente, na forma dos ritos
investigativos e inquisitoriais acima citados. Em princípio, pode-se apresentar como única
regra geral acerca do alcance probatório da fase de admissibilidade a possibilidade de serem
realizados quaisquer atos instrucionais que, por sua própria natureza, não necessitem suprir
imediato contraditório, já que não há que se cogitar de oferta de tal garantia constitucional a
quem quer que seja nesta fase.
Admissibilidade
Por exemplo, podem ser citados, em lista não exaustiva, a manifestação por escrito nos
autos por parte do representado ou denunciado; a solicitação de documentos ou outras
informações, ao representante ou denunciante; a solicitação, a colegas, chefia ou outras
autoridades da unidade do representado ou denunciado ou a outras unidades da Secretaria da
Receita Federal do Brasil ou a órgãos públicos ou entidades privadas, de documentos ou
outras informações ou até mesmo de realização de diligências, inclusive na forma de consultas
ou assistências técnicas à área técnica especializada, sobre aspectos procedimentais; o estudo
de legislação de regência; as pesquisas simples em sistemas informatizados internos de uso
cotidiano, tais como, a título de exemplos não exaustivos, o Sistema Cadastro de Pessoas
Físicas (CPF), o Sistema Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), o Sistema de Apoio às
Atividades Administrativas (SA3), o Sistema de Comunicação e Protocolo (Comprot) e o
Sistema Integrado de Atendimento ao Contribuinte (Siscac) e a impressão dos respectivos
extratos, inclusive de natureza fiscal; pesquisas em sítios eletrônicos da internet; e a juntada
do resultado destes atos anteriores ou de quaisquer outros documentos ou meios lícitos de
prova.
investigação disciplinar no ato de elaboração das provas. Em regra, são provas preconcebidas,
não confeccionadas por quem as analisará e, portanto, imunes à pessoalidade deste agente
condutor das investigações. Em síntese, são objetos de pesquisa que, ao elaborador e condutor
dos trabalhos em fase de admissibilidade, cabe apenas receber ou imprimir e agrupar, não
comportando, em princípio, contraditório por parte do investigado no que diz respeito à sua
confecção.
Por outro lado, em regra (e, como tal, pode até se demonstrar cabível em casos
específicos, sem o condão de trazer nulidade processual), pode-se apontar que não convém
realizar atos que podem requerer imediato contraditório, tais como provas orais em geral
(oitivas, interrogatórios ou acareações), perícias e assessorias técnicas. Ressalte-se que a
afirmação anterior reflete uma regra geral e, desta forma, é passível de ser excepcionada em
casos específicos.
faz senão cumprir dever funcional, conforme o art. 116, VI e XII da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Por outro lado, o particular que denuncia em razão de irregularidade tão-somente mantém um
comprometimento de ordem moral e ética com a Administração que, nos termos do art. 4º, IV,
da Lei nº 9.784, de 29/01/99, também atinge o patamar de dever do administrado em relação
ao Poder público. Tais liames não têm o condão de elevar o representante ou o denunciante à
qualidade de interessado nas investigações e muito menos a influir ou ditar seus rumos. Uma
vez recepcionada a representação ou denúncia, as investigações dela decorrentes passam a ser
da Administração e, portanto, os interesses que as movem são unicamente públicos e
indisponíveis. A relação jurídica do representante ou denunciante com as investigações e com
o processo disciplinar porventura instaurado em decorrência da provocação por eles
apresentada se encerra com a entrega desta peça inicial. A fase de admissibilidade ou a
instância disciplinar encerram uma atípica relação jurídica, em que os polos são ocupados,
exclusivamente, de um lado, pelo Estado e, de outro, pelo servidor investigado ou
posteriormente acusado, não comportando interesses outros de quem quer que seja.
Ainda neste tema, caso o representante ou denunciante venha manifestar, após ter
apresentado sua peça inicial que, ao ter provocado a Administração, não objetivava a
instauração de processo administrativo disciplinar, cumpre esclarecer que qualquer servidor e
até mesmo particular, ao tomar conhecimento de suposta irregularidade no âmbito da
Administração Pública federal, por expresso dever legal, deve representar ou denunciar à
autoridade competente, a qual, por sua vez, quando justificável, sob ótica correcional, fica
obrigada a instaurar a devida apuração contraditória (conforme os arts. 116, VI ou XII e 143
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e o art. 4º, IV da Lei nº 9.784, de 29/01/99). Ou seja, não se
cogita de qualquer discricionariedade, sob critérios de oportunidade e conveniência, na
formulação da representação ou da denúncia e sobretudo das consequentes fase de
admissibilidade e decisão de instaurar a instância disciplinar. Assim, a manifestação volitiva
do representante ou do denunciante, divorciada de valor jurídico, no sentido de se arrepender
e desistir de sua representação ou denúncia, não tem, por si só, o condão de interferir no
poder-dever de esclarecer o fato.
conveniente. A normatização da matéria, amparada nos princípios reitores, não confere tal
discricionariedade ao representante, visto que, a rigor, é seu dever representar e contribuir
para o esclarecimento de fatos de interesse da Administração.
Importante destacar que as ferramentas que se apresentarão a seguir tanto podem ser
empregadas no curso de uma investigação disciplinar lato sensu (uma investigação preliminar
sobre qualquer processo interno de trabalho, por exemplo) ou nos ritos específicos de
investigação patrimonial, sindicância patrimonial ou sindicância investigativa. Em outras
palavras, quaisquer que sejam os procedimentos de investigação, podem ser instruídos pelas
pesquisas que se seguem.
Além das possibilidades acima, também podem ser empregadas como ferramentas
investigativas, em lista não exaustiva, pedidos circularizados a órgãos públicos dos diversos
entes federados (tais como Fiscos estaduais e municipais), concessionárias de serviços
públicos (de água, energia elétrica, telefone), cartórios, registros de imóveis, instituições
financeiras e empresas; apuração especial do Serviço Federal de Processamento de Dados -
Serpro (de emprego muito eventual, conforme se abordará em 4.4.8); operações conjuntas
com Ministério Público Federal e Departamento de Polícia Federal, mediante
142
investigativo em curso ou, ainda com mais ênfase, em razão de não terem feito parte da
provocação para a autoridade determinar a instauração, podem acarretar insegurança acerca da
legalidade de poderem ou não ser posteriormente incluídos no escopo apuratório do colegiado
ou se devem ser objeto de representação à parte, a fim de se submeterem a específico juízo de
admissibilidade, bem como também trazem questionamento acerca da metodologia jurídica
aplicável em torno da determinação do momento em que se iniciam os respectivos cômputos
prescricionais.
Assim, além de saber e aqui se discutir que a violação à ordem jurídica interna da
Administração pode se revelar mediante a prática de uma unidade infracional ou pode resultar
da ocorrência de uma pluralidade de infrações, também vale trazer para o debate, da lei e da
doutrina penais, conceitos referentes à natureza jurídica de práticas ilícitas (unas ou múltiplas)
que, de diferentes formas, se prolongam ou se repetem ou se sedimentam no tempo, a fim de
adequá-los, até onde aplicável, à instância disciplinar e, mais especificamente, a determinadas
condutas infracionais comuns no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil e a
enquadramentos estatutários cabíveis.
CP - Tempo do crime
Art. 4º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro
seja o momento do resultado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Art. 14. Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Crime consumado (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; (Incluído
pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
I - do dia em que o crime se consumou; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Neste contexto, merece didático destaque de que também se insere como ilícito
instantâneo o abandono de cargo, uma vez que a ilicitude se configura somente no exato e
pontual trigésimo primeiro dia de ausência intencional ininterrupta (não se devendo confundir
com o fato de que a conduta absenteista e seus efeitos já se façam sentir desde o primeiro e
além do trigésimo primeiro dia de falta), conforme se abordará em 4.7.4.2. Ademais, ainda
que o servidor se prolongue ao longo do tempo em conduta absenteista, não há que se falar de
configuração de mais de um ilícito a cada 31 dias de ausência ininterrupta. Enquanto o
servidor não retornar ao serviço, por ao menos um dia, configura-se um único ilícito de
abandono de cargo. Caso o servidor retorne ao serviço após mais de 31 dias consecutivos de
ausência, ainda que por apenas um dia, e volte depois a permanecer novamente por longo
período sem comparecer, aí sim se configuram dois ilícitos de abandono de cargo, cada um
deles instantaneamente configurado no respectivo trigésimo primeiro dia de ausência
ininterrupta e intencional. Tanto é assim, em perfeito ajuste à definição do art. 111, I do CP,
que o abandono de cargo tem a contagem prescricional iniciada no trigésimo primeiro dia de
ausência ininterrupta, no dia em que a ilicitude se consuma, independentemente de o servidor
perseverar na conduta absenteista, conforme se esclarecerá com detalhes em 4.13.4. O similar
raciocínio se aplica à inassiduidade habitual, que, como um ilícito de natureza instantânea, se
consuma na sexagésima ausência injustificada ao serviço interpolada no período de doze
meses, ainda que a conduta antijurídica e os efeitos dela provenientes se prolonguem no
tempo com mais ausências injustificadas ao serviço.
Orientação Coger nº 43
O conhecimento de novas irregularidades tidas como independentes em relação aos fatos
objeto da fase de admissibilidade ou do PAD em curso recomenda a formalização de
procedimento distinto.
De outro lado, tratando de infrações conexas, cometidas sob um vínculo de ligação que
as interrelacione, independentemente de se tornarem conhecidos em mesmo momento ou em
momentos distintos, pode a fase de admissibilidade ou a apuração disciplinar se
desenvolverem, para todos os ilícitos, no mesmo procedimento. A unidade processual é
recomendada porque propicia e melhor conhecimento dos fatos evitando, desta forma,
decisões contraditórias.
A conexão pode decorrer de o primeiro ilícito (ilícito-meio) ter sido cometido para
facilitar ou assegurar a execução do outro ilícito (ilícito-fim), em relação de causa e efeito -
chamada de conexão teleológica; ou, invertendo a sequência cronológica entre meio e fim,
pode decorrer de o segundo ilícito (ilícito-meio) ter sido executado para facilitar ou assegurar
a ocultação, a impunidade ou a vantagem associada ao primeiro ilícito já cometido (ilícito-
fim) - chamada de conexão consequencial; ou, ainda, pode decorrer tão-somente do fato de
um ilícito ser cometido na mesma ocasião da prática de outro, no sentido de o segundo ilícito
ser executado apenas em razão da oportunidade ocasionada pelo primeiro, sem uma
vinculação de meio e fim - chamada de conexão ocasional, em que não se verifica uma forte
relação de causa ou de consequência a unir consecutivamente os ilícitos. Em instância penal, a
existência das duas primeiras hipóteses acima descritas de conexão importa na consideração
de circunstância agravante, conforme o art. 61, II, “b” do CP (chamadas conjuntamente de
146
conexão material, em razão da previsão e das repercussões na lei penal material, ou também
chamadas de conexão objetiva).
CP - Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
II - ter o agente cometido o crime:
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime;
Sem prejuízo da conexão ocasional decorrente de um ilícito ter ocasionado outro, o art.
76 do Código de Processo Penal (CPP) reitera as duas definições extraídas do art, 61, II, “b”
do CP, de conexões materiais (ou objetivas) teleológica e consequencial - circunscritas às
condutas de um mesmo autor e decorrentes de um ilícito ter sido praticado para facilitar ou
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro ilícito -, e ainda
prevê definições mais abrangentes para a conexão sob ótica instrumental, com o fim de se
permitir uma única ação penal abarcando as apurações de mais de um ilícito. O mesmo
dispositivo da lei processual penal também considera conexos os ilícitos em que a prova do
cometimento ou das circunstâncias elementares de um influem na prova do outro (chamada
conexão probatória ou instrumental), bem como os ilícitos que envolvem mais de um agente,
se cometidos ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas no mesmo local (em reunião ao
mero acaso) ou independentemente se cometidos em tempo e lugar diversos, por várias
pessoas em concurso (em acerto prévio), ou até mesmo se cometidos reciprocamente, por
umas pessoas contra as outras (em três espécies da chamada de conexão intersubjetiva). Pode-
se, então, dizer que estas são as condições que, em sentido estrito, as instâncias penal e
processual penal consideram a conexão de ilícitos. Não se perca de vista que o instituto da
conexão obrigatoriamente faz subentender o cometimento de dois ou mais ilícitos que
guardam um liame entre si e que aconselham a unidade processual (uma única ação).
disciplinar instaurado por tal fato, se vem à tona que, na verdade, ele deu causa ao extravio do
laudo com o fim de posteriormente atuar no desembaraço aduaneiro de forma irregular, para
fazê-lo com base em classificação fiscal indevidamente favorável ao contribuinte e
discrepante do que apontava aquela análise química, tem-se certo que aqui também há duas
infrações distintas mas que guardam relação de conexão material (ou objetiva) teleológica
entre si (a segunda foi efeito da primeira) e que recomendam apurações em um mesmo
processo. Da mesma forma, se, em primeiro momento, se verifica que um servidor concedeu
irregularmente uma certidão negativa de débitos a um contribuinte que não fazia jus e, no
curso da fase de admissibilidade ou do processo administrativo disciplinar instaurado por tal
fato, se detecta que, posteriormente à emissão da certidão indevida, ele também acessou
sistema informatizado do órgão e adulterou registros armazenados naquela base como forma
de dar aparência de regularidade àquela emissão de certidão, igualmente tem-se certo que se
trata de duas infrações distintas mas que guardam relação de conexão material (ou objetiva)
consequencial entre si (a segunda tentou ocultar a primeira) e que recomendam apurações em
um mesmo processo.
uma minuta propondo a concessão de um benefício fiscal a ser assinada pelo superior
hierárquico, em que ambos agentes reciprocamente sabem da irregularidade de suas condutas
e assim agem em acerto prévio e indevido. E, para exemplificar infrações conexas
reciprocamente cometidas por mais de uma pessoa, uma contra a outra, mencionam-se as
hipóteses de dois servidores, dirigirem ofensas verbais um ao outro ou de se agredirem
fisicamente. Em todos estes exemplos, embora se trate de duas infrações distintas, cada uma
praticada por um servidor (independente de serem ou não praticadas no mesmo tempo e no
mesmo lugar), guardam conexão intersubjetiva pela reunião ou pelo concurso de pessoas ou
pela reciprocidade e recomendam apuração em um único processo.
Das situações hipotéticas acima, para que se possa considerar duas (ou mais) infrações
como conexas, à luz do sentido estrito como o conceito se opera em instâncias penal ou
processual penal, é imprescindível que os fatos irregulares cometidos por um mesmo agente
ou por mais de um agente guardem relação tamanha que a elucidação do cometimento ou das
circunstâncias elementares de uma passa pelo esclarecimento da outra, de forma que a
apuração conjunta e simultânea de ambas em único processo seja relevante e imprescindível
para formar a convicção global dos fatos, em favor da economia e da celeridade processuais e
da segurança jurídica.
Pelo exposto, o surgimento do novos fatos conexos, seja ainda no transcorrer da fase
de admissibilidade, seja no curso do processo administrativo disciplinar, autoriza a sua
inclusão no escopo inicial investigativo ou da apuração contraditória em andamento.
em mais de um ilícito, idênticos ou não, que podem ser independentes (recomendando a priori
apuração em ações penais independentes ou ao menos autorizando que assim se o faça) ou
conexos (recomendando apuração em uma mesma ação penal), conforme acima já exposto,
mantendo como único elo a identidade do agente. Não se configura o concurso material de
infrações se, com relação ao primeiro ilícito, já houve condenação definitiva - pois, assim, o
que se pode configurar é reincidência - ou prescrição da punibilidade. Estando-se diante de
autor cuja conduta merece grave reprovabilidade, a lei penal prevê o severo sancionamento,
devendo ser somadas as penas de cada ilícito. Como se trata de mais de um ilícito, a
prescrição é considerada para cada um isoladamente, mantendo-se a regra geral de cômputos
independentes dos respectivos prazos a partir da consumação de cada ato, na leitura conjunta
do art. 119 com o art. 111, I, ambos do CP.
CP - Concurso material
Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em
que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção,
executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
CP - Concurso formal
Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma
delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se,
entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69
deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
De outro lado, força-se concluir como residual e rara a possibilidade de, configurados
mais de um ilícito, a conduta em instância administrativa se ajustar à definição de concurso
formal de ilícitos. Como exemplo de concurso formal de ilícitos pode-se ter uma única
manifestação pública de um servidor, sob um único desígnio, que, nesta condição, ao mesmo
tempo, tanto ofenda a lealdade que se exige em relação à Secretaria da Receita Federal do
Brasil quanto se dirija de forma desurbana ou com desapreço em relação à pessoa de um
superior hierárquico. Um outro exemplo que se pode citar é se um servidor, com o fim de
agredir outra pessoa, atira em sua direção um equipamento público e, naquele único desígnio,
tanto atinge a vítima quanto destrói o bem. Assim, caso se verifique, em fase de
admissibilidade, a ocorrência de pluralidade de ilícitos configuradores de concurso formal, em
princípio, é recomendável, em decorrência, proposta de instauração de um único processo
administrativo disciplinar.
CP - Crime continuado
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-
151
A rigor, o ilícito continuado nada mais é que uma espécie de concurso material, já que
engloba mais de uma conduta que acarreta mais de um ilícito, refletindo apenas um
tratamento conceitual mais benéfico ao se agruparem os diversos ilícitos constituintes em uma
única ação. Exclusivamente para o fim de fixar a apenação, por uma questão de política
criminal, foi conceitualmente concebido como uma ficção jurídica, uma vez que a lei penal
prevê um sancionamento intermediário ao do concurso material (em que se somam todas as
penas) e do concurso formal (uma única pena aumentada no máximo até metade). Por operar
uma redução de pena em relação ao concurso material (apesar de também consistir de mais de
uma conduta e mais de um ilícito), a consideração de que determinada prática constitui ilícito
continuado requer aplicação mais restritiva (daí porque se exigem requisitos objetivos e
subjetivos de conduta do autor), não podendo ser confundido, por exemplo, com reincidência
de ilícito já punido e nem mesmo com mera habitualidade delitiva por parte do agente.
Acrescente-se que o ilícito continuado não se confunde com o ilícito permanente, pois
aquele é composto de várias condutas ilícitas enquanto este encerra apenas uma única conduta
ilícita que, embora sua consumação se aperfeiçoe já desde o primeiro momento, não se exaure
neste momento mas sim se prolonga no tempo.
Tanto é assim que uma decorrência importante do fato de ser o ilícito continuado
apenas uma ficção jurídica (já que, na verdade, é uma espécie de concurso material de ilícitos)
é que a coisa julgada em uma ação penal em relação a uma determinada continuidade de
conduta se opera tão-somente em relação aos ilícitos especificamente objeto daquela
persecução. Desta forma, novos ilícitos cometidos sob os mesmos parâmetros objetivos e
subjetivos não são atingidos pela coisa julgada daquela ação, ainda que sejam ligados aos
ilícitos já apreciados pelos laços da continuidade, podendo novo processo ser instaurado em
razão destes novos fatos. Em outras palavras, apesar da recomendação de se operar apuração
em única ação para os ilícitos já conhecidos, não há impedimento de se ter outra ação para
outros ilícitos de que se tenha conhecimento posterior.
Com efeito, caso em fase de admissibilidade, demarcada por uma quantidade discreta
de eventos que atendam aos requisitos objetivos e subjetivos da continuidade, se identifiquem
novos episódios de conduta da mesma espécie, não se tem dúvida da legalidade da inclusão
destes novos fatos no escopo investigativo em curso.
Por fim, aborda-se o conceito doutrinário de ilícito habitual. Sem contar com definição
expressa na lei penal, o ilícito habitual tem a peculiaridade de ser considerado configurado
somente após a reiteração de determinados atos que, se tomados isoladamente, não atingem o
patamar de ilicitude. O ilícito habitual decorre da reiteração com que o agente pratica atos
que, por si sós, até seriam penalmente irrelevantes, mas que auferem reprovabilidade social
154
E, embora ambos sejam ilícitos únicos, também não se confunde o ilícito habitual com
o ilícito permanente, pois aquele não se consuma com um ato único e se caracteriza pela
reiteração, enquanto este possui a particularidade de que já se consuma desde o primeiro
momento, a despeito de a conduta antijurídica se prolongar ininterruptamente no tempo. No
ilícito permanente, desde o primeiro momento da ação antijurídica, a ilicitude está
configurada e mantém-se ininterruptamente configurada um dia após, uma semana após, um
mês após; enfim, assim mantém-se pelo tempo em que permanece a ação, até quando o agente
cessar a afronta ao bem jurídico tutelado - não obstante, ratifique-se, já estar configurado
desde o nascedouro da ação. No ilícito habitual, diferentemente, além de os atos antijurídicos
poderem ser interpolados e cometidos com algum espaçamento temporal, de forma não
ininterrupta, os primeiros atos não possuem o condão de fazer consumada a ilicitude, que
somente se aperfeiçoa, se concretiza e se sedimenta com a reiteração, e não desde o primeiro
momento.
Orientação Coger nº 28
O enquadramento no art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, requer a
reiteração da conduta, não se consumando com atos pontuais ou eventuais, que, se
tomados isoladamente, não atingem o patamar de ilicitude, conforme a doutrina define
ilícito de natureza jurídica habitual.
Orientação Coger nº 29
À vista das definições doutrinárias de que ilícito habitual encerra uma única infração e de
que sua prescrição começa a correr do último ato cometido, ainda que já tenham ocorrido
156
O importante a se destacar por ora é que deve a fase de admissibilidade buscar esgotar
todas as investigações pertinentes ao objeto da denúncia ou representação sob análise, de
forma a propiciar à autoridade instauradora a mais completa visão que seja possível neste
momento incipiente acerca de eventuais desdobramentos da conduta funcional. Com isto, a
autoridade instauradora passa a contar com todos os subsídios para a decisão de instaurar um
processo administrativo disciplinar abarcando o rol de episódios que guardam natureza
conexa, continuada ou habitual que se possa identificar e, na sequência, a comissão a ser
designada terá diante de si um universo delimitado de trabalho, dispensando-lhe esforços
investigativos com o fim de agregar novos fatos a seu escopo apuratório; ou, por outro lado, a
autoridade instauradora pode, a seu critério, instaurar diferentes processos administrativos
disciplinares para a apuração de ilícitos independentes.
Orientação Coger nº 40
Conexão, em matéria processual disciplinar, compreende não só as espécies estritas de
ilícitos conexos elencadas no art. 76 do CPP mas também os ilícitos tidos como habituais,
os ilícitos continuados definidos no art. 71 do CP e os ilícitos compreendidos na definição
de continência, constante do art. 77 do CPP.
Orientação Coger nº 41
O conhecimento de novas irregularidades tidas no conceito amplo de conexão permite a
sua inclusão no escopo de trabalho de fase de admissibilidade ou de PAD já em curso,
desde que, neste último caso, se dê em momento anterior à indiciação.
Orientação Coger nº 42
A inclusão de novas irregularidades tidas no conceito amplo de conexão no escopo
apuratório de PAD já em curso não impõe alteração da portaria instauradora e pode ser
objeto de soberana deliberação da comissão, sem necessidade de submissão à autoridade
instauradora.
Orientação Coger nº 15
Não obstante não alterarem o início da contagem do prazo prescricional, podem ser
incluídos, no escopo dos trabalhos de quaisquer procedimentos investigativos de natureza
patrimonial, fatos novos também associados à questão patrimonial ocorridos em períodos
anteriores ou posteriores àqueles que deram ensejo à instauração do rito e dos quais se
tem conhecimento em meio à instrução, desde que o ato de instauração não tenha
delimitado o alcance temporal.
Mas, como regra geral, conforme se exporá em 4.13.1.4, em razão da natureza jurídica
do ilícito de índole patrimonial, em postura conservadora, estes acréscimos no alcance
objetivo não possuem o condão de permitir que se considerem como fatos novos a deslocarem
o início da contagem do prazo prescricional, que se mantém vinculado à regra geral para cada
rito - a menos que, excepcionalmente, se restrinja a investigação original aos períodos
denunciados ou representados (em sindicância patrimonial) ou aos períodos abrangidos nos
critérios de seleção (em auditoria patrimonial ou investigação patrimonial) e que se represente
para que seja instaurado novo procedimento de investigação para os fatos pretéritos ou
posteriores ou que, não se confirmando os indícios em relação àqueles períodos denunciados
ou representados ou aos períodos abrangidos nos critérios de seleção, o relatório do rito
investigativo figure como representação, hipóteses em que se pode iniciar a contagem do
prazo prescricional para estes fatos novos a partir desta nova provocação.
habitualidade com o fato original que provocou sua designação, estes novos fatos devem ser
objeto de representação diretamente apresentada à autoridade instauradora. Obviamente, se
aqui se cogita de, em meio a procedimento investigativo de natureza patrimonial, se
identificar novos fatos sem relação de conexão ou habitualidade com o fato originário, é
porque esta nova provocação pode ter qualquer outra natureza, que não patrimonial. E, como
de outra forma não poderia mesmo ser, requerem processamentos individualizados notícias de
ilicitude de natureza patrimonial e notícias de irregularidades associadas a ato funcionais,
ainda que de um mesmo servidor.
A mencionada representação deve ser formulada assim que tais fatos novos se revelem
materializados, momento este que pode ser incidental, em meio à instrução do procedimento
(hipótese em que não deve postergar esta provocação para o fim de seus trabalhos) ou, se for o
caso, pode coincidir com as conclusões de seu relatório. Por fim, conforme se aduzirá em
4.13.1.4, estes fatos novos têm o início da contagem do prazo prescricional desvinculado do
fato original que provocou a designação, tendo seu termo inicial vinculado a seu específico
conhecimento por parte da Administração, que se dá com a mencionada representação dirigida
à autoridade instauradora, e a ser verificado até a publicação da portaria de instauração do
feito disciplinar, em harmonia com o Parecer AGU nº GQ-55.
Orientação Coger nº 17
Fatos novos dissociados da questão patrimonial que venham a ser identificados no curso
de quaisquer procedimentos investigativos de natureza patrimonial devem ser objeto de
163
Portaria Coger nº 55, de 20/07/12 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os processos
disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas no âmbito da
Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões Fiscais (Escor) e no
Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
de cópia das seguintes peças: relatórios finais produzidos pelas Comissões de Inquérito e
de Sindicância Disciplinar, pareceres de juízo de admissibilidade, pareceres de
julgamento, pareceres de análise de recursos e informações relativas às atividades
supervisionadas pela Diaco prestadas ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, à Advocacia-Geral da União, à Controladoria-
Geral da União e a outros órgãos externos à Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Por ora, basta destacar que, tendo se logrado, ao fim da fase de admissibilidade,
configurar nos autos indícios de materialidade e autoria, deve a autoridade instauradora
determinar a imediata apuração, via sindicância disciplinar ou PAD - ou, do contrário, deve
determinar o arquivamento dos autos. É óbvio que não se espera neste momento inequívoca,
cabal e indiscutível configuração da irregularidade, visto que esta concretização e a
consequente responsabilização somente ficarão definitivamente caracterizadas após o curso
das apurações contraditórias, bastando, neste momento inicial, para que se instaure a instância
disciplinar, a existência de plausibilidade da ocorrência do fato e de sua autoria (ou
concorrência).
CPP - Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária,
por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas
pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
STF, Súmula nº 524: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento
do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”
Quanto às condições necessárias para que o conhecimento deste fato novo autorize o
desarquivamento do procedimento original ou a instauração de novo procedimento, esta
retomada das investigações é possível mesmo que os dados ou provas referentes àquele fato
novo já estejam disponíveis em sistemas informatizados da Secretaria da Receita Federal do
Brasil. Nesta linha, basta que o fato possa ser considerado como materialmente novo, assim
compreendido o fato que seja inédito no curso do procedimento original, cujos dados ou
provas a ele referentes, ainda que estejam disponíveis e potencialmente passíveis de serem
conhecidos (ou seja, dos quais se pode ter conhecimento potencial), não tenham sido
diligentemente trabalhados, de forma a não constarem dos autos e tampouco terem sido
efetivamente empregados. Os dados ou provas referentes àquele fato novo que apenas tenham
a possibilidade de serem identificados - embora o acesso a eles seja possível por meio de
pesquisa em sistema interno, não tenham sido utilizados no procedimento - não impedem o
desarquivamento do procedimento original ou a instauração de novo procedimento. O fato
novo que impede a retomada das investigações é aquele cujos dados ou provas a ele
referentes, mais do que estarem potencialmente disponíveis (por exemplo, em um sistema
interno), já tenham sido efetivamente acessados e constem do procedimento original e sobre
os quais a Administração queira, a destempo, fazer re-análise ou submeter-lhes a uma nova
forma de apreciação ou deles extrair uma nova conclusão. E, conforme se aduzirá em
4.13.1.4, quanto ao reflexo no início da contagem do prazo prescricional no caso de estarem
satisfeitas as condições para o desarquivamento do procedimento original ou a instauração de
novo procedimento, é aceitável que a contagem do prazo prescricional se reinicia na data do
conhecimento deste fato novo.
Orientação Coger nº 16
O conhecimento, por parte da administração, de fatos novos também associados à questão
patrimonial e ocorridos nos períodos que tenham sido objeto de quaisquer procedimentos
investigativos de natureza patrimonial já arquivados, pode suscitar a retomada das
investigações.
legislador teria sido de ver instaurada a instância disciplinar a cada notícia de irregularidade.
Pode-se entender que a decisão liminar de arquivamento, sem se confundir jamais com ilegal,
de certa forma contraria a primeira vontade da Lei. Isto porque, principiologicamente, é como
se, neste momento preliminar, atuasse sobre a Administração a vontade ou determinação da
sociedade de que o Poder Público esclarecesse todas as notícias de supostas irregularidades
administrativas; juridicamente, esta construção reflete o princípio do in dubio pro societate.
Tendo sido superada toda a cautela anteriormente abordada para evitar instaurações
inócuas e havendo elementos indiciários indicadores de suposta irregularidade disciplinar, em
analogia ao processo penal (em que princípios da oficialidade, da indisponibilidade do
interesse público e da legalidade impõem que o Ministério Público Federal promova a ação
penal), neste estágio do processo administrativo também prevalece em instância
administrativa aquela máxima de que, em tese, a sociedade exige a apuração.
Mas, por outro lado, não é dado à autoridade o poder de compor, de perdoar ou de
transigir por meio de solução alternativa. A rigor, tampouco esta autoridade tem a seu favor,
neste momento, o princípio da oportunidade, já que, tendo chegado a seu conhecimento o
suposto cometimento de irregularidade funcional, a ela não se confere o poder discricionário
para examinar a conveniência e a oportunidade de instaurar apuratório disciplinar.
de tal vinculação, não sendo razoável que a decisão da autoridade instauradora atenha-se
apenas a parâmetros formais de possível ocorrência de irregularidade (materialidade)
envolvendo como suposto responsável servidor público (autoria) como suficientes para
determinar a instauração.
Não cabe aqui a adoção de uma leitura restritiva dos dispositivos acima que regulam a
representação e a denúncia (exigindo a identificação do denunciante), como se eles
delimitassem todo o universo de possibilidades de se levar ao conhecimento da Administração
o cometimento de irregularidades. Ao contrário, diante dos diversos meios de se levar o
conhecimento à Administração, tem-se que aqueles dispositivos devem ser vistos apenas
como formas específicas reguladas em norma, mas não as únicas licitamente aceitáveis para
provocar a instância disciplinar.
Neste rumo, defende-se que, diante da forte refração que a sociedade e o ordenamento
(que, em tese, reflete os valores sociais) manifestam pelas condutas infracionais, se a
autoridade se mantivesse inerte, à vista de notícia bem formulada e detalhada de suposta
infração disciplinar, com indicação de indícios de materialidade e de autoria, por conta
unicamente do anonimato, afrontaria princípios e normas que tratam como dever apurar
suposta irregularidade de que se tem conhecimento na Administração Pública federal.
Tampouco a comum alegação por parte de denunciados, de inconstitucionalidade, obtém
sucesso. Uma vez que a previsão constitucional da livre manifestação do pensamento (art. 5º,
169
STF, ‘Habeas Corpus’ nº 99.490: “Ementa: (...) Segundo precedentes do Supremo Tribunal
Federal, nada impede a deflagração da persecução penal pela chamada “denúncia
anônima”, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos
nela noticiados (86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.08.2008; 90.178, rel. min. Cezar
Peluso, DJe de 26.03.2010; e HC 95.244, rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010)”.
“(...) Em outras palavras, o fato de a Constituição Federal vedar o anonimato não autoriza
a Administração Pública a desconsiderar as situações irregulares de que tenha
conhecimento, por ausência de identificação da fonte informativa.” Francisco Xavier da
Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 104,
Editora Forense, 2ª edição, 2006
“O fato de a Constituição Federal vedar o anonimato não tem interpretação que autorize a
Administração Pública a desconsiderar as situações irregulares de que tenha ciência sem a
identificação da fonte. A exigência de identificação do responsável por denúncia, como
posta nos estatutos funcionais, refere-se a uma das muitas formas de conhecimento de
ilícitos administrativos. Desse modo, a denúncia anônima enseja a averiguação, que
recolherá elementos mínimos de razoabilidade e informará a conveniência ou não de ser
instaurada uma sindicância.” Léo da Silva Alves, “Sindicância e Processo Disciplinar em
50 Súmulas”, pg. 42, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2005
Mencione-se, por fim, que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de
31/10/03, foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06 - sendo, portanto,
admitida no ordenamento nacional com força de lei - e reconhece a denúncia anônima.
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - Promulgada pelo Decreto nº 5.687,
de 31/01/06 - Art. 13.
2. Cada Estado-Parte adotará medidas apropriadas para garantir que o público tenha
conhecimento dos órgãos pertinentes de luta contra a corrupção mencionados na presente
Convenção, e facilitará o acesso a tais órgãos, quando proceder, para a denúncia,
inclusive anônima, de quaisquer incidentes que possam ser considerados constitutivos de
um delito qualificado de acordo com a presente Convenção.
(Nota: O Supremo Tribunal Federal vaticinou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.480, que tratados, acordos ou convenções internacionais, após promulgados por decreto
presidencial, “situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de
eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”.)
Mas é claro que a autoridade não se precipitará a instaurar a instância disciplinar, com
170
todos os ônus a ela inerentes, à vista tão-somente de uma denúncia anônima. Se mesmo nos
casos ordinários, de notícia identificada, se defende que a fase de admissibilidade deva ser
conduzida com extrema cautela e enriquecida por procedimento de investigação, ainda mais
se enfatiza tal recomendação em notícia originada anonimamente. Nestes casos, deve-se
proceder com maior cautela antes de se decidir pela instauração do processo, para evitar
precipitada e injusta ofensa à honra do servidor (vez que o anonimato pode tentar ocultar
vieses de pessoalidade e de animosidade), promovendo investigação inquisitorial ainda mais
criteriosa, aprofundada, crítica e exigente (não contraditória, pois não há a figura de acusado),
atendendo ao art. 2º da Portaria Coger-MF nº 24, de 29/10/13, acerca do fato constante da
peça anônima, conforme se abordou em 2.5.4.
Mas a relevante inovação que esta norma trouxe ao ordenamento foi normatizar a
possibilidade da reserva de identidade do denunciante, seja a pedido do interessado, seja por
iniciativa de ofício. A Instrução Normativa dispõe que, sempre que o denunciante requerer, o
órgão público deve atender o pedido, da parte do denunciante, de ocultação de sua identidade
e dos demais dados pessoais, bem como autoriza que o próprio órgão, a seu critério, por assim
entender necessário, proceda á reserva da identidade do denunciante. Neste caso, o
encaminhamento da denúncia ao órgão de destino, embora inicialmente de origem
171
identificada, deve ser feito com a ocultação da identificação e receber, a partir daí, no
processamento, o tratamento de uma denúncia anônima.
A mesma cautela, e até com maiores requisitos para não se deixar influenciar por
pressão de opinião pública e de imprensa, deve se aplicar às denúncias que cheguem ao
conhecimento da autoridade competente por meio da mídia, termo este que aqui, em harmonia
com o atual estágio da sociedade, compreende não só todos os formatos da imprensa e da
atividade jornalística mas também os movimentos e fóruns entabulados em redes sociais,
ainda que virtuais. Não sendo esta uma forma ilícita de se trazer fatos ao processo, não resta
nenhuma afronta ao ordenamento e aos princípios reitores da matéria tomar aquelas notícias
como deflagradoras do poder-dever de a autoridade regimentalmente vinculada dar início às
investigações. Se a autoridade competente tomou conhecimento de suposta irregularidade seja
por um veículo de pequena circulação, seja de circulação nacional, seja de mera existência
virtual, tem-se que o meio é lícito e ela tem amparo para determinar a investigação
inquisitorial, tomando todas as cautelas, antes de precipitadamente se expor a honra do
servidor.
Deve-se destacar, no entanto, que, para fim de demarcação do termo inicial do prazo
prescricional (conforme se aduzirá em 4.13.1.1), quando o fato supostamente irregular vem à
tona por meio de veículos de comunicação de qualquer natureza, somente se pode presumir
conhecido pela autoridade competente no caso de notícia veiculada em mídia de expressão,
circulação ou divulgação nacional, em que prevalece a presunção de conhecimento por todos
(inclusive a autoridade) na data de sua divulgação. A mesma presunção, de conhecimento por
parte de todos no caso de notícia veiculada em veículos de mídia de pequena ou restrita
repercussão e de redes sociais virtuais, poderia induzir ao risco de equivocadamente se
172
Da mesma forma como no anonimato, por um lado, afirma-se que, diante da forte
refração que a sociedade e o ordenamento (que, em tese, reflete os valores sociais)
manifestam pelas condutas infracionais, se a autoridade se mantivesse inerte, por conta
unicamente do caráter difuso da notícia, afrontaria princípios e normas que tratam como dever
apurar suposta irregularidade de que se tem conhecimento na Administração Pública federal.
“Desde que não tenham sido conseguidos por meios ilícitos, os conectivos processuais de
instauração podem chegar ao conhecimento da autoridade competente de modo meramente
informativo (difuso) ou de maneira postulatória (precisa).
A via informativa poderá dar-se até mesmo por intermédio dos meios de comunicação
social (jornal, rádio, televisão, etc), embora, nesses casos, deva a autoridade
administrativa competente verificar, de pronto, se a versão veiculada constitui, pelo menos
em tese, infração disciplinar, devendo, até, exigir que o responsável por tal divulgação
confirme por escrito tais increpações.
Somente depois desses cuidados, podem tais elementos configurar um princípio de prova
autorizador da instauração do processo disciplinar.” José Armando da Costa, “Teoria e
Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 205, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
Mas, por outro lado, repete-se que a autoridade não deve se precipitar na instauração
da instância disciplinar, com todos os ônus a ela inerentes, à vista de notícias de mídia lato
sensu. Se mesmo nos casos ordinários, de notícia de origem personificada, se defende que a
fase de admissibilidade deva ser conduzida com extrema cautela e enriquecida por
procedimento de investigação, ainda mais se enfatiza tal recomendação em notícia originada
pelo caráter difuso da mídia. Nestes casos, deve-se proceder com maior cautela antes de se
decidir pela instauração do processo, para evitar precipitada e injusta ofensa à honra do
servidor (vez que a notícia de mídia pode ser precipitada e carecer de fundamentação e até de
aprofundamento), promovendo investigação inquisitorial ainda mais criteriosa, aprofundada,
crítica e exigente (não contraditória, pois não há a figura de acusado), atendendo ao art. 2º da
Portaria Coger-MF nº 24, de 29/10/13, acerca do fato noticiado, conforme se abordou em
2.5.4
Não obstante o acima exposto, reconhece-se que a matéria ainda preserva certo grau de
controvérsia ao ter a análise limitada ao ordenamento legal e infralegal, sobretudo quando se
174
CF - Art. 5º
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;
Art. 216.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
Neste rumo, sabe-se que o Direito Penal é a instância jurídica eleita para a tutela dos
bens de maior relevância em nome da sociedade e que sua atuação atinge da forma mais
dramática o direito pessoal do infrator, a saber, na sua liberdade. Ainda assim, mesmo sabedor
de que sua persecução é por demais gravosa, a lei processual penal estabelece a fase
preliminar (do inquérito policial, a cargo da polícia judiciária) como discricionária,
inquisitorial e sigilosa, sem garantia de contraditório e de publicidade a quem quer que seja;
em outras palavras, define sua natureza investigativa.
“O caráter inquisitivo do inquérito faz com que seja impossível dar ao investigado o direito
de defesa, pois ele não está sendo acusado de nada, mas sim, sendo objeto de uma pesquisa
feita pela autoridade policial.
A inquisição dá à autoridade policial a discricionariedade de iniciar as investigações da
forma que melhor lhe aprouver. Por isto, o inquérito é de forma livre. (...)
O sigilo que deve ser adotado no inquérito policial é aquele necessário à elucidação do
fato ou exigido pelo interesse da sociedade. (...)
(...) ao estabelecer que ‘aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos
175
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 04/06/98)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim
como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e
exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o
descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas
áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;
aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.
CPP - Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de
suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua
autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 0/05/95)
STF, Mandado de Segurança nº 22.888: Voto: “(...) No caso concreto, (...) teve-se a
sindicância, que chamei de ‘procedimento unilateral inquisitivo’.
(...) o art. 143, ao prever a sindicância, fala em ampla defesa.
Mas, a meu ver, o sistema - se é que se pode chamar de sistema esse aglomerado de
dispositivos da Lei 8.112 - leva-nos a interpretar cum grano salis essa alusão à ampla
defesa. Ela frequentemente não pode ser facultada desde o início, porque a sindicância
pode ter por objeto buscar, já não digo a prova, mas indícios, elementos informativos sobre
a existência da irregularidade de que se teve vaga notícia e de quem possa ser o seu autor,
para que, aí sim, resultar, se a falta é grave, na instauração do processo, com a
imprescindível notificação inicial para que o acusado acompanhe toda a instrução, esta,
iniludivelmente contraditória. Nesse caso, não faria efetivamente sentido - que a essa
178
sindicância - que se destina unicamente a concretizar uma imputação, a ser objeto de uma
instrução contraditória futura - que já se exigisse fosse ela contraditória. (...)”
Mais uma vez homenageando o caráter dinâmico com que deve ser compreendida a
rica base principiológica reitora, diante de provocação do próprio servidor objeto das
investigações, é de se inverter a construção inicial e agora asseverar que deve a Administração
buscar a harmonização da necessária preservação do interesse público de não inviabilizar ou
esvaziar os trabalhos investigativos com o atendimento de garantia fundamental prevista na
CF, asseguradora do direito de petição.
Nesta senda, destaque-se que, nem mesmo sob amparo dos já reproduzidos incisos
XXXIII ou XXXIV do art. 5º da CF, é de se franquear ao servidor representado, denunciado
ou investigado conhecimento amplo e irrestrito de todos os trabalhos investigativos internos
em curso. É necessário se ponderar o respeito à garantia constitucional fundamental com a
preservação do interesse público da continuidade e viabilidade das investigações promovidas
pela Administração com o fim de esclarecer supostas irregularidades. Se, por um lado, é
verdade indiscutível que a CF, naqueles dois dispositivos, estabeleceu como garantia
fundamental de qualquer cidadão o direito de petição junto a órgãos públicos atinente a
matérias de seu interesse, por outro lado, a leitura sistemática do texto constitucional indica a
necessária preservação do interesse público, porque, a rigor, o final do aludido inciso XXXIII
excepciona o direito individual em caso em que o “sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado”.
investigativa e investigação preliminar), para detalhar a regulação exigida pelo inciso XXXIII
do art. 5º e também pelo § 2º do art. 216, ambos da CF e que restou operada pela Lei nº
12.527, de 18/11/11 (a chamada Lei de Acesso à Informação Pública), tanto em termos
materiais (ao definir as informações em geral em poder da Administração sujeitas ou não à
divulgação pública), quanto em termos procedimentais (ao estabelecer um processamento
para os pedidos de acesso a tais informações - acesso aqui em qualquer sentido, como, por
exemplo, fornecimento de vista, cópia ou esclarecimento). Isto porque nem mesmo as
inovações legislativas referentes ao acesso a informações públicas, trazidas pela mencionada
Lei, eliminaram a imposição de sigilo para determinados dados e documentos em poder da
Administração.
CF - Art. 216.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses
legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes
da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade
privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e,
portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito
possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do
País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e
organismos internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou
tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico
nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou
estrangeiras e seus familiares; ou
181
Exemplos de
informações sigilosas
em razão da natureza Conjunto das informações em geral,
com acesso regulado pela Lei nº 12.527, de 18/11/11
específica dos dados
3
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Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades
públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da
sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.
§ 1o Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação
prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes:
I - ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
II - secreta: 15 (quinze) anos; e
III - reservada: 5 (cinco) anos.
Art. 27. A classificação do sigilo de informações no âmbito da administração pública
federal é de competência:
I - no grau de ultrassecreto, das seguintes autoridades:
a) Presidente da República;
b) Vice-Presidente da República;
c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;
d) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e
e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior;
II - no grau de secreto, das autoridades referidas no inciso I, dos titulares de autarquias,
fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista; e
III - no grau de reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II e das que exerçam
funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente, de acordo com regulamentação
específica de cada órgão ou entidade, observado o disposto nesta Lei.
Em outras palavras, uma vez que, no curso da fase de admissibilidade em geral e nos
procedimentos de investigação empregados (investigação patrimonial, sindicância
patrimonial, sindicância investigativa e investigação preliminar), cada ato ou informação é
produzido ou coletada com o fim de amparar a decisão final (de arquivamento preliminar ou
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de instauração da instância disciplinar), também por este foco de análise ratifica-se que recai
sobre todo o rito preparatório a cláusula de sigilo estabelecida pelo art. 23 da Lei nº 12.527, de
18/11/11.
Desta forma, o grande gênero da cláusula de sigilo se desdobra nas espécies de sigilo
intrinsecamente associadas às naturezas específicas de determinadas informações - tais como
o sigilo da instância disciplinar, o sigilo fiscal, o sigilo bancário, o sigilo profissional (em que
se inclui a documentação de perícia médica), o sigilo telefônico e demais dados relativos à
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intimidade, vida privada, honra e imagem e o segredo de justiça -, sem subdivisões e sem
prazos pré-determinados de afastamento; e ainda na espécie residual de exceção ao preceito de
publicidade para as informações em geral que exponham a risco a sociedade e o Estado, esta
subdividida em três graus com prazos pré-determinados de afastamento.
Ratifique-se que, ainda que esteja fora do interesse do presente texto, a título apenas de
informação, a Lei nº 12.527, de 18/11/11, também tratou materialmente como exceção ao
preceito apriorístico da publicidade e da disponibilização das informações em geral sob poder
da Administração aqueles dados considerados como pessoais, relacionados à intimidade, vida
privada, honra e imagem, bem como às liberdades e garantias individuais de uma pessoa
natural identificada ou identificável. Por expressa determinação legal, estas informações
pessoais são automaticamente protegidas por sigilo em face de terceiros, dispensando-se
atribuição de qualquer grau de sigilo por autoridade, tendo acesso restrito pelo prazo máximo
de cem anos a contar da sua data de produção.
Nos termos regulamentados pelo Decreto nº 7.724, de 16/05/12, em seus arts. 9º, 10,
15 e 16, cabe ao interessado apresentar o pedido de acesso, vista, cópia ou esclarecimento
desta espécie de informações no Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) do órgão
correspondente ou, ainda, por meio de sítio eletrônico institucional, seja do próprio órgão, seja
por meio do Sistema e-SIC, disponibilizado pela Controladoria-Geral da União em sua página
virtual. Atendendo, enfim, à necessidade de regulação da parte final do inciso XXXIII do art.
5º da CF, o Decreto, refletindo o comando do art. 11 da Lei nº 12.527, de 18/11/11, estabelece
que, caso o pedido de acesso, vista, cópia ou esclarecimento de informação geral não possa
ser prontamente atendido, o Serviço de Informações ao Cidadão do órgão possui prazo de
vinte dias, contado da apresentação do pedido e prorrogável por mais dez dias, para enviar ao
solicitante a informação ou a resposta de denegação, acompanhada da motivação da decisão e
de comunicado de possibilidades de pedido de recurso ou de desclassificação da informação e
da autoridade competente para sua apreciação.
VIII - encaminhar ao órgão ou entidade responsável de que trata o inciso VI deste artigo o
pedido de informação.
Parágrafo único. A orientação sobre recursos compreende:
I - informação sobre a possibilidade de interposição de recurso;
II - os prazos e as condições para a interposição do recurso;
III - a indicação da autoridade competente para o julgamento do recurso; e
IV - a possibilidade de apresentação de pedido de desclassificação, se for o caso, com a
indicação da autoridade classificadora que o apreciará.
Por fim, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio da Portaria
RFB nº 1.277, de 09/07/12, o Secretário da Receita Federal do Brasil a quem originalmente
incumbe a classificação de informações sigilosas em geral em poder do órgão no grau
reservado em razão de sua divulgação oferecer riscos à sociedade ou ao Estado, delegou a
competência às autoridades que exerçam cargo em comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - código DAS-101.4, o que, no caso do sistema correcional,
contempla apenas o Corregedor. Daí, para classificar como sigilosa uma informação em geral
(que já não seja, por sua própria natureza, protegida por regra específica, como sigilo
disciplinar por se encontrar nos autos de PAD ou de sindicância disciplinar em curso ou sigilo
fiscal, bancário, profissional (e em especial médico-pericial), telefônico ou segredo de
justiça), em trâmite no sistema correcional, destacadamente em fase investigativa, apenas o
Corregedor é competente para decidir, empregando-se o modelo do Termo de Classificação de
Informação, instituído pelo Decreto nº 7.724, de 16/05/12, e igualmente adotado como Anexo
na Portaria MF nº 233, de 26/06/12. Neste caso, mesmo estando em curso simultaneamente
diversas informações distintas de mesma natureza (como por exemplo, peças de diferentes
fases de admissibilidade em geral ou de diferentes procedimentos de investigação empregados
(investigação patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e investigação
preliminar), e que requeiram imposição de sigilo, a classificação deve ser feita isoladamente,
caso a caso, sobre cada dado ou documento, podendo o Corregedor, por delegação, atribuir-
lhes o grau reservado (por cinco anos a contar da produção da informação), com o fim
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aplicativo Comprotdoc Web, para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, por intermédio da
Ouvidoria deste órgão (Gabin/Ouvid - informe-se que, originalmente, esta entrada se dava por
intermédio da Divisão de Atividades Administrativas (Gabin/Diadm), também a exemplo da
Ouvidoria, vinculada ao Gabinete do Secretário da Receita Federal do Brasil). A Ouvidoria da
Secretaria da Receita Federal do Brasil repassa a demanda, via e-processo, para a unidade
competente (Coger ou Escor ou Nucor, no caso). Na sequência, a unidade correcional deve
elaborar a resposta, seja esclarecendo de imediato não possuir a informação solicitada; seja,
no prazo de quinze dias, fornecendo a informação solicitada ou denegando-a de forma
motivada em virtude de oposição de cláusula de sigilo (ou porque a informação desde sempre
é protegida por se inserir em um rito disciplinar em curso ou por ser de natureza fiscal,
bancária, profissional - e em especial médico-pericial -, telefônica ou segredo de justiça ou
ainda porque, encartando-se em fase de admissibilidade e não sendo daquelas espécies de
natureza, a ela o Corregedor atribuiu grau reservado, com base no art. 23, VIII da Lei nº
12.527, de 18/11/11, em razão de sua disponibilização prejudicar atividades de inteligência,
investigação ou fiscalização em andamento com o fim de prevenir ou de reprimir infrações),
ou ainda solicitando prorrogação do prazo por mais dez dias; e encaminhar esta resposta, via
e-processo, à Ouvidoria da Secretaria da Receita Federal do Brasil. À Gabin/Ouvid incumbe
formalizar a resposta e encaminhá-la à Ouvidoria do Ministério da Fazenda, via Sistema
Comprotdoc Web, para que esta, enfim, a forneça ao solicitante.
Decreto nº 7.724, de 16/05/12 - Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à
informação:
I - genéricos;
II - desproporcionais ou desarrazoados; ou
III - que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e
informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência
do órgão ou entidade.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso III do caput, o órgão ou entidade deverá, caso
tenha conhecimento, indicar o local onde se encontram as informações a partir das quais o
requerente poderá realizar a interpretação, consolidação ou tratamento de dados.
Não obstante, o pedido apresentado por servidor com o fim de ser informado se houve
ou se há, contra ele, algum procedimento investigativo concluído ou em curso no sistema
correcional deve ser solucionado à luz do disciplinamento e do rito, garantista, do direito à
informação, impostos pela Lei nº 12.527, de 18/11/11, qual seja, via Protocolo-SIC-MF e com
registro no Sistema e-SIC, independentemente da unidade em que foi apresentado. Não
podendo ser considerado como genérico, visto a possibilidade de a Administração obter a
resposta, na hipótese de não ter havido e de não haver procedimento em face do peticionante
(em que se inclui a hipótese de ter havido e de ter sido concluído pelo arquivamento), basta
fornecer tal resposta; e, na hipótese de haver um procedimento de investigação em curso ou já
concluído com proposta de instauração, tal resposta pode ou não ser fornecida, em função da
possibilidade de o conhecimento prévio frustrar, impedir ou inibir a efetividade das
investigações. Neste último caso, pode a autoridade correcional responder que a concessão do
acesso traria prejuízo à atividade de investigação e que, por tal razão, a informação solicitada
encontra-se acobertada pela cláusula de sigilo prevista no art. 23, VIII da Lei nº 12.527, de
18/11/11.
Concluindo este longo parêntese no que ora importa da inovação legislativa trazida
pela Lei nº 12.527, de 18/11/11, no que isto se reflete na análise específica na fase de
admissibilidade em geral e nos procedimentos de investigação empregados (investigação
patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e investigação preliminar),
verifica-se que o disciplinamento imposto pelo art. 23, VIII do referido diploma legal permite
afirmar que a exceção contida na parte final do inciso XXXIII do art. 5º da CF pode ser
cogitada quando se manuseia a fase de admissibilidade, vez que foi contemplada a
possibilidade de atribuição de grau reservado de sigilo para as informações cuja divulgação
possa comprometer atividades de inteligência, de fiscalização ou de investigação em curso
referentes à prevenção ou à repressão de infrações, o que é o caso da instância correcional, até
mesmo quando o pedido de acesso, cópia, vista ou esclarecimento é apresentado pelo próprio
servidor representado, denunciado ou investigado e ainda com mais ênfase quando
apresentado por terceiros.
Por fim, deve ser destacado que não há relevância jurídica no fato do impetrante ser
ocupante do cargo de auditor fiscal. Afinal, a autuação ocorreu no âmbito de um
procedimento fiscal, a que todos estão sujeitos.”
STF, Proposta de Súmula Vinculante nº 1 (que aprovou a Súmula Vinculante nº 14), Voto:
“(...) de fato, a Constituição contrabalança a lista dos direitos individuais, neles embutido
o tema da ampla defesa e do contraditório, com o dever do Estado de investigar
criminalmente na perspectiva de detectar infrações penais e identificar os respectivos
autores. (...)
Se, de um lado, temos direitos e garantias individuais em matéria penal, de lastro
constitucional, também de lastro constitucional temos a consagração do princípio da
justiça penal eficaz.
Nesse ponto, parece-me que são dois princípios que nos remetem, necessariamente, para
Dworkin e Alexy, quando falam da aplicabilidade dos princípios como servientes,
obedientes, ao necessário juízo de otimização. Ou seja, os princípios que colidem, no caso
concreto, terão que ser aplicados mediante um juízo de otimização ou de ponderação. Daí
essa definição dos princípios como ‘mandados de otimização’
Penso, portanto, que a redação da súmula deve encerrar, encarnar um mandado de
otimização. Ela deve ter a virtude de consubstanciar um verdadeiro mandado de
otimização ou de conciliação entre esses princípios igualmente constitucionais. De uma
parte, falemos de princípio da ampla defesa; de outra parte, o princípio da justiça penal
eficaz. (...) eu faço uma distinção - não sei se procedente para o caso - entre autos do
inquérito policial e diligências concretizadoras da investigação. A investigação policial
como um todo, uma espécie de continente; e as diligências como meios de operacionalizar
a investigação. A investigação se dá por meio de sucessivas diligências.
Eu me perguntaria: nós deveríamos consagrar na súmula o direito irrestrito dos advogados
de acesso aos autos da investigação, ou das diligências, de cada diligência já concluída?
Claro que estou falando de um receio que é justo, de que o conhecimento prévio de uma
diligência comprometa toda a linha da investigação. E, comprometendo toda a linha da
investigação, o princípio da justiça penal eficaz resultaria vulnerado. É uma distinção que
eu apenas pondero, levo à consideração dos eminentes Ministros. (...)
Ora, ‘em processo judicial ou administrativo’. Nós sabemos que o inquérito policial nem é
processo administrativo nem processo nem processo judicial, é pré-processo, um ‘tertium
genus’. É uma terceira figura, uma terceira via de direito. Daí chamarmos muito até - eu
nem gosto dessa expressão - de fase inquisitorial da investigação criminal.
Será que essa consideração de não ser o inquérito policial um processo administrativo nem
judicial, e, portanto, não comportar essa defesa com toda amplitude, não nos levaria
também a fazer a distinção entre investigação e diligências investigatórias?”
STF, Proposta de Súmula Vinculante nº 1 (que aprovou a Súmula Vinculante nº 14), Voto:
“(...) duas coisas devem ser distinguidas nos inquéritos policiais: uma coisa são os
elementos de provas já documentados. Quanto a estes elementos de prova já
documentados, não encontro modo de restringir o direito dos advogados em defesa dos
interesses do cliente envolvido nas investigações. Outra coisa são todos os demais
movimentos, atos, ações e diligências da autoridade policial que também compõem o
inquérito. A autoridade policial pode, por exemplo, proferir despacho que determine certas
diligências cujo conhecimento pode frustrá-las; a esses despachos, o advogado não tem
direito de acesso prévio, porque seria concorrer com a autoridade policial na investigação
e, evidentemente, inviabilizá-la. (...). Por isso, tal ementa, a meu ver, resguarda os
interesses da investigação criminal, não apenas das diligências em andamento, mas ainda
das diligências que estão em fase de deliberação. A autoridade policial fica autorizada a
não dar ciência prévia desses dados ao advogado, a qual poderia comprometer o resultado
final da investigação. O que não se quer é retirar dos advogados, na defesa dos clientes
envolvidos nas investigações, o acesso aos elementos de prova que já tenham sido
documentados. (...)
(...) há certos elementos que, embora já concluídos, indicam a necessidade de realização de
outros.
Não é fácil. É questão grave. Há certas diligências cuja realização não se exaure em si
195
Resgatando este histórico da edição da Súmula Vinculante nº 14, tem-se cristalino que
o Supremo Tribunal Federal jamais cogitou - sequer na sua atenção para a gravosa instância
penal - de garantir irrestrito acesso ao defensor do investigado, sobretudo na programação, nas
conjecturas, na síntese elaborativa das provas a serem perseguidas ou ainda em persecução. A
leitura dos votos demonstra que a Corte compreende que assiste ao investigado em inquérito
um conjunto de direitos essenciais da pessoa, mas, ao mesmo tempo, observa que o inquérito
não comporta toda a amplitude da defesa e ratifica a preocupação em manter a eficácia da
Justiça penal, preservando o poder de o Estado promover as investigações criminais de
proteção do bem social.
Com isto, a Corte especificou claramente a não autorização de acesso a diligências (no
sentido amplo do termo) não só em andamento ou ainda em fase de deliberação mas também
até diligências que embora já concluídas possam indicar a necessidade de realização de outras,
deixando, neste aspecto, a autorização residual de acesso a elementos de prova já
operacionalizados, documentados e autuados e que se exaurem em si mesmos, que não
apontem para a realização de outras diligências ou que não impliquem conhecimento da
estratégia de investigação.
A parte final reproduzida no segundo voto acima é cristalina ao esclarecer mais do que
a literalidade da Súmula Vinculante nº 14 a princípio pode induzir em uma leitura apressada e
equivocada: a Corte Suprema não autorizou, sequer para a gravosa instância penal, nenhum
acesso ou esclarecimento acerca de documento, dado ou prova de interesse da defesa, ainda
que autuado, que possa cercear de qualquer modo o Estado no procedimento de investigação,
pois não houve autorização de acesso irrestrito aos autos.
Porém, não se pode retirar das partes, nos exatos termos da mencionada Súmula, o direito
de terem acesso a todos os elementos já colhidos no inquérito policial ressalvando-se,
como já dito, as diligências ainda em andamento, cujo acesso pode implicar em obstáculo
à efetividade da atividade investigatória. (...)’
(...)Tenho, contudo, que a decisão ora questionada está em perfeita consonância com o
texto da súmula vinculante tida como violada, que, como visto, autorizou o acesso dos
advogados aos autos do inquérito, apenas resguardando as diligências ainda não
concluídas, nos exatos termos do enunciado sumular.”
Por óbvio que - ainda que se reconheça que a mencionada Súmula Vinculante teve sua
edição dirigida à instância criminal, que prevalece o princípio da independência das instâncias
e que a persecução penal atinge bem jurídico indisponível da pessoa, que é sua liberdade,
sabidamente mais relevante que o vínculo jurídico-estatutário firmado entre servidores e o
Estado - o entendimento em tela também deve repercutir na instância disciplinar, com as
devidas adequações.
depreende do art. 4º da Portaria CGU nº 1.613, de 26/07/12. Embora tal norma tenha
aplicação restrita àquele órgão, convém sua menção no presente, a título de referência.
Uma outra cautela que também pode ser adotada caso o conjunto de informações
disponibilizáveis contenha dados protegidos por cláusulas específicas de sigilo referentes a
outras pessoas (fiscal, bancário, profissional de forma geral e em especial medido-pericial, de
comunicações, telefônico ou de qualquer forma relativos à intimidade, vida privada, honra e
imagem, por exemplo) e cujo conhecimento não importa para a defesa de interesses do
servidor representado, denunciado ou investigado é autuá-los em anexos individualizados ou
ocultar, no material fornecido, aquelas informações protegidas e de desnecessário repasse,
conforme autoriza o § 2º do art. 7º da já mencionada Lei nº 12.527, de 18/11/11,
regulamentadora do tema em tela. Na mesma toada, é importante destacar a necessária
harmonização que deve haver no exercício e na limitação de direitos. Se, de um lado, aqui se
acata a necessidade de o peticionante ter deferido o acesso, vista, cópia ou esclarecimento de
elemento contido em fase de admissibilidade, por outro lado, não se eliminam aquelas e outras
cláusulas específicas de sigilo, conforme já exposto em 2.5.6.2.1, devendo os eventuais
conflitos de interesse serem dirimidos com a imprescindível solicitação, por parte do
interessado, de autorização ao Poder Judiciário.
Por outro lado, caso se demonstre imprescindível para o efetivo exercício da garantia
fundamental o fornecimento, ao servidor representado, denunciado ou investigado, de dados
protegidos por cláusulas específicas de sigilo a favor de outras pessoas e não figurando tal
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repasse como prejudicial às investigações em tela nos termos acima discutidos, prepondera
para esta fase de admissibilidade a mesma ponderação que se apresentará em 4.4.12.3, no
sentido de que, diante deste conflito de direitos, se autorize (seja pela própria autoridade
administrativa, seja apenas em via judicial, dependendo da natureza do dado) a maior
homenagem ao direito de defesa do peticionante, em detrimento da privacidade do terceiro,
recaindo, por óbvio, o comprometimento de utilizar as informações para o fim estrito
solicitado e de preservar o sigilo.
Nota Técnica Coger nº 2012/2: “7. Em outras palavras, havendo pedido de acesso, vista,
cópia ou informação, em sede de investigação preliminar, sindicância investigativa /
preparatória e sindicância patrimonial, por parte do servidor investigado, seja
pessoalmente, seja por intermédio de procurador, o pleito será atendido ao tempo da
solicitação, exclusivamente no que pertine aos elementos já devidamente autuados e cuja
linha investigativa exaure-se em si mesma ou ainda que não apontem para a realização de
outras diligências.
8. As informações consideradas reservadas, seja para preservar a eficácia e o sigilo das
investigações, seja para salvaguardar dados, fatos ou situações concernentes à
Administração ou relativos a terceiros, quando já encartadas nos autos, devem ser
apartadas / desentranhadas daquelas cujo o acesso seja disponibilizado ao requerente.
16. Em relação ao Juízo de Admissibilidade, desde que requerido pelo servidor envolvido,
diretamente ou por meio do seu procurador, devem ser fornecidas, após a solicitação,
cópias das informações já autuadas, apartando as informações consideradas reservadas no
sentido de salvaguardar dados, fatos ou situações concernentes à própria Administração
ou mesmo relativos a terceiros.”
Iniciando a abordagem para pedido de acesso, vista, cópia ou esclarecimento, por parte
do representante ou do denunciante ou de outras pessoas quaisquer, servidores ou não, à fase
de admissibilidade ainda em curso, diferentemente da hipótese de pedido formulado por
representado, denunciado ou investigado, que se ampara em garantia constitucional a se
harmonizar com o interesse público de preservação do sigilo, como regra geral, em princípio,
não se pode conceder qualquer direito em favor de tais agentes que em nenhum momento
201
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de
acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer
meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da
informação requerida.
§ 1o Para o acesso a informações de interesse público, a identificação do requerente não
pode conter exigências que inviabilizem a solicitação.
§ 3o São vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicitação
de informações de interesse público.
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de
justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de
atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha
qualquer vínculo com o poder público.
Art. 25. É dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas
produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção.
§ 1o O acesso, a divulgação e o tratamento de informação classificada como sigilosa
ficarão restritos a pessoas que tenham necessidade de conhecê-la e que sejam devidamente
credenciadas na forma do regulamento, sem prejuízo das atribuições dos agentes públicos
autorizados por lei.
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§ 2o O acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para aquele que a
obteve de resguardar o sigilo.
Decreto nº 7.724, de 16/05/12 - Art. 13. Não serão atendidos pedidos de acesso à
informação:
I - genéricos;
II - desproporcionais ou desarrazoados; ou
III - que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e
informações, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competência
do órgão ou entidade.
Art. 42. Não poderá ser negado acesso às informações necessárias à tutela judicial ou
administrativa de direitos fundamentais.
Parágrafo único. O requerente deverá apresentar razões que demonstrem a existência de
nexo entre as informações requeridas e o direito que se pretende proteger.
Por outro lado, caso a análise procedida pela autoridade instauradora aponte pela
inexistência do interesse jurídico que justifique a excepcional concessão de conhecimento dos
autos investigativos em curso a terceiro, ainda assim, em extremado respeito a este
peticionante, pode ser emitida simples resposta, apenas informando o estágio ainda inconcluso
em que se encontra o trabalho.
“(...) a lei federal (n. 9.784, de 1999) agrupou-os em dois segmentos: de um lado, a
Administração; do outro, os administrados, ora assim denominados, ora tratados sob o
rótulo ‘interessados’ (...). Parece nítido, dos preceitos do referido diploma legal, que o
nome ‘interessados’ está reservado para o administrado quando ele se torna sujeito da
relação processual administrativa.”, Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Processo
Administrativo”, pg. 125, Malheiros Editores, 1ª edição, 2001
Nesta linha, não se deve interpretar equivocadamente que o art. 9º, I da Lei nº 9.784,
de 29/01/99, estabeleça uma relação de interessado nem mesmo para, quando é o caso, quem
dá causa ao início das investigações como representante (no sentido de denunciante). É
necessário destacar o enfoque que, sistematicamente, esta Lei (chamada de Lei Geral do
Processo Administrativo, lato sensu e que não tem como vocação a matéria disciplinar e
punitiva) dá aos termos “representação” ou “representante”. Nesta Lei, aqueles termos são
empregados no sentido de atuar como procurador, em favor de alguém, em sentido oposto ao
da matéria disciplinar. Tanto que o enfoque do dispositivo acima é de exercício de direito,
enquanto que o tema aqui em tela trata de cumprimento de dever funcional.
somente se opera se este agente logra comprovar à autoridade competente a pertinência de seu
pedido, demonstrando a existência de interesse jurídico legítimo e justificável e a inexistência
de cláusula específica de sigilo de outra natureza.
Neste rumo, para assentar em definitivo o tema do pedido de acesso, vista, cópia ou
esclarecimento a elementos investigativos ainda em curso por parte de terceiros, novamente
ratifica-se a ressalva já apresentada em 2.5.6.2.1 e em 2.5.6.2.2, no sentido de que a fase de
admissibilidade em geral e os procedimentos de investigação empregados (investigação
patrimonial, sindicância patrimonial, sindicância investigativa e investigação preliminar)
devem ser compreendidos como procedimentos administrativos instrumentalizados e
manejados não por conterem um fim em si mesmos, mas sim para, ao seu final, permitirem à
autoridade competente o devido embasamento para proferir uma decisão (qual seja, de
arquivar preliminarmente o feito ou de instaurar a instância disciplinar). Daí, à luz da leitura a
contrario sensu do § 3º do art. 7º da Lei nº 12.527, de 18/11/11, e do art. 20 do Decreto nº
7.724, de 16/05/12, até a emanação de tal decisão, conforme acima exposto, sobre todo o
conteúdo documental encartado em tal fase de admissibilidade recai a cláusula de sigilo
imposta pelo art. 23 da citada Lei.
Entretanto, pela própria leitura direta dos dois dispositivos normativos acima, a análise
toma rumo distinto quando se cogita de o pedido de acesso, vista, cópia ou esclarecimento,
por parte do representante ou denunciante ou de quem quer que seja, a elementos
investigativos ser apresentado já ao final desta fase de admissibilidade.
Por outro lado, sendo a decisão em sentido contrário, ou seja, a favor da instauração do
consequente e consecutivo PAD ou sindicância disciplinar, toda a fase de admissibilidade
(inclusive seu ato decisório) deve ser compreendida como preparatória da instância
contraditória, cabendo ainda a manutenção da cláusula de sigilo, conforme autoriza,
extensivamente, a leitura a contrario sensu do § 3º do art. 7º da Lei nº 12.527, de 18/11/11, e
205
justificável nas hipóteses de tal fase em andamento ou com conclusão por instauração de PAD
ou de sindicância disciplinar, seja porque o resultado da fase investigativa é de arquivamento -
, a procedimentalização da concessão do acesso, vista, cópia ou esclarecimento não se dá
diretamente pela autoridade correcional (conforme se permite para concessão a favor do
próprio representado, denunciado ou investigado), mas sim deve obedecer a
instrumentalização estabelecida pela Lei nº 12.527, de 18/11/11, e regulamentada pelo
Decreto nº 7.724, de 16/05/12, para o processamento de pedidos de tais natureza concernentes
a informações em geral em poder da Administração, e internamente normatizada pela Portaria
MF nº 233, de 26/06/12, e pela Portaria RFB nº 1.277, de 09/07/12, qual seja, por meio do
Serviço de Informações ao Cidadão (SIC-MF), no âmbito da Ouvidoria do Ministério da
Fazenda, a qual incumbe, por meio do Protocolo-SIC-MF, situado no Edifício Órgãos
Centrais, em Brasília, já exposta em 2.5.6.2.1.
Nota Técnica Coger nº 2012/2: “11. Em relação a terceiros (servidores ou não), segundo o
juízo da autoridade instauradora, ouvida a comissão sindicante / investigativa, e à luz do
caso concreto, em hipóteses excepcionalíssimas, o acesso às informações será permitido
apenas quando se lograr comprovar direito ou interesse legítimo e fundamentado. Isso se
dará ao tempo da solicitação do interessado, independentemente do estágio do processo
investigativo.
13. Em tais casos, há que se sopesar os motivos e o interesse do terceiro e definir o grau de
conhecimento que ele deve ter em relação aos fatos, de sorte que receba somente o que for
absolutamente necessário ao exercício do direito ou à satisfação do interesse que
fundamenta o requerimento.
14. Em relação ao representante / denunciante, não lhe cabe, em decorrência
exclusivamente dessa condição, direito de acesso aos autos. Cabe-lhe apenas, desde que
requerido, obter informações quanto ao destino dado à sua comunicação de
irregularidade: se foi instaurado algum procedimento ou se foi arquivado.
15. Ressalve-se que sempre que o representante / denunciante comprovar direito ou
interesse legítimo e fundamentado, será permitido o acesso aos autos, nas mesmas
condições estabelecidas para o terceiro interessado.
17. Em relação ao terceiro interessado (servidor ou não), o acesso a qualquer informação
ou dado constante dos autos do Juízo somente deve ser fornecido, caso requerido, na exata
medida de sua necessidade, após comprovação inequívoca de direito ou interesse legítimo
e fundamentado, após a sua solicitação, independentemente do fato de já estar concluído
ou não o Juízo de Admissibilidade.
18. Em face de solicitação do autor de representação / denúncia, somente deve ser
comunicado o resultado do Juízo de Admissibilidade: se arquivado ou se determinada a
instauração de PAD / Sindicância Contraditória. Não há, em decorrência exclusivamente
dessa condição de representante / denunciante, direito de acesso a qualquer informação ou
dado constante do ato / decisão concernente ao Juízo. Por outro lado, sempre que se
comprovar direito ou interesse legítimo e fundamentado, será permitido o acesso, nas
mesmas condições estabelecidas para o terceiro interessado.”
Por óbvio, caso a representação tenha sido formulada pelo Ministério Público Federal
ou pelo Poder Judiciário, estes representantes institucionais possuem poderes e prerrogativas
208
que lhes asseguram informações ou cópia dos procedimentos adotados para previamente
investigar os fatos, bem como do processo disciplinar após concluído. Na verdade, a praxe é
de estes órgãos já serem espontaneamente comunicados das investigações e conclusões,
independentemente de requisição, sobretudo após a instauração da instância disciplinar e após
o julgamento. Não se trata de acesso ao curso do processo administrativo disciplinar e, sim, à
fase de admissibilidade e ao processo concluído, conforme se verá em 4.10.7.4 e 4.14.2.
servidores, exercer seu jus puniendi com o fim não só de restabelecer a ordem interna afetada
pela infração como também com efeito didático-intimidador sobre o corpo funcional
vinculado.
O inquérito administrativo não visa apenas a apurar infrações, mas também oferecer
oportunidade de defesa.
Parecer AGU nº GQ-98, não vinculante: “11. Porém, à investigação se procede com o
objetivo exclusivo de precisar a verdade dos fatos, sem a preocupação de incriminar ou
exculpar indevidamente o servidor.”
Não obstante, para o fim da correta e devida aplicação do regime disciplinar, para o
quê o processo administrativo disciplinar atua como instrumento, é de se ressaltar de imediato
a importância que o aplicador deve prestar ao art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, em geral
mitigada talvez pelo fato de o legislador tê-lo inserido no meio do Título V, que trata da
matéria processual. A determinação imposta por este dispositivo legal é de tamanha
importância que deveria ter sido introduzida na Lei não se referindo apenas ao processo (que,
por ser apenas instrumental, em última análise, não tem um objetivo próprio que sobreviva
por si só), mas sim deveria ter constado de forma destacada como uma disposição geral, como
um preâmbulo de toda a matéria disciplinar do Estatuto, restringindo a abrangência do Direito
Administrativo Disciplinar como um todo. O art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, atua como
um delimitador legal da atuação estatal punitiva sobre seu corpo funcional, definindo que esta
instância punitiva, como regra, limita-se tão-somente a atos ilícitos funcionais (grife-se, de
forma antecipada, que tal expressão qualificada, substantivamente, quer se referir a atos com
algum grau de vinculação com o cargo) cometidos por servidor.
Sendo assim, na matéria que aqui interessa, informe-se que tal mandamento, acerca da
delimitada abrangência do regime e do processo administrativo disciplinar, se volta tanto à
autoridade instauradora, em seu juízo de admissibilidade antes de instaurar o processo; quanto
também se projeta adiante, seja à comissão processante, ao conduzir o apuratório e concluir
pelo cometimento ou não de irregularidade, seja, por fim, à autoridade julgadora, ao decidir
pelo arquivamento ou pela punição do servidor.
Neste ponto, é de se destacar a rica e dupla leitura que se extrai do art. 148 da Lei nº
8.112, de 11/12/90. Se, por um lado, o dispositivo freia o indevido ímpeto persecutório e
211
punitivo da Administração, por outro lado, dentro do foco de atuação que ele mesmo permite,
o mandamento confere uma relevante abrangência ao regime disciplinar. Este dispositivo
legal, conforme sua literalidade, deve ser lido atentamente em duas partes: a parte inicial
define o processo administrativo disciplinar como o instrumento destinado a apurar
responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições legais,
enquanto que a parte final acrescenta que é também o instrumento destinado a apurar
responsabilidade de servidor por infração que tenha relação com as atribuições do cargo em
que se encontre investido.
“(...) Se (...) o servidor desviado de função comete infração (...) em razão daquele cargo
que estava ocupando de modo irregular, é cabível a apuração pela via do processo
disciplinar, ou este deve apenas ser instaurado quando forem irregularidades (...) que
tenham relação com as atribuições do seu cargo, o de investidura regular? Em nosso
entender, quando o dispositivo fala em ‘cargo em que se encontre investido’, a expressão
atinge a investidura regular, o desvio de função ou mesmo a situação por demais anômala
do funcionário de fato.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”,
pgs. 102 e 103, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
CP - Relação de causalidade
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido.
Relevância da omissão
§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o
resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
3.2.1 - Ilícitos
Por ser elemento integrante do objetivo do processo administrativo disciplinar, na
forma de sua abrangência objetiva, faz-se então necessário entender o que seja ilícito. Ilícito é
toda conduta humana que, seja por ação (conduta comissiva), seja por omissão (conduta
omissiva), se revela antijurídica (o que significa ser contrária ao bom Direito) e culpável em
sentido lato. Desta definição genérica, se extrai que um único ato ilícito pode afrontar ao
mesmo tempo a um ou mais ramos do Direito, podendo acarretar diferentes
responsabilizações, conforme se detalhará em 4.14. Portanto, é um gênero de que são
espécies, por exemplo, os ilícitos civil, administrativo-disciplinar, penal, administrativo-fiscal,
etc.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente
pelo exercício irregular de suas atribuições.
“(...) ilícito é o comportamento contrário àquele estabelecido pela norma jurídica, que é
pressuposto da sanção. É a conduta contrária à devida. É o antijurídico. Neste sentido,
ilicitude e antijuridicidade são sinônimos e confundem-se num mesmo conceito, de unívoco
conteúdo.” Regis Fernandes de Oliveira, “Infrações e Sanções Administrativas”, pg. 17,
Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Dessas diversas espécies de ilícitos, aqui se importa com o ilícito administrativo, não
obstante também se abordarem os ilícitos civil e penal, visto poderem ocorrer
simultaneamente. A menção aqui a outras espécies de ilícitos (como civil e penal) se justifica
apenas para alertar que, apesar da possível simultânea ocorrência, não devem ser objeto de
persecução disciplinar.
É de se compreender que, por um lado, um ato pode ter repercussões civil e/ou penal e
não necessariamente configurar infração disciplinar. Por outro lado, um ato pode configurar
infração administrativa disciplinar mesmo que não tenha repercussões civil e penal.
Antes de se adentrar nas espécies de ilícitos, restringindo a análise para o foco pessoal
do agente público, de imediato, antecipe-se que, no atual ordenamento jurídico, não só a
responsabilidade penal como também a responsabilidade administrativa e a responsabilidade
civil de servidor, decorrentes de ato funcional, não obstante por regra serem independentes,
têm a mesma natureza subjetiva. Em outras palavras, além da cediça necessidade que tem a
instância penal, de forte índole punitiva, de ter a comprovação do ânimo subjetivo do autor
214
CC - Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ao ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo.
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
O ilícito penal, enfocando apenas o aspecto material (sem se levar em conta o seu
aspecto analítico, que contempla as condicionantes da ação ou omissão e do agente, que serão
detalhadas em 4.6.2), é toda conduta exaustivamente descrita em lei, contrária à ordem
jurídica e ao interesse público. Acarreta responsabilização pessoal do agente (que tanto pode
ser privado, por seus atos de vida particular, como público, por seus atos funcionais ou
privados), de índole punitiva, com penas do CP e de leis especiais, apurável no rito do CPP,
com promoção do Ministério Público Federal, instaurando uma relação de direito público,
pois a afronta do agressor atinge um bem tutelado e caro a toda a sociedade.
“O Estatuto, como já foi visto, fixou os deveres gerais dos servidores públicos e as
proibições, cujo descumprimento constitui ilícito administrativo e, como tal, passível de
aplicação, na forma da lei, de medidas disciplinares.
O ilícito administrativo, em suas origens, verifica-se pela perturbação do bom
funcionamento da administração, em virtude do descumprimento de normas especialmente
previstas no elenco de deveres, proibições e demais regras que integram o Regime Jurídico
(...) do Servidor Público Civil da União.
Caracteriza-se, pois, pela ofensa a um bem jurídico relevante para o Estado, que é o
funcionamento normal, regular e ininterrupto das atividades de prestação de serviços
públicos. No ilícito administrativo, agride-se o funcionamento interno do Estado.
Assim é que o regime disciplinar prevê um elenco de hipóteses configuradoras de faltas
administrativas de conceituação genérica concebidas, propositadamente, em termos
215
amplos para abranger a um maior número de casos. Daí dizer-se que a infração
disciplinar pode ser atípica para uns, de tipicidade aberta para outros, mas, para ambas as
posições, de comprovado e bem caracterizado prejuízo ao interesse público.” Francisco
Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg.
42, Editora Forense, 2ª edição, 2006
Conforme já se afirmou em 3.1, a melhor interpretação que se extrai do art. 148 da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, é de que este dispositivo encarta uma limitação na aplicação do Direito
Administrativo Disciplinar como um todo, não só do processo administrativo disciplinar, mas
também do regime disciplinar. Complementa-se que, desta visão conglobante que inclui no
mandamento delimitador de enfoque de atuação também a definição dos ilícitos
administrativos contidos no regime disciplinar, advém uma inerente dificuldade, visto que a
parte substancial do Direito Administrativo Disciplinar, embora guardando inequívoca
afinidade com o Direito Penal (ambos são ramos do Direito Público sancionador), dele se
diferencia por não poder adotar - e de outra forma nem poderia mesmo se cogitar de uma lei
de natureza estatutária - da rica tipicidade criminal. O que se tem na lista exaustiva de
condutas consideradas como ilícito disciplinar são definições abrangentes, sem a estrita
tipicidade que caracteriza a redação da lei penal.
Não por acaso e sem que se confunda com arbítrio, insegurança jurídica ou ausência
de previsão legal, para que de fato se pudesse abarcar em um único diploma legal todas as
ações tidas como infracionais - desde as de menor gravidade até as de maior grau de repulsa -,
teve o legislador de lançar mão de enquadramentos caracterizados pelo emprego de
expressões abrangentes. Neste rumo, extrai-se da doutrina penal que, em contraposição à
norma completa ou perfeita, que define o delito de forma precisa e determinada, com todas as
características de sua estrutura normativa, e dispensa qualquer complemento para sua correta
compreensão, o aplicador depara-se com uma norma incompleta ou imperfeita quando esta
possui elementos que requerem um complemento normativo ou valorativo para sua integral
compreensão, subdividindo-se em norma “em branco” (quando sua correta compreensão
requer complementação normativa, ou seja, obtida em outra regra jurídica, podendo ser
homogênea se o complemento normativo se encontra em norma de mesma instância
legislativa, ou heterogênea, se o complemento normativo se encontra em norma de maior ou
menor status legislativo) ou em normas “aberta” (quando sua integral compreensão requer
complementação valorativa, ou seja, baseada em jurisprudência ou doutrina ou até mesmo em
vida concreta), conforme melhor se exporá em 4.6.3. Ainda nesta linha, se acrescente, a titulo
de informação, que, muito próximo do conceito de normas abertas, por também não terem o
alcance e a extensão do seu conteúdo precisamente positivados, têm-se os conceitos jurídicos
indeterminados, cuja perfeita compreensão de seus contornos depende da conjugação de
diversos fatores dinamicamente incidentes a cada caso concreto, tais como a época, o local, e
sobretudo as percepções pessoais e de cognição do aplicador da norma.
“Como se vê, a garantia da tipicidade não pode ser interpretada em dissonância com o
princípio da segurança jurídica, tendo em conta, sempre, a dinâmica interna do Direito
Administrativo Sancionador, que é diferente do Direito Penal, mas guarda raízes comuns
com a normativa que preside o Direito Público Punitivo. Essas peculiaridades do terreno
administrativo admitem uma tipicidade proibitiva mais ampla, genérica, tendo por
referência o comando legislativo, mas também exigem coberturas normativas que induzam
216
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 1º Esta Lei institui o regime jurídico dos servidores
públicos civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações
públicas federais.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo
público.
Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na
estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei,
com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em
caráter efetivo ou em comissão.
Art. 9º A nomeação far-se-á:
I - em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de
carreira;
II - em comissão, inclusive na condição de interino, para cargos de confiança vagos.
(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial
poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem
prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela
remuneração de um deles durante o período da interinidade. (Redação dada pela Lei nº
9.527, de 10/12/97)
Já na relação jurídica penal, o polo passivo engloba desde particulares (que cometem
crimes comuns sem nenhuma relação com a Administração) até servidores (que tanto podem
cometer crimes comuns como podem cometer, mais restritivamente, crimes em pleno
exercício do cargo). De se destacar que, quando a instância penal volta sua atenção para os
atos criminosos cometidos no âmbito da Administração Pública, seu polo passivo é bem mais
extenso que o da instância disciplinar (que se limita ao detentor de cargo em caráter efetivo ou
comissionado, conforme arts. 2º e 3º da Lei nº 8.112, de 11/12/90), abarcando não só quem
exerce cargo, emprego ou função pública, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração,
mas ainda inclui quem tem exercício em entidade paraestatal e quem trabalha para empresa
prestadora de serviço, que executa atividade típica da Administração.
CP - Funcionário público
Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade
paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou
conveniada para a execução de atividades típicas da administração pública;
Por óbvio, dentre a imensa gama de atuação do Direito Penal, aqui o que mais
detidamente interessa é sua parcela de intersecção com o Direito Administrativo Disciplinar,
ou seja, onde se encontram as condutas acima definidas como ilícitos administrativo-penais.
Para esta análise mais limitada da instância penal, afasta-se do interesse o cometimento de
crime comum, tanto por um agente privado quanto até mesmo por um servidor, pois trata-se
de ato cometido em sua vida privada, para o qual não se exige a qualidade especial de o
agente ser servidor. Na parcela de maior interesse, onde se situam os crimes especiais (em que
a conduta criminosa, por sua própria definição legal, só pode ser realizada por um servidor), o
que se tem é o servidor que, no ato associado direta ou indiretamente a seu cargo, afronta
tanto a Lei nº 8.112, de 11/12/90, quanto ao CP ou leis especiais que definem crimes. Além de
possível instância civil, este servidor, em tese, pode ser processado, de forma independente,
tanto pela instância administrativa (no rito da Lei nº 8.112, de 11/12/90, podendo, se for o
caso, ser punido com advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou
destituição do cargo em comissão), quanto pela instância criminal (no rito do CPP ou no rito
que porventura a lei especial estabelecer, podendo, se for o caso, ser punido com multa,
detenção e reclusão).
218
De se mencionar ainda que a lei penal pode prever, como efeito acessório da
condenação (efeito este que pode ser automático ou não, dispensando ou não a expressa
manifestação do juiz na sentença), a perda do cargo, para determinados crimes - comuns ou
funcionais - em que o agente criminoso seja servidor. Esta perda do cargo faz parte da decisão
judicial e não se confunde com a pena administrativa de demissão, tanto que se configura em
exceção de possibilidade de ato de vida privada (um crime comum praticado por servidor) ter
repercussão em sua vida funcional - mas não como resultado de processo administrativo
disciplinar, pois a perda de cargo é uma ordem judicial a ser cumprida imediatamente pela
projeção de recursos humanos e gestão de pessoas, já devidamente amparada no rito da
apuração criminal.
Embora o ato funcional possa também configurar crime, à vista da independência das
instâncias, ele pode ser regularmente processado no âmbito da Administração, por uma
comissão disciplinar, julgado e, se for o caso, apenado pela autoridade administrativa
competente, antes mesmo de ser apreciado pelo Poder Judiciário, desde que devidamente
enquadrado na lei estatutária. Em outras palavras, quando o ilícito administrativo também
configura crime, a apuração criminal não faz parte da abrangência objetiva do processo
disciplinar, mas a apuração administrativa da infração estatutária faz.
Ainda nesta linha, é de se mencionar os atos cometidos por servidor com abuso de
autoridade, conforme definidos nos arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898, de 09/12/65. Esta Lei definiu
uma série de atos abusivos por parte das autoridades e estabeleceu que eles podem redundar,
de forma independente, em repercussões administrativa, civil e penal. Diferentemente dos
crimes contra a Administração Pública e contra a ordem tributária, cujos diplomas legais
remetem o processamento ao rito do CPP, no caso dos atos de abuso de autoridade que
configurem crime, a Lei nº 4.898, de 09/12/65, estabeleceu um rito penal específico, adotando
o CPP apenas como fonte subsidiária e previu penas de multa, detenção ou até a perda do
cargo. Quanto à repercussão civil indenizatória, aquela Lei remeteu ao rito do CPC. Quanto à
responsabilização administrativa, aquela Lei determinou a instauração de inquérito
administrativo de acordo com a lei de regência do ente federado - em função do contexto
219
histórico de sua edição, no caso de lacuna normativa, indicava a aplicação supletiva do antigo
Estatuto do servidor público civil federal (a Lei nº 1.711, de 28/10/52) e previa as penas
estatutárias válidas àquela época (desde a advertência até a demissão). Tendo sido
expressamente revogada a Lei nº 1.711, de 28/10/52, pelo atual Estatuto, é de se interpretar
que o dispositivo da Lei nº 4.898, de 09/12/65, hoje se aplica adequando a remissão para o rito
processual e para as penas da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Assim, em outras palavras, a maioria dos atos cometidos por servidor civil federal que
se amoldam em uma das definições de abuso de autoridade listadas pela Lei nº 4.898, de
09/12/65, pode acarretar, por um lado, tanto o rito penal estabelecido naquele diploma legal
(que pode redundar até na perda do cargo) como, por outro lado, também o processo
administrativo disciplinar da Lei nº 8.112, de 11/12/90, podendo ser enquadrado, por
exemplo, nos incisos VIII, IX ou XI do art. 116, ou nos incisos III, IV, V, VII ou IX do art.
117, ou nos incisos V, VII ou IX do art. 132 e, se for o caso, ser punível de acordo com o art.
127 do atual Estatuto até com demissão. Uma vez que a Lei nº 4.898, de 09/12/65, não definiu
os atos nela descritos específica e exclusivamente como crimes (como fazem o CP e a Lei nº
8.137, de 27/12/90), mas sim genericamente como atos de abuso de autoridade que,
simultânea e independentemente, podem configurar infração administrativa, crime e ilícito
civil, é aceitável que o enquadramento em algum dos incisos dos arts. 116, 117 ou 132 da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, tenha a ele adicionado a definição de ato de abuso de autoridade
encontrada em algum inciso do art. 3º ou do art. 4º da Lei nº 4.898, de 09/12/65, como forma
de propiciar ao mesmo tempo maior suporte legal à acusação e elementos de informação à
defesa (de forma análoga como se defenderá para o emprego das definições de ato de
improbidade administrativa da Lei nº 8.429, de 02/06/92, em 4.7.4.4.2).
“Tanto o excesso de poder como o desvio de poder podem configurar crime de abuso de
autoridade, quando o agente público incidir numa das infrações previstas na Lei nº 4.898,
de 9-12-65, alterada pela Lei nº 6.657, de 5-6-79, hipótese em que ficará sujeito à
responsabilidade administrativa e à penal, podendo ainda responder civilmente, se de seu
ato resultarem danos patrimoniais.”, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Direito
Administrativo”, pg. 228, Editora Atlas, 19ª edição, 2006
Dentre tais exemplos, pode-se citar a Lei n° 8.666, de 21/06/93, que trata das licitações
na Administração Pública. Embora esta Lei, em vários dos dispositivos elencados entre seus
arts. 89 a 98, tenha definido como crimes determinados atos que são exclusivos do servidor
público (atuante em licitações) e tenha para eles previsto a perda do cargo como efeito
automático da condenação judicial, não os incluiu na definição de crimes contra a
Administração Pública (conforme a Lei nº 8.137, de 27/12/90, expressamente incluiu). Da
221
mesma forma que a Lei nº 4.898, de 09/12/65, a Lei n° 8.666, de 21/06/93, estabeleceu um
rito penal específico, adotando o CPP apenas como fonte subsidiária. Não obstante, um ato
cometido por servidor civil federal que se amolda em uma das definições de crime da Lei n°
8.666, de 21/06/93, pode acarretar, por um lado, tanto o rito penal estabelecido naquele
diploma legal (que pode redundar até na perda do cargo, como efeito da decisão judicial)
como, por outro lado, também o processo administrativo disciplinar da Lei nº 8.112, de
11/12/90, podendo ser enquadrado, por exemplo, nos incisos I, II, III ou IX do art. 116, ou nos
incisos IX ou XI do art. 117, ou nos incisos IV, IX ou X do art. 132 e, se for o caso, ser
punível de acordo com o art. 127 do atual Estatuto até com demissão.
Lei n° 8.666, de 21/06/93 - Art. 82. Os agentes administrativos que praticarem atos em
desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação
sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das
responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.
Art. 83. Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus
autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego,
função ou mandato eletivo.
Lei nº 7.716, de 05/01/89 - Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes
de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
(com a redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o
servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo
não superior a três meses.
Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 (vetado) desta Lei não são automáticos,
devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Cita-se também a Lei nº 10.224, de 15/05/01, que incluiu o art. 216-A no CP,
tipificando, tanto em instância trabalhista privada como em seara pública, o crime de assédio
sexual. Sobre este tema, recomenda-se a leitura do Anexo IV, que aborda as conceituações de
assédio moral e de assédio sexual e suas aplicações em seara pública.
Novamente, é de se destacar que tais condutas funcionais elencadas nos arts. 312 a 326
do CP e nas Leis nº 8.137, de 27/12/90, 4.898, de 09/12/65, e 8.666, de 21/06/93, bem como
as condutas descritas nas Leis nº 7.716, de 05/01/89, e 9.455, de 08/04/97, nas hipóteses de
serem cometidas por servidor no exercício do cargo, merecerão processamento administrativo
disciplinar, podendo se encontrar para elas enquadramentos nos arts. 116, 117 ou 132 da Lei
nº 8.112, de 11/12/90 (não devendo jamais os dispositivos do CP e destas Leis fazerem parte
da indiciação e do relatório da comissão disciplinar), sem prejuízo de independente ação
penal.
Aqui, considera-se como aspecto espacial que afasta a análise do caso concreto da
configuração comum a peculiaridade de o servidor, no momento em que comete a suposta
irregularidade, não estar em sua unidade de lotação (ou de exercício, se diferente). E
considera-se como aspecto temporal que afasta a análise do caso concreto da configuração
comum a peculiaridade de a situação funcional do servidor, ao tempo da emissão do juízo de
admissibilidade ou ainda ao tempo da efetiva instauração do rito disciplinar, já ter sido
alterada em comparação à sua situação quando cometeu a suposta irregularidade, seja em
decorrência de remoção ou de investidura em novo cargo federal (na própria Secretaria da
Receita Federal do Brasil ou em outro órgão) ainda regido pela Lei nº 8.112, de 11/12/90, seja
com a ruptura da relação estatutária, por meio de aposentadoria, disponibilidade, exoneração
ou aplicação de pena expulsiva.
aplicação de penas mais graves, como suspensão acima de trinta dias ou expulsivas, a decisão
compete exclusivamente ao Ministro de Estado da Fazenda, conforme se detalhará em 4.10.3.
“Falta cometida em outra repartição. Como já vimos linhas atrás, a regra básica
definidora da competência para instaurar processo radica no pressuposto da subordinação
hierárquica do servidor faltoso. Logo, é competente a autoridade que tenha ascendência
funcional sobre este.
Por conseguinte, há de se concluir que, sendo a falta cometida por funcionário estranho à
repartição, deverá a chefia desta comunicar o fato ao órgão em que esteja lotado o
servidor faltoso.
É essa a compreensão que já foi devidamete pacificada pelo DASP, por meio da
Formulação nº 180.”, José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 203, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“(...) cometimento de falta, com o faltoso perfeitamente identificado, em repartição que não
seja sua unidade de lotação; neste caso, comunica-se o evento ao chefe imediato do citado
servidor, pedindo as providências legais cabíveis.”, Antônio Carlos Palhares Moreira Reis,
“Processo Disciplinar”, pg. 63, Editora Consulex, 1ª edição, 1999
com outro órgão (o que faz subentender da administração direta), na hipótese de o servidor da
Secretaria da Receita Federal do Brasil cedido a alguma entidade da administração indireta
cometer irregularidade em sociedade de economia mista ou em empresa pública ou em
fundação pública de direito privado, o apuratório deve migrar para seu órgão de origem, já
que a entidade não disporá de três servidores estáveis para compor a comissão de inquérito.
Nota Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS: “35. Por fim, cabe esclarecer que o julgamento e
aplicação da sanção são um único ato, que se materializa com a edição de despacho,
portaria ou decreto, proferidos pela autoridade competente, devidamente publicado para
os efeitos legais, conforme se dessume do disposto nos artigos 141, 166 e 167 do RJU.”
“Ressalte-se que a competência para julgar processo disciplinar que apurou infrações de
servidores que exerçam função comissionada em outro Ministério é da autoridade a que se
acham subordinados. Nesses casos, o poder disciplinar da autoridade administrativa se
desloca para a alçada das atribuições do chefe da repartição onde são lotados os titulares
desses cargos em comissão.
Erroneamente tem-se pretendido aplicar a esses casos a Formulação nº 180 do Dasp (...).”
José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg.
265, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005.
dedicação integral e exclusiva neste órgão colegiado, ou nele ocupando cargo em comissão ou
função de confiança, opera-se a alteração de exercício. Neste caso, o art. 4º-B, II, “b” do
Decreto nº 7.482, de 16/05/11, estabelece que, mediante determinação do Ministro de Estado
da Fazenda, a competência instauradora em face destes servidores migra para a Corregedoria-
Geral do Ministério da Fazenda.
Da leitura do art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, conforme 3.1, extrai-se que o
processo administrativo disciplinar é o instrumento legal para o esclarecimento de supostas
ilicitudes cometidas por servidor, direta ou indiretamente associadas ao exercício de suas
atribuições legais. Ou seja, a apuração da responsabilidade administrativa está ligada de forma
indissociável ao fato de o infrator exercer um cargo regido por aquele Estatuto à época do
cometimento da infração. Em outras palavras, o processo administrativo disciplinar, ao
mover-se, de ofício, na busca de seu principal objetivo de esclarecer fatos supostamente
irregulares de que se tem conhecimento no âmbito da Administração Pública, reporta-se à
situação funcional do tempo do cometimento de tais atos, não importando, a priori, a
condição do agente ao tempo do processo e nem mesmo a manutenção ou não de sua
punibilidade.
Dito isto, inicia-se a análise por incidentes que possam ocorrer ao longo do tempo mas
que mantêm a relação estatutária regida pela Lei nº 8.112, de 11/12/90, entre o servidor e a
Administração.
Ao se fazer a leitura conjunta dos citados arts. 143 e 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
à luz dos princípios da legalidade, da busca da verdade material e da indisponibilidade do
interesse público, tem-se como cristalina e inequívoca a aplicação do processo e do regime
disciplinares ao servidor que tenha obtido algum deslocamento de seu cargo (remoção,
alteração de exercício ou redistribuição) após o cometimento da infração. E a mesma base
legal e principiológica assegura que também se tem claro que deve o servidor responder
administrativamente por fato porventura cometido quando no exercício de cargo, ainda que
aquele cargo em que cometeu o ato seja diverso do cargo que mais recentemente ocupa ao
tempo do conhecimento da infração e de sua apuração (sobretudo se também regido pelo
mesmo Estatuto). Investir no sentido contrário afrontaria toda a base principiológica de que o
processo administrativo disciplinar move-se na busca da elucidação do fato. Não se
229
coadunaria com os citados princípios imaginar que o simples deslocamento e até mesmo a
investidura em novo cargo poderia eliminar o poder-dever de apurar e, posteriormente, se for
o caso, de punir, criando uma espécie ilegítima de impunidade. Ou seja, a manutenção do
vínculo estatutário na Lei nº 8.112, de 11/12/90, não só justifica a apuração como também
mantém possível a aplicação da pena eventualmente cabível.
“Não há, contudo, obstáculo legal a que o acusado, na constância do processo, seja
exonerado, a pedido, de um cargo para ocupar outro da mesma esfera de governo, desde
que continue vinculado ao mesmo regime disciplinar, ainda que se trate de órgão da
Administração indireta.
A possibilidade de exoneração a pedido, nesses casos, escuda-se no fato de que, vindo o
funcionário a ser punido, a reprimenda resultante poderá alcançar-lhe no novo cargo, que
é, sem dúvida, o escopo principal a que visa o art. 172 da Lei n° 8.112/90.” José Armando
da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 212 e 213,
Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Ora, da leitura deste Parecer AGU acima, extrai-se que o órgão máximo de
assessoramento jurídico do Poder Executivo entende que nem mesmo a desvinculação do
infrator com o serviço público federal obsta o poder-dever de apuração de supostas
230
O assunto emerge por ser forçoso reconhecer que, a despeito da determinação legal
para que se proceda à imediata apuração da suposta ilicitude (no art. 143 da Lei nº 8.112, de
11/12/90), em geral, resta inevitável algum lapso de tempo entre o recebimento da
representação ou denúncia até a efetiva manifestação do juízo de admissibilidade, de instaurar
o processo administrativo disciplinar ou de arquivar o feito.
para instaurar o rito disciplinar, como regra geral, vinculam-se à jurisdição da unidade de
lotação (ou de exercício, se diferente) do suposto infrator à época de tal decisão e não ao local
da ocorrência dos fatos. O pormenorizado e exaustivo disciplinamento de tais hipóteses se
encontra nos §§ 2º e 3º do art. 3º Portaria Coger nº 14, de 30/01/14.
Cabe ratificar a necessidade deste repasse dos autos para o Escor da nova jurisdição de
lotação (ou de exercício, se diferente) do servidor em outra Região Fiscal, ao final de todas as
análises e pesquisas em fase de admissibilidade ou mesmo quando estas já tenham sido
concluídas no Escor da jurisdição de origem, com proposta positiva de instauração do
232
processo administrativo disciplinar, ainda para ser apreciada ou até mesmo já acatada pelo
respectivo Chefe do Escor, porém sem ter sido efetivamente instaurado o rito disciplinar.
Mesmo neste caso, a fase de admissibilidade deve ser transladada para o Escor da nova
jurisdição do servidor, a fim de que o respectivo Chefe, se entender pertinente, promova
novas análises ou ratifique as anteriores e emita a decisão para a qual passou a ser competente,
de arquivar ou de instaurar o rito disciplinar. Destaque-se que tal recomendação em nada
prejudica o interesse do servidor, visto que, diante de uma proposta ou até mesmo de um
acatamento por parte do Chefe do Escor de origem a favor da instauração, a re-análise no
Escor de destino somente possibilitará duas hipóteses: ou de alterar para melhor o
encaminhamento, procedendo ao arquivamento, ou de manter o encaminhamento que já
existia, de instaurar a instância disciplinar, restando impossível decorrer qualquer decisão que
agrave contra o servidor em comparação ao cenário anterior.
A rigor, também se deve mencionar a hipótese de, já após o servidor estar lotado (ou
em exercício) em unidade de outra Região Fiscal, terem sido encerradas no Escor da
jurisdição de origem todas as investigações em fase de admissibilidade, com proposta de
arquivamento mas esta ainda não ter sido apreciada pelo respectivo Chefe. Neste caso, além
de, em razão de o lapso temporal entre a proposta e a efetiva decisão costumar ser menor, tal
hipótese se demonstrar menos frequente que a de uma proposta de instauração estar
aguardando a viabilidade de ser concretizada, é de se somar que, na prática, convém que o
Chefe do Escor da jurisdição de origem, diante da notícia de alteração de Região Fiscal do
servidor, aprecie prementemente a proposta e, na presunção de normalidade e de qualidade
dos trabalhos, a acate e promova o efetivo arquivamento. O mesmo se aplica para o caso ainda
mais excepcional de a decisão pelo arquivamento já ter sido manifestada pelo Chefe do Escor
da jurisdição de origem mas os autos ainda se encontrarem nesta unidade correcional, sem o
efetivo encaminhamento para o Arquivo. Por fim, obviamente, na hipótese de fase de
admissibilidade já definitivamente encerrada no Escor da jurisdição de origem e arquivados os
autos, não cabe, acerca dos mesmos fatos constantes da representação ou da denúncia já
apreciada - salvo a hipótese de surgimento posterior de novos fatos ou de novas provas -
nenhuma iniciativa por parte do Escor da jurisdição de destino com vista a reanalisar o caso e
muito menos a reformar aquela decisão.
37 da citada Lei), mas em outro órgão público federal, não se encontra expressa previsão de
processamento no ordenamento interno - como de outra forma não poderia mesmo ser - e a
solução repousa no retorno à regra geral principiológica encartada na mencionada Lei, qual
seja, de que a apuração deve ser promovida pelo órgão de ocorrência do fato.
Sendo assim, uma vez que a regra geral no ordenamento interno dissocia a
competência correcional do local de ocorrência da suposta ilicitude e busca contemplar a
proximidade entre o acusado e o processo e a comissão, analogamente ao que se aduziu acerca
da competência para o caso de servidor do quadro da Secretaria da Receita Federal do Brasil
que logra obter nova unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) em decorrência de
remoção interna ou de investidura em novo cargo ainda no âmbito do órgão, também para o
então ocupante de outro cargo regido pela Lei nº 8.112, de 11/12/90 (ou ainda do mesmo
cargo), em outro órgão público federal, eventuais mudanças na localidade em que passa a
exercer as novas atribuições legais igualmente permitem inferir que se altere a jurisdição, em
atenção ao instituto do domicílio necessário do servidor, conforme o art. 76 do CC.
Se um servidor comete uma suposta irregularidade ao tempo em que era lotado (ou
tinha exercício, se diferente) em uma unidade de determinada Região Fiscal da Secretaria da
Receita Federal do Brasil e vem a ser objeto de representação ou denúncia, antes ou depois de
sua investidura no cargo do outro órgão em localidade situada na mesma jurisdição, a
competência correcional permanece inalteradamente com o mesmo Chefe do respectivo
Escor. Todavia, caso a investidura no cargo do outro órgão (ou caso a redistribuição de seu
cargo para outro órgão) tenha levado o agente a exercer suas atribuições legais em localidade
situada em diferente Região Fiscal, a coerência sistemática do ordenamento interno aponta
para que a apreciação daquela notícia de suposta irregularidade, caso ainda não tenha sido
feita até a nova investidura (ou até a redistribuição), seja formulada diretamente para o Chefe
do Escor da jurisdição deste novo local de exercício do cargo, ou, caso tenha sido apresentada
ao Chefe do Escor da jurisdição de origem antes da nova investidura (ou antes da
redistribuição), para que seja transladada, no estado em que se encontrarem as investigações
eventualmente já em curso, para aquela mesma autoridade da jurisdição de destino. No
mesmo rumo, se a mudança de localidade e de jurisdição de exercício do novo cargo (ou do
mesmo cargo) no outro órgão, situada em diferente Região Fiscal, se dá já após encerradas as
investigações mas antes da decisão do juízo de admissibilidade ou antes da efetiva instauração
do processo disciplinar, as competências de natureza correcional para arquivar o feito ou para
235
instaurar o rito disciplinar devem ser migradas para o Chefe do Escor da jurisdição de destino.
Ainda em linha de analogia, caso o servidor seja investido em cargo de outro órgão
público federal (ou tenha seu cargo redistribuído para outro órgão público federal) já após a
instauração de processo administrativo disciplinar em decorrência de ilicitude cometida no
exercício de cargo no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil e venha a ter
exercício, neste novo cargo (ou no mesmo cargo), em localidade situada em diferente Região
Fiscal, deve o Chefe do Escor da jurisdição de origem consultar o Corregedor acerca da
plausibilidade ou não de a apuração em curso ser transladada para o Escor da jurisdição de
destino.
Parecer MP/CGU/AGU nº 01/2010: “9. A quem compete julgar o PAD - É certo que, nos
casos de demissão do servidor, que constitui a proposta constante do relatório, a
competência é sempre do Presidente da República (art. 141, I). Contudo, o Senhor
Presidente da República a delegou aos seus Ministros (Decreto n. 3.035, de 27.04.1999),
para, ‘no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e
fundacional que lhes são subordinados ou vinculados’ (art. 1º), ‘julgar processos
administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação
de aposentadoria ou disponibilidade de servidores’ (art. 1º, I).
10. Então, se o processo devesse ser a ele remetido, nenhuma dificuldade quanto à
competência surgiria. A dificuldade nasceu da delegação cometida a seus Ministros, para
que agissem ‘no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e
fundacional que lhes são subordinados ou vinculados’. Em sendo assim, parece-me que, se
o servidor tivesse permanecido na CVM [Comissão de Valores Mobiliários], não haveria
dúvida de que o Ministro competente, em razão da delegação, seria o Ministro da Fazenda.
Tendo, porém, o servidor assumido cargo na Agência Nacional do Petróleo, não pode o
Ministro da Fazenda julgar o processo, sob pena de transpor os lindes da delegação que
lhe foi outorgada e que está limitada aos órgãos que lhe são subordinados.
11. Em assim sendo, o Ministro competente para agir em nome do Presidente é o Senhor
Ministro de Minas e Energia, já que o servidor que responde ao processo não tem mais
nenhuma vinculação com o cargo que anteriormente ocupava, e que, hoje, é servidor
efetivo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, autarquia
vinculada ao Ministério das Minas e Energia.”
236
Nota Técnica Coger nº 2005/13: “5. Por outro lado, a interpretação conjunta dos arts. 143
e 148 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, à luz dos princípios da legalidade, da
finalidade e da indisponibilidade do interesse público, indica que deve o ex-servidor
responder administrativamente por fato também cometido quando no exercício do cargo ou
a ele associado, porém diverso do fato que ensejou a pena expulsiva.”
Assim, é certo que, por um lado, o fato de o autor de ato irregular enquadrável na Lei
n° 8.112, de 11/12/90, ao tempo de ser processado, já não mais integrar os quadros da
Administração, não tem o condão de afastar o poder-dever de apurar. Mas, por outro lado, tal
leitura por demasiado literal da normatização há de requerer certa flexibilização, pois, como
desde sempre é sabido, a instauração da instância administrativa disciplinar é de ser entendida
sob postura razoável e residual, de bom senso, economicidade e eficiência, com o quê resta
defensável que tais específicas persecuções disciplinares somente se justificam à vista de
notícia de fato grave.
238
Superada esta análise pragmática de relevância, uma vez que, para todas as espécies de
rompimento do vínculo estatutário (aposentadoria, disponibilidade, exoneração ou apenação
capital), é cabível a aplicação do processo administrativo disciplinar no âmbito do sistema
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil e como a regra geral do ordenamento
interno a dissocia do local de ocorrência da suposta ilicitude, para se esclarecer sobre que
autoridade recai a competência correcional em tais casos, deve-se buscar solução que se
harmonize com a inteligência de que o ordenamento vigente busca propiciar proximidade
entre o servidor e as instâncias investigativa e disciplinar.
Neste rumo, para todos os casos acima, de excepcional persecução disciplinar mesmo
após a quebra de vínculo da relação estatutária, não fazendo sentido em se perquirir qual a
unidade de lotação (ou de exercício) e, consequentemente, qual o domicílio necessário do ex-
servidor ao tempo da emissão do juízo de admissibilidade, da instauração e ao final do
processo administrativo disciplinar, a interpretação que se mostra mais razoável é presumir
que, em geral, o ex-servidor permanecerá na mesma localidade em que se operou a vacância
do cargo (gênero com espécies enumeradas no art. 33 da Lei nº 8.112, de 11/12/90) e, neste
rumo, se eleger que a competência para decidir pelo arquivamento do feito ou para instaurar o
rito apuratório e, no que couber, para proceder ao julgamento cabe ao respectivo Chefe de
Escor da jurisdição da última unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) do agente.
Ainda em linha de analogia, caso o ex-servidor altere seu domicílio para localidade
situada em diferente Região Fiscal já no curso do inquérito administrativo, as competências de
natureza correcional devem ser mantidas na jurisdição onde o processo administrativo
disciplinar foi instaurado, sequer se cogitando de o Chefe de Escor que instaurou o rito
disciplinar provocar o Corregedor acerca da pertinência de a apuração migrar para o Escor da
jurisdição da localidade de destino. Tampouco se cogita de se migrarem as competências
associadas a julgamento - a menos, por óbvio, de julgamento que extrapole a competência
daquela autoridade, conforme se aduzirá em 4.10.3.
No caso de ex-servidor que teve seu vínculo efetivo rompido com a Administração
mediante o instituto da exoneração (seja a pedido, seja de ofício) antes de figurar no polo
passivo disciplinar ou, de forma ainda mais residual, no transcurso do PAD, é de se reiterar,
nos termos afirmados acima, que não se afasta o poder-dever da Administração instaurar o
rito ou dar-lhe o prosseguimento até o fim, sobretudo em caso de conduta grave, por reflexo
da leitura conjunta dos arts. 143 e 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, com os já mencionados
princípios da legalidade, da indisponibilidade do interesse público, da oficialidade e da
verdade material, culminando, se for o caso, na publicação da portaria punitiva, no registro do
fato porventura apurado nos assentamentos funcionais e na incidência de eventuais efeitos
acessórios da condenação.
Ressalve-se que não se cogita de execução da pena porventura julgada cabível (a qual,
à vista do viés pragmático com que tais instaurações e processamentos atípicos devem ser
compreendidos, praticamente restringe-se à pena expulsiva) porque, quando um ex-servidor
detentor de cargo efetivo se exonera a pedido ou é exonerado de ofício antes do PAD ser
instaurado ou, mais excepcionalmente, julgado - diferentemente de quando a hipótese recai
sobre um servidor apenas comissionado e não detentor de cargo efetivo, para o qual o
parágrafo único do art. 135, combinado com o art. 35, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
prevê que a exoneração seja convertida em pena de destituição de cargo em comissão -, não
há previsão legal para similar conversão, nem mesmo na hipótese de conduta grave
merecedora de sanção capital (a única ressalva é da previsão legal de conversão, em demissão,
da exoneração de ofício, de servidor efetivo, em razão da não satisfação das condições do
estágio probatório quando o agente também responde disciplinarmente, conforme o parágrafo
único do art. 172, combinado com o inciso I do parágrafo do art. 134, ambos da Lei nº 8.112,
de 11/12/90). Fora esta hipótese residual, por inequívoca atenção à garantia constitucional de
que não há pena sem previsão legal, não há que se cogitar de qualquer tentativa de estender
aquele comando do parágrafo único do art. 135 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, para o servidor
efetivo estável previamente exonerado. A priori, o remédio jurídico imediatamente encontrado
no ordenamento é aquele prescrito no caput do art. 172 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que veda
a exoneração a pedido no curso do PAD.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 34. A exoneração de cargo efetivo dar-se-á a pedido do
servidor, ou de ofício.
Parágrafo único. A exoneração de ofício dar-se-á:
I - quando não satisfeitas as condições do estágio probatório;
II - quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido.
Art. 35. A exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança dar-se-á:
(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
I - a juízo da autoridade competente;
II - a pedido do próprio servidor.
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo
será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão.
Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração efetuada
nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.
Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a
pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da
penalidade, acaso aplicada.
Parágrafo único. Ocorrida a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso I, do art.
34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.
desnecessidade prática de se instaurar PAD, com todos os ônus a ele inerentes, para apurar
ilícitos de pequeno grau de afronta em tese cometidos por qualquer espécie aqui enumerada de
ex-servidor. E, no caso de a nova ilicitude em comento também ser grave a ponto de
possivelmente ensejar a aplicação de segunda pena expulsiva, é de se aprofundar a
ponderação, avaliando se há notícias de tentativas de parte do apenado em reverter, judicial ou
administrativamente, a pena expulsiva ou se se prevê que a segunda apuração redundará em
outras repercussões (reparação civil ao erário ou criminal).
Embora a grande maioria dos casos concretos que se apresentam para a apreciação
correcional possam ser de imediato considerados ou não enquadráveis nas infrações definidas
naquele Estatuto, a leitura imprecisa do mandamento encartado no art. 148 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, associada ao inevitável emprego, nos enquadramentos da mesma Lei, de expressões
abrangentes, desde normas em branco até enquadramentos verdeiramente abertos, conforme já
se aduziu em 3.1 e em 3.2.1, trazem relevante e indesejada consequência jurídica. Em razão
destes dois elementos dificultadores, pode ocorrer de o aplicador do Direito Administrativo
Disciplinar se deparar com situações bastante específicas e residuais que restam, assim se
pode dizer, na chamada “zona cinzenta da norma”.
“Nesse passo, a legalidade das infrações e das sanções é composta, no mais das vezes, por
conceitos ou termos jurídicos altamente indeterminados, cláusulas gerais, princípios e
descrição de valores superiores que outorgam amplos espaços à autoridade julgadora, seja
ela administrativa ou judicial. (...)
Não há dúvidas de que conceitos ou termos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais e
elementos normativos semanticamente vagos ou ambíguos podem ser utilizados na
tipificação de condutas proibidas, seja no Direito Penal, seja no Direito Administrativo
Sancionador, neste com maior frequência. Trata-se, inclusive, de um problema de
linguagem, de inevitável abertura da linguagem normativa, com todas suas
potencialidades. (...)
A vagueza semântica, traço comum a inúmeras normas jurídicas, e especialmente
pertinente às cláusulas gerais, traduz a existência de ‘zonas de penumbra’, indicando um
preciso fenômeno semântico e pragmático, qual seja, a imprecisão do significado. Um
termo ou enunciado é vago quando o seu uso apresenta, além de hipóteses centrais e não
controversas, alguns casos-limite. A ordem jurídica, em certa medida, necessita da vagueza
semântica, pois esta é que possibilita o ‘amoldamento da fattispecie normativa às situações
novas, sequer possíveis de serem previstas, quando posto o texto pelo legislador’.” Fábio
Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pgs. 260, 269 e 271, Editora
Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
“(...) a má conduta na vida privada, para caracterizar-se como ilícito administrativo, tem
que ter, direta ou indiretamente, algum reflexo sobre a vida funcional, sob pena de tudo,
indiscriminadamente, poder ser considerado ‘procedimento irregular’ (...).” Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, “Direito Administrativo”, pg. 596, Editora Atlas, 19ª edição, 2006
“Não obstante, o bom conceito que deve gozar a coisa pública perante a coletividade dos
administrados é tão importante e essencial que se requer do funcionário não apenas uma
conduta normal dentro da repartição em que serve. Exige-se, também, procedimento
privado regular, pois que este, uma vez não sendo recomendável, poderá pôr em descrédito
a moralidade e a seriedade do serviço que é realizado pelo órgão em que é lotado esse
elemento inescrupuloso e ímprobo.
Em sentido material, pode-se definir transgressão disciplinar como proceder anômalo,
interno ou externo, do agente público que, além de pôr em descrédito a administração,
redunda em detrimento da regularidade do serviço público.
Escudando-se nestas noções, podem-se, desde logo, dividir as transgressões disciplinares
em internas e externas. As internas infringem deveres profissionais; enquanto que as
externas referem-se a comportamentos da vida particular do funcionário. São cometidas
fora do exercício da função.
Ressalte-se que os conceitos ‘interna’ e ‘externa’ não pretendem rigorosamente expressar
que seja a conduta exercida dentro ou fora da repartição, respectivamente. E, sim,
traduzem que as primeiras (internas) são realizadas, dentro ou fora, em razão do exercício
da função pública. Já as segundas, são exteriorizadas em atividade meramente particular,
sem nada a ver com a atividade funcional. A não ser porque repercutem negativamente em
seu detrimento.” José Armando da Costa, “Direito Administrativo Disciplinar”, pgs. 201 e
202, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2004
Esta doutrina mais aprofundada inicialmente apresenta que os atos da vida privada até
podem merecer reprimenda disciplinar, mas excetua que tal hipótese somente se justifica
quando expressamente prevista na respectiva lei estatutária. E de outra forma não poderia ser,
visto que, como já afirmado anteriormente, a despeito de o Direito Administrativo Disciplinar
não contar com a rígida tipicidade penal, em nada se confunde com a absoluta ausência de
regramento. Os princípios da legalidade e da segurança da relação jurídica impõem que,
mesmo sem a rígida definição de tipos que se encontra na lei penal, deve a lei estatutária
conter os enquadramentos que definem ilicitudes disciplinares.
Percebe-se que a abordagem doutrinária acima se fez de forma genérica, sem adentrar
especificamente na literalidade da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Como se sabe, o diploma legal
de exclusivo interesse aqui é esta Lei, que define o regime disciplinar do servidor em instância
civil federal e é à sua luz que deve ser aplicado o ensinamento acima. Assim, se por um lado,
a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não possui em sua lista exaustiva de enquadramentos nenhuma
definição que expressa e literalmente cogite de punição disciplinar para ato de vida privada,
resta então a definição objetiva abrangente de seu art. 148 como único dispositivo ao mesmo
tempo possibilitador e delimitador legal para o tema.
Pertinente esclarecer o que aqui se quer dizer com a expessão “relação direta ou
indireta com as atribuições legais do cargo”. De imediato, as atribuições legais do cargo a que
aqui se refere são as atribuições genéricas legalmente atribuídas àquele cargo, como o
conjunto de todo o múnus que o agente pode exercer em sua função pública, não se
vinculando as condições e peculiaridades momentâneas de lotação, exercício, localização e o
tipo de tarefas que realiza. Nesta linha, no caso de cargos integrantes da Carreira de Auditoria
da Receita Federal do Brasil, a possível relação com as atribuições legais são aferidas em face,
cumulativamente, de todas as atividades que podem ser desempenhadas nos mais diversos
macroprocessos de trabalho, sendo indiferente se, ao tempo da conduta, o agente está lotado,
em exercício ou localizado em área aduaneira, de tributos internos, de arrecadação, de tarefas-
meio corporativas ou administrativas, etc, pois a relação de que aqui se cogita é com o
conjunto de atribuições legais do cargo. Ademais, o que se quer dizer com relação “direta” ou
relação “indireta” em nada se confunde com estender em demasia o excepcional comando da
parte final do art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a ponto de atingir condutas sem nenhuma
correlação com o múnus público do agente. O que se considera é ato que guarde relação com
o cargo, residindo a diferenciação apenas para o efeito didático de melhor compreender a
literalidade do mencionado dispositivo legal. Quando o servidor comete um ato funcional no
pleno exercício do cargo (em regra, no horário e no local de trabalho), aqui diz-se que comete
uma conduta com direta relação com as atribuições legais do cargo, estando alcançado pela
primeira parte do dispositivo legal (“infração praticada no exercício de suas atribuições”). E
quando o servidor comete um ato fora do pleno exercício do cargo (em geral fora do horário e
do local de trabalho), mas com ele associado, aqui diz-se que comete uma conduta com
indireta relação com as atribuições legais do cargo, estando alcançado pela parte final do
dispositivo legal (“ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre
investido”).
atos de tais naturezas e que em nada se relacionem com a função pública, não obstante
poderem ser criticáveis sob outras óticas éticas, sociais ou jurídicas. Como regra, o desvio no
comportamento exclusivamente pessoal, sem qualquer correlação com o cargo, pode importar
crítica à luz de códigos de ética ou de conduta, que não se confundem com normas
disciplinares, ou podem acarretar repercussão civil ou até penal, mas não provocam
responsabilização administrativa, apurável por meio de processo administrativo disciplinar. É
certo que o excepcional alcance do regime disciplinar sobre atos de vida privada, por ampliar
o controle estatal além dos deveres e obrigações funcionais, deve ser compreendido de forma
restritiva.
Assim, além da óbvia previsão em lei (que, no foco de interesse, se admite na parte
final do art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), como primeiro condicionante fático a se
analisar antes de se cogitar de repercussão disciplinar para ato cometido em vida privada do
servidor, é necessário que tal conduta mantenha algum grau de vinculação com as atribuições
legais do cargo. Sendo aquele ato cometido pelo servidor em condições totalmente
dissociadas, alheias e à margem do cargo que ocupa ou de suas atribuições legais ou ainda
podendo aquele mesmo ato ser igualmente cometido por um particular qualquer,
independentemente da condição especial de ser servidor, não há que se cogitar de repercussão
disciplinar.
“O que deve ser cotejado, portanto, é a relação direta de prejuízo entre a conduta privada,
se manifestamente incompatível com os valores esperados dos titulares de cargos na
Administração Pública, e sua imediata vinculação com as atribuições funcionais do
servidor. (...)
Isto é, a excepcional responsabilização do agente público transgressor, em razão de ato
praticado fora do exercício da função administrativa, depende de o ilícito guardar
pertinência com as específicas atribuições funcionais do cargo ocupado pelo servidor
faltoso, do que segue o raciocínio, a contrario sensu, de que não caberá punição
disciplinar, em princípio, por conduta inteiramente alheia às competências do posto
titularizado pelo transgressor e que não implique atentado contra a Administração
Pública, ou ao menos que não evidencia que o agente esteja moralmente impossibilitado de
prosseguir no desempenho de seus específicos misteres administrativos. (...)
Muita ponderação e cautela devem presidir a apreciação concernente à repercussão
administrativa da conduta da vida privada do servidor público. Só em casos
inquestionáveis de prejuízo para a atividade funcional ou o prestígio direto do funcionário
em face das atribuições específicas de seu cargo, prejudicadas pela ação consumada no
âmbito particular, é que se pode discutir eventual apenação disciplinar.” Antonio Carlos
Alencar Carvalho, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pgs.
132, 133, 136 e 137, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
“O problema da falta de probidade administrativa tem que ser visto no universo da ética
pública, no contexto de normas jurídicas especificamente protetoras das funções públicas,
dos valores imanentes às Administrações Públicas e aos serviços públicos. (...)
Caberá ao direito disciplinar tutelar condutas incompatíveis com as funções. A
improbidade administrativa não se configura, pois, pelo chamado comportamento
incompatível com a função pública, se tal conduta estiver dissociada totalmente das
atribuições do agente público, visto que não tratamos de uma honra privada e de seus
reflexos nos setor público, mas sim da honra diretamente vinculada às funções públicas.”
Fábio Medina Osório, “Teoria da Improbidade Administrativa”, pgs. 285 e 87, Editora
248
E, neste rumo, o exemplo mais pungente e cabível (mas não o único) para a Carreira
de Auditoria da Receita Federal do Brasil de ato de vida privada com repercussão disciplinar é
a chamada consultoria ou assessoramento jurídico-tributário, em que o servidor, valendo-se de
informais e presumíveis credenciamento e qualificação perante terceiros decorrentes do cargo
que ocupa e dos conhecimentos técnicos a que tem acesso em razão de seu múnus,
arregimenta para si serviços particulares, ainda que cometidos fora da repartição e do horário
de expediente ou até mesmo em gozo de férias, licenças ou outros afastamentos legais,
incorrendo em inequívoco ato de conflito de interesses (conforme leitura conjunta de
4.7.3.18.7 e 4.7.4.4.5).
Até pode se cogitar de que, no caso do agente público, existe uma relação especial de
subordinação, de forma que, para o servidor, mesmo em atos de vida privada, há
comportamentos que guardam relação direta com as atribuições legais do cargo de forma
geral. Assim, em casos concretos em que o servidor da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, mesmo na condição de contribuinte, incorre em ilícitos tributários (como, por exemplo,
sonegação fiscal e irregularidades na internalização de mercadoria importadas) e até em
ilícitos penais (destacadamente, crimes contra a Administração Pública ou contra a ordem
tributária), por meio de condutas que se associam não só à matéria tutelada no múnus de sua
função pública mas também ao detalhado conhecimento que o agente detém da sistemática,
das praxes, dos procedimentos, da estrutura, da logística e da forma de a unidade e dos demais
servidores atuarem, é juridicamente possível que se construa - desde que ao amparo das
provas dos autos - uma inferência de relação entre a conduta cometida em vida privada e o
cargo que ocupa. Mas, por outro lado, é de se ponderar que os processos disciplinares
decorrentes destes ilícitos penais e/ou tributários sofrem sobrestamento até a decisão
definitiva das respectivas instâncias processuais, tendo o seu prosseguimento vinculado ao
resultado das ações penal e fiscal.
liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos
estatais, de medidas restritivas das prerrogativas, individuais ou coletivas, desde que
respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.”
Idem: STF, Mandado de Segurança nº 24.369; e Justiça Federal de 1ª Instância, Ação
Cautelar nº 2001.5101003489-6
“É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser
entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da
convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de
modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias.” Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo
Penal”, pg. 145, Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, 2006
“Se um analista de finanças e controle, por exemplo, é renhido defensor dos interesses do
erário e da Administração Pública, sempre no eficiente desempenho funcional de controle
interno de legalidade sobre os atos de despesa executados pelas autoridades
administrativas fiscalizadas, portando-se de forma exemplar na atuação como funcionário
estatal, não se pode falar de responsabilidade administrativa e invadir a seara da
intimidade e da vida privada do agente, ainda que seja mau marido, adúltero, péssimo pai,
que não concede amor e carinho aos seus filhos; ou seja motorista imprudente; tenha,
dentro de seu domicílio ou em locais reservados, práticas sexuais escandalosas, não
ortodoxas ou bizarras, denunciadas à Administração por ex-esposas ou ex-namoradas; não
seja comedido no falar, ou se revele imoderado nos gestos, no âmbito dos dias de lazer e
250
em caráter particular, com a família e conhecidos; se for mau síndico; se não indeniza os
danos causados a veículos de terceiros, apesar de reconhecer sua culpa; se é briguento ou
vizinho incômodo; se coleciona revistas ou materiais impróprios para a moralidade
convencional. (...)
Mas para os desvios de conduta consumados nas hipóteses aventadas supra, em que os
desregramentos ou atos não recomendáveis se restringem à esfera da vida privada, ou
mesmo da indevassável intimidade, garantidas pela Constituição, sem que exista
repercussão negativa sobre o desempenho funcional, ou sobre a honra e credibilidade que
deve atrair da sociedade aquele que se apresenta como integrante da Administração
Pública, não há como se divisar a possibilidade de responsabilidade administrativa.
A vida íntima do servidor, seus momentos de privacidade ou de contato social, ainda que
não lhe confiram o título de cidadão-modelo, não podem ser devassados para fins de
punição disciplinar, desde que inexista repercussão sobre a função pública.
As sanções cabíveis para os supracitados atos censuráveis serão de ordem cível, moral,
multas de trânsito, multas de condomínio, perda sentimental com o distanciamento do
convívio com os filhos de que não cuidou, ruptura matrimonial por relacionamentos
extraconjugais contínuos, dentre outras consequências sociais adversas, como repulsa da
vizinhança, ser objeto de comentários jocosos por parte dos conhecidos, etc. Mas não
haverá ensejo a que se fale de demissão por condutas inteiramente alheias à função
pública, as quais também não projetam efeitos diretos negativos sobre o exercício
funcional ou a qualidade de funcionário. (...)
É a ofensa à moralidade profissional, a indignidade estritamente associada às atribuições
funcionais, que deve ser considerada para ensejar juízo reprobatório implicante de
responsabilidade administrativa, não a violação de comportamento referente à qualidade
de pai, tutor, marido, condômino, no que tange à vida íntima, privada, às relações sociais
reservadas do funcionário. (...)
Se um auditor fazendário (depois de ser lesado por um comerciante de automóveis, que lhe
vendou veículo com vícios de qualidade ou com engano ou vultosa desvantagem financeira)
é acusado de emitir um cheque sem suficiente provisão de fundos, acusado de crime de
estelionato, o que seria objeto de discussão entre as partes em face do confronto
patrimonial entabulado, há nessa rixa, de caráter estritamente privado, atentado contra a
qualidade funcional, quebra da confiança do Estado na pessoa do agente público? Na
verdade, o que sucedeu foi um conflito de natureza particular, alheio à função pública.”
Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e
Sindicância”, pgs. 131, 132, 139 e 133, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
Assim, à vista das duas condicionantes acima elencadas, é de ser compreendido que a
extensão do regime disciplinar à esfera da vida particular não como regra mas sim como
exceção. A responsabilização disciplinar por ato cometido fora do exercício do cargo é legal,
porém residual e excepcional.
3.2.3.1.4 - O Enfoque Delimitado com que Deve Ser Entendida a Exigida Moralidade
Administrativa
privada alcançáveis pelo regime disciplinar, sem dúvida, o que se demonstra mais factível é
aquele que encarta a crítica a uma conduta tida como imoral por parte do servidor, a que a
doutrina especializada chama de “infrações morais”, ao mesmo tempo em que adverte quanto
à cautela que se deve ter sobre o tema.
“Desde logo, cabe aduzir que existem limites materiais de tipificação dos comportamentos,
construindo-se os tipos na base dos valores e princípios constitucionais, das liberdades
públicas e dos direitos fundamentais da pessoa humana. É na exemplificação dos processos
tipificatórios que pretendo abordar o problema das chamadas ‘infrações morais’, ca-
tegorias tão presentes em ordenamentos jurídico-administrativos, estatutos disciplinares e
legislação extravagante. É um tema atual, portanto. Mais ainda, é um tema relevante,
porque envolve a produção de um raciocínio jurídico lastreado na defesa de direitos
fundamentais, que não podem ser afetados indevidamente pela pretensão punitiva do
Estado, ainda que esta venha veiculada em esferas de relações de especial sujeição entre o
Poder Público e o infrator. (...)
No Direito Penal é antiga a discussão a respeito da criminalização das chamadas
‘infrações morais’, e esses crimes têm merecido repúdio das legislações e doutrinas mais
modernas. (...)
Se para o Direito Penal essas considerações parecem pertinentes, creio que também ao
Direito Administrativo, em sua medida, se revelam adequadas as mesmas cautelas. O
Direito Administrativo não pode qualificar de ilícita uma conduta tão-somente porque se
revele eventualmente atentatória ao juízo de moralidade comum, porque tal perspectiva
abriria um vasto campo de insegurança jurídica, desmoronando o pilar de legalidade que
sustenta o Estado de Direito. Não creio que isso seja possível. (...)
Nesse contexto, sabe-se que a moralidade protegida pelo Direito insere-se no campo da
Ética pública, diferenciando-se da ‘Ética privada’. (...). O Direito é o campo por
excelência da Ética pública. Por tal motivo, as normas jurídicas não devem adentrar o
campo privado dos comportamentos imorais, eis um outro pilar da autonomia destas
instâncias de controle. Preceitos morais, no entanto, tratando de condutas privadas de
pessoas, incorporados ao Direito numa perspectiva de Ética pública, não constituem uma
raridade jurídica. Pelo contrário, no setor público são comuns as iniciativas de
normatização de comportamentos imorais situáveis ordinariamente na esfera privada dos
indivíduos.
(...) parece importante insistir na idéia de que a moralidade pública exige pautas bem mais
objetivadas de condutas, não podendo ingressar na esfera mais subjetiva da autonomia
volitiva inerente ao campo da moralidade crítica. Insisto que o problema não reside tanto
na tentativa de apartar, definitivamente, Direito e Moral, até porque ninguém duvida de
que seja saudável a aproximação correta dos dois fenômenos. Ninguém advogaria pela
existência de normas jurídicas ‘imorais’ ou mesmo ‘amorais’, dada a natureza ética do
fenômeno jurídico. O que ocorre é a notória dificuldade na identificação de limites da
moralidade, que não podem ser invadidos pelo Direito, eis o ponto crucial da polêmica
relação entre Direito e Moral. No campo sancionatório, essa separação (dos limites ou
fronteiras) resulta fundamental para a proteção das liberdades individuais e dos direitos
fundamentais da pessoa humana, visto que uma infração pode, em tese, utilizar elementos
tão indeterminados e genéricos que, na prática, eventualmente suscitam dúvidas e
incertezas, cabendo ao intérprete (operadores jurídicos) a tarefa de delimitar claramente o
âmbito de incidência da norma.
(...) A moralidade do ato administrativo resta atrelada a uma moral da instituição, o que a
diferencia da moralidade comum. Parece pouco dizer isso, lugar-comum na doutrina? É
verdade que não se trata de uma advertência nova, até porque remonta ao início do século
XX, com Maurice Hauriou, mas não deixa de ser importante, porque nos remete à idéia
correta de que a tutela jurídica da moral, nas mais variadas dimensões, não equivale a
absorver essa mesma moralidade pelo Direito, menos ainda esgotá-la. O universo jurídico
tem a prerrogativa de selecionar temas ou problemas morais, emprestando seu próprio
enfoque, seu olhar concentrado e especializante. E pode valer-se da terminologia
‘moralidade’ para designar espaços jurídicos funcionalmente abertos ao controle ético,
mais maleáveis e adaptáveis aos casos de transgressões, cujo alcance se ambiciona. A
moralidade institucional, nessa perspectiva, é uma moral fechada, com um conteúdo
bastante específico, podendo revestir-se de juridicidade específica do Direito
Administrativo. É extremamente complicado estabelecer um parâmetro adequado ou
universal ao juízo de moralidade comum, donde incabível confundir, de forma direta,
moral comum e moral administrativa ou pública, em que pese a possibilidade de
convergência em muitos casos. É induvidoso que as instâncias se relacionam, tanto que
252
encontram valores convergentes para efeito de proteção, daí porque muitos ilícitos
jurídicos configuram graves atentados às normas morais vigentes. As relações entre
moralidade aberta, fechada, institucional, administrativa e outras categorias jurídicas não
escapam às zonas de penumbra, mas, nem por isso deixam de adentrar numerosos campos
de inequívoca significação. Essa pode ser considerada a visão padrão de um pensamento
dominante no cenário nacional.
Em realidade, necessário efetuar distinção entre Moral e Direito no mínimo a partir da
interioridade e exterioridade, deixando-se um âmbito próprio à personalidade do
indivíduo, que fica livre da ingerência do Estado. Pelo menos a consciência individual
ficaria completamente fora do poder do Estado, aí residindo uma importância fundamental
de separar Direito e Moral.
Ademais, outorgar ao princípio jurídico da moralidade administrativa ou aos tipos
sancionadores de condutas eticamente reprováveis um sentido tão amplo a ponto de
abarcar todo e qualquer ato imoral dos agentes públicos, com a devida vênia de
entendimento diverso, equivaleria a liquidar com o Estado Democrático de Direito e seu
pilar de legalidade. Se o administrador ou agente público somente pode agir fundado em
lei, a mera inobservância de um preceito moral não poderia acarretar-lhe sanções. Anote-
se, nesse terreno movediço, que o próprio administrado ficaria exposto a ações
administrativas amparadas na moralidade e não na juridicidade, se acaso resultasse
admitida a confusão progressiva entre as instâncias. (...)
Claro que não se quer o divórcio absoluto de Direito e Moral, como se apenas o que não é
moral pudesse ser juridicizado. Seria uma perspectiva absurda de análise. O que se quer, e
nisso se deve insistir, é a garantia de que o foro íntimo do indivíduo não seja punido,
compreendendo-se esse foro íntimo a partir de seus desdobramentos em diversos estilos de
vida.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pgs. 288 a 297,
Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
seja, uma espécie qualificada da conduta incompatível com a moralidade administrativa, nos
termos da Lei nº 8.429, de 02/06/92.
“Não há, em realidade, homens perfeitos que escapem, ao longo da vida, de toda e
qualquer ilegalidade. Não há pessoa que, ao longo da vida, fique absolutamente imune ao
cometimento de toda e qualquer espécie de infração, e aqui não me refiro, por óbvio, a uma
infração necessariamente penal ou a um ato de improbidade administrativa, porque destes
se pode e deve normalmente escapar. Falo de infrações em sentido amplo, infrações morais
e até mesmo jurídicas, como o desrespeito a um semáforo de trânsito ou outras regras de
convívio social. Seria hipocrisia dizer que todas as regras, em todos os momentos, são,
invariavelmente, respeitadas. Não há quem nunca tenha ultrapassado, por mínimo que
seja, o limite legal de velocidade ou atravessado, no caso de pedestre, uma via pública fora
da faixa de segurança. Difícil quem nunca tenha se excedido em alguma atitude ou se
omitido de alguma providência que se lhe era exigível. Raras as pessoas que passam pela
vida sem vestígios mínimos de alguma ilicitude ou infração a regras morais, admitindo-se,
nesse caso, a existência de núcleos de moralidade inquestionáveis.
O que se deve frisar, e isto me parece importante lembrar, até para que se compreendam
essas observações a respeito da possibilidade de homens médios cometerem determinadas
infrações, é que realmente é exigível dos homens que se comportem em conformidade com
o Direito e as leis, mas o Direito deve fornecer respostas proporcionais e adequadas às
atitudes ilícitas dos homens. Não cabe ao Direito Penal sancionar todo e qualquer
comportamento ilícito, como descabe ao Direito Administrativo proceder da mesma forma
em relação a determinados comportamentos, ainda que ilícitos e imorais. (...)
Deve existir, entre o descumprimento do preceito ‘moral’ e a função pública que se busca
preservar, uma dependência necessária. Há hipóteses em que a vida privada de um sujeito
pode, irremediavelmente, comprometer a dignidade de suas funções, mas esse juízo
valorativo não será tão elástico quanto o é um simples juízo de moralidade. Será
necessário avaliar se, em um dado contexto, o comportamento que se busca censurar
realmente abala a noção média que se tem a respeito da dignidade das funções públicas ou
do cargo ocupado pelo agente. Será indispensável avaliar a real gravidade e nocividade do
comportamento privado aos valores defendidos pela Instituição a que pertence o agente
público. Imperiosa será a análise dos reflexos negativos, reais e potenciais, do aludido
comportamento na sociedade e no campo institucional.
Não se cogita, portanto, de uma equiparação dos juízos de moralidade comum e
moralidade administrativa ou pública, e tampouco se sustenta eventual alegação de que as
pessoas detentoras de cargos públicos importantes não poderiam ter suas vidas privadas,
ter suas pequenas distorções humanas.
Nem se diga, nesse passo, que bastaria uma norma jurídica genérica dizendo que ‘é
obrigatório respeitar a moral e os bons costumes’, pois semelhante norma tampouco
aniquilaria com a distinção entre os círculos jurídico e moral. Moralidade jurídica já é,
por definição, conceito que escapa aos contornos da moralidade comum. Assim sendo,
moral administrativa não se confunde com moral comum. Infrações que sancionam
comportamentos imorais, no Direito Administrativo Sancionador, devem ser interpretadas
restritivamente, com vinculação inarredável aos limites dos conceitos indeterminados e das
cláusulas gerais.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pgs. 318
a 320, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Em suma, deve-se ter sempre à vista a perfeita harmonização que informa tanto a
fenomenologia social quanto o ordenamento jurídico. De um extremo, determinados atos
cometidos pelo servidor em sua vida privada, aquém dos controles jurídicos e do Direito,
podem sofrer críticas de natureza social, moral e ética. No extremo oposto, outros atos de foro
particular do servidor, que, no limite do emprego de fontes doutrinárias, jurisprudenciais e
principiológicas, parecem ultrapassar o alcance da persecução disciplinar e do jus puniendi da
Administração, se, em gênero, se revelam antijurídicos, merecerão a devida apreciação e, se
for o caso, a reprimenda por parte do Poder Judiciário, por meio de ações penal ou civil -
resultando em imposição de pena, se o fato configura um crime comum, ou em determinação
254
de reparar danos morais ou patrimoniais que tenham decorrido de atitude com abuso de direito
por parte do autor, sobretudo quando ofendam o círculo de direitos de terceiros.
“Não há ensejo, porém, para elastecer o alcance das punições disciplinares para fatos da
vida privada ou da intimidade, que devem ter seu âmbito próprio de repressão, com
consequências cíveis, comerciais, familiares, sociais, desaprovação moral contra o
servidor, todavia sem repercussão na via administrativa. (...)
Há processos cíveis de indenização de danos morais e materiais, juízos de família, mesmo
processos criminais, afora a censura social, de conteúdo moral, contra a atitude
reprovável da vida privada, todavia não se deve trazer para a via administrativa
comportamento alheio inteiramente às funções oficiais e que não revele direto
comprometimento da dignidade do cargo.” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pg. 139, Editora Fortium, 2008, 1ª
edição
“É certo que determinadas condutas ilícitas, praticadas por agentes públicos em suas vidas
privadas, não têm por que integrar necessariamente o núcleo da falta de probidade
administrativa. A proporcionalidade exige que se analisem as condutas sob perspectivas
distintas, valoradas gradualmente a partir da idéia de que existem múltiplos mecanismos
institucionais de reação contra os atos ilícitos.” Fábio Medina Osório, “Teoria da
Improbidade Administrativa”, pg. 87, Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2007
De outro lado, parte daquelas referências menciona categorias de agentes públicos que,
em função das tutelas públicas que exercem, são disciplinados por estatutos específicos que
exigem, de forma expressa (e diferentemente da Lei nº 8.112, de 11/12/90), rigorosa conduta
em vida privada, com maior emprego das chamadas infrações morais, como é o caso de
agentes policiais federais, civis ou militares, integrantes das Forças Armadas e membros da
magistratura e do Ministério Público.
“Não se pode admitir, portanto, que um policial civil seja conhecido explorador de
prostituição infantil, agiota, estelionatário condenado, integrante de quadrilhas, autor de
extorsão ou tráfico de drogas, ainda que consume essas condutas reprovadas e criminosas
fora do desempenho do cargo, pois, mesmo assim, se evidencia uma incompatibilidade
moral da parte da pessoa física para figurar como um componente da Administração
Pública e das carreiras efetivas do funcionalismo estatal, sobretudo como combatente da
criminalidade, como se supõe ser um policial. (...)
Outra será a consideração [de repercussão disciplinar por ato de vida privada] se existe
prejuízo direto à função, como no caso do policial que recebe ajuda de custo de pessoa
envolvida em crimes, ou que é diretor-presidente de escola de samba comprovadamente
envolvida com o crime organizado ou o jogo do bicho, porquanto a atividade privada
causa dano à condição de idoneidade para o exercício da função policial. (...)
Por exemplo, poderá ser enquadrada como prevalecimento abusivo da condição de policial
civil (inciso XLVIII do art. 43 da Lei federal n. 4.878/1965), falta apenada com demissão, a
eventual conduta cometida por servidor que, em dia de folga, munido da pistola que lhe é
acautelada em razão do cargo público, após ingestão de bebida alcoólica em bar, cometa
crime de homicídio contra particular indefeso e inocente, pois o agente público, na
hipótese, terá se valido do treinamento, que lhe é ministrado em virtude da função policial,
e do porte de arma que a profissão lhe faculta para, em momento de folga, atentar, sem
justa causa, contra a vida da vítima.” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pgs. 127, 132 e 134, Editora Fortium,
2008, 1ª edição
vida privada se o agente é integrante de carreira específica dotada de lei orgânica ou estatuto
próprio que expressamente estabeleça repercussão disciplinar para condutas totalmente
dissociadas do exercício do cargo, ainda que sob emprego de cláusulas em branco ou abertas,
como, por exemplo, atos imorais ou de quebra de decoro ou de ilibada conduta pessoal.
Na segunda hipótese, que se revela como a regra geral e que é a que ora interessa, dos
servidores de cargos e carreiras de nível auxiliar (que requerem grau de escolaridade de
ensino fundamental) ou intermediário (que requerem grau de escolaridade de ensino médio)
ou superior de forma inespecífica (que requerem grau de escolaridade superior em qualquer
área, sem exigir determinada habilitação profissional e registro competente), como é o caso da
Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, regida pela Lei nº 8.112, de 11/12/90, e
acessível a qualquer portador de diploma de ensino superior, a possibilidade de
responsabilização disciplinar por ato cometido na vida privada é de ser vista de forma residual
e excepcional, com base apenas no alcance previsto na parte final do seu art. 148.
Na análise que aqui interessa, além da necessária relação pelo menos indireta do ato de
vida privada com o cargo ou com suas atribuições legais e de este não se inserir no conceito
de garantias fundamentais da pessoa, sempre deve ser vista esta repercussão como algo
residual e excepcional, pois mesmo os doutrinadores que defendem tal aplicação a restringem
para atos graves, fortemente desabonadores da dignidade funcional, de que são exemplo a
improbidade administrativa e casos em geral de forte conflito de interesses público e privado.
pela parte final do art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. É possível que um ato de vida
privada, ainda que não comporte gravidade e reprovabilidade a ponto de ser considerado
como ímprobo (e, portanto, merecedor de pena expulsiva). A possibilidade em tela não passa
pela gravidade da conduta e tampouco pela consequente repercussão reprovadora em mídia e
clamor social.
Orientação Coger nº 30
Para que um ato de vida privada seja alcançado pelo regime disciplinar, é necessário que
guarde relação com as atribuições do cargo e que afronte o patrimônio moral ou a imagem
da instituição ou da administração pública, independentemente do grau de gravidade e de
reprovabilidade definidor do enquadramento adequado às condicionantes do caso concreto
e da consequente apenação.
“Os atos praticados na esfera da vida privada do servidor público em princípio não são
apurados no âmbito da Lei nº 8.112/90 e só possuem reflexos disciplinares quando o
comportamento relaciona-se com as atribuições do cargo.
Percebe-se que há outras sanções no meio social a que está sujeito o indivíduo e não se
pode pretender recorrer ao direito disciplinar pelo simples fato do responsável pelo ato
censurável se tratar de um servidor público. Em resumo, a repercussão disciplinar sobre
atos de vida privada é residual e excepcional, amparada pela parte final do art. 148 da Lei
nº 8.112/90”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pgs. 30 e 31, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/
GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Neste rumo, relevante mencionar que, por força da Lei nº 11.890, de 24/12/08, que
estabeleceu a remuneração exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado
qualquer tipo de acréscimo (nos termos previstos no art. 39, § 8º da CF, em decorrência da
Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98, que estendeu a possibilidade de emprego do
instituto à remuneração dos servidores públicos organizados em carreira), para a Carreira de
Auditoria da Receita Federal do Brasil, os ocupantes de cargos de AFRFB e ATRFB
passaram a se submeter também à vedação específica ao exercício de outra atividade
remunerada, privada ou pública, potencialmente causadora de conflito de interesses,
ressalvado o magistério em horário compatível. Na verdade, na origem deste dispositivo, que
remonta à Medida Provisória nº 440, de 29/08/08, previa-se a introdução de um rígido sistema
de dedicação exclusiva, com vedação a qualquer outra atividade remunerada; no processo de
conversão em lei, o Poder Legislativo flexibilizou o mandamento, vedando apenas as
atividades potencialmente causadoras de conflito, alterando o texto da Medida Provisória,
mas, inadvertidamente, manteve-se a expressão “dedicação exclusiva”, ao final fortemente
flexibilizada, conforme se aduzirá em 4.7.3.18.4 e em 4.7.3.18.5.
259
Lei nº 11.890, de 24/12/08 - Art. 3o Aos titulares dos cargos integrantes das Carreiras de
que trata o art. 1o da Lei no 10.910, de 15 de julho de 2004, aplica-se o regime de
dedicação exclusiva, com o impedimento do exercício de outra atividade remunerada,
pública ou privada, potencialmente causadora de conflito de interesses, ressalvado o
exercício do magistério, havendo compatibilidade de horários.
§ 1o No regime de dedicação exclusiva, permitir-se-á a colaboração esporádica em
assuntos de sua especialidade, devidamente autorizada pelo Secretário da Receita Federal
do Brasil ou pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, conforme o caso, para cada
situação específica, observados os termos do regulamento, e a participação em conselhos
de administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas
subsidiárias e controladas, bem como quaisquer empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha participação no capital social.
Assim, a estanqueidade desta divisão regimental de competências ordena que não cabe
ao sistema correcional interferir em práticas, rotinas e organização de trabalho adotadas nas
demais unidades da Secretaria da Receita Fedeal do Brasil e que se revestem de aspecto
meramente gerencial e que, portanto, incumbem tão-somente ao dirigente da unidade. Não há
que se confundir questões de mera resolução interna - em que se incluem os atos cotidianos de
gestão de pessoas a que se incumbe o administrador - com a atuação excepcional e residual do
sistema correcional (investigações disciplinares e apurações contraditórias através de
sindicância disciplinar ou PAD), a cargo da Coger e dos Escor.
A gestão de pessoas e a gerência administrativa (que aqui podem ser tomadas como
exemplos de atividades preventivas, conforme se mencionou em 2.2.2.2.1), têm maiores
possibilidades de emprego e acerto pela autoridade local, já que esta se encontra mais próxima
do servidor, contemplando as peculiaridades individuais, regionais e dos casos concretos que
porventura lhe sejam postos a analisar. Para aquelas atividades, realmente, ninguém melhor
que o administrador local, por melhor conhecer as características e condutas individuais de
cada um, as especificidades da atividade-fim desempenhada em sua unidade e as condições
em que se dá tal desempenho e também os fatores humanos que sintetizam os regionalismos e
as diferenças sociais e culturais do País. Inegavelmente, em um país de dimensões
continentais, hábitos, costumes e aspectos comportamentais e culturais diferem de região para
região e não se justifica, a priori, que os gestores locais desprezem tal elemento de
informação. Não obstante, a afirmação anterior não tem o condão de negar que, caso a
instituição tenha adotado um determinado padrão codificado ou normatizado de conduta, este
261
Pode-se dizer que, em geral, a atuação correcional repercute de forma muito danosa no
corpo funcional e na instituição quando o gestor não atenta para esta diferenciação e tenta
estender a gravosa responsabilização disciplinar para atos que mereceriam solução apenas
com ferramentas gerenciais ou, no máximo, éticas. No âmbito administrativo, a instância
disciplinar deve ser compreendida como um remédio jurídico excepcional e residual, a ser
aplicado com cautela e com reserva naquelas situações extremadas em que providências e
instrumentos não punitivos internos à gerência da própria unidade não são suficientes para
fazer surtir o efeito ordenador ou reparador desejado. A instância disciplinar é
verdadeiramente o mais amargo remédio jurídico de que dispõe a Administração para manter
e para restabelecer a ordem e o equilíbrio internos porventura afetados por alguma conduta
infracional e, por isto, não deve ter o emprego vulgarizado.
Assim, não soa razoável, proporcional e eficiente lançar mão do pesado ferramental
jurídico do processo disciplinar e da sanção disciplinar para corrigir aspectos meramente
comportamentais da conduta funcional. A fase de admissibilidade deve primeiramente
valorizar a intervenção mínima que se extrai da incomunicabilidade das distintas
competências regimentais do sistema correcional e da gestão de pessoas e da gerência
administrativa. Acrescente-se ser por demais cediço todo o ônus inerente à ação disciplinar,
independentemente de seu resultado final e mesmo quando proporcionalmente manejada; e
este ônus se enfatiza - tanto em aspectos materiais (custo financeiro, prejuízo da produtividade
na matéria-fim, etc), quanto em aspectos imateriais (fragilização da segurança jurídica interna,
prejuízos à honra do corpo funcional, etc) - quando a atuação se dá de forma desarrazoada.
Antes de seu emprego, cabe ao administrador esgotar todas as demais ferramentas gerenciais e
administrativas - e, portanto, menos onerosas - de que dispõe para reequilibrar o status interno
na Administração.
pessoal. Estas suas competências de exercício cotidiano devem merecer resolução interna
gerencial e não serem objeto de representação, não podendo ser confundidas com a residual
competência disciplinar, de aplicação muito específica.
Por outro lado, em outras situações díspares, verifica-se, por vezes, a plausibilidade da
representação e da instauração do rito disciplinar, não só em decorrência do descumprimento
em si de algum critério de bom desempenho do cargo por parte do servidor na instância de
gestão de pessoas, mas também porque, após o esgotamento em vão das ferramentas
gerenciais disponíveis, quando o emprego exaustivo das ferramentas inibidoras da má
conduta, a cargo da gerência local, se demonstrou insuficiente, mais importante do que se ver
aquele critério ser mal atendido, resta colocada em xeque a autoridade da chefia (diante da
afronta ao caro princípio da hierarquia). Em tais hipóteses extremadas, somente resta a este
chefe, na percepção de consecução que aqui se defende, fazer a provocação da instância de
apuração disciplinar.
Com isto, não cabe ao sistema correcional apreciar casos em que, equivocadamente, o
contribuinte contesta atos fiscais contra ele cometidos e clama pela “correição” de tais atos,
uma vez que reclames afetos à matéria fiscal competem, por óbvia questão de preservação das
competências, à repartição fiscal local. O termo “correcional”, diferentemente da forma
abrangente e equivocada como por vezes pode ser empregado pelo leigo contribuinte, deve ser
compreendido restritivamente para a instância disciplinar, não podendo ser confundido com
uma inexistente competência para corrigir, refazer, reformar atos que competem a outras
unidades regimentais da instituição (e nem mesmo para ordenar que se façam providências).
Advirta-se que não há via hierárquica ligando o Escor e a Coger às unidades locais ou
regionais, de forma que a estrutura correcional não se configura competente para interposições
recursais de matéria fiscal. À vista da sabida repartição de competências sempre consagrada
nos consecutivos Regimentos Internos da Secretaria da Receita Federal do Brasil, não
compete a Chefe de Escor e nem mesmo ao Corregedor rever ato de Agente, Inspetor-Chefe,
Delegado e Superintendente, devendo todo este tipo de provocação ser liminarmente
encaminhado à autoridade fiscal competente. A satisfação da máxima constitucional do direito
ao inconformismo e da instauração de instância recursal por parte do contribuinte também
deve se ater ao rito estabelecido pela legislação de regência do processo administrativo fiscal,
em que, em primeiro grau, a unidade competente é a Delegacia da Receita Federal do Brasil
de Julgamento da jurisdição, sendo certo que o regramento regimental interno não permite que
a instância correcional imiscua-se em tais meandros da instância fiscal.
Sem prejuízo das garantias de o contribuinte requerer à autoridade fiscal nos assuntos
afetos àquela instância, no que se refere especificamente à competência regimental do sistema
correcional, ou seja, matéria disciplinar, não é de se dar relevância às suas vagas, genéricas e
imprecisas alegações, que, em regra, traduzem manifestações de inconformismo com a prática
e com a operacionalidade da atuação fiscal.
Pode ocorrer de a autoridade correcional estar diante de fatos e circunstâncias tais que,
a despeito da primeira leitura extraível dos princípios impulsionadores da atividade estatal em
face da natureza supostamente irregular da conduta, a imediata instauração da instância
disciplinar lhe pareça desarrazoada e antieficiente e o resultado desproporcional.
Em tais casos, não deve a autoridade competente, em que pese a vinculação do poder-
dever de apurar, ser cegamente submissa à literalidade da Lei, atendo-se apenas a parâmetros
formais de possível cometimento de irregularidade (materialidade) por suposto servidor
público (autoria) como suficientes para determinar a instauração de processo administrativo
disciplinar, sob pena de atentar, principalmente, contra o interesse público. Cabe ponderar os
elementos levantados acerca das supostas irregularidades à vista da necessidade, vinculação,
pertinência, viabilidade e utilidade de se provocar a instância disciplinar, tendo em vista o
caráter restrito e reservado com que ela deve ser empregada, já que importa severos ônus, em
especial para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, cuja atividade-fim é fiscal-tributária, e
não correcional. Ou seja, a decisão de instaurar processo administrativo disciplinar deve
também apreciar elementos objetivos, tais como o efeito prático de uma possível aplicação de
penalidade, assim como subjetivos, como, por exemplo, os bens tutelados, a atividade
desenvolvida, as peculiaridades pessoais e do corpo funcional, em respeito aos princípios da
eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade. Estes parâmetros, possuindo ou não
expressa previsão legal, devem informar o juízo de admissibilidade, de modo a refletir
corretamente os valores que a instância disciplinar visa a tutelar e a assegurar a satisfação das
finalidades das leis e do interesse público, conferindo não só legalidade, mas também
265
Igualmente deve ser objeto de muita cautela a notícia de extrapolação de prazos por
parte do servidor. Em cenários de carência de pessoal e excesso de tarefas, em contexto de
boa-fé, não necessariamente cabe algum tipo de responsabilização ao servidor em cuja carga
estava, por exemplo, um processo em que o direito da Administração decaiu ou em que a ação
de ordem pública prescreveu.
No mesmo rumo, convém alertar, com muita reserva e cautela, que, pela própria
natureza da matéria jurídica, não raro se configura a situação de dois ou mais servidores
divergirem no entendimento, na aplicação ou na interpretação de normas ou de conceitos. Em
tese, desde que não caracterizada má-fé de qualquer um dos dois lados, não se configura, em
princípio, ilícito disciplinar com a mera discordância, ainda que envolvendo servidores com
vinculação hierárquica. Não se cogita de insubordinação por parte do servidor
hierarquicamente inferior, em relação a seu superior hierárquico, em razão do lícito embate de
idéias. Ademais, é inerente da atividade administrativa, fortemente hierarquizada, o poder de
rever seus próprios atos. E, muitas das vezes, isto se dá em função tão-somente de diferentes
interpretações ou entendimentos, sem que se confunda em afirmar que a postura a ser
reformada decorreu de ato ilícito, passível de responsabilização via instância disciplinar.
disciplinares para punir o servidor como faltoso ao serviço. É de se lembrar que, em face da
inércia legislativa, que não pode limitar o exercício de um direito subjetivo, tem o Poder
Judiciário reconhecido o exercício do direito de greve.
similares.
Decreto nº 7.777, de 24/07/12 - Art. 1o Compete aos Ministros de Estado supervisores dos
órgãos ou entidades em que ocorrer greve, paralisação ou retardamento de atividades e
serviços públicos:
I - promover, mediante convênio, o compartilhamento da execução da atividade ou serviço
com Estados, Distrito Federal ou Municípios; e
II - adotar, mediante ato próprio, procedimentos simplificados necessários à manutenção
ou realização da atividade ou serviço.
§ 1o As atividades de liberação de veículos e cargas no comércio exterior serão executadas
em prazo máximo a ser definido pelo respectivo Ministro de Estado supervisor dos órgãos
ou entidades intervenientes.
§ 2o Compete à chefia de cada unidade a observância do prazo máximo estabelecido no §
1 o.
§ 3o A responsabilidade funcional pelo descumprimento do disposto nos §§ 1o e 2o será
apurada em procedimento disciplinar específico.
Art. 2o O Ministro de Estado competente aprovará o convênio e determinará os
procedimentos necessários que garantam o funcionamento regular das atividades ou
serviços públicos durante a greve, paralisação ou operação de retardamento.
Art. 3o As medidas adotadas nos termos deste Decreto serão encerradas com o término da
greve, paralisação ou operação de retardamento e a regularização das atividades ou
serviços públicos.
As três matérias que se seguem possuem previsões legais específicas para o poder-
dever de apuração, de forma que, em princípio, não necessariamente são realizadas nos
moldes do rito processual da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (o que não se confunde com vedar sua
adoção subsidiária). Desta forma, em um primeiro momento, não estão inseridas na
competência da Coger ou dos Escor, não devendo ser enviadas a estas unidades as respectivas
notícias de irregularidade.
Neste primeiro caso, conforme já permitido desde a norma infralegal que disciplina as
apurações disciplinares no âmbito do Ministério da Fazenda - a saber, o art. 2º da Portaria
Coger-MF nº 42, de 21/11/13, em seu art. 2º -, a apuração de responsabilidade de
despachantes aduaneiros, seus ajudantes e demais intervenientes em comércio exterior fica a
cargo da repartição aduaneira em que se constata a irregularidade. Havendo indício da co-
participação culposa ou dolosa de servidores na infração, a apuração no tocante a estes
268
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14 - Art. 2º O disposto no art. 1º não abrange a apuração
de:
I - responsabilidade dos intervenientes nas operações de comércio exterior, bem assim os
respectivos recursos, nos termos do art. 76 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003;
A Lei nº 10.833, de 29/12/03, em seu art. 76, instituiu um único rito sumário para
apuração de irregularidades cometidas por qualquer interveniente em operação de comércio
exterior (importador, exportador, despachante aduaneiro e ajudante, transportador, agente,
depositário, perito), competindo à autoridade aduaneira aplicar as penas específicas previstas.
Lei nº 10.833, de 29/12/03 - Art. 76. Os intervenientes nas operações de comércio exterior
ficam sujeitos às seguintes sanções:
I - advertência (...)
II - suspensão (...)
III - cancelamento ou cassação do registro, licença, autorização, credenciamento ou
habilitação (...)
§ 8º Compete a aplicação das sanções:
I - ao titular da unidade da Secretaria da Receita Federal responsável pela apuração da
infração, nos casos de advertência ou suspensão; ou
II - à autoridade competente para habilitar ou autorizar a utilização de procedimento
simplificado, de regime aduaneiro, ou o exercício de atividades relacionadas com o
despacho aduaneiro, ou com a movimentação e armazenagem de mercadorias sob controle
aduaneiro, e serviços conexos, nos casos de cancelamento ou cassação.
§ 9º As sanções previstas neste artigo serão aplicadas mediante processo administrativo
próprio, instaurado com a lavratura de auto de infração, acompanhado de termo de
constatação de hipótese referida nos incisos I a III do “caput”.
Firmado este enfoque abrangente, convém então destacar que, nas hipóteses de dano
ou desaparecimento de bens públicos (lato sensu), é comum configurar prejuízo ao erário e/ou
a terceiro, o que remete ao conceito de responsabilidade civil, cuja índole não é punitiva, mas
sim patrimonial e indenizatória, de acordo com 3.2.1 e 4.14.1 (a cuja leitura complementar se
remete), apurada em regra em rito judicial.
Ainda introdutoriamente, vez que aqui se interessa em abordar o prejuízo (ou dano) ao
erário, convém estabelecer a definição de erário, em contraposição a patrimônio público. O
termo “erário”, como sinônimo de cofres públicos, reflete a ideia de dinheiros ou recursos
públicos e abarca todos os valores monetários e mobiliários ou bens e mercadorias em poder
da Administração e destinados à venda ou de qualquer forma conversíveis em moeda. Daí,
erário ou cofres públicos significam, em síntese, delimitadamente, o conjunto de bens e de
interesses de natureza econômico-financeira de cada um dos entes federados, quais sejam, da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, relevando para o presente o que concerne à
União. Diferentemente, de forma mais abrangente, a expressão “patrimônio público” (ou
patrimônio nacional) alcança não só os bens e direitos de valor econômico, mas também
aqueles de natureza artística, histórica, turística ou estética pertencentes a cada ente federado,
conforme se mantém até os presentes dias a definição estabelecida pelo art. 1º, § 1º da Lei nº
4.717, de 29/06/65, que regulamenta a ação popular. Daí, patrimônio público ou nacional
significa, em síntese, todos os bens públicos permanentes ou de consumo, materiais ou
imateriais, ainda que não destinados à venda e não conversíveis em dinheiro.
Como resta óbvio que não há necessária e direta vinculação entre ter o nome no termo
de responsabilidade ou deter o bem no momento do sinistro e atuar ou se omitir a favor da
ocorrência, não se deve confundir, pela simples similaridade das expressões, “termo de
responsabilidade” com “responsabilização administrativa”. Em um caso específico, até pode
coincidir de o responsável pelo ilícito ser aquele que assinou o termo de responsabilidade e/ou
ser aquele que detinha o bem no momento do fato, mas também pode ser que estes agentes
não sejam as mesmas pessoas.
TCU, Tomada de Contas nº 450.131/96-3, Relatório: “No caso em exame, os fatos são
estes: os agentes públicos receberam alguns objetos integrantes do patrimônio da entidade
e deles passaram recibo. Este documento constitui termo de responsabilidade. Os objetos
foram subrepticiamente subtraídos das salas da repartição por terceiro desconhecido. A
autoria do ilícito não foi descoberta pelo procedimento legal específico. Com fundamento
nesses fatos, entende o Ministério Público que os elementos apresentados são insuficientes
para precisar, adequadamente, a responsabilidade da autoridade administrativa.
Voto: Deverão ressarcir o Erário aqueles que, dolosa ou culposamente, derem causa a
prejuízo ao patrimônio público. No caso vertente, conforme bem assinalado pelo
representante do ‘Parquet’, tal hipótese não restou configurada nos autos. O ‘Termo de
Responsabilidade’ somente obrigará o respectivo signatário a responder subsidiariamente
pelo desvio do bem sob sua guarda caso se comprove que sua conduta contribuiu para o
desaparecimento do mesmo.”
“(...) não se permite a extensão da responsabilidade, de modo genérico, quando não for
possível a individualização da responsabilidade.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis,
“Processo Disciplinar”, pg. 184, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
271
Na hipótese mais frequente para o presente tema, quando se tem notícia apenas
genérica de dano ou de desaparecimento de bem público, de mercadoria apreendida e de
extravio de processo administrativo, sem nenhum indício que aponte o possível autor ou
responsável pelo fato, não se justifica, de plano, instaurar a onerosa e residual instância
administrativa disciplinar, com todos os ônus que lhe são inerentes. Repisa-se aqui que o
simples fato de se identificar quem tem o nome consignado em termo de responsabilidade
e/ou quem tinha o bem sob guarda ou uso no momento do sinistro não tem o condão de
autorizar qualquer ilação acerca de algo muito mais grave e residual, que é a possibilidade de
responsabilização administrativa. Somente se cogita de tal responsabilização se houver, no
mínimo, indícios de conduta culposa ou dolosa de servidor.
Avançando para além do enfoque meramente conceitual e iniciando a análise sob a luz
do ordenamento de regência e abordando primeiramente o sentido mais estrito de bens (bens
patrimoniados e bens retidos ou apreendidos, excluindo deste conceito os processos
administrativos), tem-se que a matéria foi disciplinada no âmbito do Poder Executivo Federal
pela Controladoria-Geral da União, por meio da Instrução Normativa CGU nº 4, de 17/02/09.
É de se antecipar que esta norma revogou a já mencionada Instrução Normativa Sedap, de
08/04/88, apenas no que se referia à obrigatoriedade de apuração de responsabilidade
disciplinar decorrente de dano ou desaparecimento de bem de pequeno valor; a antiga norma
não foi revogada nos tópicos em que aborda outros temas, tais como controle contábil e
inventário de bens públicos.
decorreu de seu uso regular, sem culpa ou dolo, ou se decorreu de conduta culposa ou dolosa
de determinado servidor identificado ou quando se tem configurado prejuízo inferior a R$
8.000,00 mas não tem a identificação do servidor possivelmente responsável. Nestes casos,
por força da limitação imposta pelo art. 1º da Instrução Normativa CGU nº 4, de 17/02/09, o
TCA não se revela meio legal para a investigação da existência ou não de ânimo subjetivo e,
se for o caso, de sua especificação (se culpa ou se dolo).
Uma vez que não há amparo normativo para se utilizar o TCA como rito para se apurar
se houve ânimo subjetivo na conduta que acarretou dano ou desaparecimento de bem com
prejuízo superior a R$ 8.000,00 ou de processo administrativo e muito menos quando não se
tem identificado o servidor possivelmente responsável, resta aplicar a estas três hipóteses os
regramentos gerais da responsabilidade disciplinar, previstos na Lei nº 8.112, de 11/12/90,
sem exceção para condutas eivadas de culpa ou de dolo. Ainda assim, sem expressa previsão
legal, também é de se buscar a ponderação entre a proporcionalidade do processo
administrativo disciplinar e o grau de reprovação ao dano ou extravio de processo
administrativo.
Com isto, ratificou-se que os procedimentos que eram previstos nos incisos I e IV do
art. 3º da revogada Portaria RFB nº 3.131, de 15/07/11, e que são integralmente reproduzidos
na Portaria Coger nº 14, de 30/01/14 (operações com intervenientes do comércio exterior e
dano ou desaparecimento de processos administrativos), não sofreram alteração, aplicando-se
a tais casos, respectivamente, o rito definido pelo art. 76 da Lei nº 10.833, de 29/12/03, e a
sindicância investigativa definida nos §§ 3º e 4º do mesmo artigo. Em contrapartida, os
procedimentos relativos aos incisos II e III do mesmo artigo (dano ou desaparecimento de
bens patrimoniados ou apreendidos) receberam expressa positivação de procedimentalização
da forma prevista nesta norma mais recente nas condições de prejuízo limitado a R$ 8.000,00
em conduta no máximo culposa.
275
Portaria RFB Coger nº 14, de 30/01/14 - Art. 2º O disposto no art. 1º não abrange a
apuração de:
I - responsabilidade dos intervenientes nas operações de comércio exterior, bem assim os
respectivos recursos, nos termos do art. 76 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003;
II - dano ou desaparecimento de bem público de que trata a Instrução Normativa Sedap nº
205, de 8 de abril de 1988, da Secretaria de Administração Pública da Presidência da
República;
III - dano ou desaparecimento de mercadorias apreendidas sob guarda da RFB; ou
IV - desaparecimento de processo administrativo, quando não houver indícios de
responsabilidade de servidor.
§ 1º Está compreendido na definição de dano ou desaparecimento, constante nos incisos II,
III e IV, aquele decorrente de caso fortuito ou de força maior, como nos casos de incêndios
e acidentes naturais.
§ 2º As apurações de que tratam os incisos II e III, a cargo do Chefe do setor responsável
pela gerência de bens e materiais na unidade administrativa, se darão nos termos da
Instrução Normativa CGU nº 4, de 17 de fevereiro de 2009.
A competência para tal instauração deste rito meramente investigativo repousa nas
genéricas competências regimentais dos titulares de unidades (Superintendente, Delegado,
Inspetor-Chefe e Agente), em nada se confundindo com a restrita competência da autoridade
276
correcional para instaurar ritos contraditórios. Esta sindicância investigativa, não possuindo
expressa previsão e disciplinamento em lei, pode ser conduzida por somente um sindicante ou
por comissão integrada por quantidade de servidores a critério da autoridade, com o único
requisito de obrigatoriamente serem todos lotados na própria unidade de ocorrência do fato,
não sendo exigível a estabilidade do sindicante ou dos integrantes. Não possuindo rito
previsto em lei, a praxe administrativa tem sido adequar a esta sindicância investigativa, no
que for cabível, o rito que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, estabelece para a instância disciplinar
(por exemplo, o sindicante ou comissão pode redigir atas de deliberação, emitir documentos
de comunicação, ouvir testemunhas, realizar diligências e demais atos de instrução e, ao fim,
elaborar relatório para a autoridade local; mas, por sua natureza apenas inquisitorial, não pode
acusar ninguém, nem concluir por responsabilização).
autoridade correcional emita seu juízo de admissibilidade para instaurar ou não sindicância
disciplinar ou PAD, nos termos do art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Para que se cogite desta segunda possibilidade, se faz necessário que o colegiado tenha
comprovado a conduta culposa ou dolosa do servidor, uma vez que, repisa-se, não se contenta,
para o grave fim de responsabilização disciplinar, com a simples comprovação fática de que
objetivamente ocorreu ato danoso; a responsabilização de índole punitiva tem natureza
subjetiva e não objetiva, requerendo ainda que se comprove que não só o fato danoso ocorreu,
mas também que sua ocorrência se deu em virtude de conduta imperita, negligente,
imprudente ou consciente e intencional por parte do servidor, seja para ele mesmo cometer o
ato, seja para propiciar que terceiro o cometesse. Ressalva-se a simplificação introduzida pela
Instrução Normativa CGU nº 4, de 17/02/09, conforme já aduzido, que permite, sob
condições, que a conduta culposa acarretadora de dano ou extravio de bem tenha sua apuração
encerrada sem processo administrativo disciplinar.
Seja por meio de diligências, seja por meio da análise dos vídeos, importa também
identificar outros servidores que estivessem presentes no local no momento do sinistro ou que
278
conhecem a forma de trabalhar do suposto infrator ou que conhecem bem a rotina de trabalho,
as falhas, as lacunas e os descontroles infraestruturais. Tais agentes, uma vez identificados,
juntamente com o superior hierárquico, devem ser intimados para depor, a fim de informarem
as tarefas a cargo do servidor e se estas incluíam atuar no recinto em que se deu o extravio em
tela e sobretudo o manuseio do bem extraviado. Cabe verificar se se deu de forma regular a
baixa do bem ou a sua destinação ou destruição, atentando para o histórico daquela repartição,
se o caso em tela desponta como único ou como reiterado, contumaz e associado a momentos
em que o servidor estava presente, diferenciando o erro escusável da continuidade infracional,
bem como atestar as condições de trabalho, os descontroles e fragilidades inerentes à estrutura
institucional e o grau de experiência do servidor.
No Anexo III, serão agrupados todos os apontamentos que possam interessar a respeito
deste tema.
CF - Art. 37.
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público;
Não se deve confundir o fato de o art. 11 da Lei nº 8.745, de 09/12/93, estabelecer que
se aplicam ao pessoal contratado temporariamente os artigos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que
tratam, na matéria disciplinar, de algumas irregularidades, responsabilidade, penalidades e
prescrição, vez que não se fez remissão aos arts. 143 a 182 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, em
que está definido o rito processual propriamente dito para os servidores estatutários.
ampla defesa.
Art. 11. Aplica-se ao pessoal contratado nos termos desta Lei o disposto nos arts. 53 e 54;
57 a 59; 63 a 80; 97; 104 a 109; 110, incisos, I, ‘in fine’, e II, parágrafo único, a 115; 116,
incisos I a V, alíneas “a” e “c”, VI a XII e parágrafo único; 117, incisos I a VI e IX a
XVIII; 118 a 126; 127, incisos I, II e III, a 132, incisos I a VII, e IX a XIII; 136 a 142,
incisos I, primeira parte, a III, e §§ 1º a 4º; 236; 238 a 242, da Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990.
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo
aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Dito isto, ainda que sem se ter a intenção de esgotar e aprofundar a análise do assunto
(para quê se recomenda pesquisa em farta doutrina), importa enumerar as inúmeras espécies
de agentes públicos cabíveis nesta definição ampla. Pela sua diversidade, estes agentes
mantêm diferentes graus de vinculação com a Administração Pública, graus estes que definem
se, além de figurarem nos abrangentes polos passivos do CP e da Lei nº 8.429, de 02/06/92,
também se sujeitam à responsabilização administrativa via processo administrativo
disciplinar. Por mero efeito didático, a presente abordagem se iniciará com os agentes
públicos, cargos, categorias ou carreiras que não são regidos pela Lei nº 8.112, de 11/12/90,
até chegar na descrição de sua abrangência subjetiva.
280
Parecer AGU nº GQ-35, vinculante: “4. A Lei nº 8.112, de 1990, comina a aplicação de
penalidade a quem incorre em ilícito administrativo, na condição de servidor público,
assim entendido a pessoa legalmente investida em cargo público, de provimento efetivo ou
em comissão, nos termos dos arts. 2º e 3º. Essa responsabilidade de que provém a
apenação do servidor não alcança os titulares de cargos de natureza especial, providos em
caráter precário e transitório, eis que falta a previsão legal da punição. Os titulares dos
cargos de Ministro de Estado (cargo de natureza especial) se excluem da viabilidade legal
de responsabilização administrativa, pois não os submete a positividade do regime jurídico
dos servidores públicos federais aos deveres funcionais, cuja inobservância acarreta a
penalidade administrativa.”
Como parêntese antes de prosseguir na classificação dos agentes públicos, com o fim
de expor correta interpretação do Parecer AGU acima, é de se mencionar o Despacho nº 129,
de 04/02/05, do Consultor-Geral da União Substituto, por meio do qual foi aprovada a Nota
AGU nº WM 6/2005, esclarecendo que nem todos os ocupantes de cargo de natureza especial
têm direito às prerrogativas de Ministro de Estado, dentre as quais a de não ser processado no
rito da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
“Outro entendimento, contido na alínea “c” do item 8 da presente Nota (fls. 10,11 e 12),
diz respeito à legislação a que estariam submetidos os ocupantes de cargo de natureza
especial, essencialmente para afirmar que teriam prerrogativas, garantias, vantagens e
direitos equivalentes aos de Ministro de Estado, com base no disposto no art. 15 da Lei nº
9.527, de 10 de dezembro de 1997, nas Leis nºs 9.030, de 13 de abril de 1995, 10.415, de
21 de março de 2002, e 10.539, de 23 de setembro de 2002, bem como nos arts. 38, 39 e 40
da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003.
Vale ressaltar, entretanto, que de acordo com a legislação citada, nem todos os cargos de
natureza especial têm asseguradas essas prerrogativas, vantagens e direitos equivalentes
aos cargos de Ministro de Estado.
Com efeito, apenas aos cargos de natureza especial de que trata o art. 38 da Lei nº 10.683,
de 2003, especificamente em razão do disposto em seu § 1º, é que estariam asseguradas
essas prerrogativas, garantias, vantagens e direitos. Quanto aos demais, de que tratam os
arts. 39 e 40 da Lei nº 10.683, de 2003, e as Leis nºs 10.415, de 2002, e 10.539, de 2002,
não há previsão legal nesse sentido.”
281
“Não há que se confundir os crimes praticados pelo servidor comum, com os denominados
crimes de responsabilidade, cujos autores somente podem ser os agentes políticos -
Presidente da República, governadores de Estado e do Distrito Federal, ministros de
Estado e secretários de Governo (federal, estadual e distrital) -, bem como os magistrados.
Ou, disciplinada a questão em outra Lei, a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores.”
Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 192, Editora
Consulex, 2ª edição, 1999
Aproximando-se da parcela que aqui mais interessa, aquela definição ampla de agentes
públicos engloba também os que participam do aparelho estatal, tanto na organização direta
como na indireta. Sabe-se que a Administração Pública divide-se em Administração Pública
direta e em Administração Pública indireta.
A alternativa acima se justifica pois, embora tal forma de vínculo se associe mais
fortemente à Administração Pública indireta, também há a possibilidade de sua ocorrência em
parcela restrita da Administração Pública direta.
voto do relator originário, Ministro Néri da Silveira, esclarecido, nesta assentada, que a
decisão - como é próprio das medidas cautelares - terá efeitos ex nunc, subsistindo a
legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa.”
Destaque-se que estes empregados contratados pela União ou por suas autarquias ou
fundações públicas de direito público à luz da Lei nº 9.962, de 20/02/00, no período em que
teve aplicabilidade a redação alterada do caput do art. 39 da CF, mantêm um vínculo direto
com o respectivo órgão ou entidade contratante. Ressalve-se ainda que esta hipótese não se
aplica no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pois no órgão não há empregados
contratados sob a égide da mencionada Lei.
Lei nº 8.878, de 11/05/94 - Art. 1° É concedida anistia aos servidores públicos civis e
empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como
aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da
União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992,
tenham sido:
I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal;
II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo
constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou
sentença normativa;
III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente
caracterizado, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de
movimentação grevista.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, ao servidor titular de
cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente à época da exoneração, demissão
285
ou dispensa.
Art. 2° O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente
ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e
restringe-se aos que formulem requerimento fundamentado e acompanhado da
documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação
da comissão a que se refere o art. 5°, assegurando-se prioridade de análise aos que já
tenham encaminhado documentação à Comissão Especial constituída pelo Decreto de 23
de junho de 1993.
“Os empregados públicos são todos os titulares de emprego público (não de cargo público)
da Administração direta e indireta, sujeitos ao regime jurídico da CLT; daí serem
chamados também de ‘celetistas’. Não ocupando cargo público e sendo celetistas, não têm
condição de adquirir a estabilidade constitucional (CF, art. 41), nem podem ser
submetidos ao regime de previdência peculiar, como os titulares de cargo efetivo e os
agentes políticos, sendo obrigatoriamente enquadrados no regime geral de previdência
social, a exemplo dos titulares de cargo em comissão ou temporário.”, Hely Lopes
Meirelles, “Direito Administrativo Brasileiro”, pg. 384, Malheiros Editores, 26ª edição,
2001
“Os servidores das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações privadas
regem-se pela legislação trabalhista. Para as empresas que exercem atividade econômica,
esse regime é imposto pelo artigo 173, § 1º, da Constituição. Para os demais, não é
obrigatório, mas é o que se adota por meio das leis ordinárias, por ser o mais compatível
com o regime de direito privado a que se submetem.”, Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
“Direito Administrativo”, pg. 449, Editora Atlas, 19ª edição, 2006
Por um lado, uma vez que, como regra, o empregado público não aufere o instituto da
estabilidade da forma como é constitucionalmente conferido ao servidor estatutário, é lícita a
rescisão de seu contrato de trabalho por mero ato unilateral da Administração Pública direta
ou indireta (inserido no poder potestativo de rescisão unilateral do contrato, que a lei
trabalhista faculta a qualquer empregador). A dispensa sem justa causa é um ato facultativo de
mera gestão de pessoal, não decorrente de cometimento de infração trabalhista pelo
empregado e, como tal, não possui natureza de penalidade disciplinar, já que, nesta hipótese, o
empregador resta obrigado a indenizar o empregado.
Ressalve-se que, nos casos de emprego público regido pela Lei nº 9.962, de 12/02/00,
em órgãos da Administração Pública direta, autarquias ou fundações públicas de direito
público, esta hipótese é bem mais restrita do que em sociedades de economia mista, empresas
públicas ou fundações públicas de direito privado. Fora as possibilidades estabelecidas nos
quatro incisos do art. 3º da Lei nº 9.962, de 22/02/00, para rescisão unilateral do contrato de
trabalho por parte da Administração (a primeira hipótese é a falta grave, conforme definido no
art. 482 da CLT, e as três demais são de molde constitucional, a saber, a acumulação ilegal, a
necessidade de redução de quadro por excesso de despesa e a insuficiência de desempenho),
para as demais hipóteses ou fatos, a jurisprudência trabalhista já entendeu pela extensão do
instituto da estabilidade a favor, exclusivamente, dos empregados celetistas de órgãos da
Administração Pública direta, autarquias ou fundações públicas de direito público
Por outro lado, o empregador, e aí se inclui até com maior ênfase a Administração
Pública direta ou indireta, deve amparar qualquer ato punitivo em elementos de motivação e
de convicção - ou seja, em provas - que sustentem a segurança do exercício do mencionado
poder disciplinar diante de ato infracional cometido pelo empregado. Embora não seja objeto
do presente texto aprofundar na análise dos princípios e fundamentos da CLT, é de se
mencionar as três espécies admitidas de penalidades trabalhistas: a advertência, que, mesmo
não expressamente prevista no texto legal, é aceita para infrações de menor gravidade se
houver previsão em lei específica ou em norma interna; a suspensão, que pode variar de um
até trinta dias, prevista no art. 474 da CLT; a dispensa ou rescisão por justa causa, como
hipótese expulsiva e sem direito a qualquer verba indenizatória, em razão dos enquadramentos
exaustivamente previstos no art. 482 da CLT ou no caso de empregado que aufere
estabilidade após dez anos de serviço na mesma empresa e que somente pode ser dispensado
por justa causa em caso de falta grave, assim definida no art. 493 do mesmo Decreto-Lei
287
como o cometimento repetido ou com maior gravidade das hipóteses do mencionado art. 482.
CLT - Art. 474. A suspensão do empregado por mais de 30 (trinta) dias consecutivos
importa na rescisão injusta do contrato de trabalho.
Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e
quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for
prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido
suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou
ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Parágrafo único. Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática,
devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança
nacional.
Art. 492. O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não
poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior,
devidamente comprovadas.
Art. 493. Constitui falta grave a prática de qualquer dos fatos a que se refere o art. 482,
quando por sua repetição ou natureza representem séria violação dos deveres e obrigações
do empregado.
STF, Recurso Extraordinário nº 298.108: “Ementa: (...) A 1ª Turma dessa Corte, ao julgar
o Agrag 245.235, decidiu: “Agravo regimental. - Está correto o despacho agravado que
assim afasta as alegações dos ora agravantes: 1. Inexistem as alegadas ofensas à
Constituição. Com efeito, tratando-se de empregado de sociedade de economia mista, não
se aplica a ele o disposto no artigo 41 da Constituição Federal que somente disciplina a
estabilidade dos servidores públicos civis. Por outro lado, por negar, corretamente, essa
estabilidade a empregado de sociedade de economia mista, e por entender que o
regulamento interno de pessoal do Banco em causa não confere estabilidade em favor de
288
seus empregados, não ofendeu o acórdão recorrido o artigo 37, II, da Constituição, que diz
respeito a investidura por concurso público, nem o ‘caput’ desse mesmo artigo por haver
aplicado, também corretamente, as normas de dispensa trabalhista que se aplicam aos
empregados de pessoas jurídicas de direito privado, em consonância, aliás, com o que
preceitua o artigo 173, § 1º, da Carta Magna.”
Idem, STF, Recurso Extraordinário nº 245.235
Assim, sintetizando as informações precedentes, ainda que não exista base legal que
recomende e muito menos que obrigue a aplicação de qualquer rito para dispensar sem justa
289
causa e muito menos para apurar qualquer irregularidade trabalhista (leve, mediana ou grave,
punível com advertência, suspensão ou dispensa por justa causa) supostamente cometida por
agente celetista estável ou não, em atenção aos princípios reitores da atividade administrativa,
no caso específico de empregado público, o órgão ou a entidade de origem deve adotar
instrumentalização que atenda às garantias fundamentais erigidas na CF para aplicação de
pena e motivar não só este ato mas também a dispensa não punitiva. Este necessário e
indispensável procedimento administrativo de apuração de infração trabalhista que o
empregado tenha cometido no âmbito do órgão da Administração Pública direta ou da
entidade da Administração Pública indireta em que exerce seu emprego, deve transcorrer
neste próprio órgão ou entidade. E, de forma mais específica, tratando-se de empregado com
vínculo direto com órgão da Administração Pública direta ou com entidade autárquica ou
fundacional, regido pela Lei nº 9.962, de 22/02/00, na ausência de lei específica, no que for
cabível, pela similitude da matéria, é recomendável que esta instrumentalização tome por
analogia o rito garantista da Lei nº 8.112, de 11/12/90; e, no caso de empregado de empresa
pública ou de sociedade de economia mista ou ainda de fundação pública de direito privado,
esta instrumentalização deve seguir a lei específica ou a norma interna de regência na entidade
ou o acordo coletivo de trabalho ou, por fim, residualmente, os dispositivos que forem
aplicáveis da Lei nº 9.784, de 29/01/99. Em ambos os casos, o poder disciplinar (qualquer que
seja a pena trabalhista a ser aplicada ao final do procedimento administrativo - de avertência,
de suspensão ou de dispensa por justa causa) incumbe ao titular do órgão ou ao dirigente
máximo da entidade. Ademais, uma vez que a dispensa sem justa causa e a apenação em
qualquer grau do empregado público são atos administrativos, gozam de presunção de
legitimidade, devendo então a ausência de motivação ser comprovada, conforme
entendimento da Advocacia-Geral da União.
Parecer AGU nº GQ-71 (não vinculante): “Ementa : Portaria editada com o propósito de
proceder à dispensa de servidor da União, regido pela legislação trabalhista, se
caracteriza como de ato administrativo e, em decorrência, é presumidamente legal. A falta
de motivo que justifique ato desse jaez há de ser indubitavelmente demonstrada, sendo
insuficiente para a consequente declaração de nulidade a simples presunção de que seja
ele imotivado.”
Mas, a hipótese que aqui mais interessa aprofundar - para chegar, ao fim, ao foco
concreto da Secretaria da Receita Federal do Brasil e mais especificamente de seu sistema
correcional ter de enfrentar a questão de ser ou não obrigatória a atuação em face de agente
celetista - é de o empregado público de empresa pública ou de sociedade de economia mista
(ou seja, não se trata de empregado que possui vínculo direto decorrente da relação celetista
de trabalho calcada na Lei nº 9.962, de 22/02/00) manter uma outra forma de relação laboral
290
com órgão da Administração Pública direta ou com autarquias ou com fundações públicas de
direito público. Aqui, diferentemente das hipóteses até então abordadas, se trata de empregado
de empresa pública ou de sociedade de economia mista que exerce seu emprego não no
âmbito de sua entidade de origem mas sim no âmbito de órgão da Administração Pública
direta ou de entidade autárquica ou fundacional. E, neste delimitado contexto, há três formas a
serem mencionadas e a terem pormenorizada análise no que diz respeito ao recebimento de
notícia de suposto cometimento de infração por parte do agente no âmbito do órgão da
Administração Pública direta ou entidade autárquica ou fundacional. Uma vez que estas
parcelas da Administração Pública direta ou indireta possuem corpos funcionais que se
submetem à Lei nº 8.112, de 11/12/90, necessário se faz diferenciar detidamente as hipóteses
em que a relação laboral daquele empregado público passa a ser regida pelo Estatuto e as
hipóteses em que se mantém apenas a relação celetista de trabalho, já que isto significa
distintas repercussões em termos de responsabilização administrativa e distintas formas de ter
de agir ou de poder agir o órgão da Administração Pública direta ou a entidade autárquica ou
fundacional.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em
outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos
Municípios, nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17/12/91)
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança; (Redação dada pela Lei
nº 8.270, de 17/12/91)
II - em casos previstos em leis específicas. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17/12/91)
§ 1º Na hipótese do inciso I, sendo a cessão para órgãos ou entidades dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios, o ônus da remuneração será do órgão ou entidade
cessionária, mantido o ônus para o cedente nos demais casos. (Redação dada pela Lei nº
8.270, de 17/12/91)
§ 2º Na hipótese de o servidor cedido a empresa pública ou sociedade de economia mista,
nos termos das respectivas normas, optar pela remuneração do cargo efetivo ou pela
remuneração do cargo efetivo acrescida de percentual da retribuição do cargo em
comissão, a entidade cessionária efetuará o reembolso das despesas realizadas pelo órgão
ou entidade de origem. (Redação dada pela Lei nº 11.355, de 19/10/06)
§ 3º A cessão far-se-á mediante Portaria publicada no Diário Oficial da União. (Redação
dada pela Lei nº 8.270, de 17/12/91)
§ 4º Mediante autorização expressa do Presidente da República, o servidor do Poder
Executivo poderá ter exercício em outro órgão da Administração Federal direta que não
tenha quadro próprio de pessoal, para fim determinado e a prazo certo. (Incluído pela Lei
nº 8.270, de 17/12/91)
§ 5º Aplica-se à União, em se tratando de empregado ou servidor por ela requisitado, as
disposições dos §§ 1º e 2º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 10.470, de 25./06/02)
§ 6º As cessões de empregados de empresa pública ou de sociedade de economia mista, que
receba recursos de Tesouro Nacional para o custeio total ou parcial da sua folha de
pagamento de pessoal, independem das disposições contidas nos incisos I e II e §§ 1º e 2º
deste artigo, ficando o exercício do empregado cedido condicionado a autorização
específica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, exceto nos casos de
ocupação de cargo em comissão ou função gratificada. (Incluído pela Lei nº 10.470, de
25/06/02)
Na primeira forma, por meio da cessão prevista no art. 93, I e § 5° da Lei nº 8.112, de
11/12/90, o empregado público é requisitado de seu órgão ou entidade de origem
(especificamente nesta hipótese, o empregado pode ser da Administração Pública tanto direta
quanto indireta) para ocupar cargo em comissão em órgão da Administração Pública direta ou
em autarquia ou em fundação pública de direito público. Portanto, na acepção do art. 2° da
citada Lei, é considerado servidor público federal, ocupante de cargo em comissão no órgão
cessionário. E, como tal, na hipótese de este empregado público envolver-se em irregularidade
(que assume desde sempre natureza estatutária) no exercício de sua função pública, submete-
se, no âmbito do órgão da Administração Pública direta ou da entidade autárquica ou
fundacional em que exerce o cargo em comissão, a todo o rito regular do processo
administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90, não se aplicando, neste
primeiro momento, nenhum comando ou princípio da CLT. Se o julgamento decidir pela
responsabilização do empregado público no âmbito do órgão cessionário, após a aplicação da
pena prevista na Lei nº 8.112, de 11/12/90 (advertência, suspensão ou destituição do cargo em
comissão), se for o caso, cópia dos autos (preferencialmente digitalizada) deve ser remetida a
seu órgão ou entidade de origem, para as demais providências de sua competência, de acordo
com a legislação trabalhista, caso cabíveis. Não obstante, ressalte-se que a decisão sobre o
encerramento da requisição é ato de gestão, sem natureza punitiva, assentado sobre
conveniência e oportunidade do órgão requisitante e não fica condicionada ao encerramento
nem do processo administrativo disciplinar e muito menos do procedimento porventura
instaurado no órgão ou entidade de origem do empregado público.
Na segunda forma, com fundamento em lei específica (o que, em sentido lato, também
obriga englobar a possibilidade de previsão em medida provisória), o empregado público é
requisitado de entidade da Administração Pública indireta que presta regularmente serviços à
Administração Pública direta ou a autarquias ou fundações públicas de direito público, nos
termos do art. 93, II e §§ 5º e 6º da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Neste caso, o empregado
público mantém seu vínculo de emprego na empresa pública ou na sociedade de economia
mista da qual é contratado sob égide trabalhista e não é considerado servidor e, portanto, na
hipótese de envolver-se no cometimento de suposta infração (desde sempre de natureza
trabalhista), não faz jus ao processo administrativo disciplinar previsto que a Lei nº 8.112, de
11/12/90, prevê apenas para os agentes estatutários. Como o empregado público mantém tão-
somente sua relação contratual de trabalho com sua entidade de origem, apenas a esta compete
o poder punitivo, sendo então pertinente que o fato supostamente irregular seja comunicado
pelo órgão cessionário à entidade cedente, a fim de que esta realize o necessário e
indispensável procedimento administrativo porventura previsto na lei específica, na na norma
interna de regência, no acordo coletivo de trabalho ou, por fim, residualmente, nos
dispositivos que forem aplicáveis da Lei nº 9.784, de 29/01/99 (procedimento este que, repisa-
se, mesmo se existente, não se confunde com o processo administrativo disciplinar, previsto
na Lei nº 8.112, de 11/12/90) ou que, ao menos, conforme aduzido acima, assegure ao
empregado público as máximas constitucionais da ampla defesa e do contraditório e do
julgamento imparcial pela autoridade competente e da motivação do ato punitivo. Não
obstante, da mesma forma como na primeira hipótese, a decisão sobre o encerramento da
requisição é ato de gestão, sem natureza punitiva, assentado sobre conveniência e
oportunidade do órgão requisitante, não se condicionando ao encerramento do procedimento
292
Ou seja, igualmente nas hipóteses segunda e terceira acima abordadas, em que o ato
supostamente ilícito é praticado por empregado público, que não mantém relação estatutária
com a Administração Pública direta ou com a autarquia ou fundação pública de direito
público, o dever de apuração e o poder punitivo - se for o caso de ser aplicado - recaem sobre
o empregador, à luz da legislação trabalhista que rege o contrato de trabalho. O poder punitivo
sobre o empregado público celetista somente pode ser exercido, motivadamente, pela entidade
empregadora, nos moldes previstos na CLT, na lei específica, ou na norma interna ou em
acordo coletivo de trabalho, quando houver. Naquelas duas configurações acima, a princípio,
não há então que se falar em aplicação, por parte do órgão requisitante ou contratante, do
regime disciplinar previsto nos arts. 116 a 142 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, contra o
empregado público celetista, podendo, em regra, este cessionário apenas comunicar o fato à
entidade de origem.
E, na esteira, ainda naquelas duas formas em que o empregado público possui apenas o
vínculo contratual de trabalho, uma vez que a parte processual não sobrevive por si só, sendo
sim instrumentalização da aplicação do direito material, a princípio, convém que a apuração
de suposta irregularidade transcorra onde se aplica o regime sancionador, nos moldes próprios
da legislação trabalhista ou específicos da entidade da Administração Pública indireta, não
havendo tampouco que se cogitar de obrigação de instauração de processo administrativo
disciplinar imposto nos arts. 143 a 182 da Lei n° 8.112, de 11/12/90, por parte do órgão onde
o empregado público tenha cometido o suposto ilícito.
Neste rumo, que não se confunda a específica matéria estatutária do regime e do rito
administrativo disciplinar com o fato de que, no âmbito das empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações públicas de direito privado, as leis de criação ou os regulamentos
e regimentos internos da entidade possam estabelecer o rito e o regime disciplinar próprio de
seus empregados, elencando as penas cabíveis e as autoridades competentes para
motivadamente aplicá-las. Tais atos de sanção de forma alguma se inserem na matéria do
processo administrativo disciplinar, pois sequer são revestidos de atividade da Administração
Pública direta, significando tão-somente mera gestão privada de recursos humanos, conforme
prevê o já mencionado art. 173, § 1º, II da CF.
Mas, não obstante todo o acima exposto - em que se defendeu a inequívoca convicção
de que o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia ou a fundação pública de
direito público cessionário ou contratante no qual o empregado de empresa pública ou
sociedade de economia mista, pr força de cessão prevista no art. 93, §§ 5º e 6º da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, ou por contrato de prestação de serviços, não é obrigado a instaurar qualquer
espécie de procedimento meramente investigativo e muito menos de apuração contraditória
quando aquele agente comete infração trabalhista no âmbito do próprio órgão ou entidade -,
nada impede que, à vista de suas avaliações de conveniência e oportunidade, assim o faça. Em
outras palavras, embora não obrigado, pode o órgão da Administração Pública ou a autarquia
ou a fundação pública de direito público em que o empregado público comete infração
294
Nestes casos mais graves, pode o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia
ou a fundação pública de direito público instaurar um procedimento de investigação
preliminar ou uma sindicância investigativa, que podem redundar em arquivamento, caso
nada seja confirmado contra o empregado; ou em meras recomendações de ajustes de rotinas
ou praxes internas ou de normas infralegais, comuns em casos de lacunas ou falhas
institucionais ou de responsabilidade difusa (quando não se tem elementos para individualizar
a responsabilidade); ou em notícia à empresa pública ou à sociedade de economia mista
cedente ou contratada caso se levantem indícios de cometimento de infração trabalhista por
parte de seu empregado; e/ou ainda em provocações de natureza civil e penal às autoridades
respectivamente competentes.
Em casos ainda mais específicos, em que a conduta do empregado está associada por
qualquer forma de conexão (sobretudo da espécie intesubjetiva) também à conduta de um
servidor estatutário, em razão do qual o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia
ou a fundação pública de direito público já terá mesmo de intaurar rito disciplinar da Lei nº
8.112, de 11/12/90, pode-se estender ao agente celetista a condição de figurar no polo passivo
de PAD ou de sindicância disciplinar, atendendo à unidade processual prevista no 79 do CPP,
conforme já exposto em 2.5.3.4.
Também pode-se estender, até onde cabível, o rito da Lei 8.112, de 11/12/90, mesmo
sem participação de servidor estatutário, se a conduta do empregado revela tal gravidade e
repercussão que se demonstre, por critérios discricionários de oportunidade e conveniência,
adequado que o órgão da Administração Pública direta ou a autarquia ou a fundação pública
de direito público assim o faça (inclusive, dependendo da materialidade, se adequando o rito
sumário).
Em casos menos graves, de conduta de menor potencial ofensivo ou que não decorram
de falhas ou fragilidades institucionais ou de lacunas normativas internas e sem repercussão
de natureza civil ou penal, pode se mostrar suficiente o já aduzido mero comunicado do órgão
da Administração Pública direta ou da autarquia ou da fundação pública de direito público à
empresa pública ou à sociedade de economia mista a que se vincula o empregado faltoso, a
fim de que esta entidade cedente ou contratada investigue o fato, de acordo com sua lei
específica ou norma interna ou acordo coletivo de trabalho ou, residualmente, nos termos que
foram cabíveis da Lei nº 9.784, de 29/01/99.
Destaque-se que em todos os casos, ainda que tenha o órgão da Administração Pública
direta ou a autarquia ou a fundação pública de direito público instaurado investigação
preliminar, sindicância investigativa ou rito contraditório da Lei nº 8.112, de 11/12/90, tais
ritos não possuem o condão punitivo sobre o empregado, funcionando apenas como elementos
de instrução para que a empresa pública ou a sociedade de economia mista cedente ou
contratada, nos termos de sua lei específica ou de sua norma interna ou de seu acordo coletivo
295
de trabalho ou, na falta destas regras próprias, da Lei nº 9.784, de 29/01/99, promova o devido
rito interno e que, ao final, ampare o eventual ato punitivo da cometência exclusiva da
entidade a que é vinculado o empregado (em geral, este poder recai no seu dirigente máximo).
Neste ponto, se quer descrever - como exemplo da terceira hipótese abordada acima,
ao final de 3.2.4.1.2, de cometimento de infração trabalhista por empregados públicos
celetistas de empresa prestadora de serviço a órgão da Administração Pública direta -, o caso
específico dos empregados do Serviço Federal de Processamento de Dados - Serpro,
destacadamente os integrantes do quadro Sistema Operação Auxiliar de Preparo (Soap, que
prestam serviço em atendimento nas unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil,
cliente contratante daquela empresa). Neste contexto delimitado, a vedação ao desvio de
função foi expressada no art. 323 da então Medida Provisória nº 441, de 29/09/08,
posteriormente convertido no art. 323 da Lei nº 11.907, de 02/02/09, e de imediato regulado
pela Portaria MF nº 218, de 23/09/08. Esta Portaria MF impõe que as chefias dos empregados
do Serpro devem assumir anualmente o compromisso, mediante termo de responsabilidade, de
que aqueles subordinados celetistas não exercem atribuições legais exclusivas de AFRFB e
ATRFB e prevê ainda a devolução do empregado não acobertado pelo termo de
responsabilidade. A vedação ao desvio de função in casu foi ainda ratificada nas Portarias MF
nº 10, de 19/01/09, e nº 191, de 30/04/09 (que descreve as atividades-meio que os empregados
do Serpro podem desempenhar), e no Decreto nº 3.711, de 27/12/00.
Portaria MF n° 10, de 19/01/09 - Art. 1° Determinar aos titulares dos órgãos integrantes
da estrutura do Ministério da Fazenda, onde têm exercício empregados do Serviço Federal
de Processamento de Dados - Serpro, que observem o disposto no art. 323, parágrafo
único, da Medida Provisória nº 441, de 29 de agosto de 2008.
§ 1º Havendo interesse na manutenção de empregado do Serpro, que já se encontrava em
exercício no Ministério da Fazenda em 12 de fevereiro de 2004, a chefia imediata deverá
declarar que ele não exerce atribuições privativas de carreiras de Estado e que suas
atividades são compatíveis com as atribuições do respectivo emprego.
administração tributária desde que não sejam próprias das carreiras de Auditoria
Tributária da Receita Federal do Brasil e de Procurador da Fazenda Nacional.
tema, é de se reconhecer que, por outro lado, apesar da incompetência julgadora e punitiva,
em respeito aos princípios da ampla defesa, do contraditório, a instauração do procedimento e
a apuração podem se dar onde se encontra localizado o acusado, migrando-se apenas o
julgamento e a apenação, se for o caso, para a autoridade de ascendência hierárquica sobre
ele.
Mas, sobre esta exceção de viés pragmático e operacional (de se aceitar a instauração e
a apuração onde se encontra localizado o acusado ainda que não exista nenhum grau de
hierarquia entre ele e a(s) respectiva(s) autoridade(s) instauradora e/ou julgadora), é de se
contrapor a pertinência de que até mesmo o mero rito apuratório a ser empregado também se
amolde ao regime estatutário (no caso de servidor) ou ao contrato de trabalho (no caso de
empregado público) que liga o agente público à Administração. Em outras palavras, uma vez
que não convém que o rito a ser empregado se dissocie da condição de o acusado ser regido
pela Lei nº 8.112, de 11/12/90, ou pela CLT em conjunto com normas internas da entidade da
Administração Pública indireta, ou seja, de ele ser estatutário ou celetista, é de se afirmar que
nem mesmo os mencionados princípios procedimentais justificam ou obrigam a instauração
do procedimento apuratório no local do fato se, além de não se inserir em linha hierárquica
abaixo da(s) autoridade(s) instauradora e/ou julgadora, o acusado nem sequer se submete ao
regime e ao processo disciplinar vigente no órgão em que se daria a apuração.
Não obstante o acima exposto, na mesma linha que já se expôs quando se abordou a
hipótese em termos genéricos de empregado celetista de empresa pública ou de sociedade de
economia mista cometer irregularidade trabalhista em razão de cessão ou de contrato de
prestação de serviço em órgão da Administração Pública direta ou autarquia ou fundação
pública de direito público, não se afasta o dever legal de a Administração se sentir provocada
a investigar diante da notícia de suposta irregularidade, seja o possível autor agente estatutário
ou não. Daí, o sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil não deve se
eximir de seu dever legal de ao menos realizar prévias investigações e, ainda, subsidiar o
processo decisório a cargo das autoridades administrativas competentes pela gestão que
envolve o empregado celetista.
Assim, conforme já exposto acima de forma genérica, agora, de forma mais específica,
cabe apresentar possíveis instrumentalizações que o respectivo Escor pode adotar diante de
notícia de suposta irregularidade cometida por empregado do Serpro desempenhando suas
funções em unidade da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou em atividades direta ou
indiretamente relacionadas com a área de atuação do órgão, ainda que não possua poder
disciplinar e punitivo sobre aquele agente.
Como segunda possibilidade, até se pode cogitar de uma situação excepcional em que
um empregado do Serpro poderia ser beneficiado com a figuração no polo passivo de um rito
instaurado pelo Chefe de Escor, com o formalismo que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, confere
exclusivamente aos servidores estatutários (seja sindicância disciplinar, seja PAD, em rito
ordinário ou até sumário, dependendo da materialidade). Na hipótese de uma conduta
infracional cometida com qualquer espécie de conexão entre servidor da Secretaria da Receita
Federal do Brasil e empregado do Serpro, de forma que a apuração do ilícito disciplinar do
primeiro dependesse indissociavelmente da apuração conjunta da infração cometida pelo
segundo e uma vez que já se teria mesmo de instaurar o rito legal em razão dos indícios contra
o agente estatutário, poderia o Chefe do Escor, a seu exclusivo critério, autorizar que se
trouxesse também o empregado do Serpro ao polo passivo na fase de instrução, concedendo-
lhe assim um rito garantidor de ampla defesa e de contraditório similar àquele garantido ao
servidor por força da mencionada Lei. Repisa-se que a hipótese de extensão do rito a
empregado do Serpro advém de critério da autoridade instauradora, que, por outro lado, pode
decidir pelo desmembramento das apurações envolvendo o servidor das investigações
envolvendo o celetista ou ainda da liminar remessa do caso para o empregador.
300
Por fim, como uma terceira e mais excepcional e residual hipótese, tendo em vista a
discricionariedade, acima destacada, a favor da autoridade instauradora, obriga-se mencionar
ainda a possibilidade de o Chefe de Escor determinar instauração de algum dos ritos
disciplinares previstos na Lei nº 8.112, de 11/12/90, em face exclusivamente de um
empregado do Serpro, seja por decidir, a seu exclusivo talante, desmembrar as apurações de
supostas infrações que também envolvam servidor estatutário, seja até mesmo em caso de
exclusiva atuação de celetista, sem nenhuma participação de servidor estatutário, mas que, à
vista de suas peculiaridades ou de suas repercussões, se entenda de extremado interesse ou de
atípica relevância.
Geral.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 11. No âmbito do Órgão Central e das unidades
setoriais, a instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar caberá ao
Ministro de Estado do Controle e da Transparência, ao Secretário-Executivo, ao
Corregedor-Geral e aos Corregedores Setoriais, conforme o nível do cargo, emprego ou
função do servidor ou empregado a ser investigado.
§ 1° A sindicância e o processo administrativo disciplinar poderão ser diretamente
instaurados ou avocados, a qualquer tempo, em razão de:
I - omissão da autoridade responsável;
II - inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão de origem;
III - complexidade, relevância da matéria e valor do dano ao patrimônio público;
IV - autoridade envolvida;
V - envolvimento de servidores de mais de um órgão ou entidade; ou
VI - descumprimento injustificado de recomendações ou determinações do Órgão Central
do Sistema de Correição, bem como dos órgãos do Sistema de Controle Interno e de
decisões do controle externo.
É de se ressaltar ainda que tudo que acima foi exposto de forma mais específica para
empregados do Serpro também se aplica de forma análoga para empregados celetistas
vinculados a qualquer outro empregador.
contratada, nos termos que prescrever o contrato firmado para a prestação de serviço.
No caso de ato irregular cometido por estagiários, basta que a projeção de gestão de
pessoas providencie seu desligamento, também sem necessidade de qualquer procedimento
apuratório, já que, a rigor, embora até haja um vínculo entre eles e a Administração (mediante
termo de compromisso e remumeração como bolsa-auxílio, nos termos da Lei nº 11.788, de
25/09/08), não se trata sequer de contrato laboral.
CF - Art. 41. São estáveis, após três anos de efetivo exercício, os servidores nomeados para
cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 14/06/98)
CF, ADCT - Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas,
em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos
continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da
Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de
confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de
serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de
servidor.
“(...) a estabilidade é um atributo pessoal do servidor (...). Daí decorre que a estabilidade
não é no cargo, mas no serviço público. (...) só se conta o tempo de nomeação efetiva na
mesma Administração, não sendo computável o tempo de exercício prestado em outra
entidade estatal, nem o período de exercício de função pública a título provisório.” Hely
Lopes Meirelles, “Direito Administrativo Brasileiro”, pgs. 413 e 415, Malheiros Editores,
26ª edição, 2001
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 20. Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo
de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro)
meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o
desempenho do cargo, observados os seguintes fatores:
I - assiduidade;
II - disciplina;
III - capacidade de iniciativa;
IV - produtividade;
V - responsabilidade.
§ 1° Quatro meses antes de findo o período do estágio probatório, será submetida à
homologação da autoridade competente a avaliação do desempenho do servidor, realizada
por comissão constituída para essa finalidade, de acordo com o que dispuser a lei ou o
regulamento da respectiva carreira ou cargo, sem prejuízo da continuidade de apuração
dos fatores enumerados nos incisos I a V do caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº
11.784, de 22/09/08)
§ 2º O servidor não aprovado no estágio probatório será exonerado ou, se estável,
reconduzido ao cargo anteriormente ocupado, observado o disposto no parágrafo único do
art. 29.
Art. 29. Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado e
decorrerá de:
I - inabilitação em estágio probatório relativo a outro cargo;
Art. 34. A exoneração de cargo efetivo dar-se-á a pedido do servidor, ou de ofício.
Parágrafo único. A exoneração de ofício dar-se-á:
I - quando não satisfeitas as condições do estágio probatório;
Embora não seja um tema de direto interesse no presente texto (por ser atinente à
matéria de gestão de pessoas), cabe aqui abrir um parêntese acerca de estágio probatório.
Neste rumo, ratifica-se, ainda que superficialmente e sem análise aprofundada, que não se
deve confundir estágio probatório com estabilidade. Para aprovação no estágio probatório de
determinado cargo efetivo, o art. 20 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, requer boas avaliações de
desempenho do servidor (em termos de adaptação e capacidade, segundo fatores de
assiduidade, disciplina, capacidade de inicitiva, produtividade e responsabilidade) nos
primeiros três anos de efetivo exercício no cargo (devendo o servidor se submeter a novo
estágio probatório a cada cargo efetivo que venha a ocupar); já a segunda é conquistada, em
uma única vez, após três anos de efetivo exercício e tem como óbvio pré-requisito a
aprovação no estágio probatório no cargo.
STF, Suspensão de Tutela Antecipada nº 264, Decisão: “(...) A nova norma constitucional
do art. 41 é imediatamente aplicável. Logo, as legislações estatutárias que previam prazo
inferior a três anos para o estágio probatório restaram em desconformidade com o
comando constitucional. Isso porque, não há como se dissociar o prazo do estágio
probatório do prazo da estabilidade. (...)”
Idem: STF, Suspensões de Tutela Antecipada nº 310 e 311; e STJ, Mandados de Segurança
nº 12.523 e 14.274
CF - Art. 41.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 14/06/98)
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
“(...) esta apuração da aptidão do servidor em estágio probatório não se confunde com o
processo disciplinar, eis que não se está apurando qualquer falta, mas apenas a sua
habilitação para o exercício do cargo em estágio probatório.” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 100, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Lei nº 8.878, de 11/05/94 - Art. 1° É concedida anistia aos servidores públicos civis e
empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como
aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da
União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992,
tenham sido:
I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal;
II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo
constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou
sentença normativa;
III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente
caracterizado, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de
movimentação grevista.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, ao servidor titular de
cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente à época da exoneração, demissão
ou dispensa.
Art. 2° O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente
ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e
restringe-se aos que formulem requerimento fundamentado e acompanhado da
documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação
da comissão a que se refere o art. 5°, assegurando-se prioridade de análise aos que já
tenham encaminhado documentação à Comissão Especial constituída pelo Decreto de 23
de junho de 1993.
Por um lado, ambos são criados por lei e se destinam apenas às competências de
direção, chefia e assessoramento na Administração Pública federal e são respectivamente
preenchidos ou exercidas mediante livre nomeação e designação pela autoridade competente,
309
na contrapartida das respectivas livres exoneração e dispensa, a qualquer tempo (ad nutum),
seja a pedido, seja de ofício, pela mesma autoridade que nomeou. Definem-se direção e chefia
como posições superiores na hierarquia do órgão, voltadas para o comando, sendo que a
direção se refere especificamente ao titular do órgão, ao seu dirigente máximo, enquanto que
chefia se refere às posições de mando intermediárias; assessoramento não se confunde com
comando, mas sim se refere à posição de adjunto, auxiliar ou assistente da autoridade a que se
vincula. Mais enfaticamente quanto aos cargos em comissão (sem ser inválido estender em
parte a idéia para as funções de confiança), é de se dizer que não podem ser criados para
meras atividades rotineiras e burocráticas da Administração, sob pena de inverter a regra geral
de que o provimento se dá por concurso público, sendo que, para os servidores efetivos,
existem as funções de confiança.
Mas, por outro lado, enquanto as funções de confiança são exercidas exclusivamente
por servidores ocupantes de cargo efetivo, os cargos em comissão podem ser preenchidos por
servidores que já detenham cargos efetivos de carreira, de acordo com percentuais
estabelecidos na sua lei de criação. Isto significa que, devendo ser ocupados por um
percentual mínimo legal de servidores de carreira, pode-se ter então as vagas restantes dos
cargos em comissão ocupadas por pessoas sem vínculo definitivo com a Administração. Além
disto, como seu próprio nome indica, a investidura em cargo em comissão requer o
formalismo e tem o condão de provimento em um cargo, ao qual se associa, portanto, um
conjunto de atribuições e deveres e denominação própria, todos previstos em lei (ou seja, o
caráter de transitoriedade não é do cargo em si, mas sim do servidor que o ocupa),
diferentemente da designação para função de confiança, que não requer provimento em cargo.
Em suma, ao critério do legislador, balizado por princípios constitucionais, pode-se ter
competências de direção, chefia e assessoramento para as quais a lei entenda imprescindível
criar um cargo específico para seu desempenho, cujo provimento precipuamente se dará com
pessoas estranhas aos quadros, em relação apenas de confiança com a autoridade; não
obstante, pode-se ter outras competências de direção, chefia e assessoramento para as quais a
lei entenda desnecessário criar novo cargo, podendo ser conciliadas com o cargo efetivo já
exercido pelo servidor também escolhido por confiança. Em decorrência desta diferença, de
ter ou não o significado de um provimento em um cargo, conforme se extrai dos arts. 9º, II;
15, § 4º; e 35 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, aplicam-se os institutos da nomeação e da
exoneração para investidura e desinvestidura em cargos em comissão e, de designação e de
310
dispensa para funções de confiança (que também são utilizados para os encargos de
substitutos eventuais, previstos no art. 38 da Lei nº 8.112, de 11/12/90).
CF - Art. 37.
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo
efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos
casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições
de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
04/06/98)
Lei nº 11.457, de 16/03/07 - Art. 12. Sem prejuízo do disposto no art. 49 desta Lei, são
redistribuídos, na forma do disposto no art. 37 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, os cargos dos servidores que, na data da
publicação desta Lei, se encontravam em efetivo exercício na Secretaria de Receita
Previdenciária ou nas unidades técnicas e administrativas a ela vinculadas e sejam
titulares de cargos integrantes:
I - do Plano de Classificação de Cargos, instituído pela Lei n° 5.645, de 10 de dezembro de
1970, ou do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo de que trata a Lei n° 11.357, de 19
de outubro de 2006;
II - das Carreiras:
a) Previdenciária, instituída pela Lei n° 10.355, de 26 de dezembro de 2001;
b) da Seguridade Social e do Trabalho, instituída pela Lei n° 10.483, de 3 de julho de
2002;
c) do Seguro Social, instituída pela Lei n° 10.855, de 1° de abril de 2004;
d) da Previdência, da Saúde e do Trabalho, instituída pela Lei n° 11.355, de 19 de outubro
de 2006.
Art. 14. Fica o Poder Executivo autorizado a proceder à transformação, sem aumento de
despesa, dos cargos em comissão e funções gratificadas existentes na Secretaria da Receita
Federal do Brasil:
Parágrafo único. Sem prejuízo das situações existentes na data de publicação desta Lei, os
cargos em comissão a que se refere o caput deste artigo são privativos de servidores:
I - ocupantes de cargos efetivos da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou que tenham
obtido aposentadoria nessa condição;
II - alcançados pelo disposto no art. 12 desta Lei.
Como acima ressalvado, a repercussão de que aqui se cuida é cristalina quando ambos
os órgãos inserem-se em mesmo ente federado, regidos por mesmo Estatuto - por exemplo,
quando ambos os cargos são de órgãos federais, ainda que de diferentes Poderes (a
irregularidade grave cometida no exercício de cargo em comissão no Poder Legislativo ou
Poder Judiciário federais repercute no cargo efetivo que o servidor ocupa no Poder Executivo
Federal e vice-versa). Em princípio, em razão da autonomia constitucionalmente garantida,
não haverá esta repercussão se os cargos em comissão e efetivo são de diferentes entes
federados (a irregularidade grave cometida no cargo em comissão estadual, distrital ou
municipal não repercute no cargo efetivo que o servidor ocupa na Administração federal e
vice-versa). A exceção de que se pode cogitar é quando o ato cometido no cargo em comissão
de outro ente federado encontra definição como infração e tem previsão de apenação
expulsiva em lei de aplicação nacional, como, por exemplo, a Lei nº 8.429, de 02/06/92, que
define os ilícitos de improbidade administrativa.
Ainda que não estando em pleno exercício das atribuições legais de seu cargo, não há
que se cogitar de se ver afastado o vínculo com a Administração e, por conseguinte, com o
aspecto disciplinar de sua conduta. À luz do art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, conforme
3.1 e 4.7.3.18.2, o poder correcional não se impõe exclusivamente sobre os atos de direta
relação com o exercício das atribuições legais do cargo, mas também o faz sobre atos ainda
que indiretamente associados a tais atribuições, mesmo em momento no qual não se tem o
efetivo exercício, cometidos no ambiente da vida privada, hipótese na qual podem repousar
condutas cometidas em férias, licenças ou afastamentos, tão-somente em função do cargo que
ainda ocupa. Em outras palavras, ainda que a licença ou outros afastamentos, na leitura
conjunta dos arts. 15, 16 e 102, todos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, interrompam o exercício
do cargo, não têm o condão de afastar o poder disciplinar sobre os atos cometidos em tais
situações funcionais (para férias, menos ainda se cogita de tal desvinculação, visto que o art.
102, I da mesma Lei as considera como efetivo exercício).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao
servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças
para o trato de assuntos particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem
remuneração. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04/09/01)
Parágrafo único. A licença poderá ser interrompida, a qualquer tempo, a pedido do
servidor ou no interesse do serviço. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de
04/09/01)
exercício do cargo, por força do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, tais como gerência
ou administração de empresas e comércio (conforme se verá em 4.7.3.10 e 4.7.4.12, na
verdade, aquela Medida Provisória também estabelece redução de jornada, com o mesmo
permissivo). À época da mencionada Medida Provisória, o Estatuto não previa idêntica
permissão para a licença para tratar de interesses particulares.
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, da exclusão da vedação do art. 117, X da mesma Lei. O primeiro
princípio mencionado apontava para a necessidade de tratamento igualitário para os
administrados em situações similares. E o segundo princípio indicava não ser razoável que, de
um lado, um servidor saísse de licença com auxílio em pecúnia e com menores restrições que
aquele que obtinha licença com base no art. 91 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, podendo este até
ser demitido enquanto aquele poderia exercer atos de gerência ou administração de empresa e
comércio. Neste sentido, se poderia citar que a própria Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional já externara tal posicionamento - ressalvando-se que o Parecer em que assim se
posicionou é anterior ao acima mencionado, com a tese oposta.
Pode-se dizer que o inciso II do parágrafo único do art. 117 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, resolveu parte da distorção que havia com relação à mencionada Medida Provisória,
pois tanto os servidores sob licença incentivada quanto aqueles sob licença para tratar de
interesses particulares passaram a receber o mesmo tratamento legal de dispensa da vedação
de prática de atos de gerência ou administração de sociedades e de atos de comércio. Todavia,
315
na leitura literal do ordenamento, teria sido mantida a previsão legal de pena de demissão para
o servidor que originalmente tem jornada semanal de vinte ou de trinta horas e que pratica a
gestão de sociedades privadas ou o comércio ao desamparo de qualquer licença enquanto que
não é alcançado por norma punitiva o servidor cujo cargo tinha originalmente jornada
semanal de quarenta horas e que reduziu para vinte ou trinta horas com base naquela Medida
Provisória para atuar na gerência ou administração societária ou para praticar o comércio.
E, de forma mais específica para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, foi editada
a Portaria RFB nº 2.324, de 23/09/09, que disciplina internamente a concessão e o gozo da
licença para tratar de interesses particulares. Em relação às duas Portarias já citadas, vale
mencionar que esta norma, além de repisar a manutenção da vinculação do licenciado com o
regime disciplinar, acrescentou a ratificação da necessidade de o servidor se manter em
exercício até o devido deferimento do pedido da licença e a obrigação de informar eventual
desempenho de atividades privadas diferentes daquelas que instruíram o pedido de concessão,
sob pena de cassação da licença.
1990.
Art. 9º O servidor licenciado obriga-se a:
I - prestar anualmente à unidade em que se encontrar lotado ou em exercício,
esclarecimentos a respeito das atividades desempenhadas durante o período de licença, em
especial sobre as atividades profissionais, mesmo que não remuneradas, por meio do
formulário constante do Anexo II.
II - comunicar imediatamente à unidade em que se encontrar lotado ou em exercício a
superveniência do desempenho de atividades distintas daquelas por ele declaradas quando
da concessão da licença, por meio do formulário constante do Anexo III, sob pena de
cassação do ato concessório, sem prejuízo das sanções previstas no regime administrativo
disciplinar, conforme o caso;
III - manter atualizados seus dados cadastrais, especialmente os relativos a endereço
residencial, telefone e endereço de correio eletrônico.
Art. 14. A licença para tratar de interesses particulares não isenta o servidor dos deveres,
impedimentos e vedações previstos no regime administrativo disciplinar, ressalvado o
disposto no inciso II do parágrafo único do art. 117, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990.
Encerrando a abordagem específica das licenças, vale destacar que o fato de o servidor
317
“Por fim, cumpre-nos assinalar que a licença médica nem sempre representa obstáculo ao
acompanhamento do processo administrativo disciplinar pelo servidor, tampouco constitui
óbice à demissão. Diante de alegações dessa natureza, cabe à comissão recorrer a junta
médica oficial, que indicará se de fato o motivo da licença impossibilita o servidor de
acompanhar o feito. A orientação é de que, em caso positivo (servidor não reúne condições
de acompanhar o processo), se não houver procurador constituído nos autos, que sejam
suspensos os trabalhos da comissão.
De se ressaltar que a licença médica, independente de seu motivo, não obstaculiza a
aplicação da penalidade que foi precedida de procedimento disciplinar regular, no qual,
naturalmente, o servidor acusado teve oportunidade de se defender pessoalmente ou por
intermédio de procurador.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, pgs. 41 e 42, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/
Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf acesso em 07/08/13
Em suma, todo o acima exposto ao longo deste tópico firma o entendimento de que
férias, licenças e demais afastamentos, em princípio, não elidem as vinculações do servidor
com a Administração, sobretudo em termos de deveres, proibições, impedimentos e, em
especial, de conflito de interesses, de imediato ressalvada a expressa exceção de se verem
afastadas as vedações do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, para os casos específicos de
licenças para tratar de interesses particulares ou incentivada. Ademais, se assim não fosse, ou
seja, se férias, licenças e demais afastamentos, de plano, tivessem o condão de interromper as
vinculações estatutárias do cargo, não faria sentido o ordenamento ter excepcionado
expressamente o art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90. A contrario sensu, não existindo
letra morta em norma, significa que outras repercussões disciplinares, quando cabíveis, para
os demais casos (férias, licenças e outros afastamentos), permanecem válidas.
Tanto é assim que o art. 9º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, determina que os agentes
públicos sob sua incidência, em que se incluem todos os servidores em exercício na Secretaria
da Receita Federal do Brasil (independentemente do cargo ocupado, conforme melhor se
abordará em 4.7.3.18.6), mesmo em gozo de licença ou em afastamento de qualquer espécie,
forneçam à Controladoria-Geral da União, anualmente, declaração sobre sua situação
patrimonial, participações societárias, atividades econômicas ou profissionais e indicação de
possível atividade em conflito de interesses por parte de cônjuge, companheiro ou parentes até
o terceiro grau e informem à projeção de gestão de pessoas desde o mero recebimento de
propostas de trabalho, de contrato ou de negócio com possibilidade de aceitação até o efetivo
318
exercício de atividade privada. Ademais, o mesmo comando legal determina que a projeção de
gestão de pessoas informe ao servidor e à Controladoria-Geral da União a possibilidade de
aquela atividade praticada ou objeto de proposta configurar conflito de interesses.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 9º Os agentes públicos mencionados no art. 2º desta Lei,
inclusive aqueles que se encontram em gozo de licença ou em período de afastamento,
deverão:
I - enviar à Comissão de Ética Pública ou à Controladoria-Geral da União, conforme o
caso, anualmente, declaração com informações sobre situação patrimonial, participações
societárias, atividades econômicas ou profissionais e indicação sobre a existência de
cônjuge, companheiro ou parente, por consanguinidade ou afinidade, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, no exercício de atividades que possam suscitar conflito de
interesses; e
II - comunicar por escrito à Comissão de Ética Pública ou à unidade de recursos humanos
do órgão ou entidade respectivo, conforme o caso, o exercício de atividade privada ou o
recebimento de propostas de trabalho que pretende aceitar, contrato ou negócio no setor
privado, ainda que não vedadas pelas normas vigentes, estendendo-se esta obrigação ao
período a que se refere o inciso II do art. 6º.
Parágrafo único. As unidades de recursos humanos, ao receber a comunicação de
exercício de atividade privada ou de recebimento de propostas de trabalho, contrato ou
negócio no setor privado, deverão informar ao servidor e à Controladoria-Geral da União
as situações que suscitem potencial conflito de interesses entre a atividade pública e a
atividade privada do agente.
Não se nega e muito menos se desconhece que a teoria dogmática costuma abarcar no
conceito, além da legislação, como a principal (também chamada de direta ou primária) dentre
todas as fontes, também, como fontes de menores graus de hierarquia e objetividade
(chamadas de fontes subsidiárias, indiretas ou secundárias), os usos e costumes jurídicos, a
atividade jurisdicional e ainda, por fim, os atos negociais de particulares.
O conceito amplo de legislação que aqui se emprega como fonte principal de Direito
contempla desde normas de maior grau de hierarquia e de objetividade, pois possuem o poder
de criar, extinguir ou modificar direitos, tais como o texto constitucional originário e suas
emendas; as leis complementares ou ordinárias; os tratados, acordos ou convenções
internacionais; os códigos; as consolidações; e as medidas provisórias, até exemplos de
normas ou atos regulamentadores, que, adstritos às primeiras, apenas as interpretam e as
fazem aplicar, tais como os decretos; os regulamentos, os regimentos e demais atos
normativos complementares expedidos por autoridades administrativas, em que se incluem as
portarias, circulares, ordens de serviço, aviso e as instruções, notas técnicas, orientações ou
pareceres normativos; e as decisões de órgãos administrativos singulares ou colegiados,
conforme se detalhará de 3.3.1 a 3.3.9.
formas aceitas no ordenamento pátrio para integração de lacunas, conforme prevê o art. 4º do
Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 (antiga Lei de Introdução ao Código Civil - LICC,
atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Conceitualmente,
podem ser enumeradas três espécies de costumes, no que diz respeito a seu conteúdo: praeter
legem, quando atuam supletivamente ao texto legal; secundum legem, quando atuam de forma
interpretativa em relação ao texto legal; e, por fim, contra legem, quando entram em conflito
com texto legal. Todavia, apenas as duas primeiras espécies são aceitas no sistema jurídico
pátrio, vez que, de acordo com o art. 2º da citada Lei, apenas uma lei pode revogar outra, não
se admitindo que costumes (e nem mesmo o decurso do tempo em relação a uma lei em
desuso) cancelem a vigência ou retirem a eficácia de lei. Então, se costumes não revogam leis
e se apenas leis definem crime e cominam pena, de um lado, não se aceitam caracterização de
crime e sancionamento em decorrência de costume; por outro lado, embora também não se
aceite a abolição de um crime sob clamor de costumes, não se nega que os costumes (bem
como as praxes administrativas) podem atuar como reforço em causas excludentes de
antijuridicidade ou de culpabilidade (não fere o princípio da reserva legal, operante em
instância material penal, afirmar que uma exclusão de antijuridicidade ou de culpabilidade
pode não ter expressa previsão legal).
Não obstante, dentre os objetivos específicos do presente texto, com licença ao mesmo
tempo simplificadora e extensiva de terminologia, a palavra “fonte” será empregada
abarcando, além daquela conceituação tradicional acima, também um conjunto de regras
estruturais que, mesmo não figurando como elementos emanadores em sentido estrito do
320
Direito, integram a razão jurídica e agregam uma forma de coesão global ao sistema e ao
ordenamento jurídico e conferem-lhe a necessária imperatividade. Nestas regras estruturais
inserem-se, dentre o que pode ser relevante para o presente texto, os princípios jurídicos, que,
desde os mais gerais até os de aplicação mais específica, alcançam grande importância e
relevância na matéria jurídica, e, por fim, a doutrina, figurando esta como o elemento
informador de menor grau de hierarquia, de objetividade e de imposição, conforme se
detalhará em 3.3.8.
Quanto aos princípios de Direito, aqui os abordando de uma forma global (tanto
aqueles princípios gerais de Direito, aplicáveis em qualquer ramo jurídico, quanto aqueles
mais específicos de determinada instância), convém expor uma apresentação introdutória, pois
não serão contemplados com um tópico específico neste texto. Sendo, de certa forma, um
reflexo da idéia abstrata que se tem do Direito natural (como um conjunto de regramentos
universais e derivados da consciência coletiva e da busca da justiça ideal), na verdade, os
princípios jurídicos se manifestam e repercutem em distintos ramos da ciência jurídica e nas
respectivas normatizações, em todos ou apenas em alguns destes ramos, de diferentes formas
e intensidades e atendendo às respectivas peculiaridades. Embora, formalmente, não sejam
uma fonte emanadora de Direito, os princípios jurídicos encontram-se fortemente enraizados e
indissociadamente refletidos nas fontes normativas de cada instância de Direito, já que tanto
melhor será uma normatização quanto mais ela conseguir refletir os valores adotados como
princípios desde sua construção natural.
Como parêntese nesta introdução aos princípios jurídicos, acerca das duas ferramentas
hermenêuticas acima mencionadas, cabe esclarecer que, enquanto a interpretação é a atividade
lógica por meio da qual o intérprete busca o significado de uma norma, a integração é o
recurso a que ele se obriga, diante de determinada situação a ser regulada, com o fim de suprir
uma lacuna no ordenamento. Na primeira, a norma existe, porém sua correta aplicação em
determinado caso concreto exige que se determine seu exato significado dentro do sistema
jurídico em que se situa; na segunda, a norma não existe e, para a resolução de determinado
caso concreto, exige-se um processo criador, delimitado ao sistema jurídico preexistente, para
suprir a lacuna.
Por um lado, mesmo não se tendo aqui intenção de aprofundar o tema acerca de
interpretação (e definir seus diversos métodos, tais como gramatical, histórica, lógica,
321
Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 - Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Por outro lado, voltando-se a atenção para a ferramenta da integração, atesta-se que há
expressa previsão, no ordenamento pátrio, da competência para o aplicador do Direito
formular aquele mencionado processo criador diante de lacuna legislativa, já que assim prevê
o mencionado art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e na mesma linha
também refletiu o art. 126 do CPC.
Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 - Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
CPC - Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as
havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação
dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
Com o devido amparo legal, já se tendo posicionado os usos e costumes como fonte de
Direito e se afirmando que, em instância de Direito público punitivo, como é o Direito
Administrativo Disciplinar, na mesma linha adotada pela instância penal, o emprego eventual
e excepcional da analogia deve ser visto com imensa cautela (a menos que seja em favor da
defesa, na analogia in bonam partem, jamais se aplicando, em sentido oposto, a chamada
analogia in malam partem), resta aqui abordar os princípios jurídicos. Ratifique-se, antes, que
os dispositivos legais não impõem uma ordem consecutiva de decrescente prioridade para
emprego daquelas ferramentas de integração, podendo a questão ser resolvida, por exemplo,
com a imediata aplicação de princípios gerais de Direito.
específica a determinados ramos jurídicos, tem-se que os princípios não são meras diretivas
morais ou declarações de intenção; ao contrário, informam, interpretam e, sobretudo, integram
o Direito, mesmo aqueles não normatizados. Embora possam advir de origens sociais e éticas,
os princípios jurídicos são elementos componentes do Direito e até podem, inclusive, alcançar
o patamar de fontes quando são consagrados na normatização ou na jurisprudência (o que,
todavia, jamais lhes retira a essência de serem princípios). Eles fornecem ao aplicador uma
visão sistêmica do ordenamento, interpretando seu sentido ou integrando suas lacunas. Diante
de situações que aparentemente comportam mais de uma decisão legalmente aceitável ou que
aparenta não ter nenhuma solução cabível, o emprego adequado dos princípios certamente
propiciará ao aplicador a conduta correta ou, ao menos, excluirá as condutas incompatíveis.
Uma vez que os princípios jurídicos (gerais ou específicos) refletem os mais altos
valores abstratos adotados pelo grupamento social, eles se inserem na percepção abstrata que
pode se ter de Direito natural e de sentimento social de justiça. Em decorrência, sob ótica
ideal, a positivação em normas que regula o contexto jurídico deve buscar, ao máximo
possível, fazer refletir no ordenamento vinculante aquelas premissas e aqueles fortes axiomas
espontaneamente adotados pelo corpo social e que refletem sua vontade, sendo certo que,
independentemente da expressa positivação dos princípios em normas, o ordenamento sempre
deve ser compreendido aprioristicamente impregnado dos valores por eles estabelecidos. Daí,
como os princípios direcionam e informam a elaboração das normas reguladoras, em
determinadas situações, pode se revelar muito mais afrontoso ao Direito não observar um
princípio do que descumprir uma norma positivada. Como tal, um processo conduzido com
inobservância de princípios reitores pode vir a ser objeto de crítica por nulidade.
“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,
conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o
sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”, Celso Antônio Bandeira de Melo, “Curso de
Direito Administrativo”, pg. 943, Malheiros Editores, 25ª edição, 2008
“Não obstante, destaque-se que os princípios jurídicos são bem mais importantes do que as
normas escritas, razão por que é bastante correto dizer que se afronta muito mais o direito
quando se desacata um dos seus princípios do que quando se desatende a uma de suas
normas textuais, posto que uma regra expressa contém apenas uma diretiva, enquanto que
um princípio encerra um conteúdo informador e formador de várias normas.” José
Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 47,
Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Feita esta introdução, sintetiza-se que, no escopo e de acordo com os objetivos deste
texto, aqui se mencionarão como fontes, além do que sabidamente assim trata a teoria
dogmática tradicional, todos os elementos que devem (nos casos específicos de normas ou
regras obrigatórias) ou que podem (nos demais casos, para os elementos tidos com meramente
referenciais e não vinculantes) ser considerados como informadores do Direito e do
entendimento ao aplicador, aí incluindo, conforme explanado acima, até mesmo ferramentas
hermenêuticas de integração, que são os princípios jurídicos.
Não obstante, reconhece-se que não é objetivo deste texto esgotar a análise das fontes
de Direito, das ferramentas hermenêuticas de interpretação e de integração e dos princípios e
muito menos buscar todas as suas respectivas aplicabilidades na íntegra da matéria jurídica.
Sabe-se, por exemplo, que há muitos outros princípios que podem ser doutrinariamente
considerados como informadores do Direito Administrativo Disciplinar, não obstante ter-se
aqui optado por limitar a apresentação dos mais relevantes. Para o esgotamento de tais temas,
dispõe-se de fartas doutrinas especializadas, às quais se remete. Aqui, mais do que aplicação
geral, importa tentar trazer à tona a repercussão daqueles conceitos e sobretudo dos princípios
jurídicos especificamente nas atividades da condução do processo administrativo disciplinar
(em que, em regra, a comissão configura-se na própria Administração, ao lado das autoridades
competentes para intervir, na instauração e no julgamento) e também no que diz respeito a
institutos do regime disciplinar. Portanto, para o enfoque concentrado que aqui interessa, ao se
mencionar “Administração”, em regra, está se referindo à comissão e às autoridades
intervenientes, instauradora e julgadora.
Neste enfoque adaptado aos presentes objetivos, a mais rica e completa fonte do
processo administrativo disciplinar é, obviamente, o rito definido na Lei nº 8.112, de
11/12/90. No entanto, uma vez que todo o presente texto se dedica a discorrer sobre a matéria
disciplinar daquela Lei, não faz sentido criar aqui um tópico específico para abordá-la como
324
fonte, já que todos os seus regramentos e institutos serão apresentados, com detalhes e
diluidamente ao longo do presente texto.
Desta forma, sem prejuízo de menções pontuais e diluídas ao longo deste texto para
dispositivos que se aplicam especificamente aos servidores (por exemplo, já abordados em
3.2.4) e para outros dispositivos que repercutem em determinados atos ou momentos da
instrução probatória do processo administrativo disciplinar (tais como, em lista
exemplificativa, a questão do anonimato, em 2.5.5; a estabilidade do servidor, em 4.2.4.1; os
direitos à preservação da intimidade, da privacidade e dos sigilos fiscal e bancário, em 4.4.6,
4.4.12 e em 4.4.15; o princípio da convivência (ou da relatividade) das liberdades, em
3.2.3.1.3, 4.4.12, 4.4.14.2, 4.4.15.2 e em 4.4.15.3; a inaceitação de provas ilícitas, em 4.4.14;
a inviolabilidade da comunicação telefônica, em 4.4.15; o direito de o acusado não fazer prova
contra si mesmo e de se manter calado, em 4.4.16.4.1; o caráter intransferivelmente pessoal da
pena e a individualização da responsabilização, em 4.5.1; a vedação à acumulação de cargos,
em 4.7.4; a competência para aplicação de penas, em 4.10.3; e o controle externo dos atos
administrativos, em 5.3, dentre outros), conforme já se havia introduzido em 3.3, a
apresentação de mandamentos constitucionais de interesse tanto substancial quanto processual
aqui se calcará nos princípios encartados na CF que repercutem indistintamente em todo o
processo ou que permeiam o próprio Direito material disciplinar.
Na esteira, uma vez que protegem toda a sociedade em geral, no que se incluem, por
óbvio, os servidores, inicialmente serão apresentados alguns princípios de suprema
importância refletidos em alguns incisos do art. 5º da CF (do devido processo legal e seus
corolários da ampla defesa e do contraditório). Na sequência, também se apresentarão os
cinco princípios reitores da Administração Pública, positivados no art. 37 da CF (a saber,
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), uma vez que, como são
aplicáveis a todas atividades administrativas em geral, também operam no Direito
Administrativo Disciplinar e ao longo de todo o procedimento disciplinar. Destaque-se a
necessária ponderação dinâmica, inclusive sem excepcionar a forma como devem ser
compreendidos princípios fundamentais constitucionais, já abordada em 3.3.
CF - Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...) (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 14/06/98)
CF - Art. 5º
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Esse rito deve permitir ao acusado ser notificado, a fim de poder se manifestar, ter
acesso aos autos, produzir provas em igualdade de condições com a comissão, não ser
processado com base em provas ilícitas, apresentar sua defesa, ter decisão motivada e razoável
e ainda ter assegurada a possibilidade de recorrer da decisão. Destaca-se a inserção do direito
à produção de prova neste primado do devido processo legal: o direito do polo passivo
produzir suas próprias provas ou postular por sua produção reflete-se na concretização do
devido rito constitucionalmente assegurado. Decorre ainda do devido processo legal a garantia
da não auto-incriminação: o acusado não é obrigado a fazer prova contra si mesmo.
Com o atual ordenamento constitucional, não há mais dúvida ou discussão de que, nas
apurações disciplinares, mesmo se tratando de instância administrativa, como decorrências do
devido processo legal, bastando que haja litígio de interesses, aplicam-se a este rito da Lei nº
8.112, de 11/12/90, as garantias individuais do contraditório e da ampla defesa.
CF - Art. 5º
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
327
Sob ótica mais detalhada e ramificada, a garantia da ampla defesa também pode ser
compreendida como direitos a serem garantidos ao acusado e que se manifestam em inúmeros
momentos processuais, tais como: ser notificado da existência do processo (verdadeira
cláusula inicial da ampla defesa, pois ninguém pode se defender se antes não souber que
existe, contra si, uma acusação), ter acesso aos autos, participar da formação de provas e ver
as provas e alegações que apresenta ou formula sxerem apreciadas, ter a faculdade de se
manifestar por último, ter defesa escrita analisada antes da decisão, ser alvo de julgamento
fundamentado e motivado e dele ter ciência (como pré-condição para poder exercer o direito
de recorrer). Ainda, como corolário da ampla defesa, tem-se a presunção de inocência do
servidor até o julgamento do processo, com o ônus de provar a responsabilização a cargo da
Administração.
Infraconstitucionalmente, este princípio, além dos arts. 116, parágrafo único, 143, 153
e 156 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, também se encontra positivado no art. 2º, caput e
parágrafo único, X, da Lei nº 9.784, de 29/01/99.
“É por isto que o contraditório não se pode limitar ao oferecimento de oportunidade para
produção de provas. É preciso que ele mesmo (o magistrado) avalie se a quantidade de
defesa produzida foi satisfatória para a formação do seu convencimento. Portanto, a ampla
defesa não é aquela que é satisfatória segundo os critérios do réu, mas sim aquela que
satisfaz a exigência do juízo. (...) (Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do
Brasil, Editora Saraiva, 1989, 2º vol, pg. 267).”
Por sua vez, a garantia constitucional do contraditório significa para o acusado ter o
direito de se contrapor a cada ato realizado pela comissão ou de dar-lhe a versão que condiz
328
com seus interesses de defesa ou de, para cada ato, construir a sua própria tese ou
entendimento jurídico que entenda cabível. O princípio se concretiza com a oferta da ciência
das provas juntadas aos autos e com a garantia de poder contestá-las de imediato, caso deseje,
estabelecendo uma relação bilateral, não necessariamente antagônica, mas sim
preferencialmente colaboradora com a elucidação da verdade. Por outro lado, o contraditório
se satisfaz apenas com a oferta, com a faculdade, com a prerrogativa que se concede ao
interessado em produzir contradita em relação a atos que militem a seu desfavor, não
caracterizando afronta ao princípio, se, uma vez devidamente ofertada a oportunidade à parte,
ela se omite e não a exercita. Em síntese, o contraditório se concretiza quando o processo
propicia o diálogo. Para isto, é necessário, então, dar ciência ao acusado, como regra geral,
com prazo hábil de antecedência de três dias úteis, de atos de produção de provas (diligências,
perícias, testemunhos, etc) e decisões prolatadas, conforme se verá em 4.4.3 e em 4.3.6, a fim
de que a parte, caso queira, possa se opor ou dar outra versão ou fornecer interpretação
jurídica diversa.
Enfim, não basta que a comissão colete os elementos de prova que lhe pareçam
relevantes para formar sua convicção; o contraditório garante ao acusado a faculdade não só
de contra-arrazoar as provas elaboradas pela comissão, como também de produzir suas
próprias provas e de ter suas alegações imparcialmente apreciadas e valoradas pela
Administração. Em patamar infraconstitucional, este princípio, além dos arts. 153 e 156 da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, também se encontra positivado no art. 2º, caput, da Lei nº 9.784, de
29/01/99.
CF - Art. 5º
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;
Segundo este primado, se, por um lado, inicialmente, à vista de notícia de suposta
irregularidade, cabe à Administração promover, sob manto do princípio do in dubio pro
societat, a imediata apuração contraditória e, em sequência, movida pelo princípio da
oficialidade, promover a exaustiva busca da verdade material, por outro lado, jamais deve se
perder de vista que tais competências vinculadas não possuem o condão de afastar a
presunção de que, a priori, o acusado é inocente.
Caso contrário, na hipótese de, embora esgotada exaustivamente a busca de prova, não
se lograr comprovar a responsabilização do infrator - não por comprovada inocência, mas sim
por ausência de prova condenatória -, em respeito à presunção de inocência, em lugar daquela
atuação inicialmente promovida pela oficialidade e pelo in dubio pro societat, opera-se o
princípio do in dubio pro reo, desaguando na absolvição.
CF - Art. 5º
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
A interpretação que se extrai desta leitura conjunta é de que enquanto o particular não
tem poderes ou prerrogativas, mas pode fazer tudo que a lei não proíbe, o agente público tem
poderes ou prerrogativas, mas só pode fazer o que a lei expressamente autoriza. De certa
forma, pode-se sintetizar que, em regra, entre particulares, vigora a autonomia da vontade,
enquanto que, em seara pública, a Administração e o agente público têm vontades delimitadas
pela lei e pelo interesse público.
Feita esta introdução geral, atentando-se especificamente para a seara pública, enfoca-
se que o princípio da legalidade, mencionado no art. 37 da CF, exige que os agentes públicos
mantenham sua atuação funcional delimitada por previsão legal.
Mas é de se atentar que, para a legítima prática de um ato administrativo, não basta a
existência formal de lei a autorizar sua emanação; além disto, deve também ter ocorrido o
conjunto fático que a lei estabelece como pré-requisito para a prática do tal ato. O ato
administrativo somente pode ser praticado se estiverem atendidas as condições que a lei que o
prevê estabelece como necessárias à sua emanação.
331
Como se tem, no enfoque em questão, o devido processo legal definido nos Títulos IV
e V da Lei nº 8.112, de 11/12/90, eis que resta limitada margem de discricionariedade na
matéria disciplinar, dada a vinculação do procedimento à lei, desde a obrigatoriedade de a
autoridade competente instaurar o processo, passando pelo rito apuratório a cargo da comissão
e concluindo nas listas exaustivas e associadas de infrações e penalidades administrativas. E,
mesmo nos casos em que resta alguma margem discricionária, isto não se confunde com
arbitrariedade, visto que o agente público deve adotar a melhor conduta, dentre o conjunto de
decisões legalmente aceitáveis, segundo critérios de conveniência e oportunidade para o
interesse público.
Na leitura mais extensiva deste princípio, não basta o procedimento seguir os ditames
da lei; também é necessário que ele assegure a satisfação das finalidades da lei, conferindo
não só legalidade mas também legitimidade ao processo como um todo e ao resultado com ele
alcançado. E o termo “lei” deve ser lido de forma extensa, albergando todo o ordenamento,
desde a CF, passando pelas leis e decretos, até as normas infralegais, internas do órgão.
Embora em nada se confundam com princípios, mas uma vez que são mencionados em
inúmeras passagens ao longo do presente texto e fortemente se associam ao princípio da
332
legalidade, convém aqui inserir, superficialmente, alguns conceitos referentes aos atos
administrativos e seus requisitos de validade, extraídos do Direito Administrativo.
Atos administrativos são os atos jurídicos realizados pela Administração e, como tal,
são produzidos sob estrita finalidade pública, em atendimento a lei (compreendida neste
tópico em sentido amplo, abarcando também dispositivos normativos infralegais) e sujeitos
sempre ao controle judicial. Com esta introdução ao tema, de imediato, ao mesmo tempo em
que se demarca a atividade administrativa (por ser regida pela finalidade pública), se
diferencia dos atos típicos dos dois demais Poderes (as leis em sentido estrito e as decisões
judiciais). Importante destacar que o ato administrativo contém uma declaração de vontade da
Administração (não vontade própria do agente, mas sim reflexo direto da vontade da lei e da
finalidade pública), no desempenho das prerrogativas do Poder Público, com efeitos jurídicos
imediatos, o que o difere de normatização interna, que regula situações abstratas, e do fato
administrativo em si, que pode vir a ser a decorrência materializada daquele ato.
Assim, se até onde aqui se descreveu, tem-se que um determinado motivo (fático ou de
direito) leva a Administração a praticar um ato administrativo de efeito imediato (objeto),
complementa-se informando que o requisito da finalidade sucede à prática do ato, exigindo
que tal atuação apenas se dê em busca de um resultado de interesse público, que pode ser
expresso em lei ou subentendido do ordenamento. A finalidade é o objetivo, sempre de
interesse público, que a Administração quer obter com o ato. Por fim, o requisito da forma,
para possibilitar os controles interno e externo, indica que o ato deve não só se exteriorizar
por meio da forma prevista em lei, a qual, em geral, é a escrita, como também deve ser
conduzido pelo procedimento e pelas formalidades legais porventura exigíveis.
Lei nº 4.717, de 29/06/65 - Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades
mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes
normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do
agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de
formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei,
regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se
fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado
obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso
daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Um determinado ato administrativo é dito vinculado quando a lei (em sentido amplo)
impõe uma única solução possível para uma situação fática em tela, pois estabelece
regramentos para todos os requisitos de sua validade, restando limitado grau de liberdade ao
agente público na sua efetivação. Uma vez não atendido qualquer dos requisitos legais ou
regulamentares, o ato inquina-se de vício de ilegalidade e de consequente nulidade.
Sendo toda a emanação deste tipo de ato integralmente delimitada por lei, cabe ao
Poder Judiciário, por um lado, apenas avaliar sua legalidade, ou seja, analisar a conformidade
do ato com a lei; mas, por outro lado, o controle judicial se dá sobre todos os requisitos do ato,
podendo anulá-lo quando contiver ilegalidade.
Uma vez que no ato discricionário alguns de seus requisitos de validade encontram
definição em lei e outros são deixados, com maior ou menor grau de liberdade, à apreciação
da Administração, tal espécie de ato pode ser avaliada pelo Poder Judiciário tanto em termos
de legalidade (ou seja, a conformidade com a lei dos requisitos regrados) quanto em termos de
334
dos atos administrativos não afasta o direito de o administrado buscar a tutela judicial caso se
considere prejudicado em seus interesses em decorrência da atividade estatal.
Este princípio, que, além de ser enumerado no art. 37, também é mencionado no já
reproduzido caput do art. 5º, ambos da CF, se manifesta em instância administrativa
ordenando que a condução de qualquer rito ou procedimento seja feita pela Administração
com imparcialidade e objetividade, culminando em decisão imune a subjetivismos ou
particularismos. O processo administrativo contém uma inerente e indissociável desigualdade,
já que a própria Administração atua como parte e como autoridade julgadora, cabendo então a
seus agentes compensarem tal diferenciação com uma condução dos trabalhos e uma atuação
isenta e propiciadora de igualdade de condição.
A impessoalidade impõe que a Administração, mesmo atuando como parte e como juiz
no processo administrativo, conduza os trabalhos e atue de forma a assegurar igualdade de
direitos de postulação e de defesa do administrado. Além da impessoalidade na forma de lidar
com o administrado com quem trava um diálogo jurídico processual, cabe ainda à
Administração cuidar da necessária isonomia de tratamentos, uma vez que não se consente
que dois servidores, sob mesmas situações fáticas, obtenham decisões discrepantes por parte
da Administração. Em virtude desta submissão à igualdade de todos perante a lei, as partes em
instância processual devem ter as mesmas oportunidades para fazerem valer suas razões,
merecendo ser tratadas igualmente, na medida de suas igualdades; e desigualmente, na medida
de suas desigualdades.
detrimento de também propiciar ao servidor iguais condições de apresentar suas teses e vê-las
efetivamente apreciadas. Cabe ao ente estatal agir com independência e imparcialidade, de
forma igualitariamente impessoal, indistintamente de quem esteja no polo passivo, como
reflexo da atenção ao primado do juiz natural, que, por fim, atende à garantia
constitucionalmente eleita do devido processo legal e que, na processualística disciplinar
encontra repouso no art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Embora haja distinção entre valores éticos e a ciência jurídica, jamais os preceitos
éticos estiveram completamente dissociados dos institutos de Direito e da positivação das
normas. Tal assertiva se tornou ainda mais indiscutível com o atual ordenamento
constitucional, em que, de forma inédita, os termos “moral” e “moralidade” ultrapassaram os
limites da vida social e foram juridicizados, ao serem contemplados em diversas passagens da
CF.
Uma vez que a CF, em seu art. 37, elencou os princípios da legalidade e da moralidade
como autônomos, tem-se que um ato até pode ser legal mas não necessariamente moral (no
sentido de justo ou honesto). Advirta-se que, no presente texto, embora se empreguem
indistintamente os vocábulos “imoral” e “imoralidade”, tem-se que as afrontas à moralidade
contemplam não só o que, em sentido estrito, se chama de imoral (quando a afronta à moral é
consciente) mas também de amoral (quando a afronta se dá por postura de indiferença, por
ausência de senso moral).
Mas esta moral de que aqui se cuida não é a moral comum, imposta ao homem para
sua vida externa, mas sim a moral jurídica, imposta ao agente público, em sua conduta interna
na instância administrativa. Daí, doutrinariamente, o princípio passa a ser melhor especificado
como princípio da moralidade administrativa.
Mas, por outro lado, este é um princípio cuja invocação requer cautela, visto ser um
mandamento aberto (por requerer complementação valorativa, obtida da jurisprudência e da
doutrina), de difíceis positivação e conceituação. O fato de conceitos éticos e morais terem
passado a repercutir juridicamente por meio da CF não autoriza que se considere ilícito
jurídico qualquer ato da vida concreta que, em determinado local ou época, possa ser tratado
como violação a preceito moral, visto que, concretamente, este é um conceito flexível no meio
social, no tempo e no espaço, conforme já dito, influenciado por valores subjetivos. Destaque-
se que esta cautela ainda mais fortemente se justifica uma vez que, no extremo, a configuração
de dano ao erário ou enriquecimento ilícito ou afronta aos deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade, com alto grau de ofensividade e dolo, afrontando em
particular o núcleo da conduta moral (ou seja, o dever mais específico da probidade
administrativa), pode importar em seriíssimas repercussões se for tomada como ato de
improbidade administrativa. O ato de improbidade administrativa é considerado como
imoralidade administrativa qualificada, ou seja, como uma espécie qualificada do gênero
imoralidade administrativa, em decorrência de a conduta imoral ainda acarretar dano ao erário
e/ou enriquecimento ilícito.
contraditório, por sua natureza sigilosa nos termos regulados pelo art. 150 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, e por conter dados que a própria CF protege sob cláusulas de preservação de
intimidade, de privacidade e de honra, em seu art. 5º, X, rege-se pela chamada publicidade
restrita. Por óbvio, opera-se aqui o já mencionado dinamismo que caracteriza a matéria
principiológica, tendo-se a necessária atenuação pontual de um princípio (da publicidade) para
que, no mesmo ponto, prevaleçam outros comandos constitucionais de idêntica envergadura
simultaneamente operantes (os princípios da legalidade, da indisponibilidade do interesse
público e a garantia fundamental de preservação da intimidade, da privacidade e da honra).
STJ, Mandado de Segurança nº 7.983: “Ementa: (...). 2. A eventual quebra do sigilo das
investigações, com suposto vazamento de informações à imprensa, não tem o condão de
revelar processo administrativo falho, porquanto o sigilo, na forma do art. 150 da Lei n.
8.112/90, não é garantia do acusado, senão que instrumento da própria investigação.”
STJ, 13.656: “Ementa: (...) V - O sigilo de que trata o art. 150 da Lei n.º 8.112/90, é aquele
"necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração", eis que
instrumental à própria investigação.”
autuados como o objetivo de, ao final, fundamentar tal decisão, passam a ser regulados pela
acessibilidade para o próprio acusado e a priori até para terceiros.
Esta discussão traz à tona o princípio da convivência das liberdades (ou da relatividade
das liberdades), que, embora não expresso na CF como o são os princípios mencionados de
3.3.1.1 a 3.3.1.8, inequivocamente tem amparo na leitura sistemática do texto constitucional,
sobretudo com a interpretação já aplicada pela jurisprudência superior.
Daí, importa destacar que o Supremo Tribunal Federal, mais alta Corte do Poder
Judiciário pátrio, tido como a Corte protetora da constitucionalidade, já se manifestou neste
sentido, a saber, da possibilidade excepcional de quebra do direito fundamental da pessoa
quando a este direito privado se contrapõe o interesse maior, que é o interesse público, uma
vez que nenhuma liberdade individual pode ser exercida de forma absoluta quando repercute
345
danosamente à ordem pública e ao bem social. Diante do conflito de direitos, a tensão entre o
interesse particular e o interesse público se resolve caso a caso, sendo possível que, em
determinada hipótese de colidência, ao se ponderar valores e direitos em confronto, se decida
pela concessão da maior relevância e preponderância ao interesse de toda a sociedade. Esta
ponderação de valores pode ser justificada e reforçada também trazendo à tona,
dinamicamente, o princípio da proporcionalidade. Assim, dentro dos limites estabelecidos em
lei, o Supremo Tribunal Federal tolera que, excepcional, proporcional e motivadamente, se
mitiguem garantias fundamentais da pessoa erigidas no art. 5º da CF.
“É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser
entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da
convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de
modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias.” Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo
Penal”, pg. 145, Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, 2006
Ora, de outra forma não poderia mesmo considerar a mais alta Corte pois, do
contrário, se estabeleceria uma inversão ou até mesmo uma subversão da ordem jurídica caso
se tentasse justificar a garantia fundamental em favor, por exemplo, de um possível infrator
em detrimento do interesse público maior. É cristalino que quando o legislador constituinte,
em acertada hora, estabeleceu como cláusulas pétreas a favor de todos as garantias
fundamentais da pessoa e inerentes ao estado democrático de direito, fundava-se na presunção
de regularidade em que se esteia inicialmente a ciência jurídica, não tendo passado em sua
intenção propiciar garantias a favor de quem, em tese, incorre em infrações.
somente poderão ser atenuadas tais garantias por meio de lei stricto sensu, a qual, em regra,
ponderando direitos conflitantes com proporcionalidade e razoabilidade, fará prevalecer o
interesse público. Por exemplo, quanto ao inciso X do art. 5º da CF, menciona-se a Lei
Complementar nº 105, de 10/01/01, que regulamenta a quebra do sigilo bancário; quanto a
este mesmo inciso X em conjunto com o inciso XI, menciona-se a parcela dos dispositivos do
CPP para busca e apreensão que foi recepcionada pela atual CF; quanto ao inciso XII,
menciona-se a Lei nº 9.296, de 24/07/96, que regulamentou a interceptação telefônica.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo
administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial,
à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da
Administração.
Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria,
aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
STJ, Mandado de Segurança nº 8.595: “Ementa: (...) III - A Lei 8.112/90, ao estabelecer
regulamentação específica para o processo disciplinar dos servidores públicos por ela
regidos, admite aplicação apenas subsidiária da Lei 9.784/99.”
Citem-se, por exemplo, como de aplicação em todo o rito disciplinar, quando cabíveis,
os princípios listados no art. 2º da Lei nº 9.784, de 29/01/99, no seu caput e também nos
incisos do parágrafo único. De imediato, como não poderia ser diferente, a Lei reporta-se a
princípios constitucionais definidos em 3.3.1 (ampla defesa, no art. 2º, caput e parágrafo
único, X; contraditório, no art. 2º, caput; legalidade, no art. 2º, caput e parágrafo único, I;
impessoalidade, no art. 2º, parágrafo único, III; moralidade, no art. 2º, caput e parágrafo
único, IV; publicidade, no art. 2º, parágrafo único, V; e eficiência, no art. 2º, caput e parágrafo
único, IX e no art. 48).
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 2º A administração pública obedecerá, dentre outros, aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou
competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
347
Conforme já exposto pelo princípio da legalidade, todo ato administrativo tem de ser
conforme a lei. E como se presume que toda lei comporta em si a instrumentalização de um
determinado fim de interesse público que motivou sua edição, o princípio da finalidade
assevera que todo ato administrativo deve ter como fim o interesse público, como requisito de
sua validade. Ao se amparar na lei para cometer ato discrepante de sua finalidade, tem-se que
o agente público incorre em ato de desvio de finalidade, como espécie do gênero de ato de
abuso de poder, conforme já aduzido em 3.2.1.
Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 - Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigencias do bem comum.
Como requisito de validade, tem-se que não basta ao ato administrativo existir
previsão de sua realização em lei; é necessário ainda que a sua realização atenda ao interesse
público tutelado por aquela lei, sendo vedada a busca de outros objetivos ou a promoção de
interesses do próprio agente público ou mesmo de terceiros.
Como decorrência do primado de que o agente público tem sua conduta funcional
determinada pela vinculação ao ordenamento, o princípio em tela, como consequência daquela
vinculação, atua como inibidor do arbítrio, da pessoalidade e da discricionariedade,
determinando que todo ato ou decisão administrativa que importar em restrição de direitos
deve, obrigatoriamente, ter expressa a sua motivação, sob pena de ser passível de crítica por
nulidade.
Necessário atentar para o natural relaxamento - e que pode acarretar algum grau de
confusão - com a terminologia sobre o tema. Quando, comumente, se menciona que
determinado ato administrativo deve ser motivado, se quer referir ao indispensável requisito
de validade de aquele ato possuir, na base de sua realização, um motivo fático ou jurídico que
o justifique, motivo este que não necessariamente deva estar exposto, como forma de
motivação. É comum se referir à necessidade de o ato ser motivado como consagração
daquele requisito indispensável à sua validade, o que, por um lado, não se confunde com a
necessidade de exposição do seu motivo, mas que, por outro lado, mesmo nas hipóteses de tal
desnecessidade, em caso de haver qualquer questionamento acerca da validade do ato, uma
vez que o motivo de sua realização existe, pode ser prontamente manifestado a quem o requer.
Nos casos em que o motivo regularmente não segue manifestado, a validade do ato
pode ser aferida por outra forma através da qual se verifique ou se compreenda este pré-
requisito, tais como em atos anteriores que lhe tenham dado supedâneo ou no simples amparo
em norma que preveja sua realização ou na condução ou na conclusão de um processo do qual
ele se originou.
“(...) Enquanto o motivo retrata a existência das razões de fato ou de direito que
impulsionaram a manifestação volotiva do agente da Administração, motivação (...),
portanto, é o motivo expressamente formalizado. Significa que o motivo nem sempre estará
constando do ato, mas poderá ser identificado em documentos formais diversos; assim, um
ato administrativo pode não conter motivação, mas pode encontrar-se o motivo, por
exemplo, em processo administrativo de onde se originou o ato. Desse modo, todo ato, para
ser válido, precisa ter motivo, ao passo que nem sempre a motivação é exigível.”, José dos
Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pg. 52, Editora Lumen Juris,
2ª edição, 2005
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com
indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
350
Ainda mais uma consequência deste princípio é que a instância não se encerra e nem o
processo se extingue pelo simples decurso do tempo (no máximo, pode-se ter extinta a
punibilidade, devido ao instituto da prescrição, conforme se verá em 4.13, mas não o poder-
dever de apurar), sendo certo, inclusive, que a incessante busca da verdade se estende até a
revisão de ofício, por parte da Administração, quando novos argumentos ou novos fatos
demonstrem a inadequação da decisão original.
Embora, a rigor, este princípio não esteja positivado na Lei nº 9.784, de 29/01/99, ele
exsurge como direto corolário de dois princípios nela expressos: da indisponibilidade do
interesse público e da oficialidade, justificando aqui a sua exposição.
352
Uma vez que a busca é a da verdade material e que, para tal, a Administração move-se
por oficialidade e que atua o princípio da comunhão da prova, conforme se abordará em
3.3.3.7 e em 4.4.1.2, não existe a dicotomia de provas de acusação e provas de defesa, mas
sim apenas e indistintamente provas do processo, coletadas sob exclusiva ótica do interesse
público de esgotar o esclarecimento dos fatos. Daí porque se obriga a realização de prova de
conhecimento da comissão que atue favoravelmente à defesa mesmo se esta não peticiona
pela realização. Obviamente, pela já aduzida intercomunicabilidade dos princípios, se a
Administração conhece de nova prova, contrária à parte, deve ofertar ao acusado a
possibilidade de contraditá-la. Prevalece, portanto, a verdade material sobre a verdade formal.
“Assim, não cabe mais falar no instituto da ‘verdade sabida’. Se este permitia à autoridade
que tomasse conhecimento pessoal e imediato de fato punível, poder aplicar a sanção
independentemente de apuração em processo disciplinar ou sindicância, com o advento da
citada norma constitucional do art. 5°, LV, passa-se ao entendimento de que ‘mesmo nas
penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias, impõe-se a instauração de
sindicância para apuração de responsabilidades, observando-se o princípio da ampla
defesa - Parecer SAF n° 83/92, DOU 23.03.92.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis,
“Processo Disciplinar”, pg. 69, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Pelo princípio da segurança jurídica, vícios superáveis nos atos administrativos podem
ser considerados incapazes de suscitar a invalidade do ato, a fim de se preservar as lícitas
relações jurídicas dele constituídas e decorrentes. A necessidade de se preservar a segurança
jurídica impõe a convalidação do ato imperfeito, conforme melhor se aduzirá em 4.12. Traz-se
à tona, em reforço, o princípio do prejuízo, segundo o qual somente se cogita de declarar nulo
um ato produzido sob mácula de ilegalidade caso dele tenha decorrido efetivo prejuízo ao
administrado.
A dinâmica acima mencionada pode ser ilustrada com a exigência de que a realização
de atos de instrução probatória no curso do processo administrativo disciplinar seja
antecipadamente notificada à defesa para que esta, caso deseje, possa participar. A ausência
de notificação ou a sua feitura em prazo menor que o previsto em lei pode inquinar de
nulidade o ato instrucional em si, devendo a própria comissão, em exercício de autotutela de
seus trabalhos, declarar a nulidade. Todavia, se mesmo não notificado ou se notificado de
forma irregular, o servidor comparece e efetivamente exercita sua prerrogativa de contraditar
a realização do ato instrucional, de forma a não configurar nenhum prejuízo em sua defesa em
virtude do defeito de forma na notificação, afasta-se, por atenção ao princípio do prejuízo, a
necessidade de se exercer a autotutela e de consequentemente se declarar a nulidade do ato de
prova, restando este válido.
Outra visão, mais ampla, do mesmo princípio da segurança jurídica - sem se confundir
com a hipótese acima de ilegalidade do ato -, informa que, a despeito do caráter dinâmico com
que se compreende a ciência jurídica, capaz de natural e salutarmente comportar distintas
interpretações válidas sobre um mesmo tema, uma vez adotada determinada linha
interpretativa, ainda que esta venha a ser alterada no âmbito da Administração, os atos
administrativos e as situações jurídicas deles decorrentes atingidas pela nova interpretação
não devem ser submetidas por este recente posicionamento, sob pena de se realçar nefasta
insegurança nas relações jurídicas. O princípio da segurança jurídica, nesta sua acepção mais
abrangente, determina que novas interpretações devem ter aplicabilidade apenas a partir de
sua adoção (ou seja, aplicação ex nunc), sem atingir as situações já consolidadas - a menos
que se verifique alguma ilegalidade no iter decisório anterior.
356
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão
ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis
poderão ser convalidados pela própria Administração.
Por um lado, é certo que não se dispensa o processo, como o devido rito legal onde se
discutem questões referentes ao Direito material e por meio do qual se concatenam os atos
que sustentam e justificam a decisão final, atuando ainda como o foro controlador da
legalidade e assegurador das garantias de ampla defesa e de contraditório em favor do
administrado, para que este possa participar da formação da vontade estatal. Mas, por outro
lado, como decorrência do mandamento também de instância constitucional de se buscar a
eficiência, por meio de uma conclusão válida e justa, o processo administrativo disciplinar
deve ser entendido e conduzido pela Administração como sendo apenas um instrumento e não
um fim em si mesmo. Daí, pode ser despido de exageros formais que dificultem ou impeçam a
participação do servidor, sobretudo para exercitar as garantias fundamentais da ampla defesa e
do contraditório. A priori, os atos do processo administrativo disciplinar não dependem de
forma determinada como condição de validade, a menos que lei exija.
Com maior rigor restritivo, este princípio pode ser invocado sempre a favor do
servidor, pois o princípio também visa a facilitar a participação do interessado. Sua aplicação
é benigna, sobretudo alcançando atos a cargo do servidor. Não se consente que a
Administração desrespeite alguma formalidade exigida em lei em detrimento da defesa, mas
se poderá fazê-lo se a formalidade puder ser dispensada sem afrontar a lei e tal dispensa
favorecer ou, pelo menos, não prejudicar a parte.
outro princípio, que é o da instrumentalidade das formas. Por este princípio, compreende-se
que o processo propriamente dito não encerra um fim em si mesmo mas sim ele é apenas
mero instrumento para se chegar a determinado fim (uma decisão de mérito, em regra).
Segundo este princípio, o rigor formal dos autos só deve ser tido como absolutamente
indispensável à validade dos atos se a sua mitigação influenciar no objetivo, que é a justa
decisão.
Segundo este princípio, no rito administrativo, a sacralidade das formas deve dar lugar
à sua instrumentalidade, considerando-se regulares os efeitos de determinado ato ainda que
produzido com algum defeito procedimental se atingiu a finalidade a que se destinava. A
sacralização das formas não deve ser tal que, para que se obedeça a uma determinada regra
processual, tenha de se absolver um culpado ou condenar um inocente. Ainda de acordo com
o mesmo princípio, a violação de simples forma - que é um meio, um instrumento para se
chegar à decisão de mérito - pode não prejudicar a finalidade do processo, que é a decisão.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de
forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.
§ 1º Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o
local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
§ 2º Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver
dúvida de autenticidade.
§ 3º A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão
administrativo.
§ 4º O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.
Cite-se que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, no art. 173, não prevê pagamento de diária e
transporte para o acusado acompanhar pessoalmente atos instrucionais porventura realizados
fora da sua localidade de lotação (ou de exercício, se diferente); há expressa garantia de tais
pagamentos apenas quando o acusado necessita se deslocar para ser interrogado. Justamente
358
Traz-se então à tona o princípio da autotutela, com supedâneo em duas fortes bases
principiológicas informadoras da Administração, quais sejam, a legalidade e a hierarquia.
Uma vez que a legalidade impõe à Administração a sujeição à lei, por óbvio, impõe também o
controle da legalidade dos atos administrativos, enquanto que a hierarquia autoriza que este
controle obrigatório possa se fazer primeiramente no próprio âmbito interno da
Administração, sem necessidade de intervenção judicial, de acordo com sua linha de
subordinação funcional, refletindo o brocardo de “quem pode o mais, pode o menos”.
O princípio da autotutela foi consagrado não só na doutrina como também na mais alta
manifestação jurisprudencial, nos termos das Súmulas nº 346 e 473 do Supremo Tribunal
Federal. Deste princípio, extrai-se, sob ótica instrumental, que pode a Administração, por
meio do superior hierárquico, rever os atos emanados pelo subordinado, seja por revogação,
359
seja por anulação, tanto de ofício quanto a pedido, conforme melhor se abordará em 4.12. E,
neste rumo, o presente enunciado tem como imediato corolário o princípio da pluralidade das
instâncias.
Lei n° 9.784, de 29/01/99 - Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos,
quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 55. Em decisão da qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem
prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados
pela própria Administração.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de
razões de legalidade e de mérito.
§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a
reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará a autoridade superior.
§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.
§ 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula
vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar,
explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da
aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso. (Incluído pela Lei nº
11.417, de 19/12/06)
360
Por fim, acrescente-se que, na hipótese de tanto a CF, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, e a
Lei nº 9.784, de 29/01/99, serem silentes em relação a determinado tema, obrigatoriamente
deve o aplicador do Direito buscar a integração com os dispositivos do CPP ou do CP, ainda
que existam de forma diferente no CPC ou no CC, em virtude da inegável maior linha de
afinidade da matéria disciplinar, seja substancial, seja instrumental, com as correlatas matérias
do Direito Penal ou do Direito Processual Penal, em comparação com o Direito Civil ou com
o Direito Processual Civil. Desta forma, não havendo regramento de determinado tema na CF
e após a busca em vão na Lei nº 8.112, de 11/12/90, e em seguida na Lei nº 9.784, de
29/01/99, deve o aplicador buscá-lo no CPP ou no CP; somente em caso de persistir a lacuna é
que, em termos de fonte normativa, deve o aplicador estender sua busca no CPC ou no CC.
Embora, materialmente, possuindo o Direito Civil grande abrangência e aplicabilidade por
regular as relações jurídicas mais cotidianas das pessoas em geral e, em consequência, o CC
emane como fonte de inúmeros conceitos e institutos jurídicos e, procedimentalmente, o CPC
figure como a lei processual básica e inspiradora dos demais ritos e de maior aplicabilidade
genérica, ambos Códigos, para fins de fonte normativa do Direito Administrativo Disciplinar,
situam-se como de menor hierarquia.
“O direito disciplinar, como já dito, não é infenso à analogia penal, ainda mais quando se
cogita de pena de natureza grave, conforme se vê do entendimento do Supremo Tribunal
Federal manifestado no RE 78.917 (RTJ 71/284). O direito disciplinar não é infenso à
analogia penal. Antes, ao que ensina Themístocles B. Cavalcanti no caso das penas
361
Além dos princípios ora apresentados como síntese da exposição das fontes
legislativas de natureza judicial, similarmente ao que se convencionou quando se abordou a
fonte constitucional, procedimentos, conceitos e institutos das instâncias material e
instrumental penal ou civil que repercutam de forma pontual na instância disciplinar serão
apresentados ao longo do texto, apenas no ponto em que se fazem relevantes.
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
CF - Art. 5º
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
CP - Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
364
cominação legal.
CF - Art. 5º
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
CP - Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,
cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos
fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
CPP - Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos
atos realizados sob a vigência da lei anterior.
Ainda no tema da aplicação da lei penal no tempo, também por reflexo da garantia
constitucional insculpida no art. 5°, XL da CF, estampada no caput do art. 2º do CP, merece
menção a hipótese de quando lei posterior, revogando dispositivo legal anterior que
considerava determinada conduta como crime, passa a não mais qualificá-la como tal,
restando aquele tipo de conduta como atípica e, portanto, fora da definição de crime (a
chamada abolitio criminis). Em tal situação, opera-se a retroatividade benigna, extinguindo a
punibilidade referente a condutas praticadas ainda ao tempo da lei anterior, conforme o art.
107, III do CP. Com isto, novos processos sequer são iniciados, os processos em andamento
são imediatamente extintos, as sentenças têm cessadas suas execuções, as penas em execução
são extintas, bem como também cessam todos os seus efeitos penais (mas não os civis, como,
por exemplo, de reparar eventual dano decorrente da conduta). Na mesma toada, quando a lei
penal posterior, mesmo sem trazer a completa descriminalização da conduta, inova o
ordenamento com qualquer alteração benéfica ao agente (a chamada novatio legis in melluis,
como, por exemplo, cominação de pena menos rigorosa, aceitação de novas atenuantes ou
criação de nova hipótese de extinção de punibilidade), conforme o parágrafo único do art. 2º
365
do CP, é aplicada retroativamente em benefício do autor, no que couber aos casos concretos,
seja em processos em andamento, seja em processos já sentenciados.
CP - Extinção da punibilidade
Art. 107. Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
III - pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso
Este princípio de instância material penal volta-se ao aplicador do Direito, freando seu
ímpeto de aplicar o Direito público punitivo quando a conduta em análise pode ser remediada
com a atuação de outras instâncias jurídicas menos repressivas.
O princípio da intervenção mínima informa que a instância penal é de ser vista como o
remédio jurídico de aplicação residual, subsidiária e sem excessos para afrontas a bens
jurídicos tutelados quando nenhuma outra instância de Direito se mostre eficaz e suficiente.
Sendo uma instância de Direito voltada à proteção de relevantes bens jurídicos de interesse de
toda a sociedade para cuja afronta impõe as mais severas penas previstas no ordenamento, o
princípio em tela ampara que o Direito Penal somente deva ser provocado não só quando o
bem jurídico foi atingido pela conduta do agente, mas também quando o foi de forma
relevante. Em outras palavras, este princípio aponta para que o aplicador do Direito, antes de
cogitar da gravosa provocação da instância penal, verifique se os demais ramos jurídicos não
podem solucionar o conflito, de forma que o Direito Penal somente seja aplicado em último
caso, quando os controles formais e as proteções encartadas nos demais ramos não supram a
necessária tutela a valores primordiais da vida em sociedade.
reprovação social, operada pela aplicação da pena. Neste rumo, o princípio informa que o
Direito público punitivo somente deve se importar com condutas que, materialmente,
exponham a perigo valores fundamentais da sociedade ou, em outras palavras, que contenham
lesividade social.
Em razão da construção teórica e hipotética dos tipos penais, o texto legal não
comporta a diferenciação para condutas de pequeno grau de afronta, cabendo ao aplicador do
Direito a atenção ao princípio, que indica que somente as condutas que de fato lesionem o
interesse protegido é que materialmente se adequam ao tipo. Para as condutas incapazes de
ofender o bem jurídico tutelado, que podem ser denominadas de ilícitos de bagatela, opera-se
a exclusão da tipicidade, no que tange a seu aspecto material.
tenha, a seu favor, afastada a configuração de fato típico (seja doloso e até mesmo culposo) no
comportamento inesperadamente irregular de terceiro. Todavia, a confiança excessivamente
depositada e que macula a inferência de dedicação e diligência que se deveria esperar do
próprio agente deixa de ter o condão de afastar a tipicidade de sua conduta.
Pode, por exemplo, uma autoridade superior, atuando dentro do que normalmente se
espera da análise gerencial das diversas demandas que lhe chegam, acatar determinado
encaminhamento a um pleito qualquer, indevidamente proposto por subordinado, sem que
houvesse qualquer elemento que lhe chamasse a atenção da incorreção da proposta, ao amparo
da relação de confiança depositada na lisura e na capacidade profissional do subordinado.
Nesta hipótese, à vista de cautelosa análise das peculiaridades do caso concreto, desde que se
verifique que a conduta do superior hierárquico se manteve no limite do que normalmente se
poderia esperar da diligência, da dedicação, do aprofundamento e da atenção do homem
mediano, pode se cogitar da aplicação do princípio da confiança para subtrair a tipicidade da
conduta daquele superior. Por outro lado, novamente com a cautela de aqui não se intencionar
ditar regra determinística, atentando para os contornos de cada caso em concreto, a aplicação
do princípio em comento pode não valer se a competência deste agente é justamente avaliar
ou corrigir as tarefas dos subordinados.
O enunciado do non bis in idem (que, literalmente, significa “não duas vezes sobre a
mesma coisa”), embora figure como um princípio geral de Direito, aplicável em qualquer
instância jurídica (já que a idéia de Direito traz associadas as noções de obrigação e de
sanção), sem dúvida, encontra campo mais fértil de aplicação em ramos jurídicos punitivos,
como o Penal e do Administrativo Disciplinar.
Em instância disciplinar, este princípio impede que, por um mesmo conjunto fático
apurado em um determinado processo administrativo disciplinar, seja o servidor punido com
mais de uma pena. Assim, não se admite, ainda que um único processo encarte a apuração de
fatos que se enquadram em mais de um dispositivo legal (seja em concurso de normas em
conflito apenas aparente, seja em efetivo concurso de infrações independentes, conforme se
aduzirá em 4.5.3), que se apliquem penas de advertência e de suspensão ou penas de
advertência e expulsiva ou penas de suspensão e de multa ou penas de suspensão e expulsiva.
Todavia, à vista deste princípio, duas ressalvas devem ser destacadas. A primeira é que
368
o enunciado não afasta outro enunciado de idêntico valor informante, qual seja, da
independência das instâncias, que se abordará em 4.14.3. Não configura afronta ao princípio
do non bis in idem a tríplice repercussão de um mesmo ato em distintas esferas de
responsabilização, com suas respectivas formas de sancionamento, em sentido lato. Assim,
por exemplo, um mesmo fato antijurídico pode receber a reprimenda prevista em instância
penal se for tipificado como crime e também justificar a respectiva pena administrativa
estatutária se for enquadrado como ilícito disciplinar e ainda sem prejuízo de impor ao agente
o dever de reparar eventual dano ocasionado por sua conduta. São três apurações e
consequentes apenações de distintas naturezas, satisfazendo distintas tutelas de Direito e que
não maculam a regra da vedação de acumulação de penas de mesma índole.
Dentro deste contexto abrangente com que se aborda não só a prova em si mas
também o iter por meio do qual ela venha aos autos, à vista do norte unicamente público com
que o juiz defere ou determina que se realize um ato instrucional ou que se junte um elemento
formador de convicção, com o fim de esclarecer para si a verdade, a esta prova não se confere
nenhuma forma de identidade subjetiva ou exclusiva propriedade e direito ao uso atrelados a
quem peticionou por sua autuação ou a qualquer outro agente processual, bem como as
convicções que dela se extraem não se vinculam nem se condicionam apenas ao interesse de
algum destes intervenientes, sendo igualmente disponíveis a todos que atuam no processo.
“Se, como foi demonstrado, a prova não pertence exclusivamente ao juiz, por outro lado
ela não é invocável só por aquele que a produziu. Ao contrário: uma vez levada ao
processo, ela pode ser utilizada por qualquer dos sujeitos desse: juiz ou partes. É o
princípio da comunhão dos meios de prova.
Por força desse princípio é que a testemunha arrolada por uma das partes pode ser
inquirida também pela outra; um documento produzido por qualquer delas pode ser
invocado pela adversária, e assim por diante.”, Hélio Tornagui, “Curso de Processo
Penal”, pgs. 268 e 269, Vol. 1, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988
Ainda em linha de consequência do preceito em tela, não se admite que a parte que
tenha peticionado pela realização de determinada prova, posteriormente, entendendo que, ao
contrário do esperado, os resultados daquele ato instrucional possam se revelar ou já tenham
se revelado prejudiciais a seus próprios interesses, venha a rogar pela desconsideração de seu
requerimento ou pela inutilização da prova no processo e na formação do convencimento do
juiz. Não cabe sequer à parte requisitar para que, segregadamente, se seccionem as
informações contidas naquele elemento formador de convicção, como se possível fosse
selecionar apenas a parcela que se demonstre a ela favorável, com intenção de que a outra
parcela da prova seja desconsiderada. Uma vez que a prova, em sua íntegra, assume o valor
publicista de fornecer ao juízo a informação mais próxima possível do real e somente sob tal
cláusula de interesse público teve sua realização deferida, com este instituto não se coadunam
as inaceitáveis ideias de propriedade ou de exclusividade ou de seu uso delimitado à
conveniência de quem quer que seja. Tanto ao tempo ainda da petição quanto já após a
realização da prova, caso o juiz entenda por sua relevância para o correto julgamento, o ato
deve ser feito ou a prova deve ser integralmente mantida, a despeito da mudança de intenção
de quem havia inicialmente provocado por sua produção.
Acrescente-se que a comunhão da eficácia da prova constante dos autos supera até
mesmo a questão de a que parte incumbia produzi-la ou, em termos mais comuns, a quem
cabia o ônus da prova. Segundo o princípio em tela, para o interesse público da decisão justa,
o que importa é que a prova relevante para o deslinde da questão seja realizada e conste dos
autos, não sendo pré-requisito de sua admissão e de sua valoração que sua realização tenha
decorrido exatamente da parte sobre a qual recaía o ônus de fazê-lo. A prova assume valor
homogêneo no processo ainda que tenha sido realizada em virtude de atuação de sobre quem
não recaía o ônus de produzi-la e mesmo que, ao final, venha a contribuir na convicção do
juiz de forma desfavorável ao interesse desta parte que por ela diligenciou. Isto significa que,
uma vez realizada no processo determinada prova, tal elemento atuará na formação de
convicção do julgador, de forma homogênea tanto sobre a parte a quem incumbia o ônus de
produzi-la quanto sobre a parte oposta e também independentemente de se sua realização se
deveu justamente a quem cabia tal ônus ou se, contrariamente, decorreu de quem nem sequer
estava obrigado a fazê-lo; e ainda, em qualquer das duas hipóteses, uma vez sendo a prova do
processo, não cabe à parte contrariada com sua autuação e valoração requerer seu
desentranhamento ou desconsideração.
STF, Habeas Corpus nº 87.725, Decisão: “Essa compreensão do tema - cabe ressaltar - é
revelada por autorizado magistério doutrinário (Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha,
‘Da Prova no Processo Penal’, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; Daniel Amorim
Assumpção Neves, ‘O Princípio da Comunhão da Prova’, in Revista Dialética de Direito
Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; Fernando Capez, ‘Curso de Processo Penal’, p.
259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; Marcellus Polastri Lima, ‘A Prova Penal’, p. 31,
item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a
lição expendida por José Carlos Barbosa Moreira (‘O Juiz e a Prova’, in Revista de
Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184): ‘E basta pensar no seguinte: se
a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem
diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo
adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita,
é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco
importa sua proveniência. (...).”
Reflete-se também o entendimento de que, uma vez decidida pela comissão a autuação
de determinada prova - e, se assim deliberou o colegiado, significa que o foi em exclusivo
atendimento ao interesse público do esclarecimento fático -, independentemente de sua
origem e de a quem ela possa favorecer ou de fato favorece, não cabe a um acusado solicitar a
desconsideração da decisão de juntá-la ou de realizá-la (se antes da autuação) ou solicitar seu
373
CPC - Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão
quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro
modo, Ihe preencham a finalidade essencial.
Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz
considerará válido o ato se, realizado de outro modo, Ihe alcançar a finalidade.
CPC - Art. 250. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que
não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se
observarem, quanto possível, as prescrições legais.
Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte
prejuízo à defesa.
374
De se destacar a visão dinâmica que o aplicador deve ter diante deste princípio, pois,
sendo certa a indisponibilidade da prestação jurisdicional, ainda que o bem jurídico tutelado
não admita quantificação material, não se tolera que, à conta de economia de determinado ato
essencial, se desatenda ao princípio do devido processo legal ou que se prejudiquem os
princípios da ampla defesa e do contraditório ou ainda que se mitigue o princípio da
segurança jurídica.
“Daí por que as formulações elaboradas por esse Departamento, embora extinto,
continuam a ter, consoante o art. 116, III, do Decreto-Lei n° 200/67, caráter obrigatório no
seio de todas as repartições federais, desde que não se choquem com as orientações
resultantes dos novos entendimentos (...).” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 45, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Parecer AGU nº GQ-11, vinculante: “18. (...) o ´caput´ do art. 131 da Constituição
Federal de 88, ao dispor sobre a Advocacia-Geral da União, estabelece a ela competir a
representação judicial e extrajudicial da União, ´cabendo-lhe, nos termos da lei
complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de
consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.´ Desse modo, do exame
conjunto desse dispositivo constitucional com os transcritos da Lei Complementar nº 73/93,
resta-me a convicção de que a expressão ´Administração Federal´, nestes insertas, equivale
ao Poder Executivo, não incluídos o Legislativo e o Judiciário. Isso, aliás, já decorreria do
princípio da separação de Poderes, estipulado no art. 2º da Constituição.”
Uma vez que, com o Decreto nº 3.035, de 27/04/99, o Presidente da República delegou
aos Ministros de Estado a competência para julgar processos disciplinares e aplicar
penalidades de demissão e cassação de aposentadoria, têm sido decrescente, em quantidade, as
provocações ao órgão máximo de assessoramento jurídico da União, já que as decisões mais
relevantes em matéria disciplinar, em regra, passaram a se concentrar nas Consultorias
Jurídicas dos respectivos Ministérios.
público; e
V - outras atividades demandadas pelo titular do Órgão Central do Sistema.
Art. 10. O Órgão Central do Sistema expedirá as normas regulamentares que se fizerem
necessárias ao funcionamento do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal
Portaria CGU nº 854, de 28/04/11 - Art. 3º Compete à CCC, mediante consulta ou por
proposta de um de seus membros:
V - propor ao Órgão Central do Sistema a edição de enunciados, instruções e outras
orientações normativas, com intuito de padronizar a interpretação referente às atividades
de correição;
A doutrina (de docere, “ensinar, mostrar, instruir”), por sua vez, é um termo que
congrega as manifestações, conceitos, estudos, ensaios, reflexões, teses, teorias, interpretações
e obras autorais das mais variadas espécies, por meio de artigos, monografias, tratados ou
livros ou quaisquer formas de ensinamento, dos jurisconsultos, dos juristas, dos estudiosos e,
enfim, dos autores e especialistas na ciência jurídica. A doutrina sintetiza a produção e o
pensamento científico da área jurídica.
do Poder Judiciário, desde que empregada pelo aplicador com o filtro das peculiaridades
daquela lide apreciada pela judicatura, torna-se uma rica fonte, por fornecer entendimentos
jurídicos reinantes nas altas Cortes; já a doutrina, quando aprofundada e imparcialmente
técnica e científica, encontra aplicabilidade por propiciar conhecimentos de natureza teórico-
conceitual, imunes às particularidades de cada caso concreto.
E o emprego destas duas fontes qualifica-se ainda mais quando o aplicador do Direito
elabora o entendimento delas extraído com a leitura atenta dos princípios reitores,
mencionados em 3.3.1, 3.3.2 e 3.3.3, relembrando-se que os princípios jurídicos sedimentam
valiosa fonte supletiva, pairando sobre todo o ordenamento com inesgotável riqueza teórico-
conceitual para auxiliar o operador da ciência jurídica a dirimir soluções quando se parece que
as condições de contorno da situação concreta, à luz das normas positivadas, permitem duas
decisões conflitantes ou, ainda, não apontam decisão alguma.
É de se destacar que a linha de formação do presente texto não tem por objetivo
apresentar e aprofundar discussões naturais e salutares da ciência jurídica, em que é comum a
coexistência de correntes jurisprudenciais ou doutrinárias contrárias sobre determinado tema.
Em sentido oposto, visando unicamente a fornecer informações de emprego direto e prático,
este texto expõe uma linha autoral coerente em si mesma e, quando é o caso, apresenta as
manifestações jurisprudenciais e doutrinárias que, em posição majoritária, a apóiam. Como
regra, a menos de situações específicas em que a divergência integra essencialmente a
discussão, não há neste texto a apresentação de julgados ou de trabalhos doutrinários que se
contrapõem, como forma de se deixar em aberto dois possíveis posicionamentos. Embora se
respeite - mais que isto, até se compreende que aí residem a grandeza e a evolução do Direito
- a existência de entendimentos antagônicos, o objetivo deste texto é de, operacionalmente,
suprir ao aplicador uma clara resposta aos questionamentos que surgem em qualquer
momento de emprego do Direito Administrativo Disciplinar.
Lei nº 11.417, de 19/12/06 - Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
§ 1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
Nos termos da Lei Complementar nº 73, de 10/02/93, arts. 4º, XII, e 43, as súmulas
editadas pelo Advogado-Geral da União, reconhecendo jurisprudência reiterada dos tribunais,
são de observância obrigatória pelas unidades jurídicas da Administração Pública. Devem,
pois, ser reconhecidas também pelas comissões e autoridades disciplinares.
Mas, acrescente-se que, em que pese o Supremo Tribunal Federal ser a mais alta Corte
do Poder Judiciário, é de se destacar não só a maior quantidade como também a relevância
dos julgamentos emitidos pelo Superior Tribunal de Justiça sobre matéria administrativa
disciplinar. Em suas competências originárias, respectivamente nos arts. 102 e 105 da CF,
enquanto se tem o Supremo Tribunal Federal como um órgão de guarda da Constituição
Federal, o Superior Tribunal de Justiça é um órgão de defesa do ordenamento jurídico federal,
sendo intitulado como a Corte Superior de uniformização infraconstitucional, por lhe competir
não só a verificação da legalidade das normas infraconstitucionais federais mas também a
uniformização da sua jurisprudência. Como a normatização da matéria de interesse encontra-
se precipuamente em lei federal (a Lei nº 8.112, de 11/12/90), há uma maior demanda ao
Superior Tribunal de Justiça. Além disto, a ida ao Poder Judiciário por motivo disciplinar se
dá principalmente por meio de mandado de segurança contra ato de aplicação de pena capital
e a aplicação de tais penas foi delegada pelo Presidente da República para os Ministros de
Estado, por meio do Decreto nº 3.035, de 27/04/99. Uma vez que ao Supremo Tribunal
Federal cabe julgar mandado de segurança contra o Presidente da República (dentre outros) e
ao Superior Tribunal de Justiça cabe fazê-lo para o caso de Ministros de Estado, também por
este motivo esta última Corte passou a ser mais provocada, tendo uma jurisprudência bastante
rica sobre a matéria disciplinar.
Decerto, tanto a jurisprudência quanto a doutrina, embora possam ser invocadas nos
atos em geral e nas decisões administrativas, não valem como norma de cumprimento
obrigatório.
Para diferenciá-las, mencione-se que as Notas Técnicas da Coger são editadas com
aprovação vinculante do Corregedor, sem uma periodicidade pré-definida e em geral após
algum debate interno - que tanto pode coincidir e decorrer de demarcados eventos de
capacitação promovidos justamente para este fim quanto pode ser alçado à linha de premência
por individualizada avaliação da necessidade de se ter um imediato posicionamento acerca do
tema. As Notas Técnicas da Coger, numeradas anualmente, apresentam-se em corpo
concatenado e redigido segundo as praxes de elaboração de atos administrativos, contendo em
si mesma uma integral análise de determinado tema, desde a ementa, apresentação das
controvérsias ou das demandas de enfrentamento e conclusão com o posicionamento
institucional adotado e assinatura do Corregedor, o que inibe que qualquer integrante do
sistema correcional paute sua atuação em sentido conflitante ao teor desta fonte.
Todavia, a Lei não cuidou de expressar um rito para a sindicância disciplinar, somente
o tendo feito para o processo administrativo disciplinar. Tendo em vista que esta sindicância
disciplinar de que aqui se trata - unicamente a sindicância prevista nos Títulos IV e V da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, de natureza acusatória, contraditória e punitiva - pode redundar em
punição, torna-se necessária a eleição de um rito, com o fim de se obedecer a máxima do
devido processo legal (e, simultaneamente, aos dois princípios dela decorrentes, da ampla
defesa e do contraditório).
“A Lei nº 8.112/90, no entanto, acabou por legitimar a sindicância, também, como meio
processual hábil para aplicação de penalidade administrativa de advertência e suspensão
de até 30 dias, com a inafastável observância do contraditório e da ampla defesa - art. 146,
sem lhe oferecer, todavia, a conformidade procedimental adequada.
Realmente, no tocante à sindicância, a Lei nº 8.112/90 não estabelece nenhuma fase.
Entretanto, nada obsta tudo recomenda e se impõe que o regramento do processo
disciplinar seja igualmente adotado na sindicância, notadamente quando esta tiver o
propósito punitivo, isto é, não apenas de investigação preliminar.
Tendo por parâmetro as fases do procedimento disciplinar e seus princípios, além dos
requisitos básicos a ele aplicáveis, a sindicância de caráter punitivo será processada no
prazo reduzido à metade (de 60 para 30 dias - arts. 152 e 145, parágrafo único da Lei nº
8.112/90 - admitida sua prorrogação por igual prazo), salvo em relação à defesa, cujo
prazo legal não poderá ser diminuído, por compreensão extensiva, notadamente porque
essa redução implicaria prejuízo para o indiciado.” Francisco Xavier da Silva Guimarães,
“Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 127, Editora Forense, 2ª
edição, 2006
385
E tal interpretação aqui proposta encontra apoio na percepção de que a leitura dos
Títulos IV e V da Lei nº 8.112, de 11/12/90, sugere que o legislador, em diversas passagens,
empregou indistintamente a expressão “processo administrativo disciplinar”, por vezes
atribuindo-lhe o sentido estrito da forma processual mais completamente ali prevista e, em
outras passagens, a empregou no sentido amplo, em que cabem o processo em si e a
sindicância disciplinar, sob princípios do contraditório e da ampla defesa.
Em termos concretos, assenta-se que, a partir deste ponto, ao longo deste texto, em
regra, somente se mencionará “processo administrativo disciplinar”, dispensando-se a menção
também da sindicância disciplinar, ficando então subentendido que, salvo expressa menção
em contrário, tudo o que se escrever para o primeiro é absolutamente válido também para a
segunda. Assim, aqui, como regra geral, convenciona-se que a expressão “processo
administrativo disciplinar” compreenderá tanto o PAD stricto sensu quanto a sindicância
disciplinar. Quando se quiser se referir especificamente a um ou a outro tipo de apuratório
específico, far-se-á expressa ressalva, empregando-se a sigla PAD para se referir apenas à
forma mais completa.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
III - sindicância acusatória ou punitiva: procedimento preliminar sumário, instaurada com
fim de apurar irregularidades de menor gravidade no serviço público, com caráter
eminentemente punitivo, respeitados o contraditório, a oportunidade de defesa e a estrita
observância do devido processo legal;
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 3º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidos
os seguintes procedimentos correcionais no âmbito do Ministério da Fazenda:
III - sindicância disciplinar: procedimento sumário, instaurado com fim de apurar
responsabilidade por irregularidades de menor gravidade;
instauração, prorrogáveis por igual período, para aplicação de qualquer pena estatutária,
branda ou grave.
“Finalmente, outro ponto que merece atenção especial é a hipótese em que a comissão
sindicante propõe penalidade de suspensão para servidores públicos ocupantes apenas de
cargo em comissão. Nota-se do art. 135 da Lei nº 8.112/90, que o servidor sem vínculo
efetivo pode ser destituído do cargo em comissão em razão de infração sujeita às
penalidades de suspensão e de demissão. Por outro lado, extrai-se da leitura do art. 146 da
Lei nº 8112/90, que nos casos de aplicação das penalidades de suspensão superior a 30
dias, de demissão, de cassação de aposentaria ou disponibilidade, ou de destituição de
cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar. Dessa forma,
pode-se concluir que a sindicância não é meio hábil para se propor destituição de cargoem
comissão, mesmo se a infração for sujeita, originariamente, à penalidade de suspensão
inferior a 30 dias. Isso porque, a própria lei já exige o processo administrativo disciplinar
em sentido estrito para a imposição da penalidade de destituição de cargo em comissão,
independentemente de a infração ser punível com suspensão ou demissão.”, Controladoria-
Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 86 e 87, 2013,
disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Ainda na primeira hipótese, de se protocolizar o PAD, não convém fazer a juntada por
apensação, em que o processo acessório apenas acompanharia temporariamente o principal,
mantendo suas respectivas paginações e nº de protocolo, para que pudessem ser separados
após a decisão.
proposta, pode enviar para a comissão, também via memorando, a nova portaria de
designação de comissão de inquérito. Esta ata de deliberação deve ser redigida assim que o
colegiado vislumbrar a necessidade de ter seus poderes estendidos, sem necessidade de
esgotar apuração, indiciar e coletar defesa. O emprego desta forma de provocação não acarreta
perda de tempo com o deslocamento dos autos da comissão para a autoridade instauradora;
enquanto há uma troca de memorandos, a comissão de sindicância, desde que dentro de seu
prazo, pode continuar trabalhando já que ela continua de posse dos autos e não se dissolve
com a entrega do relatório. Assim, esta opção é mais justificável quando se tem prazo enxuto
para os trabalhos ou quando a comissão está fora da sede da autoridade instauradora. Por
óbvio, não haveria nenhuma ilegalidade se a comissão de sindicância deliberasse agir de
maneira mais formal e mais cautelosa, similar à hipótese anterior, redigindo relatório prévio
dirigido à autoridade instauradora e lhe remetendo os autos da sindicância disciplinar, para
que esta os devolvesse com a portaria de designação de comissão de inquérito.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão
composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observando o
390
disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser
ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou
superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
§ 2º Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge,
companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até
o terceiro grau.
“De fato, tendo em vista a praxe administrativa e a escassez de servidores para comporem
comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar, admitem-se comissões
de sindicância compostas por apenas dois integrantes.
A propósito, o art. 12, §2º, da Portaria-CGU nº 335/2006 sana definitivamente a questão.
Com efeito, referido dispositivo estabelece, que, no caso de sindicância acusatória ou
punitiva, a comissão deva ser composta por dois ou mais servidores estáveis.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 83,
2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.
pdf, acesso em 07/08/13
“Dito isto, chegamos à inquestionável conclusão de que quando não definida bem a
infração, mas justificadamente presumida a sua existência, e quando, mesmo neste caráter
ou, ainda, conhecida perfeitamente a sua existência, é desconhecida autoria, instaura-se a
sindicância.” Egberto Maia Luz, “Direito Administrativo Disciplinar - Teoria e Prática”,
pg. 130, Edições Profissionais”, 4ª edição, 2002
Todavia, ressalte-se que nada impede que PAD resulte na aplicação de penalidade de
advertência ou suspensão de até trinta dias e que a autoridade competente possa instaurar de
imediato PAD, não sendo a sindicância disciplinar pré-requisito. Os arts. 145, 146 e 154 da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, estabelecem apenas que, se a pena cabível for suspensão superior a
trinta dias ou demissão, a apuração deve se dar através de inquérito administrativo, sem
vedarem, todavia, que este rito seja imediatamente adotado, mesmo para casos que
posteriormente se resolvam em cominações mais brandas. Neste rumo, a literalidade do art.
143 da mesma Lei estabelece o caráter alternativo, a critério da autoridade instauradora, para
que esta, à vista da notícia de cometimento de suposta irregularidade, deflagre a sindicância
391
disciplinar ou o PAD, sendo certo que aquela não é pré-requisito obrigatório deste, nem
mesmo quando não seja conhecida a autoria da suposta infração ao tempo da instauração.
“25. No pertinente à nulidade da sindicância, é necessário dirimir que, ‘de lege lata’, as
irregularidades se apuram mediante sindicância ou processo disciplinar, prescindindo este
da preliminar verificação das infrações através da primeira.
26. Efetua-se a apuração da conduta anti-social do servidor por intermédio de sindicância
ou processo disciplinar, dependendo da infração e das circunstâncias em que foi cometida.
No art. 143, supramencionado, o legislador utilizou a alternativa ‘ou’ considerando haver
variação na natureza das irregularidades e no grau de dificuldade de sua constatação. Há
aquelas facilmente verificáveis de consequências revestidas de tal gravidade que a lei
preconiza medidas drásticas restritivas de direitos, mais compatíveis com uma apuração de
rigor, cujos ritos são contidos em lei. Em vista dessa linha de valorização, não discrepou a
lei ao estatuir que da sindicância exsurge a aplicação das penalidades de advertência, ou
suspensão de até trinta dias, ou instauração de processo disciplinar. Inexiste exigência
legal, ou necessidade em determinados casos, de que todo processo disciplinar seja
precedido de sindicância, nem sua prescindibilidade implica inobservância de qualquer
princípio de direito.”
“Quando se diz que, para aplicação de penalidade inferior a 30 dias de suspensão, usa-se
a sindicância, não se deve entender, por isso, que está vedado o uso do processo
disciplinar. Por vezes, no curso de um processo disciplinar evidencia-se a responsabilidade
de servidor punível com simples advertência ou com suspensão menor do que 30 dias, sem
que haja necessidade, nem conveniência, nem exigência legal, para transformar o processo
392
Pelo exposto, tendo que se submeter ao mesmo rito contraditório do PAD, podendo
este adotar todas as conclusões possíveis e defendendo a conveniência de, em princípio, se
designar comissão de sindicância também com três membros, na prática, torna-se pouco
recomendável a instauração de sindicância disciplinar (sem prejuízo de se respeitar, conforme
abordado linhas acima, a praxe administrativa, de alguns órgãos públicos federais ou mesmo
de alguns Escor, de designar comissão de sindicância com apenas dois membros, como forma
de atenuar a carência de pessoal).
STF, Mandado de Segurança nº 22.103: “Ementa: Tendo a pena imposta ao ora impetrante
decorrido de processo administrativo disciplinar que se seguiu à sindicância, e pena essa
imposta com base nas provas colhidas no inquérito integrante desse processo, é
despiciendo o exame dos alegados defeitos que haveria na sindicância, e que não influíram
na imposição da pena que foi dada ao ora impetrante.”
“(...) não há razão para se defender que as nulidades da sindicância atingem o PAD,
quando ela for apenas uma peça preparatória deste. Afinal, toda nulidade cometida
quando da celebração da sindicância poderá ser corrigida quando da celebração do PAD
(...).” Judivan Juvenal Vieira, “Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 226, IOB
Thomson, 1ª edição, 2005
393
• 1ª fase: Instauração
• 3ª fase: Julgamento
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes
fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
Parecer AGU nº GQ-55, vinculante: “6. O comando constitucional para que se observem o
contraditório e a ampla defesa, no processo administrativo, é silente quanto à fase
processual em que isto deve ocorrer (cfr. o art. 5º, LV). É tema disciplinado em norma
infraconstitucional: a Lei nº 8.112, de 1990, assegura a ampla defesa no curso do processo
disciplinar e, o contraditório, no inquérito administrativo (v. os arts. 143 e 153), que
corresponde à 2ª fase do apuratório (art. 151, II).”
atualizou e até revogou alguns dispositivos daquela primeira Portaria, como também inovou
no tema (e, por conseguinte, na competência para emissão de juízo de admissibilidade),
passando a regra geral da jurisdição do local da ocorrência do fato para a jurisdição da
unidade de lotação (ou de exercício, se diferente) do servidor ao tempo da instauração e
estabelecendo que a competência instauradora a cargo do Corregedor é residual.
Por fim, o tema voltou a receber alguns aperfeiçoamentos, com a edição da Portaria
RFB nº 136, de 06/02/13, que revogou a Portaria RFB nº 3.131, de 15/07/11, esclarecendo
ainda mais o caráter residual da competência instauradora do Corregedor, postura esta que
mantida na atual nomratização interna, estabelecida pela Portaria Coger nº 14, de 30/01/14.
Mas, antes de se adentrar na análise - que se faz relevante para a aplicação cotidiana da
matéria - da diferenciação das competências instauradoras do Corregedor e dos Chefes de
Escor, convém de imediato esgotar a apresentação das hipóteses de excepcionalíssima
competência a cargo do Secretário da Receita Federal do Brasil, do Corregedor-Geral do
Ministério da Fazenda e do Ministro de Estado da Fazenda. Também antes de se diferenciar as
competências de cada autoridade, convém reiterar o já afirmado em 2.5.2 que, como regra, na
Administração Pública federal - em que se inclui a Secretaria da Receita Federal do Brasil -, a
normatização interna de cada órgão cuida apenas de especificar a autoridade competente para
instaurar o rito disciplinar e esta atrai a competência para emitir juízo de admissibilidade e faz
indicar a que autoridade devem ser remetidas as representações e denúncias que dão entrada
no órgão. Reitere-se o já exposto em 2.2.2.1, em que se registrou que a Portaria Coger-MF nº
42, de 21/11/13, que dispõe sobre a apuração de irregularidades funcionais no âmbito do
Ministério da Fazenda, em seus arts. 4º e 10, confere competências ao Corregedor para, de
396
Prosseguindo nas regras de exceção, o art. 4º-B, II, “a” e “b” do Decreto nº 7.482, de
16/05/11, estabelece que compete à Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda emitir seu
próprio juízo de admissibilidade, para arquivar o feito em fase de admissibilidade ou para
instaurar processo administrativo disciplinar contra servidor que tenha cometido suposto ato
ilícito na condição de titular de órgão, conforme é o caso, no âmbito da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, do cargo de natureza especial de Secretário da Receita Federal do Brasil, ou
contra conselheiro de órgãos colegiados da estrutura do Ministério da Fazenda, conforme é o
caso dos servidores da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil atuando no
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf - que é um órgão colegiado, como
segunda instância administrativa recursal em matéria tributária autônomo em relação à
Secretaria da Receita Federal do Brasil e diretamente vinculado ao Ministro de Estado da
Fazenda, na função pública de conselheiro representante da Fazenda Nacional, em dedicação
integral e exclusiva neste órgão colegiado, ou nele ocupando cargo em comissão ou função de
confiança), mediante determinação do Ministro de Estado da Fazenda nestas duas hipóteses,
ou ainda, por fatos ocorridos em órgão sem unidade de correição própria (hipótese que não se
insere no foco de interesse em tela, já que a Secretaria da Receita Federal do Brasil possui
sistema corrrecional) e por fatos relacionados a mais de um órgão da Pasta (hipótese que
somente pode interessar no presente se um destes órgãos for a Secretaria da Receita Federal
397
do Brasil).
disciplinar.
Adjunto da Secretaria da Receita Federal do Brasil, assim como em relação aos servidores
que praticarem, nessas qualidades, atos passíveis de apuração disciplinar.
§ 1º No que se refere aos servidores em exercício nas Unidades Centrais da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, compete ao Corregedor a decisão quanto à instauração de
sindicância disciplinar e de processo administrativo disciplinar quando os acusados ou
investigados ocuparem, à época dos fatos ou à época da decisão, cargo de direção ou
assessoramento superior ao do Chefe de Escor, assim como em relação aos servidores que
praticarem, nessas qualidades, atos passíveis de apuração disciplinar, observado o
disposto no inciso II do art. 7º da Portaria MF nº 492, de 23 de setembro de 2013.
TRF da 5ª Região, Agravo de Instrumento nº 64.934: Voto: “4. Significa, portanto, que,
num órgão de abrangência nacional, como o é a Superintendência da Polícia Federal, a
Comissão Disciplinar Permanente (ou a temporariamente formada para determinada
apuração de irregularidade) de um Estado da Federação pode desempenhar suas funções
na averiguação de irregularidades ocorridas em outro Estado da Federação. 5. Nos termos
do artigo 149 da Lei 8.112/90, ademais, ‘o processo disciplinar será conduzido por
comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente,
observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que
deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de
escolaridade igual ou superior ao do indiciado’. 6. Como se vê, os requisitos para a
regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus
membros, (ii) o seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade
competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido no próprio Estado em que
trabalham ou em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação. 7. Demais
disso, é de acrescentar-se que uma Comissão formada por servidores de outro Estado
provavelmente será até mesmo mais imparcial nas apurações do que se formada por
servidores do mesmo local de trabalho do investigado, servindo ainda mais aos ditames do
art. 150 da Lei n 8.112/90, segundo o qual ‘A Comissão exercerá suas atividades com
independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da administração’.
unidade em que o representado ou denunciado seja lotado (ou em que tem exercício, caso a
unidade de exercício seja distinta da de lotação), mesmo sendo unidade central,
independentemente de qual era a unidade de lotação (ou de exercício) do servidor ao tempo da
identificação dos fatos por ele praticados.
Relembre-se, conforme já aduzido em 2.2.2.2.2, que, por força da Portaria RFB nº 268,
de 06/03/12, o Corregedor possui, por delegação, competência para transferir competências
entre as subunidades (entre suas Coordenação, Divisões, Serviços, Seção, Escor e Nucor),
para transferir atribuições dos respectivos chefes e também para estabelecer jurisdição de
Escor de forma concorrente em todo território nacional. Com isto, no aspecto que aqui mais
pode interessar, a competência para exarar juízo de admissibilidade pode ser transferida de um
Escor para outro.
Tal competência resta refletida no art. 4º, § 2º da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14.
E, nos termos já expostos em 3.2.2, este regramento geral, que prioriza a competência
instauradora do Chefe do Escor que jurisdiciona a unidade de lotação (ou de exercício) do
servidor ao tempo da instauração, não se afasta nem mesmo quando ocorrem incidentes tanto
em aspectos espaciais (quando o servidor comete a suposta irregularidade fora de sua unidade
de lotação ou de exercício) quanto em aspectos temporais (quando, entre o cometimento da
suposta irregularidade e a instauração do rito disciplinar, a situação funcional do servidor se
altera em razão de remoção, investidura em novo cargo, aposentadoria, exoneração ou
aplicação de pena expulsiva antes da instauração).
Assim, adotando-se leitura a contrario sensu do art. 288 do Regimento Interno, repisa-
se que o Chefe do Nucor de Manaus não possui competência para emitir juízo de
admissibilidade e, em consequência, muito menos para instaurar processo administrativo
disciplinar, nem mesmo em face de servidores lotados (ou em exercício) naquela jurisdição
402
Uma vez que nos três tópicos acima citados (2.3.1, 3.2.2 e 2.5.2, a cuja leitura
enfaticamente se remete, sobretudo para este último) abordou-se o tema sempre sob a ótica
mais comum da competência recair sobre o Chefe de Escor, cabe aqui esclarecer as hipóteses
excepcionalizadas no caput e no § 1º do art. 4º da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, em que a
competência recai no Corregedor.
Antes disto, eis que o Regimento Interno, nos §§ 1º e 2º do seu art. 287, estabelece que
não compete ao Chefe de Escor (e nem mesmo ao Chefe do Escor01), mas sim ao Corregedor
instaurar PAD ou sindicância disciplinar ou arquivar o feito quando o suposto ilícito foi
cometido por servidor que tenha ocupado à época do fato ou que ocupe à época desta decisão
os cargos em comissão de Superintendente ou de Superintendente Adjunto, bem como de
Coordenador, Coordenador Disciplinar, Coordenador Especial, Coordenador-Geral, Chefe de
Gabinete e Chefe de Assessorias do Secretário da Receita Federal do Brasil (ou ainda que
tenha cometido o fato no exercício interino daquelas funções, na condição de substituto
eventual).
A esta lista de autoridades cuja competência instauradora (e também para emitir juízo
de admissibilidade) vincula-se ao Corregedor também deve se acrescentar, por motivos
óbvios, a hipótese de o fato supostamente ilícito ter sido cometido por servidor que tenha
403
ocupado à época do fato ou que ocupe à época desta decisão o cargo em comissão de Chefe de
Escor (ou que tenha cometido o fato no exercício interino daquela função, na condição de
substituto eventual). Tamanha a obviedade de que esta autoridade não poderia se manifestar
acerca de si mesma e muito menos se autoprocessar que a hipótese nem sequer necessitou de
expressa previsão normativa, advindo de mera interpretação do princípio da hierarquia.
Mas é de ressalvar que o que o dispositivo em tela quer abarcar, precipuamente, são
situações bastante peculiares em que a suposta infração se inicia com condutas, atitudes,
operações ou procedimentos cometidos por determinado(s) servidor(es) lotado(s) ou em
exercício em uma Região Fiscal e se conclui ou se aperfeiçoa somente com o cometimento
simultâneo ou posterior de outros atos funcionais por parte de outro(s) servidor(es) lotado(s)
ou em exercício em outra(s) Região(ões) Fiscal(is) e que, se isoladamente tomados em cada
404
local, não logram o esclarecimento fático como um todo, de forma que não haveria parâmetro
a permitir o desmembramento das correspondentes condutas sob cada jurisdição dos Chefes
de Escor. Somente em tal cenário incomum - como, por exemplo, qualquer tratamento ou
regime tributário indevidamente concedido a um contribuinte por um servidor de uma Região
Fiscal e concluído também de forma irregular e concatenada por outro servidor de outra
Região Fiscal - é que, residualmente, se atende à literalidade inserida na norma para
possibilitar que o Corregedor atribua priorização da competência a apenas um dos Chefes de
Escor das jurisdições envolvidas.
Reitera-se então que, deste residual e específico contexto fático, pode-se extrair o quão
crescente e forte é a refração no ordenamento para que o Corregedor figure como autoridade
instauradora. Tanto é extremamente residual a possibilidade com que o ordenamento interno
contempla a competência instauradora a cargo do Corregedor que, mesmo nestas hipóteses de
fatos cometidos por servidores lotados (ou em exercício) em mais de uma Região Fiscal e que
não comportam desmembramento, ainda assim, o Corregedor determina que a competência
recaia sobre um dos Chefes de Escor, não se prevendo a ascenção para o foro instaurador
qualificado.
Neste rumo, à luz do que já se abordou em 3.2.2, pouco importa que o servidor, ao
405
tempo de lotação (ou de exercício) em determinada Região Fiscal, tenha cometido a suposta
infração em outra jurisdição ou que, à época do conhecimento do fato ou da efetiva
instauração, já esteja lotado (ou em exercício) em outra jurisdição, uma vez que, em todas
estas possibilidades, cabe ao Chefe do Escor da jurisdição da unidade de lotação (ou de
exercício) ao tempo da instauração a competência instauradora. Nem mesmo a hipótese pouco
comum de um servidor cometer determinada conduta supostamente infracional de forma
habitual ou continuada, nos termos já dispostos em 2.5.3.4 (neste último caso, estendendo-se o
conceito penal de ilícito continuado para diferentes localidades), e que não comporta
desmembramento ao tempo de lotação (ou de exercício) em duas (ou até mais) diferentes
Regiões Fiscais, retira a competência instauradora da regra geral do caput do art. 3º da
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, pois, ao final, sempre restará como competente o Chefe do
Escor da jurisdição de sua unidade de lotação (ou de exercício) ao tempo da instauração.
Por óbvio, em respeito à regra geral, tanto no caso de servidor lotado em Escor ou na
Coger, quanto no caso de servidor estranho ao sistema e que é temporariamente convocado
pelo Chefe de Escor (ou até mesmo pelo Corregedor), na hipótese de este agente cometer
suposta irregularidade no curso dos trabalhos da comissão para que foi designado, em geral, a
competência recai sobre o Chefe do Escor da jurisdição de sua unidade de lotação (ou de
exercício). Não obstante esta autoridade instauradora coincidir, na maioria das vezes, com o
Chefe do Escor que o designou para compor a comissão ou especificamente com o Chefe do
Escor01 no caso de designação por parte do Corregedor (já que é mais comum o servidor,
tanto lotado quanto convocado, ser designado em sua própria jurisdição), não necessariamente
sempre significam as mesmas autoridades, caso a designação, por qualquer Chefe de Escor ou
pelo Corregedor, tenha sido para compor comissão em Região Fiscal diferente da de sua
lotação (ou de exercício).
Como exceção à regra geral acima, tem-se que, o caso específico de instauração de
processo com o único fim de apurar ato de improbidade administrativa por enriquecimento
ilícito decorrente de variação patrimonial a descoberto ou de sinais exteriores de riqueza ou de
movimentação financeira incompatível, conforme se descreverá em 4.7.4.4.3, sendo este um
ilícito dissociado da comprovação de ato funcional, pode-se ter como concorrente a
competência instauradora se a materialidade tiver se configurado ao tempo em que o servidor
atuava na área de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social e se este atualmente
integra os quadros da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
deve o processo ser transladado para o respectivo Escor da nova jurisdição. Todavia, a
apreciação caso a caso se justifica porque, em contrapartida àquele posicionamento
apriorístico, pode ocorrer de o inquérito administrativo já estar em fase adiantada a ponto de
não se recomendar a migração da competência e dos autos. Operacionalmente, no caso de se
justificar a transladação da competência para o Escor da nova jurisdição do acusado, mediante
manifestação do Corregedor, pode-se demarcar que deve o Chefe do Escor da jurisdição de
origem aguardar o momento de encerramento do prazo da portaria vigente, para, em lugar de
prorrogar o prazo ou de designar nova comissão, encaminhar os autos para o Chefe do Escor
da jurisdição de destino, que passará, a partir deste momento, a incumbir-se da tramitação
processual e de todas responsabilidades e competências de autoridade instauradora.
Embora deva se cuidar para que a instauração emane sempre de ato de autoridade
competente, a instauração por autoridade incompetente pode ser objeto de convalidação.
“Uma eventual instauração de processo disciplinar por autoridade incompetente pode ser
410
No caso da autoridade instauradora, merece especial menção a hipótese de ter sido este
mesmo agente o impulsionador dos procedimentos de investigação na fase de admissibilidade,
em rito inquisitorial (não na condição de apenas determinar sua feitura, como autoridade, mas
sim de efetivamente tê-las realizado ou delas ter participado, em investigação preliminar ou
em investigação patrimonial ou em sindicância patrimonial ou ainda em sindicância
investigativa, conforme já se aduziu em 2.5.2 e em 3.4.2) e, como tal, tendo se investido da
figura de representante, não deve, por impedimento capitulável no art. 18, II da Lei nº 9.784,
de 29/01/99, posteriormente figurar como autoridade instauradora no mesmo processo, a não
só deflagrar o início da instância disciplinar mas também a dar-lhe o devido prosseguimento,
com prorrogações e designações de novas comissões. O mesmo já não ocorre caso este agente
tenha atuado como integrante de comissão disciplinar (de sindicância ou de inquérito) e venha
posteriormente a atuar como autoridade instauradora no mesmo processo, apenas como
responsável por prorrogações ou por designações de novas comissões, não se configurando
impedimento.
Orientação Coger nº 12
Servidor que tenha atuado na sede investigativa não pode instaurar o procedimento
disciplinar subsequente, prorrogar o prazo ou designar ou reconduzir nova comissão
processante e integrar a comissão.
Nota Técnica Coger nº 2005/9: “Ementa: Não encerra ilegalidade um servidor que tenha
participado da Comissão Disciplinar ser alçado à condição de autoridade instauradora,
tendo em vista que esta situação não configura impedimento ou suspeição previstos em lei.
Entretanto, este servidor não poderá atuar como autoridade julgadora.”
Definindo esta que é a primeira fase do processo, o art. 151, I da Lei nº 8.112, de
11/12/90, diz que a instauração se dá simplesmente com a publicação da portaria. A
instauração, portanto, a rigor, não compreende uma fase processual, mas sim se condensa em
um único ato formal, não comportando contraditório, que se estabelecerá somente na segunda
fase, do inquérito.
Portaria PR/IN nº 268, de 05/10/09 - Art. 14. Têm vedada a sua publicação nos Jornais
Oficiais:
I - atos de caráter interno ou que não sejam de interesse geral;
II - atos concernentes à vida funcional dos servidores dos Poderes da União, que não se
enquadrem nos estritos termos do art. 4º deste instrumento legal, tais como:
h) designação de comissões de sindicância, processo administrativo disciplinar e inquérito,
entre outras, exceto quando constituídas por membros de órgãos diversos ou, por
determinação expressa, devam atuar em âmbito externo;
(Nota: O artigo 4º trata de atos relativos a pessoal dos servidores federais civis e
militares.)
V - as resoluções; e
VI - as notas técnicas.
§ 2º Serão publicados na Seção 2 os atos relativos à vida funcional dos servidores da RFB,
cabendo à Cogep a regulamentação dos Atos Administrativos de publicação obrigatória no
BS/RFB.
§ 3º Os atos que tiverem sua publicação no Diário Oficial da União ou em outro meio
oficial exigido por legislação específica não serão publicados no BS/RFB.
Art. 5º Os atos a serem publicados no BS/RFB deverão ser enviados para a caixa postal
BoletimdeserviçoRFB, em formato ODT, acompanhados da respectiva versão em formato
PDF com assinatura digital.
Art. 8º A publicação de ato no BS/RFB exclui a necessidade de sua publicação nos Boletins
de Pessoal e de Serviço do Ministério da Fazenda (BP/MF e BS/MF), bem como em outros
canais internos utilizados pelas Unidades Centrais e Descentralizadas
STJ, Mandado de Segurança nº 12.369: “Ementa: III - É válida publicação de portaria que
instaura processo administrativo disciplinar e, a fortiori, da portaria que prorroga o PAD,
em boletim informativo interno.”
comissão, mas somente adquire tal valor jurídico pontualmente, nem antes e nem depois, com
a sua publicação. Portanto, a rigor, a comissão não deve praticar nenhum ato antes da
publicação, sob o risco de ter de enfrentar arguição - superável - de nulidade (conforme se
abordará em 4.2.8.1). De forma análoga, não se recomenda que a autoridade instauradora
consigne que a designação ou que o início dos trabalhos somente se darão a partir de
determinada data posterior. Não obstante, se por qualquer imprevisto ou empecilho não for
possível para a comissão dar início imediato aos trabalhos, o presidente deve comunicar o fato
e os motivos à autoridade instauradora, sem que esta providência tenha o condão de postergar
o prazo de encerramento do processo, que se mantém inalterado.
Daí porque quanto à necessária indicação do alcance dos trabalhos, convém que a
portaria apenas faça referência ao número do processo no qual estejam descritas as
irregularidades e aos fatos conexos que possam emergir da apuração. Não é recomendável
apontar na portaria o nome do servidor acusado e já cogitar da descrição do suposto ilícito e
do enquadramento legal. Ao contrário de configurar qualquer prejuízo à defesa, tais lacunas
na portaria preservam a integridade do próprio servidor envolvido e têm o fim de a autoridade
instauradora não induzir o trabalho da comissão e de não propiciar alegação de pré-
julgamento. A indicação de que contra o servidor paira uma acusação é formulada pela
comissão na notificação inicial para que ele acompanhe o processo como acusado; já a
descrição da materialidade do fato e o enquadramento legal da irregularidade (se for o caso)
são feitos pela comissão em momento posterior, somente ao final da instrução contraditória,
com a indiciação (refletindo convicção preliminar, passível de ser afastada pela defesa). Neste
sentido, as manifestações da Advocacia-Geral da União, nos Pareceres AGU nº GQ-12 e nº
GQ-35, vinculantes, respectivamente:
“Tem-se observado, na prática, que a portaria, nem sempre descreve, em seu corpo, os
fatos objetos de apuração e nem indica o nome do acusado ou acusados, preferindo fazer
remissão aos documentos ou ao processo onde tais elementos se acham descritos,
caracterizados e identificados.
Este procedimento não implica limitar o direito do acusado de conhecer, perfeitamente, a
imputação que lhe é feita. É mera questão de forma que se supera com a notificação que
contenha os exatos termos da acusação.
Realmente, se o processo visa apurar possíveis irregularidades que possam ou não ter
ocorrido no âmbito administrativo, seria arbitrariedade, diante da inexistência da certeza
da ocorrência, promover, desde logo, a citação de algum servidor para participar da
instrução como indiciado.
Urge, portanto, evitar que o ato constitutivo do procedimento apuratório disciplinar se
converta em instrumento ensejador da presunção de culpabilidade pelo registro, desde
logo, no corpo da portaria, das ocorrências tidas como possíveis ilícitos e seus respectivos
dispositivos legais, como também, da indicação da provável autoria. A ausência que ora se
preconiza preserva a imagem do servidor investigado da curiosidade alheia e evita
nefastas influências externas sobre os trabalhos da comissão. É, portanto, medida que
milita a favor do acusado.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do
Servidor Público Civil da União”, pgs. 112 e 113, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“Está pacificado pelos tribunais pátrios não ser necessário o detalhamento dos fatos [na
portaria]. Basta a referência ao processo no qual a autoria e a materialidade será
investigada.” Judivan Juvenal Vieira, “Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 57, IOB
Thomson, 1ª edição, 2005
jurisdicionada pelo Escor onde transcorre o PAD) e sob condição ainda de que, no mínimo,
além de outros critérios de natureza operacional, guardem relação de conexão com o objeto
inicial do processo.
Sob ótica inicialmente material (extraídas do art. 61, II, “b” do CP), as infrações são
ditas conexas se entre elas houver uma relação de causa e efeito em que a primeira é cometida
para assegurar a execução da segunda; ou quando a segunda é executada para facilitar ou
assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem associada à primeira já cometida; ou ainda
quando a segunda é executada em razão da oportunidade ocasionada pela primeira.
Em síntese, seja pelo concurso material, seja pelo concurso de pessoas, as infrações
são ditas conexas quando têm interligação tamanha que a elucidação do cometimento ou das
circunstâncias elementares de uma passa pelo esclarecimento da outra, de forma que a
apuração conjunta e simultânea de ambas seja relevante e imprescindível para formar
convicção global acerca dos fatos.
Além do conceito de conexão, que, por ser expresso na portaria de instauração, se fez
necessário abordar no presente tópico, também importa relembrar o que já se aduziu em
2.5.3.4, acerca da definição de infração habitual. A infração habitual é uma infração única,
com a particularidade de se configurar com a reiteração de atos que, por si sós, não
comportam caráter ilícito, decorrendo a ilicitude justamente da sua habitualidade. Assim,
quando se trata de PAD ou sindicância disciplinar instaurados para apurar uma infração que
tem natureza habitual, o surgimento de novos episódios no curso inquérito administrativo, de
que não se tinha conhecimento na fase de admissibilidade, deve ser considerado desde sempre
viável de ser encampado no escopo de trabalho da comissão, visto que, conceitualmente, não
se trata de se estar abarcando nova infração, mas tão-somente elementos a mais de prova que
podem ser relevantes para a necessária caracterização da habitualidade definidora da infração
única sob apuração e que motivou a decisão de instaurar. Tratando-se de fatos integrantes da
418
CP - Crime continuado
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-
lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em
qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência
ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Orientação Coger nº 40
Conexão, em matéria processual disciplinar, compreende não só as espécies estritas de
ilícitos conexos elencadas no art. 76 do CPP mas também os ilícitos tidos como habituais,
os ilícitos continuados definidos no art. 71 do CP e os ilícitos compreendidos na definição
de continência, constante do art. 77 do CPP.
Em outras palavras, se por um lado é certo que a conexão (no sentido amplo de
qualquer forma de liame) induz fortemente a extensão apuratória nos mesmos autos, por outro
lado, a complexidade instrutória que pode advir desta extensão fática pode apontar para as
apurações apartadas. Cabe à comissão sopesar e buscar o equilíbrio entre a unidade processual
e complexidade instrutória, sendo certo que a conexão influencia fortemente a favor da
420
Parecer AGU nº GQ-35: “13. Não raro, durante a apuração das irregularidades exsurgem
evidências quanto à autoria, de forma a envolver outros servidores, ou emergem infrações
disciplinares conexas, ou não, com o objeto do processo disciplinar. São fatos que devem
ser tidos como consentâneos com a finalidade da instauração do processo e incapazes de
acarretar sua nulidade, desde que a c.i. adote as medidas procedimentais compatíveis com
o contraditório e a ampla defesa, na execução dos trabalhos de apuração.
14.Em casos tais, a comissão deve possuir o discernimento necessário para adotar os atos
que se impuserem com vistas a garantir ao servidor faltoso o exercício do direito
assegurado no art. 156, suso, mas sem descurar da agilidade processual. Assim, caso a c.i.
não tenha concluído seus trabalhos, deve ser notificado o novel acusado para que, se o
pretender, requeira o cumprimento de qualquer dos atos assegurados no art. 156, no
respeitante à apuração já efetuada, atentando-se, destarte, para a faculdade atribuída ao
presidente da comissão no § 1º do mesmo preceptivo. Já as infrações, verificadas no curso
do apuratório, serão igualmente apuradas, se conexas com as faltas objeto do processo ou,
se inexistente a conexidade, a investigação não compromete a razoável agilidade da
conclusão dos trabalhos. Senão, deve a c.i. propor a designação de outro colegiado, sem
prejuízo de suas incumbências.
37. d) a infração constatada após a instauração do processo deve ser nele apurada, desde
que tenha conexão com a que deu azo ao apuratório. Inexistente a conexidade de ilícitos,
poderão ser apurados, todos, no mesmo processo, caso, quanto à infração mais recente,
preserve a razoável celeridade. Em sendo contraproducente a apuração das faltas
funcionais desprovidas de conexidade, no mesmo processo, deverá a c.i, até mesmo no
relatório final, propor a designação de outra equipe, com a finalidade de determinar a
veracidade desses fatos. Verificado o envolvimento de outros servidores já no curso da
apuração das infrações, incontinenti deverão ser notificados do seu envolvimento nas
irregularidades, cabendo à comissão de inquérito assegurar expressamente o exercício do
direito a que alude o art. 156 do novo estatuto dos servidores públicos civis federais, com o
que serão observados o contraditório e a ampla defesa;”
“Na prática, a inclusão de fato novo, no processo disciplinar, já em andamento, deve ser
examinada, cumulativamente, sob dois aspectos:
a) Temporal - viabilidade de se proceder às novas investigações de forma correta, no prazo
que resta para conclusão do processo disciplinar.
b) Correlação e conexidade - conveniência de se admitir as investigações, em se tratando
de atos continuados, por constituírem agravante e possibilitarem a apuração da extensão
do prejuízo.
Devem, portanto, ser examinados no mesmo processo os fatos ligados entre si, por pontos
de convergência, cujo conhecimento de um deles ajuda compreender o outro, permitindo
conhecer o ocorrido em sua plenitude.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pgs. 116 e 117, Editora Forense, 2ª
edição, 2006
STJ, Mandado de Segurança nº 7.330, Voto: “(...) excesso de poder por parte da comissão
processante, em razão de ter se dedicado a apurar fatos não relacionados na portaria
inaugural; Alega o impetrante que a autoridade julgadora apreciou fatos não relacionados
na portaria instauradora do processo administrativo disciplinar (...) Ora, para investigar a
ocorrência dos fatos narrados na portaria instauradora, a comissão processante, com
efeito, deveria perquirir sobre outros fatos, de conteúdo instrumental, no contexto da
realização dos objetivos atribuídos ao infrator. (...) dessarte, os fatos analisados que
isoladamente pareceriam estar, à primeira vista, fora do âmbito gizado para as
investigações, uma vez observados no conjunto, fariam ver que a apuração não se desviou
de seus fins iniciais, diante da correlação manifesta entre meios e fins, num contexto
específico. Sendo o conjunto das operações investigadas complexo até para aqueles que
trabalham no mercado financeiro, perfeitamente natural que a investigação partisse para
outros fatos não detalhados na portaria instauradora do procedimento disciplinar. O que
não se admitiria - e não é o caso dos autos -, é que o indiciado, ao final da apuração,
tivesse contra si um juízo de reprovação, calcado em fatos que não guardassem nenhuma
relação com aqueles inicialmente perscrutados.”
É importante relembrar que o conceito de conexão, mesmo em seu sentido lato sensu
aqui adotado, está associado à fixação de competência julgadora, afim de que, sob unidade
processual e submetidos a único ato de um julgador, diversos ilícitos recebam um julgamento
congruente. A inclusão, em um mesmo processo, de todos os fatos que guardam um liame de
correlação (permitindo uma visão mais completa do panorama probatório) oferta ao julgador
uma visão conglobante de todo o conjunto probatório, propiciando economia processual (é
possível que sejam aproveitadas as mesmas provas), previne a ocorrência de decisões
discrepantes em afronta à segurança jurídica e possibilita a razoável duração do processo e,
sobretudo, segurança jurídica.
Ressalte-se que se, por um lado, a inclusão de novos fatos conexos lato sensu
conhecidos após a instauração do processo administrativo disciplinar é válida desde que
ocorra antes da indiciação (a menos que delibere por excepcional reabertura da instrução
processual, inclusive com nova indiciação), por outro lado, dispensa qualquer alteração da
portaria instauradora, de que consta a expressão “fatos conexos”, e pode ser objeto de
soberana e motivada deliberação da comissão, sem necessidade de se submeter à apreciação
da autoridade instauradora.
Orientação Coger nº 41
O conhecimento de novas irregularidades tidas no conceito amplo de conexão permite a
sua inclusão no escopo de trabalho de fase de admissibilidade ou de PAD já em curso,
desde que, neste último caso, se dê em momento anterior à indiciação.
Orientação Coger nº 42
A inclusão de novas irregularidades tidas no conceito amplo de conexão no escopo
apuratório de PAD já em curso não impõe alteração da portaria instauradora e pode ser
objeto de soberana deliberação da comissão, sem necessidade de submissão à autoridade
instauradora.
E de outra forma não poderia ser já que, à vista dos princípios da autotutela,
oficialidade, da indisponibilidade do interesse público e da verdade material, não há que se
cogitar de a instância disciplinar, neste momento processual conduzida pela comissão, ficar
adstrita ao que originalmente consta da representação ou denúncia e dos motivos porventura
empregados na fase de admissibilidade para propor instauração se, incidentalmente, no curso
do inquérito administrativo, vêm à tona outras notícias ou novos indícios, seja acerca da
422
mesma irregularidade original, seja acerca de outros fatos relevantes sob ótica correcional e
que guardem relação de conexão (ou de habitualidade em caso de infração única ou ainda de
continência e até de continuidade delitiva), nos termos acima expostos (e reforçados em
2.5.3.4) com os fatos que motivaram a decisão de instaurar o feito contraditório.
Mas isto não significa poder arbitrário e ilimitado de investigação, uma vez que os atos
administrativos requerem, como elemento de validade, dentre outros, a motivação e
competência: motivação aqui se demonstra importante porque são os fatos apreciados na fase
de admissibilidade que motivaram a decisão, por parte da autoridade instauradora, de editar
uma forma de mandato, em nome da comissão, a fim de que o colegiado proceda a seu
esclarecimento; e competência aqui merece destaque porque a comissão é designada por um
ato que, se por um lado não enumera exaustivamente o alcance dos trabalhos apuratórios, por
outro lado, deixa indicado o seu delimitador, adstringindo o escopo aos fatos narrados no
processo até a data da instauração e àqueles que se demonstrem conexos (ainda que se tome
este termo em sentido amplo, é necessária alguma relação de conexão para a extensão dos
trabalhos).
Grosso modo, pode-se dizer que, em casos com multiplicidade fática a se apurar e/ou
com muitos servidores envolvidos, dependendo da forma e do momento em que tais extensões
objetivas e/ou subjetivas já estavam ou tenham vindo aos autos, pode-se lançar mão de dois
institutos jurídicos que desafogam a unidade processual e acarretam a formação de novos
autos, em favor da celeridade e da eficiência, a saber, a representação ou o desmembramento.
Ainda em um patamar fortemente superficial de análise, pode-se sintetizar que a representação
é uma ferramenta mais utilizada diante do conhecimento de fatos novos não conexos com os
fatos originariamente autuados e que, em geral, restam descobertos no curso do procedimento
(de apuração, em geral, condicionada a nova fase de admissibilidade e à instauração de novo
processo disciplinar, com novo trio processante diferente do representante e com seu próprio
cômputo prescricional); por outro lado, o desmembramento é uma ferramenta mais utilizada
para casos já conhecidos desde o início do procedimento ou a ele já integrados (de
prosseguimento apuratório que, em geral, dispensa nova fase de admissibilidade e outro trio
processante e com prazo prescricional atrelado ao primeiro, porque, de um jeito ou de outro,
já eram de conhecimento da Administração antes de desmembrar).
Orientação Coger nº 11
Em procedimento disciplinar com multiplicidade fática a apurar e/ou com muitos
acusados, a decisão acerca da conveniência de a comissão solicitar desmembramento dos
autos ou de formular representações não se baliza por qualquer normatização, mas sim
pelo aspecto estratégico da efetiva e célere condução processual e da segurança jurídica
designação (como infrações independentes) ou, mesmo havendo alguma forma de liame entre
estes diferentes conjuntos fáticos, em momento do processo em que este novo apuratório
postergaria a conclusão já possível de se emitir para a primeira infração ou configuraria
prejuízo à defesa, deve a comissão representar diretamente à autoridade instauradora, a fim de
que se submeta a específica fase de admissibilidade e, se for o caso, se instaure outro processo
para cuidar deste novo fato, sendo possível ter de se operar o desentranhamento de peças,
conforme se aduzirá em 4.2.3.
Orientação Coger nº 43
O conhecimento de novas irregularidades tidas como independentes em relação aos fatos
objeto da fase de admissibilidade ou do PAD em curso recomenda a formalização de
procedimento distinto.
CPP - Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido
praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo
número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
Uma vez que, em relação aos fatos que originalmente provocaram a instauração, a
portaria instauradora permite que a comissão abarque em seu foco apuratório tão-somente os
fatos ligados por conexão em sentido lato e que se subentendem extensíveis também os fatos
associados por habitualidade, é de se alertar que a inclusão de fatos novos relacionados apenas
por traços de continuidade poderia suscitar alegações de se ter extrapolado os poderes
estabelecidos no mandato em que se constitui aquele ato inaugural e de incompetência do
424
colegiado para assim proceder, alegação esta superável, conforme já aduzido em 2.5.3.4, caso
se consiga inserir no conceito jurídico da continência. De toda sorte, novos fatos
independentes dos fatos originais devem ser objeto de representação.
Assim, seja pela ausência de conexão (no sentido amplo de qualquer forma de liame)
entre as infrações, ou seja pelo momento processual inoportuno para a extensão apuratória,
seja ainda por envolver servidor de outra jurisdição, deve a comissão, em tais hipóteses de se
deparar com novos fatos supostamente ilícitos no curso de sua apuração, como regra geral,
proceder à representação - mas sem perder de vista o aspecto estratégico que necessariamente
deve permear tal decisão, na busca da célere e efetiva condução processual e da segurança
jurídica.
Destaque-se que a previsão citada acima de a comissão representar pode ser exercida
assim que tais fatos novos se revelem materializados, momento este que pode ser incidental,
em meio à instrução do rito disciplinar (hipótese em que não deve postergar esta provocação
para o fim de seus trabalhos) ou, se for o caso, pode coincidir com as conclusões de seu
relatório. Como a comissão é órgão independente e autônomo na Administração Pública, não
425
se vinculando a nenhuma autoridade, nem mesmo à que a designou, conforme 4.3.10.2.2, não
se insere em via hierárquica, podendo representar diretamente à outra que não a instauradora,
como, por exemplo, à autoridade jurisdicionante do representado. Não obstante, convém fazê-
lo por meio de sua autoridade instauradora.
4.2.3 - Desmembramento
Por fim, em hipótese distinta das abordadas em 4.2.2.1.1 e em 4.2.2.1.2, pode
acontecer de figurar em um processo administrativo disciplinar uma grande quantidade de
servidores como possivelmente responsáveis por ato(s) ilícito(s), seja por seus nomes já terem
sido apontados desde a representação ou denúncia, seja por terem surgido em decorrência do
esgotamento dos procedimentos de investigação na fase de admissibilidade. Pode também
ocorrer de um mesmo processo, já desde a instauração, abarcar diversos fatos, envolvendo um
único ou mais de um servidor. Pode ainda se cogitar da hipótese de multiplicidade fática ou de
autores cabíveis nos conceitos de conexões material, probatória ou intersubjetiva ou de ilícito
habitual ou ainda ligados por continência, agregados ao foco apuratório já pela comissão, na
fase do inquérito administrativo (uma vez que, se não houvesse qualquer espécie de conexão
ou sequer habitualidade ou continência ouainda de continuidade, a rigor, o caso recairia na
solução via representação, abordada em 4.2.2.1.2). De acordo com as definições e regra já
expostas em 2.3.5.2 e em 4.2.2.1.1, havendo qualquer espécie de conexão lato sensu
interligando estes elementos objetivos ou subjetivos impulsionadores do dever de apurar, ou
seja, ainda que reste extenso o espectro de trabalho, se os variados fatos cometidos por um
único servidor ou se as condutas de diversos servidores guardarem forte inter-relação e
indissociabilidade, é preferível que o processo seja conduzido de forma una, com todos os
acusados e fatos conexos a apurar no mesmo procedimento.
Aventando-se desta hipótese excepcional (de uma cadeia de conexões lato sensu tão
426
Para este fim, de imediato, é de se dizer que se, por um lado, o desmembramento não
tem expressa previsão de emprego na instância disciplinar na lei específica (a Lei n° 8.112, de
11/12/90), também é certo dizer que este diploma legal não o veda. Assim, no silêncio da
legislação de regência - e também na lei geral do processo administrativo, Lei n° 9.784, de
29/01/99 - busca-se o disciplinamento no CPP, que prevê o instituto em seu art. 80.
CPP - Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido
praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo
número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
Assim, se os nomes dos envolvidos ou os diversos fatos constam dos autos desde a
representação ou denúncia ou se surgiram nas investigações prévias em fase de
admissibilidade, pode a autoridade instauradora avaliar a viabilidade e, se for o caso,
motivadamente, determinar a instauração de mais de um processo, emitindo então mais de
uma portaria de instauração (ficando a seu critério designar a mesma comissão ou não).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão
composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observando o
disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser
ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou
superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
§ 2º Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge,
companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até
o terceiro grau.
4.2.4.1 - Estabilidade
ou pressão por parte de quem quer que seja e, destacadamente, por parte de autoridade
superior a quem ainda possa estar submetido nas avaliações de estágio probatório.
comissão há o requisito legal de, alternativamente, ter cargo de nível igual ou superior ao do
acusado ou ter escolaridade de grau igual ou superior ao do acusado (impropriamente, o art.
149 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, menciona “indiciado”). Desta forma, pode um servidor
ocupante de cargo efetivo de nível intermediário presidir comissão em que o acusado seja
servidor detentor de cargo efetivo de nível superior, desde que também tenha grau de
escolaridade igual ou superior.
Quanto ao grau (ou nível) de escolaridade, no País, existem apenas três: ensino
fundamental, ensino médio e educação superior, conforme o art. 21 da Lei nº 9.394, de
20/12/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Neste rumo, aduz-se que títulos
acadêmicos (tais como mestrado ou doutorado ou pós-graduação lato sensu) não estão acima
do grau superior, sendo nele enquadrados sem diferenciação.
“No tocante ao nível de escolaridade que a lei, agora, passa a exigir como requisito
alternativo para o servidor presidir comissão de processo disciplinar, há de ser entendido
o alcançado pela conclusão de cursos regulares (1º, 2º e 3º graus, ou seja, fundamental,
médio e superior), não sendo levado em consideração, portanto, os cursos de
aperfeiçoamento, os de extensão universitária, como mestrado, doutorado ou os de
especialização, que apenas qualificam, aprimoram e enriquecem o conhecimento, sem,
todavia, elevar ou interferir no nível de escolaridade.” Francisco Xavier da Silva
Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 108, Editora
Forense, 2ª edição, 2006
Embora haja atos que sejam de atribuição do presidente, nas deliberações e nas
manifestações de convicção, os votos dos três integrantes têm o mesmo valor. Frise-se: não há
relação de hierarquia dentro da comissão, mas apenas distribuição não rigorosa de atribuições
430
e uma reserva de competência de determinados atos ao presidente (e, mesmo assim, em regra,
os atos da comissão são objeto de prévia deliberação colegiada, podendo apenas a sua
posterior operacionalização ser atribuída especificamente ao presidente).
Parecer AGU nº GQ-35, vinculante: “Ementa: (...) A nulidade processual não se configura
se, no ato de designação da comissão de inquérito, forem omitidas as faltas a serem
apuradas, bem assim quando o colegiado processante é integrado por servidor de nível
funcional inferior ao dos envolvidos. (...)
17. A c.i. é integrada por três servidores estáveis, dela não participando cônjuge,
companheiro ou parente do provável responsável pela prática das infrações disciplinares,
consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau. São exigências
insertas na Lei nº 8.112, de 1990, art. 149, a qual não autoriza qualquer resultado
interpretativo que conduza à nulidade do processo disciplinar na hipótese de compor-se a
comissão sem observar o princípio da hierarquia que se assere existente nos quadros
funcionais da administração federal.
18. A organização administrativa da União e de suas autarquias e fundações públicas, no
aspecto funcional, consiste em quadros compreendidos por cargos efetivos, cargos de
natureza especial, cargos em comissão e funções de confiança (cfr. os arts. 2º e 3º da Lei nº
5.645, de 1970, e 3º da Lei nº 8.112, de 1990). A responsabilidade pela direção e chefia
incumbe aos titulares dos cargos e funções de confiança, em relação aos quais se
aglutinam o poder de mando e o dever de promover a apuração de irregularidades,
integrando sistema de controle da legalidade dos atos praticados pelos agentes do Estado,
sem estabelecer hierarquização entre as categorias de servidores efetivos. O
posicionamento hierárquico deflui da organização estrutural e funcional dos órgãos
administrativos a que correspondem feixes de atribuições de cargos ou funções providos
em confiança, em decorrência da natureza dos seus encargos. Inexiste subordinação
funcional entre os ocupantes de cargos efetivos. (...)
20. Mesmo que se procedesse à composição de comissão processante com a designação de
servidor subordinado administrativamente a dirigente possivelmente envolvido nos fatos
objeto do processo disciplinar, o que se não recomenda, a nulidade não resultaria
necessariamente desse fato, mas haveria de exsurgir do contexto do apuratório. De
431
Assim, como mera recomendação, não exigida em lei, em busca de solução otimizada,
mas a ser contraposta a todo instante pelas carências de pessoal na Administração Pública
federal, o ideal seria a comissão contar com pelo menos um servidor de formação jurídica e já
experiente na matéria processual disciplinar (preferencialmente o presidente) e com pelo
menos um servidor conhecedor da matéria técnica de que especificamente trata o apuratório,
conforme também já opinou a Advocacia-Geral da União, no Parecer AGU nº GQ-12,
vinculante:
Parecer AGU nº GQ-12, vinculante: “18. Integram a c.i. três servidores estáveis, dela não
podendo participar cônjuge, companheiro ou parente do provável responsável pela prática
das infrações disciplinares, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o
terceiro grau. Essas exigências explicitadas no art. 149 da Lei nº 8.112 são suscetíveis de
ampliação, a fim de serem abrangidos outros requisitos, em salvaguarda da agilidade,
circunspeção e eficácia dos trabalhos, bem assim dos direitos dos servidores envolvidos
nos fatos. São os cuidados recomendados no sentido de que sejam as comissões
constituídas de servidores com nível de conhecimento razoável do assunto inerente às
faltas disciplinares e, preferencialmente, de um Bacharel em Direito, face às implicações
de ordem jurídica originárias do apuratório.
19. São meras qualidades pessoais que devem possuir os servidores a serem designados
para compor a comissão, prescindindo de autorização de lei, nesse sentido.”
Acrescente-se ainda que também não há vedação para que a autoridade instauradora
substitua integrante(s) da comissão no curso do inquérito, podendo tanto somente alterar,
dentre aqueles servidores que já compunham, a condição de presidente e de vogal, sem trazer
nenhum nome novo para o colegiado, bem como pode excluir algum(ns) integrante(s) e
incluir novo(s), seja na mesma posição ocupada por quem sai, seja em outra posição,
importando ainda em remanejamento interno na composição do trio. Em todos estes casos, se
o ato se resumir à substituição (não coincidindo com portaria de prorrogação ou de designação
de nova comissão, conforme 4.2.8.2 e 4.2.8.3), deve a autoridade emitir portaria específica,
descrevendo as alterações processadas, submeter à publicação e enviar uma via original para
ser autuada no processo. Caso a substituição de membro(s) coincida com prorrogação ou
designação de nova comissão, sintetizam-se os dois fatos em uma única portaria,
estabelecendo a nova composição.
STJ, Mandado de Segurança nº 14.827: “Ementa: 2. Não há, no art. 149 da Lei nº
8.112/1990, nem em qualquer outro dispositivo dessa lei, vedação à substituição dos
membros da comissão processante, providência que poderá ser levada a efeito desde que
os novos integrantes preencham os requisitos legalmente estabelecidos.”
Seja de uma forma, seja de outra, conforme já aduzido em 2.1.4, nos termos exigidos
pelos arts. 2º e 3º da Portaria Coger-MF nº 17, de 30/01/14, alterações na comissão devem ser
informadas pelo Escor (ou pela Coger, nas hipóteses excepcionais em que o Corregedor figura
como autoridade instauradora) nas bases de dados externa, do Sistema de Gestão de Processos
Disciplinares (CGU-PAD, da Controladoria-Geral da União).
Ainda na linha das recomendações não previstas em lei, em busca do ideal da solução
otimizada, dificultadas pelas carências de recursos na Administração Pública, convém que a
autoridade instauradora disponibilize para a comissão acomodações condizentes com o
trabalho a se realizar. Uma vez publicada a portaria e entregues os autos à comissão, tão-
somente a ela cabe a guarda do processo, em defesa de sua autonomia e independência e
também do caráter sigiloso da instância disciplinar. Para isto, a comissão deve ter uma sala
privativa, dotada de porta com fechadura e tranca seguras, divisórias opacas até o teto,
armários com trancas para guardar o processo, mesas e cadeiras para a realização de oitivas e
interrogatórios e microcomputadores.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 31. Para implementação do Sistema de Correição
do Poder Executivo Federal, os órgãos e titulares das respectivas unidades deverão adotar
as seguintes providências:
IV - os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal:
a) prover espaço físico adequado à prática das atividades de correição;
433
dependências.
Não obstante, é certo que o Regimento Interno e a Portaria Coger nº 14, de 30/01/14
(e, extensivamente, a Portaria MF nº 492, de 23/13/13, que traça normas gerais para a atuação
correcional no âmbito do Ministério da Fazenda), estabelecem duas diferentes competências
para a autoridade instauradora na Secretaria da Receita Federal do Brasil. O Chefe de Escor
(ou o Corregedor, excepcionalmente) dispõe de uma dupla possibilidade de competências: não
só esta que se aborda no presente tópico, para instaurar os processos administrativos
disciplinares e que, obviamente, engloba a designação de servidores de sua própria alçada
hierárquica para desempenhar o múnus apuratório, em hipótese tida como regra geral; mas
também a competência para, de acordo com sua discricionariedade, quando se demonstrar
oportuno e conveniente, em determinados casos específicos e a seu critério, convocar
servidores externos ao sistema correcional para integrarem as comissões que conduzirão
aqueles processos, em hipótese tida como excepcional e que se detalhará a seguir, em 4.2.5.2.
Neste aspecto é que releva a edição da Portaria Coger-MF nº 492, de 23/09/13, pois,
no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conferiu a natureza irrecusável apenas
para as convocações realizadas pelo Corregedor (ou seja, quando o próprio atua como
autoridade instauradora (seja do rito contraditório, seja do rito investigativo). Ademais, apesar
não ter condicionado as convocações do Corregedor à prévia anuência do titular da unidade,
estabeleceu que suas convocações devem ser previamente comunicadas àquela autoridade,
sem, todavia, conceder a esta a prerrogativa de recusá-las.
Ressalte-se apenas que, se, muito excepcionalmente, for necessário designar servidor
de outro órgão público, além dos limites da Secretaria da Receita Federal do Brasil, convém
que a autoridade instauradora proceda à prévia solicitação ao titular daquele órgão.
STF, Mandado de Segurança nº 25.105: “Ementa: Entende-se que, para os efeitos do art.
143 da Lei 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável pela
instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar, ainda que um
deles integre o quadro de um outro órgão da administração federal, desde que essa
indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do servidor.”
Não havendo regramento em tais termos, nem vedando tal prática, nem estabelecendo
algum disciplinamento em seu emprego, o uso da prerrogativa, por parte dos Chefes de Escor
(e do Corregedor), para convocar servidor(es) estranho(s) ao sistema correcional subordina-se
tão-somente a seus critérios de oportunidade e conveniência - obviamente, sopesados por
avaliações operacionais de custo e de qualidade - tanto no que diz respeito a em que casos
aplicá-la quanto no que se refere à origem do(s) convocado(s) e ao local de instalação do
colegiado. No emprego de tal excepcional prerrogativa, é de se ponderar que, ao se convocar
servidor(es) lotado(s) na unidade de lotação ou de exercício do acusado ou de ocorrência do
fato, prioriza-se o aspecto pragmático e operacional de facilitar o esclarecimento e o
entendimento acerca do ocorrido com o presumível conhecimento do contexto, das
condicionantes e das praxes administrativas locais por parte destes convocados; por outro
lado, ao se convocar servidor(es) de unidades alheias ao local de exercício das atribuições
legais por parte do acusado e ao local de ocorrência dos fatos supre-se maior grau de isenção e
de distanciamento.
Por fim, convém abordar que, ainda que, nos dias atuais, diante do grau de
especialização do sistema correcional, seja pouco comum o emprego da competência de
convocar servidores estranhos aos quadros dos Escor e da Coger para comporem comissões,
440
nas raras situações em que tal convocação se demonstra necessária, pode a autoridade
instauradora se deparar não só com as já mencionadas alegações de inconformismo do próprio
servidor mas também com negativas por parte de sua chefia imediata ou de outros superiores
hierárquicos, em que pode se incluir até mesmo o titular da unidade. E, neste rumo, duas
justificativas são mais frequentemente apresentadas para tentar demover a convocação de
servidor: de que a unidade padece de excesso de competências regimentais e de escassez de
pessoal e de que o emprego de mão-de-obra local causa constrangimento interno na unidade.
Enquanto os incisos I e III, por razões distintas (o primeiro, por conter indesejável
442
Orientação Coger nº 12
Servidor que tenha atuado na sede investigativa não pode instaurar o procedimento
disciplinar subsequente, prorrogar o prazo ou designar ou reconduzir nova comissão
processante e integrar a comissão.
Por outro lado, já se aduziu em 3.4.2 a viabilidade de, em princípio, desde que não
manifestem convicção desprovida de isenção, poderem ser designados para a comissão de
inquérito os mesmos integrantes condutores de sindicância disciplinar, que, após a regular
dialética contraditória com o acusado, tenham achado por bem solicitar extensão dos poderes
apuratórios à autoridade instauradora. Neste mesmo rumo, embora não se demonstre
conveniente, não se verifica, a rigor, vedação para que a autoridade instauradora designe
como integrante de comissão disciplinar o servidor do grupo de assessoramento que apenas
tenha relatado a fase prévia de admissibilidade e tenha proposto a instauração do
procedimento disciplinar, decorrente de representação ou denúncia formulada por outra
pessoa. Embora seja uma situação que se recomende evitar (para afastar de plano uma
superável alegação de nulidade), esta participação como mero minutador não se confunde com
a de um investigador inquisitorial ou de um integrante de comissão investigativa, ainda
podendo se coadunar com a isenta participação na posterior comissão disciplinar. A condição
de mero parecerista em fase de admissibilidade é distinta da posição de um representante -
este sim impedido de compor a comissão. Se este parecerista, tão-somente com base em
análises jurídicas, apenas tiver relatado os fatos constantes da notícia inicial e tiver proposto
instauração, sem ter emitido um juízo de valor que extrapole os meros indícios inicialmente
coletados, não há impedimento em sua atuação na comissão (embora não recomendável, se
outra solução for viável para a autoridade instauradora). O impedimento advém quando este
servidor do grupo de assessoramento se confunde com o representante ou denunciante, ou
443
seja, quando ele, além de assinar a peça final propositiva da instauração, antes disto, realizou
diligências, investigou e angariou uma convicção pessoal a ponto de, na inexistência ou na
incipiência de uma representação ou denúncia inicial, restou como um representante ou
denunciante de fato.
Ademais, ainda sobre o mesmo inciso II do art. 18 da Lei nº 9.784, de 29/01/99, cabe
esclarecer que a hipótese de impedimento, nos estritos termos legais, se limita à atuação de
um agente (ou de seus parentes) no mesmo processo sob mais de uma função. Ou seja, a
primeira leitura que se extrai do dispositivo legal é de que o impedimento não se aplica à
hipótese de um agente (ou seus parentes) ter atuado em outro processo administrativo e menos
ainda em processo judicial em que figura(ou) o mesmo servidor interessado (acusado). Em
princípio, pode integrar a comissão disciplinar quem já atuou em outro processo
administrativo ou judicial em que figura(ou) o mesmo servidor acusado. Todavia, nada
impede que, à vista de peculiaridades de eventual caso concreto, em que a participação em
outros autos tenha se marcado por fortes manifestações a favor ou contra o servidor acusado
no processo em questão, possa se configurar uma contaminação na isenção do agente. Isto
mais claramente pode acontecer com quem atuou a favor de determinado servidor como
representante (no sentido procurador) à vista de uma posterior atuação em comissão designada
em outro processo em que o mesmo servidor figura como acusado. Excepcionalmente,
também pode ocorrer conflito entre uma primeira atuação como testemunha ou perito em
determinado processo e uma posterior atuação em outro processo, ambos administrativos, de
interesse do mesmo servidor, que mantenha alguma relação de pertinência ou de proximidade
fática (fruto de desmembramento, por exemplo) com o primeiro processo.
“A Lei quer impedir que o agente funcione no processo assumindo mais de uma função,
possibilitando a ocorrência de constrangimento em virtude de eventuais posições
geradoras de manifestação de vontade antagônicas. De fato, se o indivíduo está em
posições jurídicas diversas, não terá como evitar o desconforto de admitir duas soluções
para a mesma questão. É isso que o legislador quer impedir.
A participação impeditiva pode dar-se quando o agente é perito; a razão é óbvia: o perito
exerce função eminentemente técnica e, portanto, deve situa-se distante de qualquer
interesse. Assim, não é compatível que seja perito técnico e ao mesmo tempo encarregado
de decidir a matéria do processo. O mesmo se dá quando desempenha o papel de
testemunha: como a esta cabe relatar fatos de forma verídica, deve também estar longe das
partes, e tal posição se incompatibiliza com a de autoridade incumbida do processo. Como
representante, a incompatibilidade é indiscutível: a qualidade de representante implica,
como é natural, a defesa dos interesses do representado. Se assim é, nenhuma isenção terá
o agente da Administração se estiver ligado por vínculo de representação com o
interessado.” José dos Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pg.
133, Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2005
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 21. O servidor que atue em atividades correcionais
e que seja designado para atuar como perito ou auxiliar do Poder Judiciário, do Ministério
Público ou de qualquer outro órgão deverá comunicar tal fato à respectiva corregedoria e
ao titular do órgão ou da unidade de lotação, independentemente de qualquer ato nesse
sentido praticado pela autoridade que o designou.
Parágrafo único. O servidor que for designado para atuar como perito, nas situações
previstas no caput deste artigo, será afastado imediatamente das atividades da comissão de
sindicância ou de processo disciplinar que trate dos mesmos fatos objeto da perícia.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor
que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os
respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.
Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito
suspensivo.
Releva destacar que a Lei qualificou como íntima a amizade e notória a inimizade, de
forma que, em regra, simples relação de coleguismo, ou sua ausência, decorrente do contato
446
Além das hipóteses expressas em numerus clausus nos dois textos legais acima
mencionados, para vinculada manifestação de impedimento ou suspeição, informa-se a
existência de entendimento jurisprudencial, que ora pode ser tomado como recomendação de
situação a ser evitada, no sentido de ser impedido a integrar comissão processante servidor
que esteja respondendo a processo disciplinar ou criminal ou que já tenha sido punido ou
condenado naquelas instâncias.
STF, Mandado de Segurança nº 23.343, Voto: “(...) Incensurável, a meu ver, o parecer no
nobre órgão do Ministério Público Federal, ao arguir a nulidade decorrente do
impedimento do servidor que presidiu a Comissão de Sindicância, enquanto respondia, ele
próprio, a processo disciplinar.
Cita, nesse ponto, a bem lançada petição inicial, Circular da Presidência da República, de
10 de outubro de 1966, assinada pelo saudoso Professor Luiz Navarro de Brito, então
Chefe do Gabinete Civil, expedindo recomendação aos dirigentes de órgãos da
Administração Federal, no sentido de que não venham a ser designados, na constituição
das comissões de inquérito, funcionários que estejam respondendo a inquéritos
administrativos ou criminais (Circ. Nº 10-66, D.O. 17-10-66, pg. 11.989).”
(Nota: A mencionada Circular recomendava que “não podem integrar comissões de
processo disciplinar os servidores que: a) tenham sido condenados em processo penal; b)
tenham sofrido punição disciplinar; c) estejam respondendo a processos criminais; d)
estejam envolvidos em processo administrativo disciplinar”.)
PGFN/COJED n. 1514/2010: “34. Por sua vez, o acusado (...) atacou a suposta
parcialidade do Presidente da Comissão Processante, especialmente por este integrar
outra Comissão contra o mesmo servidor, por motivo de suposto abandono de cargo. Não
prospera essa alegação, pois ela não se enquadra em nenhuma das hipóteses de suspeição
ou impedimento previstos na legislação aplicável a esses casos (CPP e CPC). A alegação
do indiciado tornaria impossível, analogamente, um juiz julgar um mesmo Réu por crimes
distintos, pois, nesse caso, também teria que se dizer que o juiz estaria suspeito ou seria
parcial.”
STJ, Mandado de Segurança nº 15.837: Voto “(...) O fato de o Sr. (...) ter participado de
anterior comissão que investigou o abandono de cargo não traduz vício a ensejar a
447
CPP - Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade relativa a que haja dado
causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à
parte contrária interesse.
O parentesco entre duas pessoas é contado em graus, sobre as linhas que as unem, que
podem ser reta ou colateral (ou transversal).
• parentes em linha reta: as pessoas descendem uma das outras (exemplo: bisavós, avós,
pais, filhos, netos, bisnetos, da própria pessoa ou de seu cônjuge ou companheiro);
• parentes em linha colateral: as pessoas não descendem uma das outras, mas possuem um
tronco ancestral comum, limitadamente até o quarto grau (exemplos: irmãos, tios,
sobrinhos e primos, da própria pessoa ou de seu cônjuge ou companheiro).
CC - Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras
na relação de ascendentes e descendentes.
448
Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas
provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra
origem.
Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e,
na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente
comum, e descendo até encontrar o outro parente.
Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da
afinidade.
§ 1° O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos
do cônjuge ou companheiro.
§ 2° Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união
estável.
Nos parentes em linha reta, como o próprio nome indica, o grau de parentesco é
linearmente contado pelo nº de gerações que separa duas pessoas. Nos parentes em linha
colateral, conta-se o grau de parentesco subindo-se até o ascendente comum às duas pessoas e
depois descendo até o outro parente.
< >
3º grau 2º grau 1º grau 1º grau 2º grau 3º grau
3° grau 4° grau
O parentesco por afinidade em linha reta, como sogro, sogra, genro e nora, não se
extingue com a dissolução do casamento ou da união estável, ao contrário do parentesco por
afinidade em linha colateral, como cunhado.
Sintetizando então o que foi abordado acima, uma vez que as normas de regência para
449
CPP - Art. 97. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito,
declarando o motivo legal, e remeterá imediatamente o processo ao seu substituto,
intimadas as partes.
Art. 98. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá fazê-lo em petição
assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas
450
estranhos à Carreira, ocupantes de outros cargos administrativos, que não AFRFB e ATRFB,
integrantes do Plano Especial de Cargos do Ministério da Fazenda (Pecfaz, do Quadro de
Pessoal do Ministério da Fazenda, instituído pela Lei nº 11.907, de 02/02/09, para o qual
foram transpostos os cargos do Plano de Classificação de Cargos - PCC, instituído pela Lei nº
5.645, de 10/12/70; do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo - PGPE, tais como Analista
Técnico-Administrativo e Assistente Técnico-Administrativo, instituído pela Lei nº 11.357, de
19/10/06; e demais cargos administrativos daquele Quadro, bem como cargos das Carreiras
Previdenciária, da Seguridade Social e Trabalho, do Seguro Social e da Previdência, Saúde e
Trabalho) que têm exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil.
CF - Art. 5º
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
(Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/04)
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados em dias
corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ficando
prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja
expediente.
O prazo originário máximo de conclusão de PAD é de até sessenta dias, enquanto que
o de sindicância disciplinar é de até trinta dias.
um prazo menor. Caso a portaria instauradora não expresse o prazo, convenciona-se adotar
aqueles prazos máximos que a Lei estabelece.
O art. 152 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, estabelece de forma expressa que, no caso
específico da contagem do prazo de conclusão de PAD, seu início se dá na data de publicação
da portaria de instauração (fato estendido à sindicância disciplinar por analogia, diante do
silêncio da Lei).
Sendo as três formas defensáveis, de imediato, destaca-se que, mesmo tendo o marco
inicial caído em uma sexta-feira, a regra advinda da lei processual civil, que apontaria como
primeiro dia da contagem a segunda-feira subsequente, além de não constar de forma expressa
da Lei n° 8.112, de 11/12/90, e nem mesmo da Lei n° 9.784, de 29/01/99, implicaria em
adotar justamente a contagem mais favorável à Administração, quando, na verdade, o CPC a
dispõe para prazo de interesse da parte, a fim de cumprir determinada intimação. Assim, por
apego aos princípios reitores de instância punitiva, descarta-se de imediato esta interpretação
desfavorável à defesa.
Nesta linha, como mera recomendação e tão-somente por eleger, dentre as hipóteses
juridicamente aceitáveis aquela mais benéfica à defesa, convém optar pela contagem mais
cautelosa, a se iniciar a contagem do prazo originário de conclusão do processo
administrativoi disciplinar efetivamente já a partir do dia em si da publicação da portaria,
independentemente de qual dia da semana for (e isto se coaduna mesmo se a publicação se der
em uma sexta-feira, a despeito de não se considerar contrário à Lei iniciar a contagem no
sábado). Ou seja, recomenda-se a adoção da interpretação de que o art. 152 prevalece como
uma regra específica para o processo administrativo disciplinar em detrimento da regra geral
do art. 238, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que postergaria em um dia últil (ou mesmo
não útil) o efetivo início da contagem do prazo processual. Ressalte-se que, a rigor, a
repercussão do dia inicial de contagem do prazo de conclusão se dá somente no cômputo da
453
prescrição.
A partir daí, computam-se até trinta dias em caso de sindicância disciplinar e até
sessenta dias em caso de PAD, prorrogáveis em ambos os casos por períodos iguais aos
originariamente concedidos.
“Geralmente se concede o prazo máximo previsto na lei - 60 dias para o PAD e 30 dias
para a sindicância -, mas se isto não for feito considera-se que o prazo é o máximo da lei.
(...) nada impede que a comissão conclua os trabalhos antes do prazo fixado na Portaria.”,
Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg. 84, Fortium Editora,
1ª edição, 2008
Se, excepcionalmente, não for possível para a comissão dar início imediato aos
trabalhos, o presidente deve comunicar o fato e os motivos à autoridade instauradora, sem
prejuízo da manutenção do prazo legal para conclusão dos mesmos e sem que isto importe em
nulidade. Em regra, autoriza-se o início dos trabalhos a partir da data de publicação da
portaria inaugural. Todavia, caso se queira adotar uma postura bastante cautelosa e
conservadora, diante da possibilidade, acima descrita e plenamente aceitável, de se interpretar
que o prazo de conclusão poderia ter iniciada a contagem a partir do dia seguinte, pode-se
recomendar que os trabalhos somente sejam iniciados no dia útil consecutivo ao dia da
publicação da portaria. Trata-se de mera recomendação, não positivada em norma, cuja
inobservância não traria prejuízos nem à defesa e nem ao processo em si.
4.2.8.2 - Prorrogação
admissibilidade, em rito inquisitorial (não na condição de apenas determinar sua feitura, como
autoridade, mas sim de efetivamente tê-las realizado ou delas ter participado, em investigação
preliminar ou em investigação patrimonial ou em sindicância patrimonial ou ainda em
sindicância investigativa, conforme já se aduziu em 2.5.2 e em 3.4.2) que, como tal, tendo se
investido da figura de representante, não deve, por impedimento capitulável no art. 18, II da
Lei nº 9.784, de 29/01/99, posteriormente figurar como autoridade instauradora no mesmo
processo, a dar-lhe o devido prosseguimento, com prorrogações. O mesmo já não ocorre caso
este agente tenha atuado como integrante de comissão disciplinar (de sindicância ou de
inquérito) e venha posteriormente a atuar como autoridade instauradora no mesmo processo,
apenas como responsável por prorrogações, não se configurando impedimento.
Orientação Coger nº 12
Servidor que tenha atuado na sede investigativa não pode instaurar o procedimento
disciplinar subsequente, prorrogar o prazo ou designar ou reconduzir nova comissão
processante e integrar a comissão.
Portaria Coger nº 55, de 20/07/12 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os processos
disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas no âmbito da
Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões Fiscais (Escor) e no
Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
relatório final, cópia digitalizada (em formato .pdf) da versão atualizada do PAD ou da
Sindicância Disciplinar, para disponibilização na subpasta PAD EM ANDAMENTO.
“Observe-se que a prorrogação deve ser solicitada com antecedência para evitar
interrupções no prazo, que há de ser contínuo. Ademais, não se prorroga o que já foi
extinto.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público
Civil da União”, pg. 140, Editora Forense, 2ª edição, 2006
O prazo prorrogado - que deve ser igual ao prazo originariamente concedido, ou seja,
de até mais trinta ou sessenta dias para sindicância disciplinar ou PAD - não começa a ser
contado da publicação da portaria de prorrogação, mas sim depois de trinta ou sessenta dias da
instauração, de forma que são garantidos os prazos totais legais de até sessenta ou 120 dias.
30 dias 30 dias
prazo prorrogado: mais 30 dias a partir do 30º dia e não
do 29º dia
60 dias 60 dias
prazo prorrogado: mais 60 dias a partir do 60º dia e não
do 57º dia
Caso a prorrogação do prazo ainda não seja suficiente para encerrar os trabalhos de
apuração, a comissão deve comunicar à autoridade instauradora a não conclusão e solicitar
designação de nova comissão, que pode ou não recair nas pessoas dos mesmos integrantes (a
hipótese positiva é chamada de recondução). Tal solicitação preferencialmente pode se fazer
acompanhar de breve justificativa (descrição da fase em que se encontra o processo, do que já
foi feito, do que está pendente de se fazer e dos deslocamentos previstos, se for o caso) e pode
ser apresentada em forma livre e à margem dos autos do processo administrativo disciplinar
(podendo ser encaminhado inclusive em via virtual, por meio de correio eletrônico
institucional), analogamente ao já aduzido em 4.2.8.2.
456
Portaria Coger nº 55, de 20/07/12 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os processos
disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas no âmbito da
Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões Fiscais (Escor) e no
Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
Orientação Coger nº 12
Servidor que tenha atuado na sede investigativa não pode instaurar o procedimento
disciplinar subsequente, prorrogar o prazo ou designar ou reconduzir nova comissão
processante e integrar a comissão.
Teoricamente, não convém que exista lapso para designar nova comissão. Mas a
existência de pequeno lapso para a designação, por si só, não acarreta nulidade,
recomendando-se que não se produza nenhum ato neste intervalo ou, na pior das hipóteses,
que eventuais atos produzidos não sejam utilizados, de forma alguma, direta ou indiretamente,
como provas para a indiciação do acusado. Caso, neste lapso de tempo, tenham sido
realizados atos que, de alguma forma, repercutirão na formação de convicção da comissão,
devem ser refeitos após a designação da nova comissão.
indicação de prazo, de até sessenta ou trinta dias, mas que não necessariamente precisa ser
igual ao prazo originário da instauração. E esta nova comissão designada também é
prorrogável, pelo mesmo prazo da sua nova designação. Reiterações de novas designações e
prorrogações, por si sós, não são causas de nulidade, mas operam a favor da prescrição e do
fim da medida cautelar do afastamento preventivo, conforme se verá em 4.3.9.
Na mesma toada sistemática, também o parágrafo único do art. 147 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, e a Formulação Dasp nº 216 amparam o entendimento de que deve se dar
continuidade ao processo administrativo disciplinar ainda que não concluído no prazo legal.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não
venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo
poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60
(sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.
Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual
cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.
458
“Se o prazo original de sessenta dias já tiver expirado, poderá ser concedida prorrogação
por mais sessenta dias. Havendo estourado esses dois prazos, deverá ser redesignada a
comissão ou feita a designação de uma outra.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática
do Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 178 e 179, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
“Esgotado o prazo e sua prorrogação, sem a conclusão dos trabalhos, (...) não restará à
administração outra alternativa senão designar, de imediato, outra comissão, podendo
renovar as indicações dos membros da comissão dissolvida, se acolhidas as justificativas
apresentadas e continuarem os citados integrantes merecedores de confiança. (...)
Quanto ao excesso (...) no cumprimento do prazo para encerramento dos trabalhos,
convém lembrar que esta circunstância não constitui causa prejudicial à apuração correta
dos fatos e não nulifica o processo. (...) Presentes, portanto, motivos prevalentes de ordem
pública (apuração da verdade real), não há que se falar em desrespeito às normas legais.”
Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da
União”, pg. 140, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“Não tendo sido cumprido o prazo, nem mesmo com a prorrogação, a autoridade
instauradora tem o dever de destituir a Comissão, nomeando-se outra para prosseguir os
trabalhos. (...)
A pratica permite (e a Lei não impede) que os membros da Comissão dissolvida possam vir
integrar a nova Comissão, se a autoridade instauradora assim entender, levando em conta
que o prazo foi ultrapassado, não por negligência ou falta de capacidade, senão por
dificuldades naturais na apuração da verdade processual.” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pgs. 120 e 121, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
De acordo com o aduzido em 2.1.4, nos termos exigidos pelos arts. 2º e 3º da Portaria
Coger-MF nº 17, de 30/01/14, cabe aos Escor (e também à Coger, nas excepcionais hipóteses
em que o Corregedor figura como autoridade instauradora) manter atualizada a base de dados
externa, do Sistema de Gestão de Processos Disciplinares (CGU-PAD, da Controladoria-Geral
459
da União), o que abarca, no decorrer do processo, informar dados das portarias de prorrogação
e de designação de nova comissão (incluindo nomes e dados funcionais de eventuais novos
integrantes).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes
fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
Parecer AGU nº GQ-55, vinculante: “6. O comando constitucional para que se observem o
contraditório e a ampla defesa, no processo administrativo, é silente quanto à fase
processual em que isto deve ocorrer (cfr. o art. 5º, LV). É tema disciplinado em norma
infraconstitucional: a Lei nº 8.112, de 1990, assegura a ampla defesa no curso do processo
disciplinar e, o contraditório, no inquérito administrativo (v. os arts. 143 e 153), que
corresponde à 2ª fase do apuratório (art. 151, II).”
Neste momento inicial, convém que a comissão faça uma leitura detalhada do processo
- se possível, concomitantemente, elaborando um resumo dos autos (que será útil não só para
460
o imediato entendimento do caso mas também para instruir eventos posteriores dos trabalhos)
-, com o fim de identificar claramente qual o objetivo (“o que se quer esclarecer?”) e uma
estratégia de ação para atingi-lo (“como esclarecer?”).
Caso, de forma muito excepcional e residual, a comissão seja composta por servidores
convocados, estranhos ao sistema correcional, e se encontre instalada na unidade de lotação
ou de exercício do servidor representado ou acusado ou, ainda muito mais residualmente, na
unidade de ocorrência do fato, até pode se justificar o envio de tal comunicado à autoridade
instauradora, por meio de correio eletrônico institucional. Em complemento, neste hipótese
pouco frequente, convém ainda que a comissão informe também à autoridade instauradora, no
memso expediente, o seu horário de funcionamento, que pode ser igual ou menor à jornada
diária de oito horas de trabalho, depedendo do quanto o colegiado conceda ou não para si a
prerrogativa da dedicação integral ao trabalho correcional, conforme se abordará em
4.3.10.2.1.
Mas, por outro lado, por expressa determinação legal (a saber, o art. 15 da Lei nº
8.429, de 02/06/92), no rito que descreverá em 4.4.12.4 e em 4.7.4.4.2, especificamente em
casos de apuração de improbidade administrativa, a comissão deve expressar, ao Ministério
Público Federal e ao Tribunal de Contas da União (por meio da Secretaria de Controle
Externo da Fazenda Nacional - SecexFazenda, daquela Corte), de forma bastante sintética,
que, em atendimento àquele comando legal, comunica a instauração de processo
administrativo disciplinar em face em face de determinado servidor (indicando apenas o nº do
processo e o nome e CPF do acusado). Extrai-se do texto da Lei que a comissão não deve
postergar a comunicação para o momento em que se configurar a convicção do cometimento
da infração (que seria após sopesar a defesa, no relatório). Tampouco pode a comissão deixar
de proceder ao comunicado mesmo em hipóteses em que a instauração tenha decorrido de
461
STJ, Mandado de Segurança nº 15.021, Decisão: “Isso porque, ao que me parece, a regra
do artigo 15 da Lei nº 8.429/92 está direcionada para que o Ministério Público e o
Tribunal de Contas tomem providências inibidoras e responsabilizadoras do eventual ato
de improbidade no âmbito de suas competências constitucionais próprias, de modo que
seria descabida e imprópria a sua intervenção em sede de processo administrativo
disciplinar, já que, nessa seara, inafastável o princípio da independências das instâncias.
À falta de ciência desses órgãos pode acarretar a responsabilidade administrativa
daqueles que tinham o dever de cientificar aquelas autoridades e não o fizeram,
constituindo, para o processo administrativo disciplinar, mera irregularidade, incapaz de
nulificá-lo.”
Se a indicação recair sobre um dos vogais da comissão, sem qualquer prejuízo para a
defesa, a designação pode ser considerada formalizada nos autos por meio simplesmente de
uma ata (inclusive da ata de instalação e início dos trabalhos). Uma vez que,
obrigatoriamente, este servidor já foi devidamente qualificado para atuar no processo, na
portaria de instauração, pode-se dispensar a formalidade de se editar portaria específica. Neste
caso, além de atuar com voz e voto nas deliberações e na condução do apuratório, a priori,
462
Por outro lado, se a indicação recair sobre servidor estranho à comissão, até então não
autorizado formalmente a atuar no processo, convém que a designação seja feita por meio de
portaria específica do presidente e que este ato seja publicado no boletim de serviço (ou,
excepcionalmente, no boletim de pessoal) do órgão responsável por publicação interna na
jurisdição da unidade instauradora (que, no caso, é o Boletim de Serviço da Secretaria da
Receita Federal do Brasil - BS RFB). A cautela se justifica, pois esta pode ser a única forma
de se amparar o acesso deste servidor aos autos, em eventual deslocamento da sede ou a
dedicação de horas de trabalho ao processo. A procedimentalização para a aposição da
assinatura digital e para a publicação da portaria no BS RFB e a recomendação para que se
juntem aos autos a impressão da versão em extensão pdf da portaria e a(s) página(s) do
Boletim que a contempla(m) podem ser revistas em 4.2.1.1, de repetição desnecessária e a
cuja leitura se remete.
Ainda nesta segunda hipótese, o secretário não participa, com direito a voto, das
deliberações e não goza das prerrogativas de integrantes da comissão (avaliações funcionais
máximas).
Como mera recomendação, a favor da maior cautela, convém que a notificação inicial
seja precedida de uma ata de deliberação específica para este fim, não sendo conveniente fazê-
lo na ata de instalação e início dos trabalhos, antes de formalmente a comissão analisar o
processo, pois isto, em tese, pode suscitar alegação de pré-julgamento. Em que pese a esta
alegação ser facilmente contornável, a cautela acima a evita.
Obviamente, havendo mais de um servidor a figurar como acusado, deve ser feita uma
notificação inicial para cada, individualmente, e, para atender os arts. 153 e 156 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, no corpo do documento, a comissão deve informar:
• que existe o referido processo e que dele consta representação ou denúncia, contra o
servidor, de suposto ilícito, tão-somente fazendo remissão, de forma genérica, aos fatos
constantes do processo em questão, sem descrevê-los, sequer de forma sucinta;
• todos os direitos e meios de acompanhar o processo, de contestar provas e de produzir
suas próprias provas a seu favor (convém reproduzir o texto do art. 156 da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, embora não seja obrigatório e não é causa de nulidade não fazê-lo, visto
que a Lei não exige e presume-se de todos os servidores o conhecimento de normas
oficialmente publicadas e regularmente em vigor);
• que todas as petições da defesa, sobretudo para realização de ato de instrução
processual, devem ser encaminhadas por escrito à comissão, apresentando desde já a
relação de pertinência do pedido com o objeto do processo em curso;
• e o local e horário de atendimento por parte da comissão (que pode ser, a critério da
comissão, desde o recomendável de se disponibilizar toda a jornada padrão de trabalho,
com quatro horas na parte da manhã e quatro horas na parte da tarde, até um mínimo
duas horas na parte da manhã e duas horas na parte da tarde, hipótese que faz
subentender a reserva de parte da jornada apenas para deliberações internas - sem
prejuízo de, se operacionalmente for possível, atender a defesa mesmo em horário não
reservado para atendimento).
STJ, Mandado de Segurança nº 12.983: “Ementa: (...) III - A descrição minuciosa dos fatos
se faz necessária apenas quando do indiciamento do servidor, após a fase instrutória, na
qual são efetivamente apurados, e não na portaria de instauração ou na citação inicial.”
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a
obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram,
ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à
privacidade, à honra e à imagem.
deva ser enquadrado num determinado tipo disciplinar, elaborando, numa síntese
articulada da instrução, o rol das acusações existentes (...).” José Armando da Costa,
“Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 141, Editora Brasília
Jurídica, 5ª edição, 2005
“(...) o termo acusado não significa condenado nem culpado. É apenas um termo técnico
que deixa claro que aquela pessoa precisa se defender da acusação que contra ela está
sendo lançada. No processo penal a pessoa que responde ao processo criminal é chamada
de réu e ninguém contesta este termo. Aqui, no processo disciplinar, chamamos de
acusado, não há nenhum problema nisso. Aliás, é muito bom que se use esse termo porque
o indigitado servidor irá se preocupar com o processo e irá buscar realmente se defender.
Se ele é chamado de envolvido pode pensar que a situação não é tão perigosa e
negligenciar sua defesa.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo
Disciplinar”, pg. 102, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
Ora, uma vez que a notícia primordial da existência de um processo contra o servidor é
ainda mais relevante e essencial do que a provocação para que o mesmo apresente sua defesa
no curso daqueles autos de que já tem conhecimento, é bastante plausível defender que
também a notificação inicial, na mesma linha que o § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, atribuiu à citação, deve preferencialmente ser entregue de forma pessoal ao
servidor.
CPP - Art. 351. A citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território
sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado.
Art. 357. São requisitos da citação por mandado:
I - leitura do mandado ao citando pelo oficial e entrega da contrafé, na qual se
mencionarão dia e hora da citação;
II - declaração do oficial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação ou recusa.
CPC - Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou
particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo,
salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido,
transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e
firmar compromisso. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13/12/94)
Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se
defender. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
com o servidor, merecendo maior solenidade, por já embutir certo grau de gravidade e de
extrema seriedade. Ademais, sendo este o momento em que o acusado passa a ter
conhecimento da existência do processo administrativo disciplinar, até então, como regra, é
pouco provável que ele já tenha formalmente apresentado à comissão seu eventual procurador.
Não obstante, caso excepcionalmente já haja nos autos procuração para que terceiro
acompanhe o processo em nome do servidor e caso o próprio acusado manifeste desejo de que
os atos de comunicação processual sejam dirigidos a seu procurador, pode então a comissão
coletar a ciência do representante legal na notificação inicial.
No caso de ser entregue pessoalmente, a notificação inicial deve ser extraída em duas
vias, ficando uma via com o destinatário e coletando-se recibo datado na outra via, que fará
parte do processo.
Obviamente, esta iniciativa de buscar o prévio contato telefônico com o servidor pode
não ser factível quando, desde cedo, já se presuma que este não colaborará com os trabalhos,
inclusive e sobretudo na hipótese de existir fundado receio de este se evadir, dificuldade esta
que pode ser contornada com um contato prévio com a chefia do servidor ou com o titular da
sua unidade de lotação ou de exercício, a fim que solicitar à autoridade que chame o
subordinado a seu gabinete, em horário previamente combinado para que o portador da
notificação inicial também lá compareça.
Avançando nas hipóteses, também no caso de o servidor ativo ser lotado ou ter
exercício em unidade situada em localidade distinta daquela em que se sedia a comissão,
mantém-se a recomendação de primeiramente se tentar fazer um contato prévio com o
servidor, seja por telefone, seja até meio de videoconferência (quando se percebe uma maior
necessidade de cautela neste primeiro contato) e combinar a remessa da notificação inicial por
meio do correio eletrônico institucional (nos termos da Portaria SRF nº 1.397, de 11/11/02) ou
por meio de correio eletrônico comercial ou particular do servidor ou de seu eventual
procurador ou ainda até mesmo por via postal (com aviso de recebimento, conforme o § 3º do
art. 26 da Lei nº 9.784, de 29/01/99.
CPP - Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante,
será citado mediante precatória.
Prosseguindo ainda mais nas hipóteses, no caso de servidor ativo que se encontra em
gozo de licença ou de inativo ou qualquer espécie de ex-servidor (tal como já punido com
pena de demissão em outro PAD), qualquer daqueles portadores aceitáveis deve tentar o
contato no último domicílio atualizado dentre todos os constantes das diversas bases de dados
ao dispor da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Neste rol, pode-se citar as bases de dados
disponível no macroprocesso de trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente no
468
“O fato de o servidor acusado estar em gozo de licença médica quando da instalação dos
trabalhos não impede a sua notificação prévia, e muito menos significa que irá causar
alguma nulidade no processo disciplinar.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da
Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 314, Editora
Fórum, 1ª edição, 2007
Desdobre-se que este servidor pode ter vindo ao polo passivo por terem sido
identificados indícios de atuação nos mesmos fatos que acarretaram a instauração e que já se
encontravam sob apuração - podendo esta atuação ser uma coparticipação, em concurso de
pessoas com outro servidor que já figurava como acusado ou podendo também esta atuação
excluir a suposição de autoria que recaía sobre aquele primeiro acusado, por excludência); ou
pode ter vindo ao polo passivo por terem sido identificados indícios de atuação em outros
fatos que guardam relação de conexão (em sentido amplo) com os fatos originalmente sob
apuração. Em ambas hipóteses de extensão do foco apuratório (seja por identificar a atuação
do novo acusado nos mesmos fatos originais, seja por identificar sua atuação em fatos
conexos), também atua como condicionante o momento processual ainda justificador do
alargamento dos trabalhos; não sendo conexos os novos fatos ou, mesmo que o sejam, sendo
identificados em momento processual que já não mais recomenda a extensão, deverá a
comissão representar à parte para a autoridade instauradora emitir específico juízo de
admissibilidade.
Reitera-se que, tanto no caso de um único acusado contra quem se produziram atos de
instrução probatória previamente à sua notificação inicial quanto no caso de outro servidor vir
a ser notificado como acusado já no curso do inquérito administrativo, não é de se ter como
automática e obrigatoriamente a serem refeitos todos os atos antecedentes de natureza
contraditável (tais como provas orais, diligências e perícias lato sensu). A notificação inicial,
acompanhada de cópia integral dos autos, tem o condão de iluminar, para a defesa, a
possibilidade de peticionar pela produção de provas. Portanto, os atos de instrução
contraditáveis apenas devem ser refeitos se assim o acusado requerer (a denegação imporia
forte risco de prejuízo à defesa e, consequentemente, de nulidade).
Assim, embora haja ônus para o servidor figurar como acusado em processo
administrativo disciplinar, até em respeito à defesa, é melhor notificá-lo o quanto antes, a fim
de que ele, exercendo suas garantias constitucionais, contribua para afastar a acusação, ao
invés de inquisitorialmente conduzir o processo e formar a convicção de culpabilidade (por
vezes até equivocada), com risco de refazimento dos atos.
“(...) se o servidor acusado se recusar a receber a citação, deverá haver uma formalização
desse evento. Para o caso, é de se cumprir, por analogia, o disposto no § 4° do art. 161 da
Lei nº 8.112, de 1990, que manda seja lavrado um termo de recusa em receber a citação
para apresentação de defesa, por um dos membros da comissão.” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 127, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
(Nota: Embora tenha registrado “citação”, nesta passagem acima reproduzida, o autor se
refere a o que aqui se nomeou como “notificação”.)
“Recomenda-se que, neste caso, as duas testemunhas da cientificação não sejam membros
da comissão, uma vez que esta, representando a Administração, é parte nesse processo,
(...), podendo naquela hipótese ser eventualmente pechada de suspeita.” Ivan Barbosa
Rigolin, “Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis”, pg. 271, Editora
Saraiva, 4ª edição, 1995
“Se ele se recusar a receber a notificação prévia coletam-se dois testemunhos (analogia
com o que está previsto para a citação). Se o acusado estiver em local incerto e não sabido,
será necessário empregar editais em DOU e em jornal da localidade.”, Vinícius de
Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg. 101, Fortium Editora, 1ª edição,
2008
CC - Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência
com ânimo definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva,
considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à
profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles
constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
473
CPC - Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu
domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a
qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato,
voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
A exemplo do relatado em 4.3.4.1, estas diligências podem ser realizadas por apenas
um membro da comissão ou por um integrante do grupo de atividades administrativas do
Escor ou até mesmo por qualquer servidor do Escor, caso a unidade correcional não possua
aquele grupo.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido,
será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande
circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.
CPP - Art. 361. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15
(quinze) dias.
“Ao se referir à ‘última publicação’, o texto parece indicar que haverá mais de uma
publicação em cada órgão. Mas a intenção do legislador, parece-nos, foi mesmo referir-se
às duas publicações (Diário Oficial e jornal da localidade), considerando que o edital será
veiculado em dias diferentes. Assim, o prazo é contado a partir do dia em que ocorreu a
última publicação de um ou de outro desses veículos.” Léo da Silva Alves, “Prática de
Processo Disciplinar”, pg. 171, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
Se o servidor tido como estando em local incerto e não sabido tem domicílio em
município diferente daquele em que exerce seu cargo, o edital em jornal de grande circulação
474
deve ser publicado em jornal do local de exercício do cargo (trata-se do instituto do domicílio
necessário do servidor, conforme o art. 76 do CC).
CC - Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo
e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do
servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde
servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do
preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Havendo mais de um servidor nesta situação, a notificação inicial por edital será
coletiva.
Orientação Coger nº 37
Na ausência de previsão legal para emprego de defensor dativo no curso da instrução
processual, somente cabe tal designação em face da declaração da condição de indiciado
revel.
Por fim, depreende-se do art. 76 do CC, acima reproduzido, que, tendo o réu preso
paradeiro certo, a ele não se aplica a notificação inicial por edital. No mesmo sentido é a clara
475
CPP - Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado. (Redação dada pela Lei
nº 10.792, de 01/12/03)
“O servidor preso será citado pelo membro da comissão, em diligência ao presídio. Ou,
então, será requerida ao Juiz titular da Vara de Execuções Penais a apresentação do preso
no órgão público, quando será procedido o ato citatório.” Léo da Silva Alves, “Prática de
Processo Disciplinar”, pg. 174, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
O edital também não deve ser empregado na hipótese de o servidor estar em local
sabido no exterior. Neste caso, conforme já mencionado em 4.3.4.1, um dos remédios
jurídicos aceitos é o emprego de ofício, via autoridade consular, sendo também conveniente a
constituição de procurador na localidade onde corre o processo.
4.3.5.3 - Servidor em Local Conhecido e que se Oculta para Não Receber a Notificação
Inicial
Um terceiro incidente pode ainda ocorrer, como uma situação intermediária às duas
anteriormente descritas: o servidor (ou ex-servidor) tem paradeiro certo e conhecido, mas
oculta-se, para não ser notificado, quando um dos membros da comissão (o presidente ou
indistintamente qualquer dos dois vogais, não sendo necessária a formalidade de estarem
presentes os três integrantes) ou um integrante do grupo de atividades administrativas dos
Escor que porventura o possuam ou ainda qualquer servidor do Escor vai a seu encontro.
Neste caso, primeiramente, deve a comissão conseguir demonstrar nos autos que são
conhecidos os locais de trabalho e de residência onde pode ser encontrado o servidor ou o
local de residência onde pode ser encontrado ex-servidor. Por local de residência entendam-se
o(s) endereço(s) residencial(is) declarados nas diversas bases de dados ao dispor da Secretaria
da Receita Federal do Brasil, tais como nas bases de dados disponíveis no macroprocesso de
trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente no Sistema de Apoio às Atividades
Administrativas - SA3) ou nos macroprocessos de trabalho de arrecadação e de fiscalização
(tais como no Sistema de Cadastro Pessoas Físicas - CPF e nas declarações de ajuste anual de
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - DIRPF).
Além disto, deve também registrar nos autos algumas tentativas de encontrá-lo neste(s)
476
CPP - Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça
certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos
arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
(Redação dada pela Lei nº 11.719, de 20/06/08)
Segundo os mencionados arts. da lei de processo civil, quando há suspeita de que o réu
se oculta, deve ser intimada qualquer pessoa da família ou mesmo um vizinho de que o oficial
retornará no dia imediato, na hora que designar, para proceder ao ato de comunicação (a
chamada “citação com hora certa”), aqui aplicados extensivamente como última tentativa de a
comissão encontrar pessoalmente o servidor. Assim, na hipótese em que há indícios de que o
servidor (ou ex-servidor), embora de paradeiro certo e conhecido, não é encontrado no local
onde seria esperado, em decorrência de intencionalmente se ocultar da comissão, será
considerado notificado como acusado na data previamente aprazada, mesmo que nesta
oportunidade novamente não seja encontrado.
Todos estes registros servem de prova das sucessivas idas infrutíferas da comissão
àqueles endereços - sobretudo ao residencial - e das recomendações deixadas com quem
atendeu o portador para que informasse o servidor (ou ex-servidor) quando se retornaria para
tentar novamente encontrá-lo. A cada diligência no endereço residencial, deve-se buscar
extrair o máximo de informações de parte de quem atende (seja para lograr um meio seguro
de enfim encontrar o servidor ou ex-servidor, seja para deixar inequívoco nos autos a sua
477
estratégia de se esquivar da comissão), tais como confirmação de que o servidor (ou ex-
servidor) realmente reside naquele endereço, as razões da sua ausência, a previsão de horário
de retorno, o horário em que é mais provável encontrá-lo em casa ou ainda alguma outra
forma de contato.
CPC - Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu
domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a
qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato,
voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
Art. 228. No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo
despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a
diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões
da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra
comarca.
§ 2º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família
ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
Art. 229. Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou
radiograma, dando-lhe de tudo ciência.
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: O Direito Disciplinar rege-se por
normas específicas e independentes do Direito Penal, inexistindo viabilidade jurídica de
serem aproveitadas normas criminais, por via analógica, a fim de nulificar processo
disciplinar por haver-se efetuado a citação por hora certa com vistas à apresentação de
defesa.
6. A maneira como se efetua o chamamento para o indiciado apresentar sua defesa
encontra-se prescrita na Lei nº 8.112, art. 161, § 1º: “será citado por mandado expedido
pelo presidente da comissão”. O sentido literal desse comando, por si só, é suficiente para
demonstrar a validade do procedimento consistente em o indiciado receber o mandado
expedido pelo presidente do colegiado. É norma desprovida da rigidez que representaria a
exigência de que se efetuasse a citação, exclusivamente, por edital, em se esquivando o
indiciado de recebê-la.
7. A execução do ato processual de citação por hora certa atende à literalidade e à
finalidade do art. 161, tanto que nessa maneira de atuar não se vislumbra qualquer dano
para o exercício do direito de ampla defesa.”
“A citação por hora certa aplica-se àqueles casos em que há suspeita de que o servidor
indiciado está se ocultando para não receber a citação ou a notificação.
478
Subsidiariamente, aplica-se o Código de Processo Civil (art. 227 e 228) quando, por três
vezes o membro-secretário procurar o servidor indiciado para entregar a citação e não o
encontrando em casa ou no trabalho, poderá intimar o chefe imediato de que no dia
posterior voltará, durante o expediente normal da repartição, a fim de efetuar a citação, na
hora designada.
No dia e hora designados, o membro-secretário comparecerá no setor onde trabalha o
servidor indiciado, a fim de realizar a diligência.
Se o servidor indiciado não estiver presente, o membro-secretário procurará se informar
das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o indiciado tenha se
ausentado do setor, com o intuito de se esquivar do ato.
O membro-secretário lavrará certidão da ocorrência e deixará contrafé (cópia) com o
chefe imediato do servidor indiciado, mencionando-o na respectiva certidão.
Após, o colegiado registrará tudo em ata e o presidente determinará que seja enviada ao
servidor indiciado, para sua residência, por carta registrada com AR de ‘mão própria’,
cópia da certidão e do mandado, dando-lhe ciência.” Adriane de Almeida Lins e Debora
Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 363,
Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Ou seja, diferentemente do que ocorre em instância judicial, caso o acusado opte por
exercitar o acompanhamento da apuração, pode fazê-lo pessoalmente. O texto legal foi claro
ao prever o caráter alternativo do acompanhamento, pessoal ou por procurador, facultando a
escolha ao próprio interessado. Não há necessidade de constituir procurador e menos ainda, se
for o caso, de este ser advogado (a defesa técnica é uma faculdade na instância disciplinar).
Podem ser feitas algumas ilações da motivação do legislador ordinário em não ter
imposto a presença de advogado no processo disciplinar. A primeira é de que tal instância não
põe em risco garantia fundamental da pessoa (a liberdade). Na ponderação de bens tutelados,
o processo penal, como melhor exemplo, cuida de bem jurídico mais relevante para a pessoa
que o processo disciplinar, que, em sua essência, trata de uma relação jurídico-estatutária que
se firma entre servidor e Estado, que, em amplo sentido sociológico, engloba a “relação de
trabalho” (se, na lei trabalhista, podem os empregados reclamarem pessoalmente à Justiça do
Trabalho - art. 791 da CLT, não se sustenta tratamento tão diferenciado para o servidor);
ademais, de que, em última análise, em caso de afronta a garantias fundamentais, sempre pode
o servidor socorrer-se no Poder Judiciário; e ainda de que o ônus da prova é da
Administração, não necessitando o servidor de comprovar sua inocência. Em reforço, é válido
também trazer a tona o caráter facultativo da defesa técnica insculpido no art. 3º da Lei nº
9.784, de 29/01/99, aqui aplicável subsidiariamente à Lei nº 8.112, de 11/12/90. E, por fim,
mencione-se o previsto equilíbrio de forças na relação processual, já que, se o Estatuto não
exige que comissão e autoridades instauradora e julgadora sejam bacharéis de Direito e
advogados, é aceitável que também não o tenha feito para o procurador da parte, se for o caso.
Mas, em contrapartida, não convém que este procurador seja servidor (pois, neste caso,
ele pode, pelo menos em tese, se ver incurso na vedação prevista no art. 117, XI da Lei nº
8.112, de 11/12/90).
Ainda como reflexo das assertivas acima, da mesma forma como se aduzirá em
4.3.11.3 e em 4.4.3, no processo administrativo disciplinar, para o acompanhamento do rito
instrucional, deve a comissão comunicar à defesa não só a realização dos atos de busca de
prova como também o resultado de suas decisões, respostas e posicionamentos em face a
petições, questionamentos e os mais diversos tipos de provocações que a parte atravesse ao
colegiado. Para concretizar tais atos de comunicação - que, em sua síntese, concretizam o
direito de acompanhamento do processo -, basta que a comissão cuide de entregá-los apenas
ao acusado, como seu apriorístico destinatário, ou apenas ao seu procurador, como seu
destinatário subsidiário, caso este tenha poderes para tal na procuração. Não se faz necessário
entregar a ambos os diversos atos de comunicação com que se chama a parte a acompanhar o
rito, podendo se deixar a critério e ao encargo da defesa (aqui, indistintamente se
mencionando o próprio acusado e seu procurador) sua comunicação interna. E, uma vez
definido que basta comunicar a um dos dois agentes legalmente autorizados, justifica-se a
eleição apriorística do próprio acusado com base na assertiva de que, ainda que tendo
constituído procurador e ainda que este seja formalmente advogado, ninguém melhor, como
regra, que o próprio servidor para cuidar de seus interesses. A convenção ora exposta somente
se altera, centralizando-se os atos de comunicação e a participação processual no procurador,
caso o próprio acusado não possa - por estar afastado, em licença ou em paradeiro não sabido
- ou manifeste não querer receber pessoalmente as comunicações da comissão e acompanhar o
processo.
Em todo caso, é necessário formalizar nos autos o poder de representação, seja por
meio de procuração que confira ao procurador poderes para, genericamente, atuar na instância
administrativa, seja concedendo poderes para, de forma mais específica, representar no curso
de determinado processo, seja até registrando o poder de representar apenas no termo
correspondente ao ato que irá acompanhar.
CPC - Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou
particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo,
salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido,
transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e
firmar compromisso. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13/12/94)
Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado
emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica. (Incluído
pela Lei nº 11.419, de 19/12/06).
Lei nº 4.862, de 29/11/65 - Art 31. Salvo em casos excepcionais ou naqueles em que a lei
imponha, explicitamente, esta condição, não será exigido o reconhecimento de firmas em
petições dirigidas à administração pública, podendo, todavia, a repartição requerida,
quando tiver dúvida sobre a autenticidade da assinatura de requerente ou quando a
providência servir ao resguardo do sigilo, exigir antes da decisão final a apresentação de
prova de identidade do requerente.
CPC - Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em
juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou
prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes
casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de
mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do
juiz.
Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes,
respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.
acusado e que por ele será exercida ou não, a seu exclusivo critério. O mandamento é tão-
somente de que a comissão deve garantir a oportunidade deste exercício, sem obstrução.
“(...) esse direito de defesa é, em alguma medida, disponível, pois o Estado não pode,
rigorosamente, obrigar alguém a defender-se de uma determinada forma. O que se deve
observar é o respeito às oportunidades de defesa, estas sim imprescindíveis à validade do
processo. (...)
Veja-se que a técnica do silêncio ou mesmo da omissão pode ser uma forma técnica de
defesa, inclusive com a perspectiva de nulificação do processo ou procedimento. Não se
pode premiar aquele que fica em silêncio, mesmo dispondo de oportunidades de defesa,
com a nulidade processual ou administrativa, retardando indevidamente a prestação
jurisdicional (...). Penso que se mostra razoável o caminho de propiciar oportunidades aos
acusados para o exercício de defesa. Se essas oportunidades são ou não devidamente
aproveitadas, utilizadas, parece-me que é um problema dos acusados e de seus espaços de
liberdade.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pgs. 526 e 527,
Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Nota Técnica Coger nº 2005/6: “Ementa: Não cabe a designação de defensor ad hoc ou
dativo para quaisquer atos da instrução probatória - oitivas de testemunhas, diligências,
formulação de quesitos para perícia/assistência técnica, etc -, nos quais o acusado e/ou seu
484
procurador não comparecem, desde que tenha sido o acusado regularmente notificado. (...)
Somente existe expressa previsão legal para designação de defensor dativo com o fim de
elaborar defesa escrita de indiciado revel. (...)”
“Assim, durante todo o processo, estando o acusado em local conhecido, mesmo que ele se
demonstre apático aos chamados anteriores, continuará a ser avisado de todos os atos da
Comissão para poder deles participar e/ou contra eles arguir alguma oposição. Destarte,
se ele preferir não se manifestar, ficar alheio ao processo, mesmo tendo a Comissão jamais
cessado de convidá-lo a exercer sua ampla defesa durante toda a fase instrutória do
processo, a Comissão não precisará designar defensor ad hoc para os atos para os quais o
acusado não quis participar. Mas é imprescindível que a Comissão junte ao processo todas
as intimações entregues ao acusado, com a sua assinatura de recebimento, sem as quais o
processo fatalmente será anulado, pois não haverá nos autos a comprovação
imprescindível de que foi dada ao acusado a oportunidade de se defender.
Entretanto, conforme previsto pela Lei 8.112/90, se ele não apresentar a defesa escrita, que
é a última peça de defesa prevista no processo disciplinar, apenas neste caso, será dado a
ele um defensor dativo, nos termos do § 2º do art. 164 da Lei 8.112/90 (...).
Assim, em princípio, a Súmula nº 5 do STF revigorou a sistemática da Lei 8.112/90 e
estabeleceu que o acusado tem apenas a faculdade de se fazer defender durante todo o
processo, não podendo se obrigar a Administração a providenciar a defesa do servidor
durante a fase instrutória, mas apenas ao final do processo, se o indiciado regularmente
citado não apresentar sua defesa escrita.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de
Processo Disciplinar”, pg. 158, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
No curso da fase de inquérito, a comissão atua como o agente público competente para
a condução e, como tal, sujeita-se ao princípio da legalidade, com o que só lhe é dado fazer
aquilo que a lei expressamente lhe permite. Assim, independentemente da nomenclatura que
se empregue (ad hoc ou dativo), age sem amparo da Lei a comissão que, diante da realização
de ato instrucional sem a presença do acusado ou de seu procurador, em que pese a regular
notificação, designa (ou solicita que se designe) defensor estranho aos autos para acompanhar,
em nome da defesa, aquele ato específico.
Além do desamparo da Lei, esta atitude por parte da comissão afronta outro princípio
reitor do processo administrativo disciplinar. Sabe-se, conforme leitura do art. 150 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, que esta espécie de processo rege-se por cláusula de reserva. O processo é
o devido foro legal para que tão-somente a Administração e seu servidor (ou procurador, se
constituído) discutam, sob manto de contraditório e ampla defesa, o eventual cometimento de
irregularidade estatutária. Neste rito, na fase do inquérito, atuam apenas a comissão e a parte
interessada (o acusado e seu eventual procurador).
STJ, Mandado de Segurança nº 10.077, Voto: “Evidente, portanto, que foi assegurado o
486
STF, Agravo de Instrumento nº 239.029, Decisão: “(...) Quanto à defesa, a Corte de origem
deixou assentado haver sido dada oportunidade, no processo administrativo, para o
Agravante defender-se. Descabe, no caso, ter como indispensável a presença de
profissional da advocacia, isso ante a natureza do processo - simplesmente
administrativo.”
487
“Além disso, mesmo ausente a defesa própria ou por procurador, a lei só exige a
nomeação de defensor dativo quando o acusado, ao final do processo, indiciado e citado
para apresentar a defesa escrita, não o faz (conforme o art. 164 da mesma lei). Não existe
revelia enquanto não se chega a esta fase final do processo disciplinar. Não há previsão de
defensor ad hoc nem dativo durante o processo. E mais, mesmo no caso de haver a
indicação de dativo por falta de apresentação dessa defesa escrita, este dativo não precisa
ser sequer bacharel em direito, basta ser servidor de cargo efetivo superior ou do mesmo
nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. Este é o comando da
Lei 8.112/90.
488
O que a 5ª Súmula Vinculante do STF explicita é que, quando o acusado segue o art. 156
da Lei 8.112/90 e opta por se defender pessoalmente ou por defensor não inscrito na OAB
(não advogado), está abrindo mão de sua faculdade de contratar advogado técnico em
Direito, mas a Administração Pública que o condena neste tipo de processo não está
ferindo a Constituição, pois o princípio da ampla defesa e o do contraditório não incluem,
necessariamente, a presença de defensor especialista em Direito (Advogado inscrito na
OAB). Ou seja, o STF vaticinou que basta que ao acusado tenha sido franqueada a
possibilidade de exercer sua ampla defesa utilizando todos os meios e recursos admitidos
em Direito, e se ele não quis utilizar todos este meios e recursos, não haverá afronta à
Constituição.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pgs. 150
e 151, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
De se destacar que tal hipótese de situação excepcional muito bem levantada pelo
Supremo Tribunal Federal em nada inova o entendimento até então reinante na Administração
e muito menos enfraquece o condão e a aplicabilidade do julgado, pois tão-somente reflete a
possibilidade, desde sempre aceita na processualística disciplinar, de o servidor, devidamente
indiciado e citado a apresentar defesa, diante da complexidade que possa exigir a contestação
dos fatos a ele imputados e de sua pouca habilidade ou até mesmo desinteresse para fazê-lo,
vir a apresentar aquilo que se entende por defesa inepta ou insuficiente, que não satisfaz às
máximas da ampla defesa, restando então indefeso e justificando-se, em nova situação
excepcional, a designação, por parte da Administração, de servidor para atuar como defensor,
conforme se abordará em 4.8.5.2. Mas é de se destacar que tal situação precisa ser verificada
concretamente no processo, como um corolário do princípio do prejuízo (ter sido prejudicada
a defesa, em decorrência da incapacidade de o servidor se defender à vista da complexidade
do caso concreto), não se autorizando a simples e precipitada adoção de uma presunção de
nulidade, conforme sumulara o Superior Tribunal de Justiça.
“Todavia, pode acontecer de o indiciado apresentar uma defesa escrita tão ruim, que será
como se ele estivesse indefeso. Às vezes, mesmo a defesa apresentada por advogado é tão
fraca que a Administração não pode fingir que o acusado se defendeu, pois a defesa
precisa ser efetiva, ainda que apenas no final do processo. Portanto, se acontecer de a
defesa escrita apresentada pelo acusado ou por seu defensor ser muito fraca, a
Administração terá que considerá-lo revel e nomear para ele um defensor dativo.
Entendo que foi nesse sentido que, nos debates entre os Ministros do STF, no julgamento
do RE 434059 que deu origem à Súmula vinculante nº 5, se levantou a questão de que, na
eventualidade de ‘o processo ser muito complexo e fugir à compreensão do servidor para
que ele próprio se defenda’, seria necessária a nomeação, pela própria Administração, de
um defensor que melhor exerça este mister.
O Supremo Tribunal Federal não parece ter criado uma exceção à sua própria súmula. O
que se lembrou foi apenas o fato de que não é apenas quando o servidor não apresenta a
defesa escrita que ele precisará de um defensor fornecido pela própria Administração, mas
também quando se considerar, no caso concreto, que a sua defesa escrita está prejudicada,
tendo em vista que a complexidade da matéria não lhe permite efetuar sua própria
defesa.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pgs. 158 e 159,
Fortium Editora, 1ª edição, 2008
Dois pontos devem ser destacados nesta esteira. Primeiramente, de acordo com o
mencionado art. 103-A da CF, a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal veda
qualquer possibilidade de interpretação contrária não só nas demais instâncias e órgãos do
próprio Poder Judiciário como também estende seu poder vinculante até a Administração (o
que não ocorria com a mencionada Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça, visto que a
CF não confere poder vinculante a súmulas daquela Corte), conforme já se aduziu em 3.3.8.
E, por fim, vê-se definitivamente refletida na mencionada Súmula Vinculante a posição que a
Administração sempre defendeu: não há nenhuma refração à participação de advogados nos
processos administrativos disciplinares. Ao contrário, entende-se que tal presença contribui
para um fortalecimento da defesa e do instituto do processo em si; tão-somente a ausência da
defesa técnica realizada por advogado, por si só, não tem o condão de gerar nulidade
processual de forma automática.
“Com isso, todos os problemas criados para a Administração Pública pela Súmula 343 do
STJ quedam-se resolvidos, pois enquanto esta Súmula do STF não for revista ou cancelada
- o que é difícil de acontecer - ela terá de ser seguida até mesmo pelo STJ, não havendo
mais o perigo de o Poder Judiciário vir a anular processos disciplinares porque acusados
não quiseram exercer seu direito de contratar advogado e a Administração Pública não
tinha condições de oferecer um defensor ao servidor desde o início do processo e que,
ainda por cima, fosse advogado inscrito na OAB.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições
de Processo Disciplinar”, pg. 149, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
De se mencionar que, por óbvio e como de outra forma não poderia ser, após a edição
da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça
também pacificou e harmonizou sua jurisprudência pela desnecessidade de advogado no
processo disciplinar.
Por fim, cumpre ressaltar que a defesa técnica não é sinônimo de ampla defesa, que
existem diversos instrumentos para assegurar este princípio e que o processo administrativo
disciplinar reveste-se de peculiaridades que o tornam assaz distinto do processo judicial, onde,
por sua própria natureza, o equilíbrio jurídico entre as partes envolvidas é exigido.
Existem ainda outros fatores que devem, obrigatoriamente, ser apreciados na presente
discussão, e que sem dúvida contribuíram para a consolidação do entendimento esposado pela
Corte Suprema.
Não se deve olvidar que existiam casos, que não podem ser ignorados, de servidores
que, ao serem notificados de sua condição de acusados no âmbito do processo administrativo
disciplinar, se mostravam inertes, e, agindo de má-fé, se recusavam a nomear um advogado, já
imbuídos do propósito de, após sua demissão do serviço público, buscar no Poder Judiciário
sua reintegração, se valendo do argumento da falta de defesa técnica. Ora, também aqui se
opera o princípio geral de que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza, refletindo-
se no processo administrativo disciplinar o comando do art. 565 do CPP, e é notório que antes
da edição da súmula vinculante, isso acontecia de fato, com conseqüências muito sérias, tais
como os elevados valores a título de remunerações atrasadas a que esse servidor teria direito a
partir da sua reintegração, além do fato de que, se o cargo desse servidor reintegrado estivesse
ocupado por um outro servidor, caso este não fosse estável, seria exonerado do serviço
público, sem possibilidade de exercer suas atribuições legais na qualidade de excedente.
CPP - Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade relativa a que haja dado
causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à
parte contrária interesse.
Como a garantia legal abarca ainda o direito de o acusado produzir suas próprias
provas e contra-provas, o servidor pode, mediante justificativa e motivação, solicitar à sua
chefia dispensa de determinado horário, podendo, em contrapartida, a autoridade exigir a
posterior comprovação da realização do ato.
491
Assim, dentro de uma abrangência geográfica delimitada a uma Região Fiscal, pode
ser financeira e operacionalmente viável a comissão realizar alguma(s) oitiva(s) de servidor
como testemunha na localidade de lotação (ou de exercício) do acusado, ainda que se façam
necessários deslocamentos do próprio colegiado e da(s) testemunha(s), que, sendo
servidor(es), gozam de previsão legal para recebimento de diárias e de passagens. Uma outra
solução plausível para tentar contornar a ausência de previsão legal para concessão de diárias
e de passagens para o servidor acusado acompanhar atos instrucionais realizados fora de sua
sede (conforme limita o art. 173 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), pode a comissão deliberar a
realização, em dias subsequentes, de um interrogatório prévio (cuja aceitabilidade se
defenderá em 4.4.16.1) e de outros atos que requeiram acompanhamento pessoal (como
oitivas e diligências, por exemplo).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 149. O processo disciplinar será
conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade
competente, observando o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu
presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter
nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527,
de 10/12/97)
Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade,
assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
administração.
Parágrafo único. As reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado.
Art. 152.
§ 2º As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as
deliberações adotadas.
Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou
por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e
contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.
Todavia, esta extensa tutela a favor da defesa não inclui a faculdade de o acusado (ou
seu procurador) participar das reuniões deliberativas da comissão, visto que, primeiramente,
estes em si são meros atos do mundo concreto ainda à margem do foro jurídico processual e,
além disto, jamais se consubstanciam em prova ou em elemento formador de convicção ou de
convencimento que possa ser contrário a interesses da defesa. As reuniões deliberativas da
comissão não se confundem com atos de coleta de provas; quando muito, podem ser apenas a
conjectura e o planejamento da futura realização de um ato processual, este sim sujeito à
faculdade do contraditório.
Ainda antes dos atos de coleta de prova, mencionam-se as atas de deliberação. Estas
494
atas, diferentemente das concretas reuniões de que decorrem, já integram o mundo jurídico,
pois consubstanciam como termo autuado no processo os resultados porventura atingidos pelo
colegiado em suas discussões, estudos ou conjecturas. Uma vez que a comissão deve notificar
o acusado do teor de suas atas de deliberação, estes termos processuais sujeitam-se à
faculdade de a defesa exercer sobre eles o contraditório. Ainda assim, destaque-se que mesmo
as atas de deliberação tão-somente se prestam, em nome da transparência da condução, a
registrar nos autos a sequência de atos a serem realizados - seja de ofício, seja por pedido da
parte -, e, igualmente às reuniões deliberativas, jamais se confundem com os atos de instrução
probatória porventura discutidos e planejados e de futura coleta deliberada.
Não cabe ao acusado o “abuso de defesa” de se considerar partícipe legal das reuniões
internas da comissão. A comissão é um ente jurídico dotado não só de isenta e técnica
oficialidade mas também de seus próprios métodos, conhecimentos, certezas, convicções,
divagações, presunções, concordâncias, discordâncias, dúvidas e demais balizamentos de
quaisquer atividades humanas, que, para serem harmonizados, requerem certo grau de ajuste e
de organização de sua dinâmica interna, vez que é um colegiado composto de três pessoas.
Fazer com que o acusado participe de suas reuniões internas e atue na lavratura das
respectivas atas equivaleria a minar dos integrantes da comissão direitos seus fundamentais e
inerentes a qualquer pessoa.
Mais que isto, repisa-se a natureza inafastavelmente abstrata que caracteriza conceitos
como convicções, idéias, pensamentos, conjecturas, discussões, estudos, projeções, objetivos
ou estratégias. São ilimitadas potencialidades inerentes à condição humana e que, enquanto
apenas objeto de reunião entre pessoas, mantêm-se à margem do processo concreto. Os
integrantes da comissão, mesmo no exercício de seu múnus público, têm mantidas suas
garantias fundamentais para o exercício daquelas potencialidades em momentos reservados
somente seus. Mas, uma vez manifestados aqueles conceitos pela comissão por meio de ata de
deliberação, materializada como termo no processo, ganham contorno e valor jurídico. A
partir deste momento, obriga-se a comissão a dar àquelas suas construções abstratas a devida
publicidade a quem interessa, ou seja, ofertando ao acusado a prerrogativa de contestar
juridicamente o teor de suas atas de deliberação.
A mera reunião em si dos membros da comissão bem como o ato contínuo de elaborar
a ata de deliberação decorrente não trazem nenhum prejuízo à defesa. O que importa para a
defesa é apenas o resultado concreto que pode (não necessariamente) advir de tal reunião em
termos de elementos processuais autuados na ata de deliberação. Tudo mais que ocorrer
envolvendo aqueles três integrantes (tais como seus diálogos, discussões, trocas de
informações, de opiniões e de conclusões na sala da comissão ou mesmo em qualquer outro
local) até o instante que antecede a autuação no processo da ata de deliberação em nada
afronta ou cerceia direitos do acusado, vez que tais manifestações orais ou de qualquer outra
natureza informal não se autuam; o prejuízo ao acusado - e consequentemente a tutela jurídica
- somente surge com a eventual concretização de alguma decisão autuada como ata no
processo, uma vez que somente passa a fazer parte do processo, juridicamente, aquilo que se
faz constar da ata de deliberação. Toda a demais dinâmica do ato concreto de três pessoas se
reunirem que restar à margem da ata também restará à margem do processo e,
consequentemente, de eventual imputação de responsabilidade e, em última análise, não terá
provocado o objetivo teleológico do legislador em assegurar a prerrogativa do contraditório a
favor do acusado. Tanto é assim que, relembrando o relevante conjunto de bens jurídicos a
favor do acusado que o legislador quis tutelar, tem-se que novamente o já mencionado § 2º do
art. 152 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, determinou o registro formal das deliberações em ata
autuadas no processo, a fim de que não possa a comissão agir com arbítrio ou com
subterfúgios e a parte seja notificada e possa contestar, exercendo seu contraditório, de forma
a não haver nesta dinâmica nenhum prejuízo às suas garantias fundamentais.
Enquanto as audiências são, em essência, elementos de prova por serem atos de que se
coletam convicção e convencimento, as reuniões internas da comissão são meros atos de
organização procedimental que até podem, como exemplo, deliberar a realização de ato
probatório mas não são em si o ato de prova. Assim, o contraditório recai inequivocamente e
sem restrições ou limites, a favor da defesa, sobre aqueles atos formadores de convencimento,
de que são rico exemplo as audiências, nas quais a garantia fundamental se concretiza com a
efetiva participação do acusado (ou de seu procurador), inquirindo e reinquirindo. Mas não há
que se cogitar, a menos que se abrace tese distorcida e de abuso de defesa, de garantia de o
acusado ser co-partícipe das reuniões que refletem o poder-dever exclusivo da comissão de
conduzir o rito procedimental.
496
STJ, Mandado de Segurança nº 7.983: “Ementa: (...). 2. A eventual quebra do sigilo das
investigações, com suposto vazamento de informações à imprensa, não tem o condão de
revelar processo administrativo falho, porquanto o sigilo, na forma do art. 150 da Lei n.
8.112/90, não é garantia do acusado, senão que instrumento da própria investigação.”
STJ, 13.656: “Ementa: (...) V - O sigilo de que trata o art. 150 da Lei n.º 8.112/90, é aquele
"necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração", eis que
instrumental à própria investigação.”
STJ, Recurso Especial nº 1.104.848: Decisão: “O caráter reservado de tais reuniões não
contraria as garantias processuais fundamentais, notadamente a publicidade, ampla defesa
e o contraditório, uma vez que as resoluções da comissão processante devem ter sua
motivação registrada em ata, a ser juntada aos autos, conforme o art. 152, § 2º, da Lei nº
8.112/1990, cumprindo ressaltar que somente após a notificação do servidor interessado é
que o colegiado pratica o ato deliberado. Nesse sentido é a lição de José Armando da
Costa: ‘(...) No início desta subfase do inquérito administrativo (instrução) deverá ser
realizada a primeira reunião da comissão processante. Nesta reunião de trabalho, se fará
a deliberação a respeito das primeiras diligências a serem desencadeadas. Obviamente que
tais providências se destinam à elucidação das irregularidades que foram acoimadas ao
funcionário acusado. Sintetizadas em atas as iniciais deliberações, deverá o acusado ser
notificado a este respeito, a fim de que possa comparecer ao local dos trabalhos para
assistir à tomada de depoimentos das testemunhas, e outras coisas mais (...).’ (Costa, José
Armando da. Processo Administrativo Disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 171)”
497
“Os atos dinamizados pela comissão de processo são formalizados em atas, termos,
despachos e ofícios. Toda vez os membros desse colegiado se reunirem para estudo e
deliberação sobre o andamento do processo, deverá o secretário fazer constar de ata as
soluções adotadas. Daí o comando expresso, nesse sentido, do Regime Jurídico dos
Servidores Públicos Civis da União (Lei nº 8.112/90), proclamando que ‘as reuniões da
comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas (art.
152, § 2º)’.”, José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 226, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“Primeiras Ações da Comissão (...) a Comissão deverá abrir o processo oficialmente por
meio da Ata de Instalação da Comissão. Nessa ata, a Comissão vai dizer quais as medidas
iniciais que pretende tomar (...). Em seguida, a Comissão deliberará acerca das diligências
e provas que devam ser colhidas, escolherá as testemunhas que serão intimadas para depor
(art. 157, parágrafo único, Lei nº 8.112/90) e já poderá, inclusive, marcar as datas dos
depoimentos.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg. 100,
Fortium Editora, 1ª edição, 2008
“Instalada a comissão, providência que deverá ser adotada imediatamente após o ato de
sua designação, os membros que a integram deverão reunir-se para conhecer os fatos
denunciados, sobre eles trocar idéias e estabelecer a melhor forma ou o critério mais
adequado para a condução dos procedimentos apuratórios e coleta de provas necessárias,
materiais, testemunhais e periciais.”, Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 117, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“Modelo 18 - Ata de trabalhos - Aos ... dias do mês de ... do ano de dois mil ..., às ... horas,
na sala de Comissão de ... (CPAD ou CSP), no ...º andar da ..., localizada à Av. ..., nº ...,
bairro ... - ..., presentes os servidores ..., ... e ..., respectivamente presidente e membros da
Comissão de ..., instituída pela Portaria nº ..., de ... de ... de 20..., publicada no BS nº ..., de
.../.../... (modificada pela Portaria nº ..., de ... de ... de 20..., publicada no BS nº ..., de
.../.../...), que apura a denúncia constante no processo Administrativo nº ... e apensos nº ...,
reuniu-se a referida Comissão, como tem feito diariamente desde a instalação dos
498
trabalhos. Aberta a sessão, foram determinadas as seguintes providências: (...). Nada mais
havendo a ser tratado, foi lavrado o presente termo que vai assinado pelo Presidente e
demais membros.”, Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys,
“Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pgs. 325 e 326, Editora Fórum, 1ª
edição, 2007
Por força do art. 6º da Portaria Coger-MF nº 42, de 21/11/13, que dispõe sobre a
apuração de irregularidades funcionais no âmbito do Ministério da Fazenda, e do art. 8º da
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, a notificação inicial de servidor deve ser comunicada, pela
comissão, à autoridade instauradora e ao titular da unidade atual de lotação do acusado. Tal
comunicado pode tomar forma de memorando, enviado por meio do correio eletrônico
institucional.
Não cabendo ao aplicador da lei acrescentar restrições de direito onde o legislador não
499
previu, tem-se que não cabe a vedação para aposentadoria por invalidez, até porque, presume-
se, este instituto se configura por motivos alheios à vontade do servidor.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só
poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do
processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.
Parágrafo único. Ocorrida a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso I, do art.
34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.
“(...) pode ser recusado ou adiado o gozo de licença-prêmio, férias, licença para tratar de
assuntos particulares ou para capacitação profissional por longo prazo, pleitos requeridos
pelo funcionário acusado que podem ser incompatíveis com a participação dele na fase
instrutória em regime contraditorial de processo administrativo disciplinar ou de
sindicância investigativa.
55) É legal a suspensão do gozo de férias e de licença-prêmio de servidor público que
responde a processo administrativo disciplinar enquanto não concluída a fase de inquérito,
em que é fundamental a participação do acusado para a própria validade formal do feito,
em vista das garantias de contraditório e ampla defesa.” Antonio Carlos Alencar
Carvalho, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pgs. 413, 414,
1059 e 1060, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 162. O indiciado que mudar de residência fica obrigado a
comunicar à comissão o lugar onde poderá ser encontrado.
da mesma esfera de governo, desde que continue vinculado ao mesmo regime disciplinar.
Não tendo havido longa interrupção nos trabalhos, a designação de nova comissão não
requer formalidades por parte do colegiado.
Esta é a única exceção no caso de ter havido um longo período com os trabalhos
apuratórios interrompidos. Tendo ficado os trabalhos parados por longo período, convém que
a comissão dê ciência de seu reinício ao acusado.
Por sua vez, meras prorrogações de prazo da comissão não impõem nenhuma
formalidade à comissão.
Quando se vislumbra que o acusado, caso tenha mantido livre o seu acesso à
repartição, na sua qualidade de servidor, traz ou possa trazer qualquer prejuízo ou risco à
apuração ou à segurança dos demais servidores, seja destruindo provas, seja coagindo demais
intervenientes na instrução probatória, pode a autoridade instauradora, com base no art. 147
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, lançar mão do instituto do afastamento preventivo, pelo qual
retira-se do agente sua carga de trabalho e impede-se seu acesso às dependências da repartição
como um todo (e não apenas de sua sala de trabalho). Na mesma linha, infralegal e
internamente, o dispositivo é refletido no art. 14, caput e § 1º da Portaria MF nº 492, de
23/09/13 (que traça normas gerais para a atuação correcional no âmbito do Ministério da
Fazenda), e no art. 11, caput e § 1º da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, ambos com similar
redação. Por estas razões, deve ser visto como medida cautelar de emprego excepcional,
quando outros meios legais de que dispõem a autoridade instauradora e o titular da unidade
(por exemplo, as repercussões de ser notificado como acusado, conforme 4.3.7, e até mesmo a
determinação para exercício provisório em outra unidade, mencionada ao final deste tópico)
não sejam suficientes.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não
venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo
disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até
60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.
Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual
cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14 - Art. 11. A autoridade instauradora poderá determinar
o afastamento do exercício do cargo de servidor que responda a processo disciplinar, nos
termos do art. 147 da Lei nº 8.112, de 1990, sempre que o servidor ofereça risco para a
devida apuração da irregularidade ou para a segurança dos demais servidores.
§ 1º O servidor afastado deverá atender imediatamente a qualquer convocação da
comissão disciplinar, comunicando, previamente e por escrito, qualquer necessidade de
ausentar-se do seu domicílio.
STJ, ‘Habeas Corpus’ nº 7.309: “Ementa: Não constitui hipótese de constrangimento ilegal
a proibição de que funcionários envolvidos em sindicância acerca do desaparecimento de
processos, e suspensos de suas atividades, continuem a circular no local aonde teriam
ocorrido os eventuais ilícitos.”
“O STJ não concedeu ‘habeas corpus’ [Habeas Corpus nº 7.309] a servidores que se
diziam vítimas de constrangimento ilegal por estarem impedidos de circular no ambiente
de trabalho. Veja-se que, na ocasião, estava em curso sindicância para apurar
desaparecimento de processos, e os referidos servidores apareciam como envolvidos.
É preciso, nessa linha, entender que a garantia individual do ir-e-vir não é absoluta.” Léo
da Silva Alves, “Prática de Processo Disciplinar”, pg. 269, Editora Brasília Jurídica, 1ª
edição, 2001
505
Este ato não configura imputação de responsabilidade ao servidor e não tem fim
punitivo, mas apenas visa a evitar sua influência na apuração; daí porque ele não pode sofrer
prejuízo em sua remuneração ao longo do afastamento. Trata-se de medida cautelar de
proteção do interesse público da efetiva apuração dos fatos e, desta forma, não afronta ao
princípio da presunção de inocência. Em contrapartida à incolumilidade de sua remuneração,
o servidor deve ficar à disposição da comissão, de forma a poder atender prontamente a
qualquer convocação, devendo ainda comunicar por escrito qualquer necessidade de ausência
prolongada de seu domicílio.
A Lei define apenas que o prazo deste afastamento preventivo é de até sessenta dias,
prorrogável por igual período. Assim sendo, a critério da autoridade instauradora, estes 120
dias que o legislador autorizou para ser aplicada a medida cautelar podem ser distribuídos em
intervalos de quaisquer durações, desde que não ultrapassem aquele limite máximo. Nada
impede que seja aplicado por um determinado período e que, uma vez que se entendam
506
“Como todo ato administrativo, o afastamento previsto é revogável a qualquer tempo, pela
autoridade que o determinou, uma vez entenda esta que não mais persistem os motivos
determinantes da medida.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo
Disciplinar”, pg. 96, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
“(...) Se o afastamento for inferior a 60 dias, e tiver havido uma prorrogação (exemplo: 30
+ 30), nada impede que haja outras prorrogações, por igual período, sem que ultrapasse o
máximo permitido, que é de 120 dias.” Judivan Juvenal Vieira, “Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 229, IOB Thomson, 1ª edição, 2005
Por fim, à vista do dispositivo do parágrafo único do art. 147 da Lei n° 8.112, de
11/12/90, o instituto do afastamento preventivo ampara o entendimento de que o prazo de
conclusão do processo não é fatal, conforme já comentado em 4.2.8.3.
507
CPP - Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 04/05/11).
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou
financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
(Incluído pela Lei nº 12.403, de 04/05/11).
A determinação, por parte da autoridade instauradora, para que o servidor venha a ter
exercício provisório em unidade distinta daquela em que exercia suas atribuições legais
também deve ser compreendida como uma medida cautelar, sem fim punitivo e de emprego
excepcional, justificável apenas quando a manutenção de sua presença possa influenciar nos
trabalhos apuratórios. Acrescente-se ainda que esta medida não pode implicar em qualquer
espécie de prejuízo às garantias fundamentais de ampla defesa e de contraditório
emprego do exercício provisório pode se dar a qualquer momento, seja por imediata decisão
da autoridade instauradora, seja por posterior provocação da comissão, diferindo daquela
primeira medida no prazo, visto que pode perdurar por toda a instrução processual, não tendo
como limite pré-determinado um quantitativo de dias.
Não obstante estas possibilidades, como, neste caso, o servidor é mantido no exercício
de suas atribuições legais, pondera-se que esta determinação pode ser compreendida como
uma medida possível de, a priori, menor efeito constrangedor e que ainda possibilita à
comissão mais fácil acesso ao acusado, em comparação aos efeitos de quando este é
preventivamente afastado. Assim, por um lado, pode (o que não significa que necessariamente
deve) ser tomada como uma tentativa de manutenção da normalidade antes de se chegar ao
ponto de se adotar a providência mais forte do afastamento preventivo, de forma a ser
inicialmente aplicável em situações quaisquer em que se vislumbre um menor espectro do
poder de atuação do servidor sobre a apuração ou sobre os agentes intervenientes e em
contextos em que a simples mudança do local de exercício de suas atribuições legais já
assegurem a normalidade necessária. Mas, por outro lado, em sentido oposto, também pode
ser tomada em situações extremadas, já após o esgotamento do prazo de 120 dias de
afastamento preventivo e sem que tenham cessado os motivos da medida de exceção.
“10. A atuação da comissão processante deve ser pautada pelo objetivo exclusivo de
determinar a verdade dos fatos, sem a preocupação de incriminar ou exculpar
indevidamente o servidor, motivo por que lhe é atribuído o poder-dever de promover a
tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências, com vistas à obtenção de
provas que demonstrem a inocência ou culpabilidade, podendo recorrer, se necessário, a
técnicos e peritos. Com esse desiderato, efetua a completa apuração das irregularidades e,
em consequência, indicia somente aqueles em relação aos quais são comprovadas a
existência da infração e sua autoria.”
“Assim, não cabe mais falar no instituto da ‘verdade sabida’. Se este permitia à autoridade
que tomasse conhecimento pessoal e imediato de fato punível, poder aplicar a sanção
independentemente de apuração em processo disciplinar ou sindicância, com o advento da
citada norma constitucional do art. 5°, LV, passa-se ao entendimento de que ‘mesmo nas
penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias, impõe-se a instauração de
sindicância para apuração de responsabilidades, observando-se o princípio da ampla
defesa - Parecer SAF n° 83/92, DOU 23.03.92.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis,
“Processo Disciplinar”, pg. 69, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Para atingir o fim acima descrito, de trazer à tona a verdade material, os integrantes
designados para compor a comissão têm o dever funcional de esgotar as apurações sobre o
fato que a autoridade competente, em seu juízo de admissibilidade, considerou relevante. Para
isto, a Lei nº 8.112, 11/12/90, em seu art. 152, § 1º (ainda refletindo o contexto em que foi
editada, quando não era comum os órgãos públicos federais disporem de estruturas
especializadas na matéria correcional, o que importava na necessidade de convocar servidores
estranhos à matéria para comporem comissões), estabelece que os integrantes dos colegiados,
se necessário, podem se dedicar integralmente aos trabalhos disciplinares, priorizando-os em
relação a suas tarefas cotidianas, com dispensa de assinatura de folha de frequência em sua
unidade de lotação. Na mesma linha, infralegal e internamente, o dispositivo é refletido no art.
12 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13 (que traça normas gerais para a atuação correcional no
âmbito do Ministério da Fazenda), estabelecendo que o servidor convocado para integrar
comissão, a priori, deve dedicar tempo integral à matéria disciplinar, com dispensa de registro
de folha de frequência. Em outras palavras, a normatização de regência faculta à comissão
adotar como seu horário de funcionamento a íntegra das oito horas diárias de jornada de
trabalho.
“Desde que seja necessário, a comissão dedicará todo o tempo aos trabalhos apuratórios
do processo, ficando os seus membros, por conseguinte, dispensados do serviço na
repartição e do livro de ponto, até a feitura do relatório final (art. 152, § 1°, da Lei nº
8.112/90). A esse respeito, já havia pacificado o velho Dasp que, havendo a comissão sido
dispensada do serviço na repartição, ficarão os seus integrantes desobrigados de tal
exigência. Acrescente-se que a competência para aferir sobre a necessidade dessa
dedicação exclusiva é da própria comissão, a qual é dotada de plena autonomia para
decidir questões relacionadas com o processo respectivo.” José Armando da Costa,
“Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 200, Editora Brasília
Jurídica, 5ª edição, 2005
Por óbvio, para o contexto atual, sobretudo na Secretaria da Receita Federal do Brasil,
que conta com sistema especializado e exclusivamente competente para a matéria correcional,
com lotação própria de servidores que precipuamente compõem as comissões designadas no
órgão, conforme já abordado em 4.2.5.1, a dedicação integral à matéria disciplinar é um
dispositivo legal praticamente inócuo e redundante. Na peculiaridade da Coger e dos Escor, a
praxe é de as comissões term como funcionamento a íntegra da jornada diária de oito horas de
trabalho. O comando legal que trata da dedicação integral reserva sua relevância apenas para
os residuais casos em que a autoridade instauradora, a seu critério, lança mão da prerrogativa
de convocar servidores estranhos ao sistema. Para estes casos específicos é que se faz
necessário interpretar que, a rigor, a dedicação integral é uma faculdade legal da comissão e
não uma exigência da Lei. Não há impedimento legal para que os integrantes da comissão, no
intervalo entre um ato processual e outro, a seu critério, façam alguma tarefa de sua atividade
cotidiana. E, conforme aduzido em 4.3.2, neste caso residual, convém que a comissão informe
à autoridade instauradora o seu horário de funcionamento (de oito horas diárias ou menos).
511
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 80. As férias somente poderão ser interrompidas por motivo
de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar ou
eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela autoridade máxima do órgão ou
entidade. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 150. A comissão exercerá suas atividades com
independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da administração.
512
Parecer AGU nº GQ-98, não vinculante: “11. Porém, à investigação se procede com o
objetivo exclusivo de precisar a verdade dos fatos, sem a preocupação de incriminar ou
exculpar indevidamente o servidor. (...)
12. É defeso à autoridade que instaura o processo, por qualquer meio, exercer influência
sobre o colegiado a que a Lei assegura independência no seu mister elucidativo (art. 161
aludido) e, a este, não é admitido prejulgar a culpabilidade do servidor.”
Não cabe compreender a comissão imune a controles tanto de natureza gerencial (tais
como de dedicação ao trabalho, de cumprimento de jornada, dentre outros) quanto de natureza
técnico-procedimental (tais como o poder concedido à autoridade julgadora determinar a
realização de atos de instrução, no que se inclui, extensivamente, até a coleta de defesa),
conforme se mencionará em 4.2.8.2 e em 4.10.1.3. Pensar ao contrário significaria crer na tese
absurda de que caberia à comissão delimitar o universo sobre o qual deve se debruçar a
autoridade julgadora para emitir sua convicção, decidindo com que provas o julgador teria de
decidir o processo.
Além disto, por ser uma unidade especializada na matéria, o Escor e a Coger (mais
especificamente a Diaco) têm como competência prestar orientação técnica nas ações
disciplinares, devendo então a comissão, sempre que necessário, consultar para dirimir
dúvidas acerca de aspectos legais (rito processual e forma de atos), sem que jamais se possa
invadir o mérito. Esta fonte de consulta deve ser explorada pela comissão, com o fim de se
evitar erros formais, que acarretem desperdício de tempo e de recursos, uma vez que o
trabalho deverá ser refeito em caso de nulidade.
cláusula de sigilo associada à natureza dos dados ali encartados; ou seja, trata-se de um sigilo
em gênero, sem atribuição de espécie e sem prazo de validade, não atingido pela Lei nº
12.527, de 18/11/11. Com isto, apenas o servidor acusado e seu procurador constituído têm
amplo acesso à instância administrativa disciplinar, não se concedendo acesso a representante,
denunciante e terceiros em geral. Já para terceiros, o processo administrativo disciplinar é
sigiloso, tanto para atender ao interesse da Administração na elucidação do fato quanto,
secundariamente, para preservar a intimidade do acusado. E, à luz da leitura a contrario sensu
do art. 7º, § 3º da Lei nº 12.527, de 18/11/11, e do art. 20 do Decreto nº 7.724, de 16/05/12, o
sigilo do processo administrativo disciplinar se estende aos elementos da fase prévia
investigativa (a fase de admissibilidade), visto estes elementos terem sido realizados e
autuados não como fim em si mesmos, mas sim apenas para amparar a decisão a favor da
instauração da instância disciplinar.
Convém reiterar que o sigilo de que trata o art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não é,
em sua essência, uma cláusula de garantia a favor do acusado, mas sim uma instrumentalidade
a favor da Administração, para garantir as devidas apurações. Se a regra no ordenamento
pátrio é da publicidade, a imposição de sigilo requer motivação. Neste caso, a razão do sigilo
da instância disciplinar reside na possibilitação da elucidação do fato ou no interesse da
Administração, quando a divulgação obstruiria as apurações, e não como proteção do agente
público. Até se reconhece que, secundariamente, pode o sigilo da instância disciplinar atuar
em favor da preservação da honra, da privacidade e da intimidade do servidor envolvido, mas
não é este o fundamento do sigilo em tela. Tanto é verdade que, conforme aduzido em 3.3.1.7,
uma vez encerrado o PAD ou a sindicância disciplinar, com seu julgamento e remessa dos
autos para o arquivo, afasta-se a cláusula de sigilo imposta pelo art. 150 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, operando a regra geral da publicidade a favor até de terceiros, temperada pelos
requisitos e pela instrumentalização imposta pela Lei nº 12.527, de 18/11/11, e por suas
normas regulamentadoras, já mencionadas em 2.5.6.2.3, conforme voltará a se abordar em
4.10.7.2.
STJ, Mandado de Segurança nº 7.983: “Ementa: (...). 2. A eventual quebra do sigilo das
investigações, com suposto vazamento de informações à imprensa, não tem o condão de
revelar processo administrativo falho, porquanto o sigilo, na forma do art. 150 da Lei n.
8.112/90, não é garantia do acusado, senão que instrumento da própria investigação.”
STJ, 13.656: “Ementa: (...) V - O sigilo de que trata o art. 150 da Lei n.º 8.112/90, é aquele
"necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração", eis que
instrumental à própria investigação.”
Nota Técnica Coger nº 2012/3: “Ementa: Os acusados devem ter amplo e irrestrito acesso
aos autos dos processos disciplinares sujeitos ao contraditório e a ampla defesa. Ao
terceiro interessado, em hipóteses excepcionais, em face de requerimento devidamente
justificado e fundamentado, deve ser permitido o acesso, mas restrito à sua necessidade de
conhecer.
5. Nesses casos, o acesso deve ser restrito à necessidade de conhecer do terceiro, dispondo
a Administração de meios para tanto, tal como a extração de certidão quanto ao conteúdo
dos autos, a disponibilização de documentos específicos, a manutenção de documentos
sigilosos em autos apartados ou mesmo a ocultação de partes / excertos dos processos
disciplinares, quando da necessidade de exibição dos autos. Tal acesso se dará ao tempo
da solicitação do interessado, independentemente do estágio do processo disciplinar.
9. No caso da obtenção de vistas dos autos vir a ocorrer por procuração, é imprescindível
que esta seja específica, outorgada pelo acusado / indiciado ou, quando for o caso, pelo
terceiro interessado. Não é permitida a outorga de procuração para outro servidor, sob
pena de se configurar a vedação prevista no artigo 117, inciso XI, da Lei nº 8.112/90.”
514
Nos termos do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, acima reproduzido e que
estabelece a cláusula de sigilo específica para a instância disciplinar, além da independência e
autonomia, deve a comissão também pautar sua conduta na discrição, na reserva, na
urbanidade e no respeito pessoal no trato com o acusado e seu procurador.
Uma vez que o processo administrativo disciplinar pode ter repercussão punitiva,
deve-se atentar para os princípios da razoabilidade (art. 2º da Lei nº 9.784, de 29/01/99), da
presunção da inocência (art. 5º, LVII da CF) e do in dubio pro reo (art. 386, VII do CPP),
além de caber à comissão o ônus de provar a acusação (art. 156 do CPP). Não obstante, esta
última afirmação não impõe que a comissão fique refém de alegações vazias apresentadas
pelo acusado, com a obrigação de comprovar teses fantasiosas, impossíveis, inverídicas e
procrastinatórias. Na contrapartida, cabe ao interessado a prova dos fatos que alega, conforme
art. 36 da Lei nº 9.784, de 29/01/99.
CF - Art. 5º
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 2º A administração pública obedecerá, dentre outros, aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever
atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.
Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos
existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão
administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos
documentos ou das respectivas cópias.
515
CPP - Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao
juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Redação dada pela Lei nº 11.690,
de 09/06/08)
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
VII - não existir prova suficiente para a condenação. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de
09/06/08)
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: (...) Incumbe à administração apurar as
irregularidades verificadas no serviço público e demonstrar a culpabilidade do servidor,
proporcionando seguro juízo de valor sobre a verdade dos fatos. Na dúvida sobre a
existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução
mais benigna.(...)
50. (...) compete à administração, por intermédio da comissão de inquérito, demonstrar a
culpabilidade do servidor, com satisfatório teor de certeza.”
Parecer AGU nº GM-14, não vinculante: “8. (...) É reiterada a orientação normativa
firmada por esta Instituição, no sentido de que o ônus da prova, em tema de processo
disciplinar, incumbe à administração.”
TRF da 3ª Região, Apelação Criminal nº 2.300: “Ementa: (...) III. Se pelos elementos e
provas carreadas, que compõem a instrução probatória, a autoria e culpabilidade dos
acusados não restaram evidenciadas, de forma indubitável nos autos, a ponto de justificar
uma condenação, é de ser aplicado o princípio do ´in dubio pro reo´, insculpido no inciso
VI do artigo 386 do Código de Processo Penal.”
(Nota: O antigo inciso VI do art. 386 do CPP passou a ser inciso VII, com a redação dada
pela Lei nº 11.719, de 09/06/08)
“(...) a regra do ‘in dubio pro reo’ se aplica, em geral, somente em relação ao fato típico,
cuja prova incumbe ao acusador. As causas justificatórias ou circunstâncias eximentes
devem ser provadas pela defesa.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo
Sancionador”, pg. 530, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Portanto, para evitar possíveis críticas (mesmo que improcedentes) não só por
cerceamento ao direito de o acusado saber claramente os rumos da peça acusatória, mas
também de entendimento por parte de quem vai analisá-lo posteriormente, convém que, não
sendo prejudicial à estratégia adotada na busca da elucidação do fato, a comissão torne o
processo explicativo e auto-inteligível, manifestando origem, motivação, objetivo e resultado
de atos praticados.
A medida em que surgem fatos novos ou que se determinem novos rumos a se tomar,
não contemplados na ata de instalação e início dos trabalhos, é necessário que a comissão se
reúna, delibere e depois expresse em atas tais reuniões.
Destaque-se, todavia, que tais condutas não são exigidas expressamente em lei, aqui
figurando como mera recomendação, cujo emprego condiciona-se à viabilidade de cada caso
concreto.
517
Esta designação deve atender ao formalismo já apresentado em 4.3.3, qual seja, este
secretário ad hoc deve ser um servidor, não necessariamente estável (visto que ele não
participa das decisões e elaborações de mérito da comissão), cujo nome pode partir de
indicação do titular de sua unidade, solicitada pelo presidente do colegiado ou da autoridade
instauradora, e deve se dar por meio de portaria do presidente, a ser publicada no boletim de
serviço (ou, excepcionalmente, no boletim de pessoal) do órgão responsável por publicação
interna na jurisdição da unidade instauradora (que, no caso, é o Boletim de Serviço da
Secretaria da Receita Federal do Brasil - BS RFB). A cautela se justifica, pois esta pode ser a
única forma de se amparar o acesso deste servidor aos autos, em eventual deslocamento da
sede ou a dedicação de horas de trabalho ao processo. A procedimentalização para a aposição
da assinatura digital e para a publicação da portaria no BS RFB e a recomendação para que se
juntem aos autos a impressão da versão em extensão pdf da portaria e a(s) página(s) do
Boletim que a contempla(m) podem ser revistas em 4.2.1.1, de repetição desnecessária e a
cuja leitura se remete.
Para que a dinâmica acima sugerida se efetive, faz-se necessário que a designação do
518
secretário ad hoc seja notificada à defesa já na própria notificação inicial que dá ciência ao
servidor de sua condição de acusado, que se abordou em 4.3.4 - ou por meio de qualquer outra
notificação específica, caso esta configuração se concretize, por qualquer motivo (em
decorrência de remoção, por exemplo), já no curso da instrução probatória.
De se destacar, por fim, que a designação de secretário ad hoc (seja para todo o curso
dos trabalhos apuratórios, seja apenas na curta duração de alguma ausência dos integrantes)
519
A comissão deve ter como regra a necessidade de ser o mais coesa e uniforme possível
ao longo do processo. Todavia, em função da própria natureza da matéria jurídica, que
comporta entendimentos e interpretações pessoais, pode ocorrer de haver divergência entre os
integrantes da comissão acerca de determinado rumo a tomar ou conclusão a exarar, seja em
alguma ata de deliberação para realizar ou não determinado ato, seja sobre a forma de realizar
o ato, ou seja acerca de questões relevantes de mérito ou de convicção acerca de absolvição ou
de responsabilização na indiciação ou no relatório. Nesta hipótese, de imediato e
independentemente se a divergência reside no presidente ou em algum dos vogais, incumbe ao
colegiado discutir e debater ao máximo o assunto, com o objetivo de uniformizar o
entendimento interno. Não sendo isto possível e à vista de que o servidor tem o direito
inafastável de manifestar sua convicção, caso este integrante divergente não concorde com
algum termo do processo e faça questão de consignar sua discordância, pode ele, então, expor
seu voto em separado.
“É possível, inclusive, que haja um relatório final, em separado, de um dos membros, caso
discorde da opinião dos demais. Obviamente, o ideal é que antes de partirem para a
cizânia, os membros discutam entre si e cheguem a um acordo, mas nunca deve haver
imposições por parte do presidente. Nos casos em que a divergência for sobre a produção
de uma prova é sempre melhor optar pela sua produção, pois a finalidade do processo é a
busca da verdade.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg.
92, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
“Cabe ao (...) divergente dar seu voto em separado, que seguirá como primeiro anexo ao
texto do relatório. O relatório deverá ser, como todas as demais peças de deliberação
coletiva, assinado por todos os membros da Comissão. (...).” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 172, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
de forma determinada, a menos de expressas previsões legais, podendo-se ainda ter como
válidos os atos que, mesmo realizados de modo distinto, alcancem sua finalidade essencial.
Mas, ainda que assim seja, em complemento à regra geral da liberdade de forma, é de
se ressaltar que alguns requisitos formais são necessários aos atos. Uma vez que a Lei nº
8.112, de 11/12/90, praticamente não estabeleceu forma para os atos do processo
administrativo disciplinar, é válido buscar os regramentos gerais de forma previstos na Lei nº
9.784, de 29/01/99, e por fim na lei processual civil. Daí, a Lei nº 9.784, de 29/01/99,
refletindo dispositivos do CPC, além de expressamente consagrar a aplicação do princípio do
formalismo moderado, em instância administrativa, também estabeleceu alguns requisitos de
forma para validade de determinados atos processuais. Não obstante, ratifica-se que, não
sendo a forma requisito preponderante para a validade do ato processual em instância
administrativa, a eventual inobservância de alguma destas recomendações não
necessariamente fulmina por nulidade o ato realizado ou todo o processo, visto que a nulidade
requer a comprovação de efetivo prejuízo à defesa.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 2º A administração pública obedecerá, dentre outros, aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza,
segurança e respeito aos direitos dos administrados;
Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão
quando a lei expressamente a exigir.
§ 1º Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o
local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.
CPC - Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão
quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro
modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz
considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.
Art. 249.
§ 2º Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da
nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.
Feita esta introdução, se é possível afirmar que nem para os atos produzidos pela
comissão requerem rigidez formal, menos ainda há de se cogitar de se impor requisitos de
forma para se aceitar atos da lavra da defesa. A propósito, enquanto pode-se sintetizar que o
acusado ou seu procurador atuam no processo sobretudo por meio de petições, arrazoados e
de sua peça de defesa escrita, pode-se dizer que os principais tipos de atos produzidos pela
comissão e pelos quais o colegiado se manifesta no processo são:
• atas de deliberação, detalhando os rumos da apuração;
• despachos, em resposta a provocações do acusado;
• termos, materializando a realização de atos de instrução ou registrando diversos tipos de
ocorrência em geral;
• e atos de comunicação.
Além dos dispositivos gerais acerca de forma elencados no art. 22 da Lei nº 9.784, de
29/01/99, na ausência de previsão desta natureza na Lei nº 8.112, de 11/12/90, e também na
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, encontram-se, em patamar infralegal, embora não
específicos para o processo administrativo disciplinar, detalhados regramentos de forma na
Portaria Normativa MPOG/SLTI nº 5, de 19/12/02, e no Manual Prático de Formalização,
Preparação, Apreciação, Julgamento e Movimentação do Processo Administrativo-Tributário
(Maproc), aprovado pela Portaria SRF nº 374, de 20/03/02.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão
composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observando o
disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser
ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou
superior ao do indiciado. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Tal condução do rito, para que seja realizada com a qualidade exigida em trabalho
marcadamente intelectual e que pode vir afetar de forma contrária direitos e bens jurídicos tão
relevantes e graves para a pessoa (como sua dignidade e sua relação laboral), requer
seriedade, organização e planejamento. É por meio de suas reuniões internas deliberativas que
a comissão organiza e planeja a forma de atuar, dedicando o devido respeito não só ao
interesse público do bom trabalho mas também à integridade e à honra pessoal e profissional
do servidor envolvido, afastando de sua atuação os nefastos descaso, empirismo, despreparo
ou improviso.
reuniões deliberativas da comissão, devendo, portanto, ser assinadas por todos os integrantes
do colegiado. Tanto é relevante esta dinâmica que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, prevê que as
reuniões da comissão tenham caráter reservado (como espécie de sigilo) e que sejam
registradas em atas que detalhem as deliberações adotadas exclusivamente pelos integrantes
do trio processante.
Esta rotina cuida de preservar a unicidade da condução. Ou seja, amparado por uma
reunião interna da comissão e por uma ata de deliberação assinada pelo trio processante,
posteriormente, um ato processual em si, dependendo de sua natureza, tanto pode ser
praticado conjuntamente pelo colegiado, redundando em um termo assinado por todos os
integrantes (atos formadores de convicção em geral, como oitivas, diligências, interrogatórios,
etc), como também pode ser praticado por apenas um dos integrantes e ter o termo apenas por
ele assinado (mandados a cargo do presidente ou atos meramente operacionais, que podem ser
assinados apenas pelo secretário). O que importa é que, como regra geral, sendo o termo
assinado por apenas um integrante, haja o prévio respaldo da anuência dos demais em ata de
deliberação, afastando qualquer alegação de condução unilateral dos trabalhos. Este
entendimento é refletido no julgado abaixo, de sorte a se poder estender o entendimento
jurisprudencial emitido especificamente para a indiciação para qualquer ato processual
decorrente de deliberação colegiada.
STJ, Recurso Especial nº 1.258.041: Ementa: (...) Ainda que ultrapassado o óbice da
Súmula 283/STF, melhor sorte não socorre ao recorrente quanto ao mérito da
controvérsia. Isso porque a Lei 8.112/90 não exige que o chamado "termo de indiciamento"
no procedimento administrativo disciplinar conte com outra assinatura além da do
Presidente da Comissão Processante.”
Do exposto extrai-se então que, sem desqualificar sua importância como elemento que
torna o processo auto-explicativo, em síntese, a ata de deliberação é apenas um documento
que reduz a termo uma conduta que a comissão tomará, como resultado de uma deliberação
interna do colegiado. A ata de deliberação é apenas uma manifestação de intenção da
comissão e não um ato instrutório em si mesma, aqui entendido ato instrutório como aquele
524
capaz de carrear aos autos novo fato ou entendimento. Sendo assim, à vista do caráter
reservado (como espécie de sigilo) das reuniões deliberativas da comissão (estabelecido no
parágrafo único do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), tem-se que, conforme já aduzido em
4.3.6.5 (a cuja leitura se remete), não há previsão legal para direito de o acusado acompanhar
as reuniões internas da comissão e muito menos de atuar na redação das consequentes atas de
deliberação. O contraditório há de ser garantido com o registro por escrito na ata, que é
juntada aos autos, ao qual o acusado tem amplo acesso, bem como na posterior realização do
ato deliberado.
Obviamente, trazendo à tona o contexto histórico em que foi editada a Lei nº 8.112, de
11/12/90, não presumia o legislador os avanços tecnológicos atualmente disponíveis. Assim,
tomando também o princípio do formalismo moderado (que rege que a forma de um ato
processual é mero meio para que se alcance o fim a que se destina o ato e não um fim em si
mesma), o termo “reunião” pode comportar nos dias atuais uma interpretação extensiva, além
do encontro físico e concreto dos integrantes. Sem prejuízo de se ratificar que
preferencialmente as reuniões devem contar com a presença física e simultânea dos três
integrantes, mas sem perder de vista que basta que as atas noticiem no processo que as
deliberações foram tomadas de forma colegiada e não isolada por determinado integrante,
estas decisões podem decorrer tanto de reuniões presenciais como também, dentre outras
formas, exemplificadamente, de trocas de mensagens por correio eletrônico institucional, de
trocas de mensagens instantâneas ou de conversas telefônicas, desde que posteriormente
reduzidas em atas que demonstrem a concordância de todos os integrantes. Sendo as atas
meras manifestações de conjugação de vontade dos integrantes da comissão e não se
confundindo com os atos processuais em si nelas deliberados, nenhum prejuízo (e,
consequentemente, nulidade) se configura na forma com que se dá a manifestação.
Tanto é assim que, mais ágil que o processo legislativo stricto sensu, refletindo a
modernização do estágio tecnológico, o ordenamento infralegal prevê a realização de reunião
exclusiva de integrantes da comissão por meio da ferramenta da videoconferência, como
forma de suprir agilidade e economia de recursos públicos quando um (ou mais) dos membros
do colegiado se encontra(m) em diferente localidade dos demais. De se destacar que, embora
aqui se remeta à leitura da instrumentalização da videoconferência para oitiva de testemunha,
que se apresentará em 4.4.4.6, para o caso de reunião da comissão aproveita-se apenas o que
cabível, destacadamente o que se refere à infraestrutura de equipamentos e de auxílio técnico.
Assim, embora aquelas duas normas, em seus próprios corpos, mencionem tanto um
tipo de ato quanto outro e, em razão da natureza contraditável das provas orais realizadas no
curso do inquérito administrativo, sejam obrigadas a mencionarem a faculdade de participação
da defesa, tal extensão, conforme já defendido em 4.3.6.5 não é de ser aplicada para as
reuniões via videoconferência de participação exclusiva dos membros do colegiado.
Mais uma vez, ratifica-se a delimitada importância destes aspectos formais, não sendo
relevante a denominação e a forma empregada para determinado ato processual, mas sim que,
por meio dele, se atinja o fim desejado, qual seja, de a comissão manifestar um entendimento,
com posterior notificação à defesa. É igualmente válido que a comissão elabore todo seu
arrazoado no corpo de uma ata de deliberação na qual também decida notificar a defesa ou
que o faça em um despacho seguido de ata de deliberação em que se decide apenar proceder à
526
mencionada notificação.
Apenas para fim exemplificativo, apresentam-se listas com alguns dos principais
termos de atos de instrução, em regra decorrentes de ata de deliberação (a que se somam, em
especial, a indiciação e o relatório), e de alguns termos de ocorrência em geral, que podem
surgir no processo administrativo disciplinar. A descrição detalhada de diversos destes termos
se encontra em 4.4, 4.5 e 4.9.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo
administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a
efetivação de diligências.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante
mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do
interessado, ser anexada aos autos.
“Portanto, não cabe, em tese, ao cidadão negar-se a atender a intimação das comissões
disciplinares, tendo novamente como fundamento os arts. 4º, IV , 39 e 28 da Lei nº
9.784/99, com a simples alegação de que não há interesse seu no processo administrativo
disciplinar.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 169, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/
Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Convém discorrer com maior detalhe sobre a terminologia empregada nas linhas
anteriores. Não é de se confundir a incidência abrangente da Lei nº 9.784, de 29/01/99, sobre
todos os administrados em geral, com os ditames mais específicos que esta Lei comporta para
uma parcela de seu campo incidental, que são os interessados. É cristalino do texto legal que a
Lei Geral do Processo Administrativo Federal tratou os administrados como um gênero no
qual pode caber, como espécie, o interessado. Qualquer pessoa, integrante da coletividade,
insere-se no gênero administrado e pode vir a se inserir, mais especificamente, na espécie
interessado se houver um processo administrativo que o relacione (por meio de ligações de
direitos ou deveres) à Administração. A leitura sistemática da Lei nº 9.784, de 29/01/99, é
suficiente para afastar qualquer possibilidade de dúvida acerca destes dois conceitos. Em seus
dispositivos introdutórios (arts. 1º a 3º), a Lei menciona administrados - como detentores de
direitos e de deveres diante da Administração - e, ao tratar da instauração do processo (arts. 5º
a 9º), a norma passa a mencionar os interessados - como aqueles que dão início ao processo
administrativo ou que possam ter direitos nele afetados, o que não é o caso de alcance do
processo administrativo disciplinar em relação a particulares. Destaca-se o didatismo com que
o art. 3º, II da mencionada Lei trata da diferenciação em comento (na mesma linha, o já
529
“(...) a lei federal (n. 9.784, de 1999) agrupou-os em dois segmentos: de um lado, a
Administração; do outro, os administrados, ora assim denominados, ora tratados sob o
rótulo ‘interessados’ (...). Parece nítido, dos preceitos do referido diploma legal, que o
nome ‘interessados’ está reservado para o administrado quando ele se torna sujeito da
relação processual administrativa.” Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Processo
Administrativo”, pg. 125, Malheiros Editores, 1ª edição, 2001
Não obstante este esforço apriorístico para a entrega pessoal, é certo que a melhor
aplicação do Direito, obviamente, não pode dissociá-lo do contexto social em que se insere,
não restando dúvida de que cabe ao aplicador da ciência jurídica interpretá-la e integrá-la à
vista, inclusive, dos avanços tecnológicos de seu tempo. Assim, embora a Lei nº 8.112, de
11/12/90, não pudesse ter previsto a difusão do uso das ferramentas de informática, é de se ter
como aceitável a realização de atos de comunicação por via eletrônica, sobretudo se o
destinatário é lotado, tem exercício ou reside em localidade distinta daquela em que se sedia a
comissão.
Assim, atentando para o fato de que a Portaria SRF nº 1.397, de 11/11/02, estabelece
como ferramenta de trabalho o correio eletrônico institucional no âmbito da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, não se vislumbra vedação para que os atos de comunicação,
quaisquer que sejam, se utilizem desta via eletrônica, se o destinatário é servidor da Secretaria
da Receita Federal do Brasil (seja acusado, seja interveniente na instrução probatória, seja
autoridade). Neste caso de se remeter e de se receber o ato de comunicação por via virtual
completamente institucional, deve a comissão emitir a mensagem eletrônica com os recursos
de confirmação de entrega e de aviso de recebimento e deve ainda solicitar no corpo da
mensagem que o destinatário responda, também em via virtual, confirmando o recebimento,
530
devendo estes comprovantes serem impressos e autuados ao processo. O simples envio de atos
de comunicação no curso do processo administrativo disciplinar, por via eletrônica, seja para
o acusado, seja para outros destinatários, não se inclui no escopo de obrigatoriedade de uso de
criptografia, determinada pela Portaria Coger nº 106, de 08/09/15, uma vez que não se obriga
que o destinatário possua conhecimento técnico e suporte tecnológico (softwares) para abrir
os documentos.
Acrescente-se também que, a rigor, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não prevê o emprego
de via postal para atos de comunicação em instância disciplinar. Entretanto, com base na
aplicação subsidiária da Lei nº 9.784, de 29/01/99, em seu art. 26, § 3º, o emprego da via
postal é admitido para envio de atos de comunicação, quaisquer que sejam, sobretudo se o
destinatário é lotado, tem exercício ou reside em localidade distinta daquela em que se sedia a
comissão. Neste caso de se remeter o ato de comunicação por via postal, deve a comissão
emitir o ato de comunicação em duas vias, ficando uma via no processo, enquanto a outra via
é remetida para o destinatário utilizando o serviço de aviso de recebimento (AR, em que o
remetente preenche um formulário próprio, que lhe é devolvido pela Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, assinado e datado por quem recebeu a postagem, comprovando que a
remessa foi entregue e quando o foi), devendo este comprovante posteriormente ser autuado
ao processo.
Os atos e termos redigidos pela comissão devem primar pela síntese, simplicidade e
dessacramentalização formal. Não se justificam redações excessivamente rebuscadas,
herméticas, anacrônicas, atávicas, repetitivas, desnecessárias e respeitosas apenas a meras
praxes ultrapassáveis e dispensáveis sem qualquer prejuízo ao conteúdo e à compreensão. A
forma redacional deve ser compreensível por qualquer servidor leigo em ciências jurídicas e
deve conter o núcleo mínimo para atender o fim a que se destina cada ato, sem sobrepor
formalismos meramente ritualísticos e sem tampouco chegar a ponto de atingir e cortar as
informações relevantes ao pleno exercício da defesa e à inequívoca compreensão das
autoridades que atuarão no julgamento.
Lei Complementar nº 95, de 26/02/98 - Art. 11. As disposições normativas serão redigidas
com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes
normas:
I - para a obtenção de clareza:
a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar
sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em
que se esteja legislando;
b) usar frases curtas e concisas;
c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações
dispensáveis;
d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando
preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;
e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter
estilístico;
II - para a obtenção de precisão:
a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do
objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que
o legislador pretende dar à norma;
b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o
emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;
c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;
d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território
nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;
e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira
referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;
f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número
de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; (Redação dada
pela Lei Complementar no 107, de 26/04/01)
g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões
“anterior”, “seguinte” ou equivalentes; (Alínea incluída pela Lei Complementar no 107, de
26/04/01)
Lei nº 4.862, de 29/11/65 - Art 31. Salvo em casos excepcionais ou naqueles em que a lei
imponha, explicitamente, esta condição, não será exigido o reconhecimento de firmas em
petições dirigidas à administração pública, podendo, todavia, a repartição requerida,
quando tiver dúvida sobre a autenticidade da assinatura de requerente ou quando a
providência servir ao resguardo do sigilo, exigir antes da decisão final a apresentação de
prova de identidade do requerente.
Sendo assim, é comum, a medida em que o processo avança, que se realizem grandes
quantidades de atos, os quais, se autuados em um só volume, podem dificultar o manuseio.
Recomenda-se então a abertura de novo volume dos atos processuais quando se ultrapassar a
quantidade referencial de duzentas folhas (obviamente, é um número de referência
aproximada, não sendo conveniente interromper um termo ou documento para seguir
fielmente aquele limite). Quando isto ocorre, os volumes seguem numeração contínua e
crescente em numerais arábicos (Volume 1, Volume 2, etc), cada um com cerca de duzentas
folhas, com paginação contínua.
Caso se faça necessário autuar uma quantidade tal de documentos acessórios que sua
inserção em meio aos atos processuais prejudique a linearidade, o manuseio e a compreensão
do rito, pode-se lançar mão de anexos. Os anexos são úteis não só para autuar grandes
quantidades de documentos que não sejam termos de atos de instrução; também convém
autuar em anexos objetos que assumem valor de prova, tais como livros, brochuras, fitas,
CDs, DVDs ou outras mídias eletrônicas. Mencione-se ainda o emprego de anexos
individualizados, conforme já recomendado em 4.3.4, quando se necessita autuar dados de
acusados ou de terceiros que sejam protegidos por sigilo (destacadamente sigilos fiscal ou
bancário).
Os anexos são montados para autuar cada tipo de documento ou de objeto trazidos ao
processo. Como tal, recebem numeração sequenciada para cada anexo, crescente na ordem
cronológica de autuação e em numerais romanos, para diferenciar dos volumes. Por exemplo,
pode-se ter o Anexo I com cinquenta contratos; o Anexo II com quatrocentas notas fiscais; o
Anexo III com oitenta extratos de sistemas informatizados; e o Anexo IV apenas com uma
mídia eletrônica guardada em um envelope. Cada anexo tem sua própria paginação.
Tanto volumes de atos processuais quanto anexos devem ter termo de abertura
(constando número da folha inicial, que é o próprio termo) e termo de encerramento
(constando quantidade de folhas, números das folhas inicial e final, que é o próprio termo).
Também é altamente recomendável, sobretudo em processos extensos, que se faça um índice
em cada volume ou anexo, para facilitar a localização de termos ou documentos.
Os autos processuais são compostos de folhas, que, por sua vez, contêm duas páginas
(o seu anverso ou frente, normalmente utilizado, e o seu verso, em geral não utilizado). A
rigor, não há vedação legal ou nem mesmo normativa para que se utilize a página de anverso
de cada folha. Apenas não se costuma digitar ou escrever na página de verso por mera praxe,
sobretudo porque a grande maioria dos atos processuais se resumem a conteúdos curtos, que
cabem em apenas uma página ou no máximo em poucas páginas e também porque o uso
apenas das páginas de anverso facilita e agiliza a automação da extração de cópias. Daí, torna-
se pouco eficiente usar as páginas de anverso e de verso para um documento cujo conteúdo
caiba em apenas duas páginas, por exemplo, o que faria economizar apenas uma dentre duas
folhas. Mas, por outro lado, em documentos mais extensos (como pareceres, informações,
indiciação, relatório), que se utilizam de muitas folhas, pode ser útil digitá-los, imprimi-los e
autuá-los usando as páginas de anverso e de verso de cada folha.
Importante destacar que, como o que se numera são as folhas dos autos, quando
excepcionalmente se utilizarem as duas páginas de determinada folha, apenas a sua página de
anverso recebe a numearação, apondo-se na página de verso o mesmo número de folha do
anverso, seguido da letra “v”, sem acrescentar novo número à numeração de folhas. E, na
regra geral, em que não se utiliza a página de verso das folhas, esta deverá conter a expressão
"Em branco", escrita ou carimbada, ou um simples risco por caneta, em sentido vertical ou
oblíquo.
As folhas dos autos devem ser numeradas e rubricadas, pelo secretário ou qualquer
integrante da comissão, de forma contínua através dos volumes (não se numerando capa e
contracapa e versos de folhas eventualmente utilizados) e de forma independente para cada
anexo. Sempre que se tiver que renumerar as folhas do processo, deve-se anular com um traço
horizontal ou oblíquo a numeração anterior, conservando-se, porém, sua legibilidade (não se
aceita paginação alfanumérica, como fl. 01A, fl. 01B). Ao se fazer remissão a algum
documento já acostado aos autos, para facilitar a defesa e a análise posterior, convém citar a
paginação e o volume ou anexo em que se encontra.
pode reiniciar a numeração dos atos a cada passagem de ano. Ambas as formas são aceitáveis.
O que não convém é renumerar os atos a cada nova designação, visto que a referência pode
ficar confusa e induzir a erros.
Ainda que para atender ao processo judicial, pode-se mencionar que há previsão legal
em nosso ordenamento para se utilizar sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-
símile para encaminhar petições escritas e documentos em geral, ressalvando-se a
responsabilidade do remetente pela qualidade e fidelidade do material transmitido e devendo
538
No curso dos trabalhos, pode se demonstrar necessário, seja por motivação espontânea
da comissão, seja a pedido da defesa, que se extraiam folhas ou peças já autuadas no processo.
O desentranhamento de elementos dos autos pode decorrer, dentre outros motivos, mais
comumente de desmembramento de um processo original para instauração de outro, contendo
peças daquele primeiro, ou de se ter detectado alguma juntada de documentos absolutamente
impertinentes ou desnecessários ou por decisão judicial. A formalização desta operação se dá
por meio do termo de desentranhamento e, dependendo do motivo do desentranhamento,
pode-se manter vago o número de folha(s) desentranhada(s) ou pode-se substituí-las por
cópias autenticadas pelo próprio servidor encarregado do ato, quando houver necessidade,
devendo constar do termo a solução adotada.
processo acessório passa a fazer parte integrante do processo principal e tem suas folhas
renumeradas, de forma que se mantêm a paginação e o nº do processo principal. Já a
apensação é uma forma de juntada temporária, em que ambos os processos mantêm suas
paginações e nº do processo inalterados.
Portaria Coger nº 106, de 08/09/15 - Art. 1° Os softwares abaixo descritos deverão ser
utilizados pelos servidores que atuem em atividades da Corregedoria da RFB, a fim de
garantir a confidencialidade das informações relacionadas a todos os procedimentos
disciplinares:
I - VeraCrypt - aplicativo de código aberto de criptografia para Windows, Mac e Linux que
cria volumes criptografados que podem ser montados como unidades virtuais;
II - AxCrypt - aplicativo de código aberto de criptografia de arquivos, que se integra com o
Windows para compactar, criptografar, descriptografar, armazenar, enviar, deletar e
trabalhar com arquivos individuais.
Art. 2° O uso do VeraCrypt é obrigatório nos seguintes casos:
I - Estações de trabalho localizadas na Corregedoria, nos Escritórios de Corregedoria e no
Núcleo de Corregedoria;
II - Estações de trabalho localizadas em quaisquer unidades da RFB, onde esteja sendo
desenvolvido trabalho correcional; e
III - Dispositivos móveis, tais como notebooks, pen-drives, HDs externos, tablets ou outros
equipamentos e dispositivos cujo patrimônio o servidor possua a guarda e que contenham
informações disciplinares.
Parágrafo único. A obrigação do uso do VeraCrypt se estende aos dispositivos de uso
particular do servidor, caso estes contenham qualquer arquivo ou dado de procedimentos
disciplinares.
Art. 3° O uso do AxCrypt é obrigatório nos seguintes casos:
I - Nas deleções de arquivos e de pastas que contenham informações de procedimentos
disciplinares;
II - Nas transmissões de informações pela Rede Local relacionadas a procedimentos
disciplinares, especialmente procedimentos digitalizados; e
III - Na criação de arquivos criptografados a serem enviados para demais unidades
daxRFB.
540
Portaria Coger nº 55, de 20/07/12 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os processos
disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas no âmbito da
Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões Fiscais (Escor) e no
Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
CF - Art. 5º
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público;
Lei nº 9.051, de 18/05/05 - Art. 2º Nos requerimentos que objetivam a obtenção das
certidões a que se refere esta Lei, deverão os interessados fazer constar esclarecimentos
relativos aos fins e razões do pedido.
3.3.1.7 e à luz do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Nesta instância específica, em que a
ampla publicidade pode ser prejudicial ao interesse público (bom andamento das
investigações) e privado (honra e privacidade do servidor), aquelas garantias acima se
manifestam no fato de que, somente ao acusado ou a seu procurador devidamente qualificado,
são asseguradas obtenção de uma cópia integral do processo (a cópia extraída do processo
supre a previsão constitucional de fornecer certidão) e vista dos autos.
“Em relação à extração de cópias, exceto a gratuidade assegurada pela Constituição para
obtenção de certidões, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal (alínea “b” do inc. XXXIV do art. 5°), a Administração poderá cobrar os custos
efetivos da reprodução, considerando o interesse do particular na reprodução, a exemplo
do que autoriza o § 5º do art. 32 da Lei nº 8.666/93, de licitações e contratos
administrativos. O fornecimento de cópias reprográficas não deve constituir meio de
obtenção de receita para a Administração, mas simplesmente remunerar seus custos, sob
pena de caracterizar abuso ou cerceamento do direito de defesa.” Lais Maria de Rezende
Ponchio Casagrande, “Dos Direitos e Deveres dos Administrados”, in Lúcia Valle
Figueiredo (Coordenadora) e outros, “Comentários à Lei Federal de Processo
Administrativo”, pg. 55, Editora Fórum, 1ª edição, 2004
Esse tema, com o emprego cada vez mais difundido dos recursos de informática,
merece uma visão atualizada, pois, até recentemente, a expressão “cópia dos autos” se referia
exclusivamente à cópia reprográfica, em papel, enquanto que hoje pode também encampar
cópia digitalizada em mídia eletrônica. Assim, ao se referir a “cópia dos autos”, não
543
A normatização interna, por meio da Portaria Coger nº 62, de 04/07/08, considera que
o fornecimento de uma primeira cópia, caso seja possível na prática e esteja de acordo com as
limitações concretas da unidade, seja gratuito, como forma de homenagear a ampla defesa. E,
além disto, esta norma infralegal dispõe ainda que este fornecimento de cópia dos autos, na
conveniência da Administração (não cabe a escolha ao servidor), deve, preferencialmente, se
dar por via digital. A digitalização dos autos do processo, ou seja, a transformação dos
documentos em arquivo eletrônico e a sua gravação em alguma mídia, labora a favor da
agilização e da economia de recursos, vez que o dispêndio de tempo se dá uma única e
definitiva vez e, partir daí, se tem a facilidade de se gerar quantas cópias se necessitar
(inclusive cópias em papel).
Assim, convém que se forneça ao acusado uma cópia dos autos no momento da
notificação inicial para acompanhar o processo, a ser complementada juntamente com a
citação para apresentar defesa escrita, sem prejuízo de acatar pedidos de cópia de outras
folhas, formulados no curso do processo, seja pelo próprio acusado, seja por seu procurador.
Importante destacar a necessidade de a comissão sempre coletar recibo por parte do servidor
ou parte do procurador, especificando as folhas fornecidas e a via empregada (digital ou,
excepcionalmente, reprográfica), em duas vias, uma para o interessado ou procurador e outra,
assinada e datada, para o processo. Os pedidos e fornecimento de cópia dos autos somente
podem ser efetivados pelo acusado ou por seu procurador.
Se, excepcionalmente, não for viável a entrega de cópia digitalizada, devendo ser
fornecida cópia reprográfica, esta cópia deve ser feita por integrante da comissão, dentro da
repartição. Jamais se deve entregar os autos originais ao acusado ou a seu procurador ou a
qualquer outra pessoa estranha e, caso não seja possível à própria comissão providenciar a
cópia reprográfica na repartição, sua feitura deve se dar sob acompanhamento de algum
integrante da comissão.
Por fim, o pedido de mais uma cópia reprográfica dos autos, por parte do acusado ou
de seu procurador, além da cópia comprovadamente já fornecida em atendimento à garantia
de defesa, pode sujeitar-se à cobrança, com amparo na Instrução Normativa SRF nº 69, de
04/05/87. Em atendimento a esta Instrução Normativa SRF, as SRRF editaram normas
próprias estabelecendo faixas de preços de cópias reprográficas. E, de forma mais específica
para a matéria de interesse, a Corregedoria disciplinou a questão, por meio da já mencionada
Portaria Coger nº 62, de 04/07/08, regulamentando a cobrança de pedidos adicionais de cópias
reprográficas.
Quanto à vista dos autos, deve ser fornecida sempre que o acusado solicitar,
exclusivamente na sede da comissão, dentro do horário de atendimento, assinalado na
notificação inicial para acompanhar como acusado, conforme abordado em 4.3.4. Além da
cautela de os autos originais jamais saírem do local de instalação da comissão, conforme
4.8.1.1, também se deve cuidar de manter pelo menos um integrante ou secretário da comissão
545
ao longo de toda a consulta e de registrar a concessão do direito, por meio de termo próprio
(extraído em duas vias, uma para o interessado e outra, assinada e datada, para o processo).
“Diante disso, sustenta-se que mesmo o advogado inscrito na OAB não poderá ter carga
dos autos, pois a Lei da OAB que o autoriza a isso é menos específica que a Lei 8.112/90
em matéria disciplinar. De qualquer modo, sempre que a defesa do acusado requerer, terá
direito à ; assim, não há porque autorizar que o advogado retire os autos da repartição.”,
Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg. 120, Fortium
Editora, 1ª edição, 2008
Ao contrário, caso a comissão seja demandada pela defesa com o fim de ter vista dos
autos fora do horário estipulado e notificado como de atendimento, convém, se
operacionalmente for possível, mitigar o formalismo e, em máximo respeito ao princípio da
ampla defesa, atender ao pedido da parte.
Da mesma forma como se aduziu acerca do fornecimento de cópia dos autos, havendo
dados preservados por sigilo (fiscal ou bancário) de mais de um acusado, justifica-se a
recomendação exposta em 4.3.4 e 4.3.11.7, de autuá-los em anexos individuais, e,
consequentemente, de conceder vista dos autos incluindo apenas o anexo de interesse do
peticionante.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes
fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos,
acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova,
recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa
elucidação dos fatos.
Atos de instrução probatória são aqueles em que se buscam as provas para amparar a
formação da convicção por parte da comissão e da autoridade julgadora. Portanto, são o cerne
do processo e devem ser merecedores de grande atenção e empenho por parte do colegiado,
que se refletem, por exemplo, na necessidade de estar presente o trio completo no momento
de realização do ato (não se cogita de feitura de ato formador de convicção com membro
ausente). Advirta-se, de imediato, que a lista apresentada no art. 155 da Lei n° 8.112, de
11/12/90, é meramente exemplificativa, sem o condão de exaurir as hipóteses de emprego de
atos de instrução. Podem decorrer tanto de iniciativa da própria comissão, cumprindo seu
dever de ofício de apurar, quanto de pedido do acusado, exercendo seu direito à ampla defesa
546
e ao contraditório.
CPP - Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao
juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de
09/06/08)
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
CPC - Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias
constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na
sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 01/10/73)
A rigor, as provas podem ser transportadas do mundo real para o processo através dos
meios da reconstrução histórica (sob a forma de provas orais, por exemplo), da representação
(sob a forma documental, por exemplo) ou ainda da reprodução objetiva (sob as diversas
formas materiais, como pericial, por exemplo), sendo necessário diferenciar o meio de prova
(o instrumento com que se leva o fato para os autos) da forma da prova (que é maneira como a
prova se apresenta, tais como oral - ou pessoal -, documental e pericial). Diante da sutileza da
diferenciação destes dois conceitos, que requer um grau de aprofundamento desnecessário ao
objetivo deste texto, permite-se a liberalidade simplificadora de se usar indistintamente o
termo “meio” com o fim de abranger também o conceito de “forma”.
Neste rumo, tem-se que, dentre as diversas classificações que a doutrina estabelece
para a matéria probatória, pode-se dividir as provas em típicas, que são aquelas reguladas
expressamente na lei processual (por exemplo, o testemunho, o interrogatório, a acareação, a
diligência, a perícia, o documento, a presunção, conforme se somam os arts. 151 a 159 da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, os arts. 155 a 250 do CPP e os arts. 332 a 443 do CPC e ainda o art.
212 do CC) e em atípicas, que, residualmente, são as provas cujos meios de obtenção não
estão regulados ou mencionados em lei, mas que nem por isto são vedadas e que gozam de
presunção da validade no art. 332 do CPC e também de forma implícita no parágrafo único do
art. 155 do CPP (figurando como exemplo a prova emprestada, que se mencionará em 4.4.13).
Daí, exemplos de provas de ambas as espécies podem ser válidos, a despeito de inexistência
de expressa previsão legal para as provas atípicas, já que o princípio da verdade material não
se coaduna com o esgotamento ou com a delimitação dos meios de prova. As listas de atos
probatórios constantes dos diplomas legais acima não é exaustiva, delimitando-se apenas, em
patamar constitucional, por aquelas provas que afrontam a moralidade, a dignidade humana e
todas as cláusulas de proteção individual. Para suprir o já mencionado sistema da persuação
racional em que o julgador livremente valora as provas, se, por um lado, o julgador deve
limitar-se ao conjunto probatório autuado e não pode se manifestar por mera opinião pessoal
extra-autos, por outro lado, pode diligenciar para trazer ao processo tudo o que cogita de ser
relevante para o seu próprio convencimento e diante das provas coletadas, não se prende a
nenhuma escala prévia de valor absoluto, atribuindo-lhes leitura dinâmica de valor.
CPC - Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não
especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a
ação ou a defesa.
CC - Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser
provado mediante:
I - confissão;
II - documento;
III - testemunha;
IV - presunção;
V - perícia.
Convém ressalvar que, não obstante vigorar no ordenamento pátrio a regra geral de
que, em princípio, são aceitos todos os meios empregados na comprovação, para que as
provas validamente atuem na formação de convicção da autoridade julgadora, devem ser
obtidas em obediência a ditames de lei material e processual, sob pena de inadmissibilidade
ou de ilegalidade (conforme melhor se aduzirá em 4.4.14).
548
O indício é um fato conhecido que, embora não se confunda com o próprio fato que se
deseja comprovar, em virtude de com este manter um determinado grau de associação, conduz
a uma conclusão, por inferência, acerca do fato probando. Ressalve-se que a comprovação do
indício, por si só, não autoriza que se declare comprovado o fato probando em si, mas sim as
suas circunstâncias que o rodeiam.
CPP - Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo
relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias.
CPC - Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de
experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e
ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.
“b) Vastíssimo é o campo de aplicação das presunções de homem. Basta, para se ter uma
idéia da extensão da sua aplicabilidade, considerar que, em princípio, são elas admissíveis
nos mesmos casos em que o é a prova testemunhal. Por meio delas se provam fatos das
mais variadas espécies, não só como prova subsidiária ou complementar mas também
como prova principal e única.
Mas, onde se manifesta, em toda a sua plenitude, a importância das presunções simples, é
quando se cura de provar estados do espírito - a ciência ou ignorância de certo fato, a boa-
fé, a má-fé etc. - e, especialmente, de provar as intenções, nem sempre claras e não
raramente suspeitas, ocultas nos negócios jurídicos. Tratando-se de intenções suspeitas, ou
melhor, nos casos de dolo, fraude, simulação e atos de má-fé em geral, as presunções
assumem papel de prova privilegiada, ou, sem que nisso vá qualquer exagero, de prova
específica. Salientando a significação das presunções nesse terreno, dispunha o Código de
Processo Civil de 1939, art. 252: ‘O dolo, a fraude, a simulação e, em geral, os atos de má-
fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias’.”, Moacyr Amaral Santos,
“Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, vol. 2, pg. 513, Editora Saraiva, 24ª
dição, 2008
As presunções legais, por sua vez, decorrem de expressa vontade da lei e podem ser
subdivididas em duas espécies. As presunções legais relativas (ou juris tantum) ocorrem
quando a própria lei admite comprovação em contrário do fato presumido - até prova em
contrário, a conclusão que a lei atribui ao fato presumido, a partir do fato conhecido, é
verdadeira. As presunções legais absolutas (ou juris et de jure) ocorrem quando a lei não
admite comprovação em contrário do fato presumido, ainda que a despeito da realidade - a
conclusão que a lei atribui ao fato presumido, a partir do fato conhecido, é incontestável. Por
exemplo, conforme se abordará em 4.11.2, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, no seu art. 133, § 5º,
constroi uma presunção legal absoluta de que a opção por parte do servidor que acumula
ilicitamente dois cargos, se manifestada até o último dia do prazo de defesa, faz com que,
inafastavelmente, se configure sua boa-fé, ainda que houvesse elementos de convencimento
de que o agente sempre tivesse conhecimento da ilicituda da acumulação. E, em outro
exemplo, conforme se abordará em 4.7.4.4.3, a Lei nº 8.429, de 02/06/92, constroi uma
presunção legal relativa de que, uma vez comprovada a desproporção patrimonial do servidor
em face das rendas declaradas, cogita-se de uso ímprobo do cargo, porém passível de
comprovação ao contrário pelo servidor.
conservador rito processual penal, com mais certeza se afirma a validade como prova em
instâncias cíveis, como na processualística disciplinar.
Parecer PGFN/CJU/CED nº 978/2009: “30. Provas indiretas, como é cediço, são aquelas
em que a representação do fato a provar é obtida através de construção lógica: a análise
mental parte de um fato conhecido e provado que indica a existência de outro,
desconhecido e que se pretende provar; processada logicamente essa informação pode-se
chegar, com a certeza necessária ao deslinde da questão, à conclusão da ocorrência ou
não do fato probando.
32. Alerte-se, ademais, que não há qualquer hierarquia entre as provas denominadas
diretas e os meios indiretos de produção probatória, circunstância consectária do princípio
da verdade material, que pressupõe, para a sua inteira realização, a livre investigação e
valoração da prova.
STF, Habeas Corpus nº 111.666: “Ementa: (...) 3. O princípio processual penal do favor
rei não ilide a possibilidade de utilização de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para
decidir sobre a procedência do ius puniendi, máxime porque o Código de Processo Penal
prevê expressamente a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como “a circunstância
conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias”. Doutrina (LEONE, Giovanni. Trattato di
Diritto Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p.
161-162). Precedente (HC 96062, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma,
julgado em /10/2009, DJe-213 Divulg 12-11-2009 Public 13-11-2009 Ement Vol-02382-02
PP-00336). 4. Deveras, o julgador pode, mediante um fato devidamente provado que não
constitui elemento do tipo penal, utilizando raciocínio engendrado com supedâneo nas suas
experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a
qualificação penal da conduta. 5. A criminalidade dedicada ao tráfico de drogas organiza-
se em sistema altamente complexo, motivo pelo qual a exigência de prova direta da
dedicação a esse tipo de atividade, além de violar o sistema do livre convencimento
motivado previsto no art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, praticamente
impossibilita a efetividade da repressão a essa espécie delitiva. 6. O juízo de origem
procedeu a atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande
quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela
dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras
circunstâncias motivaram o afastamento da minorante.”
Conforme se verifica, em função dos três diferentes momentos processuais (as fases do
processo), o polo ocupado pela Administração altera-se em seu agente condutor. Se, na fase
de instauração, a decisão de dar início ou não às apurações recai sobre a autoridade legal e
regimentalmente competente e se, na fase final de julgamento, retorna a autoridade a atuar,
tem-se que, no cerne e na fase mais rica do processo, qual seja, a segunda fase, do chamado
inquérito administrativo, onde se coleta a instrução probatória e onde se firma a convicção
contrária ou a favor do servidor, é a comissão que atua e conduz os trabalhos apuratórios,
mantendo com o acusado a dialética jurídica válida na busca da materialização da prova.
Por mais difícil que, de fato, possa ser para quem atua no processo administrativo
disciplinar - sobretudo para quem se vê em seu polo passivo - , é necessário que se abstraia de
qualquer visão maniqueísta e que se compreenda que, neste rito, não há polo acusatório se
confrontando com defesa, mas sim, há um ente estatal que, por oficialidade, imparcialidade e
interesse público, busca apurar tudo o que possa ser relevante para trazer aos autos,
materializado como prova juridicamente válida, a verdade dos fatos e o esclarecimento da
representação ou denúncia que provocou a instauração. Em outras palavras, a comissão não
acusa, mas sim apura. A comissão não atua como acusação, mas sim como polo de apuração.
Apurar não necessariamente se confunde com acusar.
abordado em 3.3.3.7 -, advém um dos pilares de sua sustentação, que é de que, neste rito, não
existe a dicotomia de provas de acusação e provas de defesa, bem como não há atos da
comissão e atos da parte. Os atos processuais e os elementos de prova no processo disciplinar
têm igual valor neste sentido, independentemente de terem sido realizados por diligência de
ofício e espontânea da comissão ou de terem sido trazidos pelo acusado ou de terem tido sua
realização, por parte do colegiado, a pedido da parte. Seja qual for a forma pela qual o ato ou
a prova venha a ser produzido e autuado no processo administrativo disciplinar, isto somente
ocorre se o ato ou a prova se demonstra de interesse público, ou seja, caso se demonstre
relevante para o interesse maior e para o único objeto que move a Administração nesta senda,
que é imparcialmente esclarecer o fato representado ou denunciado. Na processualística
disciplinar, adota-se o pressuposto de que os atos de instrução probatória que têm sua
realização decidida pela comissão, seja de ofício, seja a pedido, são todos, indistintamente,
atos ou provas do processo ou atos ou provas da Administração, no sentido oficial e público
do termo (não se confundindo com parte persecutória), a quem, em última análise, sempre
interessa o imparcial esclarecimento do fato.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada
de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de
prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa
elucidação dos fatos.
Ainda como consequência, afirma-se que, em princípio, não cabe à comissão impor ou
repassar para o acusado os custos de realização de ato instrucional, a menos que,
excepcionalmente, em situações específicas, a Administração não disponha de recursos,
quando então deve ser notificado o acusado de que o ato probatório solicitado somente será
realizado com sua aquiescência em custeá-lo. Por outro lado, a defesa não tem o condão de, na
via administrativa, impugnar determinado ato de instrução, obrigando sua desconsideração na
convicção.
que ser deferida, passando a Administração a cobrir os custos dela decorrentes.” Léo da
Silva Alves, “Prática de Processo Disciplinar”, pg. 231, Editora Brasília Jurídica, 1ª
edição, 2001
acusado (caso haja mais de um). É lícito à comissão ou mesmo a outro acusado extrair
elementos contrários aos interesses de defesa do próprio acusado que provocou a juntada ou
realização de determinada prova. Na esteira, face ao entendimento da comissão de que o
elemento se faz relevante para o esclarecimento fático, não assiste ao acusado o direito de
requerer a desconsideração de realização de ato instrucional ou de juntada de prova ou o seu
desentranhamento dos autos.
Nos atos de busca de prova, deve estar presente a comissão completa, com seus três
integrantes, não se cogitando de sua feitura com algum membro ausente. E, de maneira geral,
no momento da feitura do ato instrucional, cabe ao presidente a manutenção da ordem. A
propósito, cabe aqui um parêntese, voltado sobretudo para atos de intrução probatória cuja
feitura encerra natureza dinâmica, tais como provas orais, diligência, reprodução simulada.
Obviamente, aquela postura apriorística presidencialista não prejudica a salutar e natural
liberdade de manifestação e de atuação dos vogais, não havendo de se levar a rigor o
formalismo de os vogais dirigirem suas questões e avaliações à apreciação do presidente. De
forma geral, até como reflexo da igualitária participação em trio, as manifestações e atuações
do presidente ou de cada um dos vogais podem ser levadas a termo genericamente como
iniciativas da comissão, mitigando-se a individualização. A exigência de submissão ao
controle do presidente se aplica às iniciativas e comportamentos da defesa. Retornando à
manutenção da ordem, se for o caso, deve o presidente determinar o registro no termo de que
a parte, devido a comportamento inconveniente e perturbador, foi por diversas vezes alertada
da possibilidade de ser retirada do local. Após algumas reprimendas, acaso infrutíferas, o
presidente possui a prerrogativa de requerer que a parte, comportando-se de forma
ameaçadora ou constrangedora, retire-se do local de realização da prova. Todavia, é muito
mais conveniente tentar convencer pela normalidade do ato, antes de se lançar mão de tão
amargo remédio.
reforçar, se cabível, com o mandamento do art. 28, todos da Lei nº 9.784, de 29/01/99.
Recai tanto sobre o servidor quanto sobre o particular o dever de colaborar com a
Administração, somando-se ainda, no caso do servidor, o dever estatutário específico de
lealdade à instituição - com exceção da disponibilidade a favor do acusado em não atender
intimações, seja pela cláusula constitucional de desobrigação de produzir prova contra si
mesmo, seja por estratégia de defesa, como por exemplo, para prestar-se a interrogatório.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante
mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do
interessado, ser anexada aos autos.
“Portanto, não cabe, em tese, ao cidadão negar-se a atender a intimação das comissões
disciplinares, tendo novamente como fundamento os arts. 4º, IV , 39 e 28 da Lei nº
9.784/99, com a simples alegação de que não há interesse seu no processo administrativo
disciplinar.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 169, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/
Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
CP - Desobediência
Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Além disto, há atos cuja realização, de que a princípio não se cogitava, somente se
delineia no curso da apuração. Por outro lado, há outros atos que, de início pareciam ser
essenciais, mas que, por alteração no curso das apurações, tornam-se dispensáveis.
A lista de atos de instrução aqui apresentada não é exaustiva, mas sim meramente
exemplificativa, enumerando apenas os atos mais comuns. Pode acontecer de o caso concreto
indicar diversos outros atos aqui não abordados ou não necessitar de alguns deles, sem
nenhum prejuízo de sua validade.
Mas, a rigor, é o curso do processo que vai determinar os atos a serem realizados e a
sua sequência, a medida em que a comissão for formulando sua convicção. Embora jurídica e
formalmente somente se admita que a comissão considere-se convicta ao final da instrução,
560
devido ao senso crítico e analítico natural de qualquer um, a convicção é construída (e, talvez,
destruída) ao longo da instrução e a cada novo elemento de prova coletado. Não deve a
comissão, a despeito das provas dos autos, ser refratária ou agir com inércia para alterar seu
entendimento acerca do caso.
Por um lado, no rumo do que já se aduziu em 4.4.1.2, tanto é certo que a imparcial
busca da verdade material aponta os rumos do trabalho da comissão e que esta não se
confunde com polo acusatório mas sim apuratório no processo administrativo disciplinar, que
a busca pelo esclarecimento fático se dá de ofício pelo colegiado, inclusive e obrigatoriamente
para produzir prova a favor da defesa, ainda que esta sequer tenha provocado a realização.
Todas as provas relevantes devem ser realizadas. Por outro lado, dentro do estreito limite da
atuação pública vinculada ao ordenamento (princípios e normas) e ao interesse público, o
processo administrativo disciplinar jamais pode ser palco para desperdícios, exageros,
devassas e desvios de interesse. Assim, qualquer prova que se demonstre dispensável para a
única motivação de se ter o processo instaurado (qual seja, o imparcial esclarecimento dos
fatos) não deve ser realizada. Nesta senda, incabível que a comissão busque de ofício uma
prova dispensável para a busca da verdade material, bem como se a defesa apresentar pedido
de realização de prova também irrelevante, o pleito é de ser negado, motivadamente, pelo
presidente da comissão, respaldado por prévia deliberação colegiada registrada em ata.
esclarecimento dos fatos, de forma que sua dispensa em nada pode acarretar prejuízo à defesa,
já que esta se defende do fato que lhe é imputado e a prova dispensada não auxilia em nada no
esclarecimento fático.
Todavia, este poder deve ser usado com cautela, em caso de inequívoca
improcedência, uma vez que a negativa de ato de interesse do acusado pode suscitar alegação
de cerceamento à defesa. Primeiramente, estando em dúvida para indeferir pedido de
formação de prova, quando o caso não é de flagrante inaplicabilidade, pode a comissão
intimar o acusado a demonstrar relação de pertinência da prova solicitada com o fato apurado.
Se, mesmo após esta oportunidade, o acusado não convencer da relevância da prova
solicitada, a denegação do pedido, assinada pelo presidente, deve estar respaldada em prévia
deliberação colegiada bem fundamentada e motivada, em ata, ainda no curso da instrução,
para que a defesa possa contestar o indeferimento diante da própria comissão ou apresentar
um pedido suplementar de realização do outras provas.
Neste momento, não deve a comissão guardar a resposta para o relatório, quando não
haverá condições de ser contraditada, e também não se recomendam indeferimentos lacônicos,
apenas afirmando que o pedido é impertinente ou que é protelatório. Deve haver, na ata, as
razões jurídicas demonstrando a clara motivação do indeferimento (porque a prova já foi
produzida anteriormente ou porque a informação que se quer já consta dos autos, etc), bem
como a fundamentação legal no art. 156, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Conforme a
dinâmica já exposta em 4.3.11.1 e em 4.3.11.3 e também de acordo com o que se abordará em
4.4.3, basta entregar a notificação apenas ao acusado (ou apenas a seu procurador) e, desta
notificação do indeferimento do pedido, deve constar do termo que a ele “segue anexada cópia
da ata, com a motivação do indeferimento, que é parte integrante e inseparável do termo”.
“Por outro lado, é preciso ter em mente que as provas referem-se a atos e fatos jurídicos
que sejam, cumulativamente, pertinentes, relevantes e controvertidos. Não preenchidos
esses requisitos, a produção de provas deverá, após deliberação dos membros devidamente
registrada em ata (art. 152, § 2º), ser indeferida por ato motivado do presidente da
comissão (...)”,Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
562
E some-se a este argumento sólido de não inserção em via hierárquica o fato de que o
rito previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90, contempla a comissão apenas como o ente
competente para conduzir e instruir a segunda fase, do inquérito administrativo, reservando à
autoridade julgadora a emissão do ato decisório do processo, no julgamento. Desta sistemática
se extrai que a comissão não produz decisões terminativas no processo administrativo
disciplinar, mas sim meramente interlocutórias e tomadas nos limites de sua competência, que
é essencialmente a de preparar os autos a fim de poderem receber o julgamento.
Sendo assim, uma vez que, de acordo com jurisprudência, não é cabível recurso
hierárquico de decisões interlocutórias tomadas em processos administrativos disciplinares,
reforça-se que não se admite tal esfera recursal diante de comissão. E não há que se cogitar de
prejuízo à defesa em tal assertiva, que, em síntese, denega tão-somente a imediata apreciação,
por parte da autoridade instauradora e designante da comissão, de alguma contestação feita
pela defesa. A uma porque não só a matéria posta sob contestação mas sim todo o escopo
apuratório do processo será, obrigatoriamente, submetido ao crivo da autoridade julgadora, na
última fase processual, quando enfim, se emitirá decisão terminativa; e, a duas, porque esta
decisão sim, ainda pode ser objeto de recurso hierárquico à autoridade superior.
Uma questão por vezes enfrentada pela comissão é se há ou não algum limite para
quantidade de testemunhas que a parte pode arrolar. A rigor, não há uma exata determinação
da quantidade de oitivas, seja de interesse da comissão, seja de interesse da parte. Como no
processo administrativo disciplinar não há as figuras de testemunhas de defesa e de acusação e
aqui prevalece a busca da verdade material por oficialidade, todas as testemunhas necessárias
ao esclarecimento do fato são do processo. Com isto, em princípio, não cabe a imposição de
um número máximo de testemunhas.
Excepcionalmente, diante de pedidos por parte do acusado para que sejam ouvidas
inúmeras testemunhas e para as quais não se prevê forte pertinência, por mera recomendação,
pode-se adotar como referência permitir ao interessado indicar, no mínimo, a mesma
quantidade de testemunhas que a comissão por si só deliberou ouvir. É uma mera indicação,
imprecisa e variável, visto que somente o caso concreto é que pode definir a relação de
pertinência de um ou de vários testemunhos. Mas, o certo é que, adotando esta referência
mínima, respeita-se o princípio da impessoalidade, que ordena a igualdade de condições entre
a comissão e o acusado, conforme 3.3.1.5.
Além disto, também como meras referências, passíveis de serem ultrapassadas diante
da peculiaridade de cada caso concreto, pode-se ainda citar os limites previstos no art. 401 do
CPP ou no art. 407, parágrafo único, do CPC, que estabelecem que, na instrução dos
respectivos processos judiciais, serão inquiridas no máximo oito testemunhas de acusação e
até oito de defesa ou até dez testemunhas por parte.
Acrescente-se ainda ser comum se deparar a comissão com pedido, por parte da
defesa, para que sejam ouvidas como testemunhas pessoas que não guardam relação concreta
alguma com os fatos apurados, pessoas que sequer trabalham onde o fato ocorreu e que,
provavelmente, nada terão a informar sobre o objeto da apuração, decorrendo este pedido
apenas da expectativa por parte do acusado de que tais pessoas compareçam aos autos para
manifestarem aspectos pretéritos da conduta do servidor ou suas avaliações pessoais acerca do
caráter e da retidão do acusado. Diante de tais pedidos, em que se presume que os
depoimentos se limitarão a manifestações de impressões e opiniões pessoais das testemunhas
acerca da pessoa do acusado, após oportunizar à defesa a manifestação de pertinência entre o
pedido e o objeto restrito de apuração, deve a comissão fundamentar a denegação mediante
aplicação extensiva do art. 213 do CPP, que veda no processo a manifestação, por parte de
testemunhas, de apreciações pessoais, a menos que sejam indissociáveis do fato sob apuração.
565
CPP - Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos
em qualquer fase do processo.
Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da
acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer
das partes, para sua juntada aos autos, se possível.
CPC - Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos,
quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para
contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.
Sob termos jurídicos, documento é todo o meio em que se pode fazer conhecer e
representar um fato ou até mesmo um pensamento, uma ideia ou uma intenção e fixá-los de
modo permanente para sua posterior reprodução nos autos, como elemento informador de
convicção. Dependendo de haver ou não previsão legal acerca da forma, os documentos se
dividem em formais e não formais; podem representar o fato por meio de escritos, gráficos,
imagens, fotografias, mapas, sinais de vídeo, sinais de áudio, dentre tantos outros, e podem se
materializar tanto em papel quanto em materiais plásticos das mais diversas naturezas e em
mídias eletrônicas (sem prejuízo de se reconhecer que, juridicamente, o sentido estrito do
termo “documento” se reporta a documentos escritos em papel). Dito isto, o conceito de
documento independe do objeto em que se materializam de forma permanente o fato,
pensamento, ideia ou intenção, estando, portanto, à margem do suporte físico em que se
assenta sua existência.
CPC - Art. 369. Reputa-se autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma do
signatário, declarando que foi aposta em sua presença.
Art. 371. Reputa-se autor do documento particular:
I - aquele que o fez e o assinou;
II - aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;
III - aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência
comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos.
CPC - Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público,
nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.
CPP - Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não
serão admitidas em juízo.
Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário,
para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.
Art. 235. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial,
quando contestada a sua autenticidade.
CPC - Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos
fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.
Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou
somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.
Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado
fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao
interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.
Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular, alegar no
prazo estabelecido no art. 390, se Ihe admite ou não a autenticidade da assinatura e a
veracidade do contexto; presumindo-se, com o silêncio, que o tem por verdadeiro.
Parágrafo único. Cessa, todavia, a eficácia da admissão expressa ou tácita, se o
documento houver sido obtido por erro, dolo ou coação.
Art. 373. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo anterior, o documento
particular, de cuja autenticidade se não duvida, prova que o seu autor fez a declaração,
que Ihe é atribuída.
Parágrafo único. O documento particular, admitido expressa ou tacitamente, é indivisível,
sendo defeso à parte, que pretende utilizar-se dele, aceitar os fatos que Ihe são favoráveis e
recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes se não
verificaram.
Art. 378. Os livros comerciais provam contra o seu autor. É lícito ao comerciante, todavia,
demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não
correspondem à verdade dos fatos.
Art. 380. A escrituração contábil é indivisível: se dos fatos que resultam dos lançamentos,
uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros Ihe são contrários, ambos serão
considerados em conjunto como unidade.
CPC - Art. 386. O juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento, quando
em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento.
Art. 367. O documento, feito por oficial público incompetente, ou sem a observância das
formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do
documento particular.
4.4.1.7 - Tradução
CPP - Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada
imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa
idônea nomeada pela autoridade.
TRF da 2ª Região, Apelação Cível nº 361.011: “Ementa: II. Não se mostra razoável exigir-
se que a Comissão de Inquérito Administrativo providencie a realização de perícia, não
somente porque a incolumidade dos documentos em foco se mostra legitimamente apta a
revelar a realidade sobre os fatos jurídicos em foco, mas também porque aquela Comissão
tem o poder-dever de indeferir, interromper e suspender a produção de provas ilícitas,
impertinentes, desnecessárias e/ou protelatórias, conforme o art. 156, § 1.º, da Lei n.º
8.112/1990, e, nessa linha, a produção de prova pericial, quando a almejada comprovação
independer de conhecimento especial de perito, conforme o art. 156, § 2.º, dessa Lei. III.
Além disso, não se mostra razoável exigir-se que a mesma providencie a tradução por
tradutor juramentado dos documentos em foco, não somente porque o pertinente art. 236
do CPP - Código de Processo Penal estabelece tal medida apenas se necessária, mas
também porque isso não encontra respaldo naquela Lei. IV. Ademais, não se mostra
razoável exigir-se que a mesma ainda aguarde resposta à consulta elaborada a
determinada autoridade estrangeira acerca da existência ou não de determinada
publicação, não somente porque há rastros registrais e documentais que evidenciam a
realidade sobre os fatos jurídicos em foco, mas também porque, como visto, a mesma tem o
poder-dever de indeferir, interromper e suspender a produção de provas ilícitas,
impertinentes, desnecessárias e/ou protelatórias, conforme o art. 156, § 1.º, daquela Lei.”
Tanto é assim que a Instrução Normativa SRF nº 206, de 25/09/02, que regulamenta a
instrução do despacho aduaneiro de importação, exige documentos estrangeiros originais.
570
Instrução Normativa SRF nº 680, de 02/10/06 - Art. 18. A DI será instruída com os
seguintes documentos:
I - via original do conhecimento de carga ou documento equivalente;
II - via original da fatura comercial, assinada pelo exportador;
III - romaneio de carga (packing list), quando aplicável; e
IV - outros, exigidos exclusivamente em decorrência de Acordos Internacionais ou de
legislação específica.
Conclui-se a partir desta norma que a compreensão por parte dos servidores que
analisam tais documentos originais, que em grande parte das vezes são oriundos do exterior e
se apresentam em língua estrangeira, constitui-se em atividade rotineira de suas tarefas
laborais, não devendo, em princípio, serem tais documentos questionados acerca da falta de
tradução, caso venham compor os autos de um processo disciplinar.
No caso de ser indispensável a tradução, em princípio, deve ser feita por tradutor
público, o que leva a qualificar a prova como tradução pública (também chamada de tradução
juramentada). O Decreto nº 13.609, de 21/10/43, ainda em vigor, regulamenta o ofício de
tradutor público, disciplinando o exercício mediante concurso público, a cargo das Juntas
Comerciais estaduais, sem, todavia, estipular qualificação profissional ou formação
acadêmica, mas exigindo tão-somente proficiência em provas escrita e oral no idioma
estrangeiro. Como agentes públicos, os tradutores enquadram-se na categoria de particulares
em colaboração com o poder público, prestando serviço sem vínculo empregatício com a
Administração, mediante delegação, e sendo remunerados diretamente pelo usuário. Em razão
disto, o emprego de tradutor público implica em provocar a Divisão de Logística e
Programação da respectiva Superintência Regional (SRRF/Dipol), a fim de que esta verifique
se possui em seus cadastros de prestadores de serviço algum profissional habilitado (ou, em
caso contrário, selecional algum) e contrate para o trabalho requisitado. Uma vez que esta
prova importa em custo, é recomendável que a comissão encaminhe o pedido de tradução
pública à SRRF/Dipol por intermédio do Chefe de Escor.
“Os particulares em colaboração com o Poder Público prestam serviços sem vínculo
empregatício e sem remuneração (...). Todos ingressam por concurso público (...). Uma vez
providos na delegação, exercem o cargo mediante recursos recebidos da própria
comunidade, que paga pela prestação de seus serviços (...). Também aqui se qualificam os
leiloeiros, os intérpretes e os tradutores.” Regis Fernandes de Oliveira, “Servidores
Públicos”, pg. 12, Malheiros Editores, 1ª edição, 2004
Nota Técnica Coger nº 2005/10: “Ementa: Tendo em vista a ausência de dispositivo legal
específico na Lei nº 8.112, de 1990, a tradução de documentos em língua estrangeira deve
ser regida pelo art. 236 do CPP. A autoridade instauradora pode designar pessoa idônea
na falta de tradutor público, desde que motivadamente.
7. Nesse sentido, importante salientar que, a princípio, não se constitui em prejuízo à
defesa a ausência de tradução quando a leitura de documentos em língua estrangeira é
atribuição inerente da função exercida pelo servidor acusado.”
Uma vez indicado o tradutor contratado, a comissão pode passar a se reportar a ele
diretamente, devendo então produzir cópia das peças a serem traduzidas e fornecê-la ao
prestador de serviço. Se, excepcionalmente, pela natureza da peça a ser traduzida, for
impossível produzir cópia, deve a comissão desentranhar o original dos autos, autuar o
respectivo termo de desentranhamento e fornecê-lo ao profissional.
o prazo mínimo de três dias úteis - o que leva a dizer que a defesa fica sabendo
antecipadamente da participação do agente a respeito do qual cogita de impedimento ou
suspeição -, é possível defender a tese de que a defesa tem de trazer eventual prova de alegada
exceção até a realização do ato e de que preclui seu direito se somente o faz após a feitura do
ato de prova. Não obstante esta primeira leitura, a busca da verdade material, como um
princípio fortemente impulsionador da processalística disciplinar (diferentemente do processo
judicial, ainda mais preso à verdade forma), impõe que se mitigue e que se flexibilize esta
intempestividade contrária à defesa, de forma que, mesmo se a parte traz a prova do alegado
impedimento ou suspeição do agente interveniente já após o ato de instrução, é possível que a
comissão se convença da tese da defesa e refaça ou descarte o ato instrucional.
“A Lei quer impedir que o agente funcione no processo assumindo mais de uma função,
possibilitando a ocorrência de constrangimento em virtude de eventuais posições
geradoras de manifestação de vontade antagônicas. De fato, se o indivíduo está em
posições jurídicas diversas, não terá como evitar o desconforto de admitir duas soluções
para a mesma questão. É isso que o legislador quer impedir.
A participação impeditiva pode dar-se quando o agente é perito; a razão é óbvia: o perito
exerce função eminentemente técnica e, portanto, deve situa-se distante de qualquer
interesse. Assim, não é compatível que seja perito técnico e ao mesmo tempo encarregado
de decidir a matéria do processo. O mesmo se dá quando desempenha o papel de
testemunha: como a esta cabe relatar fatos de forma verídica, deve também estar longe das
partes, e tal posição se incompatibiliza com a de autoridade incumbida do processo. Como
representante, a incompatibilidade é indiscutível: a qualidade de representante implica,
como é natural, a defesa dos interesses do representado. Se assim é, nenhuma isenção terá
o agente da Administração se estiver ligado por vínculo de representação com o
interessado.” José dos Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pg.
133, Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2005
arguido pelo interessado ou pela testemunha, perito, assessor técnico ou assistente (consultor)
técnico. Além disto, ainda que configurada uma das hipóteses de suspeição, há possibilidade
de refutação pelo próprio suspeito ou pela autoridade a que se destina a alegação, visto que as
alegações de suspeição apresentadas pelo próprio agente do ato de instrução ou pelo acusado
são apreciadas por quem designou o agente (presidente da comissão ou autoridade
instauradora).
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor
que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os
respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.
Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito
suspensivo.
CPP - Art. 97. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito,
declarando o motivo legal, e remeterá imediatamente o processo ao seu substituto,
intimadas as partes.
Art. 98. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá fazê-lo em petição
assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas
razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas.
Art. 99. Se reconhecer a suspeição, o juiz sustará a marcha do processo, mandará juntar
aos autos a petição do recusante com os documentos que a instruam, e por despacho se
declarará suspeito, ordenando a remessa dos autos ao substituto.
Art. 100. Não aceitando a suspeição, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará
sua resposta dentro em três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida,
determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em vinte e quatro horas, ao juiz
ou tribunal a quem competir o julgamento.
Art. 101. Julgada procedente a suspeição, ficarão nulos os atos do processo principal,
pagando o juiz as custas, no caso de erro inescusável; rejeitada, evidenciando-se a malícia
do excipiente, a este será imposta a multa de duzentos mil-réis a dois contos de réis.
Art. 105. As partes poderão também argüir de suspeitos os peritos, os intérpretes e os
575
Se o tema vem à tona por provocação da defesa, em analogia com o art. 105 do CPP,
não se prescinde da manifestação do agente interveniente, de forma que, mesmo se a defesa
houver interposto o incidente junto ao presidente da comissão ou junto à autoridade
instauradora, é necessário que estes, antes de decidir, remetam a provocação ao agente
interveniente; e aí cabem duas possibilidades. Por um lado, se o agente acata a tese de ser
impedido ou suspeito, novamente, mediante a prova irrefutável do impedimento ou a alegação
pertinente da suspeição, apenas cabe ao presidente da comissão (ou à autoridade
instauradora), designar outro agente ou dispensar a feitura do ato, em analogia com os arts. 98
e 99 do CPP. Mas, por outro lado, se o agente interveniente não acata a tese de ser impedido
ou suspeito, deve o incidente ser protocolizado em autos apartados, a ser instruído com a peça
inicial da parte e com a manifestação do agente, e em seguida remetido ao presidente da
cmoissão (ou à autoridade instauradora), para sua decisão de designar outro agente ou
dispensar a feitura do ato, em analogia com o art. 100 do CPP.
CPP - Art. 97. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito,
declarando o motivo legal, e remeterá imediatamente o processo ao seu substituto,
intimadas as partes.
Art. 98. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá fazê-lo em petição
assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas
razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas.
576
Art. 99. Se reconhecer a suspeição, o juiz sustará a marcha do processo, mandará juntar
aos autos a petição do recusante com os documentos que a instruam, e por despacho se
declarará suspeito, ordenando a remessa dos autos ao substituto.
Art. 100. Não aceitando a suspeição, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará
sua resposta dentro em três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida,
determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em vinte e quatro horas, ao juiz
ou tribunal a quem competir o julgamento.
Art. 101. Julgada procedente a suspeição, ficarão nulos os atos do processo principal,
pagando o juiz as custas, no caso de erro inescusável; rejeitada, evidenciando-se a malícia
do excipiente, a este será imposta a multa de duzentos mil-réis a dois contos de réis.
Art. 105. As partes poderão também argüir de suspeitos os peritos, os intérpretes e os
serventuários ou funcionários de justiça, decidindo o juiz de plano e sem recurso, à vista
da matéria alegada e prova imediata.
Art. 111. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra,
o andamento da ação penal.
Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça
e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver
incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a
abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-
se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.
Mas, em sentido mais amplo, aqui também pode-se cogitar das necessidades de a
comissão entregar ao acusado intimações para atos de realização a encargo deste ou para
convocar-lhe para participar de algum procedimento ou ainda de entregar-lhe notificações
com respostas a petições por ele apresentadas ou com decisões interlocutórias ou despachos
das mais variadas naturezas lavrados pela comissão e cujo conhecimento seja do interesse do
acusado. Por este motivo, a despeito de este tópico se voltar precipuamente para a forma
como se realizam as notificações de atos de instrução probatória, em geral, o conteúdo aqui
exposto também se estende e se aplica aos outros tipos de atos de comunicação a serem
entregues ao acusado no curso da segunda fase do processo administrativo disciplinar.
Estendendo ainda mais o alcance deste tópico, relembre-se também ser possível, no
curso da instrução probatória, a comissão ter de intimar terceiras pessoas estranhas à relação
processual (servidores ou particulares) a prestarem algum tipo de informação ou atuação a
favor do esclarecimento fático, além da possibilidade de travar comunicações com autoridades
internas ou externas, por meio de memorandos e ofícios. Assim, embora a redação do presente
tópico centre-se no acusado ou em seu procurador como destinatários dos atos de
comunicação, no que for cabível, também pode-se estender o presente conteúdo à
possibilidade de provocações remetidas para outros agentes estranhos ao polo passivo.
colaboração de terceiras pessoas, sejam agentes públicos ou particulares (como, por exemplo,
oitiva de testemunha ou acareação), não se faz necessário condicionar a entrega da notificação
à defesa a já se ter entegue antes a intimação ao agente interveniente, pois, conforme se verá
adiante,o prazo legal a requerer maior atenção e cuidado é aquele referente à notificação da
defesa
Todavia, neste ponto, em que a priori se aborda o prazo com que deve ser previamente
notificado o acusado da realização de ato de instrução, não se cogita da hipótese de prazo para
que ele próprio efetivamente realize algo; mas, sim, precipuamente, aqui se cogita de um
prazo que a Lei define a favor do acusado para que a comissão lhe dê ciência, por notificação,
de algo que, em regra, a Administração (seja diretamente por meio do próprio colegiado, seja
por meio de algum interveniente chamado aos autos por deliberação do trio em atendimento
ao interesse público e à oficialidade), produzirá futuramente. Neste caso, em que a tutela é de
se garantir certa anterioridade no comunicado como forma de propiciar oportunidade de o
acusado comparecer e contraditar, ainda que se possa, no rigor da literalidade da Lei, defender
a feitura do ato já no terceiro dia útil, é recomendável que a comissão adote postura mais
cautelosa e conservadora, efetivando o ato somente a partir do quarto dia útil, suprindo os três
dias úteis de intervalo. E no caso específico de se tratar de prazo concedido, em geral por
intimação, para o acusado efetivamente fazer algo ou produzir algum ato, diferentemente, se
afirma que o terceiro dia útil é o termo final para que a comissão esteja obrigada a esperar
pelo atendimento por parte do acusado.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo
administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a
efetivação de diligências.
§ 2º A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de
comparecimento.
§ 5º As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o
comparecimento do administrado supre sua falha ou irregularidade.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se
da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair
em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados em dias
corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, ficando
prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja
expediente.
Como referência para situações diversas que ocorrem no processo sem que haja
previsão legal de prazo, pode-se adotar dispositivo constante da Lei nº 9.784, de 29/01/99,
qual seja, o prazo de cinco dias corridos, para atos a serem realizados pelo órgão, pela
autoridade ou por administrados. Novamente, para a exata definição do dia a partir do qual se
pode realizar o ato, socorre-se na regra geral de contagem de prazos, estabelecida no art. 66 da
mesma Lei (que é idêntica à regra geral do art. 238 da Lei nº 8.112, de 11/12/90). Assim,
exclui-se o dia da entrega da notificação e considera-se o quinto dia corrido após a entrega
como o dia a partir do qual, a rigor, já é legal a realização do ato (a título de exemplo,
notificação entregue em uma quinta-feira permite, por esta regra, a realização do ato na terça-
feira).
579
Diferentemente da situação que se abordou acima (de prazo que a Lei define a favor
do acusado para que a comissão lhe dê ciência de algo que, em regra, a Administração
produzirá futuramente - seja diretamente por meio do próprio colegiado, seja por meio de
algum interveniente chamado aos autos por deliberação do trio em atendimento ao interesse
público e à oficialidade), agora se cogita precipuamente da hipótese de prazo para que o
próprio acusado, em geral por intimação, efetivamente realize algo. Agora nesta segunda
situação, em que a tutela é de se garantir à Administração o poder de prosseguir com os autos
diante da inércia ou do desinteresse do acusado em efetivamente fazer algo ou produzir algum
ato, com maior grau de certeza se afirma que o quinto dia corrido é o termo final para que a
comissão esteja obrigada a esperar pelo atendimento por parte do acusado. Todavia, como o
dispositivo menciona ainda atos a cargo da Administração, no caso específico de se tratar de
prazo com que o acusado deve ser previamente comunicado, por notificação, da realização de
ato de instrução, em que a tutela é de se garantir certa anterioridade na ciência como forma de
propiciar oportunidade de o acusado comparecer e contraditar, ainda que se possa, no rigor da
literalidade da Lei, defender a feitura do ato já no quinto dia corrido, é recomendável que a
comissão adote postura mais cautelosa e conservadora, efetivando o ato somente a partir do
sexto dia corrido, suprindo os cinco dias corridos de intervalo.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou
autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser
praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante
comprovada justificação.
Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se
da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.
§ 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair
em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal.
Pelo exposto, quando a comissão se deparar com situação em que deve conceder prazo
para ato a ser realizado pelo servidor, no silêncio da Lei nº 8.112, de 11/12/90, pode adotar
como referência inicial os prazos previstos na Lei nº 9.784, de 29/01/99, de três dias úteis ou
de cinco dias corridos, com a recomendação de se optar pelo que for mais benéfico à parte.
No entanto, caso o ato e suas conclusões não sejam utilizados no sentido de formar
convicção e, também, não haja menção ao mesmo na indiciação, não há nulidade no processo,
uma vez que não houve prejuízo à defesa, conforme 4.12.1. Também, supre-se a formalidade
se, apesar de não ter sido notificado da realização do ato ou tê-lo sido de forma irregular,
independentemente se o prazo legal seria de três dias úteis ou de cinco dias corridos, nos
termos acima expostos, o acusado comparece e dele participa regularmente, não se cogitando
de prejuízo à defesa e, por conseguinte, de nulidade.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo
administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a
efetivação de diligências.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
No caso de ser entregue pessoalmente, a notificação (ou a intimação) deve ser extraída
em duas vias, ficando uma via com o destinatário e coletando-se recibo datado na outra via,
que fará parte do processo.
Avançando nas hipóteses, também no caso de o servidor ativo ser lotado ou ter
exercício em unidade situada em localidade distinta daquela em que se sedia a comissão,
mantém-se a recomendação de primeiramente se tentar fazer um contato prévio com o
servidor, seja por telefone, seja até meio de videoconferência (quando se percebe uma maior
necessidade de cautela neste contato) e combinar a remessa da notificação (ou da intimação)
por meio do correio eletrônico institucional (nos termos da Portaria SRF nº 1.397, de
582
Parágrafo único. As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme regulado
em lei própria. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 19/12/06)
Art. 239. Far-se-á a intimação por meio de oficial de justiça quando frustrada a realização
pelo correio. (Redação dada pela Lei nº 8.710, de 24/09/93)
CPP - Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante,
será citado mediante precatória.
Prosseguindo ainda mais nas hipóteses, no caso de servidor ativo que se encontra em
gozo de licença ou de inativo ou qualquer espécie de ex-servidor (tal como já punido com
pena de demissão em outro PAD), qualquer daqueles portadores aceitáveis deve tentar o
contato no último domicílio atualizado dentre todos os constantes das diversas bases de dados
ao dispor da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Neste rol, pode-se citar as bases de dados
disponível no macroprocesso de trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente no
Sistema de Apoio às Atividades Administrativas - SA3) ou nos macroprocessos de trabalho de
arrecadação e de fiscalização (tais como no Sistema de Cadastro Pessoas Físicas - CPF e nas
declarações de ajuste anual de Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - DIRPF).
“O fato de o servidor acusado estar em gozo de licença médica quando da instalação dos
trabalhos não impede a sua notificação prévia, e muito menos significa que irá causar
alguma nulidade no processo disciplinar.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da
Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 314, Editora
Fórum, 1ª edição, 2007
4.3.5.1 e 4.8.2.1). Deve o integrante da comissão relatar a recusa em termo, com duas
testemunhas, e deve a comissão deliberar em ata que o destinatário encontra-se notificado (ou
intimado) desde a data de lavratura do termo.
Por fim, no caso de se ter empregado a via do edital para notificar o servidor para
acompanhar o processo como acusado e permanecendo ele ausente do processo, não se
dispensam as notificações (ou intimações) dos atos de instrução probatória, as intimações e os
demais atos de comunicação ao próprio acusado. Considerando a provável hipótese de o
acusado não ter atendido aos dois editais empregados para notificá-lo como acusado, ter se
mantido ausente e sem nenhum contato com a comissão e tampouco ter constituído
procurador, muito provavelmente também não se logrará sucesso nas tentativas de entrega
pessoal de atos de comunicação ao longo da instrução, obrigando o colegiado a lançar mão de
quantos editais se fizerem necessários.
Orientação Coger nº 37
Na ausência de previsão legal para emprego de defensor dativo no curso da instrução
processual, somente cabe tal designação em face da declaração da condição de indiciado
revel.
Não cabe alegar lacuna na Lei nº 8.112, de 11/12/90, e na Lei nº 9.784, de 29/01/99,
para justificar indevida integração com os ditames do CPP, pois o Estatuto indubitavelmente
expressou quando cabe o instituto a revelia na processualística disciplinar e este cabimento é
bastante restrito, conforme já detalhadamente explanado em 4.3.6.3. Uma vez que na instância
disciplinar a acusação somente se formaliza na indiciação, não cabe antes deste momento falar
em revelia, não sendo, portanto, aplicável os comandos diferentes dos arts. 261 a 264 do CPP,
que já exigem defesa técnica desde o início da ação penal.
Neste caso, visando à economia processual, deve a comissão buscar deliberar, de uma
só vez, o máximo possível de atos de instrução a fim de condensar as notificações (ou
intimações) no menor número de tentativas de entrega e de editais.
CC - Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência
com ânimo definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva,
considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à
profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles
constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
CPC - Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu
domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a
qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato,
voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
Estas diligências podem ser realizadas por apenas um membro da comissão ou por um
integrante do grupo de atividades administrativas do Escor ou até mesmo por qualquer
servidor do Escor, caso a unidade correcional não possua aquele grupo.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido,
será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande
circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.
CPP - Art. 361. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15
(quinze) dias.
edição, 1999
“Ao se referir à ‘última publicação’, o texto parece indicar que haverá mais de uma
publicação em cada órgão. Mas a intenção do legislador, parece-nos, foi mesmo referir-se
às duas publicações (Diário Oficial e jornal da localidade), considerando que o edital será
veiculado em dias diferentes. Assim, o prazo é contado a partir do dia em que ocorreu a
última publicação de um ou de outro desses veículos.” Léo da Silva Alves, “Prática de
Processo Disciplinar”, pg. 171, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
Se o servidor tido como estando em local incerto e não sabido tem domicílio em
município diferente daquele em que exerce seu cargo, o edital em jornal de grande circulação
deve ser publicado em jornal do local de exercício do cargo (trata-se do instituto do domicílio
necessário do servidor, conforme o art. 76 do CC).
CC - Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo
e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do
servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde
servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do
preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Havendo mais de um servidor nesta situação, a notificação (ou intimação) por ediatl
será coletiva.
O servidor será considerado notificado (ou intimado) do ato de instrução em três dias
úteis após a publicação do último destes editais, podendo o ato de instrução probatória ser
realizado regularmente pela comissão, ainda que ausente o servidor.
Orientação Coger nº 38
No caso de acusado que se evade dos atos de comunicação e de instrução processual, a
comissão processante deve, primeiramente, exaurir as tentativas de localizá-lo (por
diligências a seu local de trabalho e a seu domicílio e por notificação por hora certa) para
somente então valer-se do instrumento do edital com o fim de notificá-lo da realização de
um ou mais atos instrucionais.
Por fim, depreende-se do art. 76 do CC, acima reproduzido, que, tendo o réu preso
paradeiro certo, a ele não se aplica a notificação (ou intimação) por edital. No mesmo sentido
é a clara determinação do CPP. Em que pese a especificidade da situação, para fins
administrativos, deve a comissão, ao máximo possível, tentar empregar o procedimento
comum de notificação (ou de intimação), seja por meio de diligência no presídio ou unidade
carcerária, seja requerendo ao juízo da vara de execuções penais a apresentação do preso ao
órgão administrativo. Extensivamente, também se assevera que não é caso de empregar edital
para servidor que se encontra internado em estabelecimento hospitalar em razão de tratamento
de sua saúde.
CPP - Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado. (Redação dada pela Lei
nº 10.792, de 01/12/03)
“O servidor preso será citado pelo membro da comissão, em diligência ao presídio. Ou,
então, será requerida ao Juiz titular da Vara de Execuções Penais a apresentação do preso
no órgão público, quando será procedido o ato citatório.” Léo da Silva Alves, “Prática de
Processo Disciplinar”, pg. 174, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
587
Aqui, a comissão sabe onde o acusado pode ser encontrado, mas, diante de sua
estratégia de se ocultar, não logra ficar diante dele para tentar lhe entregar a notificação do ato
de instrução processual. A hipótese ora tratada alberga, por exemplo, a situação, enfrentada
com certa frequência, em que o portador da notificação dirige-se à residência do servidor
(que, por qualquer motivo, não está comparecendo ao seu local de serviço; ou também no
caso de já ser ex-servidor), e é atendido por parentes ou vizinhos que até confirmam que ele
ali reside mas informam que não se encontra no momento e que não sabem dizer quando
estará presente.
Neste caso, primeiramente, deve a comissão conseguir demonstrar nos autos que são
conhecidos os locais de trabalho e de residência onde pode ser encontrado o servidor ou o
local de residência onde pode ser encontrado ex-servidor. Por local de residência entendam-se
o(s) mesmo(s) endereço(s) residencial(is) declarados nas diversas bases de dados ao dispor da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, acima já descritos.
Além disto, deve também registrar nos autos algumas tentativas de encontrá-lo neste(s)
local(is), em diferentes dias e horários, redigindo atas de deliberação e termos de ocorrência -
com identificação daqueles que as realizaram, data e hora e coletando, se possível, testemunho
assinado de colegas de trabalho e de superiores hierárquicos ou de familiares, empregados,
vizinhos, amigos, porteiros ou quaisquer outros prepostos -, com que se comprovem as
sucessivas idas infrutíferas àquele(s) endereço(s), a saber, à unidade de lotação ou de
exercício e ao endereço residencial do servidor ou ao endereço residencial do ex-servidor.
Como referência, pode-se mencionar a quantidade de três tentativas, conforme estabelecido no
art. 227 do CPC - ressalvando-se que pode ocorrer de, na terceira ou na quarta ou até em mais
idas sucessivas, de fato, a comissão se deparar com ausências justificáveis do acusado, não
podendo se tomar a referência de três tentativas como limite fatal. A questão crucial no
presente tema não reside no simples esgotamento de três idas ao local em que presumia poder
encontrar o acusado, mas sim na existência de indícios de que este intencionalmente se oculta.
Por óbvio, caso o servidor tenha procurador constituído nos autos, o problema pode ser
resolvido com a simples ida ao procurador.
CPP - Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça
certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos
arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
(Redação dada pela Lei nº 11.719, de 20/06/08)
588
Segundo os mencionados arts. da lei de processo civil, quando há suspeita de que o réu
se oculta, deve ser intimada qualquer pessoa da família ou mesmo um vizinho de que o oficial
retornará no dia imediato, na hora que designar, para proceder ao ato de comunicação (a
chamada “citação com hora certa”), aqui aplicados extensivamente como última tentativa de a
comissão encontrar pessoalmente o servidor. Assim, na hipótese em que há indícios de que o
acusado, embora de paradeiro certo e conhecido, não é encontrado no local onde seria
esperado, em decorrência de intencionalmente se ocultar da comissão, será considerado
notificado como acusado na data previamente aprazada, mesmo que nesta oportunidade
novamente não seja encontrado.
Todos estes registros servem de prova das sucessivas idas infrutíferas da comissão
àqueles endereços - sobretudo ao residencial - e das recomendações deixadas com quem
atendeu o portador para que informasse o acusado quando se retornaria para tentar novamente
encontrá-lo. A cada diligência no endereço residencial, deve-se buscar extrair o máximo de
informações de parte de quem atende (seja para lograr um meio seguro de enfim encontrar o
acusado, seja para deixar inequívoco nos autos a sua estratégia de se esquivar da comissão),
tais como confirmação de que o servidor (ou ex-servidor) realmente reside naquele endereço,
as razões da sua ausência, a previsão de horário de retorno, o horário em que é mais provável
encontrá-lo em casa ou ainda alguma outra forma de contato.
CPC - Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu
domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a
qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato,
589
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: O Direito Disciplinar rege-se por
normas específicas e independentes do Direito Penal, inexistindo viabilidade jurídica de
serem aproveitadas normas criminais, por via analógica, a fim de nulificar processo
disciplinar por haver-se efetuado a citação por hora certa com vistas à apresentação de
defesa.
6. A maneira como se efetua o chamamento para o indiciado apresentar sua defesa
encontra-se prescrita na Lei nº 8.112, art. 161, § 1º: “será citado por mandado expedido
pelo presidente da comissão”. O sentido literal desse comando, por si só, é suficiente para
demonstrar a validade do procedimento consistente em o indiciado receber o mandado
expedido pelo presidente do colegiado. É norma desprovida da rigidez que representaria a
exigência de que se efetuasse a citação, exclusivamente, por edital, em se esquivando o
indiciado de recebê-la.
7. A execução do ato processual de citação por hora certa atende à literalidade e à
finalidade do art. 161, tanto que nessa maneira de atuar não se vislumbra qualquer dano
para o exercício do direito de ampla defesa.”
“A citação por hora certa aplica-se àqueles casos em que há suspeita de que o servidor
indiciado está se ocultando para não receber a citação ou a notificação.
Subsidiariamente, aplica-se o Código de Processo Civil (art. 227 e 228) quando, por três
vezes o membro-secretário procurar o servidor indiciado para entregar a citação e não o
encontrando em casa ou no trabalho, poderá intimar o chefe imediato de que no dia
posterior voltará, durante o expediente normal da repartição, a fim de efetuar a citação, na
hora designada.
No dia e hora designados, o membro-secretário comparecerá no setor onde trabalha o
servidor indiciado, a fim de realizar a diligência.
Se o servidor indiciado não estiver presente, o membro-secretário procurará se informar
das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o indiciado tenha se
ausentado do setor, com o intuito de se esquivar do ato.
O membro-secretário lavrará certidão da ocorrência e deixará contrafé (cópia) com o
chefe imediato do servidor indiciado, mencionando-o na respectiva certidão.
Após, o colegiado registrará tudo em ata e o presidente determinará que seja enviada ao
servidor indiciado, para sua residência, por carta registrada com AR de ‘mão própria’,
cópia da certidão e do mandado, dando-lhe ciência.” Adriane de Almeida Lins e Debora
Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 363,
Editora Fórum, 1ª edição, 2007
CPC - Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo
diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:
I - já provados por documento ou confissão da parte;
II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.
“Tanto o denunciante como o autor da representação devem ser chamados a depor, como
um dos primeiros passos do processo. É o início da coleta de provas por depoimentos,
somente precedida da prova documental que será autuada quando da instalação da
Comissão.
Deste modo, além de se confirmar a autenticidade, pela comunicação oral reiteradora do
texto escrito, terá a Comissão a oportunidade de apreciar maiores detalhes sobre o evento
objeto da apuração.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg.
84, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
“Cabe registrar que a Lei nº 8.112/90 não estabelece nenhuma distinção entre denunciante
e as demais testemunhas, sendo esta uma divisão que se observa apenas na prática.
Assim, a primeira figura, do denunciante, nada mais é que uma testemunha que tem
precedência sobre as demais, ou porque formalizou a denúncia, até mesmo por ter
presenciado a ocorrência da irregularidade, ou por conhecimento mais profundo das
irregularidades praticadas no âmbito do serviço público e assinou algum documento que
posteriormente veio a originar o processo disciplinar.
Portanto, o denunciante será ouvido como testemunha, salvo naqueles casos de notória
inimizade com o servidor denunciado, situação em que será ouvida como informante.”
Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo
Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 327, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
De forma geral, a primeira atitude a ser formalizada com vista a se coletar depoimento
é deliberar em ata o chamamento da testemunha aos autos, expondo a motivação de fazê-lo
(se decorre de iniciativa da comissão ou de pedido do acusado). Havendo mais de uma
testemunha, convém, sempre que possível, que a comissão realize as oitivas uma após a outra,
em um mesmo dia, de forma a diminuir a possibilidade de prévio conhecimento das perguntas
ou a contaminação dos depoimentos, buscando preservar ao máximo a prova oral.
591
CPP - Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas
não saibam nem ouçam os depoimentos das outras (...).
“Mesmo que sejam os depoimentos tomados no mesmo dia, as testemunhas não poderão se
comunicar, a fim de que os depoentes não sofram recíprocas influências. Inquiridas
separadamente, as testemunhas poderão confirmar, aduzir informações, ou infirmar o dito
por outras testemunhas.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”,
pg. 145, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
4.4.4.1.1 - Quem Deve, Quem Pode Mas Não É Obrigado e Quem Não Pode Depor
CPP - Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo
quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas
circunstâncias.
Como exceções, são proibidos de depor aqueles que, em razão da atividade exercida,
devam guardar segredo (advogado, médico, padre, gerente de banco, etc), salvo se quiserem e
se forem desobrigados pelo acusado.
CPP - Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada,
quiserem dar o seu testemunho.
CPC - Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes,
impedidas ou suspeitas. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
§ 1º São incapazes: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
I - o interdito por demência;
II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram
os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a
transmitir as percepções;
III - o menor de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.
§ 2º São impedidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até
o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir
o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder
obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o
representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham
assistido as partes.
§ 3º São suspeitos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença;
II - o que, por seus costumes, não for digno de fé;
III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo;
IV - o que tiver interesse no litígio.
§ 4º Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas
os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz
lhes atribuirá o valor que possam merecer. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
Art. 406. A testemunha não é obrigada a depor de fatos:
I - que lhe acarretem grave dano, bem como a seu cônjuge e aos seus parentes
consanguíneos ou afins, em linha reta ou na colateral em segundo grau;
Também não pode um servidor, que figura como acusado no processo administrativo
disciplinar, participar do mesmo apuratório como testemunha, ainda que a pedido de outro
acusado. Uma vez que, excluindo a acareação, o acusado, em termos de prova oral, atua
apenas como interrogado e o art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, impõe que os
interrogatórios sejam realizados em separado, seria inaceitável o interrogatório de um acusado
ser presenciado por outro acusado. Além disto, o mesmo servidor participaria do processo
com conflitantes graus de comprometimento de verdade.
Por outro lado, não se vislumbra nenhum vício ou afronta à defesa em se coletar
testemunho de servidor que esteja respondendo outro processo administrativo disciplinar,
sobre fato diverso (se os fatos são conexos, perdura o impedimento por ter interesse no caso).
No caso de entrega pessoal, emitem-se duas vias do ato, a fim de uma ficar com o
destinatário e outra ser autuada com sua assinatura e datada. No caso de envio postal, também
emitem-se duas vias, remetendo-se uma para o destinatário, com o serviço do aviso de
recebimento (AR) que, após devolvido, deve ser autuado junto à outra via. No caso de envio
por correio eletrônico institucional, sendo o destinatário servidor, envia-se a mensagem com
os recursos de confirmação de entrega e de aviso de recebimento e solicita-se, no corpo da
mensagem, que o destinatário responda confirmando o recebimento; não sendo servidor o
destinatário, solicita-se, no corpo a mensagem que imprima, assine, digitalize e reenvie o ato
de comunicação de volta para a comissão, com o compromisso de trazer a via original à sala
da comissão..
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante
mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do
interessado, ser anexada aos autos.
Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será
imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e
hora marcados para inquirição.
“Não diz a Lei que o servidor deva ser federal, nem submetido ao Regime Jurídico Único.
Assim, a expressão deve ser entendida no seu sentido mais amplo: servidor, ou empregado
(celetista), da administração direta ou indireta, civil ou militar, dos três Poderes das três
Órbitas de Poder, ao ser intimado a depor como testemunha, deverá ter seu chefe avisado
de tal evento.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pgs. 142 e
143, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Na hipótese de ser necessário ouvir uma alta autoridade republicana como testemunha,
deve-se abrir oportunidade, via Advocacia-Geral da União, para que ela escolha local, data e
horário que lhe convier, mediante expediente, extraído em duas vias. Extensivamente, mesmo
que se trate de autoridade do próprio órgão, sugere-se, em deferência à hierarquia, que se lhe
conceda a prerrogativa de declinar data e horário convenientes, a fim de evitar maiores
transtornos ao funcionamento do órgão. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal já se
manifestou que deixa de valer a prerrogativa de marcar data e local para ser ouvida como
testemunha em processos penais se a autoridade não prestar seu depoimento, sem justa causa,
dentro do prazo de trinta dias.
STF, Questão de Ordem em Ação Penal nº 421: “Decisão: O Tribunal, por unanimidade e
nos termos do voto do Relator, resolveu a questão de ordem no sentido de declarar a perda
da prerrogativa prevista no caput do art. 221 do Código de Processo Penal, em relação ao
parlamentar arrolado como testemunha que, sem justa causa, não atendeu ao chamado da
justiça, por mais de trinta dias.”
No caso de se deliberar ouvir não servidores (no que se inclui o aposentado), sobre
quem a comissão não tem poder coercitivo, primeiramente se menciona a linha de
entendimento que defende que inexiste no Direito Administrativo Disciplinar disposição legal
595
que obrigue pessoa estranha ao serviço público servir como testemunha e, por conseguinte,
que preveja sua condução forçada, que apontaria o emprego da solicitação de
comparecimento. Não obstante, é mais recomendável o uso de intimação, uma vez que a Lei
n° 8.112, de 11/12/90, no caput do art. 157, impõe a regra geral de que as testemunhas
deverão ser intimadas e prevê a especificidade de serem servidores apenas no parágrafo único
do mesmo artigo, determinando que, neste caso específico, também deve haver memorando
para a chefia. Ou seja, a leitura sistemática do dispositivo é de que as testemunhas são
intimadas, sejam servidores ou não. Ademais, à vista das peculiaridades do caso específico,
que podem indicar maior relevância e imprescindibilidade àquela prova oral, também é
cabível reforçar o entendimento já exposto em 4.3.11.3 de que os particulares, terceiros ou
administrados em geral têm dever de colaborar com o esclarecimento de fatos junto à
Administração Pública e daí dirigir-lhes intimação, com base na previsão dos arts. 4º, IV e 39
e, se for o caso, também do art. 28, todos da Lei nº 9.784, de 29/01/99. Decerto, o que não se
recomenda é o uso do termo “convite”, por expressar forte grau de discricionariedade e
voluntariedade na decisão do não servidor em atender ou não ao chamado.
TRT da 14ª Região, ‘Habeas Corpus’ nº 1651, Relatório e Voto: “(...) impetrantes (...)
questionam a autoridade dos membros da Comissão de Processo Disciplinar, nos autos do
PAD nº (...), que os intimou por mandado, para comparecerem a solenidade a ser realizada
no dia 18 de outubro de 2005, sob pena de representação ao Ministério Público por crime
de desobediência previsto no artigo 330, do Código Penal Brasileiro.
Consideram que não estão sujeitos às disposições do artigo 157 da Lei nº 8.112/90, na
medida que não são servidores ou funcionários públicos e não estão obrigados a
comparecer perante a autoridade coatora.
A análise da matéria em foco assegura a legalidade dos atos tidos como possivelmente
constrangedores. Considero dentro de uma análise sistemática que a Comissão de
Sindicância tem o poder de intimar as pessoas para depor ou prestarem esclarecimentos,
mas não possui respaldo legal para determinar a condução coercitiva, o que aliás sequer
foi cogitado, conforme contato pelos documentos oferecidos.
Levando em conta que a Comissão de Sindicância, pelos fatos narrados, não cometeu
nenhuma arbitrariedade, sendo perfeitamente lícito representar perante o Ministério
Público para adoção das medidas que entender cabíveis, denego a segurança.”
“No caso das testemunhas não serem funcionários públicos, (...) na prática, existe uma
significativa diferença entre intimar e convidar alguém a prestar depoimento. No caso do
convite, pela fragilidade do nome, que pressupõe não existir obrigatoriedade de
comparecimento. Além do mais, ressalte-se que não há previsão legal para expedir convite
596
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência
ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local
de realização.
para que formule os seus e, mediante ofício, encaminhá-los à autoridade instauradora, com
solicitação de que esta encaminhe à Coordenação-Geral de Relações Internacionais (Corin), a
fim de que esta unidade central realize o ato, mediante a Embaixada brasileira no país. Se o
país no exterior contar com Adidância Tributária e Aduaneira da Secretaria da Receita Federal
junto à Embaixada do Brasil (caso dos Estados Unidos da América, Argentina e Paraguai),
pode a autoridade instauradora remeter os quesitos, via ofício, à Adidância, para que esta,
junto à Embaixada, diligencie para a realização do ato.
CPP - Art. 233. Quando a testemunha não conhece a língua nacional, será nomeado
intérprete para traduzir as perguntas e respostas.
CP - Desobediência
Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
CPP - Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453,
sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento
das custas da diligência.
“Para o funcionário público, o servir como testemunha em processo disciplinar, que corre
na esfera de governo a que pertence, constitui dever funcional, cujo descumprimento,
embora não dê ensejo a sua condução forçada, por falta de amparo legal, o sujeita à
punição de natureza disciplinar.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo
Administrativo Disciplinar”, pgs. 185 e 186, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
TRT da 14ª Região, ‘Habeas Corpus’ nº 1651, Voto: “A análise da matéria em foco,
assegura a legalidade dos atos tidos como possivelmente constrangedores.
Considero dentro de uma análise sistemática que a Comissão de Sindicância tem o poder
de intimar as pessoas para depor ou prestarem esclarecimentos, mas não possui respaldo
legal para determinar a condução coercitiva, o que aliás sequer foi cogitado, conforme
contato pelos documentos oferecidos.”
TRF da 5ª Região, Apelação Criminal nº 4543: “Ementa: II. A notificação expedida por
Conselho Regional de Medicina para o comparecimento em audiência, na qualidade de
testemunha em processo disciplinar, está incluída no conceito de ‘ordem legal de
funcionário público’ previsto no art. 330 do CP.
IV. Não se aplica o princípio da bagatela ou insignificância penal ao crime de
desobediência em análise, visto que o réu demonstrou ânimo de iludir entidade paraestatal
no curso de processo disciplinar. Compatibilidade entre a gravidade da conduta e a pena
aplicada.”
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a
termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito.
§ 1º As testemunhas serão inquiridas separadamente.
“Se a testemunha se fizer acompanhar por seu advogado, o presidente da comissão pode
exigir apresentação de instrumento hábil de mandato. Na hora do depoimento, adverte-se
que o advogado da testemunha não pode interferir nas perguntas e nem reinquiri-la. Sua
presença serve apenas para garantir a tranquilidade da testemunha, sendo inócua para a
comissão.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo
Administrativo Disciplinar - Manual”, pgs. 328 e 329, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Convém dispor as mesas de forma que a testemunha fique de frente para o presidente
da comissão e que o secretário fique ao lado do presidente, para que este possa acompanhar o
que está sendo digitado. Quanto à posição da defesa, há duas possibilidades. Primeiramente,
pode-se recomendar a configuração com o acusado e seu procurador em mesa posicionada
atrás da testemunha, como forma de evitar a intimidação visual. A segunda possibilidade seria
com o advogado e o acusado em mesa lateralmente à testemunha, de forma a propiciar à
defesa acompanhar as reações faciais e gestuais do depoente (em tal configuração, deve-se
optar por posicionar mais próximo à testemunha o procurador, por dele se presumir uma
postura mais técnica e isenta que a do acusado), mas com o inconveniente de deixar o ato
mais vulnerável à possibilidade de intimidação. Esta escolha é discricionária por parte da
comissão, não havendo expresso disciplinamento normativo, e, para tal, deve o colegiado se
permitir considerar as inferências que possa fazer do comportamento e do grau de
contribuição dado aos trabalhos pela defesa no caso concreto.
600
Acusado Advogado
Testemunha
“Se a testemunha alegar que está com medo do acusado, a Comissão deverá convencê-la
da importância do ato e tentar pegar o depoimento. A atividade disciplinar também envolve
psicologia. Uma sugestão é sempre colocar a testemunha de frente para os membros da
Comissão e o acusado e seu advogado sentados atrás, de modo que a testemunha não veja
o rosto do acusado. Se mesmo assim ela se recusar a depor, isto não é fundamento para
retirar o acusado da sala. O acusado somente poderá ser retirado da sala, com motivação
registrada na ata, se, durante a oitiva, ele tumultuar o ambiente de trabalho; caso
contrário ele fica.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg.
108, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
601
Advogado Acusado
Testemunha
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a
termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito.
De outro lado, mencione-se que, em consonância com o comando encartado no art. 5º,
LXXVIII da CF - que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação -, outros sistemas
processuais já reconhecem a gravação como um meio possível de propiciar celeridade
processual. Assim, o CPC, em seu art. 417, faculta às partes gravarem os depoimentos de
testemunhas. Também o CPP, tanto ao disciplinar o procedimento comum, em seu art. 405,
quanto ao dispor do processo da competência do júri, prevê a possibilidade de registro das
provas orais por meio audiovisual. Por fim, na mesma linha, a Lei nº 9.099, de 26/09/95, que
dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em seu art. 13, também menciona a
possibilidade de gravação de atos instrucionais.
“Não prevê a lei, também, que os depoimentos sejam gravados, prática essa não
recomendada pela doutrina, uma vez que as fitas devem ser, posteriormente, fielmente
transcritas e ainda juntadas aos autos, o que inviabiliza sua tramitação.” Simone
Baccarini Nogueira, “Manual de Sindicância Investigatória, Sindicância Punitiva e
Processo Administrativo Disciplinar do Servidor Público Federal”, pg. 44, Universidade
Federal de Minas Gerais, 1ª edição, 2004
Daí, atentando para o atual contexto jurídico (tanto normativo quanto jurisprudencial)
e para o estágio ora reinante das praxes judiciárias, é de não se permitir a gravação de provas
orais em processo administrativo disciplinar, com os seguintes desdobramentos hipotéticos.
Caso a defesa apenas informe à comissão, seja com margem razoável de antecedência,
seja momentos antes da realização do ato, que o próprio acusado ou seu procurador, sponte
sua, por seus exclusivos meios e recursos, efetuará a gravação de qualquer prova oral,
independentemente de haver ou não aparato tecnológico institucional à disposição ou possível
de ser disponibilizado, deve o colegiado apenas registrar o fato no termo por escrito, sem,
todavia, manifestar expressa oposição, a fim de não interferir na iniciativa própria da defesa e
não inibir o direito à produção de prova. Cabe também a mesma conclusão acerca da forma de
agir da comissão em caso de gravação dissimulada e clandestina, que o colegiado,
inesperadamente, vem a perceber no curso do ato ou até mesmo de que somente vem a ter
conhecimento depois de sua conclusão.
comissão obstruir que a defesa realize a gravação, se, mesmo à vista da ressalva supra, ela
persistir na intenção de gravar, e muito menos de tomar-lhe o equipamento.
Não obstante o termo escrito aprioristicamente figurar como elemento de prova formal
e materialmente bastante para que sejam cumpridas todas as exigências legais e para que se
atenda à dinâmica dos princípios reitores por meio dos quais se equilibram a satisfação das
garantias de defesa e o reflexo da busca ex offício da verdade material, a ponto de ser a forma
escolhida pela comissão para registrar aqueles atos, caso a defesa, também em qualquer
momento processual, conteste o teor da redução a termo em comparação com o conteúdo da
gravação ou da transcrição por ela mesma realizadas, cabe a comissão, livremente, apreciar o
valor das provas produzidas unilateralmente.
Orientação Coger nº 1
Não havendo previsão legal para gravação de provas orais em instância disciplinar, cabe
à comissão reduzir a termo por escrito como forma de registrá-las; e as gravações e as
transcrições unilateralmente realizadas pelo acusado ou por seu procurador poderão ser
juntadas aos autos e, caso mencionadas pela defesa, devem ser livremente apreciadas pelo
colegiado.
Por fim, obviamente, registra-se que o posicionamento ora expressado reflete o atual
contexto jurídico, não só normativo como também jurisprudencial no que diz respeito
especificamente à instância disciplinar, e o estágio atual de emprego de recursos tecnológicos
de gravação pelo próprio Poder Judiciário - a despeito da positivação já existente neste sentido
para os feitos judiciais. Na dinâmica própria das atividades humanas, em que se insere a
Ciência Jurídica, não se cogita de qualquer entendimento ser tido como imutável, de forma
que, caso futuramente as fontes informadoras (de robustez legal ou até mesmo meramente
jurisprudenciais) apontem em sentido diverso, pode-se evoluir para a adoção das gravações de
provas orais no âmbito de processo administrativo disciplinar.
A seguir, em função das possíveis ligações entre pessoas, antes de se tomar a prova
oral, com o fim de aquilatar o seu grau de isenção, faz-se à testemunha o questionamento de
suspeição e impedimento, empregando, subsidiariamente à Lei nº 8.112, de 11/12/90
(especificamente o seu art. 149, § 2º), as definições da Lei nº 9.784, de 29/01/99, e o rito do
CPP.
O simples fato de ter atuado como representante ou como denunciante, por si só, não
desqualifica esse depoente de prestar prova oral na condição de testemunha, pois o
cumprimento do dever legal de levar ao conhecimento da Administração o suposto
cometimento de irregularidade não se confunde com a hipótese tratada no inciso I da Lei nº
9.784, de 29/01/99, de ter interesse direto ou indireto na matéria tratada no PAD. Em outras
palavras, a priori, a menos de outras causas de perda de isenção e imparcialdiade, o
representante e o denunciante são intimados a deporem como testemunhas. Por outro lado, o
fato de a pessoa que se quer ouvir estar respondendo a inquérito policial ou ação penal ou
ação civil (de improbidade, por exemplo) pelo mesmo fato objeto do PAD o impede de ser
inquirido como testemunha, por ter interesse direto ou indireto na matéria podendo sê-lo na
condição de declarante.
Releva destacar que a Lei qualificou como íntima a amizade e notória a inimizade, de
forma que, em regra, simples relação de coleguismo, ou sua ausência, decorrente do contato
profissional cotidiano, não configura a vinculação qualificada prevista como suspeita.
CPP - Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade
do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e
sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau,
de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber,
explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-
se de sua credibilidade.
Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não
saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas
cominadas ao falso testemunho.
CPC - Art. 414. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarando o nome por
inteiro, a profissão, a residência e o estado civil, bem como se tem relações de parentesco
com a parte, ou interesse no objeto do processo.
CP - Falso testemunho
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito,
contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial
ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa
§ 2º O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito,
o agente se retrata ou declara a verdade.
atos ou fatos que, em tese, configurem crime de falsidade de títulos, papéis e documentos
públicos; de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; de contrabando ou
descaminho; bem como crime contra a Administração Pública Federal, em detrimento da
Fazenda Nacional, e contra Administração Pública Estrangeira, deverá formalizar
representação para fins penais perante o titular da Unidade Central - Superintendente,
Delegado ou Inspetor-Chefe da Receita Federal do Brasil - ao qual estiver vinculado.
Art. 7º A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes de falsidade de títulos,
papéis e documentos públicos, previstos nos arts. 293, 294 e 297 do Código Penal, aos
crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores, definidos no art. 1 º da Lei
9.613, de 3 de março de 1998, e aos crimes contra a Administração Pública Federal, em
detrimento da Fazenda Nacional, e contra Administração Pública Estrangeira deverá:
I - conter os elementos referidos no art. 3 º , no que couber;
II - ser protocolizada pelo servidor que a elaborar, no prazo de 10 (dez) dias contados da
data em que for identificado o fato caracterizador de crime; e
III - ser remetida ao órgão do MPF competente para promover a ação penal, no prazo de
10 (dez) dias contados da data de sua protocolização, pelo titular da Unidade Central -
Superintendente, Delegado ou Inspetor-Chefe da Receita Federal do Brasil - ao qual
estiver vinculado.
CPP - Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo
quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas
circunstâncias.
Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes
mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206.
De uma forma ou de outra, cabem aqui algumas hipóteses. Se o acusado não contesta o
compromisso e não alega contradita à testemunha, registra-se no termo e passa-se às
perguntas. Se o acusado não aceita o compromisso e alega contradita, arguindo circunstâncias
que tornariam a testemunha suspeita de parcialidade ou indigna de fé, mas não traz prova da
alegação e o depoente não ratifica a crítica, a comissão deve crer no depoente, manter a
validade do compromisso e a qualidade de testemunha, registrar estes fatos no termo e tomar
o testemunho, mesmo se a defesa protesta. Mas se a comissão se convence da alegação da
defesa e decide não mais considerar o depoente como testemunha e sim como declarante
(desobrigado do compromisso), faz registrar no termo que exclui o compromisso de verdade
que havia sido firmado acima e a nova qualidade do depoente. Importante destacar que, em
todos estes casos, inclusive quando a comissão decide pela exclusão do compromisso e pela
alteração de testemunha para declarante, o termo deve reproduzir o mais fielmente possível o
que ocorre na sala. Ou seja, não se apaga o que ocorreu no início, quando originalmente o
609
Conforme já aduzido em 4.4.2, no caso de contradita, deve a comissão tomar por regra
que se faz necessário solucionar esta questão incidental, no próprio termo da oitiva, antes da
realização do ato, ainda que isto demande alguma busca de prova. Uma vez que se impõe que
a comissão notifique a parte com o prazo mínimo de três dias úteis - o que leva a dizer que a
defesa fica sabendo antecipadamente da oitiva do agente a respeito do qual cogita de
impedimento ou suspeição -, é possível defender a tese de que a defesa tem de trazer eventual
prova de alegada exceção até a realização do ato e de que preclui seu direito se somente o faz
após a feitura do ato de prova. Não obstante esta primeira leitura, a busca da verdade material,
como um princípio fortemente impulsionador da processalística disciplinar (diferentemente do
pocesso judicial, ainda mais preso à verdade forma), impõe que se mitigue e que se flexibilize
esta intempestividade contrária à defesa, de forma que, mesmo se a parte traz a prova do
alegado impedimento ou suspeição do agente interveniente já após o ato de oitiva, é possível
que a comissão se convença da tese da defesa e refaça ou descarte o ato instrucional.
(...).
Como a testemunha compareceu e não teve a iniciativa de se opor ao próprio testemunho,
alegando, por exemplo, parentesco ou reserva profissional, a consequência maior, nesse
incidente, será a tomada ou não de compromisso. A testemunha compromissada tem, a
princípio, maior peso, uma vez que está ciente da possibilidade de responder
criminalmente por falso testemunho, o que não acontece com o depoente dispensado dessa
formalidade. O objetivo da defesa, então, é enfraquecer a credibilidade do depoimento.”
Léo da Silva Alves, “Prática de Processo Disciplinar”, pgs. 191 e 192, Editora Brasília
Jurídica, 1ª edição, 2001
4.4.4.4 - A Inquirição em Si
Conforme já aduzido em 4.4.4.2, o depoimento é uma prova oral. Não obstante, pode-
se fazer necessário que o presidente solicite à testemunha que manifeste se reconhece ou não
objetos, documentos ou pessoas relacionados com o fato a se apurar (se operacionalmente for
possível, este reconhecimento também pode ser feito em um outro ato específico, não
necessariamente no curso da oitiva, materializado nos autos por meio de termo próprio -
termo de reconhecimento).
“Posteriormente é aberta a palavra aos dois outros membros, mas nada impede que a
interação da Comissão permita que um dos membros faça uma pergunta que lhe veio à
mente antes de o Presidente lhe passar a palavra; todavia, isto tem de ser feito com muito
cuidado e com a aquiescência do Presidente, para não tumultuar o depoimento.”, Vinícius
de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pg. 106, Fortium Editora, 1ª
edição, 2008
CPP - Art. 215. Na redação do depoimento, o juiz deverá cingir-se, tanto quanto possível,
às expressões usadas pelas testemunhas, reproduzindo fielmente as suas frases.
Coleta-se um testemunho em função do que se espera que o depoente possa trazer para
o processo em termos de esclarecimentos acerca do fato investigado. Neste rumo, não
interessam as apreciações pessoais do depoente, devendo ser impedidas pelo presidente da
comissão. No outro extremo, dentro do que efetivamente importa na prova oral, como
elemento de aferição de sua credibilidade, nos termos do art. 203 do CPP, deve a testemunha
não só informar o que sabe, mas também explicar para a comissão “as razões de sua ciência
ou as circunstâncias” de como teve conhecimento daquilo que diz. A valoração da prova oral
passa pela capacidade de a testemunha não apenas dizer sobre tal fato, mas de também
esclarecer como que soube do fato e em que circunstâncias se deu tal conhecimento.
CPP - Art. 203. A testemunha fará (...) relatar o que souber, explicando sempre as razões
de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.
Art. 213. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo
quando inseparáveis da narrativa do fato.
“(...) a testemunha, para merecer confiança, precisa atender a três elementos: a) Informar
algo de sua ciência (...). b) Razão da ciência (...). c) Circunstâncias da ciência (...).” Léo
da Silva Alves, “Sindicância e Processo Disciplinar em 50 Súmulas”, pg. 51, Editora
Brasília Jurídica, 1ª edição, 2005
Incumbe ainda ao presidente, sem prejuízo do auxílio dos dois vogais, zelar pela
manutenção da ordem, de forma a não permitir que acusado e procurador interfiram nas
perguntas e respostas ou intimidem a testemunha.
“Vale lembrar que o patrono da defesa não pode intervir, de qualquer modo, nas perguntas
e nas respostas, conforme vedação do art. 187 do CPP. Mas cabe-lhe zelar pela fidelidade
dos registros, evitando anotações indevidas, incorretas, incompletas ou que não reflitam,
na essência, o que o interrogado efetivamente declarou.” Léo da Silva Alves, “A Prova no
Processo Disciplinar”, pg. 82, Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
Há ainda uma outra hipótese a se abordar, que é de, embora a defesa não atue de forma
constrangedora ou intimidadora, a testemunha, por si só se sentir ameaçada ou constrangida -
seja previamente ao ato, seja no curso da prova oral em si. Não sendo razoável impor à defesa
qualquer gravame por uma situação não por ela causada, uma solução que se pode adotar
neste caso é de, na primeira hipótese, já desde os preparativos do ato, a comissão cogitar da
possibilidade de realizar a prova oral por meio de videoconferência ou, na segunda hipótese,
interromper a feitura do ato totalmente presencial em curso e converter em ato com a defesa
em recinto distinto, conforme se exporá em 4.4.4.6, em aplicação extensiva do art. 217 do
CPP.
CPP - Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor,
ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade
do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa
forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu
defensor. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
STF, Habeas Corpus nº 86.572: “Ementa: Revela-se lícita a retirada dos acusados da sala
de audiências, se as testemunhas de acusação demonstram temor e receio em depor na
presença dos réus. Se o patrono do paciente não apresentou nenhuma irresignação quanto
aos termos da assentada, havendo assinado e concordado com seu conteúdo, resulta
preclusa a argüição de qualquer vício a macular o ato de ouvida das testemunhas de
acusação.”
fez constar em ata o acontecido, presente no depoimento o defensor, que inclusive formulou
reperguntas. III. Não há que se falar em nulidade se a hipótese de retirada do réu da sala
de audiências encontra-se prevista em lei (art. 217 do CPP).”
Por fim, dá-se a palavra ao acusado e a seu procurador, para que formulem suas
perguntas. Diferentemente dos vogais, a defesa deve dirigir suas perguntas ao presidente para
que este, se entender cabíveis, repasse-as ao depoente. Com base no art. 156, § 1º, da Lei nº
8.112, de 11/12/90, o presidente tem a prerrogativa de denegar perguntas irrelevantes,
repetitivas, impertinentes (mas, como já aduzido em 4.4.1.5, deve usar este poder com muita
cautela), não cabendo, todavia, negar a registrar no termo as perguntas indeferidas, se assim a
defesa provocar. Na verdade, independente deste comando expresso no art. 416, § 2º do CPC,
a priori, presumindo-se a serena e imparcial condução do ato pela comissão e por seu
presidente, até parece conveniente que se registre mesmo, para deixar evidenciadas eventuais
estratégias da defesa de buscar digressões do cerne das apurações ou de ofender a testemunha.
Havendo mais de um acusado, mesmo que a oitiva tenha sido solicitada por apenas um
deles ou que o depoente tenha informações a prestar apenas acerca de um acusado, todos
devem ser notificados da oitiva e, uma vez comparecendo, pessoalmente ou por meio de seus
procuradores, têm direito à igual participação, formulando perguntas à testemunha.
STF, ´Habeas Corpus´ nº 73.035: “Ementa: I. Não configura o crime de falso testemunho,
quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar
fatos que possam incriminá-la.”
“(...) toda a legislação pátria é unânime no sentido de que ninguém será obrigado a depor
de fatos que o prejudiquem, ou que causem dano a seu cônjuge e aos seus parentes
consanguíneos ou afins, em linha reta ou na colateral em segundo grau; que podem se
recusar a depor o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que
desquitado, o irmão, o pai, ou o filho adotivo.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da
Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pgs. 330 e 331,
Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Ao final das perguntas da comissão e da parte, deve o presidente passar a palavra para
o depoente, para que este acrescente o que quiser acerca do fato apurado. Caso tenha sido
acrescentado algo a respeito do acusado ou a comissão tenha feito novas perguntas, devolve-
se a palavra à defesa para contraditar. Destaca-se que nada obsta que a comissão, por
intermédio do seu presidente, retome as perguntas se achar necessário, mesmo após já ter
passado a palavra à parte ou para manifestações finais do depoente - desde que, por óbvio,
conceda novamente a palavra à defesa. Aliás, não se despreza esse momento, pois, em um
clima já menos tenso e com maior propensão ao relaxamento e à espontaneidade, pode o
depoente acrescentar novos fatos ou novas versões.
Se, no curso da oitiva, o acusado apresenta alguma petição para a qual não se tem
imediata resposta, por requerer análise, pode o presidente suspender momentaneamente o
depoimento, para que a comissão, a sós na sala, possa deliberar. Ainda, pode optar por
registrar no termo de oitiva que a petição será analisada oportunamente e, no prazo de até
cinco dias (conforme art. 24 da Lei nº 9.784, de 29/01/99), será apresentada resposta ao
acusado.
Ao final, revisa-se o texto e imprime-se uma única via, para que a testemunha leia
antes de assinar, e encerra-se o termo, coletando assinaturas de todos os presentes. Caso a
testemunha não saiba ou eventualmente não possa assinar seu próprio nome, deve-se registrar
o incidente no termo e solicitar que alguém assine o termo por ela.
CPP - Art. 216. O depoimento da testemunha será reduzido a termo, assinado por ela, pelo
juiz e pelas partes. Se a testemunha não souber assinar ou não puder fazê-lo, pedirá a
alguém que o faça por ela, depois de lido na presença de ambos.
cima da resposta original, para que não se perca a espontaneidade da primeira manifestação.
Diante deste pedido, convém consignar ao final que foi solicitado o registro de nova resposta,
sem eliminar o registro original.
“Não convém fornecer cópia do depoimento logo após a audiência, ou seja, antes de
findada a instrução da comissão, pelo simples fato de que isso pode corromper o
depoimento das testemunhas que irão ser ouvidas depois. Se o depoente fizer questão, uma
cópia pode ser dada após a instrução, ou seja, após o término de todos os depoimentos. A
única exceção é se a testemunha requerer por escrito e provar que a cópia de seu
depoimento servirá como prova em processo judicial em andamento.” Adriane de Almeida
Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar -
Manual”, pg. 337, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Em provas orais que se estendem por horas, é natural que se permitam breves
interrupções, para necessidades fisiológicas, que devem ser registradas no termo, com fim de
evitar posteriores alegações do depoente ou da defesa de que o testemunho foi coletado sob
imposição, como forma de coação, de condições que prejudicavam a concentração e a
espontaneidade dos presentes. Diferentemente desta primeira hipótese, caso, por algum
motivo absolutamente instransponível, seja necessário interromper o depoimento por um
tempo que permita que os presentes se dispersem da repartição, com previsão de retomada
ainda no mesmo dia ou somente em outro dia, para que se garanta tudo o que até então se
produziu, convém que se registre o incidente, que se imprima e se revise o termo até então
lavrado e que se coletem assinaturas. Concretizando-se o retorno, registra-se a retomada dos
trabalhos e passam-se as assinaturas para o final do termo.
No encerramento do ato, convém a comissão manter o tom cortês com que o iniciou,
agradecendo pela presença e disponibilizando telefone institucional e endereços virtuais no
correio eletrônico institucional, a fim de que a testemunha possa ter a iniciativa de buscar
nonvo contato caso tenha mais elementos a informar ou a fornecer.
Se ficar comprovado no processo que alguma testemunha fez afirmação falsa, calou ou
negou a verdade e não havendo retratação, a comissão proporá à autoridade instauradora, em
seu relatório, que esta envie representação ao Ministério Público Federal, com vistas à
apuração do crime de falso testemunho.
617
4.4.4.5 - Breve Introdução a Aspectos Verbais e Não Verbais Extraíveis da Prova Oral
Sendo o ato de instrução probatória mais fortemente marcado pelo contato entre
pessoas do que qualquer outro elemento de formação de convicção, o sucesso da coleta da
prova oral transcende a simples e formal obediência a ritos e instrumentalidades normativos,
vez que não se pode abstrair da condição humana dos participantes. A prova oral realizada no
curso do processo administrativo disciplinar tem a riqueza e a dinâmica de poder produzir,
nos agentes participantes daquela relação processual, mensagens de distintas naturezas. A
saber, a prova oral transmite aos agentes processuais informações simbólicas, verbais, não
verbais e escritas. Não obstante se poder sintetizar que, com a deliberação a favor da
realização de prova oral, a comissão a priori busca, de forma unilateral, obter informações de
início de posse apenas do depoente, aqui se estendem como destinatários daquele rol de
mensagens todos os agentes participantes do ato (ou seja, além do colegiado, também a
testemunha e até mesmo o acusado e seu procurador, acaso presentes), pois há comunicações
que seguem o sentido inverso, partindo da comissão para serem recebidas pelo depoente e
partilhadas com a defesa.
Dentre aquelas quatro diferentes naturezas das mensagens extraíveis da prova oral, eis
que as mensagens simbólica e escrita são breve e facilmente explicáveis. Tanto é verdade o
acima exposto, acerca do duplo sentido do fluxo de informações, que a mensagem simbólica é
transmitida de imediato e de forma simultânea e recíproca, entre os diferentes participantes do
ato, e associa-se à postura, à aparência e à indumentária com que cada um se apresenta já
desde o primeiro contato, na recepção do depoente pela comissão e na apresentação de seus
membros. Coloquialmente, é a chamada “primeira impressão”, inegavelmente capaz de
inaugurar empatias e refrações, de acordo com preconceitos e opiniões preconcebidas de cada
um. Sendo um ato formal de instrução probatória que obrigatoriamente conta com a presença
de agente(s) externo(s) à comissão, recomenda-se uma apresentação sóbria de parte dos
integrantes do colegiado e passível de ajustes caso a caso. Um exemplo reside na
desnecessidade em geral de os integrantes portarem terno e gravata ou traje social feminino
para uma prova oral ordinária, mas talvez seja recomendável tal uso se a oitiva a ser coletada
for de uma alta autoridade ou de um notório agente privado, que certamente assim chegarão
trajados. Já a informação de natureza escrita que se extrai da prova oral reside no termo de
oitiva a ser redigido, a cada resposta, ao longo da realização do ato e a ser lido, corrigido e por
fim autuado como elemento probatório válido e materializado.
Para obter esta salutar postura de relaxamento da parte do depoente (e, por que não
dizer, até mesmo da parte dos integrantes da comissão), o colegiado dispõe de algumas
técnicas de aproximação.
Feita então esta primeira apresentação dos três momentos da prova oral - após os quais
restam apenas o fechamento da redução a termo (ou seja, a materialização nos autos da
mensagem escrita extraível deste tipo de prova) e as formalidades de encerramento -, agora
sim convém discorrer com mais detalhes sobre as mensagens ou informações de natureza
verbal e não verbal que se extraem do ato de instrução.
rebuscamento, com que tenta convencer que tem distância do fato ou do responsável; ou
responde em tom de voz mais baixo; ou reage com falsa e teatralizada indignação
acompanhada de forte e pontual gestualidade; ou não se empenha com respostas proativas,
cooperativas e colaborativas, não se predispondo a auxiliar no esclarecimento fático e muito
menos contribui ou especula acerca da identificação do responsável pelo fato em apuração.
Como afirmado de início que estas mensagens não são apenas unilateralmente
emitidas no curso da prova oral no sentido estático do depoente para a comissão, mas
também, de forma dinâmica, esta emite sinais a serem lidos pela testemunha e pela defesa
porventura presente, eis que os integrantes do colegiado devem atentar para o seu próprio
conjunto de mensagens verbais e não verbais que eles mesmos também emitem. Os membros
da comissão devem sempre verbalizar respeito à dignidade da pessoa humana à sua frente e
agir com cortesia e interesse por seus relatos, não interromper suas respostas e muito menos
interromperem-se uns aos outros e menos ainda demonstrarem discordâncias entre si. Deve
sempre ser objeto de convenção prévia entre o presidente e os dois vogais a forma como estes
podem e devem participar e intervir pontualmente no curso da prova oral. Também não
devem demonstrar surpresa, descrença ou ironia diante de respostas claramente inverídicas,
nem tampouco deixar claro destacado interesse estratégico por determinada resposta
incriminadora. O trio processante deve também não perder de vista que o ato se dirige ao
depoente, não cabendo ofuscá-lo, sugerindo ou induzindo ou suprimindo-lhe resgates de
621
Nos aspectos não verbais, incumbe tanto ao presidente quanto aos dois vogais
manterem postura sempre interessada, atenta, concentrada, proativa e confiante, ao mesmo
tempo em que respeitosa e condutora, sem arrogância mas também sem passividade ou
conformismo diante de respostas pouco críveis ou evasivas e com dinâmica, criatividade e
perspicácia para estimularem o depoimento verbal e o extravasamento de reações e
comportamentos não verbais, afim de analisá-los em conjunto. Enfim, o mais importante a se
destacar é que o trio deve se concentrar para perceber e avaliar o conjunto de mensagens
verbais e não verbais emitidas pelo depoente.
Embora todo o trio deva apresentar homogêneo e ininterrupto grau de interesse pelo
conjunto de verbalizações e comportamentos não verbais emitidos pelo depoente, destaca-se a
posição peculiar do vogal não secretário. Uma vez que não lhe cabe precipuamente conduzir o
ato com perguntas e tampouco digitar a redução a termo (incumbências do presidente e do
vogal secretário), este integrante é o que possui melhores condições de captar incoerências,
contradições e lacunas na verbalização das respostas e sobretudo para perceber as reações e os
comportamentos não verbais indicadores da insinceridade e de analisá-los e transformá-los em
novas e inesperadas perguntas.
Importante destacar que os indicadores não verbais, ainda que claramente percebidos,
não devem ser levados a termo mas indicam rumos e linhas a serem adotados na prova oral
em si e na apuração no curso do processo como um todo. Não se registra no termo o
comportamento não verbal, mas se o tem, sim, como um indicador silencioso e não manifesto
para seguir determinada convicção acerca da presumida sinceridade ou insinceridade do
depoente quanto a determinado ponto sensível. Não se tem dúvida que, a menos de lapsos de
memória e de atos falhos, o conjunto de comportamentos não verbais pode se revelar mais
espontâneo e crível que a verbalização, sobretudo em momentos de tensão e de confrontação.
Até porque, em geral, os comportamentos não verbais manifestam-se de forma reativa aos
questionamentos mais sensíveis. Atento a esta consideração, o integrante de comissão deve se
permitir crer, em determinada pergunta, que a verbalização do depoente pode ser ratificada ou
retificada pelo seu conjunto comportamental não verbal.
Por fim, cumpre informar que praticamente tudo o que foi aduzido acima também se
aplica, com as devidas adaptações ao interrogatório do acusado, daí porque, em 4.4.16.5, se
remeteu à leitura do presente tópico.
O fato de não haver, na Lei nº 8.112, de 11/12/90, previsão para que servidor acusado
receba o transporte e as diárias para acompanhar oitiva de testemunha que se encontra em
outra localidade pode acarretar dificuldades quando a realização de tal ato se faz necessária,
sobretudo se a testemunha não é servidor. Isto porque se a testemunha for servidor, para
contornar a limitação legal, pode a comissão realizar a oitiva na localidade onde se encontra o
acusado, inclusive se, excepcionalmente, tal localidade também difere da sede da comissão, já
que há previsão legal para pagamento do transporte e das diárias para a testemunha e para a
comissão, bastando diligenciar junto ao Chefe do Escor, a fim de este propor ao Corregedor o
ordenamento de despesa para o(s) deslocamento(s).
Para o caso de o particular não se dispuser a arcar com o custo do deslocamento, pode
a comissão, como segunda opção, verificar junto ao Chefe do Escor, a fim de este propor ao
Corregedor o ordenamento de despesa para deslocar todo o colegiado até a localidade da
testemunha, hipótese em que ficaria a cargo do próprio acusado custear o seu deslocamento
ou constituir procurador no local, a fim de exercitar o contraditório.
623
Caso também não seja possível, por questão financeira, deslocar toda a comissão, três
possibilidades se apresentam, em caráter extensivo para o processo administrativo disciplinar,
na seguinte ordem: deslocar a testemunha, como colaborador eventual, até a sede da
comissão; adotar a videoconferência, conforme permitido pelo ordenamento infralegal; ou,
por fim, adaptar o remédio do processo judicial chamado carta precatória (ou simplesmente
precatória), também aceito em ordenamento infralegal.
Antes, a rigor, é de se destacar que, no sentido estrito da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não
há expressa previsão para tais remédios. O Estatuto, em seus dispositivos que regem o
processo administrativo disciplinar, é silente quanto ao emprego da figura do colaborador
eventual, com a qual se justificaria o pagamento de transporte e diárias a um particular para
depor; também não sofreu modernização face ao atual estágio tecnológico que contempla a
videoconferência como solução jurídica aceitável; e muito menos menciona a tomada de
depoimento de testemunha por carta precatória em outra localidade.
Lei nº 8.162, de 08/01/01 - Art. 4º Correrão à conta das dotações orçamentárias próprias
dos órgãos interessados, consoante se dispuser em regulamento, as despesas de
deslocamento, de alimentação e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive
membros de colegiados integrantes de estrutura regimental de Ministério e das Secretarias
da Presidência da República, quando em viagem de serviço. (Redação dada pela Lei nº
8.216, de 13/08/91)
Art. 285. Ao Corregedor incumbe, sem prejuízo das atribuições do Secretário da Receita
Federal do Brasil: (Redação dada pela Portaria MF nº 512, de 02/10/13
VIII - autorizar viagens a serviço, relacionadas às atividades de interesse da
Corregedoria; e (Redação dada pela Portaria MF nº 499, de 11/12/14)
IX - praticar os atos de gestão dos recursos orçamentários e financeiros destinados ao
pagamento de diárias e passagens, nos deslocamentos de servidores e colaboradores
eventuais no interesse da Coger. (Redação dada pela Portaria MF nº 499, de 11/12/14)
CPP - Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor,
ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade
do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa
forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu
defensor. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá
constar do termo, assim como os motivos que a determinaram. (Incluído pela Lei nº 11.690,
de 09/06/08)
Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do
lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável,
intimadas as partes.
§ 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada
por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada,
inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. (Incluído pela Lei
nº 11.900, de 08/01/09)
01/11/11, com destaque para os comandos de seus arts. 1º a 4º. No caso da instância
administrativa, a adoção da videoconferência como meio válido de prova decorreu,
precipuamente, do objetivo de viabilizar ou facilitar, operacionalmente, a coleta de prova oral
de testemunha residente em outra localidade, como forma de suprir a necessidade de se
ordenar despesas com deslocamento.
É certo que se presume o emprego comedido desta ferramenta ora admitida no cenário
jurídico, para fim de coleta de oitiva de testemunha. A priori, não se vislumbra razoabilidade
em a comissão deliberar em coletar a prova oral de uma testemunha residente na mesma
localidade onde transcorrem os trabalhos ou, se residente em outra localidade mas se há
viabilidade de se arcar com as despesas de deslocamento, usando a instrumentalização à
distância da videoconferência e abrindo mão da maior qualidade inerente ao ato presencial.
Não se tem dúvida de que o ato presencial, com toda sua dinâmica que lhe é inerente, pode ser
considerado como o ideal; porém, como nem sempre é realizável, há amparo normativo para
se lançar mão, subsidiariamente da prova via videoconferência. Aqui, quando se cogita do
emprego da ferramenta da videoconferência, se o faz sempre na presunção do bom senso e da
razoabilidade dos agentes e da motivação e da regularidade de seus atos e condutas. A
conjunção destas premissas faz crer que, ao se cogitar de emprego de videoconferência, se
atenta para a solução de qualquer dificuldade operacional que obriga a abrir mão do padrão de
solução presencial.
material sob respeito das garantias de ampla defesa e de contraditório quanto a celeridade e a
redução de custos procedimentais.
A Instrução Normativa CGU/CRG nº 12, de 01/11/11, em seu art. 5º, estabelece não só
a configuração mais usual para videoconferência, no inciso I (qual seja, para suprir a
necessidade de se ouvir como testemunha um particular que se encontra em uma localidade
enquanto que a comissão e a defesa se encontram em outra), como também prevê a
possibilidade de emprego desta ferramenta para duas outras situações mais excepcionais.
De forma ainda mais residual deve ser compreendida a possibilidade prevista no inciso
II do mesmo dispositivo, que permite a realização de oitiva por videoconferência com a
defesa não na sala onde se encontra a comissão mas sim na sala onde se encontra o depoente.
Apesar da previsão normativa, deve a comissão atentar para as dificuldades que podem
decorrer do fato de ela estar em uma sala e a testemunha e a defesa em outra sala, ou seja,
afastados fisicamente do poder condutor do presidente e juntos de um secretário ad hoc que
pode não possuir nenhum conhecimento da procedimentalização disciplinar. Diante do risco
de a defesa intimidar e interferir pessoalmente nas respostas da testemunha, deve a comissão
empregar esta possibilidade disposta na Instrução Normativa com extremada cautela,
buscando reservar a oitiva por videoconferência da testemunha que se encontra em outra
localidade para o caso em que a comissão e a defesa se encontram na mesma sala.
Alternativamente, caso se faça necessária a realização de oitiva por videoconferência com a
testemunha e a defesa em uma mesma sala, pode a comissão adotar a solução de deslocar um
de seus membros para esta segunda localidade, a fim de melhor atuar na vedação de
intimidação ou de conluio.
O ato em si deve transcorrer o máximo possível de forma similar a uma oitiva com
todos os agentes presentes no mesmo recinto. A comissão deve manter o mesmo layout de sua
sala, no que diz respeito a seu posicionamento e ao posicionamento da defesa, caso, como se
supõe e se sugere, esta se faça presente no local de instalação do colegiado. No caso de a
defesa e a testemunha estarem em salas distintas, a comissão e o secretário ad hoc devem
posicionar os assentos e a câmera de forma que a defesa tenha a testemunha em seu ângulo de
visão, para atestar a espontaneidade das respostas, mas, em contrapartida, a testemunha não
deve ter a defesa em seu ângulo de visão, para evitar qualquer forma de inibição ou de
intimidação, ainda que à distância. No caso mais excepcional de a testemunha e a defesa
ocuparem a mesma sala, deve a comissão instruir o secretário ad hoc a adotar o layout que
evite a intimidação. No início da oitiva, deve o presidente informar a todos os agentes
envolvidos como transcorrerá o ato e suas peculiaridades em comparação com a oitiva
presencial, registrando tais especificidades no termo de oitiva e adotando, na sequência, a
mesma dinâmica do ato convencional quanto às perguntas, respostas, interferências, controle
da ordem, apreciação de petições e redução a termo.
defesa, caso excepcionalmente presente nesta sala), para leitura e eventuais correções.
Após ajustado o texto entre todos os agentes participantes, a comissão deve imprimir
uma via e, juntamente com a defesa (caso presente na mesma sala), deve rubricar as primeiras
folhas do termo e assinar a última. Esta via original do termo deve ser digitalizada e remetida
pelo correio eletrônico institucional para o secretário ad hoc situado na sala onde se encontra
a testemunha. Nesta segunda sala, o secretário ad hoc deve imprimir o termo, coletar rubricas
e assinatura da testemunha (e da defesa, caso excepcionalmente presente nesta sala),
digitalizar esta nova versão do documento e remeter de volta, também pelo correio eletrônico
institucional, para a sala onde se encontra a comissão. O colegiado deve imprimir esta via
digitalizada, com rubricas e assinaturas de todos os participantes, e autuá-la no processo,
juntamente com a via original com rubricas e assinaturas de seus integrantes e da defesa (caso
presente na mesma sala), encerrando-se as providências daquele momento da coleta da prova
oral.
Esta instrumentalização final em princípio parece ser redundante, mas, de fato, faz-se
necessário que o secretário ad hoc situado na segunda sala, após ter coletado rubricas e
assinaturas de todos os presentes neste recinto, remeta para a comissão a via do termo tanto
por meio do correio eletrônico institucional, para imediata juntada aos autos, quanto por meio
de malote, para juntada posterior. A remessa, por malote, da via original em que os presentes
na segunda sala apuseram suas rubricas e assinaturas se justifica porque convém que se
autuem as vias do termo que contêm rubricas e assinaturas de próprio punho dos participantes
em cada sala (tantas vias originais quantas forem as distintas salas). E a remessa, pelo corrreio
eletrônico institucional, da via digitalizada também se justifica para se ter de imediato, já
desde o momento do encerramento do ato, em um documento único, uma via com rubricas e
assinaturas de todos os participantes e para suprir o risco de eventual extravio da via original a
ser remetida por malote.
630
Na hipótese de se ter o ato envolvendo mais de duas salas (por exemplo, comissão em
uma localidade, defesa em outra e testemunha em uma terceira ou ainda mais de um acusado
em direntes localidades), a finalização do ato é similar à descrita acima, mas com algumas
peculiaridades. Após o ajuste do texto, o secretário da comissão deve imprimir o termo,
coletar rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo
correio eletrônico institucional para o secretário ad hoc situado na segunda sala. Este
secretário ad hoc da segunda sala deve imprimir o termo digitalizado com rubricas e
assinaturas dos presentes na sala da comissão, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em
sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para o secretário
ad hoc situado na terceira sala. Este secretário ad hoc da terceira sala deve imprimir o termo
digitalizado com rubricas e assinaturas dos presentes na sala da comissão e na segunda sala,
coletar rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo
correio eletrônico institucional para o secretário da comissão. O colegiado deve imprimir esta
via digitalizada, com rubricas e assinaturas de todos os participantes, e autuá-la no processo,
juntamente com a via original com rubricas e assinaturas dos presentes na sua sala,
encerrando-se as providências daquele momento da coleta da prova oral. E, posteriormente, os
secretários ad hoc que acompanharam o ato nas demais salas devem remeter para a comissão,
por meio de malote, as vias digitalizadas do termo por eles recebidas ao final da oitiva com
rubricas e assinaturas da comissão dos presentes nas salas respectivamente anteriores, na qual
coletou rubricas e assinaturas dos presentes na sua própria sala, a fim de que, em conjunto
com as duas vias que já instruem os autos desde a data da realização da videoconferência,
todas também sejam autuadas.
Em suma, devem ser autuadas, logo após o término do ato, a via com rubricas e
assinaturas originais de quem esteve na sala da comissão e a via digitalizada com rubricas e
assinaturas de todos os presentes em ambas as salas; e, por fim, posteriormente, deve(m) ser
remetida(s) de volta para a comissão, para também ser(em) autuada(s), a(s) via(s)
eletronicamente recebida(s) pelo(s) secretário(s) ad hoc com rubricas e assinaturas de quem
esteve presente na(s) sala(s) anterior(s) e na(s) qua(is) se coletaram rubricas e assinaturas
originais de quem esteve presente na(s) respectiva(s) sala(s).
dificuldades operacionais.
Da mesma forma como se aduziu para a oitiva presencial, para a qual não se
recomenda a gravação do ato de instrução, na ausência de regramento impositivo ou
impeditivo, também não se verifica, em princípio, justificativa para que se proceda à gravação
da oitiva por videoconferência, ainda que haja viabilidade técnica para tal, visto que o ato será
reduzido a termo e este termo é a prova válida e suficiente a constar dos autos.
empregada como forma de suprir a necessidade instrucional, já que preserva certa dinâmica
do ato da prova oral, a precatória, à vista da previsão legal para ordenamento das respectivas
despesas e da grande perda do caráter dinâmico do ato, deve ser vista com extrema
residualidade para coletar manifestação oral de testemunha servidor. A precatória, que por si
só já não se faz muito comum em rito disciplinar, deve ser compreendida residualmente como
solução para coletar testemunho apenas de particular situado em outra localidade e quando
tenham se demonstrado inviáveis os empregos dos institutos do colaborador eventual e da
videoconferência.
Após a oitiva por meio de precatória ser deliberada em ata, a comissão, então, formula
suas perguntas e notifica o acusado (em duas vias), informando-o da oitiva via precatória que
será realizada e oferece-lhe prazo para, se desejar, apresentar os seus quesitos
complementares, não se afastando a prerrogativa de o colegiado, com base no art. 156, § 1º da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, indeferir perguntas impertinentes, protelatórias ou sem interesse
para o esclarecimento dos fatos.
“A despeito de não existir empecilho de cunho legal a que possa a comissão se deslocar
para outros pontos do território nacional, advirta-se, porém, que medidas de contenção de
despesas, por vezes, desaconselham ou tornam proibitivas tais movimentações onerosas.
Para suprir tal impasse, a única alternativa acenável é a carta precatória, por meio da
qual a comissão depreca outras autoridades para o cumprimento de algumas diligências,
as quais, embora imprescindíveis ao esclarecimento dos fatos objeto do processo, não são
tão essenciais a ponto de exigirem esses onerosos deslocamentos.
A comissão pode, por conseguinte, deprecar o cumprimento das seguintes diligências:
audição de testemunhas, acareações, reconhecimento de pessoas ou coisas, reprodução
simulada de fatos, colheita de material gráfico ou mecanográfico e outras mais.
Não obstante, recomenda-se que as comissões não abusem do recurso à carta precatória,
posto que é discutível a validade plena dos atos processuais realizados fora do processo e
por uma só pessoa. Processualmente, há muita diferença entre os atos de um colegiado e
os que são realizados por uma só autoridade. Os primeiros são, obviamente, dotados de
maior credibilidade jurídico-processual.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do
Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 228 e 229, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição,
2005
Como a Lei nº 8.112, de 11/12/90, é silente acerca do prazo a ser concedido à parte,
recomenda-se a integração com a Lei nº 9.784, de 29/01/99, de onde se pode extrair duas
referências: três dias úteis ou cinco dias corridos, optando-se pelo mais benéfico à parte.
Informa-se, ainda, que se assim preferir, o acusado e/ou seu procurador pode(m) comparecer
pessoalmente ao ato, às próprias custas, para formular suas perguntas à testemunha (cabe à
parte tomar as providências que entenda mais convenientes para exercer o contraditório).
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência
ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local
de realização.
Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo
processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco
dias, salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante
comprovada justificação.
Ato contínuo, a comissão deve remeter, por carta precatória, todas as perguntas,
preferencialmente para aquela autoridade que, no local onde se encontra a testemunha, tem
poder de instaurar instância disciplinar ou, secundariamente, para a autoridade titular de
unidade fiscal da jurisdição, para que esta autoridade deprecada designe servidor ou comissão
para a realização da oitiva por precatória. A intimação (em duas vias), dirigida à testemunha
pelo servidor ou comissão designado(a) pela autoridade deprecada, deve conter a data, hora e
local da oitiva, com prazo hábil de três dias úteis de antecedência, para ser ouvida (art. 41 da
633
CPP - Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz
do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo
razoável, intimadas as partes.
§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.
§ 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a
precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos.
“(...) muitos órgãos estão se socorrendo da figura do colaborador eventual, que não é
servidor e que presta serviços para a Administração, geralmente como palestrante. Esta
figura está sendo utilizada, por analogia, como fundamento para que a Administração
pague diárias e passagens a não servidores para irem prestar depoimentos na sede da
comissão.
Contudo, se não for possível pagar o deslocamento do depoente em hipótese alguma, só
restará a utilização, por analogia com a figura prevista para o processo civil, de carta
precatória.
(...) para dar maior transparência e oportunidade à defesa, a comissão de processo
disciplinar deverá dar ciência a ele [acusado] da data e local onde ocorrerá a oitiva e se o
acusado comparecer, poderá fazer perguntas, mas mesmo nesse caso, por falta de
competência, o servidor/comissão que estiver cumprindo a carta precatória permanecerá
impedido de formular perguntas suas ou alterar as que foram enviadas.”, Vinícius de
Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pgs. 112 e 113, Fortium Editora, 1ª
edição, 2008
CPP - Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo
quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas
circunstâncias.
CPC - Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes,
634
Todavia, em harmonia ao que se aduziu em 4.4.2, uma vez que não se trata de pessoas
legalmente impedidas e proibidas de depor em razão de ofício, de doentes mentais e de
menores de quatorze anos (arts. 207 e 208 do CPP), a desobrigação de deporem ou a
suspeição não impedem que sejam ouvidos no processo se a comissão, em sua livre
apreciação da prova, considera estritamente necessário o depoimento de alguma daquelas
pessoas. Apenas, neste caso, não depõem como testemunhas, mas sim como declarantes, sem
que deles se exija o compromisso de verdade.
“(...) seu depoimento será considerado como apenas de informante (...) quando houver
relação de parentesco, consanguíneo ou afim, com o acusado, bem como sendo o depoente
cônjuge ou companheiro do acusado, pois os parentes, servidores ou não, poderão
apresentar sua versão do fato ou elementos de elucidação, os quais deverão ser tomados
com as cautelas devidas. Seus depoimentos serão registrados como de informantes e não de
testemunhas. Como informantes, tais pessoas estão isentas de assumir o compromisso de
‘dizer sempre a verdade, toda a verdade, do que souber e lhe for perguntado’.
A Comissão poderá ouvir as testemunhas impedidas ou suspeitas, somente se o seu
depoimento for estritamente necessário. Dentre estas, as pessoas interessadas no resultado
da averiguação em curso. Neste caso, o depoimento será tomado, como se disse, sem o
compromisso, e a Comissão deverá atribuir-lhe o valor que possa merecer, conforme
determina analogicamente o § 4º do art. 405 do Código de Processo Civil.” Antônio Carlos
Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 141, Editora Consulex, 2ª edição,
1999
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
Também pode ocorrer de alguém, que não tenha sido convocado, apresentar-se diante
da comissão, de forma espontânea e imprevista, para prestar declarações ou formular
denúncias. Neste caso, será tomado seu depoimento, da forma descrita em 4.4.4 ou 4.4.5,
dependendo se há ou não vinculação pessoal com o acusado, mesmo sem ter havido intimação
para o depoimento nem notificação para o acusado acompanhar, e fazendo constar no início
do termo as circunstâncias do seu comparecimento espontâneo. Cabe à comissão, caso queira
dar maior valor probante às declarações, agendar um segundo depoimento, com regular
notificação ao acusado para lhe propiciar o exercício do contraditório.
4.4.6 - Diligências
Dentro da processualística administrativa disciplinar, o termo “diligências”, da forma
como elencado na lista exemplificativa de atos de instrução previstos no art. 155 da Lei n°
8.112, de 11/12/90, refere-se, de forma genérica e ampla, a qualquer deslocamento da
comissão na busca da elucidação do fato, mediante verificações ou vistorias que podem ser
realizadas pelos próprios integrantes da comissão, não requerendo a especialidade de um
perito ou técnico. Tais deslocamentos da comissão, em geral, se dirigem ao local de
ocorrência dos fatos, mas também podem, ocasionalmente, se dirigirem a outros locais que de
alguma forma estejam associados ao objeto da apuração e visam a melhor verificar fatos,
objetos ou circunstâncias ou para interpretá-los ou ainda para reconstituir determinadas
situações. Enfim, incluem-se nesta espécie de elemento formador de convicção todos os atos
por meio dos quais, formalmente e com o devido registro nos autos, a comissão sai de sua sala
de instalação com o fim de angariar, no ambiente externo (seja em uma repartição do próprio
órgão ou de outro órgão ou seja em ambiente público ou privado; seja no local de ocorrência
do fato ou em qualquer outro lugar) qualquer tipo de informação concreta acerca do objeto da
apuração.
Estas diligências, previstas no processo disciplinar pelo Estatuto sob enfoque a priori
mais generalista (sem prejuízo de tipos mais específicos de diligências, com peculiaridades
próprias, que adiante serão abordados), têm sua realização condicionada apenas à prévia e
autônoma deliberação da comissão, dispensando intervenção de outras autoridades estranhas
ao processo. Como atos de natureza contraditória, a sua correta e necessária formalização,
além da já mencionada prévia ata de deliberação da comissão, exige a entrega de notificação
(nas formas e meios permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3) ao acusado para que este, se quiser,
acompanhe a realização, com três dias úteis de antecedência, conforme o art. 41 da Lei nº
9.784, de 29/01/99.
636
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada
de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de
prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa
elucidação dos fatos.
CPC - Art. 442. O juiz irá ao local, onde se encontre a pessoa ou coisa, quando:
I - julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva
observar;
II - a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráveis despesas ou graves
dificuldades;
Ill - determinar a reconstituição dos fatos.
Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando
esclarecimentos e fazendo observações que reputem de interesse para a causa.
Art. 443. Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando
nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
01/10/73)
Parágrafo único. O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01/10/73)
A diligência, inclusive, pode ser empregada como forma de sintetizar em único ato
instrucional a necessidade de se trazer aos autos informações sobre rotina de funcionamento
de determinado local de trabalho, que, de outra forma, para ser angariada, necessitaria de
diversas oitivas de testemunhas.
apuratórios (tais como ida a uma unidade ou a outro órgão apenas para entregar um
memorando, ofício ou qualquer ato de comunicação ou para receber algum documento
solicitado, bem como qualquer forma de simples coleta de documentos já existentes) não se
revestem da formalidade de serem considerados atos de instrução probatória requeredores de
contraditório, não se configurando como diligências, e, portanto, dispensam tanto a presença
de todos os membros da comissão quanto a notificação ao acusado.
Ainda no escopo mais generalista das diligências como ato de instrução em processo
disciplinar, conforme já manifestado, pode se demonstrar necessário, por exemplo, que a
comissão se desloque à unidade de ocorrência do fato, para levantar as condições e o ambiente
de trabalho, o aspecto físico, localização, etc. Neste caso, por deferência à autoridade, além da
notificação ao acusado, recomenda-se também prévia comunicação ao titular da unidade em
que se dará a diligência e, conforme já aduzido em 4.4.1.4, no caso de ARF, recomenda-se
que esta comunicação seja dirigida ao Agente, não sendo necessário comunicar ao respectivo
Delegado.
Lei nº 9.784, de 29/01/97 - Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública
poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do
interessado.
CPC - Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará
o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.
Tais atos diligenciais não encontram vedação constitucional, visto que a garantia
fundamental da pessoa não protege documentos, manuscritos e dados eletrônicos em si, de
interesse para o caso, que porventura ela tenha armazenados em ambiente ou em mobiliário
ou em qualquer outro aparato da Administração, ainda que sejam o resultado ou o registro de
suas correspondências ou comunicações com outrem. É de se destacar que todo ferramental
operacional oficial deve ser utilizado exclusivamente para fins de trabalho e tal presunção
ampara a assertiva que o uso de computador e de qualquer sistema informatizado ou mídia
eletrônica da instituição não gera expectativa de privacidade. Daí se extrai que não há
necessidade de prévia autorização judicial para que a Administração, por seus agentes
legalmente constituídos, acesse computadores, sistemas informatizados e mídias eletrônicas
oficiais, no que se incluem as válidas possibilidades de a comissão ou a autoridade
instauradora solicitar à competente projeção de tecnologia da informação o monitoramento ou
o espelhamento dos acessos e usos das máquinas e dos sistemas institucionais. Tampouco há
amparo legal para que autoridade ou servidor, injustificadamente, se oponha à medida interna
de busca e apreensão ou de qualquer forma de rastreamento, realizada dentro destes limites.
639
“A Comissão tem o direito e, mais ainda, o dever de promover a requisição de coisas que
sejam indispensáveis ao esclarecimento da questão. (...)
Já na apreensão, que exige uma ação pessoal de um dos membros da comissão, é uma
atividade mais enérgica, que tem o mesmo sentido. Normalmente é usada quando há
restrição da entrega da coisa pelo servidor ou pela autoridade da chefia local.” Antônio
Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pgs. 135 e 136, Editora Consulex,
2ª edição, 1999
“(...) entende-se que se o correio eletrônico de onde se retirou a prova é institucional, por
ser ele do serviço público e não privativo do servidor, a prova poderá ser utilizada.”,
Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pgs. 114 e 115, Fortium
Editora, 1ª edição, 2008
Em todos estes casos excepcionais, seja quando a comissão não antevia a possibilidade
de se deparar com objetos que poderiam ser alvo de requisição ou de apreensão e, desta feita,
notificou o acusado previamente à realização do ato e este se fez presente (o que não lhe dá o
condão de impedir a busca ou a apreensão interna), seja quando o colegiado, à luz da
excepcionalidade do art. 45 da Lei nº 9.784, de 29/01/99, já não o notificou e este não
compareceu ou mesmo se este presenciou o ato do qual somente teve conhecimento já no
momento de sua feitura, deve a comissão elaborar consubstanciados termo de diligência, em
que deve ser detalhado todo o ato, e termo de apreensão, como parte integrante e inseparável
do primeiro, listando todos os objetos apreendidos e lacrados (bens, documentos físicos
impressos ou eletrônicos em todo tipo de mídia de armazenamento de dados), coletando em
ambos as assinaturas do servidor porventura designado para acompanhar o feito, do acusado e
de seu chefe imediato, se presentes. Após isto, caso a defesa não tenha acompanhado o ato,
deve a comissão notificá-la da autuação deste termo de diligência e do associado termo de
apreensão, a fim de que possa ser garantido o exercício do contraditório.
Não obstante o acima exposto, nada impede que, atentando para o fato de que se trata
de tema sujeito à discussão, à vista das peculiaridades de determinado caso concreto que se
tome como excepcionalmente mais sensível, pode a comissão ou a autoridade instauradora,
conservadoramente, adotar postura cautelosa de condicionar o acesso a computadores,
sistemas ou mídias internas à prévia autorização judicial e, desta forma, diligenciar em tal
640
CF - Art. 5º
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal;
“Releva dizer que a noção constitucional de ‘casa’ é bastante ampla, lembrando a doutrina
que ‘abarca, por exemplo, o escritório do advogado, o consultório do médico, uma
pousada ocupada em período de férias, um hotel, um motel, uma casa de veraneio alugada
por período indeterminado, etc.
(...) inexiste previsão legal que autorize a busca e apreensão no leito do processo
administrativo disciplinar. (...)
Por outro lado - e em sede de prova emprestada - nada impede a comissão de inquérito de
solicitar ao magistrado responsável pelo processo judicial que apura mesmo fato, cópia
autêntica do material apreendido na busca judicial.” Sebastião José Lessa, “Do Processo
Administrativo Disciplinar e da Sindicância”, pg. 225, Editora Brasília Jurídica, 4ª edição,
2006
jurídica) que, estando de alguma forma relacionado com o fato em apuração, se vislumbre
relevante para as apurações. Caso com esta diligência se intencione realizar atos típicos de
fiscalização (acessar escrituração contábil ou documentos fiscais de uma empresa, apenas para
mencionar um exemplo mais comum), para sua concretização, não bastam as providências de
praxe, ao alcance da própria comissão, para realização de diligências lato sensu, quais sejam,
deliberação interna, notificação à defesa e realização em si do ato. Neste caso muito
específico, deve a comissão solicitar à autoridade instauradora a emissão de Termo de
Distribuição de Procedimento Fiscal de Diligência (TDPF-D), de que trata a Portaria RFB nº
1.687, de 17/09/14, em consonância com competências dispostas no Regimento Interno, para
o Corregedor e para os Chefes de Escor. A competência para autorizar diligência fiscal e para
emitir o respectivo Termo, em instância correcional, cabe ao Corregedor e aos Chefes de
Escor ou Nucor, conforme a previsão do art. 2º da Portaria Coger nº 15, de 30/01/04 (ressalve-
se que houve mudança do nome, de Mandado de Procedimento Fiscal - MPF para o atual
Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal).
Regimento Interno da RFB - Art. 285. Ao Corregedor incumbe: (Redação dada pela
Portaria MF nº 512, de 02/10/13)
V - determinar diligências, inclusive fiscais, requisitar informações, processos e quaisquer
documentos necessários à atividade correcional, bem assim determinar a realização de
ação fiscal ou propor sua revisão, sempre que o exame de denúncias, representações,
processos disciplinares ou outros expedientes relacionados com a disciplina funcional
assim recomendar; (Redação dada pela Portaria MF nº 499, de 11/12/14)
Art. 287. Ao Chefe de Escor incumbe, no âmbito de sua competência:
V - determinar diligências, inclusive fiscais, requisitar informações, processos e quaisquer
documentos necessários à atividade correcional, bem assim propor a realização de ação
fiscal ou propor sua revisão, sempre que o exame de denúncias, representações, processos
disciplinares ou outros expedientes relacionados com a disciplina funcional assim
recomendar; e
Se é assim, se esta diligência, embora realizada para fins correcionais, tem preservadas
sua natureza e suas características próprias de ato inquisitorial de instância fiscal, ela não
guarda absolutas conformação e similitude com o sentido mais abrangente do termo diligência
e menos ainda se confunde com os conceitos de perícia ou assistência técnica, na forma
contraditória como estes três institutos são empregados na instrução da processualística
disciplinar e mencionados no art. 155 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Se, mesmo em instância fiscal, já se tem como acontecimento atípico e como uma
inegável quebra do equilíbrio e da normalidade interna e que, de certa forma, se contrapõe à
esfera de direitos do contribuinte, o fato de um agente do Fisco adentrar seu estabelecimento e
verificar sua escrituração contábil e seu acervo documental, ainda que sob todas as cautelas e
formalidades exigidas no ordenamento e sob a devida motivação da tutela pública fiscal, mais
invasiva é a diligência no domicílio privado por motivação correcional e ainda mais afrontaria
aos direitos de intimidade e de privacidade do particular a presença do acusado naquele ato
em que podem ser expostos dados protegidos por sigilo.
643
Por isto que tal diligência fiscal para fim correcional, embora inequívoca a base legal a
ampará-la (arts. 285, V e 287, V do Regimento Interno; art. 7º, VII e § 3º, III da Portaria RFB
nº 1.687, de 17/09/14; e art. 2º da Portaria Coger nº 15, de 30/01/13), deve ser compreendida
como ato instrucional excepcional, a ser realizado apenas quando absolutamente essencial e
indispensável para a apuração dos fatos constantes do processo administrativo disciplinar.
Desta feita, por óbvio, se à vista das peculiaridades do caso concreto, a comissão compreender
que os documentos de natureza fiscal de posse do contribuinte - e que se demonstram
necessários ao processo mas de que a Administração não dispõe - podem ser confiavelmente
obtidos mediante simples intimação do presidente do colegiado ao particular, a questão se
resolve com mera ata de deliberação para oficiar o terceiro, dispensando-se a incomum
diligência de natureza fiscal. Todavia, se a comissão, de acordo com sua própria e autônoma
leitura dos autos e dos fatos, entende que os necessários documentos de natureza fiscal em
poder exclusivo do contribuinte podem não ser por este confiavelmente fornecidos mediante
simples intimação e considere que se justifique a ida pessoal do agente do Fisco ao
estabelecimento privado (com o que se conta com inegável efeito positivo da surpresa, da
imprevisibilidade e da espontaneidade), outra opção não restará a não ser lançar mão do
residual porém lícito instrumento da diligência fiscal.
Acrescente-se ainda que esta diligência fiscal nas dependências do particular, por si só,
apenas visa a trazer aos autos do processo administrativo disciplinar dados e provas
documentais porventura encontrados no estabelecimento, extraídos da escrituração contábil ou
do demais acervo documental em poder do contribuinte, e que se revelem de interesse, não
tendo, portanto, o condão de emitir, já naquele momento em si de sua realização, nenhum
elemento de natureza subjetiva, que reflita interpretações ou opiniões de caráter pessoal ou
tendenciosidades por parte de quem a executa e, consequentemente, que possa por tais
impressões se contaminar. Neste aspecto, reside relevante diferenciação em comparação com
a diligência em sentido lato mencionada no art. 155 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, de natureza
contraditória, visto que, naquele ato comum, pode a comissão adotar, à vista de suas próprias
interpretação e leitura daquilo que ela mesma observa e das provas que ela mesma
dinamicamente coleta e sob oferta de contraditório, determinado entendimento ou convicção
favorável ou contrária à parte e assim consignar no termo de diligência. Na mesma linha,
afasta-se a alegação de que a diligência fiscal realizada no âmbito do processo disciplinar
poderia se configurar em uma espécie de perícia ou de assistência técnica (conforme se
definirão em 4.4.9 e 4.4.10), visto não agregar aos autos nenhuma avaliação subjetiva ou juízo
de valor, conforme faz diretamente o próprio perito, por meio de seu laudo, ou indiretamente
o assistente técnico, fornecendo subsídios à comissão.
tendo nem um e nem outro participado da coleta dos dados e dos documentos, para ambos,
estes elementos se reduzirão a provas documentais, carecedoras de leitura e de interpretação,
para em momento posterior à sua coleta e à sua juntada, deles extraírem as suas próprias
convicções e as contestações às convicções opostas, em igualdade de condições e sob estrito
respeito ao contraditório e à isonomia.
Com isto, pode-se afirmar que a coleta em si dos documentos, realizada por intermédio
da diligência ao amparo do TDPF-D, não labora convencimento sujeito ao contraditório; o
convencimento, cuja legitimidade para influir na convicção final reside na oferta ao
contraditório, será, sim, posteriormente construído pela comissão, quando esta analisar os
documentos em sua sala de instalação e se submeterá à livre contestação por parte do acusado,
quando este tiver ciência da juntada ou vista e cópia dos autos. Daí porque não há que se
cogitar de formação de juízo de valor no momento da feitura da prova, ou seja, no momento
em que o executante do TDPF-D coleta os dados solicitados junto ao contribuinte. Portanto,
não há que se requerer contraditório para o ato físico em si da coleta, podendo se afastar da
realização da diligência fiscal a presença do acusado ao lado do agente estatal que a realiza.
Ademais, sendo a diligência fiscal uma forma objetiva de se coletar uma prova,
mantendo sua natureza inquisitória (a despeito de a terminologia induzir associação à
diligência contraditória de que trata o art. 155 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e nem mesmo se
valendo de técnicos ou peritos a que alude o mesmo dispositivo legal), além de não ter de se
dar prévia notificação de sua realização ao acusado, tampouco se deve a ele se estender direito
de quesitar. Até porque qualquer quesito que o acusado pudesse acrescentar ao pedido de
diligência fiscal seria, na verdade, um dado adicional que poderia ser extraído do contribuinte
- ao mesmo tempo, de extração independente dos dados originalmente solicitados e não
atuando na leitura que deles se obtém - e que deveria ser considerado um outro pedido de
prova, dissociado do primeiro, passível de ser provocado pelo acusado em qualquer momento
no curso do processo, e de realização sob jugo da comissão.
Assim, se, por um lado, não se concede à defesa notificações para acompanhar e, em
geral, sequer para quesitar esta atípica e peculiar peça instrucional, por outro lado, para se
suprir o ato com necessária imparcialidade e respeitando-se o inafastável equilíbrio de forças
processuais na instância disciplinar, também recomenda-se que a diligência fiscal não deva
ser realizada por integrantes da comissão solicitante.
Uma vez identificado pela comissão que se faz necessária a realização desta prova
645
De imediato, se afirma o quase óbvio que a comissão não deve solicitar emissão de
TDPF-D para qualquer ato diligencial a ser realizado em unidades da própria Secretaria da
Receita Federal do Brasil ou mesmo em quaisquer outros órgãos da Administração. Também,
conforme já afirmado anteriormente, não há que se cogitar de emissão de TDPF-D com o
mero efeito de dar suposto e desnecessário amparo para atos de intimação a particulares ou
para ofícios destinados a órgãos, entidades ou instituições, requerendo ou solicitando
fornecimento de dados ou de documentos.
Assim, a priori, podem ser satisfeitas com meros ofícios as necessidades, por parte da
comissão, de obter inúmeros tipos de documentos (tais como certidões, registros de imóveis,
contratos sociais, documentos comerciais de área aduaneira) em poder dos mais diversos
646
órgãos, empresas públicas ou até mesmo pessoas físicas, como ofícios de notas, ofícios de
registro de imóveis, juntas comerciais, intervenientes em comércio exterior, leiloeiros, etc.
Caso, excepcionalmente, em situações como estas, a troca de ofícios não se demonstre
suficiente para atender à demanda da comissão, esta pode se dirigir fisicamente ao órgão,
entidade ou instituição, mediante simples diligência de sentido geral do art. 155 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, não se exigindo TDPF-D para tal.
Portaria Coger nº 15, de 30/01/14 - Art. 3º É dispensável a emissão de MPF nos casos de
solicitações ou intimações a contribuintes que sejam encaminhadas por meio de ofício.
Parágrafo único. O ofício a que se refere o caput deverá indicar o nome da autoridade
solicitante, bem como o endereço completo, telefone de contato e horário para
comparecimento ou entrega dos documentos requisitados.
Art. 4º Não se exige MPF para realização de diligências em órgãos públicos da
administração direta, autárquica e fundacional.
“Essa providência [reprodução simulada], entre outras razões de convencimento, tem por
escopo verificar a possibilidade de haver o delito disciplinar sido praticado do modo que
as testemunhas, os acusadores ou vítimas afirmam perante as comissões disciplinares.
Poderá ainda tal diligência se prestar para testar a verossimilhança da própria confissão
dos acusados, quando se desconfie que, para exculpar outras pessoas influentes, pretendam
falsos confitentes assumir a responsabilidade pelas irregularidades funcionais em
apuração.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 111, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
“Em certas situações, pode ser conveniente, desde que não ofenda a moral e aos bons
costumes, reproduzir de forma simulada os fatos pertinentes à prática da infração
disciplinar, a fim de verificar, por exemplo, a verossimilhança da versão apresentada pela
defesa.” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar e Sindicância”, pg. 547, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
Não se trata de ato em que a comissão vai laborar na formação da prova em si; ao
contrário, a prova já é pré-constituída, encontrando-se disponível em sistema informatizado e,
no ato de instrução, a comissão tão-somente vai acessar aquela prova já produzida e trazê-la
aos autos.
Caso a pesquisa alcance resultado relevante, a comissão deve juntar aos autos os
extratos impressos, de forma que a garantia constitucional do contraditório fique preservada
com a entrega de cópia junto à citação para apresentar defesa escrita (se for o caso), conforme
já abordado em 4.3.12.2.
Além das pesquisas que podem ser feitas pela própria comissão (desde os sistemas
informatizados mais simples e usuais da Secretaria da Receita Federal do Brasil até outros
menos comuns, conforme descritos em 2.5.3.3.1 e em 2.5.3.3.2), pode o colegiado solicitar
diretamente ou por intermédio da autoridade instauradora ao grupo de investigação disciplinar
ou a outras autoridades, pesquisas em ferramentas mais poderosas e de acesso reservado.
Nos casos em que as informações necessárias para elucidação do fato são dados que,
por contrato, ficam sob a guarda do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) ou
da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) ou ainda de
qualquer outra empresa que seja contratada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)
para prestar o serviço de guarda de sua base de dados e, que, portanto, são impossíveis de se
obter com mera pesquisa por parte da comissão ou sistema correcional como um todo (em que
se incluem a Divisão de Investigação Disciplinar - Coger/Divid e os grupos de investigação
disciplinar dos Escor), o colegiado pode deliberar em ata solicitar uma apuração especial.
Antes de adentrar no tema, relevante destacar, à vista do alto custo e do longo tempo
de resposta, que é fundamental restringir ao estritamente essencial e indispensável o pedido de
realização de apuração especial. A comissão deve analisar restritivamente esta necessidade à
vista do objetivo inicialmente bem delineado. Relembra-se aqui a competência que os
integrantes da comissão têm para, com o uso de suas senhas de acesso a sistemas
informatizados e de seus conhecimentos técnicos sobre a matéria-fim, proceder por conta
própria às pesquisas, tentando ao máximo evitar a dependência de agentes externos.
objeto apurações a serem realizadas nas bases de dados localizadas nos órgãos do
Ministério da Fazenda, no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) ou na
Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev).
Portanto, sendo a apuração especial uma forma objetiva de se coletar uma prova, não
há que se dar prévia notificação de sua realização ao acusado e muito menos que a ele se
estender direito de quesitar. Até porque qualquer quesito que o acusado pudesse acrescentar
ao pedido de apuração especial seria, na verdade, um dado adicional que poderia ser extraído
do banco de dados - ao mesmo tempo, de extração independente dos dados originalmente
solicitados e não atuando na leitura que deles se obtém - e que deveria ser considerado um
outro pedido de prova, dissociado do primeiro, passível de ser provocado pelo acusado em
qualquer momento no curso do processo, e de realização sob jugo da comissão. Em síntese, a
apuração especial figura como um mero desarquivamento de dados, no sentido mais amplo do
652
termo - a exemplo do que pode ocorrer com documentos ou processos da matéria-fim para
instruir o processo disciplinar, para cujos desarquivamentos não se cogita de quesitação da
parte.
Antes de adentrar no tema, convém destacar que a prova pericial, em seu sentido
amplo da expressão, à vista das possibilidades de acarretar demora e/ou custo, somente deve
ter sua realização deliberada pela comissão se o fato em questão for imprescindivelmente
relevante para o deslinde do processo e se seu esclarecimento depender única e
exclusivamente de conhecimento técnico especializado, sem outra forma de ser suprido.
Ainda dentro do sentido lato da prova pericial, repisa-se a relevância da designação de pelo
menos um integrante da comissão com conhecimentos da área-fim de que trata o processo,
como forma de suprir o colegiado de condições de ele mesmo realizar pesquisas, exames, etc,
diminuindo a dependência em relação a agentes externos.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada
de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de
prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa
elucidação dos fatos.
Art. 156.
§ 2º Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fato independer
de conhecimento especial de perito.
Todavia, o dispositivo legal tão-somente enumerou estes dois conceitos, mas não
cuidou de defini-los e muito menos de diferenciá-los. À vista da fungibilidade dos dois
termos, interpreta-se pela possibilidade de designação tanto de um quanto de outro (perito ou
técnico), no curso do processo administrativo disciplinar, de forma que, atendidos os
princípios da ampla defesa e do contraditório no que tange a este tipo de prova, o pormenor da
terminologia porventura adotada pela comissão, por si só, não terá o condão de inquinar o ato
instrucional de nulidade.
653
Não obstante, a despeito do hábito de se empregar o termo “perito” lato sensu para
qualquer tipo de manifestação de conhecimento específico, pode-se inferir uma formal
diferenciação entre perito stricto sensu e assessor técnico (ou, simplesmente, técnico).
O sentido mais estrito do termo “perito” refere-se à pessoa cujo cargo público é
especificamente perito. Mais do que um conhecimento, este servidor tem uma atribuição legal
de exercer a atividade de perícia, manifestando-se, no que for provocado, por meio de laudo
pericial (por exemplo, uma pessoa que ocupa o cargo público de perito do Departamento de
Polícia Federal, no pleno exercício de seu munus público, pode elaborar um laudo pericial
grafotécnico).
Assim, somente se cogita de perícia, no sentido com que este termo é aplicável ao
processo disciplinar, realizada em seara pública. Pela própria definição de perito ser o detentor
do cargo público para tal munus (a despeito do senso comum tratar o termo “perito” com uma
abrangência lato sensu), não se cogita de perito privado, de forma que o perito, sendo sempre
um servidor, é dotado de fé pública. As assessorias técnicas, por sua própria definição, nem
sempre são realizadas em seara pública; mas, sempre que possível, devem sê-lo, de forma que,
preferencialmente, o assessor técnico seja servidor, dotado de fé pública. Diferentemente do
perito, o assessor técnico, excepcionalmente, na ausência da requerida especialização em
seara pública, até pode não ser um servidor público, mas sim um agente privado.
Destaque-se que ambos, ao emitirem um laudo (seja pericial, seja técnico), laboram
em prova para o processo. Em outras palavras, a manifestação do perito ou do assessor
técnico é, em si, uma prova processual; o laudo pericial ou técnico é a prova em si sobre o
assunto que se quer esclarecer.
CPP - Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente
o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados. (Redação dada pela Lei nº
8.862, de 28/03/94)
Assim, se a comissão, na sua livre convicção, entende necessária alguma perícia para
instruir o processo (em situações que exijam conhecimento técnico especializado e para as
quais exista um cargo público específico de perito, tais como exame grafotécnico; transcrição
de prova obtida por meio de interceptação telefônica, gravação ou filmagem; tradução
juramentada, dentre outras), deve deliberar em ata e entregar notificação (nas formas e meios
permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3) ao acusado, ofertando-lhe prazo para apresentação, por
escrito, de quesitos. Tratando-se de matéria de natureza policial, tradicionalmente se busca o
Departamento de Polícia Federal (em extensão ao comando do art. 144, § 1º, I e IV da CF,
que atribuiu competência exclusiva para atuar como polícia judiciária da União), mas sem
prejuízo de se empregarem outros órgãos, como a Polícia Civil estadual. Citam-se ainda,
como outros exemplos, os tradutores juramentados, os ofícios de registros de imóveis, juntas
comerciais, etc.
especializado e para as quais não exista um cargo público específico de perito, tais como,
dentre outras, inventário de bens; exame contábil; avaliação de bens; conferência de valores e
avaliações técnicas de equipamentos ou mercadorias, mesmo que estes bens, valores,
equipamentos ou mercadorias estejam confiados a servidores acusados de malversação),
igualmente deve deliberar em ata e entregar notificação (nas formas e meios permitidos em
4.3.11.3 e em 4.4.3) ao acusado, ofertando-lhe prazo para apresentação, por escrito, de
quesitos.
CPP - Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.
Para ambos os casos, não se afasta a prerrogativa de a comissão, com base no art. 156,
§ 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, indeferir quesitos impertinentes, protelatórios ou sem
interesse para o esclarecimento dos fatos. Ademais, como a Lei nº 8.112, de 11/12/90, é
silente acerca deste prazo, recomenda-se a integração com a Lei nº 9.784, de 29/01/99, de
onde se pode extrair duas referências: três dias úteis ou cinco dias corridos, optando pelo mais
benéfico à parte.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência
ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local
de realização.
Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo
processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco
dias, salvo motivo de força maior.
Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante
comprovada justificação.
Uma vez que a normatização é silente quanto a quem cabe designar o perito, pode-se
tê-lo designado nos autos por portaria tanto do presidente da comissão quanto da autoridade
instauradora. Por uma questão de cautela, a fim de evitar alegação da defesa de interferência
da comissão na designação e consequentemente no trabalho do perito, pode-se recomendar a
opção mais conservadora, qual seja, da designação ficar a cargo da autoridade instauradora.
Diante do silêncio da lei, a cautela acima não significa ilegal a designação por parte do
presidente da comissão, de forma que aquela eventual alegação é perfeitamente afastável se
não se configurar efetivo prejuízo à defesa. Mesmo nesta hipótese, recomenda-se que a
comissão encaminhe o pedido de realização da perícia via autoridade instauradora, com a
indicação do órgão e do perito (se for o caso), do tema a ser desenvolvido e dos quesitos que
devam ser respondidos. Mas tal margem de liberalidade aqui admitida a favor do presidente
da comissão é obrigatoriamente afastada no caso excepcional de a perícia acarretar custo,
devendo então a comissão solicitar à autoridade instauradora sua realização, expondo os
motivos que a justifiquem, bem como o respectivo custo.
Da mesma forma que se expôs para perícia, uma vez que a normatização também é
silente quanto a quem cabe designar o assessor técnico, pode-se tê-lo designado nos autos por
portaria tanto do presidente da comissão quanto da autoridade instauradora. Por uma questão
de cautela, a fim de evitar alegação da defesa de interferência da comissão na designação e
consequentemente no trabalho do assessor técnico, pode-se recomendar a opção mais
conservadora, qual seja, da designação ficar a cargo da autoridade instauradora. Diante do
silêncio da lei, a cautela acima não significa ilegal a designação por parte do presidente da
comissão, de forma que aquela eventual alegação é perfeitamente afastável se não se
configurar efetivo prejuízo à defesa. Mesmo nesta hipótese, recomenda-se que a comissão
encaminhe o pedido de realização da assessoria técnica via autoridade instauradora, com a
indicação do órgão e do assessor técnico (se for o caso), do tema a ser desenvolvido e dos
quesitos que devam ser respondidos (a perícia contábil, por exemplo, pode ser solicitada à
projeção local ou regional de fiscalização). Mas tal margem de liberalidade aqui admitida a
favor do presidente da comissão é obrigatoriamente afastada no caso excepcional de, em
655
função do tema, for inviável a realização de assessoria técnica em órgão público e o ato
acarretar custo, devendo então a comissão solicitar à autoridade instauradora autorização para
sua realização por particulares, expondo os motivos que a justifiquem e indicando quem
poderá realizá-la, bem como o respectivo custo.
Neste rumo, o art. 13 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, que traça normas gerais para
a atuação correcional no âmbito do Ministério da Fazenda, prevê a competência para que a
autoridade disciplinar requisite a titulares de unidades do órgão da Pasta a indicação de
servidores para o tipo de atuação de que aqui se trata, reservando que, como regra geral, sobre
este servidor não recai ônus de dedicação integral, a menos de casos de específica extrema
necessidade.
Não obstante, a gratuidade reinante no processo disciplinar não veda que o acusado, a
seu exclusivo critério e às suas expensas, contrate assistente técnico privado para fazer-lhe um
laudo técnico. A juntada aos autos de uma manifestação técnica emitida por um particular, a
pedido do acusado, não vincula a convicção da comissão; caberá ao colegiado apreciar a
validade como prova, de acordo com o restante do conjunto probatório.
Como forma de buscar maior agilização na entrega do laudo, convém que a comissão
entre em contato com a unidade, órgão ou entidade onde será realizada a prova, com o fim de
identificar quem efetivamente procederá ao trabalho e de buscar um contato pessoal.
o perito ou o assessor técnico atuam no processo por meio de seu laudo, respondendo aos
quesitos da comissão e do acusado e, posteriormente, a parte é notificada da juntada do laudo
e sobre ele, pessoalmente ou por meio de seu procurador ou de assistente técnico, exercita o
contraditório, podendo contestar suas conclusões. Excepcionalmente, pode o perito ou
assessor técnico serem convocados a prestarem prova oral, com o fim de melhor esclarecerem
pontos de seus laudos, na condição de declarantes (em razão de já terem participado do
processo como perito ou assessor técnico, estão impedidos para testemunhar, nos termos do
inciso I do art. 18 da Lei nº 9.784, de 29/01/99).
“Não há previsão legal de que o acusado possa acompanhar, diretamente ou por assistente
técnico privado, a realização dos exames que subsidiarão a feitura do laudo pericial.
Faculta-se-lhe, no entanto, valer-se de assistente técnico privado para contestação de
elementos do laudo pericial ou então para a inquirição do perito.
Observe-se, a respeito, que a contratação de assistente técnico é apenas mais uma
faculdade do acusado, isto é, não há qualquer obrigatoriedade da intervenção desse
profissional no feito disciplinar.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 193, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/
Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
“(...) Mesmo que não haja acompanhamento da perícia, pois muitas vezes esse exame
técnico é feito por órgão ou entidade oficial competente, é sempre possível contraditar o
laudo apresentado, podendo-se requerer a inquirição do perito em audiência.” Sérgio
Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Processo Administrativo”, pg. 139, Malheiros Editores,
1ª edição, 2001
que seja relevante e imprescindível para a convicção global, pode a comissão já de início
provocar o exame grafotécnico, enquanto transcorrem em paralelo demais atos de instrução.
Para proceder ao exame grafotécnico, a comissão deve se orientar com perito do órgão
público competente (em princípio, Departamento de Polícia Federal) sobre o conteúdo do
texto a ser ofertado. Não havendo escritos para a comparação ou se forem insuficientes os
exibidos, seguindo as orientações técnicas, pode a própria comissão proceder à coleta de
material.
CPP - Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra,
observar-se-á o seguinte:
I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se
for encontrada;
II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa
reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre
cuja autenticidade não houver dúvida;
III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que
existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí
não puderem ser retirados;
IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a
autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se estiver ausente a pessoa,
mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se
consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever.
Art. 235. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial,
quando contestada a sua autenticidade.
Além da perícia médica lato sensu, empregada para se atestar qualquer problema de
saúde do servidor e que será abordada no tópico seguinte, outra perícia médica de natureza
mais específica é aquela em que se avaliam a sanidade mental e a imputabilidade do acusado,
a cargo de junta médica oficial da Superintendência de Administração do Ministério da
Fazenda, e será abordada em tópico à parte, em 4.4.17.
A concessão de licença médica pode se dar a pedido ou de ofício e requer maior rigor
formal a medida em que se aumenta o período, conforme estabelecem os arts. 202 a 204 da
Lei n° 8.112, de 11/12/90, regulamentados pelo Decreto nº 7.003, de 09/11/09, que por sua
vez, foram praticamente reproduzidos na Orientação Normativa MPOG/SRH nº 3, de
23/02/10.
A licença médica que não ultrapasse o período de cinco dias corridos e que, somada a
outras licenças para tratamento de saúde gozadas no período de doze meses anteriores, seja
inferior a quinze dias, pode ser concedida dispensando-se a perícia (ou inspeção) médica
oficial, desde que seja apresentado atestado particular em até cinco dias do início do
afastamento, sob pena de, não havendo motivo justificado, se considerar falta ao serviço, nos
termos do art. 44 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Para licenças acima de cinco dias corridos ou
que somem mais de quinze dias em doze meses, obriga-se que a licença médica seja
concedida mediante perícia médica oficial. Para licença médica que não some mais que 120
dias, seja em uma única licença, seja na soma das licenças concedidas em um período de doze
meses, a perícia médica pode ser realizada por apenas um médico singular do órgão; para
licença médica que ultrapasse 120 dias, seja em uma única licença, seja na soma das licenças
concedidas em um período de doze meses, a perícia médica obrigatoriamente deve ser
realizada por junta médica oficial, composta de três médicos. Ademais, as licenças
decorrentes por motivo odontológico devem ser realizadas por cirurgião-dentista.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 202. Será concedida ao servidor licença para tratamento de
saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a
que fizer jus.
Art. 203. A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base em perícia
oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
659
CC - Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá
aproveitar-se de sua recusa.
Decreto nº 7.003, de 09/11/09 - Art. 3º A licença para tratamento de saúde será concedida
ao servidor, a pedido ou de ofício:
I - por perícia oficial singular, em caso de licenças que não excederem o prazo de cento e
vinte dias no período de doze meses a contar do primeiro dia de afastamento; e
II - mediante avaliação por junta oficial, em caso de licenças que excederem o prazo
indicado no inciso I.
Parágrafo único. Nos casos previstos no inciso I, a perícia oficial deverá ser solicitada
pelo servidor no prazo de cinco dias contados da data de início do seu afastamento.
Art. 4º A perícia oficial poderá ser dispensada para a concessão de licença para
tratamento de saúde, desde que:
I - não ultrapasse o período de cinco dias corridos; e
II - somada a outras licenças para tratamento de saúde gozadas nos doze meses anteriores,
seja inferior a quinze dias.
§ 1º A dispensa da perícia oficial fica condicionada à apresentação de atestado médico ou
odontológico, que será recepcionado e incluído no Sistema Integrado de Administração de
Recursos Humanos - SIAPE, módulo de Saúde.
§ 2º No atestado a que se refere o § 1º, deverá constar a identificação do servidor e do
profissional emitente, o registro deste no conselho de classe, o código da Classificação
Internacional de Doenças - CID ou diagnóstico e o tempo provável de afastamento.
§ 3º Ao servidor é assegurado o direito de não autorizar a especificação do diagnóstico em
seu atestado, hipótese em que deverá submeter-se à perícia oficial, ainda que a licença não
exceda o prazo de cinco dias.
§ 4º O atestado deverá ser apresentado à unidade competente do órgão ou entidade no
prazo máximo de cinco dias contados da data do início do afastamento do servidor.
§ 5º A não apresentação do atestado no prazo estabelecido no § 4º, salvo por motivo
justificado, caracterizará falta ao serviço, nos termos do art. 44, inciso I, da Lei nº 8.112,
de 11 de dezembro de 1990.
§ 6º A unidade de recursos humanos do órgão ou entidade do servidor deverá encaminhar
o atestado à unidade de atenção à saúde do servidor para registro dos dados
indispensáveis, observadas as normas vigentes de preservação do sigilo e da segurança
das informações.
§ 7º Ainda que configurados os requisitos para a dispensa da perícia oficial, previstos nos
incisos I e II do caput, o servidor será submetido a perícia oficial a qualquer momento,
mediante recomendação do perito oficial, a pedido da chefia do servidor ou da unidade de
recursos humanos do órgão ou entidade.
Art. 5º Na impossibilidade de locomoção do servidor, a avaliação pericial será realizada
no estabelecimento hospitalar onde ele se encontrar internado ou em domicílio.
Art. 8º A perícia oficial para concessão de licença para tratamento de saúde, nas hipóteses
em que abranger o campo de atuação da odontologia, será efetuada por cirurgiões-
dentistas.
660
“Fica a critério do perito a presença de acompanhante durante a perícia, desde que este
não interfira nem seja motivo de constrangimento, pressão ou ameaça ao perito ou ao
periciado.
O comparecimento a consulta com profissional de saúde, tratamento, procedimentos ou
exames, por uma fração do dia, não gera licença, por falta de amparo legal, mas deverá
ser comprovado por meio de declaração de comparecimento emitida pelo profissional
assistente, para servir como justificativa de afastamento, ficando a critério da chefia
imediata do servidor a compensação do horário, conforme a legislação em vigor
(parágrafo único do art. 44 da Lei no 8.112, de 1990).
O atestado do assistente não reúne, por si só, os elementos suficientes para a concessão de
licenças motivadas por incapacidade resultante de doença ou lesão. Cabe ao perito retirar
do atestado as informações que servirão de base para orientar seu trabalho, podendo
acatar ou não a sugestão do profissional assistente. Para tanto o perito poderá solicitar ao
servidor ou seu dependente legal a apresentação de pareceres, exames, atestados e
relatórios (...).”, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - Secretaria de
Recursos Humanos, “Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal”,
2ª edição, 2014, pgs. 7 de seu Capítulo I, 15 de seu Capítulo II e 36 de seu Capítulo III
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 230. A assistência à saúde do servidor, ativo ou inativo, e
de sua família compreende assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica e
farmacêutica, terá como diretriz básica o implemento de ações preventivas voltadas para a
promoção da saúde e será prestada pelo Sistema Único de Saúde - SUS, diretamente pelo
órgão ou entidade ao qual estiver vinculado o servidor, ou mediante convênio ou contrato,
ou ainda na forma de auxílio, mediante ressarcimento parcial do valor despendido pelo
servidor, ativo ou inativo, e seus dependentes ou pensionistas com planos ou seguros
privados de assistência à saúde, na forma estabelecida em regulamento. (Redação dada
pela Lei nº 11.302, de 10/05/06)
§ 1º Nas hipóteses previstas nesta Lei em que seja exigida perícia, avaliação ou inspeção
médica, na ausência de médico ou junta médica oficial, para sua realização o órgão ou
entidade celebrará, preferencialmente, convênio com unidades de atendimento do sistema
público de saúde, entidades sem fins lucrativos declaradas de utilidade pública, ou com o
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
§ 2º Na impossibilidade, devidamente justificada, da aplicação do disposto no parágrafo
anterior, o órgão ou entidade promoverá a contratação da prestação de serviços por
pessoa jurídica, que constituirá junta médica especificamente para esses fins, indicando os
nomes e especialidades dos seus integrantes, com a comprovação de suas habilitações e de
que não estejam respondendo a processo disciplinar junto à entidade fiscalizadora da
profissão. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
§ 3º Para os fins do disposto no caput deste artigo, ficam a União e suas entidades
autárquicas e fundacionais autorizadas a: (Incluído pela Lei nº 11.302, de 10/05/06)
I - celebrar convênios exclusivamente para a prestação de serviços de assistência à saúde
para os seus servidores ou empregados ativos, aposentados, pensionistas, bem como para
seus respectivos grupos familiares definidos, com entidades de autogestão por elas
patrocinadas por meio de instrumentos jurídicos efetivamente celebrados e publicados até
12 de fevereiro de 2006 e que possuam autorização de funcionamento do órgão regulador,
sendo certo que os convênios celebrados depois dessa data somente poderão sê-lo na
forma da regulamentação específica sobre patrocínio de autogestões, a ser publicada pelo
661
mesmo órgão regulador, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias da vigência desta Lei,
normas essas também aplicáveis aos convênios existentes até 12 de fevereiro de 2006;
(Incluído pela Lei nº 11.302, de 10/05/06)
II - contratar, mediante licitação, na forma da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,
operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde que possuam autorização
de funcionamento do órgão regulador; (Incluído pela Lei nº 11.302, de 10/05/06)
Ocorre que, para fins disciplinares, a não consideração do atestado particular requer
mais do que a simples apresentação intempestiva, pois esta instância atua sobre um bem
merecedor de tutela muito mais forte que a repercussão pecuniária. Em instância punitiva, se
demonstra mais relevante a análise de mérito que o setor médico oficial pode fazer sobre as
informações constantes do atestado particular, homologando-o ou não.
662
Isto porque, por óbvio, o atestado particular, além de ter de ser apresentado no prazo,
requer também a homologação por parte do setor médico oficial. Por um lado, a homologação
oficial do atestado particular trazido pelo servidor, cujo período abrangido afastaria a
materialidade do ilícito, ainda que intempestivamente apresentado, veda qualquer repercussão
contrária ao servidor, seja pecuniária, seja disciplinar. Por outro lado, no extremo oposto, a
não homologação deste atestado particular, ainda que apresentado tempestivamente, dentro da
competência legal do setor médico oficial, por discordar material e tecnicamente dos motivos
expostos pelo médico particular, em regra, pode permitir a repercussão tanto pecuniária
quanto disciplinar. E, na situação intermediária, em que a não homologação daquele atestado
externo decorre apenas do aspecto formal de ter sido intempestivamente apresentado, ou seja,
por aspecto meramente formal, embora se autorize que se proceda ao desconto pecuniário e,
em princípio, que até se cogite de suposta configuração de ilícito, tem-se que atuar com
cautela para fim disciplinar, sujeitando que a confirmação da imputação ou o seu afastamento
dependerá do rito contraditório do devido processo legal, com a análise das peculiaridades de
cada caso em concreto.
Tanto é verdade que na situação intermediária acima não se adota nenhuma resposta
apriorística para as repercussões e que deve se atentar às condições e particularidades de cada
caso, conforme o rito contraditório possa enriquecer a instrução processual, que, neste rumo,
se obtêm manifestações jurisprudenciais de diferentes resultados. Menciona-se,
primeiramente, julgado em que a Corte Superior manteve a demissão de servidor, por
abandono de cargo, em virtude da não homologação de atestado médico particular por
aspectos formais, por parte do órgão oficial, destacando-se que, embora o caso em concreto
não se referisse a problema de saúde mental, a linha de argumentação do julgado atribuiu
relevância ao aspecto formal da homologação do atestado de forma a se presumir que, mesmo
que a moléstia fosse mental, a decisão poderia ser a mesma.
Todavia, por outro lado, a mesma Corte Superior, emitiu dois julgados mais recentes,
afastando a pena demissória em casos de formal configuração de abandono em que os
servidores não haviam cumprido formalidades de apresentar à Administração os atestados
médicos de moléstias mentais, acatando a possibilidade de o não cumprimento de formalidade
ter se devido justamente à perturbação mental.
Por fim, conforme já aduzido em 3.2.5, vale destacar que o fato de o servidor estar de
licença médica não necessariamente o impede de acompanhar o processo administrativo
disciplinar (sobretudo se a licença médica advém de males meramente físicos, dissociados da
capacidade mental). Uma vez que a comissão disciplinar não é legalmente competente para se
manifestar sobre questões de saúde, recomenda-se que questione a junta médica oficial se o
motivo da licença incapacita ou não o servidor de acompanhar o processo administrativo
disciplinar. Em caso positivo, não havendo procurador constituído nos autos, recomenda-se a
suspensão dos trabalhos (o que não se confunde com suspensão do prazo prescricional).
ordenamento pelo parágrafo único do art. 21 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, a rigor, não
se alinha aos limites do art. 18 da Lei nº 9.784, de 29/01/99. Obviamente, os dispositivo são
válidos e vigoram no ordenamento interno, mas extrapolam os limites do impedimento
previsto na Lei, porque o texto legal restringe a crítica inafastável à isenção à hipótese de o
servidor acumular mais de uma atuação no mesmo processo, mas não para processos distintos,
como é o caso da hipótese regulamentada pela Portaria MF e pela Portaria RFB, já que a
atuação em procedimento no âmbito do Ministério Público ou em processo no âmbito do
Poder Judiciário passou a também impor vedação intransponível para atuação em outro feito,
na instância disciplinar.
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 21. O servidor que atue em atividades correcionais
e que seja designado para atuar como perito ou auxiliar do Poder Judiciário, do Ministério
Público ou de qualquer outro órgão deverá comunicar tal fato à respectiva corregedoria e
ao titular do órgão ou da unidade de lotação, independentemente de qualquer ato nesse
sentido praticado pela autoridade que o designou.
Parágrafo único. O servidor que for designado para atuar como perito, nas situações
previstas no caput deste artigo, será afastado imediatamente das atividades da comissão de
sindicância ou de processo disciplinar que trate dos mesmos fatos objeto da perícia.
Avançando no tema, pode ser necessário à comissão obter não apenas um documento
ou um dado pronto e já existente em si, mas sim formular uma consulta, interna ou externa,
envolvendo algum questionamento acerca de um tema técnico para o qual não se sinta segura
665
Poderes externos à Secretaria da Receita Federal do Brasil, mais uma vez sob a luz dos
princípios do formalismo moderado e da legalidade, presume-se que a Administração
concedeu autorização para que a comissão se reporte diretamente à respectiva autoridade
competente, sem necessidade de provocação da via hierárquica interna, bem como indique seu
próprio endereço de instalação para recebimento da resposta. Não obstante parecer pouco
plausível o emprego do instituto da consulta dirigido a Poder Judiciário e a Ministério
Público, pode-se repetir aqui o que se afirmou em linhas anteriores, acerca da aceitável prática
ajustada entre determinados Chefes de Escor e presidentes de comissões, no sentido de que
provocações dirigidas àqueles órgãos sejam encaminhadas pela autoridade instauradora.
Por fim, diferenciando as assistências técnicas das consultas, tem-se que as demandas
da comissão tanto podem ater-se apenas a meros aspectos procedimentais relacionados aos
fatos investigados, cuja normatização ou orientação esteja afeta a outra área da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, distinta da Corregedoria (que são as demandas solucionáveis por
meras consultas), quanto podem exigir conhecimentos técnicos de maior especificidade, que
requeiram a indicação individualizada de determinados especialistas na matéria.
Em outras palavras, enquanto o perito e o assessor técnico emitem juízo de valor sobre
fatos ou dados pré-existentes acerca dos quais sejam especialistas ou detenham específico
conhecimento, por meio de laudo que, ao final, consubstancia-se em si como prova, o
assistente técnico apenas provê subsídios à comissão, por meio dos conhecimentos ou
informação repassados, para que ela mesma forme seu juízo de valor acerca dos fatos ou
dados pré-existentes, não laborando uma prova.
O art. 156 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, determina que deve ser oportunizado ao
acusado o direito de formular quesitos à perícia e à assessoria técnica, sem mencionar
assistência técnica. Não obstante, na esteira, é recomendável estender o mesmo direito aos
casos relativos à demanda por assistência técnica pela comissão disciplinar, notificando o
acusado (nas formas e meios permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3), mas sem prejuízo da
prerrogativa de o colegiado, com base no art. 156, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, indeferir
quesitos impertinentes, protelatórios ou sem interesse para o esclarecimento dos fatos.
Feita a presente diferenciação entre perícia (lato sensu) e assistência técnica na forma
como são empregados em instância disciplinar, convém destacar que não se deve confundir a
forma de emprego destes institutos em instância administrativa com a forma pela qual são
previstos na seara judicial.
CPC - Art. 421 - O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para entrega do
laudo.
§1º Incumbe às partes, dentro de cinco (5) dias, contados da intimação do despacho de
nomeação do perito:
I - indicar o assistente técnico;
II - apresentar quesitos.
Nota Técnica Coger nº 2005/4: “Ementa: (...) Não há previsão legal que permita ao
acusado designar assistente para acompanhar perícia
Por fim, convém relembrar a cláusula de sigilo que recai sobre a matéria disciplinar, de
forma que, caso seja necessário o repasse de elementos dos autos para uma unidade estranha
ao sistema correcional ou para um órgão estranho à Secretaria da Receita Federal do Brasil ou
individualmente para um assistente técnico, deve a comissão cuidar de faze-lo no limite dos
documentos necessários à resposta esperada, não cabendo entrega de cópia integral dos autos.
E a cautela se redobra, à vista de dados protegidos por sigilo fiscal, no caso provocação
remetida a órgão externo.
4.4.11 - Acareação
Expressamente, para casos em que se detectem contradições em seus depoimentos, o
art. 158, § 2º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, prevê a realização de acareação entre testemunhas.
O art. 159, § 1º da mesma Lei também prevê acareação entre acusados quando divergirem em
seus interrogatórios. Em sentido estrito, a Lei não prevê acareação entre testemunha e
acusado, mas também não a veda de forma expressa. Não obstante, se aceita que, tomados
aqueles dispositivos estatutários em leitura mais abrangente, em conjunto com uma aplicação
extensiva do art. 229 do CPP, até se pode cogitar de acareação entre testemunhas e acusados,
apesar de suas opostas possibilidades de omitir verdades e de não produzir provas contra si
mesmos.
CPP - Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha,
entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas
ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias
relevantes.
Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de
669
Mas, em situação excepcional, caso não se aplique o que acima foi exposto, tendo sido
constatada divergência relevante e insolucionável por outro meio, o presidente da comissão,
nas formas e meios permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3, intimará os depoentes cujas
declarações sejam divergentes, indicando local, dia e hora para a competente acareação e
também notificará o acusado, com três dias úteis de antecedência (art. 41 da Lei nº 9.784, de
29/01/99).
Se ausente algum dos intimados para a acareação, ao que estiver presente dar-se-á a
671
CPP - Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra,
que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se
no auto o que explicar ou observar. (...)
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito
de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das
pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
§ 1o As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida
privada, honra e imagem:
I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo
máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos
legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e
II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal
ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.
§ 4o A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa
não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de
irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações
voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.
“É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser
672
De um lado, é certo que no contexto atual surgem situações em que agentes públicos e
instituições financeiras - mais do que simplesmente terem amparo - devem mesmo repassar a
outras autoridades os dados fiscais ou bancários a que têm acesso em função do ofício, pois
não se cogita de que a garantia fundamental da pessoa tenha sido erigida na CF com o fim de
acobertar ilícitos e proteger infratores, em detrimento do interesse público. Na presunção de
boa-fé a informar o Direito, os sigilos constitucionalmente eleitos devem proteger apenas as
operações lícitas, sendo certa, portanto, a possibilidade de se juntarem ao PAD dados
protegidos por aquelas cláusulas de sigilo, tanto do próprio acusado como até, se necessário,
de terceiros.
Mas, por outro lado, é de se destacar que os sigilos fiscal e bancário somente devem
ser afastados diante da existência de fundados indícios de grave irregularidade e em caráter
excepcional, quando o interesse público deve prevalecer sobre o direito individual. E, mesmo
nestas hipóteses excepcionais, os dados disponibilizados somente devem ser utilizados pela
autoridade solicitante de forma restrita, limitadamente para a apuração que justificou o
afastamento da inviolabilidade, mantendo-se a obrigação do sigilo em relação às pessoas
estranhas ao processo ou procedimento administrativo em curso.
4.4.12.1 - O Dever Funcional de o Agente do Fisco Guardar Sigilo dos Dados Fiscais e a
Questão do Ministério Público
Iniciando-se pelo sigilo fiscal, tem-se que ao mesmo tempo em que o ordenamento
permite ao Fisco acessar dados patrimoniais, econômicos e financeiros de pessoas físicas e
jurídicas a fim de proceder à sua competência constitucional e legal, este mesmo ordenamento
veda que o agente fiscal torne públicos os dados particulares obtidos em razão do ofício, e
considera que a imotivada divulgação configura violação do dever de guardar sigilo funcional,
com repercussões administrativa e até penal e civil.
673
CTN - Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação,
por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do
ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre
a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lei
Complementar nº 104, de 10/01/01)
Tão-somente por esta definição genérica, jamais se duvidou, pelo simples senso
comum, que, por um lado, a obrigatoriedade de guardar sigilo se opera, por exemplo, sobre as
declarações de ajuste anual de imposto sobre a renda de pessoas física ou jurídica e sobre os
balanços contábeis destas últimas. Também, por outro lado, sempre restou inequívoco que não
são protegidos pela cláusula de sigilo fiscal os meros dados cadastrais de identificação de
contribuintes (tais como nome, endereço, filiação e contatos pessoais e eletrônicos e a
regularidade ou não de sua situação fiscal) e composição societária. E, neste sentido,
mencionem-se manifestações tanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio da Cosit.
prescreve que se considera de domínio público os dados das pessoas físicas ou jurídicas,
que, por força de lei, devam ser submetidos a registro público.
10.3 O endereço se enquadra naqueles “dados que não informem a situação econômica ou
financeira dos contribuintes”, constante da parte final do § 1º do art. 2º da IN SRF nº 19,
de 1998. A prestação dessa informação consta de alguns convênios celebrados pela RFB
com órgãos públicos, como por exemplo o convênio celebrado entre a RFB e o Ministério
Público de Minas Gerais.
10.4 Assim, em caso de informação a ser prestada sistematicamente, deve-se celebrar
convênio com o objetivo de uniformizar e controlar a transferência dos dados da RFB, até
porque na maioria dos casos essa transferência se dá via internet, mediante consulta on
line, sem a interferência direta desse órgão.”
Objetivamente, foram definidos como dados protegidos por sigilo fiscal todos aqueles
obtidos em razão do ofício que revelem a riqueza de forma mais geral de sujeito passivo e de
terceiros ou que revelem suas atividades negociais e empresariais quando as informações
destas atividades foram obtidas para fins de fiscalização e arrecadação tributária (tanto de
tributos internos quanto aduaneiros). Por outro lado, a norma interna expressou a exclusão de
meros dados cadastrais de identificação de contribuintes, que abarcam a participação
societária, e da regularidade de sua situação fiscal, bem como dados econômico-fiscais
apresentados de forma agregada.
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações
sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de
arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros, tais como:
I - as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e
movimentação financeira ou patrimonial;
II - as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes
e volumes ou valores de compra e venda;
III - as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de
produção.
§ 1º Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:
I - cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que permitam sua identificação e
individualização, tais como nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação e
composição societária;
II - cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito passivo, desde que não revelem
valores de débitos ou créditos;
III - agregadas, que não identifiquem o sujeito passivo; e
IV - previstas no § 3º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 1966.
§ 2º A divulgação das informações referidas no § 1º caracteriza descumprimento do dever
675
de sigilo funcional previsto no art. 116, inciso VIII, da Lei nº 8.112, de 1990.
Art. 3º No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o acesso a informações de
que trata esta Portaria restringir-se-á aos usuários que possuam senha, chave de acesso,
certificação digital ou qualquer outro mecanismo de segurança que lhe tenha sido
regularmente concedido, nos termos de portaria específica de sistemas e perfis, que
autorize o seu acesso às bases de dados informatizadas.
Portaria RFB nº 3.541, de 07/10/11 - Art. 1º Fica aprovado o Manual do Sigilo Fiscal da
Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 2º O Manual estará disponível na intranet da RFB.
Art. 3º Os servidores da RFB, no desempenho de suas atribuições, deverão observar as
orientações contantes do Manual.
Parágrafo único. São inaplicáveis, no âmbito da RFB, eventuais interpretações que sejam
contrárias ou incompatíveis com as do Manual.
Conforme acertadamente destaca este Manual do Sigilo Fiscal, não apenas a indevida
divulgação de dados protegidos por tal cláusula importa em responsabilização disciplinar
enquadrada no art. 132, IX da Lei nº 8.112, de 11/12/90, conforme se aduzirá em 4.7.4.9, pois
o ordenamento também prevê repercussão para a divulgação de dados classificados como
meramente cadastrais e dados fiscais agregados. Obviamente, em razão da menor relevância
do bem jurídico tutelado, a divulgação destes dados repercute como descumprimento do dever
funcional de guardar sigilo sobre assunto da repartição, enquadrado no art. 116, VIII da Lei nº
8.112, de 11/12/90, sem prejuízo da possibilidade de enquadramento no art. 116, III da mesma
Lei, caso se configure o que se chama de acesso imotivado, conforme se aduzirá
respectivamente em 4.7.2.8 e em 4.7.2.3.
Ainda de acordo com o Manual do Sigilo Fiscal, os dados cadastrais (que, desde a
Instrução Normativa SRF nº 19, de 17/02/98, em seu art. 2º, §§ 1º e 2º, já eram definidos
como aqueles dados constantes de cadastro de domínio público por serem submetidos, por
força de lei, a registro público e que não informam a situação econômica ou financeira da
pessoa física ou jurídica) ou os dados econômico-fiscais agregados (que, tomando-se como
referência o disposto no art. 3º, § 2º da Portaria SRF nº 306, de 22/02/07, e segundo a
Instrução Normativa SRF nº 19, de 17/02/98, em seu art. 10, para que não haja identificação
de contribuintes, devem se reportar a, no mínimo, quatro sujeitos passivos), em princípio,
somente podem ser fornecidos, seja de forma eventual, seja de forma continuada, tanto
mediante apuração especial quanto mediante acesso direto à base de dados, nos termos de
convênio firmado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil com a entidade privada ou com
o órgão público ou entidade pública solicitante, conforme exigem, respectivamente, o art. 3º
da Instrução Normativa SRF nº 19, de 17/02/98, e o art. 4º da Instrução Normativa SRF nº 20,
de 17/02/98.
Instrução Normativa SRF nº 19, de 17/02/98 - Art. 1º Esta Instrução Normativa disciplina
os procedimentos de fornecimento de dados cadastrais e econômico-fiscais da Secretaria
da Receita Federal - SRF, a outras entidades.
676
Instrução Normativa SRF nº 20, de 17/02/98 - Art. 1º Esta Instrução Normativa disciplina
os procedimentos de fornecimento de dados cadastrais e econômico-fiscais da Secretaria
da Receita Federal - SRF, a outros órgãos e entidades da Fazenda Pública da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 2º Para fins desta Instrução Normativa, consideram-se órgãos e entidades da Fazenda
Pública aqueles dotados de competência legal para cobrar e fiscalizar impostos, taxas e
contribuições instituídas pelo Poder Público.
Art. 3º O atendimento a solicitações de fornecimento de dados cadastrais e econômico-
fiscais da SRF, efetuadas pelos órgãos e entidades de que trata o art. 1º, será executado
pela Coordenação de Tecnologia e de Sistemas de Informação - COTEC, ou por suas
projeções regionais ou locais.
Art. 4º O fornecimento de dados será condicionado sempre à celebração de convênio entre
a SRF e o órgão ou a entidade solicitante, observado modelo aprovado por ato específico.
Destaque-se que a afirmação acima (iniciada com uma expressão de cautela para lhe
afastar o caráter generalístico) e a lista meramente exemplificativa que a ilustra carecem de
análise bastante cuidadosa, atrelada às peculiaridades e às finalidades do caso em que se
aplicam, uma vez que, dependendo do contexto em que se inserem, determinados dados de
uma declaração de importação podem propiciar a um concorrente do contribuinte informações
comerciais relevantes, assim como dados de um documento de arrecadação podem permitir
uma estimativa de faturamento.
Mesmo com a alteração promovida neste art. 198 do CTN pela Lei Complementar nº
104, de 10/01/01, por meio da qual o legislador permitiu refletir no ordenamento o crescente
grau de indignação social com o uso indevido do cargo por agentes públicos, sobrevive, em
seu caput, como regra geral, a inviolabilidade do sigilo fiscal. Todavia, positivando o caráter
relativo do direito individual face ao interesse público, a nova redação passou a contemplar
maior possibilidade de regular afastamento da cláusula de proteção individual, sem que se
678
CTN - Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação,
por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do
ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre
a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os
seguintes:
I - requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II - solicitações de autoridade administrativa no interesse da administração pública, desde
que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na
entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a
informação, por prática de infração administrativa.
§ 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da administração pública, será
realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente
à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a
preservação do sigilo.
§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I - representações fiscais para fins penais;
II - inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III - parcelamento ou moratória.
(Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01)
Na esteira, informe-se que, como, por força do art. 58, § 3º da CF, as comissões
parlamentares de inquérito criadas pelo Congresso Nacional ou por suas Casas dispõem dos
mesmos poderes investigativos de autoridades judiciais, gozam da mesma prerrogativa dos
membros do Poder Judiciário no que tange ao dever do servidor do Fisco em acatar suas
requisições para fornecimento de dados protegidos por sigilo fiscal (prerrogativa esta que, por
ausência de previsão legal, não se refletem nas comissões parlamentares de inquérito de
âmbito estadual e distrital).
Mas aqui cabe um parêntese antes de prosseguir com a análise do § 1º do art. 198 do
CTN. Faz-se relevante, neste ponto, informar que o fato de o CTN, infraconstitucionalmente,
ter regulado o tema do sigilo fiscal não significa que a matéria a ele esteja restrita, sendo
possível a convivência com outros dispositivos legais. Assim, tem-se a Lei Complementar nº
75, de 20/05/93, que, conforme determinou o art. 128, § 5º da CF, dispôs sobre a organização,
as competências e o estatuto especificamente do Ministério Público da União, que engloba o
Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o
Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. Esta Lei Orgânica do Ministério
Público da União, em seu art. 8º, II, VIII e § 2º, combinado com o seu art. 24, estabelece
condições para que os membros do Parquet da União tenham acesso a dados protegidos por
sigilo fiscal, desde que atendidos os requisitos desta própria Lei Orgânica (e não os requisitos
do art. 198, § 1º, do CTN), repassando para eles a responsabilização pela preservação do
sigilo e cominando-lhe penas pela quebra indevida, em absoluta consonância com os preceitos
constitucionais que protegem a intimidade das pessoas.
Qualquer Natureza, nos termos do art. 998, § 1º, II, do Decreto nº 3.000, de 26/03/99.
Decreto nº 3.000, de 26/03/99. Art. 998. Nenhuma informação poderá ser dada sobre a
situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e
o estado dos seus negócios ou atividades (Lei nº 5.172, de 1966, arts. 198 e 199).
§1º O disposto neste artigo não se aplica aos seguintes casos (Lei nº 5.172, de 1966, arts.
198, parágrafo único, e 199, e Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, art. 8º,
§ 2º):
I - requisição regular de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II - requisição do Ministério Público da União no exercício de suas atribuições;
III - informação prestada de acordo com o art. 938 deste Decreto, na forma prevista em lei
ou convênio.
§2º A obrigação de guardar reserva sobre a situação de riqueza dos contribuintes se
estende a todos os funcionários do Ministério da Fazenda e demais servidores públicos
que, por dever de ofício, vierem a ter conhecimento dessa situação (Decreto-Lei nº 5.844,
de 1943, art. 201, § 1º).
§3º É expressamente proibido revelar ou utilizar, para qualquer fim, o conhecimento que
os servidores adquirirem quanto aos segredos dos negócios ou da profissão dos
contribuintes (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 201, § 2º).
§ 4º Em qualquer fase de persecução criminal que verse sobre ação praticada por
organizações criminosas é permitido, além dos previstos em lei, o acesso a dados,
documentos e informações fiscais e financeiras na forma prescrita na Lei nº 9.034, de 3 de
maio de 1995.
Neste sentido, a Cosit se manifestara, por meio de sua Nota nº 200, de 10/07/03.
Todavia, em função de a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ter emitido entendimentos
contrários (nos seus Pareceres PGFN/CAT nº 891/2001, 1.157/2001 e 1.443/2007, abarcando
no mesmo rol de exigências do art. 198, § 1º do CTN as requisições de dados fiscais oriundas
tanto do Ministério Público da União quanto dos Ministérios Públicos dos Estados), fez-se
necessária manifestação da Advocacia-Geral da União, que assentou o tema, da forma como
acima exposta, por meio da Nota Técnica Denor/CGU/AGU nº 179, de 21/12/07, objeto do
Despacho do Consultor-Geral da União nº 428, de 21/12/07, e do Despacho do Advogado-
Geral da União na mesma data, aprovando-a, nos termos que se seguem:
Nota Cosit nº 200, de 10/07/03: “4. Ademais, há que se ter em mente a obrigatória
observância dos dispositivos da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, cuja
aplicação não pode ser afastada na esfera administrativa, tendo em vista a estrita
vinculação legal das atividades do Ministério Público Federal, exceto na hipótese de serem
tais dispositivos, no todo ou em parte, declarados inconstitucionais, com produção, no
plano pessoal, de efeito erga omnes, seja em virtude do exercício do controle concentrado
da constitucionalidade, seja em decorrência de publicação de Resolução do Senado
Federal, com base no art. 52, inc. X, da Constituição Federal.
4.1. Dessa forma, às unidades da Receita Federal impõe-se o comando do art. 8º, § 2º, da
supracitada Lei Complementar, que, com vista a conferir amplos poderes de investigação
ao Ministério Público Federal, contém preceito proibitivo da oposição da exceção de sigilo
a essa instituição. (...)
5. Observe-se pois que o dispositivo legal acima transcrito obriga a autoridade fiscal, nas
solicitações de autoridade do Ministério Público, a compartilhar com ela informações que
detém em razão do ofício, sem, contudo, deixar de resguardar o sigilo dessas informações
que, a partir de então, é imposto a ambas as autoridades.”
Nota Técnica Cosit nº 1, de 16/01/08: “11. Dessa forma, tendo em vista que o Advogado-
Geral da União, no uso de suas atribuições legais, firmou interpretação no sentido de que
não há que se opor reserva de sigilo fiscal ao Ministério Público Federal, nos termos do
Despacho do Consultor-Geral da União nº 428/2007, dirimindo de vez as controvérsias
que ainda existiam entre os órgãos da Administração Federal, e considerando que essa
interpretação deve ser uniformemente seguida pelas unidades da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, propõe-se seja tornada sem efeito a Nota Cosit nº 372, de 2007,
restabelecendo-se, em consequência, o entendimento esposado na Nota Cosit nº 200, de
2003.”
Retornando ao art. 198 do CTN, prosseguindo no inciso II do seu § 1º, como inovação
ao texto original, passou-se a prever também a exceção para o caso da solicitação de
autoridade administrativa, externa à Secretaria da Receita Federal do Brasil, à margem de
autorização judicial. Só que, neste caso, diferentemente da requisição por parte da autoridade
judiciária (bastante por si só), o afastamento da garantia individual se dá mediante interesse da
Administração Pública (ou seja, para apuração de infração administrativa, punível pela
Administração, no âmbito de sua autotutela) e também em função de outras condições que a
682
Por ser a principal inovação legislativa sobre o tema, a hipótese que mais interessa na
presente análise sobre sigilo fiscal é a do afastamento do sigilo de um servidor por solicitação
administrativa, ao amparo do art. 198, § 1º, II do CTN. Para ser considerado regular e não
configurar o ilícito de violação de sigilo funcional, como exceção à cláusula constitucional de
proteção à intimidade e à privacidade, não havendo espontânea disponibilização pelo próprio
servidor de seus dados sigilosos, o fornecimento, por parte do agente do Fisco, para
autoridades administrativas externas à Secretaria da Receita Federal do Brasil, requer
cumulativamente que: a solicitação seja feita à autoridade fiscal por outra autoridade
administrativa no interesse da Administração Pública; e que o pedido se faça acompanhar de
comprovação da instauração de processo administrativo no órgão solicitante para apurar
infração administrativa daquele servidor de quem se solicitam os dados fiscais. Frise-se: a
hipótese em comento, a se sujeitar ao mencionado dispositivo do CTN, refere-se apenas à
disponibilização dos dados para órgão externo ao órgão fiscal; a transferência interna de
dados fiscais merecerá tratamento diferenciado no próximo tópico.
Nota Cosit nº 3, de 07/01/04: “6. Conforme verificado, o art. 198, § 1o, inciso II do CTN,
não faz restrições quanto à natureza jurídica, ente federativo ou Poder ao qual deve
pertencer a autoridade administrativa que requer informações protegidas pelo sigilo fiscal.
6.1 Em face disso, conclui-se que autoridades administrativas de entes da administração
direta (órgãos) e indireta (autarquias e fundações públicas) da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios podem, em princípio, obter da SRF informações sigilosas
de sujeitos passivos constantes dos bancos de dados do órgão, desde que atendidos os
requisitos condicionantes do deferimento do pleito.
7. Como primeiro requisito a ser mencionado, verifica-se que o requerente da informação
sigilosa necessita ser efetivamente uma autoridade administrativa, ou seja, agente público
com poder de se fazer obedecer (poder de mando) no órgão ou entidade em que exerce
suas atividades.
8. Além disso, o requerente das informações fiscais deve, evidentemente, ser a autoridade
administrativa direta ou indiretamente responsável pela condução do processo
administrativo no qual se pretende apurar a prática de infração administrativa.”
Por sua vez, o sentido da expressão “no interesse da Administração Pública” deve ser
compreendido como qualquer atividade de interesse público, ou seja, de interesse da
coletividade e de todo o conjunto social, em ato impessoal. Assim, não resta dúvida que, além
de ilícitos administrativos de naturezas diversas que não fazem parte do foco desta análise, o
pedido de fornecimento de dados fiscais, por órgão externo, cuja motivação reside na
apuração de graves ilícitos disciplinares cometidos por servidor público atende à condição
legal, visto que é de interesse público e da coletividade a devida apuração destas
683
Parecer PGFN/CDI nº 1.433/2006: “33. (...) não há dúvidas que os interesses envolvidos
na apuração de ilícitos cometidos por agentes públicos dizem respeito a toda uma
coletividade, devendo ser prestadas as informações porventura requeridas pelo órgão
processante, mesmo sendo elas protegidas por sigilo fiscal, já que o interesse particular do
investigado deve sempre ceder diante da necessidade de apuração da verdade, isto é,
diante de um interesse público maior.”
Tanto é verdadeira esta interpretação do art. 198, § 1º, II do CTN que a Controladoria-
Geral da União menciona, em sua Portaria CGU nº 335, de 30/05/06, a possibilidade de
afastamento do sigilo fiscal em sindicância patrimonial.
Neste rumo, é de se dizer que restou superada a interpretação emanada pela Cosit, em
sua já mencionada Nota nº 3, de 07/01/04, anterior ao Parecer PGFN nº 1.433/2006, no
sentido de que a transferência de dados acobertados por sigilo fiscal somente seria legalmente
autorizada ao servidor do Fisco na hipótese específica de se ter instaurado, no órgão externo
solicitante, processo administrativo disciplinar contra o investigado.
Ainda sobre as condicionantes para disponibilização externa, por óbvio, deve-se estar
diante de indício de grave irregularidade administrativa (uma vez que o pedido de dados
fiscais advém de autoridade administrativa, coerentemente o texto legal condiciona o
fornecimento à apuração apenas de infração desta natureza, não abarcando na permissão
dados solitados para apuração de infrações de naturezas distintas, como civil e penal, por
exemplo) a provocar o afastamento de uma cláusula constitucional de proteção da intimidade.
Além disto, os dados fiscais solicitados devem ser essenciais para a apuração em tela e devem
guardar direta relação com o servidor acusado e com o fato objeto da apuração. Para o foco de
maior interesse no presente, que é o correcional, faz-se necessário, então, que a autoridade
externa solicitante expresse em seu pedido os motivos que justificaram a instauração do
processo ou procedimento administrativo, demonstrando a necessidade de apurar infração
disciplinar supostamente cometida pelo servidor cujos dados fiscais se solicitam e que estes
dados guardem pertinência com a infração.
Ou seja, interpretando a leitura atual do art. 198 do CTN para o caso específico do
servidor investigado em instância disciplinar em órgão externo, como exceção à cláusula,
pode-se afastar seu sigilo, sem necessidade de autorização judicial, se for pedido por
autoridade administrativa em ato de interesse público e se houver processo administrativo
instaurado contra ele (e basta que seja processo ou procedimento administrativo qualquer, não
685
Em resumo, a inovação trazida pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01, ao art. 198
do CTN acrescentou a possibilidade de o agente fiscal afastar o sigilo do servidor investigado,
a favor de outro órgão externo, à margem de autorização judicial, mediante apenas pedido de
autoridade administrativa externa, repassando a esta autoridade solicitante não só os dados
protegidos mas também a responsabilidade de preservar seu sigilo. Em outras palavras, o
ordenamento propicia à autoridade externa o acesso e o uso dos dados fiscais, mas não a sua
divulgação.
estrutura e competências) de algum órgão que conceda tais prerrogativas teriam o condão de
superar o art. 198 do CTN somente é aceitável se aquele diploma legal também possuir o
mesmo status de lei complementar (conforme figura como exemplo ilustrativo o caso do
Ministério Público da União, ao amparo da Lei Complementar nº 75, de 20/05/93, já abordado
em 4.4.12.1).
Parecer AGU nº GQ-110, vinculante: “39. Consoante antes assinalado, ambas as leis em
jogo - tanto a Lei n. 4.595, de 31.12.64, como a Lei n. 5.172, de 25.10.1966 - foram
recepcionadas pela nova Constituição federal como se leis complementares fossem, i. é,
como as matérias de que tratam só podem ser versadas por leis complementares, a
doutrina afirma que elas adquiriram status de leis complementares. Sobre essa
modificação de categoria - digamos assim - já não existe mais controvérsia, nem
doutrinária nem jurisprudencial. Significa isso que, para derrogar os dispositivos das Leis
que estruturaram o sistema bancário e editaram o Código Tributário preciso seria que a
Lei n. 8.443, de 16.7.1992, também estivesse no nível das leis complementares. A qualidade
de lei ordinária, de que goza, não lhe outorga, portanto, qualquer poder de derrogar as
normas que amparam o sigilo bancário e o fiscal.”
Parecer PGFN nº 2.349/2011: “37. Nem se diga que as Lei nº 10.180, de 2001, e nº 10.683,
de 2003, com o auxílio de normas infralegais, albergariam o dever de a Corregedoria-
Geral da RFB fornecer os dados fiscais à CGU. O fornecimento não dispensa o
atendimento da legislação específica sobre sigilo fiscal, que, evidentemente, exige
veiculação por lei complementar ou por norma que ostente esse status. Esse não é um
argumento de hierarquia entre a lei ordinária e a lei complementar, visto que, atualmente,
é pacífica a inexistência de escalonamento entre elas. Mas é a lembrança de que tais
espécies normativas se dirigem a campos de atuação exclusivos, distinguindo-se em razão
da pertinência temática, além do quorum qualificado de aprovação desta última. À guisa
de exemplo, quando o legislador houve por bem modificar a matéria de sigilo fiscal,
veiculou a alteração através da Lei Complementar nº 104, de 2001, uma vez que o CTN ‘só
pode ser revogado ou modificado por lei formalmente complementar’.
39. Dito isto, fixa-se a premissa de que o acesso pela CGU a dados fiscais, para ser
deferido, deve obedecer à legislação pertinente ao sigilo fiscal, atualmente regulado pelos
arts. 198 e 199 do Código Tributário Nacional (CTN).
49. No tocante à espécie de procedimento, servem para transferência de dados todos os
feitos disciplinares, punitivos ou não, sob contraditório ou não, previstos no Decreto nº
5.480, de 2005, e pela Portaria CGU nº 335, de 2008, com exceção da inspeção (...).
50. Note-se que o processo administrativo de inspeção não é apto a atender o requisito
‘com objetivo de investigar a prática de infração administrativa’, pois ele não fiscaliza
diretamente o servidor por prática de infração funcional; fiscaliza os atos correcionais em
si (...).
687
51. No mais, ainda quando satisfeitos os requisitos do art. 198, deve-se atentar que esse
acesso é limitado aos dados do acusado, i. e´, nos termos do CTN, do ‘sujeito passivo a que
se refere a informação’ (aplicação do subprincípio da necessidade, pertencente ao
princípio da proporcionalidade). Isso quer dizer que, acaso constem nos autos dados
fiscais outros que não sejam do servidor acusado (empresas contribuintes, por exemplo),
não poderão ser entregues à CGU, merecendo tratamento apropriado que os resguardem
(autos apartados, ocultação de partes/excertos, ou outro meio idôneo). Sendo
imprescindível o acesso, ele precisará de autorização judicial.”
Por outro lado, em sentido oposto, cita-se a exceção, de abrigo constitucional (art. 100,
§§ 9º e 10 e art. 131 da CF) e legal (art. 4º da Lei nº 9.028, de 12/04/95), que autoriza o
fornecimento de dados protegidos por sigilo fiscal à Advocacia-Geral da União (aqui
compreendida em seus órgãos ou unidades de representação judicial da União e das autarquias
e fundações públicas federais, a saber: o Gabinete; a Procuradoria-Geral da União, incluindo
suas unidades regionais, estaduais e seccionais; a Procuradoria-Geral Federal, incluindo as
Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados, as Procuradorias
Seccionais Federais e os Escritórios de Representação), para o cumprimento de seu mister de
representar judicial ou extrajudicialmente a União, defendendo seus direitos e interesses tanto
em matéria tributária quanto em outra matéria qualquer de interesse da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, bem como para executar créditos da União e ainda para expedição de
precatórios e compensação de débitos perante a Fazenda Pública.
Lei nº 9.028, de 12/04/95 - Art. 4º Na defesa dos direitos ou interesses da União, os órgãos
ou entidades da Administração Federal fornecerão os elementos de fato, de direito e outros
necessários à atuação dos membros da AGU, inclusive nas hipóteses de mandado de
segurança, habeas data e habeas corpus impetrados contra ato ou omissão de autoridade
688
federal.
Por sintetizar diversos aspectos acima abordados, nos termos ora vigentes, didática foi
a manifestação da Cosit, nos seguintes termos:
passivo e o processo de auto de infração que deu origem a tal representação contiver
dados de terceiros, havendo requisição de informações da autoridade policial que conduz o
inquérito policial relativas ao representado, deve-se suprimir os dados daqueles, desde que
não haja indícios de sua participação no ilícito penal.”
Embora a interpretação ora adotada seja a de que o mandamento do art. 198 do CTN
volta-se ao dever do agente fiscal para com autoridades externas, nada impede que uma
comissão disciplinar designada no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil adote
uma postura mais cautelosa e conservadora de seguir os procedimentos acima descritos (mas
destaque-se que não se considera obrigatória tal postura no caso de integrantes serem agentes
do próprio Fisco). A hipótese legal do art. 198, § 1º, II do CTN ampara perfeitamente a
solicitação de dados fiscais ao titular da unidade fiscal da jurisdição do acusado, encaminhada
via Chefe do Escor (autoridade administrativa com poder de mando e indiretamente
responsável pela apuração), no interesse da Administração (para apurar, em instância
disciplinar, ilícito administrativo do servidor objeto do pedido).
Nesta linha, finalizando a análise da nova redação do art. 198 do CTN, para a hipótese
de se afastar o sigilo fiscal de servidor investigado, no interesse da Administração - ou seja, na
hipótese de o agente do Fisco fornecer dados protegidos por sigilo fiscal à outra autoridade
administrativa -, o § 2º do citado artigo estabelece que a obrigação de preservar o sigilo é
transferida para a autoridade recebedora das informações. Neste intercâmbio de dados entre
órgãos ou autoridades públicas, com vista à investigação de ilícitos administrativos,
transferem-se não só os dados fiscais solicitados, mas também a responsabilidade de não
divulgá-los, já que a autoridade solicitante receberá os dados pessoalmente e mediante recibo
que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. Assim, quando o agente do
Fisco, nos termos permitidos em lei, repassa a outra autoridade os dados protegidos por sigilo
fiscal, propiciando-lhe não só o acesso, mas também o uso dos dados, não há que se falar que
ele incorreu no ilícito de violar o dever de guardar sigilo funcional, visto que a presunção é de
que esta garantia do particular (de não ter seus dados tornados públicos ou divulgados)
permanecerá preservada.
E de outra forma não poderia ser, visto que, por óbvio, a Coger e os Escor integram a
691
Tanto é correta a interpretação acima - de que não há que cogitar de sigilo fiscal para a
atividade correcional interna - que, segundo os arts. 18, III, IV e IX; 24; 285, V; e 287, V do
Regimento Interno do órgão, a Coger, os Escor e os seus titulares são competentes, em
síntese, para verificar aspectos disciplinares em feitos fiscais; solicitar ou realizar diligência
fiscal; requisitar informações, processos, documentos e declarações de renda; e propor ação
fiscal ou sua revisão. Na esteira, para que seja possível o regular desempenho de tais
competências, a coerência do ordenamento impõe que se extraia a permissão regimental para
que a Coger e os Escor acessem quaisquer sistemas informatizados da Secretaria da Receita
Federal do Brasil bem como utilizem os dados disponibilizados para a atividade correcional.
Portaria Coger nº 14, de 30/01/14 - Art. 15. O Corregedor e os Chefes de Escor poderão
propor a realização ou revisão de ação fiscal relativa a servidor ou outras pessoas físicas
ou jurídicas que tenham tido relações de interesse fiscal com o servidor, sempre que o
exame de denúncias, representações, processos disciplinares ou outros expedientes
relacionados com a disciplina funcional assim recomendar.
Não obstante, não é demais apresentar esta fonte jurisprudencial e doutrinária. Embora
se saiba que precipuamente é voltada ao Direito Constitucional (desenvolvida que foi pelo
constitucionalismo norte-americano, mas já adotada no Direito pátrio pelo Supremo Tribunal
Federal), a teoria dos poderes implícitos, mutatis mutandis, se aplica à discussão em tela para
elucidar definitivamente a questão. Esta formulação, em síntese, elabora que, quando a
Constituição confere determinado poder a um órgão, simultânea e implicitamente aí se
incluem, a favor do órgão em si e das autoridades que o integram, amplos poderes, com todos
os meios ordinários e apropriados, necessários para a execução daquela competência. O
enunciado se sintetiza com a máxima de que, desde que guardada a adequação entre os meios
e o fim, onde se pretende o fim, restam autorizados os meios de atingi-lo. Neste rumo,
didática é a manifestação jurisprudencial.
ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos
poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da
América, no célebre caso McCulloch v. Maryland (1819), enfatiza que a outorga de
competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a
esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram
atribuídos. Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de
Marcelo Caetano (Direito Constitucional, vol. II/12-13, item nº 9, 1978, Forense), cuja
observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional e não aos
processos de elaboração legislativa - assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou
das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva,
sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente
atribuídos´. (...) Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora Presidente, a lição
definitiva de Rui Barbosa (Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. I/203-225,
coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da
teoria dos poderes implícitos (...) assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde Marshall, que
essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa
verdade fundada pelo bom senso é a de que - em se querendo os fins, se hão de querer,
necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma função,
implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas funções. (...). Quer
dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma atribuição, nela se consideram
envolvidos todos os meios necessários para a sua execução regular. Este, o princípio; esta,
a regra. Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois
fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade
evidente em toda a parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos
meios.’ (...)."
Parecer PGFN/CDI nº 1.850/2004: “22. Ora, é evidente que não se pode arguir a garantia
do sigilo fiscal contra a Secretaria da Receita Federal, órgão responsável pela guarda
dessas informações. A disposição constitucional evocada pelo acusado veda a divulgação
das informações pelo Fisco Estadual, Municipal e Federal para terceiros. No caso em
exame, além da Comissão Processante, composta por membros da Secretaria da Receita
Federal, a única pessoa que teve acesso às informações foi o advogado do acusado, razão
pela qual não ocorreu a quebra do sigilo fiscal do acusado pela Comissão Processante
responsável pelo Processo Administrativo nº (...).”
TRF da 2ª Região, Apelação Cível nº 569.327: “Ementa: Não existe quebra de sigilo
quando são aferidas - por comissão interna, corregedora - informações que o servidor, no
caso Auditor Fiscal, está legalmente obrigado a prestar, sob pena de demissão, nos termos
de dispositivo categórico da Lei nº 8.429/92. Inviável, assim, anular processo
administrativo disciplinar, sob o argumento de que houve a quebra ilegítima de sigilo
fiscal. Procedimento administrativo instaurado com base na evolução patrimonial do
autor, e albergado em disciplina regular da autoridade investigante. Absurdo cogitar de
necessidade de autorização judicial quando todos os magistrados, procuradores da
república e demais agentes públicos devem apresentar periodicamente tais dados, e
(óbvio), não para que sejam ignorados por responsáveis que, isto sim, os devem aferir.
Apelo desprovido.”
Conforme exposto em 4.4.12.2, o art. 198, § 1º, II do CTN - e também o art. 18, § 3º
da Portaria CGU nº 335, de 30/05/06, mencionada em 4.4.12, que recomenda a solicitação ao
servidor investigado da renúncia de seu sigilo fiscal - obviamente, voltam-se à Administração
como um todo e buscam harmonizar o conflito de interesses que pode se estabelecer na
hipótese de um órgão público distinto da Secretaria da Receita Federal do Brasil (e, como tal,
sem acesso a dados fiscais) necessitar de dados fiscais de um servidor de seus quadros para o
fim de investigação ou apuração disciplinar - expondo, de um lado, o dever de oficialidade da
Administração e, de outro, a garantia fundamental da pessoa de ter sua intimidade preservada
da violação, da invasão, da perseguição pessoal, da devassa ou da mera curiosidade.
Para tal caso, o ordenamento previu, obviamente, a primeira e mais pacífica hipótese,
que seria a espontânea disponibilização, por parte do próprio servidor, de seus dados fiscais ao
órgão. Não havendo esta espontânea disponibilização (a que ninguém se obriga) e nem
mesmo havendo o pré-requisito necessário de o órgão externo a solicitar ao investigado,
cuidou o ordenamento de viabilizar a necessária persecução disciplinar no órgão solicitante e,
ao mesmo tempo, preservar a intimidade do servidor do acesso imotivado e, por fim, garantir
legalidade ao ato da autoridade fiscal de repassar os dados solicitados à autoridade externa.
Tão-somente destas duas possibilidades é de que cuidam o art. 198, § 1º, II do CTN (ao impor
como condições ao repasse, por parte da autoridade fiscal, que os dados sigilosos sejam
solicitados por autoridade administrativa, sob motivos de interesse público, para apurar
possível irregularidade por parte de quem tem os dados solicitados, em um procedimento
administrativo instaurado no órgão de origem) e o art. 18, § 3º da Portaria CGU nº 335, de
30/05/06 (ao mencionar que a comissão instaurada no órgão que não possui acesso a dados
fiscais solicite autorização ao investigado) - e sem que este seja visto como pré-requisito
695
àquele, pois seria até de se estranhar que uma Portaria impusesse condição à aplicação de um
dispositivo de Lei Complementar.
E, nesta mesma hipótese específica, menos ainda há que se cogitar de afronta ao caput
do art. 198 do CTN, uma vez que, obviamente, não há divulgação destas informações, mas
tão-somente seu uso interno dentro do próprio Fisco. Reafirma-se, na concessão quase
pleonástica: a estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil insere-se na
Secretaria da Receita Federal do Brasil. Não se divulga no órgão aquilo que já se encontra no
próprio órgão.
Ademais, além de se afirmar que não se cogita de afronta aos mandamentos do art. 198
do CTN por parte da estrutura correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil no
exercício de seu múnus, ratifica-se ainda que a inteligência salutarmente garantista daquela
norma resta suprida na atuação deste sistema.
Em outras palavras, apenas por mera tese - uma vez que não se afasta aqui da
convicção de que a linha interpretativa a se iniciar a análise, quando a discussão sobre acesso
a dados protegidos por sigilo fiscal se dá internamente no próprio Fisco, não é de submissão
ou não aos parâmetros voltados ao meio externo estabelecidos no art. 198 do CTN -, mesmo
se se quisesse avaliar a conformação da atuação correcional da Secretaria da Receita Federal
do Brasil àqueles ditames legais, não se encontrariam afrontas aos princípios garantistas em
favor da defesa. Quando o integrante da estrutura correcional acessa dados sigilosos de quem
quer que seja no interesse do serviço, o faz, até onde aplicável, exatamente sob moldes que o
art. 198 do CTN emprega para proteger a intimidade e a privacidade do sujeito passivo. A
uma porque a regra interna na Coger e nos Escor é de haver um processo administrativo lato
sensu já protocolizado; a duas porque quem acessa os dados é uma própria autoridade fiscal,
696
de este sistema desde sempre já dispor de dados sobre os quais a Portaria CGU nº 335, de
30/05/06, e a Portaria Interministerial MPOG/CGU nº 298, de 05/09/07, disciplinam aos
demais órgãos uma primeira forma de obtenção e, justo por isto, não necessitar de tais ritos,
em nada configura afronta às normas daqueles dois órgãos centrais. A convicção plena de que
determinados dispositivos normativos restam dispensáveis porque os fins a que eles se
propunham já se encontram desde sempre concretizados - e daí não se utilizarem os ritos
normatizados - em nada se confunde com descumprir as normas. Não se trata de a Secretaria
da Receita Federal do Brasil obter um determinado objetivo disciplinado em normas (no caso,
o acesso a dados fiscais de quem quer que seja sob investigação ou apuração) de forma
diferente daquelas normatizadas. A Secretaria da Receita Federal do Brasil - subentenda-se,
seu sistema correcional - não engendra uma forma ilegal para obter os dados; simplesmente,
ela já os tem.
Da mesma forma como se aduziu em 4.4.13.2, também aqui é válido o destaque de que
a pesquisa e o emprego de dados ou de documentos fiscais diretamente pelo agente da
instância correcional não configuram quebra de sigilo e tão-somente faz operar, para ele, a
transmissão do dever legal de preservar o sigilo, à luz do art. 198, § 2º do CTN, sob pena de
responsabilizações penal e administrativa em caso de divulgação irregular. O mesmo se aplica
se o agente da instância correcional recebe os dados ou documentos fiscais transferidos pelo
titular de unidade fiscal, não se operando, nem para um e nem para outro, quebra de dever
funcional de guardar sigilo.
Para se concluir o tema referente a sigilo fiscal, é de se destacar ainda não só a licitude
como também a pertinência de a autoridade ou o servidor ou a comissão composta por
servidores do sistema correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil, também de
forma justificada por motivos fáticos ou jurídicos que afastam a mera curiosidade invasiva,
arbitrária e desvirtuada do interesse público, à vista da gravidade do fato em investigação ou
apuração, acessar diretamente ou requisitar ao titular de unidade fiscal dados sigilosos de
terceiros que mantenham alguma relação de proximidade com o servidor investigado ou
acusado, tais como, por exemplo, seu cônjuge ou companheiro (independentemente de
autorização desta pessoa, do estado civil, da natureza ou do regime por meio do qual se opera
a união das duas pessoas ou da forma como apresenta sua declaração de ajuste anual, se em
conjunto ou em separado) e de seus parentes (independentemente se há ou não vinculação de
dependência econômica formal ou informal desta pessoa em relação ao servidor e de sua
condição econômico-financeira), sejam estes terceiros servidores ou não.
Por um lado, é certo que nada autorizaria ou justificaria o acesso a dados protegidos de
terceiro sem nenhuma relação de proximidade com o servidor investigado. Mas, por outro
lado, também é certo que, exemplificadamente, diante das possibilidades de configuração de
ilícito associado a enriquecimento ilícito (que se dissocia de um ato funcional propriamente
dito, conforme se discorrerá em 4.7.4.4.3) e do emprego das chamadas interpostas pessoas
(vulgarmente conhecidas como “laranjas”), seria quase pueril que se concentrassem as
investigações apenas na pessoa e no patrimônio do servidor em si, fechando-se inocentemente
os olhos para as possíveis transações entre familiares ou ainda que se condicionassem tais
providências à autorização do suposto beneficiado.
698
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam
condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu
patrimônio privado, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal competente.
§ 1º A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e
qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizados no País ou no exterior,
e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou
companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do
declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público
deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
Decreto nº 5.483, de 30/06/05 - Art. 1º A declaração dos bens e valores que integram o
patrimônio privado de agente público, no âmbito do Poder Executivo Federal, bem como
sua atualização, conforme previsto na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, observarão as
normas deste Decreto.
Art. 2º A posse e o exercício de agente público em cargo, emprego ou função da
administração pública direta ou indireta ficam condicionados à apresentação, pelo
interessado, de declaração dos bens e valores que integram o seu patrimônio, bem como os
do cônjuge, companheiro, filhos ou outras pessoas que vivam sob a sua dependência
econômica, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
Art. 3º Os agentes públicos de que trata este Decreto atualizarão, em formulário próprio,
anualmente e no momento em que deixarem o cargo, emprego ou função, a declaração dos
bens e valores, com a indicação da respectiva variação patrimonial ocorrida.
Sendo absolutamente relevante para a atividade correcional, em que pese o seu poder
coercitivo e punitivo se limitar a servidores, é lícito que agentes do Fisco acessem diretamente
ou requisitem ao titular de unidade fiscal dados ou documentos fiscais de terceira pessoa que
possa ter indireto envolvimento com o fato e os analisem para formação de convencimento,
utilizando-os, se for o caso, seja em fase inquisitorial, seja em fase contraditória, uma vez que,
conforme já aduzido anteriormente, aqui não se cogita de se aplicarem os condicionantes do
700
art. 198, § 1º, II do CTN, mas sim as competências regimentais já reproduzidas - ainda se
podendo buscar apoio na teoria dos poderes implícitos, cabendo, sim, na salutar ponderação
com que a ciência jurídica equilibra pesos e contrapesos, responsabilizações ao agente que
acessasse dados fiscais de terceiro por mera curiosidade ou interesse pessoal.
Prosseguindo, se são trazidos aos autos dados fiscais de terceiros (indicadores de sua
situação econômica ou financeira ou de operações realizadas), protegidos por sigilo, pode-se
ter configurada situação de conflito de direitos, ambos de índole privada e particular. De um
lado, há o direito constitucional à privacidade, a favor deste terceiro, de não ter seus dados
disponibilizados para o acusado e para seu procurador. Por outro lado, associado ao
inafastável poder-dever de a Administração apurar sob ótica prevalecente do interesse
público, há o direito também constitucionalmente previsto de o acusado, ainda que em
instância administrativa, ter assegurados ampla defesa e contraditório, por todos os meios e
recursos lícitos. Na ponderação de bens tutelados em antagonismo, se o conhecimento de tais
dados, indispensável ao múnus apuratório, se demonstra relevante para o exercício de defesa,
configurando o legítimo interesse jurídico do acusado, é de se valorizar a máxima da instância
punitiva, considerando de maior indisponibilidade o amplo direito de defesa e permitindo ao
acusado o acesso aos dados sigilosos de terceiros, mitigando-se, excepcionalmente neste caso,
o direito à privacidade do outro. Por óbvio, o acesso aos dados de terceiros tem sua
justificativa restringida ao exercício do direito de defesa, sendo então transferido não só ao
agente público mas também ao acusado e a seu procurador o dever de manter sigilo acerca dos
dados a que tiveram acesso em função do processo disciplinar, podendo ser responsabilizados,
nas vias competentes, por usos indevidos ou por sua divulgação sem justa causa.
“A entrega da informação fiscal para aquele que demonstre legítimo interesse jurídico
encontra fundamento no art. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, da Constituição Federal, como
ressaltado, e, importa sublinhar, na ausência de direitos absolutos. Com efeito, a eventual
tensão entre a manutenção da informação fiscal em sigilo e o seu conhecimento estrito
para exercício de direito consagrado na ordem jurídica, resolve-se pela entrega ou
fornecimento da informação para aquele fim específico, sendo punidos, na forma própria,
os abusos acaso cometidos.”, Aldemario Araujo Castro, “Considerações Acerca dos
Sigilos Bancário e Fiscal, do Direito Fundamental de Inviolabilidade da Privacidade e do
Princípio Fundamental da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado”, disponível
em http://www.aldemario.adv.br/sigilo.pdf, acesso em 07/12/10
Neste rumo, como de outra forma não poderia ser, não há necessidade de qualquer ato
formal meramente procedimental, instrumental ou interlocutório e muito menos de decisão
fundamentada que contenha expressamente os motivos para que servidores do sistema
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil acessem e empreguem os dados de
sigilo fiscal de acusado ou de terceiros nos trabalhos investigativos ou contraditórios. Sequer a
leitura de toda a normatização infralegal, da base principiológica informadora e muito menos
da base legal contida no art. 198 do CTN permite que se cogite da exigência de tal ato
antecedente ao acesso aos dados fiscais de quem quer que seja e ao seu uso em instância
correcional.
Mencione-se ainda que, de outro lado, pode a instância correcional ter acesso a dados
protegidos por sigilo fiscal do acusado ou de terceiros por estes já estarem encartados nos
autos desde a fase de admissibilidade (por exemplo, oriundos de processo administrativo
fiscal), e a comissão não vislumbrar necessidade de sua permanência nos autos, por entender
que não serão utilizados como prova e que são irrelevantes para o fato sob apuração, podendo,
então, neste caso, deliberar por seu formal desentranhamento.
4.4.12.4 - Envio de Informações, por Parte da Comissão, para Outras Unidades e para
Órgãos Externos
Pode ocorrer de, no curso do apuratório disciplinar, a comissão ser provocada ou estar
legalmente obrigada a enviar dados e documentos decorrentes de seus trabalhos para outras
unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou ainda para órgãos ou autoridades
702
A norma ministerial, por óbvio, não trata do envio de informações e documentos para
unidades da própria Secretaria da Receita Federal do Brasil, sendo certo que, quando
necessário para o desempenho de competências regimentais, pode ser feito diretamente pela
comissão, sem interveniência da autoridade instauradora. Já o envio de informações e
documentos para órgão e autoridades externas, a norma ministerial praticamente repete suas
literalidades e previsões, estabelecendo que, como regra, deve ser feito por meio da autoridade
instauradora se decorrente de: requisição judicial ou do Ministério Público Federal;
obrigatoriedade de representação criminal; pedido de outras autoridades administrativas;
promoção ou defesa de interesses da União a cargo da Advocacia-Geral da União; interesse da
própria comissão, com o fim de obter autorização judicial para prática de ato instrucional.
Excepcionalmente, nesta última hipótese, em caso de urgência e relevância, pode a comissão
fazer a remessa diretamente ao destinatário, mediante autorização (até por via eletrônica) da
autoridade instauradora.
Quando, por força do art. 15 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, se tiver de realizar imediata
comunicação ao Ministério Público Federal e ao Tribunal de Contas da União (por meio da
Secretaria de Controle Externo - Secex - do respectivo Estado), da apuração de suposto ato de
improbidade administrativa, por expressa previsão deste dispositivo legal, conforme já
aduzido em 4.3.2 e se mencionará em 4.7.4.4.2, cabe à própria comissão, por intermédio de
seu presidente, providenciar esta ciência, sem prejuízo de também informar, internamente, à
autoridade instauradora.
De forma análoga ao que foi dito para o sigilo fiscal, é certo que, pela própria natureza
das atividades que desenvolvem, as instituições financeiras têm acesso a informações de seus
clientes que, por proteção constitucional à privacidade, não podem ser tornadas públicas, sob
pena de responsabilizações administrativa, penal e civil. Assim, os dados pormenorizados das
operações financeiras realizadas por qualquer pessoa (discriminando o titular, a origem, o
destino e o valor de cada operação do usuário) têm, como regra geral, a proteção de sigilo,
doutrinariamente chamado de sigilo bancário e que tem normatização na Lei Complementar
nº 105, de 10/01/01. Ressalve-se que a cláusula protege os dados pormenorizados, não sendo
704
Todavia, à vista da maior relevância concedida ao interesse público, ainda que não
haja expresso consentimento por parte do agente para que seu dados acobertados pelo sigilo
bancário sejam acessados e utilizados, a cláusula de garantia individual pode ser afastada, se
assim entender justificável o Poder Judiciário, com o fim de solucionar sérias questões que lhe
são submetidas, sobretudo acerca de cometimento de crimes e até mesmo de graves ilicitudes
disciplinares. O afastamento do sigilo bancário, por mitigar proteção constitucional à
privacidade, somente deve ser cogitado diante de grave irregularidade e em que o acesso aos
dados protegidos é indispensável e imprescindível e quando de outra forma não se chega ao
esclarecimento fático.
A menos que haja expressa anuência por parte do servidor, o afastamento do sigilo das
operações financeiras, para acesso e uso de tais informações, segundo estabelecem o art. 1º, §
4º e o art. 3º da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01, requer autorização judicial, sem
exceção e independentemente da situação de que se cogita e do órgão em que se processa a
apuração administrativa.
Parecer AGU nº GQ-110, vinculante: “12. No geral, mesmo dentre os autores que
pretendem um sigilo menos rígido, costuma-se vincular o sigilo bancário a esse preceito
constitucional. No Supremo Tribunal Federal, (...) talvez a maioria (...) tenda a ver o sigilo
bancário como desdobramento do direito à privaticidade inserto no inciso X do art. 5º da
Constituição.
22. Limitabilidade de direitos supra-estatais. Ainda que tidos como fundamentais e supra-
estatais, e, portanto, inextinguíveis pelo Estado, os direitos à intimidade e à vida privada,
que talvez se possam genericamente chamar de direitos à privaticidade, ficam sujeitos a
limitações.
705
46. Sabe-se, porém, que o sigilo bancário e o sigilo fiscal não são absolutos, como o STF
tem repetidamente proclamado. Mas também não é verdade, como pareceu ao TCU, que
possa ter acesso a tudo, sem quaisquer barreiras.(...)
51. (...) o Tribunal de Contas pode ter acesso, mesmo a dados sigilosos, quando estiver em
missão, que hoje lhe está assegurada, de fiscalizar as instituições financeiras. Isto não lhe
confere, entretanto, a pretensão a qualquer informação sobre quem não esteja, ‘in actu’,
submetido à sua fiscalização. Igualmente, no tocante ao sigilo fiscal, a fiscalização que
exerça sobre atividades, por exemplo, da Receita Federal, não lhe permite acesso, ‘exempli
gratia’, às declarações de rendimentos das pessoas.”
Assim, na hipótese de PAD que não possua apuração sobre o mesmo fato, nas esferas
penal ou civil, procede-se à solicitação judicial, via Advocacia-Geral da União, por intermédio
das suas representações estaduais do Grupo Permanente de Combate à Corrupção. Este Grupo
deve atuar em harmonia e em mútua colaboração com a Corregedoria e com os respectivos
Escor, que fornecem cópia dos elementos do PAD com o fim de amparar o pedido despachado
direta e pessoalmente com o juiz em modalidade inaudita altera parte.
também incluir uma planilha montada com os documentos até então disponíveis e que
demonstre a insuficiência de recursos para fazer frente às aplicações e dispêndios, originando
variação patrimonial desproporcional em determinados anos do período apurado, e deve
informar ainda eventuais montantes de movimentação financeira e/ou de despesas no cartão
de crédito incompatíveis ou atípicas. O pedido deve ainda enfatizar que, à vista da
documentação disponível, inegavelmente o servidor apresenta indícios de enriquecimento
ilícito, revelando-se portanto imprescindível o acesso a dados bancários, e deve ainda listar
quais são estes dados, a que período se referem, e, se for o caso, explicitar que todos os dados
solicitados já se encontram encartados em ação fiscal. Por fim, diante da imensa quantidade
de dados que se presume receber, deve-se solicitar que o provimento judicial determine às
instituições financeiras que oss dados sejam fornecidos em meio eletrônico, em extratos ou
faturas de formatações previamente padronizadas pelo Banco Central.
Destaque-se que esta provocação para que a Advocacia-Geral da União atue no curso
da instrução probatória (como no caso, postulando em juízo favor da quebra de sigilo
bancário) não impede sua posterior atuação na fase de julgamento (por meio de Parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda, por exemplo, como é o caso dos julgamentos de competência
do Ministro de Estado da Fazenda).
contraditório ao titular das operações financeiras, sendo que esta garantia constitucional tem
sua observância postergada para o curso do processo administrativo ou da ação judicial, se for
o caso, após a juntada dos extratos solicitados.
realização de perícias.
§ 2° A solicitação de afastamento de sigilo bancário deve ser encaminhada à Advocacia-
Geral da União, com as informações e documentos necessários para o exame de seu
cabimento.
Lei Complementar nº 105, de 10/01/01 - Art. 11. O servidor público que utilizar ou
viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo
de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos
decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando
comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial.
Destaque-se que, por força do art. 1°, § 3°, III da Lei Complementar n° 105, de
10/01/01, não constitui afastamento do sigilo bancário, por parte das instituições financeiras, o
fornecimento periódico à Secretaria da Receita Federal do Brasil do dado agregado de
movimentação financeira, para fim de apuração da Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira
(CPMF), instituída pela Lei n° 9.311, de 24/10/96, e que vigorou até 31/12/07.
Da mesma forma, em termos mais atuais, também não constitui afastamento do sigilo
bancário, por parte das instituições financeiras, o fornecimento semestral à Secretaria da
Receita Federal do Brasil do dado agregado de movimentação financeira, por meio da
Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (Dimof), a partir de 01/01/08, em
substituição à CPMF, nos termos disciplinados pelas Instruções Normativas RFB nº 802, de
27/12/07, e nº 811, de 28/01/08.
autorização judicial.
É de se atentar que, ainda que a instância fiscal já disponha dos dados protegidos por
sigilo bancário, seja envolvendo diretamente o servidor, seja envolvendo outras pessoas (tais
como seu cônjuge e seus demais dependentes), na expressa e restritiva permissão do art. 6º da
Lei Complementar n° 105, de 10/01/01, dispensando autorização judicial, não se deve
presumir lícita a importação direta daqueles dados para a instância disciplinar e seu emprego
como elemento formador de convicção, nem mesmo no âmbito específico da Secretaria da
Receita Federal do Brasil. Além de o mencionado art. 6º dispensar a autorização judicial para
uso de dados de sigilo bancário especificamente para fins fiscais, tem-se ainda, em reforço
insuperável, que o art. 3º, § 1º da mesma Lei Complementar nº 105, de 10/01/01, condicionou
expressamente o uso daqueles dados em processo administrativo disciplinar quando
solicitados pela comissão (ou seja, quando diretamente relevantes para sua convicção) à
aquiescência do servidor ou à autorização judicial.
713
Repisa-se que aqui se aborda estritamente dado sob proteção do sigilo bancário, não se
devendo confundir com dado que se insere no conceito de sigilo fiscal, como é o caso de
valores agregados de movimentação financeira, que serviram de base de cálculo da CPMF
para fatos geradores ocorridos até 31/12/07, ou dados declarados em Dimof ou Decred.
O fato de o dado protegido por sigilo bancário do próprio servidor ou de outros ter sido
autorizadamente inserido em processo fiscal não tem o condão de lhe retirar a qualidade de ser
um dado que reflete a intimidade e a privacidade da pessoa em tal monta que o ordenamento
previu seu uso em instância disciplinar tão-somente à vista permissão pelo próprio ou de
autorização judicial. Em outras palavras, o acesso à operação financeira pela instância fiscal
não lhe retira a qualidade de dado merecedor da cláusula de sigilo bancário. E a Lei foi clara
ao ponderar direitos em conflito: sob determinadas condições, ela permitiu o afastamento do
sigilo bancário sem manifestação judicial à vista do interesse público da instância fiscal;
todavia, por expressa vontade do legislador, o mesmo não ocorreu ao se ponderar a intimidade
e a privacidade da pessoa com a instância disciplinar. Portanto, a cautela recomenda que,
mesmo que a instância fiscal disponha dos dados de sigilo bancário e se estes dados são
diretamente relevantes para a formação de convicção, nos termos já expostos acima, deve-se
primeiramente slicitar autorização de uso ao próprio e, em caso de negação, provocar a
Advocacia-Geral da União, a fim de que esta solicite judicialmente o repasse dos dados para
uso correcional, em qualquer fase (seja em fase de admissibilidade, seja em sindicância
investigativa, seja em sindicância disciplinar ou em PAD).
Não cabe a interpretação de que, uma vez que o Fisco tenha acesso, mediante RMF,
nos termos previstos no art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10/01/01, a dados de
operações financeiras que a priori seriam protegidos por sigilo no art. 1º da mesma norma,
tais informações, a partir daí, passariam a ter, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, a proteção de cláusula de sigilo fiscal e não mais bancário e, portanto, seriam
internamente disponibilizáveis para uso no sistema correcional. Ora, além de uma análise
sistemática e principiológica do ordenamento indicar que tal interpretação significaria um
descumprimento do expresso dispositivo do art. 3º, § 1º da Lei Complementar nº 105, de
10/01/01, esta hipótese de emprego fica inequivocamente desestimulada ao se ler atentamente
o art. 26 da Portaria CGU nº 335, de 30/05/06.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 26. Relativamente ao sigilo bancário, quando o
afastamento for autorizado judicialmente, o fornecimento de informações e documentos
pelo Órgão Central ou unidades setoriais deverá ser previamente autorizado pelo Poder
Judiciário.
Parágrafo único. Para fins de envio das informações, deverá ser observado o mesmo
procedimento do sigilo fiscal, nos moldes da Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de
2001.
disciplinar, quando estes dados existem mas não se cogita de efetivamente usá-los. Em outras
palavras, a interpretação sistemática do ordenamento em tela não aponta pela necessidade de
se buscar autorização judicial apenas para se manter nos autos dados de operações financeiras
porventura já acostados ao processo, em virtude de terem sido objeto da atuação funcional do
servidor, sobretudo envolvendo pessoas outras, e que não importarão diretamente na formação
de convicção acerca do cometimento ou não de ilícitos disciplinares pelo agente.
Todavia, à vista da cautela com que diversas vezes aqui foram mencionados de forma
destacada o simples acesso e o efetivo uso de dados, não é de se confundir a tutela que a Lei
Complementar nº 105, de 10/01/01, estabelece sobre o uso de dados de operações financeiras
em instância disciplinar com o mero acesso a estes dados. Nada obsta que a instância
correcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil tenha acesso a dados protegidos por
sigilo bancário, porventura já disponíveis dentro do órgão, e, com base no conhecimento de
tais dados, avalie sua relevância na persecução disciplinar e, daí, solicite judicialmente
autorização para seu emprego. Também, de outro lado, pode a instância correcional ter acesso
a dados protegidos por sigilo bancário do acusado ou de terceiros por estes já estarem
encartados nos autos desde a fase de admissibilidade (por exemplo, oriundos de processo
administrativo fiscal), e a comissão não vislumbrar necessidade de sua permanência nos autos,
por entender que não serão utilizados como prova e que são irrelevantes para o fato sob
apuração, podendo, então, neste caso, deliberar por seu formal desentranhamento.
O repasse de dados protegidos por sigilo bancário a que a autoridade correcional teve
acesso mediante autorização judicial somente poderá ocorrer se também foi judicialmente
autorizado. Nesta hipótese, seguem-se, analogamente, as cautelas expostas linhas acima para
fornecimento de dados protegidos por sigilo fiscal (dispostas no art. 13 da Portaria RFB nº
551, de 30/04/13; no art. 26 do Decreto nº 7.845, de 14/11/12 (cuja menção se justificou em
4.4.12.2); e no art. 25 da Portaria CGU nº 335, de 30/05/05). Neste rumo, deve-se destacar
que nenhum servidor ou autoridade da Coger ou de Escor pode repassar elementos que
contenham dados protegidos por sigilo bancário, a que tenha tido acesso de forma regular,
como permite a Lei Complementar nº 105, de 10/01/01, para qualquer outro órgão ou
autoridade solicitante e sequer sob requisição da Controladoria-Geral da União, ainda que esta
busque se amparar na condição de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo
Federal, sem que haja específica autorização judicial para tal repasse.
Parecer PGFN nº 2.349/2011: “57. Nesse ínterim, obtidos os dados das instituições
bancárias pela CI através de autorização judicial, essas informações não servirão para
outros fins que não sejam aqueles que motivaram o pedido. Nessa hipótese, o melhor a
fazer é observar os termos da decisão judicial respectiva. Muito embora se possa
argumentar que a finalidade do acesso pela CGU aos autos (e aos dados bancários) possa
ser congênere, se a decisão judicial for silente (muito provável) ou restritiva, é
recomendado que o servidor da RFB, ao entregar os autos disciplinares às autoridades da
CGU, confira maior proteção aos dados bancários evitando o acesso a eles.
63. (...) Nesse contexto, a solução mais segura é a que exige autorização judicial. De
qualquer maneira, entende-se que, salvo melhor juízo, a LC nº 105, de 2001, não
legitimaria a CGU à vista de dados bancários no bojo de PAD´s.”
Uma vez que as formas de instrução processual administrativa não estão taxativamente
previstas em lei e não há expressa vedação legal, pode a instância disciplinar também se valer
do instituto judicialmente aceito da prova emprestada. Para tal assertiva, busca-se amparo não
só principiologicamente na busca da verdade material como também no ordenamento
positivado, uma vez que o instituto em tela atua em favor da maior celeridade processual,
inserida na garantia constitucional da duração razoável do processo, nos termos do art. 5º,
LXXVIII da CF.
Assim, dentro dos limites que abaixo se exporão, não há impedimento para que a
comissão designada em determinado processo administrativo disciplinar junte a seus autos
prova realizada em outro processo, seja também administrativo, seja até judicial, tanto de
ofício por iniciativa do próprio colegiado quanto a pedido do acusado. Para que tal juntada se
proceda, basta que, após a devida deliberação da comissão, o presidente solicite à sua
autoridade instauradora diligências para o fornecimento, junto à autoridade competente pelo
outro processo. Sendo o mesmo colegiado condutor de dois processos simultâneos, pelo
princípio do formalismo moderado, pode-se dispensar a solicitação à autoridade instauradora
de fornecimento da prova emprestada, podendo o próprio colegiado proceder de imediato à
juntada deliberada.
STJ, Mandado de Segurança nº 13.111, Relatório: “(...) quanto à prova emprestada, faz-se
necessário que o impetrante apresente seus argumentos de modo detalhado e com base em
elementos constantes da prova pré-constituída. Assim, a mera alegação de que a prova
emprestada não teria observado o devido processo legal não pode prosperar. Este Superior
Tribunal tem admitido a prova emprestada em alguns casos. Na hipótese, tanto as
informações como o relatório final da comissão disciplinar noticiam que a quebra do sigilo
bancário ocorreu nos autos de ação penal cujo conteúdo foi devidamente utilizado no
PAD.”
Idem, STJ, Mandado de Segurança nº 10.874 e Recurso em Mandado de Segurança nº
20.066.
“A prova também pode ser emprestada, isto é, colhida em outro processo, onde foi
produzida e assim trazida para o procedimento disciplinar, por ser aplicável ao caso em
apuração.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor
Público Civil da União”, pg. 148, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“A comissão pode obter provas emprestadas de outros processos.” Léo da Silva Alves, “A
Prova no Processo Disciplinar”, pg. 161, Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
Ainda assim, sendo o mesmo interessado e tendo sido perfeita a coleta da prova no
processo de origem, por se tratar de outro processo, talvez envolvendo diferentes acusações e
pondo em risco diferentes graus de direito ou com peculiaridades no bem tutelado, é
recomendável que se formalize também no processo de destino a garantia do contraditório,
notificando o interessado da juntada da cópia e expressando seu direito de contestá-la.
Por óbvio, nesta hipótese, seu valor probante pode ser minorado, à luz da livre
valoração da prova. Em princípio, aqui, diferentemente da primeira hipótese, não se afirma
que esta prova emprestada traga e mantenha consigo, para o processo de destino, toda a força
de seu valor probante e todo o status apriorístico que sua natureza lhe confere na escala de
valoração. Em outras palavras, agora nesta hipótese em que a prova emprestada vem para o
processo de destino enfraquecida pela lacuna da oferta do contraditório, se possa cogitar de
ela se reduzir à mera juntada de cópia documental.
o instituto requeira para sua melhor aplicação que o interessado seja o mesmo nos dois
processos envolvidos, impedimento não há para que se cogite de algum caso específico em
que, para o deslinde de um determinado processo, se demonstre necessária uma prova
produzida em outro processo, de diferente interessado. Tanto é verdadeira a aceitabilidade,
com reservas, desta prova que ela pode decorrer de pedido do próprio interessado no processo
a que se destina sua juntada, hipótese em que o aspecto formal não justificaria, por si só, a
liminar denegação. Tal entendimento pode encontrar maior amparo em provas sobre
condições ou situações externas à conduta do interessado do processo de destino ou que, de
quaisquer formas, não digam respeito especificamente à sua pessoa. Tomadas as devidas
cautelas (de preservação de intimidade, por exemplo, protegidas no art. 5º, X da CF) e atento
ao menor valor probante, pode-se aplicar analogamente a tese acima esposada, da
possibilidade de se trazer a prova que não teve a oferta de contraditório em sua feitura, sendo
a lacuna parcialmente sanada com a garantia do contraditório ao interessado no processo de
destino com a notificação da juntada (nas formas e meios permitidos em 4.3.11.3 e em 4.4.3),
expressando seu direito de contestar o que consta da cópia documental.
“No processo administrativo, que se orienta no sentido da verdade material, não há razão
para dificultar o uso da prova emprestada, desde que, de qualquer maneira, se abra
possibilidade ao interessado de questioná-la (...).” Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari,
“Processo Administrativo”, pg. 135, Malheiros Editores, 1ª edição, 2001
Nesta última hipótese, ainda com mais ênfase, se aplica o que se aduziu linhas acima,
acerca de esta prova, no processo de destino, não trazer consigo o valor probante que possa ter
tido no processo de origem, aqui se reduzindo à juntada de cópia documental, com menor
status apriorístico na escala de valoração. Por fim, neste caso de prova emprestada oriunda de
processo com diferente interessado, de nada importa, para fim de valoração no processo de
destino, perquirir se a feitura na origem teve ou não a perfeita oferta do contraditório, já que
eventual contestação não aproveitaria outra pessoa.
Neste tema da prova emprestada, acrescente-se ainda que eventual provocação para
que a Advocacia-Geral da União atue no curso da instrução probatória (por exemplo,
postulando em juízo para obtenção de provas de ação penal) não impede sua posterior atuação
na fase de julgamento (por meio de Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda, por exemplo,
como é o caso dos julgamentos de competência do Ministro de Estado da Fazenda).
CF - Art. 5º
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
Para isto, esclareça-se, primeiramente, o que significa uma prova ser inadmissível.
Sabe-se que, conceitualmente, o procedimento probatório se desdobra em quatro consecutivos
momentos: requerimento (ou indicação ou proposta), admissão, introdução (ou produção) e
valoração (ou apreciação). Mais detalhadamente, o iter envolvendo desde a produção até a
consideração da prova no julgamento inicia-se quando ela é requerida pelo interessado; em
seguida, a prova tem sua introdução no processo admitida ou não pela autoridade (judicial ou
administrativa) que conduz o apuratório (em juízo prévio de mera admissibilidade, sem
avaliar o mérito e o conteúdo da prova); se admitida, a prova é introduzida no processo; e, por
fim, a prova é livremente valorada pelo agente público que conduz ou julga o processo.
Portanto, dentre estes quatro momentos, aquele dispositivo constitucional ordena o segundo,
ou seja, a admissão da prova.
Diz-se que estas últimas provas, obtidas com afronta a formalidades de lei processual,
padecem de ilegitimidade e, portanto, são ilegítimas. Sobre elas, como regra, a própria lei
processual violada prevê a sanção cabível, que repercute em sua introdução ou não no
processo (tal sanção pode variar desde a declaração de nulidade absoluta e insanável até de
nulidade relativa e sanável). Em outras palavras, a prova ilegítima ainda pode ser admitida,
introduzida e até mesmo receber valoração associada à sua ilegitimidade.
Mesmo que já faça parte dos autos, a prova ilícita, mais do que ser tida como
inexistente na condição de elemento formador de convicção e embasador da decisão, deve ser
excluída dos autos, mediante termo de desentranhamento, procedendo-se à renumeração de
folhas. Estas provas desentranhadas devem ficar arquivadas no Escor, até a decisão definitiva
do processo, quando então podem ser destruídas. Na linha do comando do art. 157 do CPP,
qualquer prova maculada pela ilicitude, ainda que tenha sido autuada, deve ser desentranhada
dos autos (bastante diferente do comando do art. 573 do mesmo CPP, que determina que os
atos processuais nulos serão sanados ou, caso contrário, serão renovados ou retificados, o que
importa inferir a sua permanência nos autos, conforme melhor se exporá em 4.12).
CF - Art. 5º
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal;
CPP - Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
(Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores,
seão renovados ou retificados.
“A norma constitucional brasileira não vincula a admissibilidade das provas ilícitas nos
processos ao princípio da presunção de inocência, de modo que caberia realmente refletir
a respeito dessa suposta vinculação. Se um acusado, em procedimento administrativo
sancionador, ou em processo penal, produz provas por meios ilícitos que comprovem
cabalmente sua inocência poderá utilizá-las? Poderá a autoridade competente para o
julgamento levar em conta tais provas? E se, abstraída a prova ilícita, resultasse um
acervo reprovador satisfatório e suficiente para a condenação? (...) aos acusados em geral
certamente é vedada a produção de provas ilícitas (...). Sem embargo, (...) essa prova
poderia ser valorada, creio, em benefício do acusado, se for concludente, real, verdadeira,
incontestável, definitiva. O acusado poderá ser punido pela obtenção das provas por meios
ilícitos, mas a autoridade competente não deverá desconsiderar essa prova no processo,
dado que o princípio da presunção de inocência impediria o decreto condenatório.” Fábio
Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pg. 516, Editora Revista dos
Tribunais, 2ª edição, 2005
STF, Habeas Corpus nº 75.892: “Ementa: Descabe concluir pela nulidade do processo
quando o decreto condenatório repousa em outras provas que exsurgem independentes, ou
seja, não vinculadas à que se aponta como ilícita”
“É que os direitos do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser
entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio da
convivência das liberdades, pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de
modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias.” Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo
Penal”, pg. 145, Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, 2006
4.4.15.1 - Nos Termos da Lei nº 9.296, de 24/07/96: com Autorização Judicial, Realizada
por Terceiros e sem Conhecimento dos Interlocutores
CF - Art. 5º
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal;
Assim, é necessário diferenciar que a garantia prevista no art. 5º, XII da CF assegura
como invioláveis apenas aqueles atos em si de correspondência e de comunicação, não
atingindo a utilização do resultado concreto decorrente dos atos, tais como as cartas, os
telegramas e os dados em si. Esta afirmação não significa que aqueles elementos (cartas,
telegramas e dados) sejam francamente violáveis; o que se diz é que a sua proteção
constitucional não se alberga no mencionado inciso XII do art. 5º da CF, mas sim no inciso X,
por se inserirem no conceito de intimidade e privacidade.
telegramas e dados reside em que não se justificaria quebrar estas formas, uma vez que se
pode ter acesso ao resultado concreto que elas produzem, enquanto que a conversa telefônica
não deixa resultado, vestígio ou registro, desaparecendo imediatamente.
STF, Recurso Extraordinário nº 219.780, Voto: “Passa-se, aqui, que o inciso XII não está
tornando inviolável o dado da correspondência, da comunicação, do telegrama. Ele está
proibindo a interceptação da comunicação dos dados, não dos resultados. Essa é a razão
pela qual a única interceptação que se permite é a telefônica, pois é a única a não deixar
vestígios, ao passo que nas comunicações por correspondência telegráfica e de dados é
proibida a interceptação porque os dados remanescem; eles não são rigorosamente
sigilosos, dependem da interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos. O que
é vedado de forma absoluta é a interceptação da comunicação da correspondência, do
telegrama. Por que a Constituição permitiu a interceptação da comunicação telefônica?
Para manter os dados, já que é a única em que, esgotando-se a comunicação, desaparecem
os dados. Nas demais, não se permite porque os dados remanescem, ficam no computador,
nas correspondências, etc.”
não pode pedir sua quebra para fim administrativo. Contrariamente à maior significância
atribuída ao crime, tem-se que o ordenamento indicou ao aplicador que, na ponderação de
direitos em conflitos, como regra, se atribui maior relevância à preservação da intimidade da
conversa telefônica do que à elucidação de ilícitos puramente disciplinares. Para que a
comissão cogite de quebra da garantia constitucional, presume-se estar diante de caso grave,
com provável repercussão também na esfera penal e que a interceptação seja fundamental para
a comprovação (uma vez que, por outro lado, não se justifica a busca desta prova para
situações banais ou de menor gravidade, que não configurem crime, ou quando se pode obter
a convicção por outros meios).
Assim, na hipótese de haver a necessidade de a comissão contar com tal prova, resta-
lhe levar o caso ao Ministério Público Federal. Este órgão, dentro da sua competência de
promover a ação penal, pode entender cabível e solicitar ao juízo interceptação telefônica.
Daí, a comissão pode solicitar, como emprestada para a esfera disciplinar, aquela prova
produzida para fim judicial. No caso de já haver ação penal instaurada e dela constar
interceptação telefônica, a comissão pode pedir ao Ministério Público Federal para que este
solicite ao juízo a prova emprestada para a instância disciplinar, nos termos já expostos em
4.4.13.
STF, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 25.367, Relatório: “14. Por outro
lado, o processo disciplinar, que redundou na demissão do recorrente, transcorreu sem
qualquer irregularidade que pudesse comprometer a sua conclusão. O indiciado teve
ampla oportunidade de defesa e foi intimado para assistir a todos os atos instrutórios. Ao
final, foram ouvidas dezesseis pessoas (algumas delas, mais de uma vez). Realizaram-se
três exames periciais: dois documentoscópicos e um de avaliação de imóvel. O servidor foi
interrogado duas vezes e, entre os vários documentos apresentados, juntaram-se
transcrições fonográficas das interceptações que a Polícia Federal, por ordem judicial,
procedeu nos diálogos telefônicos que ele manteve com alguns donos de postos de
combustível.”
STJ, Mandado de Segurança nº 7.024, Voto: “Ultrapassada mais essa afirmação, examino
a última delas, que diz respeito à ilegalidade da escuta telefônica para fins de utilização no
procedimento administrativo, com base no art. 3° da Lei n° 9.296/96 (...):
O argumento não tem qualquer fundamento. Como visto, o dispositivo esclarece que
somente o juiz pode determinar a interceptação telefônica, a requerimento das autoridades
que elenca, nada dispondo sobre a impossibilidade de utilização da mesma para fins de
725
investigação administrativa.
No caso, a administração valeu-se das gravações para fins de prova no processo
administrativo, mas a interceptação foi requerida nos exatos termos do inciso I, art. 3° da
legislação em comento, como consta do Alvará de Escuta, uma vez que os dois policiais
impetrantes também respondem a processo criminal.”
“Mas é possível que, em processo civil, se pretende aproveitar prova emprestada, derivada
de interceptação telefônica lícita, colhida em processo penal desenvolvido entre as mesmas
partes. (...)
Poderá, em casos como esse, ter eficácia a prova emprestada, embora inadmissível sua
obtenção no processo não-penal?
As opiniões dividem-se, mas, de nossa parte, pensamos ser possível o transporte de prova.
O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a
intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais
resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a
alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui,
mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável. (...)
Nessa linha de interpretação, cuidados especiais devem ser tomados para evitar que o
processo penal sirva exclusivamente como meio oblíquo para legitimar a prova no
processo civil. Se o juiz perceber que esse foi o único objetivo da ação penal, não deverá
admitir a prova na causa cível.” Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e
Antonio Magalhães Gomes Filho, “As Nulidades no Processo Penal”, pgs. 119 e 120,
Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, 2006
recomendável que a comissão, em seu relatório, logre diferenciar de forma bastante clara
aquela prova trazida emprestada da instância judicial das demais provas coletadas por meios
meramente administrativos e independentes da interceptação telefônica, a fim de mantê-las
imunes de eventual declaração de nulidade daquele primeiro ato instrucional.
Todavia, diante dos recursos tecnológicos, existem outras situações que margeiam a
hipótese acima, mas que, diferindo em determinados detalhes, não cabem na definição
jurídica restrita de interceptação telefônica, e, portanto, não estão protegidas pelo art. 5º, XII
da CF e, consequentemente, disciplinados pela Lei nº 9.296, de 24/07/96. Não obstante,
também merecem atenção, pois podem se tornar provas válidas em processo.
Na mesma linha da primeira situação acima, também não se enquadra no art. 5°, XII
da CF e na Lei n° 9.296, de 24/07/96, a captação de uma conversa telefônica, quando operada
por terceira pessoa, a pedido ou com aquiescência de um dos interlocutores. Mas aqui,
diferentemente da primeira situação acima, pode haver ilicitude já no ato de gravar. Todavia,
pode se defender que, havendo justa causa, afastam-se as ilicitudes tanto do ato de terceiro
gravar conversa telefônica alheia quanto do ato de divulgar, ainda que o teor seja confidencial.
STF, ‘Habeas Corpus’ n° 74.678: “Ementa: Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por
legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o
conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de consequência, lícita
e, também consequentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para
invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da
intimidade.
Relatório: O interesse público deve prevalecer sobre a manutenção do sigilo da
conversação telefônica envolvendo prática delitiva. (...) A Carta Magna não criou sigilo
para beneficiar e privilegiar infratores e perturbadores da ordem na esfera dos direitos
individuais e comuns. (...)
A propósito, ensina Vicente Grecco Filho em recente monografia sobre a Lei 9.296/96:
‘Ainda no capítulo das observações preliminares, é importante fazer uma distinção que
nem sempre se apresenta, quer em julgamentos, quer em textos doutrinários, qual seja a
diferença entre a gravação feita por um dos interlocutores da conversação telefônica, ou
com autorização deste, e a interceptação. Esta, em sentido estrito, é a realizada por alguém
sem autorização de qualquer dos interlocutores para a escuta e, eventualmente gravação,
de sua conversa, e no desconhecimento deles.’ (...)
Estando afastada a hipótese de falta de justa causa para a gravação e de indevida
divulgação da conversa entre o paciente e o ofendido (Código Penal, arts. 151, II, e 153),
não há razão plausível que justifique qualificar essa prova como ilícita. Frente à
interpretação sistemática das normas constitucionais pertinentes e ainda das disposições
contidas nos arts. 151, II, e 153, do Código Penal, suficientes para atestar a prestabilidade
728
Por óbvio, também não se encontra albergada no art. 5°, XII da CF e na Lei n° 9.296,
de 24/07/96, não cabendo na definição jurídica de interceptação telefônica, a simples
729
listagem, fornecida pelas operadoras de serviço de telefonia, por ordem judicial, com os
registros históricos de ligações originadas de determinada linha de telefone e/ou por ela
recebidas. Aqui, refere-se a apenas a lista de números das linhas e data e hora das ligações,
enquanto que a definição de interceptação telefônica requer mais: requer o acesso ao teor das
conversas. Não obstante, advirta-se que mesmo tais dados resumidos de sigilo telefônico
inserem-se em cláusula de intimidade da pessoa e, como tal, para serem admitidos como
prova lícita em processo de qualquer instância, reafirma-se que requerem a medida cautelar da
determinação judicial. Mas, em linha diferente se inserem os dados resumidos de ligações
telefônicas realizadas por meio de linha e aparelho institucionais, podendo a comissão
solicitar ao setor competente no órgão os extratos das contas telefônicas originadas do
aparelho e da linha oficiais, independentemente de autorização judicial.
STJ, Recurso em Mandado de Segurança nº 17.732: “Ementa: VII - A quebra do sigilo dos
dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e os números das linhas
chamadas e recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas
pela Lei 9.296/96 (...)”
CF - Art. 5º
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal;
“(...) entende-se que se o correio eletrônico de onde se retirou a prova é institucional, por
ser ele do serviço público e não privativo do servidor, a prova poderá ser utilizada.”,
Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pgs. 114 e 115, Fortium
Editora, 1ª edição, 2008
Neste foco específico, a leitura conjunta do inciso III do art. 18, do art. 24, do inciso V
do art. 285 e do inciso V do art. 287, todos do Regimento Interno da Secretaria da Receita
Federal do Brasil indica que, tratando-se de necessidade de acesso e de monitoramento da
caixa postal por razões disciplinares, a competência de autorização recai sobre a autoridade
correcional, ou seja, o Corregedor ou o Chefe do Escor da jurisdição, dependendo de qual
destas autoridades figure como competente para instaurar a instância disciplinar no caso em
731
que se cogita de acessar e monitorar o e-mail corporativo. Por fim, de acordo com o art. 16 da
Portaria Coger-MF nº 492, de 23/09/13, cabe à administração local do correio eletrônico
institucional (Lotus Notes - em regra, a cargo de projeção da Cotec responsável pela gestão do
sistema de informação na unidade), com a devida priorização, apenas a operacionalização da
medida solicitada pelo Corregedor ou Chefe de Escor.
Outro tema que merece atenção é a admissibilidade ou não de prova obtida por meio
de filmagem ou de gravação, providenciada pela própria Administração, no ambiente de
trabalho ou em espaços públicos em geral, sem aviso prévio a quem quer que seja e sem
pedido de autorização judicial. Busca-se enfrentar a questão de ser ou não admissível a prova
obtida por meio de captação de sinais de vídeo e/ou de áudio que se saiba ou que se reconheça
não ter sido montada antes e à margem de qualquer suposição de perpetração de
irregularidades no local e com o impessoal e genérico objetivo de prevenção, mas sim que
tenha sido preparada para obter comprovação de determinado ato ou conduta de que
antecipadamente já se tenha suspeita. Ou, em outras palavras, analisa-se a validade jurídica
desta captação, como prova admissível em processo, com o fim específico de comprovar
conduta de que antecipadamente já se tenha suspeita, não se tratando de filmagens ou
gravações genéricas, com mero propósito preventivo, atualmente comuns nos ambientes de
733
circulação pública.
Lei nº 9.784, de 29/01/97 - Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública
poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do
interessado.
CPC - Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará
o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.
STJ, Mandado de Segurança nº 19.329: “Ementa: 3. Não é possível considerar que tenha
sido irregular a filmagem da operação que culminou com a prisão em flagrante da
impetrante, uma vez que foi realizada em via pública, não sendo razoável, portanto, ser
acatado o argumento de violação da intimidade.”
Com exceção dos recintos reservados como banheiros, vestiários e refeitórios, não há
ato funcional lícito que possa expor, de forma indesejada, aqueles valores constitucionalmente
protegidos. A presumida e desejada regularidade dos atos funcionais não contempla a hipótese
de qualquer conduta que, ao mesmo tempo em que atende e segue todos os princípios e
disciplinamentos da Administração, exponha parcela de reserva pessoal que a Constituição
Federal protege. Ademais, conforme já aduzido em 3.3.1.9 e em 4.4.14.2, não há garantias
fundamentais estampadas no texto constitucional com o fim de proteger infrator ou de ocultar
ilicitude, restando situações limítrofes em que o princípio da convivência das liberdades
aponta a mitigação da proteção individual em prol do bem maior social.
O Ministério Público Federal (...) Aduziu, ainda, que é válida a prova da imagem obtida
por meio de câmera oculta em repartição pública (...).”
Voto: “Em primeiro lugar registre-se que a jurisprudência, tanto no âmbito do Pretório
Excelso, quanto do Superior Tribunal de Justiça são no sentido de que não é prova ilícita,
a gravação efetuada pela vítima dos fatos, em tese, criminosos, principalmente se tratando
de servidores no exercício de funções no âmbito da Administração Pública, que tem no
princípio da publicidade um dos seus pilares. (...)
Mas a fita onde está a gravação de conversa própria não é ilícita, e ainda por cima é
dotada de credibilidade quanto ao delito, porquanto confrontando os valores citados por
(...) com os valores manuscritos, nota-se que eles correspondem, o que dá total
credibilidade à gravação (...)”
Daí, ao atingir este ponto, em que, em princípio, não se vislumbra realizar nenhum
outro ato instrucional, a fim de garantir que o acusado seja o último a se manifestar na
instrução, a comissão deve intimá-lo para ser interrogado. Tendo em vista que a instrução
processual esteva aberta desde a notificação inicial da condição de acusado, termo em que se
deu ciência do direito imediato e contínuo de peticionar pela produção de provas, não há
necessidade - e nem se recomenda mesmo estimular, neste momento processual avançado, a
apresentação de estratégias protelatórias por parte da defesa - de a comissão primeiramente
questionar o acusado se deseja produzir mais provas antes de seu interrogatório.
Aqui, convém ponderar o mandamento do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que
diz que, após a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do
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Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão
promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts.
157 e 158.
(Nota: Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo
presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexada
aos autos.
Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será
imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e
hora marcados para inquirição.
Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à
testemunha trazê-lo por escrito.)
Todavia, sem se confundir com regra, não há impedimento de se fazer um ou até mais
interrogatórios prévios do acusado no início ou no curso da instrução. Esta estratégia de se
coletar interrogatório prévio pode se justificar, por exemplo, dentre outras, nas seguintes
situações: em processos em que a primeira impressão é de arquivamento e a comissão tem a
percepção de que esclarecimentos prévios do servidor já apontarão o rumo a tomar para a
rápida conclusão da apuração; ou em processos em que as provas inicialmente autuadas e que
apontam contrariamente ao servidor consubstanciam-se em documentos por ele assinados ou
em acessos a sistemas por ele realizados, de forma que a prova oral, questionando a
veracidade de suas assinaturas ou de seus acessos, já pode fazer com que se evite perícia
grafotécnica ou apuração especial (caso ele os confirme) ou, ao contrário, com que se os
realize desde logo (caso ele os negue); ou em casos em que se apura eventual enriquecimento
ilícito, em que pode se mostrar relevante trazer o acusado de início para que apresente suas
justificativas e possíveis origens de recursos.
Estes interrogatórios prévios não carreiam nulidade para o processo, uma vez que não
se afasta a realização do interrogatório ao final, tentando-se concluir a busca da convicção,
conforme determina o art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Caso se intime o acusado para
interrogatórios no início ou no curso da instrução, convém que a comissão registre na
intimação a condição de preliminar destes atos, consignando que suas realizações em nada
prejudicarão a tomada do interrogatório ao final da instrução, conforme a vontade da Lei.
Parecer AGU nº GQ-177, vinculante: “Ementa: (...) Não nulifica o processo disciplinar a
providência consistente em colher-se o depoimento do acusado previamente ao de
testemunha.”
STJ, Mandado de Segurança nº 7.736: “Ementa: (...) IV. A oitiva do acusado antes das
testemunhas, por si só, não vicia o processo disciplinar, bastando, para atender a
exigência do art. 159 da Lei nº 8.112/90, que o servidor seja ouvido também ao final da
fase instrutória.”
“Entretanto, nada prejudica nem impede que, para atender à conveniência instrutória do
processo disciplinar, a pessoa acusada, suspeita da prática do ato inquinado de irregular,
737
seja ouvida no curso da coleta da prova. O que a Lei, a meu sentir, torna necessário nessa
hipótese é que, encerrada a coleta das provas, inclusive com a audiência de testemunhas,
seja, então, ouvido, novamente, o acusado, mediante interrogatório - art. 159.” Francisco
Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”,
pgs. 149 e 150, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“O interrogatório, como vimos, é o último momento nessa fase de prova. Mas a comissão,
na sua primeira reunião, preparatória da instrução processual, poderá deliberar por
começar ouvindo exatamente o acusado. (...) devendo, depois, ser novamente ouvido em
procedimento de interrogatório.” Léo da Silva Alves, “A Prova no Processo Disciplinar”,
pgs. 162 e 163, Editora Lumen Juris, 1ª edição, 2003
Não vislumbrando mais nenhum outro tipo de ato de instrução (oitivas, perícias,
diligências, etc) necessário ao esclarecimento do fato, deve a comissão deliberar pela
realização do interrogatório do acusado. Ato contínuo, deve intimar o acusado, no prazo hábil
de três dias úteis de antecedência para ser interrogado. Sendo um ato personalíssimo e de
relevante interesse da defesa, recomenda-se que, se possível, a comissão tente entregar
pessoalmente ao acusado a intimação para seu interrogatório, acompanhada de cópia dos
autos, preferencialmente digital, complementando as cópias já entregues no curso do
processo.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência
ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local
de realização.
738
No caso de entrega pessoal, emitem-se duas vias do ato, a fim de uma ficar com o
destinatário e outra ser autuada com sua assinatura e datada. No caso de envio postal, também
emitem-se duas vias, remetendo-se uma para o destinatário, com o serviço do aviso de
recebimento (AR) que, após devolvido, deve ser autuado junto à outra via. No caso de envio
por correio eletrônico institucional, sendo o destinatário servidor, envia-se a mensagem com
os recursos de confirmação de entrega e de aviso de recebimento e solicita-se, no corpo da
mensagem, que o destinatário responda confirmando o recebimento; não sendo servidor o
destinatário (na hipótese de acusado ex-servidor ou inativo), solicita-se, no corpo a mensagem
que imprima, assine, digitalize e reenvie o ato de comunicação de volta para a comissão, com
o compromisso de trazer a via original à sala da comissão..
Nunca será demais frisar que, para que um servidor seja interrogado, requer-se o óbvio
pré-requisito de ter sido notificado para acompanhar o processo como acusado. Um servidor
que não tenha participado do processo ou que originalmente tenha sido chamado aos autos
como testemunha não pode, sem notificação inicial como acusado, ao final ser intimado para
ser interrogado.
determina a leitura conjunta dos arts. 158 e 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, com o art. 22, §
1º da Lei nº 9.784, de 29/01/99, a garantia do contraditório se concretiza com a prerrogativa
de a defesa contestar o conteúdo do termo. Assim, a participação de um acusado no
interrogatório de coacusado não só carece de previsão normativa como também é superável e
a negativa a pleito de tal natureza não acarreta cerceamento ao direito de defesa e tampouco
prejudica a exaustiva busca da verdade material. Na mesma linha já se manifestou a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional:
STF, Recurso em Mandado de Segurança nº 24.716: Voto: “(...) Da análise dos autos
(fl.463), vislumbra-se que, destas 25 pessoas, 9 correspondem aos acusados do referido
PAD. Quanto a estes, há que se ressaltar que a Lei 8.112/90, ao estabelecer as diretrizes
para desenvolvimento do processo administrativo-disciplinar, dispõe que o interrogatório
dos acusados deve ser tomado em separado (...).
Assim, a ausência de intimação das datas em que tais interrogatórios iriam acontecer não
afronta o direito de defesa, uma vez que se mostra, em regra, não só desnecessária, como
também vedada, a presença dos demais acusados.
Logo, é dispensável a intimação do recorrente para interrogatório dos demais envolvidos,
não se configurando, na espécie, cerceamento de defesa. Ressalte-se que o recorrente teve
acesso à cópia de todos os depoimentos, que possibilitou o contraditório por ocasião da
apresentação da defesa escrita (...)."
STJ, Mandado de Segurança nº 8.496: “Ementa: (...) 2. Não há previsão normativa alguma
que confira a prerrogativa ao advogado de presenciar o depoimento de outros acusados,
no mesmo processo administrativo disciplinar, assim como de formular questões ao seu
próprio constituinte.”
estes só podem se fazer acompanhar pelos respectivos procuradores. Assim, não se justifica
que o advogado de um acusado compareça ao interrogatório de outro, que possui seu
próprio advogado.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys,
“Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 355, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Assim, a princípio no mesmo rumo até aqui trilhado, o art. 191 do CPP, com redação
dada pela Lei nº 10.792, de 01/12/03, contém dispositivo muito similar à primeira parte do §
1º do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, estabelecendo que “Havendo mais de um acusado,
serão interrogados separadamente”. Não obstante, informe-se que, em razão das tutelas mais
severas da instância criminal, a mesma Lei nº 10.782, de 01/12/03, também alterou o art. 185
do CPP, passando a prever que “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária,
no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor,
constituído ou nomeado”. Ademais, o art. 188 do mesmo Código, também com redação dada
pela mesma Lei nº 10.792, de 01/12/03, ao estabelecer que “Após proceder ao interrogatório,
o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as
perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante”, permite concluir que, em
instância de processo penal, é possível, nos casos em que há mais de um acusado, a presença e
a efetiva postulação por parte dos demais defensores - e até mesmo a eventual presença dos
corréus - nos interrogatórios uns dos outros. E este entendimento tem se sobressaído na
jurisprudência quando as Cortes superiores são instadas a se manifestar acerca do tema
especificamente na processualística penal, sobretudo em atenção às possibilidades de tentativa
de imputação de responsabilidade a outro corréu ou de delação.
STJ, Habeas Corpus nº 198.668: “Ementa: 3. Para o ato do interrogatório nas ações
penais com pluralidade de réus, o Código de Processo Penal prevê apenas que estes devem
ser interrogados separadamente, o que não significa, por si só, que a inquirição
complementar seja feita apenas pelo próprio defensor e pelo órgão acusatório, sob pena de
ofensa ao contraditório e à paridade de armas que deve ser resguardada no processo
penal. 4. Não há no Código de Processo Penal nenhum comando proibitivo à participação
do defensor do corréu no ato do interrogatório, estabelecendo o seu artigo 188, com a
redação dada pela Lei n. 10.792/03, que ‘Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará
as partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas
correspondentes se o entender pertinente e relevante’, razão pela qual não é dado ao
intérprete restringir esse direito, que tem assento em princípios constitucionais.”
Mas, por outro lado, na questão em tela, deve-se temperar o ímpeto de fazer refletir no
processo administrativo disciplinar a integralidade de dispositivos do CPP. Primeiramente
porque há relevantes diferenças entre as instâncias processuais, tanto de contexto quanto de
agentes. No processo administrativo disciplinar, conduzido por uma comissão composta por
servidores estáveis, não há a figura do magistrado, com todos os poderes em que se investe o
membro do Poder Judiciário, inegavelmente mais capazes de conduzir a presidência da prova
oral, de zelar por interesses eventualmente distintos de partes conflitantes, de manter a ordem
742
Assim, sem jamais perder de vista que o § 1º do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
determina que os acusados devam ser interrogados um a cada vez e não em conjunto em ato
único, de imediato, a análise acerca da possibilidade de extensão do comando do art. 188 do
CPP para o processo administrativo disciplinar deve se iniciar com a percepção da
necessidade de se flexibilizar, para uma compreensão mais abrangente, em razão da
capacidade de postulação em instância disciplinar tanto do próprio acusado quanto de seu
facultativo procurador e de este ser ou não advogado.
Não obstante tais possibilidades, a priori, ratifica-se que não há previsão na Lei nº
8.112, de 11/12/90, para que os demais acusados e seus eventuais procuradores (advogados ou
não) sejam notificados de ofício pela comissão, sem provocação das defesas, do interrogatório
do coacusado e muito menos para que participem e apresentem perguntas naquele ato. Como
forma de, sem proceder à notificação dos demais coacusados (com o que se poderia interpretar
como chamento ao ato), a comissão ao mesmo tempo não se expor à crítica de não ter
expressado nos autos as datas de todos os interrogatórios, pode o colegiado indicar na ata de
deliberação as datas de toda a rodada de provas orais a serem coletadas dos acusados e
fornecer cópia integral dos autos juntamente com as intimações para os interrogatórios,
suprindo, então notícia ao conjunto de acusados acerca das datas de todos os interrogatórios.
Todavia, reiterando que tanto a instância disciplinar quanto a instância penal ambas
são ramos do Direito público punitivo e, como tal, guardam afinidades em seus princípios
reitores e nas fontes informadoras, reconhece-se que não é incomum a jurisprudência evoluir
em seus entendimentos para o processo administrativo disciplinar e neles também vir a
sedimentar teses e institutos aplicáveis ao processo penal.
Assim, diante do tema sob análise, pode-se aceitar que, caso os outros acusados e/ou
seus procuradores manifestem antecipadamente intenção de participar do interrogatório de um
coacusado ou compareçam no momento da realização do ato, deve a comissão, na lacuna da
Lei, questionar ao interrogado se este considera prejudicial à sua defesa a participação (termo
que aqui agrega não só a simples presença física no ato mas também a possibilidade de
reinquirir o interrogado ao final) daqueles demais interessados. Refinando a questão, pode a
comissão desdobrar o questionamento acerca da participação unicamente de acusados,
unicamente de procuradores ou de ambos, já que pode haver objeção apenas à participação
dos primeiros e não dos últimos.
demais acusados e de seus procuradores ou apenas dos coacusados ou ainda apenas dos seus
procuradores, deve a comissão acatar, homenageando e privilegiando a proteção dos direitos
de defesa deste que prestará a prova oral, e comunicar o indeferimento aos demais postulantes
cuja participação o interrogado não consentiu. De se destacar que, nesta hipótese de denegar a
participação, a comissão não incorre em ilegalidade e tampouco inquina o feito com nulidade
por cerceamento de direito de defesa, pois o faz com respaldo na literalidade da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, e sob amparo das específicas manifestações jurisprudenciais.
Por outro lado, caso o servidor a ser interrogado manifeste não se opor à participação
dos outros acusados e de seus procuradores, ou apenas dos acusados ou apenas dos
procuradores, pode a comissão deferir a presença e a efetiva participação daqueles cuja
presença o interrogado consentiu. Nesta hipótese do deferimento à participação, de acordo
com a procedimentalização reinante em processo administrativo disciplinar, por força do § 1º
do art. 156 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, as perguntas dos demais acusados e/ou de seus
procuradores devem ser formuladas ao presidente, para que este, à vista do objetivo de
elucidar o fato e da sua prerrogativa de indeferir as intervenções protelatórias, impertinentes
ou sem relação com o objeto da apuração, decida se as repassa ao interrogado.
Ademais, ainda nesta linha de exceção, também é de se ressalvar que não se afasta a
garantia constitucional de o acusado não ser constrangido ou coagido a responder a perguntas
de coacusados e/ou de seus procuradores que julgue autoincriminatórias ou prejudiciais à sua
linha de defesa, podendo clamar pela prerrogativa de manter-se em silêncio.
se aplica representação e muito menos qualquer tipo de sanção pelo não comparecimento ao
ato de interesse da própria defesa.
Destaque-se que, a rigor, tendo havido a regular intimação, caso o servidor não
compareça e sequer forneça à comissão qualquer justificativa que pudesse inferir sua vontade
de prestar a prova oral em data posterior, é lícito ao colegiado, já desde esta primeira e única
ausência, supor o desinteresse da defesa e, mesmo sem reiterar o chamamento, prosseguir no
rito. Assim se manifestou a Advocacia-Geral da União, no Parecer AGU nº GQ-102, não
vinculante:
STJ, Mandado de Segurança n° 7.066, Voto: “De todo o exposto, resulta que o impetrante
não foi interrogado pela comissão processante, porque recusou-se, por vinte vezes, a
comparecer ao local designado, a despeito de estar gozando de perfeita saúde, em
determinadas ocasiões.
Em consequência, não há falar em cerceamento de defesa, sendo certo, ainda, que a
eventual nulidade do processo, por esse motivo, não poderia ser aproveitada pela parte
que lhe deu causa.”
“Na verdade, em que pese a sua importância, o interrogatório não é um ato indispensável.
Se assim fosse, não se poderia continuar o processo contra acusado revel (ou aquele que,
no processo disciplinar, mostra-se indiferente desde a instauração). Todavia, essa é uma
situação excepcional. Se o acusado for passível de localização, há que ser intimado;
estando presente, há que ser interrogado. (...)
Conclusivamente, podemos dizer que se o interrogatório não se dá porque o acusado não
compareceu, o ato poderá ser dispensado sem consequências fatais (...).” Léo da Silva
Alves, “A Prova no Processo Disciplinar”, pgs. 52 e 53, Editora Lumen Juris, 1ª edição,
2003
“Se o acusado, conquanto intimado, deixar, sem justa causa, de comparecer ao ato de
interrogatório, deve o processo disciplinar prosseguir seu curso normalmente, sem que da
ausência resulte qualquer conclusão adversa ao servidor (art. 29, Lei federal nº
9.784/1999)” Antonio Carlos Alencar Carvalho, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar e Sindicância”, pg. 534, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
comissão combine previamente sua forma de agir, se mais ou se menos frmal, a fim de evitar
surpresas e constrangimentos na hora do ato. O termo deve ser digitado em texto corrido, sem
espaços em branco, parágrafos e rasuras.
Acusado Advogado
Não por acaso, aquele tópico foi redigido de forma mais genérica e abrangente
possível, em termos de “provas orais”, de forma que, aqui, para o incidente da gravação
observado no interrogatório do acusado, se estendem e se aproveitam as mesmas conclusões a
que se chegou quando se enfrentou o tema para as oitivas de testemunha.
Orientação Coger nº 1
Não havendo previsão legal para gravação de provas orais em instância disciplinar, cabe
à comissão reduzir a termo por escrito como forma de registrá-las; e as gravações e as
transcrições unilateralmente realizadas pelo acusado ou por seu procurador poderão ser
juntadas aos autos e, caso mencionadas pela defesa, devem ser livremente apreciadas pelo
colegiado.
direito de permanecer calado e de que tal postura não lhe importará prejuízo.
Uma vez que é garantia constitucional o direito de ficar calado para não se auto-
incriminar, não se exige do acusado o compromisso com a verdade. E como seria
contraditório que o ordenamento previsse repercussões negativas para quem exercita uma
garantia constitucional, foi revogado o dispositivo do CPP que indicava que o silêncio do
acusado poderia constituir elemento para a formação de convicção da autoridade julgadora.
Ou seja, o direito de não responder perguntas que possam lhe incriminar, além de não
poder ser considerado pela comissão como confissão, atualmente também já não mais pode
ser interpretado em prejuízo da defesa.
CF - Art. 5º
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
“(...) Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais
ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias
prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer
calado. ´Nemo tenetur se detegere´. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática
de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da
cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até
mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que
falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal”.
Idem: STF, ´Habeas Corpus´ nº 68.742 e 71.421
presença do procurador.
Daí, sendo o assessoramento uma faculdade garantida ao acusado, deve por ele ser
providenciado, se assim quiser. Não cabe à comissão exigir a presença de procurador para o
interrogatório, tampouco se cogita de designar defensor ad hoc ou solicitar designação de
defensor dativo para acompanhar o acusado e nem deixar de realizar o ato sem o patrono. E,
neste rumo, já se manifestaram a Advocacia-Geral da União e a jurisprudência:
STJ, Mandado de Segurança nº 15.837: “Ementa: 6. Não gera a nulidade do ato o fato de
o impetrante, intimado com antecedência, não se fazer acompanhar por advogado no
momento do seu interrogatório, conforme assentado pela Súmula Vinculante n. 5 do
Supremo Tribunal Federal, até porque desde o início apresentou-se como defensor de si,
pois é advogado devidamente habilitado, tendo, inclusive, subscrito sua defesa escrita (fls.
274-328e) e o presente writ.
Nota Técnica Coger nº 2005/6: “Ementa: (...) Também não cabe a designação de defensor
dativo caso o acusado seja interrogado sem a presença de seu procurador. (...)”
Nem mesmo a consideração da atual redação do art. 185 do CPP, dada pela Lei nº
10.792, de 01/12/03, ampara a tese da obrigatoriedade da presença do procurador do acusado
no interrogatório coletado no processo administrativo disciplinar. O mandamento legal citado
assim estabelece:
748
CPP - Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do
processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou
nomeado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 01/12/03)
É sabido que, com as devidas cautelas, pode-se, em caso de omissão na Lei nº 8.112,
de 11/12/90, e também na Lei nº 9.784, de 29/01/99, integrar lacuna do rito disciplinar,
trazendo institutos do CPP. Mas igualmente é cediço que tal forma de integração somente é
aceita quando a norma mais específica não abordou a matéria. E, conforme esclarecido linhas
acima, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, no § 2º do art. 159, tratou do assunto, ao prever a
possibilidade de acompanhamento do procurador. A Lei específica não se quedou omissa.
Desta forma, não se tem autorização na Hermenêutica para fazer prevalecer a leitura do art.
185 do CPP, ainda que mais recente, em detrimento do dispositivo mais específico.
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que
deva ser reconhecida;
II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de
outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o
reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito
de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser
reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade,
pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas
presenciais.
Parágrafo único. O disposto no inciso III deste artigo não terá aplicação na fase da
instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no
artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de
objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.
acusado ratificar ou corrigir. Mais que isto, para assegurar a necessária garantia do ato e até
mesmo para tentar inibir exageradas contestações ou solicitações de retificação quando da
leitura final do termo, recomenda-se que a comissão adote a praxe, previamente informada, de
ler em voz alta cada pergunta e resposta consignadas.
Caso o acusado adote a postura de não responder, convém que a comissão formule
pergunta por pergunta (inclusive entremeando com algumas perguntas simples e não
incisivas) e registre o silêncio a cada resposta, a fim de deixar consignado tudo o que se queria
questionar, não sendo conveniente fazê-lo de forma genérica, para todas as perguntas de uma
só vez.
Incumbe ao presidente zelar pela manutenção da ordem, de forma a não permitir que o
procurador interfira nas perguntas da comissão e nas respostas do interrogado. Aqui, de um
lado, a ação de interferir deve ser compreendida como interceder, interromper, obstruir, evitar
ou tentar substituir a espontaneidade do interrogado; mas, de outro lado, não se confunde com
válidas contribuições pontuais, de pequenos acréscimos ou ajustes nas respostas manifestadas
pelo interrogado. Ademais, a vedação à interferência, por parte do procurador, no ato da
formulação das respostas pelo acusado em nada prejudica o exercício de direito de
reinterrogar ao final do ato, conforme adiante se abordará, visto aqui estar se falando de dois
momentos distintos. Caso o procurador queira interferir indevidamente no ato, deve o
presidente impedir, registrando o incidente no termo; na reiteração, pode o presidente advertir
com a possibilidade de determinar que o procurador se retire do recinto, também com o
devido registro no termo. Obviamente que esta prerrogativa deve ser evitada, tentando-se ao
máximo contornar a situação e conduzir de forma serena o ato, sem precisar chegar a tal
providência extremada. Mas, se for necessário, após solicitar a retirada do procurador, caso
não se retire espontaneamente, a comissão deve solicitar à segurança ou vigilância que o retire
do recinto.
STJ, Mandado de Segurança nº 8.496: “Ementa: (...) 2. Não há previsão normativa alguma
que confira a prerrogativa ao advogado de presenciar o depoimento de outros acusados,
no mesmo processo administrativo disciplinar, assim como de formular questões ao seu
próprio constituinte.”
“O procurador do acusado não lhe faz perguntas. O que a comissão deve fazer é no final
do interrogatório perguntar ao acusado se tem mais alguma coisa que queira esclarecer ou
acrescentar.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys,
“Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 114, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Orientação Coger nº 13
Em instância disciplinar, embora não haja previsão legal, pode a comissão, à vista das
peculiaridades do caso concreto, permitir perguntas do procurador a seu próprio
constituinte; mas não lhe cabe, em processos com mais de um acusado, notificar, de ofício,
as demais defesas para que compareçam e participem do interrogatório do coacusado.
E caso a comissão, nos termos já expostos em 4.4.16.2.1, adote esta postura amparada
pela base principiológica e alinhada com o art. 188 do CPP, em detrimento da interpretação
literal do art. 159 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, obviamente, por coerência, passará a palavra
não só ao procurador do próprio acusado, a fim de dirigir perguntas, por intermédio do
presidente, mas também a outro acusado e a outro procurador porventura presente,
assegurando-se a manutenção dos direitos do interrogado de manter-se em silêncio diante de
752
CPP - Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará as partes se restou algum
fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender
pertinente e relevante. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 01/12/03)
STJ, Habeas Corpus nº 198.668: “Ementa: 3. Para o ato do interrogatório nas ações
penais com pluralidade de réus, o Código de Processo Penal prevê apenas que estes devem
ser interrogados separadamente, o que não significa, por si só, que a inquirição
complementar seja feita apenas pelo próprio defensor e pelo órgão acusatório, sob pena de
ofensa ao contraditório e à paridade de armas que deve ser resguardada no processo
penal. 4. Não há no Código de Processo Penal nenhum comando proibitivo à participação
do defensor do corréu no ato do interrogatório, estabelecendo o seu artigo 188, com a
redação dada pela Lei n. 10.792/03, que ‘Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará
as partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas
correspondentes se o entender pertinente e relevante’, razão pela qual não é dado ao
intérprete restringir esse direito, que tem assento em princípios constitucionais.”
CPP - Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circunstâncias
do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam. (Redação dada
pela Lei nº 10.792, de 01/12/03)
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos
de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do
processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
Art. 199. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos
autos, observado o disposto no art. 195.
“Na processualística moderna, a confissão tem validade apenas relativa, onde se constata,
no dia-a-dia dos foros, que ela se robustece ou se definha, à medida que seu conteúdo
discrepa ou não, respectivamente, das demais provas dos autos.” José Armando da Costa,
“Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 104, Editora Brasília
Jurídica, 5ª edição, 2005
“A relatividade da confissão, hoje, é a regra. Não se admite o ato confessional como prova
única e concreta, definitiva e inquestionável. (...)
Pode acontecer de o advogado apresentar à comissão um documento escrito pelo acusado,
no qual este assume a plena responsabilidade pelos fatos, ou o próprio acusado fazer com
que o documento chegue à autoridade. (...). A comissão deverá, nesse caso, notificar o
acusado para que compareça e confirme os termos escritos.” Léo da Silva Alves, “Prática
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A confissão é uma prova divisível, ou seja, quando contraposta aos demais elementos
de prova constantes dos autos, pode ser considerada apenas em parte pela comissão. A
confissão do cometimento de um fato sob determinadas condições pode ter acatada apenas a
autoria do fato e não ter acatadas as condições de sua feitura, por exemplo. O ônus da
comprovação da parte não acatada recai sobre o servidor.
CPP - Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento
do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.
Em que pese a confissão ser retratável (o acusado pode voltar atrás na confissão), a
retratação tem valor relativo, cabendo à comissão, na livre apreciação das provas, cotejar a
confissão e a retratação com o conjunto probatório e valorar aquela que melhor se coadunar
com o restante.
Ao final, revisa-se o texto e imprime-se uma única via, para que o interrogado leia
antes de assinar, e encerra-se o termo, coletando assinaturas de todos os presentes. Se, ainda
no curso do interrogatório ou já na revisão final, o acusado solicita para que se altere
relevantemente o teor de alguma resposta (excluídos pequenos lapsos, esquecimentos ou
equívocos e meros erros de digitação ou de grafia), não convém editar em cima da resposta
original, para que não se perca a espontaneidade da primeira manifestação. Diante deste
pedido, convém consignar ao final que a defesa solicitou o registro de nova resposta, sem
eliminar o registro original.
“Caso não seja possível ouvir todos os acusados num mesmo dia, a comissão só procederá
à juntada dos termos de interrogatório após ouvir o último acusado, razão pela qual
fornecerá cópia do depoimento, se solicitado pelo servidor acusado, ao término de todos os
interrogatórios.” Adriane de Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys,
“Processo Administrativo Disciplinar - Manual”, pg. 353, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Em provas orais que se estendem por horas, é natural que se permitam breves
interrupções, para necessidades fisiológicas, que devem ser registradas no termo, com fim de
evitar posteriores alegações do acusado ou do procurador de que o interrogatório foi coletado
sob imposição, como forma de coação, de condições que prejudicavam a concentração e a
espontaneidade dos presentes. Diferentemente desta primeira hipótese, caso, por algum
754
Por outro lado, estas novas provas podem ser juntadas ao processo após o
interrogatório do servidor e podem até ser incluídas na eventual indiciação (se juntadas antes
deste ato) ou no relatório (se juntadas na fase de defesa escrita), sem que novamente se
interrogue o acusado, se elas, em absoluto, não trazem fato novo, mas apenas complementam
elementos previamente existentes nos autos, ou se elas atuam a favor da defesa.
Nota Técnica Coger nº 2005/12: “Ementa: (...) Deve-se realizar novo interrogatório caso
haja juntada de novas provas, após o até então último interrogatório, que sejam
desfavoráveis ao acusado/indiciado. Ressalte-se que meros expedientes administrativos
não se confundem com provas.”
Daí, à vista desta recomendação em gênero, se tem como mais frequente repercussão
específica a tomada de oitiva de testemunha após o interrogatório do acusado. Não há
impedimento para tal situação e somente se faz necessário novo interrogatório se a
testemunha tiver trazido aos autos fato novo contrário à defesa.
“A oitiva do acusado antes das testemunhas, por si só, não vicia o processo disciplinar,
bastando para atender à exigência do art. 159 da Lei 8.112/90, que o servidor seja ouvido
também ao final da fase instrutória.”
Idem: STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 9.144
Em analogia ao que se aduziu em 4.4.4.6, caso também não seja possível, por questão
financeira, deslocar toda a comissão, três possibilidades se apresentam, em caráter extensivo
para o processo administrativo disciplinar, na seguinte ordem: deslocar o ex-servidor, como
colaborador eventual, até a sede da comissão; adotar a videoconferência, conforme permitido
pelo ordenamento infralegal; ou, por fim, adaptar o remédio do processo judicial chamado
carta precatória (ou simplesmente precatória), também aceito em ordenamento infralegal.
Antes, a rigor, é de se destacar que, no sentido estrito da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não
há expressa previsão para tais remédios. O Estatuto, em seus dispositivos que regem o
processo administrativo disciplinar, é silente quanto ao emprego da figura do colaborador
eventual, com a qual se justificaria o pagamento de transporte e diárias a um ex-servidor para
ser interrogado; também não sofreu modernização face ao atual estágio tecnológico que
contempla a figura da videoconferência como solução jurídica aceitável; e muito menos
menciona a tomada de interrogatório de acusado por carta precatória em outra localidade.
Lei nº 8.162, de 08/01/01 - Art. 4º Correrão à conta das dotações orçamentárias próprias
dos órgãos interessados, consoante se dispuser em regulamento, as despesas de
deslocamento, de alimentação e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive
membros de colegiados integrantes de estrutura regimental de Ministério e das Secretarias
da Presidência da República, quando em viagem de serviço. (Redação dada pela Lei nº
8.216, de 13/08/91)
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja
possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste
Código; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 08/01/09)
IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. (Incluído pela Lei nº 11.900, de
08/01/09)
“Em outras palavras, desde que sejam tomadas as cautelas que atestem que efetivamente
se ofereceu oportunidade ao interrogado para se manifestar livremente, assegurando-se
inclusive o direito de permanecer calado, e cumpridas todas as demais formalidades legais,
o interrogatório realizado por teleaudiência pode ser considerado válido, e não implicando
em nulidade, se do ato não resultar ocorrência de qualquer prejuízo ao exercício de ampla
defesa.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pgs. 227 e 228, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes
/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Ainda com mais ênfase do que quando se trata de oitiva de testemunha, é certo que se
presume o emprego extremamente residual desta ferramenta ora admitida no cenário jurídico,
para fim de coleta de interrogatório. A priori, seja servidor ou ex-servidor, não se vislumbra
razoabilidade em a comissão deliberar em coletar a prova oral de um acusado residente na
mesma localidade onde transcorrem os trabalhos ou, se residente em outra localidade mas se
há viabilidade de se arcar com as despesas de deslocamento, usando a instrumentalização à
distância da videoconferência e abrindo mão da maior qualidade inerente ao ato presencial.
Não se tem dúvida de que o ato presencial, com toda sua dinâmica que lhe é inerente, pode ser
considerado como o ideal; porém, como nem sempre é realizável, há amparo normativo para
se lançar mão, subsidiariamente da prova via videoconferência. Aqui, quando se cogita do
emprego da ferramenta da videoconferência, se o faz sempre na presunção do bom senso e da
razoabilidade dos agentes e da motivação e da regularidade de seus atos e condutas. A
conjunção destas premissas faz crer que, ao se cogitar de emprego de videoconferência, se
atenta para a solução de qualquer dificuldade operacional que obriga a abrir mão do padrão de
solução presencial. E, no caso de prova oral do próprio acusado, esta premissa atinge mesmo
os contornos de extrema excepcionalidade.
Não se nega que, a rigor, deve a comissão atentar para os fatos de que, a priori, a
videoconferência é um recurso bastante válido para suprir oitivas de testemunhas quando o
depoente se encontra em localidade diferente daquela em que se encontram a comissão e a
defesa e que o interrogatório deve ser precipuamente cogitado como prova presencial entre
colegiado e acusado. Diante do fato de haver expressa previsão para a Administração arcar
com custos de transporte e de diárias para o acusado (nem que seja na condição de
colaborador eventual, no caso de ex-servidor), a comissão deve concentrar seus esforços para
que o interrogatório seja presencial, reservando esta permissão extensiva de fazê-lo sob
videoconferência apenas para hipóteses extremamente residuais e à vista tão-somente de
peculiaridades de determinado caso concreto.
Não obstante o acima exposto, convém que, quando possível, a comissão obtenha do
acusado sua expressa aquiescência em ser interrogado por meio de videoconferência,
destacadamente quando se tratar de acusado na ativa, com o fim de evitar posteriores
alegações de prejuízo aos interesses da defesa. Contudo, na linha acima defendida, a
inexistência de tal concordância expressa não inviabiliza e tampouco macula com nulidade o
interrogatório motivadamente realizado por videoconferência, em decorrência de soberana
decisão da comissão.
Após ajustado o texto entre todos os agentes participantes, a comissão deve imprimir
uma via e, juntamente com o procurador (caso excepcionalmente presente na mesma sala),
deve rubricar as primeiras folhas do termo e assinar a última. Esta via original do termo deve
ser digitalizada e remetida pelo correio eletrônico institucional para o secretário ad hoc
situado na sala onde se encontra o acusado. Nesta segunda sala, o secretário ad hoc deve
imprimir o termo, coletar rubricas e assinatura do acusado (e de seu procurador, caso presente
nesta sala), digitalizar a nova versão do documento e remeter de volta, também pelo correio
eletrônico institucional, para a sala onde se encontra a comissão. O colegiado deve imprimir
esta via digitalizada, com rubricas e assinaturas de todos os participantes, e autuá-la no
processo, juntamente com a via original com rubricas e assinaturas de seus integrantes e do
procurador (caso excepcionalmente presente na mesma sala), encerrando-se as providências
daquele momento da coleta da prova oral.
o acusado deve remeter de volta para a comissão, por meio de malote, aquela via digitalizada
do termo por ele recebida ao final do interrogatório com rubricas e assinaturas da comissão (e
do procurador, caso excepcionalmente tenha estado presente na sala do colegiado), na qual
coletou rubricas e assinatura do acusado (e, se for o caso, do procurador, se este esteve
presente na segunda sala), a fim de que, em conjunto com as duas vias que já instruem os
autos desde a data da realização da videoconferência, também seja autuada. Com isto,
preservam-se no processo os fiéis registros do teor da prova oral em si e também de toda a
procedimentalização empregada para sua atípica feitura em dois lugares afastados. Neste
sentido, se reforça que, não só no inicio do termo de interrogatório, mas também ao seu final,
após as perguntas e os ajustes, deve a comissão descrever, de forma ao mesmo tempo fiel e
sintética, toda a real dinâmica envolvendo a feitura do ato por videoconferência.
Esta instrumentalização final em princípio parece ser redundante, mas, de fato, faz-se
necessário que o secretário ad hoc situado na segunda sala, após ter coletado rubricas e
assinaturas de todos os presentes neste recinto, remeta para a comissão a via do termo tanto
por meio do correio eletrônico institucional, para imediata juntada aos autos, quanto por meio
de malote, para juntada posterior. A remessa, por malote, da via original em que os presentes
na segunda sala apuseram suas rubricas e assinaturas se justifica porque convém que se
autuem as vias do termo que contêm rubricas e assinaturas de próprio punho dos participantes
em cada sala (tantas vias originais quantas forem as distintas salas). E a remessa, pelo corrreio
eletrônico institucional, da via digitalizada também se justifica para se ter de imediato, já
desde o momento do encerramento do ato, em um documento único, uma via com rubricas e
assinaturas de todos os participantes e para suprir o risco de eventual extravio da via original a
ser remetida por malote.
Na hipótese de se ter o ato envolvendo mais de duas salas (por exemplo, comissão em
uma localidade, acusado em outra e procurador em uma terceira), a finalização do ato é
similar à descrita acima, mas com algumas peculiaridades. Após o ajuste do texto, o secretário
da comissão deve imprimir o termo, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala,
digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para o secretário ad hoc
situado na segunda sala. Este secretário ad hoc da segunda sala deve imprimir o termo
digitalizado com rubricas e assinaturas dos presentes na sala da comissão, coletar rubricas e
assinaturas dos presentes em sua sala, digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico
institucional para o secretário ad hoc situado na terceira sala. Este secretário ad hoc da
terceira sala deve imprimir o termo digitalizado com rubricas e assinaturas dos presentes na
sala da comissão e na segunda sala, coletar rubricas e assinaturas dos presentes em sua sala,
digitalizar esta via e remetê-la pelo correio eletrônico institucional para o secretário da
comissão. O colegiado deve imprimir esta via digitalizada, com rubricas e assinaturas de
todos os participantes, e autuá-la no processo, juntamente com a via original com rubricas e
assinaturas dos presentes na sua sala, encerrando-se as providências daquele momento da
coleta da prova oral. E, posteriormente, os secretários ad hoc que acompanharam o ato nas
demais salas devem remeter para a comissão, por meio de malote, as vias digitalizadas do
termo por eles recebidas ao final do interrogatório com rubricas e assinaturas da comissão dos
presentes nas salas respectivamente anteriores, na qual coletou rubricas e assinaturas dos
presentes na sua própria sala, a fim de que, em conjunto com as duas vias que já instruem os
autos desde a data da realização da videoconferência, todas também sejam autuadas.
Em suma, devem ser autuadas, logo após o término do ato, a via com rubricas e
764
assinaturas originais de quem esteve na sala da comissão e a via digitalizada com rubricas e
assinaturas de todos os presentes em ambas as salas; e, por fim, posteriormente, deve(m) ser
remetida(s) de volta para a comissão, para também ser(em) autuada(s), a(s) via(s)
eletronicamente recebida(s) pelo(s) secretário(s) ad hoc com rubricas e assinaturas de quem
esteve presente na(s) sala(s) anterior(s) e na(s) qua(is) se coletaram rubricas e assinaturas
originais de quem esteve presente na(s) respectiva(s) sala(s).
Da mesma forma como se aduziu para o interrogatório presencial, para o qual não se
recomenda a gravação do ato de instrução, na ausência de regramento impositivo ou
impeditivo, também não se verifica, em princípio, justificativa para que se proceda à gravação
do interrogatório por videoconferência, ainda que haja viabilidade técnica para tal, visto que o
ato será reduzido a termo e este termo é a prova válida e suficiente a constar dos autos.
compreendida residualmente como solução para coletar interrogatório apenas de acusado ex-
servidor situado em outra localidade e quando tenham se demonstrado inviáveis os empregos
dos institutos do colaborador eventual e da videoconferência. E, da mesma forma como se
aduziu para o caso de a comissão deliberar pela realização de interrogatório por meio de
videoconferência, na hipótese de deliberar fazê-lo por meio de precatória, convém que antes a
comissão obtenha a anuência do acusado.
Após o interrogatório por meio de precatória ser deliberado em ata, a comissão, então,
formula suas perguntas.
CPP - Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz
do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo
razoável, intimadas as partes.
§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.
§ 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a
precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos.
Ato contínuo, a comissão deve remeter, por carta precatória, todas as perguntas,
preferencialmente para aquela autoridade que, no local onde se encontra o acusado, tem poder
de instaurar instância disciplinar ou, secundariamente, para a autoridade titular de unidade
fiscal da jurisdição, para que esta autoridade deprecada designe servidor ou comissão para a
realização do interogatório por precatória. A intimação (em duas vias), dirigida ao acusado
pelo servidor ou comissão, designado(a) pela autoridade deprecada, deve conter a data, hora e
local do interrogatório, com prazo hábil de três dias úteis de antecedência, para ser
interrogado (art. 41 da Lei nº 9.784, de 29/01/99).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 160. Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do
acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por
junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra.
Parágrafo único. O incidente de sanidade mental será processado em auto apartado e
apenso ao processo principal, após a expedição do laudo pericial.
CPP - Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz
ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do
ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame
médico-legal.
§ 2º O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o
processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser
prejudicadas pelo adiamento.
STF, Habeas Corpus nº 97.098: “Ementa: Nos termos do art. 149 do Código de Processo
Penal, para o incidente de insanidade mental, é necessária a existência de “dúvida sobre a
integridade mental do acusado”.
STJ, Mandado de Segurança nº 12.492: “Ementa: 5. Não havendo dúvidas, pela Comissão
Disciplinar, acerca da sanidade mental do impetrante, que, inclusive, quando do seu
interrogatório estava devidamente acompanhado de seu advogado, não há falar em
violação do disposto no artigo 160 da Lei nº 8.112/90.”
Orientação Coger nº 4
Sendo objeto de pedido por parte da defesa e não havendo dúvida razoável em torno da
sanidade mental do servidor, é possível que a comissão, motivadamente, indefira a
realização da perícia médica.
Importante introduzir, desde já, a noção crítica de que alguns relevantes reflexos do
incidente de sanidade mental no processo administrativo disciplinar independem do objetivo
da perícia médica. Em outras palavras, há importantes repercussões da instauração deste
incidente que independem das duas épocas possíveis sobre as quais pode se voltar a prova
pericial, quais sejam, se a perícia médica visa a avaliar a imputabilidade do acusado à época
dos fatos ou se visa a avaliar também - ou somente - suas condições de acompanhar o
processo.
Tanto é assim que, não obstante a forma restritiva com que se iniciou este tópico, em
razão de o art. 160 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a priori, prever que a instauração do
767
Orientação Coger nº 3
A instauração do incidente de sanidade mental pode se dar em qualquer momento
processual em que se cogite de dúvida acerca da imputabilidade do servidor à época do
fato ou da sua capacidade de acompanhar o processo disciplinar, inclusive em sede de
juízo de admissibilidade e em fase de julgamento.
Orientação Coger nº 9
À vista do sigilo da instância disciplinar, devem ser disponibilizados à junta médica apenas
os documentos que suscitaram a dúvida razoável acerca da sanidade mental do servidor.
CC - Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá
aproveitar-se de sua recusa.
Orientação Coger nº 8
É possível provocação à Advocacia-Geral da União ou ao Ministério Público Federal para
que solicitem determinação judicial para servidor se submeter à perícia médica suscitada
de ofício.
Orientação Coger nº 7
Regularmente instaurado o incidente de sanidade mental, a recusa injustificada para
submeter-se à realização da perícia médica, após ser oportunizada a manifestação acerca
dos motivos da contrariedade, enseja a aplicação, como mera medida coercitiva à margem
do regime disciplinar, da sanção de suspensão de até quinze dias.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 230. A assistência à saúde do servidor, ativo ou inativo, e
de sua família compreende assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica e
farmacêutica, terá como diretriz básica o implemento de ações preventivas voltadas para a
promoção da saúde e será prestada pelo Sistema Único de Saúde - SUS, diretamente pelo
órgão ou entidade ao qual estiver vinculado o servidor, ou mediante convênio ou contrato,
ou ainda na forma de auxílio, mediante ressarcimento parcial do valor despendido pelo
servidor, ativo ou inativo, e seus dependentes ou pensionistas com planos ou seguros
privados de assistência à saúde, na forma estabelecida em regulamento. (Redação dada
pela Lei nº 11.302, de 10/05/06)
§ 1º Nas hipóteses previstas nesta Lei em que seja exigida perícia, avaliação ou inspeção
médica, na ausência de médico ou junta médica oficial, para sua realização o órgão ou
entidade celebrará, preferencialmente, convênio com unidades de atendimento do sistema
público de saúde, entidades sem fins lucrativos declaradas de utilidade pública, ou com o
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
§ 2º Na impossibilidade, devidamente justificada, da aplicação do disposto no parágrafo
anterior, o órgão ou entidade promoverá a contratação da prestação de serviços por
pessoa jurídica, que constituirá junta médica especificamente para esses fins, indicando os
nomes e especialidades dos seus integrantes, com a comprovação de suas habilitações e de
que não estejam respondendo a processo disciplinar junto à entidade fiscalizadora da
profissão. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
§ 3º Para os fins do disposto no caput deste artigo, ficam a União e suas entidades
autárquicas e fundacionais autorizadas a: (Incluído pela Lei nº 11.302, de 10/05/06)
I - celebrar convênios exclusivamente para a prestação de serviços de assistência à saúde
para os seus servidores ou empregados ativos, aposentados, pensionistas, bem como para
seus respectivos grupos familiares definidos, com entidades de autogestão por elas
769
CP - Inimputáveis
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Assim, basicamente, o que se quer saber da junta médica oficial se resume a duas
questões: se o servidor tinha capacidade de entender a ilicitude de sua conduta á época do
cometimento e se o servidor tem capacidade de acompanhar o processo e nele exercitar sua
defesa ao tempo do processamento. Mas, à vista da peculiaridade do caso concreto, não se
desperdiça a oportunidade de provocar com mais profundidade a junta médica oficial,
enriquecendo o rol de quesitos. Os quesitos a seguir listados são mera sugestão
exemplificativa e não exaustiva de uma lista bastante abrangente para serem apresentados pela
comissão, podendo ser eliminados ou modificados alguns ou até mesmo inseridos outros,
sempre atentando para o foco que se quer esclarecer: se se quer valiar a inimputabilidade
penal à época dos fatos ou a capacidade de acompanhar o processo. Além de quesitos gerais
que podem ser incluídos qualquer que seja o foco apuratório, há quesitos dirigidos ao tempo
do cometimento do fato e há quesitos dirigidos ao tempo do processamento, além de quesitos
voltados para o tempo futuro. E, obviamente, pode a defesa acrescentar os seus quesitos, em
contraposição aos quesitos da comissão.
Existe a possibilidade de a junta médica oficial abonar as faltas ao serviço nas datas
especificadas sem a apresentação de atestado médico, apenas considerando-se o
quadro médico e os relatórios médicos particulares apresentados pelo servidor?
Daí, se a junta médica oficial atesta a capacidade mental do servidor tanto à época do
fato quanto à época em que é processado, o processo administrativo disciplinar segue
normalmente, com o próprio acusado.
Mas se a junta médica oficial atesta a incapacidade mental do servidor apenas à época
da conduta tida como ilícito funcional, declarando-o normal à época em que é processado, a
comissão relata o fato à autoridade instauradora, com proposta de que seja arquivado o
processo administrativo disciplinar, salvo se houver prejuízo a ser ressarcido ao erário,
quando então prosseguirá, com a presença do próprio acusado, para inscrição em dívida ativa.
CPP - Art. 151. Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração,
771
CC - Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas
condições;
Art. 1767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
Neste caso, em que, além da comprovada incapacidade mental à época, a junta médica
oficial atesta que a incapacitação de se autodeterminar permanece, instrui-se o processo
administrativo disciplinar com cópia do processo do incidente de sanidade mental, desapensa-
se este do principal, arqiva-se o principal e remete-se apenas o processo do incidente de
sanidade mental de volta ao Serviço Médico, a fim de que se opine sobre a necessidade de se
conceder licença para tratamento de saúde (por no máximo 24 meses) e, após este período,
aposentadoria por invalidez.
E, por outro lado, se a junta médica oficial conclui que o servidor é doente mental à
época em que corre o processo (a ponto de não compreender a ilicitude e de se defender) mas
que a doença é posterior à infração, ou seja, que ele tinha capacidade à época do cometimento
do fato, o andamento do processo administrativo disciplinar fica suspenso (pelo limite
máximo do prazo prescricional, que, a priori, não se suspende) até que se comprove a cura,
quando prosseguirá em seu curso normal de apuração da responsabilidade pelo ato (inclusive
com a faculdade de se refazer atos de instrução que porventura tenham sido realizados sem
sua presença).
CPP - Art. 152. Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo
continuará suspenso até que o acusado se restabeleça, observado o § 2º do art. 149.
§ 2º O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe
assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas que houverem prestado depoimento
sem a sua presença.
Decorridos vinte e quatro meses sem que o acusado se restabeleça, sendo aposentado
por invalidez (conforme art. 188 da Lei n° 8.112, de 11/12/90), o processo disciplinar é
arquivado, salvo se houver prejuízo a ser ressarcido ao erário, quando então prosseguirá, para
a reparação civil, com a presença de defensor, a ser designado pela autoridade administrativa
competente para o processo de ressarcimento, ou por curador, se porventura existir, por
designação do juízo civil em decorrência de interdição judicial.
Comprovada a insanidade mental do funcionário autor de lesão aos cofres públicos, deve
ser aposentado, sem prejuízo da inscrição da dívida para cobrança amigável ou judicial,
remetendo-se, ao Ministério Público, os elementos necessários a que intente a ação penal.
Destaque-se que a aposentadoria por invalidez não está alcançada pela vedação
prevista no art. 172 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, acerca de exoneração a pedido e
aposentadoria para quem responde a processo administrativo disciplinar.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar
somente poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão
do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.
Ao final do incidente, tendo sido o processo incidental apensado aos autos e tendo a
comissão procedido à análise do laudo, notifica-se o acusado.
Na hipótese residual, caso a junta médica ateste nada poder afirmar conclusivamente
acerca da existência ou não de doença mental ao tempo do cometimento do fato, é de se
perquirir se há prontuários médicos do servidor à época, que possam, de certa forma, suprir a
inconclusividade do laudo e amparar a convicção - ainda que precária - de que o servidor
aparentava gozar de saúde mental à época (na hipótese de não haver nenhum registro de
consultas, licenças, receituários ou quaisquer ocorrências médicas indicadoras de moléstia
mental), ou em sentido contrário, de que aparentava já apresentar sintomas de incapacidade
mental (na hipótese de haver qualquer registro de ocorrência médica indicador de moléstia
mental).
773
STF, ‘Habeas Corpus’ nº 74.459: “Ementa: Penal. Processual penal. ´Habeas corpus´.
Exame de insanidade mental. Desmembramento do processo. Inocorrência de nulidade.
(...).
I - Tendo o paciente alegado, durante o interrogatório, que era portador de doença mental,
o Juiz determinou a realização do exame pericial e o desmembramento do processo, com
base no art. 80 do C.P.P., em face de existência de co-réus com prisão decretada.”
houver elementos que justifiquem se cogitar de dúvida acerca do perfeito estado de saúde
mental do servidor (como, por exemplo, alegações ou atestados particulares por ele mesmo
carreados aos autos). Como uma prova pericial lato sensu, sua realização se condiciona à sua
imprescindibilidade na formação da convicção, sobretudo se se reporta à capacidade de o
servidor acompanhar o feito.
Orientação Coger nº 6
A alegação de necessidade de submissão à nova perícia médica somente se aplica diante de
fatos novos para reavaliar a capacidade do servidor acompanhar o processo disciplinar.
Mas pondere-se que, na hipótese de, após ter sido submetido à perícia em que a junta
médica tenha atestado a capacidade de o servidor acompanhar o processo, este venha, no
curso do inquérito administrativo, a apresentar apenas atestados particulares cogitando de
alteração ou de piora em seu quadro médico, a submissão a nova perícia pode ser postergada.
Diante desta situação em que a comissão dispõe de um laudo oficial e apenas de atestados
particulares posteriores que, em tese, contradizem aquela peça da junta médica, o colegiado
pode, antes de provocar que o servidor se submeta a nova perícia médica, tão-somente remeter
estes documentos privados de seara médica aos peritos, a fim que estes, em seu múnus
próprio, avaliem se os novos elementos alteram a convicção externada no laudo oficial ou se
este pode ser mantido. Em outras palavras, diante apenas de tal divergência alegada pela
defesa, com base puramente em atestados desprovidos de fé pública, pode a comissão de
imediato deixar a cargo da junta médica, na leitura destes atestados, a decisão se cabe ou não
submissão a nova perícia ou se cabe apenas, sem nova perícia, ratificar ou retificar seu laudo
oficial.
Orientação Coger nº 5
A instauração do incidente de sanidade mental somente acarreta a suspensão da instrução
probatória se visa a avaliar a capacidade de o acusado acompanhar o processo disciplinar
e não suspende o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal, não obstante a
possibilidade de a administração provocar a Advocacia-Geral da União ou o Ministério
Público Federal a fim de solicitarem o reconhecimento judicial da suspensão do prazo
prescricional no período em que o servidor teve declarada sua incapacidade de
acompanhar o feito.
775
Por fim, mencione-se que, no caso de servidor com indícios ou sintomas de insanidade
mental mas que não responda a PAD ou sindicância disciplinar ou que não figure de nenhuma
forma em qualquer procedimento em curso na Coger ou nos Escor, a análise acerca da
realização de perícia médica insere-se exclusivamente no campo de competência gerencial,
não devendo ser demandada ao Chefe de Escor ou ao Corregedor, já que, na hipótese, não há
poder de coerção do sistema correcional em face do servidor.
Orientação Coger nº 10
Indícios ou sintomas de insanidade mental por parte de servidor não envolvido em
nenhuma espécie de procedimento correcional deve merecer tratamento gerencial.
Após ter buscado esgotar todos os meios de se elucidar o fato em apuração, a comissão
delibera em ata o fim da coleta de provas. Neste rumo, resgata-se o que já foi aduzido em
4.3.1 e 4.4.1.4, relembrando a necessidade de a comissão, desde o início de seus trabalhos, ter
identificado delimitadamente o objetivo de sua apuração, ou seja, qual o fato supostamente
ilícito que tinha a esclarecer, e ter estabelecido uma estratégia para atingi-lo, por meio de uma
sequência de atos instrucionais ao mesmo tempo lógica, enxuta e eficiente.
A conduta padrão que se espera da comissão é de ter envidado máximos esforços para
realizar a maior quantidade possível de atos de instrução robustos e convincentes. Não se
cogita de, a priori, a comissão, imotivadamente, abrir mão da riqueza da instrução probatória.
Isto porque, por um lado, provavelmente, não se sustentará no julgamento um trabalho ágil
porém insatisfatoriamente instruído, com a consequência de um ônus ainda maior ao se
determinar seu refazimento ou sua complementação. Mas, por outro lado, deve a comissão,
simultaneamente, também atentar tanto para a qualidade de sua apuração quanto para a
celeridade, visando à eficiência, ao buscar conciliar segurança jurídica do trabalho com prazo
hábil.
Neste sentido, ainda que não tenha conseguido realizar todos os atos de prova de que
se poderia cogitar ou nem mesmo aqueles que a princípio considerava relevantes, pode ser
necessário a comissão deliberar o fim da instrução probatória. Tendo em mãos um conjunto
de provas já suficiente para formar convicção, à vista, por exemplo, da demora em obter uma
determinada prova complementar requerida ou da inviabilidade prática de se abarcar todo o
universo fático, pode ocorrer de a comissão ter de enfrentar a questão de bem motivar a
decisão de abrir mão de tais provas e de dar prosseguimento ao rito, sem com isto impor
prejuízo à qualidade de seu trabalho e à robustez de seu convencimento. Há situações em que
é mais razoável a comissão dispensar o preciosismo de esgotar ou exaurir a apuração,
concluindo ser suficiente para a formação da sua convicção um universo fático mais restrito,
porém bem comprovado, ao invés de buscar um universo fático mais extenso e frágil.
autos - aceitando-se a extensão para fatos que porventura tenham surgido no decorrer do
apuratório e que guardam relação de conexão com o objetivo inicial do processo - e não sobre
a vida como um todo do acusado. Ou seja, se após o esgotamento da instrução probatória, já
se tem um conjunto de provas suficientes para formar a convicção ou os fatos inicialmente
representados ou narrados ou os fatos a eles conexos não se comprovaram, deve a comissão
encerrar a apuração, em lugar de gastar esforços em apurar fatos sem nenhuma conexão com o
motivo original da instauração, devassando imotivadamente a vida do acusado até encontrar
algo criticável.
CPP - Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 09/06/08)
STJ, Recurso Especial nº 1.090.425: “Ementa: (...) 2. A sentença penal absolutória que
reconhece a ocorrência de causa excludente de ilicitude (estado de necessidade) faz coisa
julgada no âmbito administrativo, sendo incabível a manutenção de pena de demissão
baseada exclusivamente em fato que se reconheceu, em decisão transitada em julgado,
como lícito. (...)”
“No final dos trabalhos apuratórios, chegando a comissão, de modo unânime ou por
maioria, ao convencimento de que o fato atribuído ao acusado foi cometido em
circunstâncias licitizantes (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do
dever legal ou exercício regular de direito), deverá, em vez de indiciá-lo, suscitar o
julgamento antecipado do processo.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 180, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Por outro lado, se as provas apontarem para a imputação do acusado, a comissão deve
indiciá-lo, como ato final da instrução, citando-o para apresentar defesa escrita, com posterior
apresentação do relatório à autoridade instauradora.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a
indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas
provas.
conforme já aduzido em 2.1.4, nos termos exigidos pelos arts. 2º e 3º da Portaria Coger-MF nº
17, de 30/01/14, cabe aos Escor (e também à Coger, nas excepcionais hipóteses em que o
Corregedor figura como autoridade instauradora) alimentar, com tal informação, a base de
dados externa, do Sistema de Gestão de Processos Disciplinares (CGU-PAD, da
Controladoria-Geral da União).
Havendo mais de um servidor a ser indiciado, pode ser redigida uma indiciação para
cada quando os servidores têm diferentes situações, enquadramentos, provas (sobretudo se
forem provas sob garantia de inviolabilidade, como sigilos fiscal ou bancário). Por outro lado,
sendo idênticas as condições, também pode-se redigir apenas uma indiciação e, em seu curso,
especificar, de forma individualizada, as acusações contra cada um. Decerto é que não se
aceita que, na ausência de prova da autoria de irregularidade (ou da concorrência para o fato),
a comissão dilua a responsabilidade por todos os servidores arrolados no processo por estarem
de alguma forma envolvidos com o fato.
CF - Art. 5º
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
“(...) não se permite a extensão da responsabilidade, de modo genérico, quando não for
possível a individualização da responsabilidade.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis,
“Processo Disciplinar”, pg. 184, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
A indiciação delimita a acusação e dentro deste limite o servidor deverá apresentar sua
defesa escrita. Portanto, a indiciação (além da notificação inicial como acusado e da intimação
para interrogar) é peça essencial no processo em que se cogita de responsabilização funcional.
indicando a relevância assumida por cada prova e porque cada um destes elementos
influenciou sua convicção.
Quando cabível, deve também a comissão explicitar porque não acatou determinadas
provas e alegações de defesa já antecipadas até o interrogatório, antes da indiciação. Do
contrário, a defesa não terá elementos para discernir acerca da pertinência de reiterá-las na
defesa escrita ou da improdutividade de repeti-las e da necessidade de buscar novas linhas de
contra-argumentação. Por exemplo, pode a comissão ter coletado determinada prova relevante
contrária ao acusado, a defesa tê-la contestado, apresentando uma contraprova, à qual, no
entanto, a comissão não tenha atribuído o valor de afastar aquele primeiro elemento
acusatório. Já que a menção à prova acusatória traz associada de forma inexorável também a
menção à contraprova de defesa, é necessário que a comissão, ao incluir o tal elemento
acusador na indiciação, também mencione a contraprova e os motivos de sua desconsideração
(pois, do contrário, constando a análise apenas do relatório, que se volta à autoridade
instauradora, a defesa não terá como contraditar o entendimento do colegiado).
E reitere-se que os conteúdos obrigatórios acima expostos não devem fazer confundir
o texto direto, sintético e enxuto da indiciação com o texto detalhado do relatório. O que
acima se expôs em termos de mencionar as provas relevantes na convicção em nada se
confunde com enumerar, descrever e muito menos reproduzir todos os atos de intrução na
indiciação, antecipando o grau de pormenorização cabível apenas no relatório.
781
Aqui, merece destaque no iter acima descrito o fato de que, na indiciação, a rigor, o
art. 161 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, menciona que a infração deve ser “tipificada” - ou, para
ser mais coerente com a terminologia reinante em instância disciplinar, deve ser enquadrada,
já que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não é típica como a lei penal. O comando legal estabelece,
já no início de sua redação, que a comissão enquadre a conduta humana e concreta apurada na
mais adequada hipótese normativa dentre o rol que os diversos incisos dos arts. 116, 117 e
132 da citada Lei descortinam ao aplicador (não se enquadra no CP ou demais leis definidoras
de crime e tampouco apenas na Lei nº 8.429, de 02/06/92, e muito menos em códigos de ética
ou de conduta, conforme se verá em 4.7). Decerto, superada a crítica meramente
terminológica, após identificar o autor, descrever os fatos e enumerar as provas, deve a
comissão expor sua convição no sentido de em qual enquadramento (em outras palavras, em
qual inciso dos três mencionados artigos estatutários) melhor se amolda a conduta
comprovada. É de se mencionar que, a rigor, se, por um lado, o Parecer AGU nº GQ-121,
além de ratificar que a exposição de enquadramento na indiciação não a anula por pré-
julgamento, também afirma, por outro lado, que sua ausência igualmente não configura
cerceamento de defesa e, portanto, também não anula o ato de acusação. Assim, ainda que
apenas ad argumentandum, caso se interprete que o art. 161 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não
é claro em seu comando impositivo e que caberia à comissão poder ou não enquadrar a
conduta, é extremamente recomendável que seja feito, já antecipando o que será obrigatório
fazer no relatório e também porque propicia ao indiciado melhores condições de se defender
(esforços proporcionais de defesa), ao saber de forma mais completa o que pensa a comissão.
Parecer AGU nº GQ-12, vinculante: “16 (...) princípios do contraditório e da ampla defesa
(...) indicam a desnecessidade de se consignarem, no ato de designação da c.i, os ilícitos e
correspondentes dispositivos legais, bem assim os possíveis autores, o que se não
recomenda inclusive para obstar influências no trabalho da comissão de inquérito ou
alegação de presunção de culpabilidade. É assegurada à c.i. a prerrogativa de desenvolver
seus trabalhos com independência e imparcialidade.
17. A notificação dos possíveis autores para acompanharem o desenvolvimento do
processo, pessoalmente ou por intermédio de procurador, será feita imediatamente após a
instalação da c.i, a fim de garantir o exercício do direito de que cuida o art. 156 da Lei nº
8.112; a enumeração dos fatos se efetua na indiciação do servidor, conforme prescrição
dessa Lei, art. 161.”
782
Parecer AGU nº GQ-55, vinculante: “9. Não se coaduna com o regramento do assunto a
pretensão de que se efetue a indicação das faltas disciplinares na notificação do acusado
para acompanhar a evolução do processo, nem essa medida seria conveniente, eis que
seria suscetível de gerar presunção de culpabilidade ou de exercer influências na apuração
a cargo da comissão de inquérito.”
“Inferindo-se que o servidor imputado deva ser indiciado, promoverá a comissão, nos
termos do art. 161 da Lei nº 8.112/90, a lavratura do correspectivo despacho de instrução
e indiciação, o qual (...) deverá conter o dispositivo disciplinar que teria possivelmente
sido infringido pelo servidor indiciado e mais um relato sucinto dos fatos irregulares
atribuídos ao servidor.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 232, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
Especial atenção deve ser dada à descrição do fato apurado, pois não será legítimo
alterá-la, acrescentando novos detalhes no relatório, já após a defesa, pois tais detalhes
restarão não contraditados. Até pode ocorrer de, após a defesa, no relatório, a comissão alterar
o enquadramento legal sem que isto, por si só, provoque nulidade; mas não se pode alterar a
descrição fática.
Assim, por um lado, não se deve indiciar de forma incompleta e depois acrescentar
acusações no relatório, já após a defesa, que não tenham sido incluídas na indiciação. Neste
momento do processo, ainda restando à comissão alguma dúvida acerca do enquadramento, é
aceitável que, até o último momento processual em que pode agir motivada pelo princípio do
in dubio pro societate, ela inclua na indiciação mais de um enquadramento possível, desde
que coerente com as provas dos autos, provocando a defesa e postergando a conclusão mais
delimitada para o relatório. Mas, por outro lado, isto em nada se confunde com leviandade e
desapego às provas dos autos ao indiciar. Não se deve indiciar de forma leviana, além da
convicção obtida, devendo-se atentar para a conceituação que se apresenta no tópico a seguir.
Em suma, recomenda-se que a comissão aja em consonância com as provas coletadas aos
autos.
“Na presente fase do processo, a lei ainda não exige que seja indicada a hipótese legal na
qual o acusado incidiu (dentre aquelas dos arts. 116, 117 e 132 da lei nº 8.112/90). Porém,
é usual e recomendado que já seja feito esse enquadramento, porque auxilia na defesa pelo
indiciado. Este enquadramento, entretanto, poderá ser alterado no Relatório Final, visando
uma melhor adequação da conduta às definições legais do Direito Disciplinar, onde afinal
também predomina o ensinamento de que o acusado se defende dos fatos e não da
capitulação legal. Os critérios a serem seguidos para se estabelecer o adequado
enquadramento serão tratado nos próximos tópicos.
Nesta fase no processo é relevante registrar que vige o princípio do in dúbio pro societate.
Este princípio, em tradução livre, significa “a dúvida em favor da sociedade”. Preceitua
que, após a instrução probatória, se há indícios ou provas consistentes da ocorrência de
infração disciplinar, e bem assim de que o servidor que figurou no processo como acusado
seja o autor destes fatos, ainda que exista uma dúvida que não pode ser sanada pela
impossibilidade de coleta de outras provas além das que já conste do processo, a Comissão
deve concluir pela indiciação, e não pela absolvição sumária do(s) acusado(s).”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg 259,
2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.
pdf, acesso em 07/08/13
defesa e adite seu relatório com estas novas peças, conforme se abordará em 4.10.1.3.
Destaque-se, inclusive, o desacerto de a comissão se arvorar a adentrar na análise
prescricional - que é afeta apenas à punibilidade e, portanto, da competência da autoridade
julgadora - e, por entender que a aplicação de determinada pena estaria prescrita, deixar, por
tal motivo de proceder à indiciação.
A propósito, convém aqui reforçar o que já foi aduzido desde a fase pré-processual de
admissibilidade e também ao longo de todo o trabalho apuratório sob encargo da comissão: a
instância disciplinar deve sempre permear sua atuação pela absoluta atenção a princípios caros
e informadores do Direito público punitivo, como os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. E tal acepção se sedimenta, destacadamente, no momento em que a
comissão se depara com o conjunto probatório por ela mesma coletado e se vê diante da
dificuldade de enquadrar - ou não - a conduta em algum dispositivo imputador de
responsabilidade da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Sendo preceitos soberanos até mesmo sobre a
normatização legal ou infralegal positivada, conforme já aduzido em 3.3, a comissão jamais
deve afastar sua forma de conduzir os trabalhos e, ao final, de manifestar uma convicção
(ainda que preliminar) da noção de razoabilidade e de proporcionalidade. Ainda que,
conforme explicitado acima, a indiciação não seja o momento processual adequado para
aprofundados temas jurídicos a ponto de se justificar menção a princípios, deve a comissão
atingir tal ponto do rito sob estrita observância daqueles preceitos, a despeito da fria
positivação de normas legais ou infralegais.
De fato, antecipando aqui um debate que decerto repercute na fase do julgamento, uma vez
definido o enquadramento, a pena resta vinculada; mas a definição do enquadramento, que
aqui se recomenda que a comissão apresente já desde a indiciação, esta sim é plenamente
sujeita à percepção dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em outras
palavras, conforme já aduzido anteriormente, na indiciação, ainda que não aprofunde a
exposição de temas doutrinários, a comissão já deve deixar perceber que os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade refletiram em toda a instrução probatória e sobretudo
naquela manifestação preliminar de convicção.
O que aqui se defende, com vênias ao rigor formal, é que a comissão, desde já, no
gravoso momento de decidir pela indiciação ou não do acusado e, se for o caso, de explicitar
qual o enquadramento da conduta, tome para si todos os parâmetros de dosimetria e de
individualização da pena que, a rigor, o art. 128 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, dispõe ao
julgador (natureza e gravidade da infração, dano dela decorrente, atenuantes, agravantes e
antecedentes) e antecipe sua aplicação (que, a priori, se daria apenas no julgamento). Assim
agindo, quando for o caso, a comissão logrará adotar, dentre todos os enquadramentos
possíveis para o fato apurado (já que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, contempla degraus de
escalonamento de gravidade para fatos similares, conforme se abordará em 4.7.1.1), aquele
que se demonstra mais razoável e que, ao final, repercute em pena vinculada absolutamente
proporcional à gravidade da conduta (não obstante a matéria da punição não deva ser sequer
mencionada em indiciação, mas sim somente no relatório, daí porque o tema retornará em
4.9.1 e em 4.9.2).
gênero, estão as espécies legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e
cumprimento de dever legal, mencionados em 4.6.2.2; e, no segundo gênero, estão as espécies
coação irresistível a subordinação hierárquica e a inimputabilidade, mencionados em 4.6.2.3,
conforme os arts. 22 a 26 do CP.
Tem-se o chamado concurso material (ou real) de infrações quando o agente, por mais
de uma conduta, ou seja, por meio de mais de um processo de execução (de ação ou de
omissão), incorre em mais de uma infração. E tem-se o chamado concurso formal (ou ideal)
de infrações quando o agente, com uma só conduta, ou seja, por meio de um único processo
de execução (de ação ou de omissão), incorre em mais de uma infração.
CP - Concurso material
Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em
que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção,
executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Concurso formal
Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma
delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se,
entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Por outro lado, tem-se o conflito aparente de normas quando, como o próprio nome já
diz, parece, em princípio, que uma conduta ou (mais de uma), de ação ou omissão,
encontra(m) mais de um enquadramento e, na verdade, havendo entre os dois ou mais
dispositivos legais sob cogitação alguma relação de subordinação, hierarquia ou dependência,
apenas um deles é verdadeiramente aplicável, devendo ser descartados os demais.
Ocorre que nem sempre é cristalino ao aplicador do Direito fazer uma diferenciação, já
que há traços de similaridade entre o conflito aparente de normas e os concursos de infrações,
sobretudo o concurso formal (daí porque, a partir daqui, se concentrarão esforços para
diferenciar o conflito aparente de normas com o concurso formal de infrações). E a correta
solução para esta questão jurídica é importante, visto que redundará em relevante diferença na
indiciação: enquadramentos múltiplos (em caso de concursos de infrações) ou enquadramento
único (em caso de se verificar que o concurso era apenas aparente).
787
público em geral.
Por fim, o critério de consunção esclarece o aparente conflito de normas que guardem
entre si relação de meio e fim (ou de parte e de todo). Este critério de abstração esclarece que,
em tal situação, o aplicador não está diante de dois enquadramentos possíveis mas sim de
apenas um (absorvente), a prevalecer, uma vez que o outro (consumido ou consumpto)
descreve uma infração que nada mais é que uma parte, etapa ou estágio inicial ou
intermediário da infração final, figurando aquela como mero instrumento ou meio necessário
e indispensável para concretização desta. Diferentemente do critério da subsidiariedade, a
infração inicial ou intermediária pode afrontar um bem jurídico diferente do bem que é
tutelado pela infração final, não havendo necessariamente uma relação de maior e menor entre
as duas infrações quando vistas isoladamente, pois elas podem ter naturezas distintas. Neste
caso, os dois enquadramentos cogitados em conflito têm uma relação progressiva de
imperfeição (no sentido de incompleto, inacabado) até a perfeição (no sentido de completo,
acabado), como um iter criminis ascendente em gravidade, de forma que o enquadramento
final absorve o inicial. Da mesma forma que no critério da subsidiariedade, aqui sempre se
tem o enquadramento absorvente mais gravoso que o consumido e encontram-se, com
facilidade, alguns exemplos deste conflito aparente de normas dentro da própria Lei nº 8.112,
de 11/12/90.
agregam os enquadramentos de violação dos deveres de ser leal às instituições a que servir ou
de manter conduta compatível com a moralidade administrativa, que, respectivamente,
tutelam a lealdade e a moralidade no exercício do cargo, ao enquadramento de improbidade
administrativa, que tutela a honestidade e a probidade no exercício do cargo (art. 116, II e IX
e art. 132, IV, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90 - ver 4.7.2.2, 4.7.2.9 e 4.7.4.4).
Como se vê por esta lista exemplificativa, este critério da consunção se demonstra uma
ferramenta bastante aplicável para elucidar conflitos aparentes de enquadramentos da Lei nº
8.112, de 11/12/90, uma vez que há diversos pares de enquadramentos definidores de
irregularidades graves que englobam, na base da conduta, o descumprimento de algum dever
funcional (tal como não observar norma ou faltar com a moralidade administrativa). Isto
porque, sem prejuízo do equilíbrio harmônico principiológico, tem-se que os princípios da
legalidade e da moralidade administrativa podem ser considerados princípios informadores
dos demais princípios reitores da Administração Pública, o que lhes atribui aplicação quase
totalitária na atividade pública. Afinal, o agente público somente pode fazer aquilo que é
expresso em norma e dele sempre se espera conduta compatível com a moralidade
administrativa. Desta forma, os deveres de atentar para a legalidade e para a moralidade
administrativa encontram-se, em determinado grau, diluídos e subentendidos na base da
maioria das infrações disciplinares elencadas nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112, de
11/12/90, sendo, em regra, por elas absorvidos, pois, para a configuração de um ilícito grave,
é bastante comum que o agente, no início de sua conduta, como instrumento em seu iter,
tenha intencionalmente descumprido uma norma ou afrontado o dever de manter conduta
compatível com a moralidade administrativa.
Por um lado, pode-se aceitar, como regra apriorística, que uma conduta única gera
apenas um enquadramento. Partindo deste pressuposto, em muitos casos em que se cogita, em
leitura precipitada, de listar, para um único ato, uma sequência de enquadramentos na
indiciação, de distintas gravidades, tem-se que o emprego adequado das regras de abstração
acima descritas pode evidenciar que, na verdade, configura-se o conflito aparente de normas
e, operando, lato sensu, o critério da absorção (seja por alternatividade, especialidade,
subsidiariedade ou consunção), cabe apenas um enquadramento, que absorve os demais.
Por outro lado, o regime disciplinar da Lei nº 8.112, de 11/12/90, não é refratário - de
forma alguma - a, em situações específicas, aplicar mais de um enquadramento para uma
única conduta, acatando a possibilidade de configuração do concurso formal de infrações, ou
seja, de incidir infrações cumulativamente ao ato único. O melhor exemplo desta
possibilidade é um único ato funcional configurar o ilícito de valer-se do cargo para lograr
proveito pessoal ou de outrem e de improbidade administrativa, de forma a se poder, com
790
E ainda mais extreme de dúvida que quando o fato engloba mais de um ilícito, sendo
um independente do outro, a indiciação deve destacar cada um deles, com enquadramento
múltiplo. Por exemplo, se, além de agir com inobservância do dever de tratar com urbanidade
as pessoas, o servidor em seguida afronta também a proibição de ausentar-se do serviço
durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato, tem-se que, embora um
ilícito tenha precedido o outro, pode-se cometer o segundo independentemente do primeiro,
de forma que a indiciação terá conjuntamente o art. 116, XI e o art. 117, I, ambos da Lei nº
8.112, de 11/12/90.
Parecer AGU nº GQ-140, não vinculante: “Ementa: (...) O ato punitivo é fundamentado
num só dispositivo legal nos casos de infração singular e de as plurais possuírem as
mesmas características. Impõe-se a fundamentação múltipla na hipótese em que os fatos
ilícitos apresentem diferenciação em suas conotações intrínsecas.”
Enfim, embora se tenha como regra a priori que uma única conduta gera um único
enquadramento, podem incidir infrações cumulativamente ao ato único - e também a mais de
um ato - desde que se observem os critérios que afastam o conflito aparente de normas, quais
sejam, de que não cabem enquadramentos cumulativos quando se aplicam os seguintes
critérios, advindos da instância penal:
• critério da alternatividade: não se cumulam enquadramentos contraditórios e
excludentes de natureza culposa e dolosa;
• critério da especialidade: não se cumulam enquadramentos que guardem relação de
espécie e gênero, prevalecendo o especial;
• critério da subsidiariedade: não se cumulam enquadramentos que guardem relação de
continente e conteúdo, prevalecendo o principal;
• critério da consunção: não se cumulam enquadramentos que guardem relação de meio e
fim, prevalecendo o final (absorvente).
Por óbvio, em todo este tema, também atua como princípio básico a impedir o múltiplo
enquadramento e a dupla apenação a inequívoca vedação de se sancionar um ato já punido,
791
sob pena de caracterizar o inaceitável bis in idem. Não obstante, destaque-se que tal afirmação
em nada afasta a possibilidade de a Administração anular, total ou parcialmente, um processo
disciplinar, em que se inclui o ato de julgamento, e determinar seu refazimento, conforme se
aduzirá em 4.12.
4.6.1 - Introdução
Em que pese a consagrada independência das instâncias, vislumbra-se conveniente,
neste ponto do processo administrativo disciplinar, abordar, de forma bastante resumida e
introdutória, apenas alguns conceitos penais referentes à conduta do agente, por serem
relevantes para a indiciação. Alerta-se para que o principiante na matéria não se confunda: a
apresentação destes conceitos básicos da esfera penal visa a tão-somente melhor
instrumentalizar o aplicador do Direito Administrativo Disciplinar no momento crucial de
decidir pela indiciação ou não nos arts. 116, 117 ou 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90; não há
indiciação com base em artigo do CP ou de qualquer outra lei especial definidora de crime,
pois esta matéria compete exclusivamente ao juízo criminal e não à autoridade administrativa.
Conforme já exposto em 3.3.3.3, na seara judicial, diz-se que o Direito Penal apenas
deve ser suscitado quando os meios menos incisivos (cíveis) não bastam para proteger o bem
jurídico. Assim, somente se justifica provocar a instância penal não só se o bem tutelado foi
atingido, mas também se o foi em grau relevante. Isto porque o Direito público punitivo
sempre deve ser visto como área de aplicação residual, subsidiária e sem excessos. A este
posicionamento, a doutrina chama de princípio da intervenção mínima.
792
Destaque-se que tais conceituações são extraídas da doutrina penal. Em que pese a
analogia que se pode traçar entre a natureza punitiva e a aplicação residual do Direito
Administrativo Disciplinar na instância administrativa com a aplicação do Direito Penal na
instância judicial, deve-se destacar que tais conceituações não estão contempladas no
ordenamento do processo administrativo disciplinar.
Voltando aos conceitos penais, tem-se, sob ponto de vista analítico, que crime é toda
conduta humana (que pode ser de ação ou de omissão) típica, antijurídica e culpável. Adota-se
esta definição didaticamente mais compreensível, sem deixar de registrar que a doutrina
criminal comporta discussões teóricas se a culpabilidade integra o crime, como seu terceiro
elemento, conforme acima descrito, ou se ela é tão-somente a reprovabilidade da conduta
criminosa, que então seria composta apenas da tipicidade e da antijuridicidade. Assim, por
este enfoque pragmático (mas suficiente para os objetivos do presente texto), uma conduta,
para ser reprovável e punida como crime, deve atender a três requisitos cumulativos. Este
enfoque analítico, mais completo que o enfoque material apresentado quando se descreveu de
forma genérica o termo “ilícito”, em 3.2.1, permite que se decomponha a conduta, de modo
que, faltando algum dos três elementos, ainda que presentes os outros dois, não se aplica a
punição por crime.
Dentre as diversas classificações que a doutrina formula para o crime, aqui interessa
apresentar a classificação com relação ao resultado naturalístico, de que resulta a seguinte
classificação: crime material, crime formal e crime de mera conduta. O crime material, que é a
regra geral, se configura quando a conduta recriminável do agente acarreta um concreto
resultado naturalístico. O crime formal, ou de consumação antecipada, se configura apenas
com a conduta recriminável do agente, prescindindo-se da concretização do resultado
naturalístico (exemplo: concussão, em que basta exigir vantagem indevida,
independentemente do efetivo pagamento, que seria mero exaurimento do crime). Por fim, o
crime de mera conduta se configura apenas com determinada conduta recriminável do agente,
sem se exigir a ocorrência de nenhum resultado naturalístico (exemplo: condescendência
793
Para uma conduta humana (comissiva ou omissiva) ser típica, deve ter absoluta
correlação com o que a lei descreve como crime. Ou seja, deve se enquadrar no tipo legal. O
tipo, por sua vez, em sintética análise, compõe-se minimamente de dois elementos:
• elemento objetivo, que é a descrição literal e formal da conduta reprovável na lei;
• elemento subjetivo, que é o ânimo interno - a priori genérico - do agente ao cometer
aquela conduta objetivamente descrita como reprovável.
A ressalva acima de que o tipo embute dois elementos se justifica porque há tipos que
embutem em sua literalidade, além daqueles elementos, termos ou expressões que exigem, do
aplicador, algum juízo de valor, inclusive sobre conceitos do mundo real extrajurídico
(elementos normativos do tipo) ou interpretação de conceitos extraídos de fontes legais ou
jurídicas (elementos jurídicos do tipo) ou que exigem uma determinada intenção específico do
agente em atingir determinado fim com sua conduta (elementos subjetivos do tipo).
Importa destacar que a conduta dolosa pode se configurar de duas formas diferentes.
Por um lado, é verdade que o senso mais comum reporta-se ao conceito do chamado dolo
direto em que, diante de conduta cujo resultado delituoso é previsível, o agente não só prevê,
mas também tem consciência e vontade de ver concretizado aquele resultado. Por outro lado,
é relevante destacar que também se configuram atuações dolosas, chamadas de dolo indireto,
em duas situações liminarmente diferentes, mas ambas caracterizadas pelo fato de o agente
não desejar diretamente o resultado delituoso: a primeira, denominada de dolo indireto
eventual quando, diante de conduta cujo resultado é delituoso, o agente o prevê e aceita a
possibilidade de ele ocorrer e prossegue na conduta; e a segunda, denominada de dolo indireto
alternativo quando, diante de conduta cujo resultado é delituoso, o agente o prevê mas não se
importa com o risco de ele ocorrer ou não e prossegue na conduta.
STJ, Ação Penal nº 214: “Ementa: 7. O tipo previsto no artigo 89 [da Lei nº 8.666, de
21/06/93 - Lei das Licitações]e seu parágrafo único reclama dolo específico, inadmitindo
culpa ou dolo eventual, uma vez que tem como destinatário o administrador e
adjudicatários desonestos e não aos supostamente inábeis. É que a intenção de ignorar os
pressupostos para a contratação direta ou simular a presença dos mesmos são elementos
do tipo, consoante a jurisprudência da Corte (... ). 15. A dúvida sobre se o agente atuou
com dolo eventual ou culpa, restando o delito punível tão-somente a título de dolo
específico, na forma de jurisprudência da Corte e da doutrina do tema, impõem a
aplicação da máxima in dubio pro reo posto decorrente dos princípios da reserva legal e
da presunção de inocência.”
Para ser crime, a conduta humana, além de ser típica, deve ser antijurídica, ou seja,
deve ser contrária ao Direito. Uma conduta pode ser típica (literalmente descrita como crime e
cometida com intenção pelo agente) mas não ser antijurídica, se cometida sob excludente de
ilicitude. O CP lista quatro hipóteses de excludentes de ilicitude, de forma que, uma vez
presente alguma delas, afasta-se a antijuridicidade da conduta típica e, portanto, não se
configura o crime.
Uma vez que há uma comunicabilidade entre alguns ilícitos penais e administrativos,
seria inadmissível a aceitação da excludente naquela instância mais elaborada e a manutenção
da responsabilização funcional, mesmo quando se trata de ilícito administrativo puro.
CP - Exclusão de ilicitude
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
STJ, Recurso Especial nº 1.090.425: “Ementa: (...) 2. A sentença penal absolutória que
reconhece a ocorrência de causa excludente de ilicitude (estado de necessidade) faz coisa
julgada no âmbito administrativo, sendo incabível a manutenção de pena de demissão
baseada exclusivamente em fato que se reconheceu, em decisão transitada em julgado,
como lícito. (...)”
“No final dos trabalhos apuratórios, chegando a comissão, de modo unânime ou por
maioria, ao convencimento de que o fato atribuído ao acusado foi cometido em
circunstâncias licitizantes (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do
dever legal ou exercício regular de direito), deverá, em vez de indiciá-lo, suscitar o
julgamento antecipado do processo.” José Armando da Costa, “Teoria e Prática do
Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 180, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
CP - Estado de necessidade
Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio
ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir.
§ 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
Na legítima defesa, tem-se um fato típico praticado, sem excesso, para afastar ameaça
humana, atual ou iminente, e injusta, a direito. É inaplicável em favor do agente se a ameaça é
justa, pretérita, futura, remota ou evitável ou se a reação é desproporcional à agressão.
796
CP - Legítima defesa
Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
A requerida culpabilidade significa que o agente deve ser capaz de saber à época que a
conduta era ilícita e ainda assim agir, sem ter a seu favor a inexigibilidade de conduta diversa.
Uma conduta pode ser típica (literalmente descrita como crime e cometida com intenção pelo
agente) e antijurídica (contrária ao Direito e sem excludente de ilicitude), mas não haver
culpabilidade, ou seja, não satisfazer condição de aplicação de pena, se comprovado que o
agente não tinha consciência da ilicitude.
CP - Inimputáveis
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
É o caso dos doentes mentais, dos silvícolas não aculturados, dos surdos-mudos com
inteligência prejudicada, dos menores de dezoito anos de idade e dos vitimados por
embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. Ressalve-se que a emoção
e a paixão (perturbação dos sentidos) e a embriaguez eventual, voluntária ou culposa, não
afastam a responsabilização.
ordem.
O Direito Penal contempla ainda, em seus arts. 20 e 21, duas figuras que, a despeito de
teoricamente conterem diferenças entre si, acarretam um resultado similar, de afastamento da
punição que recairia sobre o agente que cometeu conduta que se amolda à definição legal de
um crime.
Por fim, conforme o art. 21 do CP, menciona-se o erro de probição, que ocorre quando
o agente comete uma conduta que a princípio é típica e antijurídica mas o faz com equívoco
acerca da antijuridicidade ou sobre a ilicitude da conduta. Ausente total ou parcialmente a
consciência da ilicitude da conduta, este tipo de erro não afasta a tipicidade dolosa mas sim a
culpabilidade decorrente da antijuridicidade, já que o agente comete um fato típico e que até é
antijurídico mas o faz sem sabê-lo, presumindo-se amparado em alguma excludente de
ilicitude. Embora o desconhecimento da lei penal não seja uma válida arguição a favor da
defesa, se o agente comete o fato típico supondo, por erro inevitável (ou invencível) a que
tenha sido levado pelas circunstãncias, que a conduta não é contrária à lei por estar amparada
em excludente de ilicitude, afasta-se a culpabilidade. Mas se o erro é evitável (ou vencível), a
apenação é atenuada ou mantém-se a condenação culposa, caso prevista em lei.
“Sem adentrar nas inúmeras discussões que existem no Direito Penal acerca da disciplina
das consequências do erro de tipo e do erro de proibição, o que importa na seara
administrativa é que tendo o servidor praticado conduta que aparentemente se adeque a
uma infração disciplinar (típica, antijurídica e culpável), verificado que o acusado assim
agiu porque incorreu em erro relevante, seja porque não tinha consciência, no caso
concreto, da existência de um elemento caracterizador da conduta típica (erro de tipo), ou
porque acreditava agir de forma lícita (erro de proibição), cumpre investigar se este erro
era evitável, isto é, se um servidor diligente não teria incorrido no mesmo erro.
Se o erro era evitável, cabe a responsabilização se existir uma modalidade culposa da
conduta praticada. Se, por outro lado, mesmo o servidor diligente teria incorrido no
mesmo erro, exclui-se a possibilidade de responsabilização, seja por ausência de dolo ou
culpa (erro de tipo), seja por exclusão da culpabilidade (erro de proibição).”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg.
268, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual
PAD.pdf, acesso em 07/08/13
edição, 2006
“(...) não há que se falar em tipificação de faltas disciplinares. Isso porque o rol de
condutas marginais no serviço público é de tal ordem amplo que nenhum exercício de
criatividade esgotaria o campo da previsão. (...). Por isso, os servidores públicos estão
vinculados a regras gerais de conduta, exemplificativas, suscetíveis de enquadramento a
partir do confronto com princípios gerais do direito, com os princípios inerentes ao
processo disciplinar e, especialmente, os princípios traçados como fundamentais ao
exercício da função pública, postos com relevo no art. 37, ‘caput’, da Carta Política.
Basta observar a diferença de redação entre tipos penais e as normas disciplinares.
Enquanto na lei penal o tipo vem descrito de forma detalhada, fechada, terminativa, nos
estatutos disciplinares a referência é aberta, abrangente. (...).” Léo da Silva Alves,
“Sindicância e Processo Disciplinar em 50 Súmulas”, pgs. 48 e 49, Editora Brasília
Jurídica, 1ª edição, 2005
Não obstante, destaque-se que tal diferença conceitual entre as duas instâncias
punitivas não afasta que, da mesma forma como na instância penal, também em instância
administrativa, não se cogita de discricionariedade a favor do Estado para aplicar sanção a
seus servidores, igualmente sendo exigida definição no Estatuto daquela conduta como ilícito
disciplinar.
Vale aqui trazer a conceituação extraída da doutrina penal, que, de um lado, denomina
de norma completa ou perfeita aquela norma que define o delito de forma precisa e
determinada, com todas as características de sua estrutura normativa, e dispensa qualquer
complemento para sua correta compreensão e, em contraponto a isto, denomina de norma
incompleta ou imperfeita aquela norma que possui elementos que requerem um complemento
normativo ou valorativo para sua integral compreensão, introduzindo os conceitos de norma
“em branco” e de norma “aberta”. Neste rumo, no primeiro grupo de enquadramentos acima,
têm-se exemplos de normas “em branco” (uma norma é denominada “em branco” quando sua
correta compreensão requer complementação normativa, ou seja, obtida em outra regra
jurídica, podendo ser homogênea se o complemento normativo se encontra em norma de
800
mesma instância legislativa - o complemento de uma lei se encontra em uma outra lei, por
exemplo -, ou heterogênea, se o complemento normativo se encontra em norma de maior ou
menor status legislativo - o complemento de uma lei se encontra em um decreto, por
exemplo). E, no segundo grupo de enquadramentos acima, têm-se exemplos de normas
“abertas” (na seqüência da conceituação penal acima, uma norma é denominada “aberta”
quando sua integral compreensão requer complementação valorativa, ou seja, baseada em
jurisprudência ou doutrina ou até mesmo em vida concreta). Ainda nesta linha, se acrescente,
a titulo de informação, que, muito próximo do conceito de normas abertas, por também não
terem o alcance e a extensão do seu conteúdo precisamente positivados, têm-se os conceitos
jurídicos indeterminados, cuja perfeita compreensão de seus contornos depende da
conjugação de diversos fatores dinamicamente incidentes a cada caso concreto, tais como a
época, o local, e sobretudo as percepções pessoais e de cognição do aplicador da norma.
“Como se vê, a garantia da tipicidade não pode ser interpretada em dissonância com o
princípio da segurança jurídica, tendo em conta, sempre, a dinâmica interna do Direito
Administrativo Sancionador, que é diferente do Direito Penal, mas guarda raízes comuns
com a normativa que preside o Direito Público Punitivo. Essas peculiaridades do terreno
administrativo admitem uma tipicidade proibitiva mais ampla, genérica, tendo por
referência o comando legislativo, mas também exigem coberturas normativas que induzam
à previsibilidade dos comportamentos proibidos.
Resulta clara a possibilidade de uso de normas em branco, cujos preceitos primários são
incompletos, carentes de uma integração normativa, em matéria de Direito Administrativo
Sancionador, até porque tal técnica não constitui novidade nos sistemas punitivos
comparados e nacional. Porém, os limites e as fronteiras entre o permitido e o vedado,
nesse terreno, são flexíveis, dependendo dos valores ou bens jurídicos em perspectiva, além
da natureza das relações submetidas ao império estatal. (...)
Conceitos ou termos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais serão instrumentos
comumente utilizados no Direito Administrativo Sancionador, especialmente nos casos em
que há relações de sujeição especial envolvendo agentes públicos, visto que nesses casos
há peculiaridades ligadas à necessária tipicidade permissiva da conduta dos agentes
públicos. Assim, uma norma proibitiva de comportamento de agente público resulta
indissoluvelmente ligada à norma permissiva, vale dizer, ao princípio da legalidade
positiva, visto que o agente público somente pode atuar com suporte em comandos legais.
Não é raro, portanto, que, em casos como esses, o legislador utilize tipos proibitivos
bastante amplos, genéricos, sem vulnerar a garantia da tipicidade, da lex certa, porque o
Direito Administrativo Sancionador pode apanhar relações de sujeição especial em que se
encontrar envolvido um agente público. No terreno disciplinar, tais relações assomam em
importância e intensidade, diante dos valores protegidos pelo Estado e da especialidade
intensa das relações.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pgs.
281, 282, 284 e 285, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
“Nesse passo, a legalidade das infrações e das sanções é composta, no mais das vezes, por
conceitos ou termos jurídicos altamente indeterminados, cláusulas gerais, princípios e
descrição de valores superiores que outorgam amplos espaços à autoridade julgadora, seja
801
Não obstante, ainda acerca deste ânimo subjetivo do servidor, é de se dizer que,
enquanto a tipicidade penal já define ao aplicador da norma se a conduta a merecer sanção é
dolosa (como regra) ou mesmo culposa (em exceção expressa), diferentemente, a Lei nº
8.112, de 11/12/90, não tem, como regra, o dolo ou a culpa definidos de forma expressa em
802
cada enquadramento. Todavia, isto não significa que se prescinda da caracterização da culpa
ou do dolo na conduta para se cogitar de enquadramento administrativo. Em outras palavras,
embora, formalmente, os enquadramentos administrativos não tenham como elemento
obrigatório constitutivo a culpa ou o dolo em sua descrição, uma vez que não se admite em
instância disciplinar a responsabilidade meramente objetiva, incumbe ao aplicador extrair o
ânimo subjetivo, seja pela direta literalidade, seja por outras formas de interpretação dos
incisos dos arts. 116, 117 ou 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
E tal identificação é relevante, pois, em regra, diante de uma situação concreta que a
princípio se amolda objetivamente em mais de um enquadramento, será basicamente em
função do ânimo subjetivo com que a conduta foi cometida que se obterá o melhor e mais
adequado enquadramento.
“A Administração deve provar o dolo do agente, quando exigido (...), não sendo necessário
demonstrar o motivo que o levou a praticar a infração. (...) dispensa (...) a averiguação do
803
fim almejado pelo agente, o chamado ‘dolo específico’.” Regis Fernandes de Oliveira,
“Infrações e Sanções Administrativas”, pg. 27, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição,
2005
“Como já noticiado, os ilícitos supracitados [art. 132, I a XII e art. 117, IX a XVI da Lei nº
8.112, de 11/12/90] pressupõem, em regra, a responsabilidade subjetiva dolosa, quer dizer,
o agente transgressor deve ter agido com intenção ou, ao menos, ter assumido os riscos do
resultado, excepcionando-se o ilícito previsto no inciso XV do art. 117 da Lei n° 8.112/90
(“proceder de forma desidiosa”), que pressupõe responsabilidade subjetiva culposa.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg.
363, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual
PAD.pdf, acesso em 07/08/13
“b) Vastíssimo é o campo de aplicação das presunções de homem. Basta, para se ter uma
idéia da extensão da sua aplicabilidade, considerar que, em princípio, são elas admissíveis
nos mesmos casos em que o é a prova testemunhal. Por meio delas se provam fatos das
mais variadas espécies, não só como prova subsidiária ou complementar mas também
como prova principal e única.
Mas, onde se manifesta, em toda a sua plenitude, a importância das presunções simples, é
quando se cura de provar estados do espírito - a ciência ou ignorância de certo fato, a boa-
fé, a má-fé etc. - e, especialmente, de provar as intenções, nem sempre claras e não
raramente suspeitas, ocultas nos negócios jurídicos. Tratando-se de intenções suspeitas, ou
melhor, nos casos de dolo, fraude, simulação e atos de má-fé em geral, as presunções
assumem papel de prova privilegiada, ou, sem que nisso vá qualquer exagero, de prova
específica. Salientando a significação das presunções nesse terreno, dispunha o Código de
Processo Civil de 1939, art. 252: ‘O dolo, a fraude, a simulação e, em geral, os atos de má-
fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias’.”, Moacyr Amaral Santos,
“Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, vol. 2, pg. 513, Editora Saraiva, 24ª
dição, 2008
À vista das provas regularmente coletadas, é lícito - e até se pode dizer que é mesmo
inerente à crítica e à analítica condição humana de qualquer aplicador do Direito - que
pequenas e minoritárias lacunas na formação integral da convicção acerca da existência ou
não do dolo seja integrada por percepções, inteligências, experiências, culturas e até mesmo
mero bom senso por parte do integrante da comissão ou da autoridade julgadora. Por vezes,
diante da cabal comprovação de que determinado fato antijurídico ocorreu, torna-se
necessário ao agente condutor dos trabalhos laborar com suas próprias visões, compreensões e
entendimentos acerca da inteligência pessoal e da experiência e da capacitação funcionais do
804
STJ, Recurso Especial nº 1.245.765: “Ementa: 13. Pontue-se, antes de finalizar, que a
prova do móvel do agente pode se tornar impossível se se impuser que o dolo seja
demonstrado de forma inafastável, extreme de dúvidas. Pelas limitações de tempo e de
procedimento mesmo, inerentes ao Direito Processual, não é factível exigir do Ministério
Público e da Magistratura uma demonstração cabal, definitiva, mais-que-contundente de
dolo, porque isto seria impor ao Processo Civil algo que ele não pode alcançar: a verdade
real.”
De toda sorte, importa destacar que não se vislumbra equiparar uma irregularidade
cometida por servidor decorrente da intenção deste em auferir o resultado com outra
ocasionada por imprudência, imperícia ou negligência, ainda que o resultado tenha sido
idêntico.
Acrescente-se que, conforme já exposto em 4.6.2.1, convém ainda relevar que o dano
ou prejuízo porventura causados pela conduta não integram a definição do dolo e, salvo
exceções, não são elementos dos enquadramentos, não sendo então fator decisivo ao se
enquadrar. Em outras palavras, não é a existência de dano ou prejuízo que configura e autoriza
o enquadramento em condutas, por exemplo, como valimento do cargo e improbidade
administrativa; a contrario sensu, a inexistência de dano ou prejuízo não impede que se cogite
de conduta dolosa.
“É aqui que, mais uma vez, emerge a adesão do Direito Penal, pois, se este prevê a
intenção do dolo e o grau na culpa e, ainda, a penalogia aplicável às contravenções e às
leis especiais para determinados crimes, tipicamente considerados, torna-se perfeitamente
lícito a divisão das penas administrativamente aplicáveis, segundo a natureza e de acordo
com a configuração da ação ou da omissão do servidor público quando na perfeita
caracterização de seu desvio de conduta, que deveria ser boa e normal.
Então, vê-se que, excluída totalmente, por impertinente, reafirma-se, a pena corporal, tem-
se, para as legalmente aplicáveis, três graus: o mínimo; o médio; o máximo,
807
“Embora não sendo casuística, como ficou acentuado, a lei trata dos ilícitos e das penas,
descrevendo aqueles de forma sumária, até com referência aos mais notórios (...). Não é
casuística, mas é previsional, nos capítulos dos deveres e das proibições. (...)
O Direito Administrativo Disciplinar não é casuístico, porém, mesmo não o sendo, ele não
pode deixar de consagrar determinados ilícitos cuja tipicidade emerge com uma flagrância
notória e necessária.
Enquanto o Direito Penal substantivo consagra o princípio consubstanciado no velho
brocado de que nullum crime nula poena sine lege, o Direito Administrativo Disciplinar
nele não vê similitude para capitulação dos ilícitos, pois isto importaria no verdadeiro
reconhecimento desta corporificação, ou melhor, desta disjunção só cabível no Direito
Penal.
Como a relação entre servidor e o Estado dimana do vínculo jurídico estatutário, neste
elemento residem alguns ilícitos, já enumerados, sem embargo da preservação fortemente
acentuada da moral administrativa e, em última análise, do interesse público, que deve ser
mantido através da mais rigorosa observação da conduta do servidor.” Egberto Maia Luz,
“Direito Administrativo Disciplinar”, pgs. 72 e 82, Edipro, 4ª edição, 2002
4.6.3.1 - Voluntariedade
Entenda-se aqui, sob ótica jurídica, a voluntariedade como a atitude tomada por
iniciativa própria do agente, espontaneamente, refletindo a livre manifestação de sua vontade,
sem ter sido compelido, constrangido ou coagido a fazer ou a deixar de fazer, promovendo,
com nexo causal, um resultado delituoso previsível, porém sem intenção, finalidade ou
direção. O ato volitivo é realizado mediante a possibilidade de o agente escolher opções,
refletir sobre os motivos e enfim decidir o que fazer, com espontaneidade. Por esta definição,
portanto, não há que se confundir a conduta voluntária, no sentido apenas de que ela é livre de
vício de vontade, com intenção dolosa de agir de má-fé e nem mesmo com a conduta culposa
de precipitação, impetuosidade ou falta de cuidado. A voluntariedade, que não está expressa
ou sequer presumida nos enquadramentos administrativos, deve ser entendida apenas como
“fazer livremente” em contrário à obrigatoriedade, não guardando, portanto, nenhuma relação,
nem de sinônimo, nem de antônimo e nem mesmo de gradação, com “fazer com má intenção”
(dolo) ou “fazer de forma imprecisa, sem o devido cuidado” (culpa).
A voluntariedade pode figurar como o patamar nulo e sem repercussão, além do qual,
aí sim, se estabelece, de forma crescente, a escala de gravidade de conduta, desde a culpa até o
dolo, assim encadeada: voluntariedade, culpa inconsciente, culpa consciente, dolo indireto,
dolo direto e, no extremo, como espécie ainda mais qualificada, o dolo específico.
809
Sendo a atividade pública vinculada, o servidor somente pode fazer aquilo que o
ordenamento expressamente lhe permite, de forma que, em tese, pode-se aduzir que qualquer
conduta supostamente irregular, em regra, passa, em sua base, por uma inobservância da
legalidade. Assim, a priori, sem prejuízo do equilíbrio harmônico principiológico, o princípio
da legalidade (ao lado do princípio da moralidade administrativa) é considerado um princípio
informador dos demais princípios constitucionais reitores da Administração Pública.
sustentará, não se justificando sua aplicação, pois aquela falha escusável, ainda que
indevidamente punida uma vez, possivelmente ocorrerá de novo, por ser intrínseca à natureza
do homem.
O tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº 2006/1, em que se definiu o erro
escusável como a conduta equivocada por parte do servidor (isto é, em desconformidade com
as normas legais e regulamentares) cuja apenação se evidencie ser irrazoável diante das
circunstâncias defrontadas no caso concreto.
Por outro lado, ressalte-se que se o servidor tiver posterior percepção do erro e não
adotar qualquer providência para repará-lo, invalida o pressuposto de ausência de dolo.
A tese aqui exposta não contradiz o que se antecipou em 4.6. Ao contrário, a leitura
atenta destes dois tópicos permite compreender que, na instância disciplinar, em função da
811
forte vinculação da atividade administrativa, faz-se necessário mais do que invocar o princípio
da insignificância (no sentido de ofensa mínima, excludente da tipicidade) para se cogitar de
considerar uma conduta classificável como erro escusável (excludente da culpabilidade).
Enquanto a doutrina penal pode se satisfazer apenas com aquele princípio para defender a
imediata atipicidade da conduta e a consequente exclusão da ilicitude, a instância disciplinar
requer, para considerar como um erro escusável e, consequentemente, afastar a culpabilidade
pelo ato inegavelmente irregular, além da ofensa ínfima, que a conduta seja culposa e
eventual.
Uma determinada conduta dolosa, ainda que de pequena ofensividade, cometida uma
única vez e causadora de prejuízo de pequena monta, pode configurar irregularidade
administrativa inescusável, pois pode ser o caso de também ter de se atentar, como
delimitador do conceito de insignificância, para o princípio da moralidade administrativa.
Muitas vezes, a tutela que se quer em determinadas situações é de ordem moral, não
patrimonial, daí porque, em instância administrativa, tão-somente pelo pequeno valor material
da afronta não se pode invocar o princípio da insignificância. Pode até uma única conduta,
desde que comprovadamente dolosa, e causadora de pequeno prejuízo, caracterizar infração
grave, se eivada de grande ofensividade. O fato é que não há autorização na lei para uma
simples análise quantitativa (legalmente, não há “parâmetro de corte”). Daí porque, uma vez
que subsiste a infração administrativa se cometida com dolo e ainda que de mínima
lesividade, conceitualmente é mais acertado se defender que o erro escusável, quando é
aplicável tal definição, não afasta a ilicitude do ato, mas tão-somente exclui a culpabilidade
(excludente de qualquer grau de reprovação para a conduta).
Por fim, conclui-se que a presente construção doutrinária visa a tratar com
razoabilidade, senso de justiça e equilíbrio o bom servidor que, como qualquer pessoa
mediana, sujeita-se a erro quando se expõe a produzir. Daí, o conceito não se aplica a
condutas dolosas, ainda que de pequena afronta. Para tais casos, estando o aplicador do
Direito convicto da inaplicabilidade da instância disciplinar, o remédio deve ser outro,
amparado na aferição da materialidade da conduta ilícita e em bases principiológicas,
conforme se discorre a seguir.
Por um lado, tem-se que a instância penal impõe sérias sanções especificamente para
condutas que afrontam os bens merecedores de firme tutela a favor de toda a sociedade. Daí
porque a aplicação da instância penal, embora volte-se à vida social como um todo, tem um
caráter restrito, excepcional, de mínima interferência e marcado pela anterioridade e pela
812
tipicidade, já que se aplica a um rol bem delimitado de condutas eivadas de forte caráter
infracional.
Feita esta indispensável introdução, é preciso avaliar a forma com que se deve aplicar
este ferramental que o ordenamento dispôs à Administração, como instrumento reparador da
ordem interna afetada e como elemento inibidor de novas condutas irregulares. Em outras
palavras, deve-se entender como se aplicam aquelas inúmeras e abrangentes hipóteses legais
(os enquadramentos dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, abarcando um
grande leque de gravidade) aos casos concretos do dia-a-dia da Administração. Mais
especificamente para o tema em tela, aqui se busca esclarecer, para o aplicador da Lei, a
diferenciação, que se faz necessária, entre condutas de menor gravidade mas ainda assim
merecedoras da sanção disciplinar e condutas de ínfima afronta para as quais se pode defender
o afastamento da repercussão disciplinar, por se cogitar de não se ter configurado o aspecto
material da ilicitude, conforme se abordará adiante.
Para isto, antes, deve-se ter em mente (preservado o entendimento de que o espectro de
atuação é menor) a proximidade que esta matéria guarda com a instância penal. A índole
correcional impõe, desde o nascedouro de qualquer discussão a este respeito, a conduta
cautelosa de intervenção mínima, como que se emprestasse à instância administrativa
disciplinar uma postura excepcional e residual, a ser provocada tão-somente quando os
demais remédios e instrumentos gerenciais não punitivos não surtem efeito restabelecedor da
ordem ou inibidor da desordem. Afinal, não se pode conceber a vulgarização do uso do mais
amargo dos remédios jurídicos que o ordenamento disponibiliza à Administração para a
manutenção da necessária ordem interna. Acrescente-se ser por demais cediço todo o ônus
inerente à ação disciplinar, independentemente de seu resultado final e mesmo quando
proporcionalmente manejada; e este ônus se enfatiza - tanto em aspectos materiais (custo
financeiro, prejuízo da produtividade na matéria-fim, etc), quanto em aspectos imateriais
(fragilização da segurança jurídica interna, prejuízos à honra do corpo funcional, etc) - quando
813
Ou seja, percebe-se que, quando a situação concreta parece aceitar mais de uma
solução (quando se conseguem argumentos a favor tanto da instauração ou da indiciação ou
da apenação quanto do arquivamento), atento a esta abordagem, lançando mão dos princípios,
o aplicador do Direito identifica qual opção melhor se amolda ao interesse público.
Com isto, pode ocorrer de este aplicador da norma estar diante de fatos e
circunstâncias em que, não obstante os princípios da legalidade, da moralidade administrativa,
da verdade material, da oficialidade e da indisponibilidade do interesse público, a imediata
instauração da instância disciplinar lhe pareça desarrazoada e antieficiente, ou a indiciação
bem como a penalidade vinculada lhe pareça excessivamente gravosa e desproporcional.
atos ilícitos (formalmente proibidos pelo Direito Administrativo Sancionador) que, todavia,
não se mostram materialmente lesivos a valores e princípios regentes da administração
pública ‘lato sensu’ ou mesmo da ordem social, não se justificando, nessas hipóteses, o
desencadear de investigação, processo, ação criminal ou ação civil pública, permitindo-se
acordos e enfatizando-se a importância, se for o caso, do ressarcimento ao erário ou às
partes lesadas.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador, pgs. 240 e
241, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
A ilicitude, por sua vez, como um ato da vida real, para obter sua configuração, requer
dois passos consecutivos. De imediato, a ilicitude é formalmente delineada pela prévia
cominação da conduta em algum enquadramento da lei. Assim, para que se cogite de ilicitude
in concreto, faz-se absolutamente indispensável a prévia definição, in abstracto, da conduta
na lei sancionadora. Neste ponto, havendo a tal definição prévia em lei, afirma-se, como
primeiro passo, a ilicitude formal da conduta.
“Uma vez afirmada a ilicitude formal da conduta proibida, com seu enquadramento no tipo
repressivo, cabe averiguar a ilicitude material, ou seja, se o comportamento efetivamente
agride o bem jurídico protegido pela norma ou mesmo o ‘status’ de vigência formal e
material dessa norma.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pg.
326, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
É cediço que a atividade legislativa trabalha com hipóteses, de forma que a norma
punitiva elenca situações em abstrato que, ao ver generalista da norma, tomado por juízo
hipotético e por médias comportamentais básicas, merecem sanção. Todavia, o aplicador do
Direito deve sempre atentar para as ferramentas de interpretação, inerentes à matéria jurídica,
uma vez que norma hipotética não contempla (e nem poderia mesmo fazê-lo) todos os
múltiplos e complexos fatores que podem ocorrer nos casos concretos. A ocorrência real de
fato que, formalmente, se amolda à hipótese criticada na lei ainda requer a apreciação das
particularidades do caso concreto, à vista de ter ou não afrontado o bem jurídico tutelado.
“Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que dela se possa,
inicialmente, afirmar a tipicidade, isto é, que tal conduta se ajusta a um tipo legal de crime
(...). Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real; de outro, o tipo legal de crime,
constante da lei penal. A tipicidade formal consiste na correspondência que possa existir
entre a primeira e a segunda. (...).
(...) se considerarmos o tipo não como simples modelo orientador ou diretivo, mas como
portador de sentido, ou seja, como expressão de danosidade social e de periculosidade
social da conduta descrita, ampliar-se-á consideravelmente esse poder de decisão a nível
de juízo de atipicidade. (...) se o fenômeno da subsunção (= sotaposição de uma conduta
real a um tipo legal) estiver subordinado a uma concepção material do tipo, não bastará,
para afirmação da tipicidade, a mera possibilidade de justaposição, ou de coincidência
formal, entre o comportamento da vida real e o tipo legal.
Será preciso algo mais (...). Modernamente, porém, procura-se atribuir ao tipo, além desse
sentido formal, um sentido material. Assim, a conduta, para ser crime, precisa ser típica,
precisa ajustar-se formalmente a um tipo legal de delito (‘nullum crimen sine lege’). Não
obstante, não se pode falar ainda em tipicidade, sem que a conduta seja, a um só tempo,
materialmente lesiva aos bens jurídicos, ou ética ou socialmente reprovável.” Francisco de
Assis Toledo, “Princípios Básicos de Direito Penal”, pgs. 125, 130 e 131, Editora Saraiva,
5ª edição, 1994
Ora, se o Direito Penal, tutelando bens teoricamente muito mais relevantes, aceita tal
construção inibidora de sua atuação, requerendo mais do que a configuração meramente
formal da tipicidade, ponderando o quantum de lesividade apresenta a conduta, não há porque
duvidar de a instância administrativa disciplinar também não o fazê-lo.
Parecer PGFN/CDI nº 687/2006: “22. Vê-se, pois, que até no âmbito penal, que empresta
tutela aos bens jurídicos mais caros e relevantes de uma dada sociedade, foi necessário
obtemperar um juízo meramente formal de transgressão, ponderando sobretudo acerca da
existência de lesividade e danosidade da conduta em relação ao objeto jurídico penalmente
protegido.
23. Essa racional distinção não merece rechaço do direito administrativo disciplinar,
mormente se se considerar que a tipicidade do ilícito disciplinar não guarda os estritos
contornos verificáveis no Direito Penal. (...)”
Mas, por outro lado, a presente teoria pode elucidar pelo não sancionamento
disciplinar em condutas, por exemplo, embora formalmente ilícitas, mas que na prática são
toleradas pela praxe administrativa, conforme se aduziu em 4.3.10.3.1. E, sobretudo, com as
devidas cautelas, pode ser aplicada em condutas que, embora cometidas com intenção (o que,
por si só, já impede o apoio na construção doutrinária a que chamou linhas acima de erro
escusável, pelo fato de a conduta não ser meramente culposa), não atinjam o patamar de
afrontar o bem jurídico protegido.
em razão de uma infeliz conduta do denunciado, não tendo esta atingido o patamar de afronta
à regularidade interna da Administração - este, sim, um um dos pilares que justificariam a
persecução disciplinar.
A título de mero exemplo, com todo o risco inerente de fazê-lo distanciado de um caso
concreto, pode-se ter um fato de pequeno insulto verbal proferido por servidor que, em
princípio, poderia encontrar enquadramento na Lei nº 8.112, de 11/12/90, em seu art. 116, XI
(quebra do dever de tratar com urbanidade as pessoas). Sendo ato intencional, de imediato, se
afasta a possibilidade de se aplicar o chamado erro escusável. Não obstante, à vista de
exemplificativas condicionantes de ter havido retratação do agressor e desconsideração da
ofensa por parte do agredido e de não ter ocorrido outras repercussões para o ato, em tese, se
poderia cogitar de a conduta formalmente ilícita não obter adequação material, por ausência
de afronta ao bem jurídico internamente tutelado, obtendo-se amparo nos princípios da
razoabilidade, proporcionalidade e eficiência para excluir o enquadramento e afastar a
instância disciplinar.
Por fim, ainda acerca do tema em comento, não obstante todas as ponderações de
economia de intervenção acima expostas, nada impede que a conduta sob exame possa
configurar transgressão à norma ou a princípio ético, conforme já se abordou em 2.2.2.2.1.
Pode-se até inferir uma razoável plausibilidade que determinado contexto fático, de um lado,
tenha incidido formalmente em afronta à norma estatutária mas não o tenha feito ao condão de
configurar a materialidade delitiva suscitadora da relevante reprimenda disciplinar possa, de
outro lado, ser suficiente para provocar a instância ética, vez que esta pode, em sintética
análise, ser compreendida como um minus em comparação à instância disciplinar. Desta
819
forma, deparando-se o sistema correcional com uma conduta que enseje a atribuição benéfica
da ausência de ilicitude material, é de se ponderar se não é o caso de se encaminhar à
competente Comissão de Ética Pública Seccional da Secretaria da Receita Federal do Brasil
(CEPS-RFB).
A lista de irregularidades que se pode imputar ao servidor encontra-se nos arts. 116,
117 e 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. O art. 116 elenca deveres do servidor, o art. 117
elenca proibições do servidor; e o art. 132 elenca as graves infrações estatutárias.
A leitura atenta destes três artigos demonstra, em diversas passagens, que o legislador
previu ser possível que determinadas condutas, dependendo de condicionantes (tais como o
animus do servidor, a intensidade, a frequência, etc), em rápida análise, tanto pode, em um
extremo, nem sequer configurar infração disciplinar (por vezes, apenas mera crítica de índole
ética ou moral); quanto pode ser enquadrada administrativamente como infração disciplinar
leve (punível com advertência ou, no máximo, suspensão, em regra, em atitudes culposas);
como pode também ser enquadrada administrativamente como infração grave (punível com
pena capital, em regra, em atitude dolosa); e, no outro extremo, no limite máximo, pode ser
enquadrada como improbidade administrativa, que é infração gravíssima (punível
administrativamente com pena capital e judicialmente com outras penas severas).
A aplicação de qualquer dos incisos dos três artigos requer a leitura atenta e restritiva
do art. 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Conforme já aduzido em 3.1, este dispositivo
restringe a análise às condutas associadas direta ou indiretamente ao exercício do cargo, com
o que se afastam condutas de vida privada do servidor enquanto cidadão comum (a menos que
o ato da vida privada tenha correlação com a Administração Pública, com a instituição ou com
o cargo), totalmente dissociadas de seu cargo, criticáveis tão-somente à luz de códigos de
ética.
São diversos os exemplos que se podem listar de irregularidades encadeadas como que
em degraus de crescente gravidade, apesar de a princípio parecerem ter uma mesma
conformação fática.
Atenta às nuances que caracterizam os fatos dessa natureza, dispõe a Convenção das
Nações Unidas Contra a Corrupção (no âmbito do Direito interno, promulgada pelo
Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), em seu art. 28: ‘O conhecimento, a intenção
ou o propósito que se requerem como elementos de um delito qualificado de acordo com a
presente Convenção poderão inferir-se de circunstâncias fáticas objetivas.’
128. Assente-se, ainda, que, somando-se aos fatos circunstanciais robustamente
demonstrados pelas provas carreadas aos autos e ante o panorama constatado, temos a
impossibilidade de se cogitar a ausência de dolo do indiciado (...) em praticar os atos
irregulares por se tratar de servidor experiente e qualificado para a função que exercia,
conhecedor das normas regentes do procedimento usualmente adotado na Receita Federal.
(...). E, dessarte, irreal a mera possibilidade de ocorrência de mero erro, o que vem
reforçar a caracterização infração prevista no art. 117, inciso IX, e no art. 132, inciso IV,
ambos da Lei nº- 8.112, de 1990.”
STJ, Recurso Especial nº 1.245.765: “Ementa: 13. Pontue-se, antes de finalizar, que a
prova do móvel do agente pode se tornar impossível se se impuser que o dolo seja
demonstrado de forma inafastável, extreme de dúvidas. Pelas limitações de tempo e de
procedimento mesmo, inerentes ao Direito Processual, não é factível exigir do Ministério
Público e da Magistratura uma demonstração cabal, definitiva, mais-que-contundente de
dolo, porque isto seria impor ao Processo Civil algo que ele não pode alcançar: a verdade
real.”
É necessário atentar que o Estatuto tem (sobretudo para as infrações que importem em
penas de advertência e de suspensão) enquadramentos atípicos de forma que, na situação
hipotética prevista pelo legislador em um determinado inciso dos seus arts. 116, 117 ou 132,
cabem inúmeras condutas práticas da vida concreta. Daí, enquadrar o fato apurado em algum
destes incisos abrangentes (o que, em visão precipitada, parece ser fácil) revela-se tarefa
difícil e de grande responsabilidade, devido às diferentes repercussões.
´não justifique imposição de penalidade mais grave´ (arts. 116, II, e 129).
14. Na mesma forma de graduar a penalidade em razão da gravidade do ilícito,
exemplificativamente, a Lei nº 8.112 veda que o servidor oponha ´resistência injustificada
ao andamento de documento e processo ou execução de serviço´ (art. 117, IV) e viabiliza a
apenação com advertência (arts. 117, IV, e 130), conduta que importa omissão em praticar
ato de ofício que a Lei nº 8.429 considera ato de improbidade administrativa, no sentido
literal de sua concepção.”
E, na mesma linha acima aduzida, o tema foi abordado na Nota Técnica Coger nº
2005/7.
“Por fim, convém ressaltar que o rol dos deveres dos servidores públicos constante no
citado artigo 116 é exemplificativo, e não taxativo, pelo que outros deveres para os
servidores podem ser previstos em regulamentação ou norma interna. A inobservância
desses deveres também constitui ilícito administrativo sujeito à penalidade de advertência,
a teor da segunda parte do art. 128 da Lei nº 8.112/90, ou de suspensão, a teor da segunda
e terceira parte do art. 129 da Lei nº 8.112/90, conforme o caso”. Adriane de Almeida Lins
e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar -
Manual”, pg. 164, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
STF, Mandado de Segurança nº 26.361: “Ementa: (...) As práticas previstas nos incisos do
artigo 116 da Lei nº 8.112/90 pressupõem a culpa, apanhada a espécie negligência.”
Acrescente-se que muitos dos deveres funcionais estatuídos no art. 116 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, tangenciam aspectos comportamentais de conduta (zelo, lealdade,
obediência, urbanidade). Cabe dizer que, em regra, os enquadramentos na maioria dos incisos
deste artigo podem se justificar mediante conduta única ou delimitada em curto período de
tempo, não sendo necessário se reportar ao pretérito da vida funcional do servidor.
enquadramento. Neste sentido, para qualquer inciso deste artigo, aproveitam-se os argumentos
expostos em 4.10.2.4.5, em que se defende o rito legal para hipótese do art. 130, § 1º da Lei nº
8.112, de 11/12/90 (recusar-se a se submeter à perícia médica).
Se fosse o caso de se poder criticar como negligente toda a vida funcional pretérita do
servidor, e não por um caso isolado (ou alguns), talvez se cogitasse, em tese, de
enquadramento bem mais gravoso, de desídia, no art. 117, XV do Estatuto.
824
Em outras palavras, ao lado das normas administrativas, há, dentre as diversas formas
de a Administração unilateralmente emitir sua vontade, algumas outras espécies de atos cuja
menção aqui interessa, em razão de, apesar de suas distintas naturezas apriorísticas, em
determinados casos concretos, poderem suscitar dúvida se consubstanciam um comando
normativo. E, em tais casos de dúvida, destaca-se a possibilidade de não restar claro se
determinados atos administrativos, a despeito de suas possíveis teóricas classificações (como
ordinatórios, decisórios, enunciativos, interpretativos ou de comunicação), na essência de seus
comandos ou dispositivos, manifestam norma ou ordem dirigida a seu corpo funcional no
âmbito da Administração. A elucidação de tal fronteira, que por vezes se demonstra tênue e
imprecisa, pode se fazer relevante para determinado ato administrativo em especial, com vista
a esclarecer se sua inobservância ou se seu descumprimento, por servidor vinculado ou
subordinado, configura a infração enquadrada no presente inciso III ou no inciso IV, ambos
do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, uma vez que, conforme se abordará em 4.7.2.4, em
contraposição à inflexível aplicação do princípio da legalidade em termos de submissão
funcional às normas, é possível uma ponderação por parte do(s) servidor(es) destinatário(s)
em caso de ordem emitida por autoridade superior. E esta necessária identificação, a grosso
modo, passa pela identificação da natureza geral ou individual do comando encartado no ato
específico.
Auxilia ainda nesta importante diferenciação entre atos gerais e individuais - já que
aos primeiros não se contemplará espaço de discricionariedade por parte dos destinatários
para inobservá-los, enquanto há possibilidade para descumprimento de ordens ilegais -
destacar que os atos normativos possuem precedência hierárquica sobre os atos individuais
(não podendo estes contrariar aqueles). Ademais, os atos normativos são revogáveis a
qualquer tempo pela própria Administração e não podem ser impugnados por meio de
recursos administrativos, ao contrário dos atos individuais, que somente permitem revogação
ex oficio sob condicionantes mais severas e podem ser impugnados diretamente pelo
destinatário por razões de legalidade, tanto em via administrativa quanto judicial.
Feita esta introdução sobre a espécie de atos administrativos, detalha-se que, sem
prejuízo do equilíbrio harmônico principiológico, o princípio da legalidade, ao lado do
princípio da moralidade administrativa, é considerado um princípio informador dos demais
princípios constitucionais reitores da Administração Pública. E isto lhe atribui aplicação quase
totalitária na atividade pública, de forma que a vinculação ao ordenamento esteja, em
determinado grau, diluída e subentendida em todos os mandamentos estatutários. De fato, a
leitura atenta dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, leva a perceber que a
legalidade paira, manifesta-se e, por fim, repercute na grande maioria das infrações
disciplinares neles elencadas (enquanto que as máximas da impessoalidade, da publicidade e
da eficiência têm suas repercussões mais pontuais e restritas). Em outras palavras, sendo este
um dos dois principais princípios norteadores da atividade pública, a grande maioria dos
enquadramentos disciplinares tem em sua base o descumprimento do dever de observar
normas legais e regulamentares, de forma que o dispositivo especificamente insculpido no art.
116, III valha quase que como regra geral e difusa dos deveres estatutários.
Sendo a atividade pública vinculada de forma que o agente público somente pode fazer
aquilo que o ordenamento expressamente lhe permite e uma vez que nenhuma norma autoriza
o cometimento de irregularidade, todo ato ilícito, em regra, passa, em sua base, por uma
inobservância de norma. Todavia, esta infração disciplinar pode ser absorvida por
irregularidades mais graves. Daí, o enquadramento neste inciso somente se justifica se o ato
não configura irregularidade mais grave.
827
A leitura atenta do art. 116, III da Lei nº 8.112, de 11/12/90, indica que o Estatuto não
conferiu ao servidor nenhum poder discricionário para apreciar a legalidade de norma ou para
avaliar, por seus critérios pessoais, a conveniência de cumpri-la ou não. Opera-se a presunção
de que as normas são legais. A norma, desde que devidamente editada por quem é competente
e publicada, a partir de sua data de entrada em vigor, deve ser plenamente cumprida pelo
servidor, ainda que este, em sua própria convicção, a considere ilegal. A convicção por parte
do servidor de que a norma apresenta defeitos de forma ou de mérito deve fazê-lo provocar a
unidade ou a autoridade competente para declarar a ilegalidade da norma e para exclui-la do
ordenamento ou alterá-la; além disto, se ele tem elementos de convicção de irregularidade na
feitura da norma, ele deve até representar contra quem a editou. Mas jamais o servidor deve
deixar de cumprir a criticada norma, uma vez que, enquanto não revogada na forma legal, o
servidor tem o dever funcional de cumpri-la, por força do dispositivo inquestionável do art.
116, III da Lei nº 8.112, de 11/12/90 e também por força do princípio da legalidade, sob pena
de ver configurado o ilícito em tela.
Uma conduta em especial, que, pelo menos em princípio (se não configurada outra
conduta mais grave), pode ser enquadrada como inobservância de norma, é o chamado
“acesso imotivado”. Este ilícito se configura quando o servidor utiliza-se dos sistemas
informatizados da Secretaria da Receita Federal do Brasil para fins que não são de interesse
do serviço, ou seja, que não têm motivação legal. Diante da necessária percepção de que o
Direito se estabelece sobre a premissa da boa-fé, é de se compreender este ilícito como de
configuração excepcional, visto que em princípio, a menos de prova em contrário, os acessos
à base de dados em poder do órgão por parte de servidor são motivados por interesse de
trabalho.
O acesso imotivado pode ser sintetizado como o acesso a dados de terceiros realizado
à margem das necessidades de trabalho e que, por este motivo, não preserva as formalidades
intrínsecas a tal tipo de conduta funcional (que, em última essência, excepciona uma garantia
constitucional de terceiros), não guarda relação com as atribuições legais do cargo e, até, de
forma mais coloquial, comumente é promovido por mera curiosidade ou por quaisquer outras
motivações de índole pessoal. A configuração deste ato irregular por parte do agente público
se vincula à motivação com que o acesso é realizado - motivação de natureza pessoal e
particular, à margem do interesse público - e independe do fim a que o autor dá ao dado
acessado e também independe da natureza deste dado. A configuração da ilicitude não se
restringe apenas em acessos a dados protegidos por sigilo fiscal mas também se concretiza até
mesmo em acesso a meros dados cadastrais, se tal acesso tiver sido realizado para satisfação
de interesse privado do autor.
829
Obviamente, por um lado, este enquadramento não visa a alcançar acessos cometidos
de boa-fé pelo agente que, em seu múnus e que para exercer as atribuições legais de seu cargo,
necessita realizar pesquisas em dados sigilosos, seja quando o acesso aos dados de
determinada pessoa se dá por mero equívoco ou engano perfeitamente acolhido na percepção
de falibilidade humana (conforme o conceito jurídico já exposto em 4.6.3.2 de erro
escusável), seja na diversidade de acessos a dados do próprio investigado ou até de pessoas a
ele próximas, inerentes, por exemplo, a atividades de pesquisas, de investigação, de seleção,
de preparo, controle, de fiscalização interna ou aduaneira, de arrecadação, de julgamento, de
planejamento, bem como em ações de controle interno ou de gerenciamento de riscos, tanto
em instância fiscal como disciplinar, todas estas atividades de absoluto interesse público e
que, sem as quais, não se contempla a atuação estatal.
Por outro lado, não se afasta o enquadramento em tela em razão de o servidor possuir
autorização formal para aquele tipo de acesso ou em razão da destinação dada pelo agente ao
dado fiscal imotivadamente acessado. Pune-se o acesso em si sem motivação, não importando
se, no prosseguimento da conduta, o servidor deu ou não alguma destinação ao dado acessado.
Pune-se a mera conduta - que, aqui, sempre se subentende dolosa - de acessar imotivadamente
o dado protegido, independentemente do resultado desta conduta.
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 4º As informações protegidas por sigilo fiscal,
contidas em sistemas informatizados, somente poderão ser acessadas no interesse da
realização do serviço.
Merece menção o fato de que a vigente Portaria RFB nº 450, de 28/04/04, ao cogitar
de responsabilidade, o fez, em seu art. 23, de forma muito mais sintética do que constava da
Portaria SRF nº 782, de 20/06/97, por ela revogada. Não obstante a revogação desta Portaria,
permanecem válidos alguns conceitos de ordem prática nela encartados, como por exemplo a
didática diferenciação de condutas que se segue: o mero acesso sem motivação aceitável ao
banco de dados, pode configurar inobservância de norma (no presente art. 116, III do
Estatuto); já a revelação, para outro servidor da Secretaria da Receita Federal do Brasil, dos
dados acessados, pode configurar inobservância de norma e quebra do dever de guardar sigilo
sobre assunto interno (art. 116, VIII do Estatuto, linhas a seguir); já a revelação, para
estranhos à Secretaria da Receita Federal do Brasil, dos dados acessados, pode configurar a
grave irregularidade de revelação de segredo obtido em razão do cargo (art. 132, IX do
830
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 5º Configura infração do servidor aos deveres
funcionais de exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo e de observar normas
legais e regulamentares, nos termos do art. 116, incisos I e III, da Lei nº 8.112, de 1990,
sem prejuízo da responsabilidade penal e civil cabível, na forma dos arts. 121 a 125
daquela Lei, se o fato não configurar infração mais grave:
I - não proceder com o devido cuidado na guarda e utilização de sua senha ou emprestá-la
a outro servidor, ainda que habilitado;
II - acessar imotivadamente sistemas informatizados da Secretaria da Receita Federal do
Brasil que contenham informações protegidas por sigilo fiscal, observado o disposto no
art. 4º.
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam
responsabilidade do agente público ou militar:
II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou
ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha
acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou
função pública;
IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à
informação sigilosa ou informação pessoal;
§ 1o Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, as
condutas descritas no caput serão consideradas:
II - para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas alterações,
infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo
os critérios nela estabelecidos.
§ 2o Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder,
também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nos 1.079, de 10 de
abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992.
Por fim, mencione-se também que o correio eletrônico institucional, o Lotus Notes,
encontra normatização na Portaria SRF nº 1.397, de 11/11/02, que o define como uma
ferramenta de trabalho, de propriedade da Administração, de forma que, a rigor, seu uso
condiciona-se apenas a interesse de trabalho. O emprego distorcido e deturpado da ferramenta
- quer-se referenciar, com estas expressões, a mensagens dirigidas a tantos destinatários que
831
Todavia, em razão de sua conduta estar vinculada à legalidade, não deve o servidor
obedecer a ordem manifestamente ilegal ou sobre fato estranho ao serviço. Se a ordem é
flagrantemente ilegal, ou seja, de ilegalidade facilmente perceptível, além da
responsabilização de quem a ordenou, o seu acatamento por parte do subordinado também
configura irregularidade. Por outro lado, se a ordem é ilegal mas somente o mandante o sabe,
não havendo condições de o subordinado saber da ilicitude, apenas aquele comete a
irregularidade. Da mesma forma, se o cumprimento da ordem se dá por coação irresistível,
somente o mandante incorre em responsabilização.
Em primeiro lugar, não é difícil compreender que, quando a ordem judicial coaduna-se
com a normatização, legal ou infralegal interna, e com os entendimentos reinantes na
Administração e, ainda assim, um servidor ou uma autoridade administrativa a descumpre ou
determina o descumprimento a subordinados ou simplesmente não diligencia em favor da
observância da tutela jurisdicional, a conduta daquele agente público - provavelmente até
mesmo antes do provimento judicial - encontra repercussão disciplinar. Neste caso, a única
dificuldade reside em avaliar as condicionantes e a motivação para a conduta recalcitrante por
parte do agente público, uma vez que se pode cogitar de diferentes repercussões disciplinares,
fazendo-se necessária, para a definição do correto enquadramento, uma análise pormenorizada
833
caso a caso. A título não exaustivo de exemplos, pode este descumprimento dar-se por mera
conduta omissiva negligente, hipótese em que seria possível cogitar de descumprimento do
dever estabelecido no art. 116, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90; ou pode decorrer de isolada
adoção de um determinado entendimento pessoal acerca do tema jurídico objeto da decisão
judicial, contrariamente ao ordenamento ou a manifestação administrativa vinculante,
hipótese em que seria possível cogitar de descumprimento do dever estabelecido no art. 116,
III da citada Lei; ou pode configurar a oposição de resistência injustificada ao andamento de
processo ou à execução de serviço, hipótese em que seria possível cogitar de afronta à
proibição estatuída no art. 117, IV da mencionada Lei; ou pode ainda ser motivada por
objetivos pessoais que levariam a condutas de intencionalmente buscar favorecer ou
prejudicar o demandante, hipótese que seria possível cogitar até de afronta à proibição
estabelecida no art. 117, IX ou de configuração da infração definida no art. 132, IV da mesma
Lei. Percebe-se, então, que a repercussão disciplinar não decorre do descumprimento em si da
ordem emanada por autoridade externa à Administração, mas sim porque a conduta, em sua
essência, contém elementos de algum enquadramento do Estatuto.
Todavia, a análise se torna muito mais complexa quando a ordem judicial afronta
inequivocamente o ordenamento vigente ou os entendimentos administrativos a que se vincula
o servidor ou a autoridade administrativa. De um lado, aquele agente público depara-se com a
ordem judicial em um sentido e, de outro lado, sabe da vigência de lei, decreto, norma interna
ou manifestação administrativa vinculante que lhe determina a conduta oposta. Soa pouco
razoável que o agente público atente para o inafastável dever de obediência ao princípio da
legalidade (conforme já mencionado em 4.7.2.3), ao mesmo tempo em que se mantém fiel ao
regramento e/ou ao entendimento reinante(s) na instituição a que serve, no âmbito da
Administração, em conduta que, isoladamente analisada, não se amolda a nenhum dos
enquadramentos dos arts. 116, 117 ou 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, ainda assim, veja-
se incurso em responsabilização disciplinar em decorrência de uma ordem externa e
conflitante. Por óbvio, em atendimento à independência dos Poderes, tal entendimento em
nada socorre este servidor ou autoridade administrativa frente a possíveis repercussões de
natureza judicial, seja penal, civil ou até processual civil - cujo aprofundamento extrapola o
escopo do presente texto -, já que não se discute aqui que o Poder Judiciário é competente
para o exercício da jurisdição, compreendida como o poder estatal de dizer o direito aplicável
a caso concreto, e esta não se exerce sem coercibilidade. Não obstante, o que aqui se quer
destacar é que a postura do agente público em não atender a ordem judicial conflitante pode
ferir princípios ou regramentos de natureza judicial sem que, necessariamente, também se
configure em infração de índole estatutária, devendo, portanto, merecer cuidadosa ponderação
das condicionantes caso a caso.
Conforme já abordado em 2.1 e 2.3, a cuja leitura se remete, o servidor que tem
conhecimento de qualquer tipo de suposta irregularidade no serviço público, cometida por
qualquer outro servidor, mesmo que de outra via hierárquica ou até de outro órgão, é obrigado
a representar, sendo passível de responsabilização administrativa em caso de omissão. O
cumprimento deste dever reflete simultaneamente atenção também ao dever de lealdade à
instituição. O inciso em tela se aplica quando a omissão decorre de atitude culposa; diante de
atitude omissiva dolosa, em situações extremadas, além de enquadramento administrativo
mais grave, pode-se cogitar até de repercussão penal.
Tanto é assim que o Estatuto, em seu art. 126-A, possui um dispositivo de proteção ao
servidor que se predispõe a cumprir com o seu dever funcional de representar, vedando que,
em razão de sua iniciativa de comunicar suposta prática de crime ou de ato de improbidade,
possa vir a sofrer responsabilização administrativa, civil ou penal. De se perceber que, a rigor,
o dispositivo legal em comento prevê a proteção apenas em decorrência de comunicação de
suposto crime ou de ato ímprobo, não a expressando para a hipótese mais comum, de
representação em decorrência de suposto ilícito disciplinar. Mas não soa absurdo interpretar
extensivamente a cláusula de salvaguarda para também abarcar a hipótese de representação
por suposta infração administrativa, pois se o legislador entendeu que até a inadequada
provocação por supostos atos de maior gravidade (crime ou improbidade - os quais, aliás, em
ato funcional, obrigatoriamente também configuram ilícito disciplinar) não deve merecer
repercussão disciplinar ao representante, menos ainda se deve cogitar de tal hipótese em
virtude de comunicação de suposta infração estatutária.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil,
penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de
informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento,
ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública. (Incluído
pela Lei nº 12.527, de 18/11/11)
se comprove que, com ânimo subjetivo culposo ou doloso, o servidor atuou ou contribuiu para
o evento. Mas, por outro lado, o presente enquadramento, que é de índole culposa, pode ser
oponível a um servidor em decorrência de dano ou extravio de bem público ainda que aquele
agente não tenha assinado respectivo termo de responsabilidade ou mesmo não tenha o bem
sob sua guarda ou uso no momento do sinistro.
De imediato, uma vez que a literalidade deste inciso não especifica, tem-se que aqui
cabe precipuamente a conduta de revelar e, com menor possibilidade, também cabe a conduta
de divulgar os assuntos da repartição. Doutrinariamente, tem-se que a ação de “revelar”
concretiza-se com o vazamento de informação para apenas uma única pessoa, enquanto que a
ação de “divulgar” concretiza-se com o vazamento da informação para mais de uma pessoa
(pela mídia, por exemplo, e, obviamente, engloba também a primeira irregularidade).
Dito isto, tem-se que o presente enquadramento pode ser compreendido de duas
formas, em ambas se buscando uma contraposição ao extremo mais gravoso, enquadrado no
art. 132, IX da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (revelação de segredo do qual se apropriou em razão
do cargo, que se abordará em 4.7.4.9).
Sob esta ótica, a diferenciação entre este enquadramento e o art. 132, IX do Estatuto
radica, majoritariamente, no elemento subjetivo da revelação ou da divulgação, visto que
aquele trata de conduta intencional e consciente, eivada de má-fé. Assim, aqui podem se
enquadrar revelações ou divulgações culposas de informações que até possam comprometer
estratégias, ações ou diretrizes oficiais; que possam beneficiar contratante ou licitante junto à
Administração; ou que possam ser confundidas como posicionamento institucional,
comprometendo a imagem do órgão; enquanto que lá podem ser enquadradas revelações ou
divulgações similares, quando eivadas de dolo.
Mas, além do ânimo subjetivo motivador do ato ilícito (se intencional ou se apenas
culposo), também pode-se ter, como elemento diferenciador desta conduta e da conduta
837
Por este aspecto material, em primeiro lugar, pode-se inferir que neste art. 116, VIII do
Estatuto estão incluídas as revelações ou divulgações de atos internos e rotineiros ou de
diretrizes da repartição, os quais, embora não devam ser revelados ou divulgados, na hipótese
de sê-los, e mesmo que tenha sido intencionalmente, não provocam e não dependem de má-fé
a justificar sua disponibilização, visto não serem dados nem associados a garantias individuais
fundamentais nem possuírem forte valor estratégico. Além da questão da rotina de trabalho, a
norma também visa a preservar os assuntos que, verbal ou documentalmente, se abordam na
repartição, impedindo que imotivadamente o servidor os revele ou divulgue a estranhos,
independentemente de tais assuntos não estarem formalizados em documentos gravados com
cláusula de sigilo (esta hipótese mais grave é prevista do art. 132, IX do Estatuto).
Avançando neste aspecto material, de acordo com o que já foi aduzido em 4.4.12.1, a
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11, e o Manual do Sigilo Fiscal da Secretaria da Receita
Federal do Brasil diferenciaram o que são dados especificamente protegidos por sigilo fiscal e
o que são dados sujeitos ao dever funcional de sigilo. Enquanto os primeiros são aqueles
obtidos em razão do ofício e que revelem a riqueza de forma mais geral de sujeito passivo e
de terceiros ou que revelem suas atividades negociais, os segundos englobam os meros dados
cadastrais de identificação de contribuintes, incluindo a participação societária, e da
regularidade de sua situação fiscal, e as informações econômico-fiscais agregadas.
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações
sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de
arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros, tais como:
I - as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e
movimentação financeira ou patrimonial;
II - as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes
e volumes ou valores de compra e venda;
III - as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de
produção.
§ 1º Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:
I - cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que permitam sua identificação e
individualização, tais como nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação e
composição societária;
II - cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito passivo, desde que não revelem
valores de débitos ou créditos;
III - agregadas, que não identifiquem o sujeito passivo; e
IV - previstas no § 3º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 1966.
§ 2º A divulgação das informações referidas no § 1º caracteriza descumprimento do dever
de sigilo funcional previsto no art. 116, inciso VIII, da Lei nº 8.112, de 1990.
Art. 3º No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o acesso a informações de
que trata esta Portaria restringir-se-á aos usuários que possuam senha, chave de acesso,
certificação digital ou qualquer outro mecanismo de segurança que lhe tenha sido
regularmente concedido, nos termos de portaria específica de sistemas e perfis, que
autorize o seu acesso às bases de dados informatizadas.
Portaria RFB nº 3.541, de 07/10/11 - Art. 1º Fica aprovado o Manual do Sigilo Fiscal da
Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 2º O Manual estará disponível na intranet da RFB.
Art. 3º Os servidores da RFB, no desempenho de suas atribuições, deverão observar as
orientações contantes do Manual.
Parágrafo único. São inaplicáveis, no âmbito da RFB, eventuais interpretações que sejam
contrárias ou incompatíveis com as do Manual.
838
Instrução Normativa SRF nº 19, de 17/02/98 - Art. 1º Esta Instrução Normativa disciplina
os procedimentos de fornecimento de dados cadastrais e econômico-fiscais da Secretaria
da Receita Federal - SRF, a outras entidades.
Art. 2º O atendimento a solicitações de fornecimento de dados cadastrais da SRF,
efetuadas por outras entidades, será executado pela Coordenação-Geral de Tecnologia e
de Sistemas de Informação - COTEC, ou por suas projeções regionais ou locais.
§ 1º O fornecimento de dados fica limitado àqueles constantes de cadastro de domínio
público e que não informem a situação econômica ou financeira dos contribuintes.
§ 2º Consideram-se de domínio público os dados das pessoas físicas ou jurídicas, que, por
força de lei, devam ser submetidos a registro público.
Art. 3º O fornecimento de dados será condicionado sempre à celebração de convênio entre
a SRF e a entidade solicitante, observado modelo aprovado por ato específico.
Art. 10. O disposto nesta Instrução Normativa se aplica, também, ao fornecimento de
dados econômico-fiscais, que devem ser apresentados de forma agregada, vedada a
possibilidade de identificação de contribuintes.
Instrução Normativa SRF nº 20, de 17/02/98 - Art. 1º Esta Instrução Normativa disciplina
os procedimentos de fornecimento de dados cadastrais e econômico-fiscais da Secretaria
da Receita Federal - SRF, a outros órgãos e entidades da Fazenda Pública da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 2º Para fins desta Instrução Normativa, consideram-se órgãos e entidades da Fazenda
Pública aqueles dotados de competência legal para cobrar e fiscalizar impostos, taxas e
contribuições instituídas pelo Poder Público.
Art. 3º O atendimento a solicitações de fornecimento de dados cadastrais e econômico-
fiscais da SRF, efetuadas pelos órgãos e entidades de que trata o art. 1º, será executado
pela Coordenação de Tecnologia e de Sistemas de Informação - COTEC, ou por suas
projeções regionais ou locais.
Art. 4º O fornecimento de dados será condicionado sempre à celebração de convênio entre
a SRF e o órgão ou a entidade solicitante, observado modelo aprovado por ato específico.
Encerrando esta contraposição, de outro lado, tem-se que o art. 132, IX da Lei nº
8.112, de 11/12/90, abarca a revelação ou a divulgação de dados obtidos tão-somente em
função do cargo, com destaque para dados sabidamente protegidos por cláusula de sigilo
(fiscal, bancário, telefônico, etc); ou seja, o maior grau de ofensividade e lesividade daquela
conduta é extraído do teor mais relevante e sigiloso do que foi revelado ou divulgado.
Por fim, a Lei nº 12.527, de 18/11/11, que regulamenta o direito de petição previsto no
art. 5°, XXXIII da CF, estabelece dispositivos materiais, definindo como ilicitudes puníveis,
no mínimo, com pena de suspensão, as condutas de o servidor utilizar indevidamente
informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em virtude
do cargo e de divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à
informação sigilosa ou pessoal. Este comando legal específico não possui o condão de revogar
o dispositivo estatutáro em apreço, mas sim tão-somente de qualificá-lo, prevendo a sobredita
pena de suspensão não para o vazamento de qualquer tipo de informação interna sigilosa, mas
sim especificamente para o vazamento de informação que tenha sido objeto de pedido formal
de acesso nos termos da Lei nº 12.527, de 18/11/11.
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam
responsabilidade do agente público ou militar:
II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou
ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha
acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou
função pública;
IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à
informação sigilosa ou informação pessoal;
§ 1o Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, as
condutas descritas no caput serão consideradas:
II - para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas alterações,
infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo
840
“(...) sabe-se que a moralidade protegida pelo Direito insere-se no campo da Ética
pública, diferenciando-se da ‘Ética privada’ (...). Por tal motivo, as normas jurídicas não
devem adentrar o campo privado dos comportamentos imorais (...). Se o administrador ou
agente público somente pode agir fundado em lei, a mera inobservância de um preceito
moral não poderia acarretar-lhe sanções.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo
Sancionador”, pgs. 292 e 295, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
de sua gravidade, podem ensejar enquadramentos mais gravosos). É necessário cautela com
este enquadramento, de forte subjetividade, já que o conceito de moral é mutante no tempo e
no espaço.
Este inciso impõe dois deveres independentes: o dever de assiduidade exige que o
servidor compareça regularmente todo dia útil ao serviço; e o dever de pontualidade refina a
exigência, impondo que não só ele compareça diariamente ao serviço, mas que chegue na hora
certa de entrada e somente saia na hora certa de saída.
É necessário interpretar, além da literalidade, que o servidor pode incorrer neste ilícito
tanto com a quebra de apenas um dos deveres quanto dos dois cumulativamente. Do contrário,
caso se impusesse interpretação cumulativa para a conjunção “e”, far-se-ia necessário
conceber que a Lei autorizaria o desrespeito à pontualidade, desde que o servidor
comparecesse diariamente ao serviço, e o desrespeito à assiduidade, desde que, nos dias em
que comparecesse, o fizesse de forma pontual. Óbvio que esta tese não se sustenta, de forma a
se interpretar, logicamente, aquela conjunção aditiva como alternativa - ou seja, o servidor
tem o dever de ser assíduo e também tem o dever de ser pontual.
O art. 19 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, estabelece, como regra geral para os servidores
efetivos, o limite máximo de quarenta horas semanais e de seis a oito horas diárias para a
jornada de trabalho na Administração federal. Aos servidores ocupantes de cargo em
comissão, o § 1º do mesmo artigo impõe ainda o regime de dedicação integral, com
possibilidade de ser convocado sempre que houver interesse da Administração (destaque-se
que a norma é específica neste sentido, não estendendo o compromisso ao servidor sem cargo
em comissão).
Adiante, o art. 44 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, exige que a chefia imediata desconte
dia de falta ou horas de atraso ou de saída antecipada sem justificativa por parte do servidor.
Mas, se diante de algum destes incidentes, o servidor se justifica, cabe exclusivamente à
chefia imediata avaliar a justificativa. Se a chefia não acatar a justificativa trazida, ato
contínuo, ela deve determinar o corte do ponto; se ela entender que houve caso fortuito ou
força maior, pode, a seu exclusivo critério, conceder que o servidor compense as horas, até o
mês subsequente, sem corte de ponto.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em
razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do
trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis
horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17/12/91)
§ 1º O ocupante de cargo em comissão ou confiança submete-se a regime de integral
dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre
que houver interesse da Administração. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Art. 44. O servidor perderá:
I - a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado; (Redação dada
pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
II - a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas,
843
ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de
compensação de horário, até o mês subsequente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela
chefia imediata (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior
poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como
efetivo exercício. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Dito isto, dois pontos se destacam. O primeiro é que a possível repercussão pecuniária,
decorrente do desconto das horas ausentes (quando o servidor não apresenta justificativa ou
quando a apresenta, mas não convence a chefia), não afasta a também eventual repercussão
disciplinar, pois são reflexos independentes de uma mesma conduta. O segundo ponto que se
destaca é que não é dado à chefia o poder de alterar a jornada semanal de seu subordinado,
dispensando-o do cumprimento de sua carga horária e tampouco cabe ao servidor a
discricionariedade de optar pela ausência para posteriormente, a seu critério, compensar.
Art. 5º
§ 2º O intervalo para refeição não poderá ser inferior a uma hora nem superior a três
horas.
Art.6º
§ 4º Os servidores, cujas atividades sejam executadas fora da sede do órgão ou entidade
em que tenha exercício e em condições materiais que impeçam o registro diário de ponto,
preencherão boletim semanal em que se comprove a respectiva assiduidade e efetiva
prestação de serviço.
Art. 7º Eventuais atrasos ou saídas antecipadas decorrentes de interesse de serviço
poderão ser abonados pela chefia imediata.
A leitura atenta deste enquadramento, cuja ação é o verbo “ser”, permite interpretar
sua aplicação, a priori, para condutas com certo aspecto de habitualidade, não parecendo
razoável aplicá-lo para um ato isolado e eventual de inassiduidade ou de impontualidade.
obstante, atente-se para que as chegadas em atraso ou saídas antecipadas também podem ser
enquadradas no art. 117, I da mesma Lei (ausentar-se do serviço durante o expediente, sem
prévia autorização do chefe imediato, conforme se definirá em 4.7.3.1), em que o parâmetro
em análise é a autorização, contemplando um efeito mais pontual, de um único ato ter sido
desrespeitoso à hierarquia e à continuidade dos trabalhos.
Mas, em todos estes casos, de enquadramento no art. 116, X e no art. 117, I da Lei nº
8.112, de 11/12/90, muito fronteiriços com aspectos de gerência administrativa de pessoal
(que, em primeiro momento, nem sempre se confundem com repercussão disciplinar), não se
deve afastar de aspectos de razoabilidade e bom senso, para não vulgarizar o instrumento do
processo administrativo disciplinar. Se, por um lado, é difícil definir uma quantificação para
estes enquadramentos, por outro, é certo que, muito teoricamente, em tese, poderia se cogitar
de responsabilização até por ato único, dependendo do grau de prejuízo trazido, do
desrespeito à hierarquia, etc.
“(...) Não se pode exigir de indivíduos humildes, de poucas luzes e de deficiente educação,
tratamento revestido de polidez. Se não conseguem agir com urbanidade, não é
normalmente por culpa sua, e sim de sua formação deficiente e inadequada. Outras
pessoas têm muitas luzes, mas são grosseiras, mal-educadas e desrespeitadoras; estas não
têm desculpa para tal procedimento, e se se conduzem dessa maneira vulneram o dever de
urbanidade.” José dos Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pg. 82,
Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2005
A falta de urbanidade tanto pode decorrer, como mais comumente, de ofensa verbal ou
gestual, mas também pode se configurar em manifestação por escrito, da lavra do servidor. O
emprego de referências contaminadas por quaisquer dos adjetivos enumerados acima ou de
desrespeito à subordinação e à disciplina, em documentos oficiais, tais como ofícios,
memorandos, pareceres, despachos, arrazoados, contra-arrazoados, petições, requerimentos,
quebrando o dever de respeito à hierarquia, aos demais servidores ou a particulares, pode
configurar este ilícito. Obviamente, não se veda a livre manifestação de entendimento ou de
convicção, ainda que crítica ou discordante, desde que comedida em parâmetros de respeito.
Incorre neste ilícito o servidor que, uma vez ofendido por outro servidor,
administrador ou contribuinte, revida, mesmo que sem exagero, a ofensa verbal recebida. Os
princípios que regem a atividade pública e que se refletem em maior grau de exigência sobre a
conduta do servidor em comparação à conduta do particular prevalecem sobre as reconhecidas
reações e falibilidades humanas, quando o agente investe-se da condição de servidor.
Por fim, neste inciso, em que pese a legalidade que vincula toda atividade pública, os
agentes intervenientes devem cuidar para não banalizar a instância disciplinar administrativa
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(que, em síntese, pode ter efeito punitivo) com questiúnculas e diferenças pessoais.
Este dever já foi abordado em 2.1 e 2.3, a cujas leituras se remete. Repete-se que não
se cogita de letra morta em norma. Daí, não se pode considerar este inciso redundante em
relação ao inciso VI, linhas acima (“levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do
cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento
desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração”, ou seja, o dever de
o servidor representar contra qualquer servidor, mesmo que de outra via hierárquica ou até de
outro órgão, por toda forma de irregularidade). O presente inciso é uma espécie daquele.
“Tanto o excesso de poder como o desvio de poder podem configurar crime de abuso de
autoridade, quando o agente público incidir numa das infrações previstas na Lei nº 4.898,
de 9-12-65, alterada pela Lei nº 6.657, de 5-6-79, hipótese em que ficará sujeito à
responsabilidade administrativa e à penal, podendo ainda responder civilmente, se de seu
ato resultarem danos patrimoniais.”, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Direito
Administrativo”, pg. 228, Editora Atlas, 19ª edição, 2006
Na forma como oficialmente publicado, o parágrafo único do art. 116 da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, impropriamente assegura a ampla defesa ao “representando”; subentende-se que
o correto seria ao “representado”.
Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos
seguintes casos: (Incluído pela Lei nº 11.784, de 22/09/08)
I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a
União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade
cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e (Incluído pela Lei nº
11.784, de 22/09/08)
II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei,
observada a legislação sobre conflito de interesses. (Incluído pela Lei nº 11.784, de
22/09/08)
Destaque-se que o dispositivo não mede nem a relevância e nem a urgência do motivo
imprevisto que leva o servidor a se ausentar; daí, tais circunstâncias, mesmo se existentes, a
rigor, em tese, não afastam o enquadramento. A Lei exige que, em qualquer caso, o servidor
comunique a seu chefe imediato a necessidade de se retirar de seu local de trabalho, seja por
saída antecipada, seja por chegada em atraso, sem prejuízo da posterior compensação de
horário. Por bom senso, é aceitável que qualquer indivíduo, nos dias atuais, em vida urbana,
tenha eventual necessidade, imprevista, de se ausentar. Não é este tipo de evento que a Lei
visa a proibir; a tutela que se quer é de respeito à hierarquia e ao bom funcionamento da
máquina pública, mediante o aviso ao superior, a fim de que este, se, a seu exclusivo critério,
entender pertinente o motivo e autorizar a saída, uma vez avisado, tenha como propiciar
alternativa à continuidade do serviço.
Para que se cogite de enquadrar no presente art. 117, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90, o
servidor que se ausenta desautorizadamente, mas assina o ponto com oito horas trabalhadas, é
necessário que haja no autos outras provas que superem a folha de ponto ideologicamente
falsa. Obviamente, se restar como única prova a folha de ponto integralmente preenchida pelo
servidor e assinada pela chefia, a responsabilização não se sustentará.
Mas, em todos estes casos, de enquadramento no art. 116, X e no art. 117, I da Lei nº
8.112, de 11/12/90, muito fronteiriços com aspectos de gerência administrativa de pessoal
(que, em primeiro momento, nem sempre se confundem com repercussão disciplinar), não se
deve afastar de aspectos de razoabilidade e bom senso, para não vulgarizar o instrumento do
processo administrativo disciplinar. Se, por um lado, é difícil definir uma quantificação para
estes enquadramentos, por outro, é certo que, muito teoricamente, em tese, poderia se cogitar
de responsabilização até por ato único, dependendo do grau de prejuízo trazido, do
desrespeito à hierarquia, etc.
O inciso cuida de zelar pela manutenção do acesso dentro da própria repartição, para
uso ou consulta, por parte de todo o quadro funcional e até de particulares ilegalmente
interessados, a bens (no sentido mais geral do termo, que inclui processos administrativos lato
sensu) de interesse do serviço e de evitar acesso, fora da repartição, de terceiros estranhos ao
serviço a tais bens. Consequentemente, o presente enquadramento também veda o uso
indevido e o desvio de finalidade dos materiais públicos, disponibilizados ao servidor não
para uso pessoal ou particular, mas tão-somente para cumprir suas atribuições legais.
A norma elenca como elemento que afasta a imputação apenas o conhecimento dado à
autoridade (hierarquicamente superior ou que detém a responsabilidade ou a carga do
documento ou objeto). Ou seja, a princípio, o animus subjetivo com que o servidor retira
documento ou objeto da repartição não foi apreciado pelo legislador ao impor esta proibição.
A rigor, ainda que o servidor retire, por exemplo, documentos ou processo para trabalhar em
casa e os restitua, se o faz sem anuência, em que pese a boa intenção, em tese, configura o
ilícito em questão. É, portanto, enquadramento a ser visto com extremo bom senso e critério
razoável.
Em qualquer caso, a prévia comunicação à autoridade e sua anuência (ainda que tácita,
como pode-se presumir em determinados casos específicos) afastam o caráter ilícito da
retirada. Mas, por outro lado, este consentimento da autoridade somente legitima a retirada
que seja de interesse do serviço; sendo a retirada motivada por interesses meramente pessoais,
incorrem em irregularidade (outro enquadramento, não este em tela) não só o servidor mas
também o superior que sabidamente autorizou.
Lei nº 9.250, de 26/12/95 - Art. 38. Os processos fiscais relativos a tributos e contribuições
federais e a penalidades isoladas e as declarações não poderão sair dos órgãos da
Secretaria da Receita Federal, salvo quando se tratar de:
I - encaminhamento de recursos à instância superior;
II - restituições de autos aos órgãos de origem;
852
Ademais, o inciso em tela do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, somente se aplica
quando a retirada se dá com intuito de posterior restituição. Se o servidor age com intenção de
não devolver, o enquadramento pode ser no art. 132, X do Estatuto (dilapidação do
patrimônio público); e se a intenção for destruir documento com o fim de favorecer o
particular, já se pode cogitar de valimento de cargo ou até de ato de improbidade (art. 117, IX
ou art. 132, IV, da Lei nº 8.112, de 11/12/90).
Em sua primeira parte, o inciso veda a imposição, por parte do servidor, de exigências
incabíveis ou inatendíveis, bem como a criação de embaraços e obstáculos injustificáveis e a
negação imotivada que prejudiquem a regular tramitação de documentos ou de processos.
Obviamente, a provocação que chega ao servidor e que é objeto de sua inação ou postergação
tanto pode ser proveniente de ordem de chefia superior quanto pode ser proveniente de
petição de particular.
Em sua segunda parte, o inciso veda as mesmas posturas por parte do servidor diante
da determinação de superior hierárquico ou do vinculado exercício das atribuições legais de
seu cargo diante de provocações recebidas de particular para que execute determinada tarefa.
Neste rumo, os fatos que perturbam o ambiente, mais do que elogios ou críticas, são
posturas de coação, constrangimento ou aliciamento de qualquer espécie.
4.7.3.6 - Inciso VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em
lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado
Inciso de aplicação imediata, visto que o cargo, exclusivamente ocupado pelo servidor,
é intransferível, assim como também é instranferível o exercício de suas atribuições legais.
Não se permite que servidor atribua, delegue ou transfira, para terceiros, sua responsabilidade
ou a de seu subordinado.
Óbvio que não incorre nesta irregularidade o servidor que, em situações de desacato ou
embaraço a suas atribuições, socorre-se de auxílio de terceiros.
Destaque-se que, como o enquadramento tem como ações verbais “coagir ou aliciar”,
o que se presume certo grau de pressão sob o subordinado, o mero convite à filiação não é
considerado coação.
4.7.3.8 - Inciso VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança,
cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil
quanto por pessoas sem nenhum outro vínculo com a Administração, mas que também passam
a ser consideradas servidores de provimento em comissão, na acepção dos arts. 3º e 9º da Lei
nº 8.112, de 11/12/90.
No silêncio da Lei, interpreta-se que a vedação se estende a parentes até 2º grau, tanto
em linha reta quanto colateral, nos termos dos arts. 1.591 a 1.595 do CC. Acrescente-se, ainda
da lei civil, que o parentesco resultante da adoção limita-se ao adotante e ao adotado, de forma
que os parentes até 2º grau de ambos não estão alcançados pelo impedimento em tela.
A vedação legal em tela limita-se à autoridade manter sob sua direta subordinação o
seu cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau em cargo em comissão ou em função de
confiança. Como conseqüência da necessária hierarquia direta, na regra geral voltada para a
imensa maioria dos agentes públicos (de que se excluem hipóteses especiais, como, por
exemplo, de relação familiar entre Ministro de Estado e dirigentes máximos de órgãos da
Administração direta ou de entidades da Administração indireta que lhe sejam diretamente
subordinados), a aplicação do presente enquadramento restringe-se a servidores lotados em
mesmo órgão ou entidade, não havendo que se cogitar de afronta ao comando estatutário se
cônjuges, companheiros ou parentes até 2º grau ocupam cargos em comissão ou funções de
confiança em órgãos ou entidades distintas da autoridade superior.
Com isto, ainda que no âmbito restrito de um mesmo órgão ou de uma mesma
entidade, não há impedimento legal, no alcance limitado do enquadramento em tela, para que
o servidor, a qualquer tempo (desde a nomeação ou ao longo da vida funcional), exerça seu
cargo efetivo, sem cargo em comissão ou função de confiança, diretamente subordinado a seu
cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau. Tampouco configura a vedação em comento o
fato de o servidor, a qualquer tempo (desde a nomeação ou ao longo da vida funcional),
trabalhar junto a seu cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau, não havendo relação de
chefia entre eles, tanto pelo fato de nenhum dos dois ocupar cargos em comissão ou funções
de confiança ou até mesmo pelas hipóteses de ambos ocuparem cargos em comissão ou
função de confiança de mesma hierarquia ou com hierarquia não direta ou ainda sem nenhuma
ligação hierárquica.
Portanto, a título figurado, na acepção estrita do inciso VIII do art. 117 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, no contexto específico da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pode
um servidor exercer seu cargo efetivo, sem nenhum provimento em comissão ou de confiança,
em direta subordinação ao Chefe da Divisão, da Seção, do Serviço ou do Setor que é seu
cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau; mas já não pode este mesmo servidor ser o
Chefe da Divisão, da Seção, do Serviço ou do Setor que se subordina diretamente ao
Delegado, Inspetor-Chefe ou Superintendente que é seu cônjuge, companheiro ou parente até
2º grau. Por outro lado, não afronta este enquadramento estatutário específico o fato de um
servidor exercer, na mesma Divisão, Seção, Serviço ou Setor, seu cargo efetivo ao lado do seu
cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau, como simples colegas de trabalho, sem que
ambos possuam qualquer provimento em comissão ou de confiança. Tampouco há ilegalidade
em ambos terem provimentos em comissão de Chefes de distintas Divisões, Seções, Serviços
ou Setores de uma mesma Delegacia ou Inspetoria ou Superintendência Regional ou ainda em
ambos serem Delegados ou Inspetores-Chefes de diferentes unidades no âmbito de uma
mesma Superintendência Regional. E menos ainda haveria de se cogitar de afronta ao presente
enquadramento na hipótese de um servidor ser Chefe de Divisão, de Seção, de Serviço ou de
Setor ou ser Delegado ou Inspetor-Chefe e seu cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau
possuir qualquer provimento em comissão ou de confiança em outra unidade da mesma
Região Fiscal ou em unidade de outra Região Fiscal ou em unidade do sistema correcional ou
do sistema de pesquisa de investigação, em hipóteses em que nem sequer se cogita de relação
hierárquica entre eles. Por fim, nem há que se mencionar este enquadramento na hipótese de
um servidor ter provimento em comissão ou de confiança na Secretaria da Receita Federal do
Brasil e seu cônjuge, companheiro ou parente até 2º grau também o ter em outro órgão ou
857
entidade.
Neste rumo, o Supremo Tribunal Federal emitiu a sua Súmula Vinculante nº 13, cujo
texto estende o espectro da crítica, considerando como inconstitucional a nomeação ou
designação de cônjuge, companheiro ou parente até 3º grau não só da própria autoridade
nomeante mas até mesmo de qualquer servidor investido em cargo em comissão, para exercer
cargo em comissão ou função de confiança, no âmbito da mesma pessoa jurídica, em qualquer
dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.
A priori, este comando do art. 3º do Decreto 7.203, de 04/06/10, ao não expressar que
se dirige apenas a pessoas sem nenhum vínculo com a Administração e ao incluir a vedação
de designação para exercer função de confiança (que, constitucionalmente, somente pode ser
exercida por servidores detentores de cargos efetivos), assume uma imensa abrangência
859
Decreto nº 7.203, de 04/06/10 - Art. 3º No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são
vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado,
familiar da máxima autoridade administrativa correspondente ou, ainda, familiar de
ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou
assessoramento, para:
I - cargo em comissão ou função de confiança;
II - atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a
contratação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e
III - estágio, salvo se a contratação for precedida de processo seletivo que assegure o
princípio da isonomia entre os concorrentes.
§ 1º Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias
caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante
nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração
pública federal.
§ 2º As vedações deste artigo estendem-se aos familiares do Presidente e do Vice-
Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal.
§ 3º É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da
administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com
poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que
atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele
hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.
Decreto nº 7.203, de 04/06/10 - Art. 4º Não se incluem nas vedações deste Decreto as
nomeações, designações ou contratações:
I - de servidores federais ocupantes de cargo de provimento efetivo, bem como de
empregados federais permanentes, inclusive aposentados, observada a compatibilidade do
grau de escolaridade do cargo ou emprego de origem, ou a compatibilidade da atividade
que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão ou função
comissionada a ocupar, além da qualificação profissional do servidor ou empregado;
II - de pessoa, ainda que sem vinculação funcional com a administração pública, para a
ocupação de cargo em comissão de nível hierárquico mais alto que o do agente público
referido no art. 3º;
III - realizadas anteriormente ao início do vínculo familiar entre o agente público e o
nomeado, designado ou contratado, desde que não se caracterize ajuste prévio para burlar
a vedação do nepotismo; ou
IV - de pessoa já em exercício no mesmo órgão ou entidade antes do início do vínculo
familiar com o agente público, para cargo, função ou emprego de nível hierárquico igual
ou mais baixo que o anteriormente ocupado.
Parágrafo único. Em qualquer caso, é vedada a manutenção de familiar ocupante de cargo
em comissão ou função de confiança sob subordinação direta do agente público.
Importante reiterar que, enquanto a proibição do art. 117, VIII da Lei nº 8.112, de
11/12/90, dirige-se a qualquer autoridade que mantenha o familiar sob sua direta e pessoal
subordinação e não necessariamente se aplica à autoridade com competência para promover o
provimento vedado (já que não necessariamente estas autoridades se confundem), o art. 3º do
Decreto nº 7.203, de 04/06/10, proíbe a nomeação, designação ou contratação de familiares de
autoridades diversas dentro de um mesmo Ministério, dirigindo-se, portanto, exclusivamente à
autoridade com competência para promover o provimento vedado. Nesta linha, o art. 5º do
mencionado Decreto impõe o controle da prática do nepotismo aos titulares dos órgãos ou
entidades, exonerando e dispensando agentes públicos em situação vedada ou requerendo tal
providência da autoridade superior competente para tal.
Decreto nº 7.203, de 04/06/10 - Art. 5º Cabe aos titulares dos órgãos e entidades da
administração pública federal exonerar ou dispensar agente público em situação de
nepotismo, de que tenham conhecimento, ou requerer igual providência à autoridade
encarregada de nomear, designar ou contratar, sob pena de responsabilidade.
Parágrafo único. Cabe à Controladoria-Geral da União notificar os casos de nepotismo de
que tomar conhecimento às autoridades competentes, sem prejuízo da responsabilidade
permanente delas de zelar pelo cumprimento deste Decreto, assim como de apurar
situações irregulares, de que tenham conhecimento, nos órgãos e entidades
correspondentes.
Releva aduzir e sintetizar que, no atual estágio do ordenamento, o tema em tela pode
se traduzir em duas diferentes possibilidades de repercussão para um servidor federal
estatutário investido da condição de autoridade por ser ocupante de cargo em comissão ou de
função em confiança. Na primeira, mais específica, se mantiver sob sua subordinação direta e
imediata, sem degraus intermediários de hierarquia, seu cônjuge, companheiro ou parente até
2º grau, infringe a proibição estatuída no art. 117, VIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e pode
ser apenado no mínimo com advertência por este enquadramento. Na segunda, se incorrer em
qualquer outra vedação estabelecida no art. 3º do Decreto nº 7.203, de 04/06/10, sem as
excludentes que o art. 4º do mesmo Decreto permite, incorre em responsabilização disciplinar
861
por inobservar a norma regulamentar, enquadrável no art. 116, III da Lei nº 8.112, de
11/12/90, e também pode ser apenado no mínimo com advertência por este enquadramento.
Se, por um lado, para o pleno desempenho das atribuições legais do seu cargo, o
agente público é investido de poderes e prerrogativas, por outro lado, em razão da função de
interesse público que executa, sobre ele imperam comprometimentos especialíssimos de
conduta, não só de ordem legal mas também moral (atente-se que esta função sempre é
voltada ao interesse público, tais como controle, arrecadação, gestão, planejamento, polícia,
862
judicatura, assistência social, dentre tantas). Tem-se, então a configuração do ilícito em tela
(aqui sinteticamente substantivado como valimento de cargo) quando justamente este agente
público, em lugar de exercer a tutela para a qual foi investido no cargo público e que
exatamente é o que dele a sociedade espera e requer, ele, de forma intencional, consciente,
dolosa, privilegia o interesse particular e se utiliza das prerrogativas de seu cargo ou até
mesmo de sua condição de servidor em benefício próprio ou de outra pessoa, em detrimento
do interesse público tutelado.
Parecer PGFN/PGA nº 1.027/2004: “27. No que diz respeito à letra “e” do item 8, supra
(enquadramento no inciso IX do art. 117 da lei de regência), o que restou comprovado nos
autos é que o servidor confeccionou o ofício e falsificou a assinatura de seu chefe imediato
para obter benefício indevido, o que já configura a imputação do valimento ilícito do cargo
público.
28. É lógico que tal conduta só foi possível porque aproveitou-se de sua condição de
servidor em exercício na repartição, seja por utilizar os recursos/equipamentos à sua
disposição, seja por falsificar documento público para obter vantagem que sabia não ter
direito.”
“A conduta praticada pelo infrator tanto pode ser inerente às suas atribuições legais,
863
caracterizando desvio de função, quanto o servidor pode se valer da sua posição de agente
público e, simulando deter competência, praticar ato contrário ao interesse público.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg.
290, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual
PAD.pdf, acesso em 07/08/13
Orientação Coger nº 51
O ilícito disciplinar de valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem requer
a comprovação nos autos, ao menos indiciária, de que o agente moveu-se por dolo
específico, não se coadunando com condutas marcadas por dolo genérico ou por dolo
indireto eventual ou alternativo.
Além do emprego indevido das atribuições legais específicas do cargo que ocupa, o
presente enquadramento pode abarcar tanto aqueles atos simples, corriqueiros e cotidianos (o
que não impede que sejam dolosos e graves) ao alcance de qualquer servidor e que, por serem
inerentes de forma indistinta a todo o quadro funcional do órgão, sequer se enumeram nas
atribuições legais dos cargos, quanto também alcança atos especificamente produzidos por um
servidor em desvio de função (quando um servidor comete ato das atribuições legais de outro
cargo diferente do seu, seja de maior ou de menor grau de complexidade ou de
responsabilidade, e também independentemente de este desvio decorrer de mero arbítrio seu
para perpetrar o ilícito ou de ser do conhecimento de sua chefia), conforme já se abordou em
3.1, ao se defender a aplicação do art. 148, da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, em consequência,
do processo administrativo disciplinar para atos cometidos sob esta espécie de desvio.
CF - Art. 37.
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de
competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma
da lei;
Regulamento Aduaneiro - Art. 17. Nas áreas de portos, aeroportos, pontos de fronteira e
recintos alfandegados, bem assim em outras áreas nas quais se autorize carga e descarga
de mercadorias, ou embarque e desembarque de passageiros, procedentes do exterior ou a
ele destinados, a administração aduaneira tem precedência sobre as demais que ali
exerçam suas atribuições.
864
Tanto pode o servidor agir de forma a propiciar, com o exercício indigno de seu cargo,
direto benefício próprio, como pode usar de seu cargo para propiciar benefício a outrem, em
que se poderia presumir (a contrapartida não é pré-requisito para a configuração) o benefício
pessoal indireto. Neste segundo caso, para a configuração deste ilícito, basta que se comprove
a concessão dolosa de proveito ao particular, por parte do servidor, sendo desnecessário
comprovar o proveito pessoal ou a mera intenção de se aproveitar. Acrescente-se ainda que o
proveito, pessoal ou de outrem, pode ser de qualquer natureza, não necessariamente financeiro
ou material.
Assim, se por um lado nem sempre se revela tarefa fácil para a comissão conseguir
lograr a comprovação do proveito do servidor, por vezes não é muito difícil comprovar que o
outro obteve proveito indevido, na forma de um deferimento, concessão, etc.
“Trata-se de transgressão de índole formal, o que significa que ela se configura mesmo
quando o insinuado ou exigido proveito pessoal ilícito não chegue a se concretizar.” José
Armando da Costa, “Direito Administrativo Disciplinar”, pg. 385, Editora Brasília
Jurídica, 1ª edição, 2004
Por fim, este enquadramento disciplinar também pode configurar simultaneamente ato
de improbidade administrativa, à vista de vários incisos dos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429,
de 02/06/92, como, por exemplo, destacadamente, o inciso VIII do art. 9º.
Todavia, ao tempo de sua edição, a própria Lei nº 8.112, de 11/12/90, não definiu o
que é “empresa”, “sociedade” e “comércio”, e originalmente remeteu a compreensão do seu
dispositivo ao regramento então vigente, qual seja, dos antigos Códigos Civil e Comercial
(dos quais se extraíam as definições para aqueles termos).
(da qualificação da condição de empresário, ora regulada de forma unificada pelo Direito de
Empresa, de instância civil). Assim, não mais vigoram aquela dicotomia entre as duas áreas
do Direito privado (entre as instâncias civil e comercial) e as conceituações de ato de
comércio e de comerciante, tendo sido harmonizados os respectivos institutos em uma única
codificação, o que se fará repercutir nas análises da participação empresarial tanto societária
quanto individual por parte do servidor.
Orientação Coger nº 24
A complementação do dispositivo incriminador estabelecido no art. 117, X, da Lei nº 8.112,
de 11 de dezembro, deve-se basear no regramento do atual Código Civil.
Destaque-se ainda que, embora a redação do art. 117, X da Lei nº 8112, de 11/12/90,
tenha sido alterada já após a inovação da lei civil (inclusive com o acréscimo de um parágrafo
único ao mencionado artigo), o legislador manteve a atecnia de sua redação original,
sobretudo na imprecisa sequência de seus elementos, conforme adiante se abordará.
Antes disto, para a devida compreensão do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
também se faz necessário dividi-lo em duas partes e assim buscar a sua exposição: a primeira,
que trata da proibição ao servidor de atuar em sociedade como gerente ou administrador; e,
posteriormente, a segunda, que trata da proibição do servidor individualmente exercer o
comércio. Para ambas as partes, em virtude da literalidade estatutária empregar conceitos da
lei civil, se fará necessário adentrar em dispositivos desta esfera normativa.
Para iniciar a análise da primeira parte do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
deve-se demarcar que aqui se trata de vedação estatutária apenas à atuação empresarial do
servidor em sociedade, não se cogitando, por ora, de sua atuação empresarial individual
(vedação que consta da segunda parte do dispositivo legal).
Não obstante, uma vez que a lei civil, diferentemente e de forma mais coerente que a
Lei nº 8.112, de 11/12/90, em primeiro lugar define a atuação empresarial individual para daí
estender o conceito para esta atividade em sociedade, aqui se fará necessário iniciar a pesquisa
no CC nos termos em que se define a atividade individual.
O empresário é definido na lei civil, como pessoa física, individualmente, como aquele
que exerce, de forma profissional e organizada, uma atividade econômica, sob sua iniciativa e
risco, voltada à produção ou à circulação de bens ou de serviços. Neste conceito legal, por
profissional se subentende a existência de habitualidade, reiteração ou permanência; por
organizada se subentende a existência de estrutura e de recursos operacionais e logísticos para
o manejo articulado de todos os fatores de produção (capital, mão-de-obra, insumos e
tecnologia); por econômica se subentende a busca do lucro a ser partilhado entre os
integrantes; por produção ou circulação de bens ou serviços se subentende qualquer atividade
exercida no mercado; e, com a conjugação destes quatro fatores, se afastam do conceito legal
aquelas atividades esporádicas ou de mero desfrute bem como atividades realizadas
pessoalmente pelo profissional autônomo. Doutrinariamente, daí se extrai o conceito abstrato
de empresa, não definido em lei, no sentido de exercício da atividade produtiva, organizado e
867
dinamizado pelo empresário. Por expressa vontade legal, exclui-se do conceito de empresário
quem exerce profissão intelectual (de natureza científica, literária ou artística), a menos que a
existente estrutura empresarial absorva a intelectualidade daquele ofício marcado por
pessoalidade, fazendo dela apenas um componente da produção.
Iniciando a interpretação da primeira parte do dispositivo legal, tem-se que a lei civil
define sociedade como o conjunto de pessoas que celebram um contrato, escrito ou verbal,
para o exercício de alguma atividade econômica (que, inclusive, pode ser, de acordo com seu
objeto social, de finalidade comercial ou mercantil de venda de produtos ou de serviços), em
que se obrigam a contribuir com bens ou serviços e a partilhar, entre si, dos resultados e
lucros. Da definição legal, se infere que a participação em sociedades envolve uma atividade
que não é exercida em nome do próprio agente individualmente falando, mas sim da pessoa
jurídica como um todo, da qual ele é apenas um dos sócios, e que busca o lucro e o ganho
econômico.
CC - Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito
privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de
06/04/05)
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a
que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu
funcionamento, pelas normas deste Código.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por
atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
868
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Neste rumo, destacadamente, vale reiterar - por ser fonte comum de incerteza e dúvida
- que, a contrario sensu da definição de sociedade, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não veda ao
servidor participar de associações e de fundações, uma vez que, respectivamente, a lei civil
define as primeiras como união de pessoas que se organizam para objetivos não econômicos e
delimita os objetivos das segundas a fins religiosos, morais, culturais ou assistenciais - ou
seja, em ambas as espécies, embora também pessoas jurídicas de direito privado,
diferentemente da sociedade, não se tem o fim econômico de buscar a partilha de lucros.
CC - Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para
fins não econômicos.
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou
testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e
declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais,
culturais ou de assistência.
CC - Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas
869
jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação
de sua inscrição no registro.
Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e
extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
Percebe-se então que, do estrito conceito legal de empresário do art. 966 do CC, como
a pessoa física que individualmente toma a iniciativa de exercer atividade empresária
(configurando-se em empresário individual), advém o conceito de sociedade empresária para
a pessoa jurídica que exerce profissionalmente a atividade econômica e organizada que
também se amolda ao conceito de atividade empresária, em contraponto à sociedade simples,
que, embora também pratique atividade econômica na busca do lucro, não o faz de forma
organizada (já que nem toda atividade econômica é empresarial).
870
CC - Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados
nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um
desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.
Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de
participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o
exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado
tipo.
• define, em regra, como sociedades em comum (arts. 986 a 990 do CC, também
conhecidas como sociedades de fato ou sociedades irregulares) as sociedades que,
apesar de não possuírem registro, exploram qualquer atividade econômica;
• e denomina especificamente de sociedades em conta de participação (arts. 991 a 996 do
CC, também conhecidas como sociedades ocultas ou em confiança) aquelas em que
871
Portanto, indistintamente das peculiaridades das definições da lei civil, todos os tipos
de sociedades acima listados, personificados ou não, e empresária ou não, estão alcançados
pelo mandamento da primeira parte do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (com exceção
das sociedades simples de cooperativas, conforme adiante se aduzirá, à luz do inciso I do
parágrafo único deste dispositivo legal).
Orientação Coger nº 25
A interpretação da vedação de o servidor participar de gerência ou administração de
sociedade privada deve ser feita à luz do art. 981 do Código Civil, abrangendo todas as
sociedades, empresárias ou simples, mas excluindo as associações e as fundações.
Definido então o que sejam sociedades, avançando na análise literal desta primeira
parte do mandamento restritivo, verifica-se que o dispositivo legal não veda qualquer
participação societária do servidor, mas sim apenas nas condições de gerente ou de
administrador. Assim, faz-se necessário definir e diferenciar os termos legais “gerência” e
“administração”. O administrador pode ser um sócio ou não e figura como um órgão da
sociedade, nomeado no contrato social ou no estatuto social em outro ato, com amplos
poderes administrativos, para acompanhar e supervisionar a execução dos serviços e negócios,
responsabilizando-se pelo próprio destino da sociedade. O gerente não é um órgão da
sociedade, mas sim apenas um empregado, contratado pelos sócios ou pelo administrador,
com competências de direção, de comando e de controle sobre todos os bens e empregados da
sociedade, de compra de insumos, de contratação e de dispensa de empregados e de assinatura
de contratos.
Daí se verifica que o texto legal centra a vedação ao servidor na ocupação de posição
de mando, seja como sócio, seja como contratado, para a realização de atos de administração,
de gestão, de controle e de gerência, em qualquer tipo de sociedade acima descrito, tanto no
que diz respeito a seus bens materiais ou mão-de-obra, quanto a seus serviços,
independentemente de seu aspecto formal de estar inscrita em registro ou não (personificada
empresária ou simples - e independentemente da forma constitutiva -, não personificada em
comum ou em conta de participação). Ainda em razão da leitura direta do mandamento legal,
que não prevê exceções, a vedação das atuações como administrador ou gerente se aplica de
forma absoluta, independentemente do objeto social da sociedade (tenha ela fim comercial ou
não); em outras palavras, prevalecem vedadas aquelas posições de mando mesmo se a
sociedade atua em área totalmente diversa e sem qualquer relação, sequer indireta, com o
múnus público do servidor.
Todavia, encerrando a análise literal da primeira parte do art. 117, X da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, verifica-se que não há impedimento ao servidor para participação em sociedades
(inclusive de fins comerciais) em que a lei civil e/ou o contrato social ou o estatuto social
confere(m) ao sócio poderes, direitos e responsabilidades limitados, como é o caso, por
exemplo, da qualidade de sócios “acionista, cotista ou comanditário”, pois, nestes casos, os
rumos do negócio não dependem diretamente de decisões a cargo deste sócio servidor (por
óbvio, em função do emprego de tais termos, aqui somente se cogita de sociedades
personificadas empresariais ou personificadas simples que tenham adotado alguma forma
constitutiva empresarial).
Da lei civil, define-se o acionista como aquele sócio que possui parcelas de uma
sociedade cujo capital social é dividido em ações (por exemplo, nas sociedades empresárias
anônima e comandita por ações), enquanto que o cotista é aquele sócio que possui parcelas de
capital (quotas) em sociedades assim constituídas (por exemplo, nas sociedades empresárias
em nome coletivo e limitada e, em geral, nas sociedades simples); e o comanditário é uma
espécie de sócio cotista (especificamente da sociedade empresária em comandita simples).
“As sociedades podem ser classificadas segundo vários critérios, tais como: (...) A
estrutura econômica: sociedades ‘de pessoas’, constituídas em função da qualidade
pessoal dos sócios (...), que são: as sociedades em nome coletivo, sociedades em comandita
simples (...), sociedades em conta de participação, sociedades limitadas, e sociedades ‘de
capitais’, constituídas tendo em atenção preponderantemente o capital social (sociedade
anônima e sociedade em comandita por ações).”, Rubens Requião, “Curso de Direito
Comercial”, 1º volume, pg. 374, Editora Saraiva, 26ª edição, 2006
Dito isto e iniciando-se a descrição dos tipos constitutivos de efetivo interesse prático
sob a ótica disciplinar, tem-se que a sociedade limitada, cujo capital social é dividido em
quotas, é a forma mais comum de se constituírem sociedades, sobretudo para investimentos de
pequeno ou de médio porte, pois os sócios (cotistas), após a total integralização dos capitais
que subscreveram em contrato, não têm seus patrimônios pessoais atingidos por dívidas da
sociedade. Esta sociedade, de acordo com seu contrato social, pode ter como administrador
um sócio ou alguém estranho ao quadro social, contratado para tal fim. A doutrina,
majoritariamente, entende que a sociedade limitada insere-se na classificação de sociedade de
pessoas (embora, em situações concretas, possa o contrato social adotar cláusulas que
mitiguem a intuitu persona). Acrescente-se ainda que, por força do art. 983 do CC, pode uma
sociedade simples (no sentido lato, não empresária) constituir-se não como tal, mas sim da
forma de uma sociedade limitada.
Aqui, importa mencionar que as ações das sociedades anônimas podem ser
preferenciais (títulos ligados mais fortemente à remuneração, como aplicação financeira, do
que a controle societário em favor do acionista e que, à vista da vantagem pecuniária de, em
geral, conceder a seu portador prioridade no recebimento da parte que lhe cabe da distribuição
de lucros, sob forma de dividendos, normalmente, não dão direito a voto) ou ordinárias
874
(títulos ligados mais fortemente ao controle societário do que à remuneração, como aplicação
financeira, em favor do acionista, que, à vista de assegurarem direito a voto, importam na
distribuição de lucros, em forma de dividendos, somente após o pagamento aos portadores das
ações preferenciais). Neste rumo, aproveita-se para informar também que as sociedades
anônimas dividem-se em de capital aberto e de capital fechado. As sociedades abertas,
mediante autorização da Comissão de Valores Mobiliários, podem negociar suas ações (em
geral, as ações preferenciais, mas também ações ordinárias), com oferta pública em mercado
aberto, tanto por meio de corretoras de valores em bolsa de valores quanto por instituições
financeiras no mercado de balcão, admitindo a pulverização da sua propriedade; já as
sociedades fechadas, comumente de origem familiar e com capital social menos pulverizado,
não contando com permissão daquela mencionada autarquia do Ministério da Fazenda para
lançamento de suas ações para subscrição pública, apenas podem negociá-las dentro da
própria sociedade ou para pessoas direta ou indiretamente ligadas aos acionistas, como forma
de manter restrita a sua propriedade.
Por fim, as sociedades simples, cujo capital social é dividido em quotas, aqui
conjugando tanto os sentidos lato e estrito do conceito, são aquelas que, ao mesmo tempo em
que o CC atribuiu a qualidade de poder significar um padrão comum e uma normatização
subsidiária para os demais tipos constituintes, também figuram, residualmente, como aquelas
que exploram atividades econômicas específicas de certa forma à margem da organização dos
fatores de produção que caracteriza a empresa (atividade econômica e produtiva que
concentradamente se manifesta nas sociedades limitada e anônima, esta última, sobretudo,
para investimentos de grande porte), podendo se dizer amoldadas para investimentos de
pequeno porte. Mesmo que, conforme autorizado na lei civil, uma sociedade simples (lato
sensu) adote o formato de um dos tipos de sociedades empresárias (com exceção da forma
societária anônima, por ser vedado), não deixará de ser simples por tal motivo, visto que o que
discerne tal questão é o objeto da sociedade (neste caso, permanece o arquivamento de seus
atos constitutivos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, embora obedecendo às normas do
Registro Público de Empresas Mercantis). Uma das vantagens de assim se proceder é que,
enquanto na forma constitutiva simples os sócios podem ter seu patrimônio alcançado em
caso de dívida da sociedade, adotando-se outra forma constitutiva, eles auferem a limitação de
sua responsabilidade.
Conforme já afirmado acima, é claro que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, por meio do
dispositivo em comento, não tem a intenção de proibir o direito de propriedade ao servidor. O
servidor pode buscar outras formas lícitas e compatíveis de auferir rendas ou rendimentos, tais
como investindo suas disponibilidades financeiras no mercado de capitais ou em
empreendimentos privados, podendo até figurar como sócio majoritário de uma sociedade
(inclusive de fim comercial), sem em princípio afrontar a norma; à vista especificamente deste
enquadramento, o que ele não pode, em termos de participação societária, é, pessoalmente,
praticar os atos de administração ou de gerência, pois, repisa-se, além de coibir os desvios de
comprometimento e de dedicação, a Lei quer evitar - antes mesmo da efetiva concretização e
já desde o mero risco potencial - que o servidor lance mão de seu cargo para, com a força de
suas prerrogativas, beneficiar ou carrear benefício para aquelas atividades privadas.
Em razão, então, do necessário acerto com que deve ser lido este dispositivo apenador
com demissão, é que, não obstante ter se apresentado a literalidade da primeira parte do art.
117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, afirma-se que o aplicador de qualquer norma, mais do
que se debruçar sobre seus detalhes literais, deve encará-la de forma global para tentar extrair
a sua inteligência sistemática. Neste rumo, deve se esclarecer que, independentemente de
nuances literais, passíveis de interpretação, o que este dispositivo legal quer tutelar, em
essência, além da questão de controle da prestação integral da jornada de trabalho e de
dedicação ao cargo, é sobretudo evitar conflito de interesses público e privado, ou seja, coibir
a possibilidade de a sociedade obter qualquer beneficiamento, vantagem ou diferenciação pelo
fato de que seu administrador ou gerente é um servidor, dotado de prerrogativas. Em outras
palavras, a principal inteligência da norma é evitar que, por ser servidor, o administrador ou
gerente de uma sociedade atue em seu próprio favor de forma inescrupulosa.
Pode-se também solicitar à respectiva Junta Comercial (ou extrair do devido sistema
interno porventura disponível por convênio) cópia do contrato social. Cabe também solicitar
às concessionárias de energia elétrica, água, esgoto e saneamento que informem quem é o
responsável da sociedade junto à prestadora do serviço e cujo nome figura nas contas mensais.
Também se demonstra relevante diligenciar e pesquisar em busca dos contratos de locação,
compra e venda, ou documento equivalente do imóvel em que a sociedade funciona. Cabe
solicitar à prefeitura e ao Fisco estadual a cópia da ficha cadastral, alvará ou documento
equivalente, do qual conste o nome do contador e do responsável pela sociedade junto àquelas
instâncias, e, ainda ao Fisco estadual, a identificação do responsável pela transmissão de
declarações fiscais e pela emissão de notas fiscais.
Orientação Coger nº 28
O enquadramento no art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, requer a
reiteração da conduta, não se consumando com atos pontuais ou eventuais, que, se
tomados isoladamente, não atingem o patamar de ilicitude, conforme a doutrina define
ilícito de natureza jurídica habitual.
“Por outro lado, caso o servidor público conste em contrato social de ente privado, como
sócio-gerente (administrador), mas na prática ele não exerce essa função de direção - não
assinando cheques ou praticando atos de gestão - não haverá subsunção da conduta do
servidor no respectivo ato disciplinar, em respeito ao princípio da primazia da realidade.”,
Mauro Roberto Gomes de Mattos, “Lei nº 8.112/90, Interpretada e Comentada, Regime
877
Jurídico dos Servidores Públicos da União”, pg. 699, Editora América, 4ª edição, 2008
Assim, uma pessoa que administre ou gerencie uma sociedade e que é investida em
cargo público não é obrigada a encerrar as atividades societárias, desde que comprove a
petição, junto ao competente órgão público de registro, para que a sociedade tenha seu
contrato social alterado, e deixe efetivamente de exercer de fato a posição de mando.
Mas, ainda que o servidor não tenha cuidado de formalmente sair da posição de mando
ou, se for o caso, de encerrar a sociedade, se esta nunca operou ou não opera ou na prática
opera com outra pessoa como administrador ou gerente desde que o servidor foi investido no
cargo público, pode-se inferir que não haverá afronta à tutela da impessoalidade se, apenas de
direito e não de fato, ele figurar em alguma daquelas duas posições de mando, visto que, na
prática, não se cogitará de vantagem indevida, tanto a ele mesmo quanto à sociedade.
Parecer PGFN/Cojed nº 404/2011: “34. Neste sentido, temos que a infração administrativa
ora em exame pode ser classificada como sendo do tipo habitual, isto é, aquela cuja
consumação somente fica caracterizada com a prática reiterada de atos
administrativos/gerenciais. Em princípio não se pode afirmar com a prática de um único
ato, por exemplo, que alguém exerce a administração/gerência de uma determinada
sociedade empresarial, funções que por sua própria natureza exigem a atuação constante
dos agentes que a exercem. Por isso, há a necessidade de que se tenha um conjunto idôneo
de atos a fim de se constatar de forma segura que determinada pessoa participe da
administração ou exerça a gerência de uma sociedade empresarial, principalmente se
levarmos em consideração que para a infração disciplinar em questão a pena
correspondente é máxima existente na seara administrativa, qual seja, a demissão. (...)
35. Feitas as considerações prévias e passando a averiguar o caso em concreto, temos que
878
“Da mesma forma, o simples fato do servidor constar do contrato do social como mero
sócio cotista, acionista ou comanditário, como consta da parte final do inciso X do art.
117, não afasta por completo a possibilidade do enquadramento, em especial quando há
indícios de que o servidor atua na administração ou gerência da sociedade.
É o caso do servidor que, não constando do quadro social, ou constando apenas como
sócio, se utiliza de um sócio-gerente ou administrador meramente formal, normalmente seu
parente próximo, atuando o servidor de maneira oculta como o verdadeiro gestor da
sociedade. (...)
É necessário comprovar que o servidor, sócio ou não, gerencia os negócios, atuando
diretamente na administração da sociedade. Deste modo, ainda que o servidor esteja
designado no contrato social como sócio-gerente ou administrador, cumpre comprovar
efetivamente os atos de gerência e administração para que o servidor seja
responsabilizado.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 292, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/
Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Em síntese, o que o art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, quer vedar é a prática de
atos de administração ou de gerência, mesmo que a sociedade não seja regular e não esteja
formalmente constituída e também não se importando com a condição meramente formal que
o servidor ocupa no contrato social, no estatuto social ou no mero acordo entre sócios ou em
qualquer outro ato da sociedade, seja como membro, seja como contratado, ou ainda perante
órgãos públicos, e independentemente ainda do objeto social da sociedade (se tem ou não
relação com as atribuições legais do cargo e se é ou não de natureza comercial).
Ainda à vista do art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, em seu parágrafo único,
inciso I, também se preservam, expressamente, as exceções de o servidor poder participar nos
conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta
ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade simples de cooperativa
constituída para prestar serviços a seus membros. No primeiro caso destas exceções,
obviamente, o ordenamento preserva a supremacia do interesse da Administração e, visando à
boa gestão das empresas ou entidades de que participa, de forma coerente, não prevê punição
para o servidor que atua em decorrência de encargo recebido da própria União. No segundo
caso, trata-se de uma liberalidade do legislador em estimular a participação de servidores nas
sociedades simples de cooperativas, definidas nos arts. 982 e 1.093 a 1.096 do CC, quando
constituídas para prestar serviços a seus próprios membros, por entender que não há conflito
com o desempenho do cargo.
Antecipe-se que existe ainda uma outra exceção ao mandamento restritivo do art. 117,
X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, disciplinada no inciso II do mencionado parágrafo único do
mesmo artigo, que, por sua relevância, merecerá destaque em 4.7.3.10.4, que é a permissão
para servidor atuar como administrador ou gerente de sociedade privada no gozo de licença
para tratar de interesses particulares.
amparo cristalino dos comandos do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, e do art. 3º da Lei nº
12.813, de 16/05/13), em sua visão mais abrangente, não sanciona tão-somente a efetiva
atuação do servidor, na condição de sócio de sociedade, em atos que se demonstrem
concretamente conflitantes com seu cargo, mas sanciona, além e antes daquela atuação, já o
mero risco a que se expõe o interesse público somente de se ter um agente público inserido no
quadro societário, mesmo não possuindo parcela majoritária (e mesmo sem figurar
formalmente em posição de mando, na forma da administração ou da gerência), de uma
sociedade cuja busca do lucro - e, em consequência, sua distribuição entre sócios - advém de
atividade privada desde sempre incompatível com o cargo ocupado. Não se trata de apenas
punir gravemente a efetiva afronta cometida pelo servidor; antes disto, se trata de vedar, desde
a mediana punição, o mero posicionamento do servidor que o possibilite de cometê-la, de
potencialmente vir a pôr em conflito o inafastável interesse público com o seu interesse
particular.
Assim, não se insere no alcance ora aventado da matéria disciplinar a situação comum
em que um servidor figure como um simples acionista de uma grande sociedade anônima de
capital aberto pelo mero fato de ter adquirido ações (destacadamente ações preferenciais, pelo
mero interesse de retorno financeiro no mercado de capitais, ou ainda que sejam ações
ordinárias, em quantidade que não o eleve a acionista majoritário ou controlador), em oferta
pública em mercado aberto. Aproveitando-se a conceituação doutrinária acima exposta sobre
as sociedades, tendo uma sociedade anônima forte traço de sociedade de capital, que os sócios
passam a compor ou deixam de integrar em absoluta impessoalidade, sem nenhum laço de
affectio societatis, e figurando o servidor como um mero acionista minoritário, sem que haja
significância em tal participação tanto em termos pessoais em relação ao quadro de sócios
quanto em termos de percentual no capital social, não há que se cogitar de afronta ao bem
jurídico tutelado nem pelo art. 117, XVIII, nem pelo art. 132, IV e muito menos pelo art. 117,
X (já que aqui não se trata de administração ou de gerência), todos da Lei nº 8.112, de
11/12/90.
Embora tratando de uma hipótese não exatamente a mesma aqui sob análise,
demonstra-se relevante trazer similar posicionamento doutrinário acerca da extensão da
repercussão disciplinar contra servidor que se utiliza de pessoa próxima para dissimular a
transgressão à proibição estatutária (no caso, a doutrina concorda com o sancionamento
disciplinar para servidor que, por meio do cônjuge, afronta o bem jurídico tutelado pela
proibição do exercício do comércio, sem adentrar, por óbvio, no círculo de direitos daquela
terceira pessoa inalcançável pela Lei nº 8.112, de 11/12/90).
882
“Nada obsta, porém, que a mulher do impedido possa exercitar a atividade mercantil.
Provado, porém, que o funcionário se serve de sua mulher comerciante para obter
vantagens em função de seu cargo, usando-a como testa-de-ferro, sofrerá as sanções
administrativas, mas não pelo simples fato de sua mulher desempenhar atividade comercial
legítima.”, Rubens Requião, “Curso de Direito Comercial”, 1º volume, pg. 102, Editora
Saraiva, 26ª edição, 2006
A crítica à redação se justifica por dois motivos: primeiramente, por seu encadeamento
de idéias infeliz já desde a redação original e ainda mantida e, em segundo motivo, pela não
harmonização da terminologia ao novo contexto da lei civil, embora tenha sido o dispositivo
alterado já após a vigência do atual CC, o que faz exigir certo esforço de interpretação para
melhor compreendê-lo.
Feita esta introdução, partindo-se para a interpretação da segunda parte do art. 117, X
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, depara-se com a expressão “exercer o comércio”, o que leva à
necessidade de se buscar o que seja atualmente a definição de exercício do comércio. E, para
isto, novamente, da mesma forma como feito para a primeira parte acima, para o correto
entendimento da segunda parte do dispositivo, necessário se faz expor a atual conceituação na
lei civil.
Com isto, se compreende o motivo de o legislador ter mantido no art. 117, X da Lei nº
8.112, de 11/12/90 (mesmo com sua redação tendo sido alterada já após a vigência do atual
CC), a expressão em princípio anacrônica de “exercer o comércio”, em lugar de tê-la
atualizado com a expressão “exercer atividade empresária”. Apesar de o conceito de atividade
empresária atualmente englobar não só as tradicionais atividades mercantis em stricto sensu
mas também abarcar atividades econômicas de índole civil praticadas de forma organizada, a
literalidade de “exercer o comércio” comporta um sentido mais amplo que especificamente
exercer atividade empresarial nos termos de hoje, pois agrega ainda meios informais de
exercício profissional.
Registro Público de Empresas Mercantis, como elemento necessário (mas não suficiente) para
a condição de alguém, individualmente, ser alçado à qualidade de empresário, com o simples
fato de um profissional autônomo se estabelecer no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, que
não o alça à qualidade de empresário, visto ele não possuir a necessária organização que a lei
civil exige para tal conceito (em analogia ao registro também de natureza civil das sociedades
simples, que não passam, por isto, à condição de sociedades empresárias). Menos ainda se
confunde com o empresário individual (ou com o titular de Eireli) o profissional autônomo
que se mantém na absoluta informalidade e que sequer se estabelece civilmente (em analogia
à sociedade não personificada).
estabelecido se inscrever no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (...).”, José Edwaldo
Tavares Borba, “Direito Societário”, pgs. 16 a 18, 24 e 25, Editora Renovar, 10ª edição,
2007
Assim, se, por um lado, com a sistematização única do Direito privado, a expressão
atividade empresarial restou acrescida em relação à atividade mercantil como antes definida
(pois recebeu em sua abrangência atividades economicamente organizadas que eram tidas
como de natureza civil), a forma subsistente de se empregar a expressão “exercício do
comércio” ainda resta mais abrangente que a conceituação decorrente do exercício da
empresa, uma vez que engloba também a atividade profissional autônoma de busca do lucro.
Com tal construção interpretativa, encontra-se a justificativa para que o legislador tenha
mantido na segunda parte do art. 117, X a vedação ao exercício do comércio.
CC - Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da
capacidade civil e não forem legalmente impedidos.
Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a
exercer, responderá pelas obrigações contraídas.
Assim, sob ótica estatutária, e mais especificamente em atenção ao art. 117, X da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, de acordo com o que já se expôs, repisa-se que, subjetivamente, o
exercício do comércio vedado em tela ao servidor é individual, seja como empresário
individual, seja como titular de Eireli, seja como autônomo estabelecido ou não (se o agente
público atua em sociedade, a apreciação a ser feita é da tutela da primeira parte do dispositivo,
que veda apenas as posições de mando).
Orientação Coger nº 26
Uma vez que o atual regramento civil não mais define ato de comércio, a interpretação da
vedação de o servidor exercer o comércio deve ser feita adaptando-se o art. 966 do Código
Civil, vedando-se o exercício individual da atividade de empresário.
“O Código Comercial havia adotado o sistema, no art. 2º, de enumerar as pessoas que
estavam proibidas de exercer atividade comercial, como empresário, em decorrência do
desempenho de função pública (...).
Existem outras classes, afora os funcionários públicos, a que a lei proíbe o exercício do
comércio (...).
A nomenclatura do Código Comercial estava evidentemente obsoleta. O atual Código
Civil, nos arts. 972 e seguintes, estabelece as condições de capacidade para o exercício da
empresa, dizendo, no art. 972, que podem exercer atividade de empresário os que estiverem
no pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos, acrescentando, no
art. 973, que aqueles que forem legalmente impedidos de exercer atividade própria do
empresário, se a exercerem, responderão pelas obrigações contraídas.
A matéria das incompatibilidades não é comercial. O moderno direito comercial relega
888
Todavia, se, por um lado, se logra sucesso ao se buscar fechar o foco subjetivo, o
mesmo não se obtém no foco objetivo. Em termos de atuação, para se enquadrar na vedação
legal, esta atividade individual (como empresário individual ou como titular de Eireli ou ainda
como autônomo estabelecido ou não) deve estar organizada economicamente para produção
ou circulação de bens ou serviços (não mais apenas se cogitando do ato de comércio stricto
sensu) ou ainda, mesmo que não conte com tal organização, basta que pelo menos seja
exercida com ânimo profissional, ainda que à margem de qualquer formalidade. Esta
definição mais abrangente da atividade comercial traz em si dois efeitos imediatos e opostos:
em contraposição ao inequívoco enquadramento de um espectro mais amplo de atividades,
por outro lado, agrega-se, doutrinariamente, que a atividade comercial a merecer vedação
deve ser demarcada também pela busca do lucro mediante o profissionalismo (que faz
subentender que, se não presente a organização, deve pelo menos se dar com habitualidade, de
forma a poder se considerar como uma fonte alternativa e complementar para angariar meios
de vida e de subsistência).
em massa, isto é, deve ser ele um profissional dos atos de comércio. Impõe, portanto, para
a qualificação de comerciante que alguém profissionalmente exercite atos de comércio. A
definição, em consequência, torna-se válida quando à prática de atos de comércio se
acrescer o profissionalismo de seu exercício (...)
Verificada a prática de atos de comércio, deve-se provar que essa prática configura uma
profissão. O que é profissão? Profissão é a atividade pela qual o indivíduo obtém seus
meios de vida. Não é necessário que dela obtenha todos os recursos, pois é admissível a
acumulação de atividades, fora do serviço público.”, Rubens Requião, “Curso de Direito
Comercial”, 1º volume, pgs. 79 e 80, Editora Saraiva, 26ª edição, 2006
Com isto, a atividade comercial vedada pela segunda parte do art. 117, X da Lei nº
8.112, de 11/12/90, não se confunde com vendas isoladas, discretas, pontuais ou de pequena
monta, ainda que lucrativas, e desde que não se avolumem de forma incompatível com a
natureza do cargo e com a jornada de trabalho do servidor. Ademais, da própria literalidade do
dispositivo, verifica-se que o legislador não proibiu o ato isolado ou pontual, mas sim a ação
de exercer o comércio, o que, já desde a leitura atenta do ordenamento e de suas fontes
integradoras, impõe subentender certa habitualidade, reiteração ou permanência na conduta. A
construção acima exposta se presta justamente para afastar o absurdo jurídico que se instalaria
caso se cogitasse do presente enquadramento demissivo quando, a mero título de exemplo, o
servidor realiza um ato de comércio ao vender um automóvel ou um imóvel de seu próprio
uso.
Orientação Coger nº 28
O enquadramento no art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, requer a
reiteração da conduta, não se consumando com atos pontuais ou eventuais, que, se
tomados isoladamente, não atingem o patamar de ilicitude, conforme a doutrina define
ilícito de natureza jurídica habitual.
Além disto, repise-se, aqui com sentido extensivo extraído a partir da definição da
atividade empresarial, que a lei civil afasta, em princípio, a incidência da definição de
exercício do comércio para a produção intelectual, de natureza científica, literária ou artística.
Em outras palavras, não se compreendem na vedação estatutária em tela atividades
individualmente praticadas pelo servidor que decorram exclusivamente de sua própria
intelectualidade, conforme conceituação já exposta em 4.7.3.10.1, a cuja leitura se remete.
CC - Art. 966.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Em síntese, para que se cogite de incorrer nesta proibição de exercer o comércio, deve
o servidor, pessoalmente (seja inscrito como empresário individual ou como titular de Eireli,
seja, ao contrário, permanecendo como autônomo estabelecido civilmente ou totalmente
informal), manter - de fato - atividade paralela de caráter econômico (buscando lucro), com
organização ou pelo menos com habitualidade profissional (como fonte alternativa, mas
perene e habitual, de auferir recursos que complementem sua subsistência), para a circulação
de bens ou serviços.
De forma análoga ao que se aduziu para o servidor que figura como gerente ou
administrador de sociedade, no caso da vedação ao exercício do comércio, a tutela que a Lei
nº 8.112, de 11/12/90, exerce é de evitar benefício indevido ao servidor como pessoa física ou
à sua empresa ou firma individual em sua atividade privada em função do cargo público que
ocupa. Assim, por óbvio, também para a segunda parte do art. 117, X da Lei nº 8.112, de
11/12/90, tem-se que o enquadramento é precipuamente fático e não apenas de direito. Para
que uma comissão cogite de tal enquadramento, deve comprovar a prática efetiva do exercício
do comércio (nos termos do atual CC e da doutrina que o interpreta), não se cogitando de este
enquadramento ser meramente formal. Em consequência, analogamente ao que se afirmou
com a simples figuração do nome do servidor, no ato constitutivo ou em outro ato da
sociedade, como seu administrador ou como seu gerente, o mero fato de o servidor possuir
inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, como empresário individual (ou como
titular de Eireli), ou ainda no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, como autônomo
estabelecido, não tem o condão de fazer presumir o efetivo exercício do comércio.
“(...) o simples registro de alguém no Registro do Comércio (hoje denominado pela Lei nº
8.934/94 como ‘Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins’), com forma
individual, não cria a profissão e não dá a condição de comerciante. O registro (...) não é
constitutivo, mas simplesmente declaratório da qualidade de comerciante ou empresário.
Se houver prova de que o inscrito no Registro do Comércio não exercita profissionalmente
atos de comércio, não adquire ele a condição de comerciante.”, Rubens Requião, “Curso
de Direito Comercial”, 1º volume, pg. 80, Editora Saraiva, 26ª edição, 2006
por outro lado, permitiu que esse empresário rural, mediante registro na Junta Comercial
(art. 971), adquirisse a qualificação plena de empresário.
A sociedade com atividade rural, se não for empresária - vale dizer, se não contar com
uma organização -, será necessariamente uma sociedade simples. Dotada de organização,
poderá optar, livremente, entre a condição de sociedade simples e a condição de sociedade
empresária. (...)
A sociedade rural desfruta de uma situação especial. Mesmo sendo uma empresa, cabe-lhe
escolher o seu status jurídico, de sociedade simples ou empresária, para tanto bastando
optar, respectivamente, pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou pelo Registro Público
de Empresas Mercantis.
Essa especial situação da empresa rural deita as suas origens na tradição e no contexto
histórico que sempre reservaram ao produtor rural um regime diferenciado.
A empresa rural compreende todas as atividades que têm na terra o fator principal de sua
realização. Neste gênero se situam a agricultura, a pecuária, a silvicultura, o extrativismo,
a caça. As atividades conexas, tais como as de beneficiamento dos produtos rurais,
promovidas localmente, a fim de adequá-los à comercialização, também ingressariam
nesse mesmo contexto.
Pode-se, então, assentar que o empresário individual rural não se encontra sujeito a
registro, mas, se dispuser de uma organização, poderá promovê-lo, passando a ser tratado
formalmente como empresário, e que a sociedade empresária rural, independentemente de
seu porte ou patrimônio, poderá inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas,
assumindo a condição de uma sociedade simples, ou, presente a organização, no Registro
Público de Empresas Mercantis, assumindo a condição formal de sociedade empresária.
É curiosa a situação ora analisada. A hipótese de que se trata é a de uma sociedade
empresária que será tida ou não como sociedade empresária, segundo o registro adotado.
Mas é exatamente isto. A empresa rural pode preferir o status de sociedade simples e,
como consequência, não se sujeitará à lei de falências e recuperação, nem a processos
mais rigorosos de escrituração contábil. (...)”, José Edwaldo Tavares Borba, “Direito
Societário”, pgs. 20 a 22, Editora Renovar, 10ª edição, 2007
Não obstante, apenas deve se destacar que a lei civil concedeu um tratamento
diferenciado ao produtor rural, provavelmente refletindo históricas considerações e
necessidades de incentivo a favor desta atividade de forte cunho social. Exatamente na linha
do novo ordenamento, o produtor rural que não ostenta organização dos seus meios de
produção é tido como produtor autônomo, se atua de forma individual, ou como sociedade
simples, se atua em sociedade personificada. E, em primeiro momento, ainda seguindo sem
diferenciação o tratamento normativo vigente para toda a classe empresarial, a lei civil a
priori considera o produtor rural que conta com estrutura, logística e organização em seus
fatores de produção (capital, insumos, mão-de-obra e tecnologia) como empresário individual,
se atua individualmente (e, neste caso, pode-se até se cogitar da possibilidade de se constituir
como titular de Eireli), ou como sociedade empresária, se atua em sociedade personificada.
Mas, neste ponto, opera-se o tratamento diferenciado concedido a este produtor:
diferentemente da exigência que recai sobre o empresário lato sensu, ao produtor rural que
possui organização e estrutura capazes de qualificá-lo como quem exerce a atividade de
empresa, a lei civil não o obriga a se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis, a
cargo das Juntas Comerciais, como empresário individual (ou como titular de Eireli) ou como
sociedade empresária, mas sim faculta-lhe a opção de se manter nesta visão apriorística
empresarial ou de ser considerado como produtor autônomo ou como sociedade simples. Por
óbvio, a construção interpretativa que aqui se apresenta cogita da hipótese de o produtor rural
proceder a registro, mas sem se olvidar da possibilidade de ele optar, à sua conta e risco, por
se manter em absoluta informalidade, ainda que ostente estrutura e organização de seus meios
de produção, seja individualmente, permanecendo como autônomo informal, seja em
sociedade, quando se terá uma sociedade não personificada.
Daí, conforme aduzido acima, a lei civil não excluiu o produtor rural do regime
empresarial vigente atualmente no ordenamento para a classe produtiva; diferentemente, o CC
concedeu ao produtor rural que se registra a prerrogativa de ele mesmo optar, se for de sua
exclusiva conveniência, em se manter à margem do conceito de empresário individual (ou de
titular de Eireli) ou de sociedade empresária, independentemente do porte e do grau de
organização de sua escala produtiva. Presumivelmente, o legislador quis conceder a esta
relevante classe produtiva - de forte impacto social - um tratamento administrativo e tributário
diferenciado e incentivador, facilitando a continuidade e a expansão de seus negócios.
Em síntese, o ordenamento atualmente prevê que a atividade rural, que era vinculada
ao Direito Civil e ao Direito Agrário, passou a ter status de atividade empresária - desde que
preenchidos os requisitos de caracterização de empresário individual (ou de titular de Eireli)
ou de sociedade empresária e de registro como tal -, tendo apenas facultado a este produtor
individual ou em sociedade a opção de qual regime (de natureza civil ou empresarial) melhor
se amolda a seu negócio.
optar por não adotar o modelo empresarial (seja individualmente, seja em sociedade), o
produtor rural permanecerá vinculado ao regime jurídico de natureza civil, respondendo de
forma ilimitada e pessoalmente com seu patrimônio nas obrigações contidas naquela
atividade. Importante destacar que o CC não dispensa o produtor rural de qualquer registro;
apenas lhe faculta a opção entre o registro mercantil ou civil. Caso opte pela absoluta
informalidade, não procedendo a qualquer registro, seja individualmente, seja em sociedade
(quando se aplicará o regramento das sociedades não personificadas), a responsabilidade
também é ilimitada.
Independentemente dos aspectos formais atualmente constantes na lei civil, tem-se que
a atividade rural, caso explorada por pessoa física ou pessoa jurídica de forma organizada para
a produção ou circulação de bens ou de serviços, pode ser considerada atividade empresária,
por se encontrar enquadrada nos novos conceitos introduzidos pelo CC. Em outras palavras,
os aspectos formais relacionados a esta atividade não afastam sua natureza essencialmente
empresarial - mas que somente se formaliza com o competente registro mercantil.
Assim, para o foco do presente interesse, se o servidor atuar como produtor rural, seja
em sociedade, seja individualmente, de forma organizada economicamente para produção ou
circulação de bens ou de serviços ou pelo menos de forma profissional (habitual, reiterada ou
permanente) na busca do lucro, independentemente de formal registro de qualquer natureza,
pode vir a ser considerado um integrante de uma sociedade (empresária ou simples ou até
mesmo não personificada) ou um empresário individual (ou até mesmo, se for o caso, um
titular de Eireli) ou ainda um produtor autônomo estabelecido ou não, podendo, daí, se
enquadrar na vedação imposta, respectivamente, pela primeira ou pela segunda parte do art.
117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Aplicam-se, então, para o servidor que pratica atividade
rural, as duas formas de vedação de forma análoga ao que já se expôs em 4.7.3.10.1 e
4.7.3.10.2 para as atividades societárias e para o exercício do comércio de forma geral, quais
sejam, atuar como administrador ou gerente da sociedade empresária ou simples ou não
personificada na primeira hipótese e de atuar individualmente (como empresário individual ou
como titular de Eireli ou como autônomo estabelecido ou não) na segunda hipótese.
Orientação Coger nº 27
Os comandos do art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, refletem-se nas
vedações de o servidor gerenciar ou administrar sociedade que explore atividade rural e
exercer individualmente a atividade de empresário rural.
Caso o servidor exerça a atividade rural em sociedade (que pode ser sociedade
personificada empresária, caso os sócios tenham optado por registro em Registro Público de
Empresas Mercantis; ou sociedade personificada simples, caso tenham optado por
formalização em Registro Civil das Pessoas Jurídicas; ou, por fim, sociedade não
personificada, caso não tenham formalizado a sociedade), em que pese o caráter
eminentemente comercial desta atividade, a vedação que sobre ele se impõe não é a do
exercício pessoal do comércio em si, mas sim de exercer as posições de mando -
administração ou gerência - da sociedade.
894
Portanto, restam ao servidor que atua na atividade rural duas possibilidades de tal
prática se preservar estatutariamente lícita e compatível com o múnus público: se ele exerce a
atividade rural individualmente, como empresário individual (ou como titular de Eireli) ou
como autônomo estabelecido ou não, deve esta atividade comercial manter-se à margem da
definição legal de atividade economicamente organizada ou pelo menos não configurar sequer
habitualidade profissional na busca de lucro (ou seja, ser uma atividade de pequena relevância
e pontual), podendo ainda se cogitar da hipótese de o servidor empregar um preposto ou
empregado qualquer para a efetiva prática da atividade rural; se ele exerce a atividade rural
em sociedade, deve manter-se apenas como sócio acionista, cotista ou comanditário, sem
exercer administração ou gerência, ainda que pratique atos de venda ou de compra e de
revenda de insumos e de produtos.
O ordenamento prevê ainda mais uma exceção às proibições estabelecidas no art. 117,
X da Lei nº 8.112, de 11/12/90. O inciso II do parágrafo único do mencionado art. 117 prevê o
895
Assim, de forma até mais clara, aqui se afirma que a tutela da norma é evitar que os
pleitos patrocinados pelo procurador ou intermediário, junto a qualquer órgão público,
obtenham sucesso tão-somente em razão da qualidade específica de aquele agente ser
897
servidor, o que lhe propicia acesso às repartições, seja por conta própria, seja por amizade,
coleguismo ou clientelismo. Em síntese, busca-se coibir o indevido uso, por parte do servidor,
do prestígio e de sua influência. Apenas para figurar a compreensão, aqui se permitiria
estender para o agente público a expressão “tráfico de influência”, que, a rigor, a lei penal
emprega para definir similar atitude criminosa cometida pelo particular contra a
Administração. Ou seja, até com mais ênfase com que se cogitou no inciso anterior, embora
aqui também não positivado na Lei, se poderia ler este inciso acrescentado da condicionante
“valendo-se do cargo”, de forma a compreendê-lo como mais uma espécie qualificada da
vedação em gênero de “valer-se do cargo”. A hipótese em tela pode repercutir criminalmente
como advocacia administrativa, conforme bem definida no art. 321 do CP - em que, a
propósito, o legislador foi mais preciso, ao incluir a expressão “valendo-se da qualidade de
funcionário”.
Sob aquela ótica de valer-se de sua qualidade de servidor, a Lei prevê duas hipóteses
para o enquadramento: a atuação ostensiva como procurador, em que se requer a
comprovação de existência de um mandato, de uma procuração; e atuação disfarçada, como
informal intermediário, dispensando-se comprovação de existência de qualquer mandato. Em
regra, além de ser mais frequente, a atuação como intermediário, por possibilitar a conduta
dissimulada e sub-reptícia, costuma ser mais danosa ao interesse público que a atuação
assumida como procurador.
diferenciação).
“Desde já se afasta a configuração da infração quando o servidor não almeja nem obtém
um tratamento diferenciado em função da sua qualidade de agente público, porque sequer
é reconhecido como tal, situação em que a conduta não tem a potencialidade lesiva exigida
pela norma, tratando-se, convém frisar, de infração sujeita à pena expulsiva.
899
Entretanto, deve-se investigar com maior cuidado quando o servidor age como procurador
ou intermediário de terceiro na repartição em que trabalha, onde se presume seja
conhecido e os laços de coleguismo ou amizade sejam mais fortes. Também merecem
cuidados especiais os casos em que o servidor atua como procurador ou intermediário de
forma habitual.
Para se caracterizar a infração, dispensa-se a comprovação do sucesso do pedido ou
interesse patrocinado pelo servidor; da licitude deste interesse; ou mesmo da comprovação
de que a atuação do servidor em nome de outrem tenha proporcionado vantagem indevida
a este. Basta, para que a conduta infrinja o dispositivo, que haja a possibilidade de que a
atuação do servidor possa proporcionar um tratamento diferenciado do pleito do
terceiro.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pgs. 294 e 295, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/
GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
Mas, por outro lado, pode ocorrer situações concretas a priori enquadráveis no
enquadramento em tela mas que também se amoldem aos comandos mais específicos do art.
5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, voltados de forma mais direcionada, reservada e extrema a
condutas suscitadoras de conflito de interesses. Estes casos, de grande gravidade, conforme se
aduzirá em 4.7.3.18.6, podem atrair a aplicação do enquadramento de improbidade
administrativa (por ofensa a princípios reitores da Administração, conforme define o caput do
art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92), sendo a pena expulsiva capitulada no art. 132, IV da Lei
nº 8.112, de 11/12/90.
“(...) É comum que em certas épocas do ano, aqueles que utilizam os serviços da
repartição, sentindo-se satisfeitos com os trabalhos prestados (...), procuram agradecer
aos servidores, ofertando-lhes algum mimo (...). Dependendo das circunstâncias, pode
haver até indelicadeza, em caso de recusa no recebimento (...), por parte de pessoas mais
simples que se sentem agradecidas. Caso bem diferente é o daquele que vende, que aliena
os interesses públicos e é recompensado (...).” Regis Fernandes de Oliveira, “Servidores
Públicos”, pg. 133, Malheiros Editores, 1ª edição, 2004
“Uma vez que o dispositivo sujeita o infrator à pena de expulsão, o enquadramento nesta
proibição deve ser feito com cautela, afastando-se na hipótese de recebimento de presentes
de valor irrisório como gratidão por bom serviços prestados pelo servidor, podendo-se
cogitar do enquadramento em infração mais leve (art. 116, inciso IX - manter conduta
compatível com a moralidade administrativa).
Embora se trate de planos distintos de verificação da conduta dos servidores, não há como
negar a influência do quanto previsto no Código de Conduta da Alta Administração
Federal e na Resolução nº 3, de 23/11/2000, da Comissão de Ética Pública da Presidência
da República, na interpretação deste dispositivo.
Segundo preveem aqueles regulamentos, é permitida a aceitação de brindes que não
tenham valor comercial, ou até o valor de R$ 100,00, que detenham determinadas
características que afastam a presunção de pessoalidade ou imoralidade do ato,
descaracterizando a potencialidade lesiva da conduta, e, por consequência, a própria
infração disciplinar.”, Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, pg. 296, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/
Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
“(...) nem com autorização do Presidente da República pode o servidor federal aceitar
comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro.” Edmir Netto de Araújo, “O Ilícito
Administrativo e seu Processo”, pg. 87, Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 1994
O termo “usura” pode compreender diversas atitudes de ordem prática, tais como o
empréstimo de dinheiro a juros exorbitantes, a agiotagem, a especulação, a extorsão, em busca
de lucro excessivo.
Lei nº 1.521, de 26/12/51 - Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária
ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores
à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia
permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de
instituição oficial de crédito;
b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade,
inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor
corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Mas isto não basta para a configuração da desídia, visto aqui se tratar de matéria
punitiva, obviamente inserida no contexto de responsabilidade subjetiva. Não é suficiente para
potencial aplicação de responsabilização ao servidor apenas a configuração objetiva de um
fato criticável (prejuízo à eficiência administrativa, no caso). Deve-se ainda ter demonstrado o
ânimo subjetivo do agente, o que conduz à necessidade de se configurar que o tal prejuízo
decorreu de postura imprudente, imperita ou negligente do servidor, conforme a seguir se
justifica.
agente público. Daí, advém que a desídia não é considerada ilícito de natureza dolosa, pois
não é esta a intenção do servidor - afetar a eficiência do serviço público. A desídia não se
amolda à definição de ilícito doloso (em que a intenção do autor é atingir o resultado delituoso
da conduta). No caso, o servidor tem a intenção de tão-somente diminuir ou eliminar sua
própria carga de trabalho, mitigando suas responsabilidades, em conduta que, em relação ao
resultado final (ineficiência do serviço público), eiva-se de negligência, de imperícia ou de
imprudência. Portanto, a desídia é hipótese de aplicação de pena capital de natureza culposa e
nela não se cogita de dolo; a rigor, é a única infração expulsiva de natureza culposa na Lei n°
8.112, de 11/12/90.
“12. (...) ´Desídia (e). É falta culposa, e não dolosa, ligada à negligência: costuma
caracterizar-se pela prática ou omissão de vários atos (comparecimento impontual,
ausências, produção imperfeita); excepcionalmente poderá estar configurada em um só ato
culposo muito grave; se doloso ou querido pertencerá a outra das justas causas. (...)´
(Valentim Carrion - Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 18ª ed., São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pp. 362/3). (...)
´Quando a desídia é intencional, como na sabotagem, onde há a idéia preconcebida de
causar prejuízos ao empregador, por esse aspecto doloso, ela se identifica com a
improbidade. (...)´ (Mozart Victor Russomano - Comentários à CLT, 13ª ed, Rio de
Janeiro: Forense, 1990, p. 561).”
“No entanto, não se deve descartar a possibilidade do enquadramento no art. 117, inciso
XV, tão só pelo fato de que trata-se de uma conduta única, devendo-se ponderar a
gravidade e circunstância do ato, conforme se observa do Parecer AGU GQ-164,
vinculante, que reproduz citações doutrinárias neste sentido”, Controladoria-Geral da
União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 300, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em
07/08/13
Mas, em regra, a desídia requer continuidade ou habitualidade. Por exemplo, uma (ou
até mais de uma) irregularidade isoladamente cometida em um único dia, beneficiando
indevidamente terceiro, pode ser enquadrada em valimento de cargo (art. 117, IX do Estatuto)
ou em improbidade administrativa (art. 132 IV do Estatuto), que não se harmonizam com
desídia, quando se verifica que aquela mesma atividade, sob mesmas condições da concessão
904
irregular, sempre foi devidamente executada pelo servidor ao longo do tempo, comprovando
sua capacitação e, daí, inferindo seu dolo em fazer de forma irregular em uma situação
específica.
A configuração da desídia passa pelo mau exercício das atribuições legais do cargo,
tendo, então, como imprescindível, o real exercício do cargo, não se confundindo com
hipóteses de total afastamento das atribuições. Em princípio, reiterações de atrasos ou faltas
merecem enquadramentos outros (desde o descumprimento do dever de assiduidade e de
pontualidade, até os ilícitos de abandono de cargo ou de inassiduidade habitual, conforme arts.
116, X, 138 e 139 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), que não a desídia.
Parecer AGU nº GQ-87, não vinculante: “14. O novo estatuto dos servidores públicos civis
da União (Lei nº 8.112, de 1990) estatui a responsabilidade administrativa pelo exercício
irregular das atribuições e proíbe que se proceda de forma desidiosa, cominando a
penalidade de demissão ao transgressor da norma (arts. 117, 121 e 132). Constitui
pressuposto da infração o exercício de fato das atribuições cometidas ao servidor.”
E, no caso mais incomum da desídia por fato único, não havendo indícios de conduta
dolosa que fariam de imediato o enquadramento migrar para valimento do cargo ou
improbidade administrativa, pode-se elencar como iniciativas da comissão: verificar se há
registro de conduta do servidor eivada da mesma falha em casos anteriores; ponderar o grau
de complexidade do procedimento funcional com a experiência e capacitação do servidor e a
sua conduta em casos pretéritos similares; estimar o prejuízo não só material mas também à
imagem institucional decorrente da conduta em apreço e o quanto o caso em tela poderia ser
tido como comum e cotidiano ou, ao contrário, como excepcional, diferenciado e exigente de
uma atenção qualificada, com o que se exclui a concessão do instituto do erro escusável. Por
fim, caso a atividade laboral do infrator seja controlada por algum sistema informatizado, é
importante pesquisar o tempo gasto com o caso em tela com a média de tempo que o próprio
servidor e que os colegas de trabalho costumam dedicar para casos similares (um tempo
absurdamente exíguo pode indicar deslixo e descompromisso com a qualidade); e se o
procedimento objeto de crítica tiver associado algum valor financeiro (crédito tributário, por
exemplo), é importante comparar o valor nele inscrito com a média dos valores dos casos
pretéritos, a fim de enriquecer a estimativa, acima já abordada, do grau de relevância do caso
dentro do contexto de trabalho.
Por fim, uma vez comprovada a desídia, o enquadramento no art. 117, XV absorve as
irregularidades previstas no art. 116, I, II ou III, todos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, dentre
outras de menor gravidade.
Na gradação mais gravosa do inciso II deste mesmo art. 117 da Lei nº 8.112, de
11/12/90 (que proíbe a retirada inautorizada de documentos e bens da repartição), este inciso
visa a impedir que o servidor faça da repartição um escritório particular, para uso em favor de
serviços ou de atividades, sejam do próprio infrator, sejam de terceiro, estranhos ao interesse
da Administração. Este dispositivo não se reporta, portanto, ao mau emprego de pessoal ou de
material no exercício do cargo, visto que o foco é voltado para o desvio deste emprego, a
favor de serviços ou atividades particulares.
“Com relação à aplicação desse princípio [da insignificância], nos crimes contra a
administração pública, não existe razão para negar incidência nas hipóteses em que a
lesão ao erário for de ínfima monta. É o caso do funcionário público que leva para casa
algumas folhas, um punhado de clips ou uma borracha. Como o Direito Penal tutela bens
jurídicos, e não a moral, objetivamente o fato será atípico, dada a sua irrelevância. (...)”,
Fernando Capez, “Curso de Direito Penal”, vol. 1, pgs. 12 e 13, Editora Saraiva, 10ª
edição, 2006
4.7.3.17 - Inciso XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que
ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias
Os arts. 129 e 132, XIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, especificam que a infringência
aos incisos I a VIII e XIX do art. 117 implica pena de advertência, originariamente, ou de
suspensão, secundariamente; por sua vez, a violação aos incisos IX a XVI do art. 117 implica
pena expulsiva. No entanto, a Lei não expressa pena para o descumprimento dos incisos XVII
e XVIII do art. 117. Portanto, como aplicação residual, no art. 117 do Estatuto, resta apenas a
inobservância destes dois incisos como hipóteses originárias de imposição de suspensão
(existe ainda a previsão específica do art. 130, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90).
Dito isto, o dispositivo visa a coibir o chamado desvio de função. O indicador de que
tal prática é repugnada na Administração pode ser inferido na comparação com o inciso VI
deste mesmo art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, linhas acima. Em leitura apressada, poder-
se-ia criticar de incoerente a norma, ao apenar originariamente com advertência (e, apenas no
extremo, com suspensão) algo que a priori aparenta ser mais absurdo e distanciado da
regularidade (cometer a um particular a atribuição legal do próprio servidor infrator ou de
algum seu subordinado) do que a hipótese em tela (cometer as atribuições legais a outro
servidor), apenável já de plano com suspensão.
Sem prejuízo da responsabilização imposta pelo presente inciso a quem comete suas
atribuições legais, o servidor para o qual foram cometidas atribuições legais de outrem
responde disciplinarmente por irregularidades porventura cometidas enquanto na situação de
desvio de função.
“(...) Se (...) o servidor desviado de função comete infração (...) em razão daquele cargo
que estava ocupando de modo irregular, é cabível a apuração pela via do processo
disciplinar, ou este deve apenas ser instaurado quando forem irregularidades (...) que
tenham relação com as atribuições do seu cargo, o de investidura regular? Em nosso
entender, quando o dispositivo fala em ‘cargo em que se encontre investido’, a expressão
atinge a investidura regular, o desvio de função ou mesmo a situação por demais anômala
do funcionário de fato.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”,
pgs. 102 e 103, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
4.7.3.18 - Inciso XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o
exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho - em Associação com Conflito
de Interesses Definido na Lei nº 12.813, de 16/05/13
Dito isto, inicia-se a apresentação do presente inciso - e como de outra forma não
poderia ser - à luz restritivamente da Lei nº 8.112, de 11/12/90, interpretando-o no delimitado
contexto normativo e temporal em que o dispositivo se insere - qual seja, apenas daquele
diploma legal que, de forma abrangente e estática no tempo, sem ter sofrido atualização
redacional, regula a relação estatutária vigente na Administração Pública federal como um
todo. Neste primeiro momento, não se vai enriquecer o texto com menções a outras normas
específicas e destacadamente posteriores ao Estatuto e que tornaram mais abrangente e
relevante o tema da incompatibilidade de atividades privadas. Além da crescente aproximação
do texto com as normas mais recentes, no seu transcurso, à medida em que a análise se
aprofundar, se buscará a aplicação do presente inciso no âmbito da Secretaria da Receita
Federal do Brasil e, mais precisamente, da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil,
enriquecendo o tema com as normas mais específicas e com as peculiaridades institucionais.
Não obstante, ressalte-se que a ação verbal do enquadramento do presente art. 117,
XVIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (“exercer atividade”), faz subentender pelo menos uma
certa habitualidade na conduta tida como incompatível, nos termos já dispostos em 2.5.3.4,
não sendo razoável, teoricamente, enquadrar aqui uma única conduta de pouco teor ofensivo
ao cumprimento de jornada ou à natureza do cargo ocupado (casos em que, talvez, se pudesse
cogitar de enquadrar como ausência desautorizada ao serviço, no art. 117, I da citada Lei, ou
como inobservância de norma, no art. 116, III da mesma Lei, ou ainda em outro dispositivo
punível originalmente com pena de advertência).
Tendo se adotado aqui a firme convicção de que o art. 117, XVIII da Lei nº 8.112, de
11/12/90, impõe dois comandos de aplicações independentes, conclui-se esta abordagem
introdutória ao enquadramento buscando a mais imediata identificação do que o dispositivo
quer tutelar. Inequivocamente, o inciso em tela comporta dois comandos proibitivos à
execução de atividades privadas - remuneradas ou não - que se ramificam em duas tutelas
distintas. Primeiramente, em leitura mais imediata, o inciso visa a vedar a prática de qualquer
atividade privada que ponha ou possa pôr em risco a dedicação à jornada de trabalho,
tutelando o comprometimento do servidor com sua carga horária. Além disto, de forma mais
proeminente, porém requeredora de uma leitura mais cautelosa e aprofundada - a que aqui não
se tem pretensão de atingir apenas com as sintéticas palavras que se seguem -, o inciso
909
também visa a vedar a prática de qualquer atividade privada que configure ou possa
configurar incompatibilidade material com a natureza do cargo, nos sentidos de que seja ou
possa ser favorecida ou beneficiada, no momento de sua execução, em razão de seu
executante possuir a qualidade especial de ser servidor; ou que esta execução de alguma
forma prejudique ou possa prejudicar, em qualquer momento, o imparcial e impessoal
desempenho das atividades do cargo ou prejudique ou possa prejudicar o interesse público.
O bem jurídico tutelado nesta parte final do texto do art. 117, XVIII da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, em que se trata da questão de compatibilidade de horários da função pública com
uma atividade privada, é de dedicação (não necessariamente exclusiva) ao múnus público. O
legislador quis inibir que o servidor priorizasse sua dedicação de horário à outra atividade,
ainda que materialmente não conflitante com as atribuições legais do cargo que ocupa, a fim
de que a função pública não fosse rebaixada a um grau menor de relevância nas valorações e
ponderções cotidianas que qualquer homem mediano é impelido a fazer, diante dos mais
diversos interesses, compromissos e escolhas que se lhe apresentam a cada dia. O dispositivo
legal estabelece uma questão de comprometimento, de responsabilização, de atribuição de
supremacia do interesse público em comparação a qualquer atividade ainda que não
materialmente incompatível mas que sua prática exponha ao descaso a prioridade que deve ser
dada à função pública.
910
Com isto, de certa forma, se aceita que, na busca da definição do que sejam as
atividades incompatíveis mencionadas no art. 117, XVIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, se
caminhe no sentido de que há um critério a se utilizar, associado ao interesse qualificado,
suscitador de incompatibilidade entre o público e o privado.
Se, por um lado, é certo que se deve buscar identificar, como critério de aferição, se há
algum interesse (no sentido de motivação ou objetivo) que correlacione a atividade privada
exercida e as atribuições legais do cargo, por outro lado, também é inconteste que não é
qualquer um daqueles elementos motivadores e impulsionadores que possui o condão de
911
inquinar uma atividade privada como incompatível, mas sim apenas aquele que, situado entre
ambas atividades, faz digladiarem, no círculo delimitado da atuação funcional e da matéria
referente ao cargo, os interesses público e privado, levando o servidor, de forma anfíbia, a
defender este em detrimento daquele ou ao menos expondo o servidor ao risco potencial de
assim agir.
Face a relevância dada ao bem jurídico tutelado no inciso XVIII do art. 117 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, a inibição da prática privada já desde a configuração de mero risco
potencial - preventivamente evitando o desvio de conduta que possa de fato ou apenas
potencialmente comprometer a garantia de independência, imparcialidade e moralidade que
devem reger toda atuação pública - é importante na questão em tela e possui amparo jurídico.
Primeiramente, resgatando da instância penal uma dentre tantas formas de se classificar os
crimes, tem-se, em função do resultado, o crime de lesão, quando a conduta típica
efetivamente viola o bem jurídico tutelado, e o crime de perigo de lesão, que coloca o bem
jurídico tutelado em risco de forma tão grave que recebe proteção da lei penal. Ademais,
como se verá em 4.7.3.18.6.b, a consideração do risco potencial também se harmoniza com a
leitura sistemática da Lei nº 11.890, de 24/12/08, cujo art. 3º tratou como hipótese de
impedimento a prática de atividade potencialmente causadora de conflito de interesses, e da
Lei nº 12.813, de 16/05/13, cujo art. 3º, I definiu como conflituosa a situação que possa
comprometer o interesse coletivo ou influenciar o desempenho da função pública.
Orientação Coger nº 31
A incompatibilidade material da atividade privada se configura quando o desempenho do
múnus público se contamina ou pode contaminar-se em razão da empreitada pessoal, ou
quando a esta se agregam vantagens, benefícios, preferências ou privilégios competitivos
pelo fato de seu executante ser servidor.
Em outras palavras, se, por um lado, até é possível que um servidor que pratique
determinada atividade privada possa acessar dados sigilosos do órgão para individualizar a
913
por que instrumento interno for, tais como normas ou soluções de consultas ou notas técnicas
- que determinada profissão liberal é materialmente incompatível com as suas competências e
prerrogativas institucionais, nada mais faz do que zelar pela tutela preventiva que permeia os
arts. 4º e 8º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, e o faz sem afrontá-los, porque determinadas
atividades podem ser tidas desde sempre e inequivocamente incompatíveis, de forma a não
resistir dúvida suscitadora da provocação do rito estatuído na Portaria Interministerial
MPOG/CGU nº 333, de 19/09/13. Assim, por exemplo, é hialino que cabe à própria Secretaria
da Receita Federal do Brasil, e mais especificamente, por previsão regimental, a seu sistema
correcional, interpretar quais as profissões liberais destoam da compatibilidade material com
as funções públicas de quaisquer cargos em exercício no órgão.
CF - Art. 5º
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Trazendo o foco desta liberdade fundamental e de suas possíveis limitações para o seio
da Administração Pública, adicione-se à discussão o caput do art. 39 da CF, que estabelece a
obrigatoriedade de a União possuir regime jurídico único para seus servidores, bem como o §
7º do art. 37 da CF, segundo o qual cabe à lei dispor sobre requisitos e restrições ao ocupante
916
CF - Art. 37.
§ 7º A lei disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante de cargo ou emprego da
administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações privilegiadas.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 04/06/98
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de
sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da
administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
Neste rumo, pode-se considerar então a Lei nº 8.112, de 11/12/90 (que estabeleceu o
regime jurídico dos servidores), e a Lei nº 12.813, de 16/05/13 (que correlaciona ocupantes de
cargos com informação privilegiada, na linha de proteção da inviolabilidade da intimidade e
da vida privada), como diplomas legais regulamentadores daquela garantia fundamental de
base constitucional. A aparente antinomia entre estes preceitos constitucionais - de um lado
homenageando a liberdade, e de outro lado contemplando a proteção da intimidade e da honra
- se soluciona com a aferição caso a caso.
se há entre os dois conceitos uma relação de gênero e espécie ou se, tecnicamente, é correto o
emprego informal como sinônimos que a estes institutos se empresta.
Para este fim, como de outra forma não se poderia prosseguir na presente análise,
convém primeiramente insistir na busca do entendimento que se extrai da fonte primária, qual
seja, da normatização como um todo em que o tema da incompatibilidade material é tratado.
Em outras palavras, a leitura iniciada pela Lei nº 8.112, de 11/12/90, deve se estender a todo o
conjunto de normas legais e até mesmo infralegais que regem o tema, de forma a se aprimorar
e a se aprofundar a análise com a harmonização das ferramentas hermenêuticas das
interpretações autêntica e sistemática.
Não obstante, até o ordenamento pátrio atingir este grau de refinamento, houve um
longo caminho de tentativas infralegais de se conceituar o instituto do conflito de interesses e
de se normatizar a instrumentalização de suas prevenção e aferição e de seu sancionamento. A
seguir, busca-se descrever e deixar registrado, de forma cronológica e detalhada, este percurso
dos esforços administrativos de conceituação e de procedimentalização, até culminarem nas
definições legais do instituto em si e no tratamento instrumental a ser dado ao tema.
encontravam no efetivo exercício de suas atribuições legais, mesmo sem amparo de qualquer
espécie de afastamento. E, no foco destas discussões, as primeiras definições infralegais para
o conflito de interesses advieram de manifestações em instância ética.
Executivo Federal que, no exame de pedidos de licença não remunerada, levem em conta o
exame da compatibilidade da atividade profissional que o servidor irá desempenhar
quando em licença, deixando de concedê-la sempre que seu exercício suscitar conflito de
interesses com o órgão público, nos termos do que dispõe a Resolução CEP nº 8, e em
linha com o que dispõe o art. 91 da Lei nº 8112/90, que estabelece que a licença não
remunerada para tratar de assuntos particulares será concedida ‘a critério da
Administração’, podendo igualmente, conforme seu parágrafo único, ser interrompida a
qualquer tempo, a pedido do servidor ou no interesse do serviço.”
Ainda calcada na única definição infralegal até então existente para conflito de
interesses (elaborada na Resolução Interpretativa CEP nº 8, de 25/09/03), a instrumentalização
da questão ganhou normatização interna, por meio da Portaria MF nº 249, de 12/06/09, já
mencionada em 3.2.5 e que, em atendimento à recomendação exarada pelo Ministro de Estado
Chefe da Controladoria-Geral da União para toda a Administração federal (no caso do
Ministério da Fazenda, através do Aviso-Circular CGU nº 3, de 13/06/08), determinou que o
servidor, ao peticionar por licença para tratar de interesses particulares, informe a área do
setor privado e a atividade profissional que almeja desenvolver, com o fim de se avaliar
potencial conflito de interesses. A norma exige ainda que, anualmente, o servidor licenciado
preste informação à sua unidade de lotação acerca das atividades desempenhadas durante a
licença.
Por fim, com a edição da Portaria RFB nº 2.324, de 23/09/09, também já mencionada
em 3.2.5, o conflito de interesses ganhou conceituação infralegal interna, tendo se adaptado
para o quadro funcional da Secretaria da Receita Federal do Brasil as definições anteriormente
adotadas pela Comissão de Ética Pública em sua Resolução Interpretativa CEP nº 8, de
25/09/03. Esta conceituação preservou o caráter de tutelar o mero risco potencial da conduta,
independentemente da configuração concreta do conflito, e manteve a dispensa da auferição
de qualquer ganho ou vantagem (remuneratória ou de qualquer outra natureza) por parte do
agente público.
Portaria RFB nº 2.324, de 23/09/09 - Art. 5º A Cogep verificará se a licença para tratar de
interesse particular implica em potencial conflito de interesses entre a natureza da
atividade desenvolvida pelo requerente no órgão e a natureza daquela(s) que irá
desenvolver no decorrer da licença.
Art. 6º Suscita conflito de interesses o exercício de atividade que:
I - em razão da sua natureza, seja incompatível com as atribuições do cargo ou função
pública do servidor, como tal considerada, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou
matérias afins à competência funcional;
II - implique a prestação de serviços a pessoa física ou jurídica ou a manutenção de
vínculo de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão individual
ou coletiva do servidor;
III - possa, pela sua natureza, implicar o uso de informação à qual o servidor tenha acesso
em razão do cargo e não seja de conhecimento público;
IV - possa transmitir à opinião pública dúvida a respeito da integridade, moralidade,
clareza de posições e decoro do servidor.
Parágrafo único. A ocorrência de conflito de interesses independe do recebimento de
qualquer ganho ou retribuição pela autoridade.
Art. 7º Havendo potencial conflito de interesses, a Cogep encaminhará o pedido à
Comissão de Ética da RFB, que analisará e decidirá conclusivamente a respeito.
Parágrafo único. Na análise dos casos concretos para identificação de potencial conflito
de interesses, a Comissão de Ética deverá dar especial atenção às áreas e às funções que
possibilitam o acesso à informação privilegiada, tais como administração, fiscalização e
arrecadação tributária e aduaneira, gestão de compras e contratos e tecnologia de
921
Lei nº 11.890, de 24/12/08 - Art. 3o Aos titulares dos cargos integrantes das Carreiras de
que trata o art. 1o da Lei no 10.910, de 15 de julho de 2004, aplica-se o regime de
dedicação exclusiva, com o impedimento do exercício de outra atividade remunerada,
pública ou privada, potencialmente causadora de conflito de interesses, ressalvado o
exercício do magistério, havendo compatibilidade de horários.
Esta iniciativa, enfim, resultou na edição da Lei nº 12.813, de 16/05/13, que inovou o
ordenamento pátrio com a primeira definição, constante de lei, não só de conflito de interesses
no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal mas também dos requisitos e
restrições a agentes públicos (tanto servidores estatutários quanto empregados celetistas) que
tenham acesso a informações privilegiadas, dos impedimentos posteriores àquele exercício e
das competências para fiscalização e prevenção de ocorrência do incidente.
Daí, diante da ausência de rigor técnico com que o legislador até então havia
empregado os distintos institutos em apreço, tendo as definições legais estabelecido um ciclo
circular de recíproca menção e de mútua dependência do pré-conhecimento de um instituto
para a definição do outro, mostrava-se infrutífera a busca da interpretação autêntica e
sistemática da fonte primária (qual seja, de todo o conjunto da normatização positivada) com
o fim de lograr a definição estabelecida pelo próprio legislador para “atividades
incompatíveis” absolutamente vedadas no dispositivo estatutário e restava então, de certa
forma, inconclusa a questão de diferenciar ou de situar a incompatibilidade material em
relação ao conflito de interesses.
8.112, de 11/12/90.
Diante da convicção de que o inciso XVIII do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
não foi revogado (a rigor, não foi derrogado), quer se deixar registrada a possibilidade de, à
margem da restritividade e da limitação da simples literalidade dos textos legais, se poder, na
926
Não obstante tudo acima exposto, tendo o servidor sofrido sanção de suspensão em
decorrência de a Administração ter concedido à sua conduta um tratamento mais cauteloso e
benéfico (como, por exemplo, ter admitido a hipótese de que ele poderia não ter conhecimento
do caráter incompatível de sua prática e tê-la realizado sob culpa), caso venha a reincidir na
mesma conduta incompatível, faz-se agora presumido o dolo (vez que ele tem clara a
intolerância estatal para com sua prática), pode vir a ter sua ação inquinada como improbidade
administrativa, punível com demissão.
Para diferenciar dos parágrafos acima, figurando que tipo de conduta jamais caberia
ser enquadrada aqui como suspensiva e ao mesmo tempo em que se avança na análise à
medida em que se aprofunda a gravidade cogitada, menciona-se a hipótese de a atividade
privada, ainda que sem remuneração e fora do horário de expediente, ter agregada alguma
qualidade em função exclusivamente de o executor ser servidor. Neste caso, se o servidor, por
meio desta atividade, dolosamente, repassa ou disponibiliza técnicas de elisão fiscal ou de
evasão fiscal (entendidas como, respectivamente, condutas lícitas ou ilícitas com o fim de
evitar, retardar ou modificar a ocorrência de fato gerador de obrigação tributária ou os efeitos
dela decorrentes) ou ainda informações sigilosas ou estratégicas que beneficiem terceiros em
detrimento do interesse público ou que propiciem ao particular burlar as tutelas e os controles
exercidos pela Administração, já se ultrapassa o enquadramento nesta mera incompatibilidade
material, punível com suspensão, e já se cogita de ato de valer-se do cargo (art. 117, IX do
Estatuto) ou até, no limite, de ato de improbidade administrativa (conforme o art. 132, IV da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, a título da definição que se pode extrair do art. 9º, VIII ou do art.
11, III ou caput da Lei nº 8.429, de 02/06/92), ou ainda, se presente a mácula em especial do
instituto do conflito de interesses, pode-se também enquadrar como improbidade
administrativa, no caput do art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, por força do art. 12 da Lei nº
12.813, de 16/05/13, em todos estes caso cabendo a punição com pena expulsiva.
Nota Técnica Coger nº 2014/1: “8. Nessa linha, o exercício de atividade privada
incompatível com as atribuições do cargo público somente se enquadrará no art. 5º, III, da
Lei nº 12.813, de 2013 - configurando, portanto, improbidade administrativa - nos casos
em que estiver caracterizado o dolo por parte do agente infrator, o qual se consubstancia
na realização de atividade privada que o agente sabe ser incompatível.
10. Por outro lado, se o elemento subjetivo da conduta for a culpa - ou seja, se se tratar de
conduta em que não se constate a vontade livre e consciente do agente em praticar
atividade privada que sabe ser incompatível com as atribuições do cargo ou função, nos
termos indicados nos dois parágrafos precedentes -, então, estar-se-á diante da infração
administrativa disciplinar consignada no art. 117, inciso XVIII, da Lei nº 8.112, de 1990,
passível de punição com a sanção de suspensão.
11. Nesse último caso, apesar de restar caracterizada a ilegalidade da conduta do agente,
não se verifica a ocorrência do elemento subjetivo capaz de qualificar a ilegalidade
perpetrada e de transmutá-la em ato de improbidade.
12. Noutro giro, aplicada a penalidade disciplinar de suspensão ao servidor, caso este
venha posteriormente a reincidir na prática da atividade incompatível, ficará
caracterizado o dolo, devendo recair sobre o ato a qualificação de ímprobo.
Pelo exposto, conclui-se:
A Lei nº 12.813, de 2013, não revogou o disposto na primeira parte do inciso XVIII do art.
117 da Lei nº 8.112, de 1990;”
927
Uma vez que os comandos do inciso XVIII do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e
também do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, tutelam desde o mero risco potencial (com o
que se alcançam não só as condutas que resultam em efetiva lesão mas também aquelas que
resultam em perigo de lesão ao bem jurídico tutelado), obriga-se a se considerar que a espécie
de incompatibilidade material não se vincula às momentâneas condições em que o servidor
cumpre suas funções.
Orientação Coger nº 32
A incompatibilidade material da atividade privada não se vincula às momentâneas
condições em que o servidor cumpre suas funções, em termos de lotação, exercício e
localização interna, nem ao fato de estar ele em gozo de licença ou afastamento, mas sim à
integral extensão das atribuições legais de seu cargo.
Lei nº 10.593, de 06/12/02 - Art. 6° São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-
Fiscal da Receita Federal do Brasil: (Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
I - no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter
privativo: (Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições; (Alínea com
redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal, bem
como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e contribuições e
de reconhecimento de benefícios fiscais; (Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação
específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias,
livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados; (Redação dada pela Lei n°
11.457, de 16/03/07)
d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades,
fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190
a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal;
(Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação
tributária; (Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte; (Redação dada pela
Lei n° 11.457, de 16/03/07)
II - em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da Secretaria
da Receita Federal do Brasil. (Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
§ 1° O Poder Executivo poderá cometer o exercício de atividades abrangidas pelo inciso II
do caput deste artigo em caráter privativo ao Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
(Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
§ 2° Incumbe ao Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, resguardadas as
atribuições privativas referidas no inciso I do caput e no § 1° deste artigo: (Redação dada
pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
I - exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício das
atribuições privativas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil; (Redação dada
pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
II - atuar no exame de matérias e processos administrativos, ressalvado o disposto na
alínea b do inciso I do caput deste artigo; (Redação dada pela Lei n° 11.457, de 16/03/07)
III - exercer, em caráter geral e concorrente, as demais atividades inerentes às
competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil. (Redação dada pela Lei n°
11.457, de 16/03/07)
Decreto nº 6.641, de 10/11/08 - Art. 4º São atribuições dos ocupantes dos cargos efetivos
de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal
do Brasil, em caráter geral e concorrente:
I - lavrar termo de revelia e de perempção;
II - analisar o desempenho e efetuar a previsão da arrecadação; e
III - analisar pedido de retificação de documento de arrecadação.
Art. 5º Os ocupantes dos cargos efetivos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e
de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, em caráter geral e concorrente,
poderão ainda exercer atribuições inespecíficas da Carreira de Auditoria da Receita
929
Lei nº 11.457, de 16/03/07 - Art. 2º Além das competências atribuídas pela legislação
vigente à Secretaria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil
planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização,
arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b
e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e das
contribuições instituídas a título de substituição.
sociais e econômicos;
VIII - planejar, dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar os serviços de
fiscalização, lançamento, cobrança, arrecadação e controle dos tributos e demais receitas
da União sob sua administração;
IX - realizar a previsão, o acompanhamento, a análise e o controle das receitas sob sua
administração, bem como coordenar e consolidar as previsões das demais receitas
federais, para subsidiar a elaboração da proposta orçamentária da União;
XVI - negociar e participar da implementação de acordos, tratados e convênios
internacionais pertinentes à matéria tributária e aduaneira;
XVII - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar os serviços de administração,
fiscalização e controle aduaneiros, inclusive no que diz respeito a alfandegamento de áreas
e recintos;
XVIII - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar o controle do valor aduaneiro
e de preços de transferência de mercadorias importadas ou exportadas, ressalvadas as
competências do Comitê Brasileiro de Nomenclatura;
XX - planejar, coordenar e realizar as atividades de repressão ao contrabando, ao
descaminho, à contrafação e pirataria e ao tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas
afins, e à lavagem e ocultação de bens, direitos e valores, observada a competência
específica de outros órgãos;
XXI - administrar, controlar, avaliar e normatizar o Sistema Integrado de Comércio
Exterior - Siscomex, ressalvadas as competências de outros órgãos;
XXII - articular-se com órgãos, entidades e organismos nacionais, internacionais e
estrangeiros que atuem no campo econômico-tributário, econômico-previdenciário e de
comércio exterior, para realização de estudos, conferências técnicas, congressos e eventos
semelhantes;
XXIV - orientar, supervisionar e coordenar as atividades de produção e disseminação de
informações estratégicas na área de sua competência, em especial as destinadas ao
gerenciamento de riscos ou à utilização por órgãos e entidades participantes de operações
conjuntas, visando à qualidade e fidedignidade das informações, à prevenção e ao combate
às fraudes e práticas delituosas, no âmbito da administração tributária federal e
aduaneira; e
XXV - realizar e disseminar estudos e estatísticas econômico-tributários e relativos à
matéria de comércio exterior, em estreita colaboração com a Secretaria de Política
Econômica e com a Secretaria de Acompanhamento Econômico, visando aprimorar os
estudos e as políticas públicas a seu cargo.
Lei nº 11.357, de 19/10/06 - Art. 1º Fica estruturado o Plano Geral de Cargos do Poder
Executivo - PGPE composto por cargos efetivos de nível superior, intermediário e auxiliar
não integrantes de Carreiras específicas, Planos Especiais de Cargos ou Planos de
Carreiras instituídos por leis específicas e voltados ao exercício de atividades técnicas,
técnico-administrativas e de suporte no âmbito dos órgãos e entidades da administração
federal direta, autárquica e fundacional. (Redação dada pela Lei nº 11.490, de 20/06/07)
Parágrafo único. Integrarão o PGPE, nos termos desta Lei, os seguintes cargos de
provimento efetivo: (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
I - cargos de nível superior, intermediário e auxiliar, do Plano de Classificação de Cargos
instituído pela Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, do Plano de Classificação de
Cargos de que trata a Lei nº 6.550, de 5 de julho de 1978, e dos Planos correlatos das
autarquias e fundações públicas, não integrantes de Carreiras estruturadas, Planos de
Carreiras ou Planos Especiais de Cargos, regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de
1990, pertencentes ao Quadro de Pessoal da administração pública federal; (Incluído pela
Lei nº 11.907, de 02/02/09)
II - Analista Técnico-Administrativo, de nível superior, com atribuições voltadas ao
planejamento, supervisão, coordenação, controle, acompanhamento e à execução de
atividades de atendimento ao cidadão e de atividades técnicas e especializadas, de nível
superior, necessárias ao exercício das competências constitucionais e legais a cargo dos
órgãos e entidades da administração pública federal, bem como à implementação de
políticas e à realização de estudos e pesquisas na sua área de atuação, ressalvadas as
atividades privativas de Carreiras específicas, fazendo uso de todos os equipamentos e
recursos disponíveis para a consecução dessas atividades; (Incluído pela Lei nº 11.907, de
02/02/09)
III - Assistente Técnico-Administrativo, de nível intermediário, com atribuições voltadas à
execução de atividades técnicas, administrativas, logísticas e de atendimento, de nível
intermediário, relativas ao exercício das competências constitucionais e legais a cargo dos
órgãos ou entidades da administração pública federal, ressalvadas as privativas de
Carreiras específicas, fazendo uso de todos os equipamentos e recursos disponíveis para a
consecução dessas atividades, além de outras atividades de mesmo nível de complexidade
em sua área de atuação; (Incluído pela Lei nº 11.907, de 02/02/09)
Lei nº 11.890, de 24/12/08 - Art. 3o Aos titulares dos cargos integrantes das Carreiras de
que trata o art. 1o da Lei no 10.910, de 15 de julho de 2004, aplica-se o regime de
dedicação exclusiva, com o impedimento do exercício de outra atividade remunerada,
pública ou privada, potencialmente causadora de conflito de interesses, ressalvado o
exercício do magistério, havendo compatibilidade de horários.
No presente, a sutil diferenciação conceitual não importa, sendo relevante aduzir que
as atividades privadas que sujeitam o servidor à possível responsabilização, seja por conta do
art. 117, XVIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, seja por conta do art. 3º da Lei nº 11.890, de
24/12/08, não são práticas privadas quaisquer, mas sim aquelas que, mesmo exercidas em
esfera privada, em algum grau, guardem uma correlação de incompatibilidade material com o
múnus público e com a tutela pública exercida pelos cargos de AFRFB e de ATRFB, de
forma que sua execução pode ser contaminada pelas prerrogativas do cargo ou a isenção e a
imparcialidade necessárias ao correto desempenho das funções públicas podem ser
contaminadas pelos interesses particulares daquelas empreitadas.
estatutária no art. 116, III da Lei nº 8.112, de 11/12/90, punível com advertência. Pode mesmo
se dizer que o art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, mais do que se amoldar, complementa a
Lei nº 8.112, de 11/12/90, não tanto pela similaridade das vedações expostas, mas sim ao
expressar a rejeição ao conflito de interesses e, sobretudo, a exceção a favor do exercício do
magistério. Neste rumo, jamais se pode interpretar que o art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08,
revogou (melhor dizendo, derrogou), para as carreiras típicas, o art. 117, XVIII da Lei nº
8.112, de 11/12/90; ao contrário, de certa forma, é como se tivesse vindo ao ordenamento com
o valor de uma norma de natureza interpretativa autêntica.
Ademais, pode-se interpretar também que a inovação legislativa trazida pelo art. 3º da
Lei nº 11.890, de 24/12/08, possa atuar como um elemento de dosimetria. Havendo prática de
atividade incompatível, o servidor da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil
incorre no art. 117, XVIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e mesmo que esta atividade seja
remunerada, este pormenor não tem o condão de alterar o enquadramento estatutário
suspensivo, restando a inobservância do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, absorvida pelo
ilícito mais grave da incompatibilidade, sem prejuízo de a possibilidade de se somar também
o descumprimento do dispositivo legal mais recente e específico ser tomada como um
parâmetro a aumentar o quantum da suspensão. Reitera-se que tal aplicação, em dosimetria,
do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, havendo remuneração, não se aplica a servidor
ocupante de cargo administrativo em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil,
pois não se vinculam àquela lei.
ensinos fundamental e médio mas sim de definir excepcional permissão para atividades lícitas
por parte de servidores vinculados à Lei nº 11.890, de 24/12/08), a extensão a se adotar para a
expressão “exercício do magistério” é de ser ainda mais abrangente, não se limitando a
atividades de direção, coordenação e assessoramento por parte de professores e especialistas
em educação e realizadas no âmbito formal de uma entidade cujo objeto social seja ensino.
Em outras palavras, a definição contida no dispositivo legal não impede interpretação mais
extensiva da expressão “exercício do magistério” para fim de afastar repercussão disciplinar.
CF - Art. 95.
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
Art. 128.
§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos
respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto
de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
II - as seguintes vedações:
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério;
respectivas carreiras, ratificaram a permissão para que seus membros atuem em cursos
preparatórios, empregando inclusive a expressão “magistério em cursos formais ou
informais”; e, ainda mais perfeitamente adequada ao tema em tela, cita-se outra Resolução do
Conselho Nacional de Justiça, disciplinando o significado do termo “magistério” no art. 95, I
da CF, também deixando inequívoca a inclusão da atuação como professor em cursos
preparatórios e de pós-graduação.
CNJ, Resolução nº 11, de 31/01/06 - Art. 6º Aquele que exercer atividade de magistério em
cursos formais ou informais voltados à preparação de candidatos a concursos públicos
para ingresso na carreira da magistratura fica impedido de integrar comissão do concurso
e banca examinadora até três anos após cessar a referida atividade de magistério.
Ora, se para aqueles dois cargos, para os quais se tem talvez a mais inequívoca
percepção do que seja uma atividade típica de Estado, se aplica uma interpretação extensiva à
permissão de atuar no magistério, diferente não haveria de ser a forma de interpretar para
AFRFB e ATRFB e para os demais cargos administrativos em exercício na Secretaria da
Receita Federal do Brasil. Não teria mínima razoabilidade e bom senso tentar se interpretar
similar dispositivo voltado para os cargos da Carreira de Auditoria da Receita Federal do
Brasil e muito menos para cargos administrativos integrantes do Plano Especial de Cargos do
Ministério da Fazenda (Pecfaz, do Quadro de Pessoal do Ministério da Fazenda) de forma
ainda mais restrita do que se faz para a magistratura e para o Ministério Público. Assim, tem-
se que a exceção da vedação imposta pela Lei nº 11.890, de 24/12/08, também permite que
AFRFB e ATRFB (e extensivamente os servidores integrantes do Pecfaz) atuem não só como
professores em cursos preparatórios de ingresso na própria Carreira e cursos de pós-graduação
mas também que ainda se cogite da expressão “magistério informal” para abarcar outras
modalidades de exercício da atividade de ensino e difusão de conhecimentos, mesmo em
eventos organizados à margem de instituições formais de ensino, desde que a matéria a ser
tratada e a forma a ser conduzida a disseminação de conhecimentos não afronte o
cumprimento da jornada e não configure conflito de interesses.
Toda a construção hermenêutica acima foi, por fim, ratificada positivamente com a
edição da Orientação Normativa CGU nº 2, de 09/09/14, que estabelece a definição
abrangente para magistério, a favor de todo agente público do Poder Executivo federal,
independentemente de carreira e de cargo ocupado. A norma infralegal não só assegura a
posição apriorística de ser permitido o magistério como também apresenta que cabem neste
termo, além da atividade docente nas entidades de ensino, ou de pesquisa ou de ciência e
tecnologia, públicas ou privadas, também as capacitações ou treinamentos por meio de cursos
(incluindo expressamente os preparatórios para concurso público ou processo seletivo, mas
com algumas ressalvas), palestras ou conferências e quaisquer atividades correlatas a todas as
anteriores.
III - outras correlatas ou de suporte às dos incisos I e II deste parágrafo, tais como funções
de coordenador, monitor, preceptor, avaliador, integrante de banca examinadora de
discente, presidente de mesa, moderador e debatedor, observada a proibição do art. 117, X
da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Art. 4º Na hipótese de magistério em curso preparatório para concurso público ou
processo seletivo, o agente público não poderá atuar em qualquer atividade relacionada à
definição do cronograma ou do conteúdo programático do certame ou relacionada à
elaboração, aplicação e correção de provas de qualquer fase, incluindo-se o curso de
formação, o teste psicotécnico ou psicológico e a prova de aptidão.
E já não tão hialina de se identificar mas não menos importante também é a ressalva
acerca inexistência de conflito de interesses entre a atividade privada de magistério e o múnus
público do agente. Ora, e de outra forma não poderia ser. Não haveria que se cogitar de
incoerência por parte do ordenamento, que, de um lado, efetivamente operou uma inequívoca
refração normativa à ocorrência do conflito de interesses e, de outro lado, contemplasse o uso
distorcido na nobre função do magistério para encobrir ou dissimular condutas reprováveis de
ambiguidade em termos de lealdade institucional. Não há que se crer na hipótese de o
ordenamento prever uma proteção a práticas de afronta ao interesse público acobertadas pelo
uso indevido do instituto do magistério.
Em outras palavras, ainda que com compatibilidade de horários, quando se detecta que
uma atividade de repasse ou de disseminação de conhecimentos se macula por características
tais como dirigir-se de forma exclusiva a um público-alvo estritamente bem definido e que
guarde estreita relação de proximidade com a atuação estatal do servidor ou ser organizado e
realizado por instituição que tenha interesse direto no poder decisório do agente. Conforme se
complementará e se especificará em 4.7.3.18.5.b, a participação de servidores da Carreira de
Auditoria da Receita Federal do Brasil em eventos externos acerca de matéria fiscal
patrocinados por particulares requer apreciação destacada e cautelosa. Em tais situações, é
possível cogitar de afronta à tutela protegida pelo inciso II do art. 5º da Lei nº 12.813, de
18/05/13, que veda o exercício de atividade que implique a prestação de serviços ou a
manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em
decisão do agente.
Ainda cabível no tema, tem-se que, de acordo com a Portaria SRF nº 695, de 21/07/99,
a participação de AFRFB e ATRFB, como professor, instrutor, palestrante, conferencista,
expositor ou moderador, mesmo fora de horário de trabalho (segundo a redação literal da
norma), em cursos, aulas, treinamentos, seminários, palestras, conferências, congressos e
eventos similares, sobre matéria fiscal de competência legal ou regimental da Secretaria da
Receita Federal do Brasil e destinados para público externo, depende de prévia autorização da
Administração.
É de se destacar que a tutela que a Administração quer com esta norma não é de mero
controle de presença ou de remuneração do servidor, mas sim de triagem das informações que
poderão ser levadas a público externo, visto que o servidor do Fisco pode ter acesso a dados
de caráter sigiloso ou até estratégico. Assim, o AFRFB ou ATRFB que aufira qualquer
remuneração em evento disciplinado pela Portaria SRF nº 695, de 21/07/99, desde que
devidamente autorizado, ou em evento que a norma desde sempre dispensa autorização, não
afronta a vedação de exercício de atividade remunerada, imposta pelo art. 3º da Lei nº 11.890,
de 24/12/08, bem como, independentemente de receber ou não remuneração, não afronta a
vedação de prática de atividades incompatíveis com a natureza do cargo, imposta pelo art.
117, XVIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e muito menos infringe a Lei nº 12.813, de 16/05/13.
Tanto é assim que a Portaria SRF em tela exige a autorização não do chefe imediato do
servidor, mas sim de autoridades de muito maior poder decisório (a saber, o Superintendente
ou o titular da da Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogep), atualizando o texto da
norma para a atual estrutura regimental da Secretaria da Receita Federal do Brasil, uma vez
que as matérias atinentes à gestão de pessoas, à época a cargo da Coordenação-Geral de
Programação e Logística (Copol), hoje são de competência regimental da Cogep). Tamanha
solenidade demonstra que o controle das informações que, em um determinado momento, a
administração da Secretaria da Receita Federal do Brasil vê como passíveis ou não de
disponibilização pública, pode refletir estratégia institucional, ultrapassando em muito a mera
gerência de pessoal exercida no âmbito da unidade de lotação do palestrante.
E se faz necessário prosseguir na leitura da norma. Até aqui, discorreu-se que o caput
do art. 1º da Portaria SRF nº 695, de 21/07/99, exige que o servidor submeta-se à autorização
do Superintendente ou do Coordenador-Geral Cogep a fim de ministrar ou participar de
eventos destinados a público externo e que versem sobre matéria fiscal da competência da
Secretaria da Receita Federal do Brasil. Por sua vez, o dispositivo seguinte, no § 1º do
mencionado art. 1º da norma, volta-se para esta autoridade, impondo que ela indefira o pedido
se o evento acerca daquela matéria for realizado ou patrocinado por pessoa física ou jurídica
de direito privado, prevendo uma exceção caso a participação do servidor seja de interesse da
Administração.
Pelo exposto, a falta ao trabalho para ministrar ou para participar de algum daqueles
eventos e nas condições definidas pela norma, sem a referida autorização, ainda que fora do
horário de expediente ou que tenha a ausência consignada em folha de ponto - seja para
posterior compensação, seja até para desconto da remuneração -, não tem afastada a
repercussão disciplinar, uma vez que esta independe da incidência ou não de efeitos
pecuniários.
Assim, por ora, a menos de novas decisões judiciais, os AFRFB associados à entidade
classista que, a qualquer tempo, tenham participado, sem autorização superior, fora do horário
de expediente, de eventos de que trata a Portaria SRF nº 695, de 21/07/99, não incorreram em
descumprimento de norma, uma vez que, com a mencionada decisão judicial, aquele
dispositivo nunca teve e não tem aplicação para aqueles servidores. Destaque-se que, para os
ATRFB, diferentemente, sempre prevaleceu a redação original da norma, que exige a
autorização.
16/05/13
Portanto, com fim meramente didático de melhor compreender o texto legal, pode-se
dizer que a Lei nº 12.813, de 16/05/13, contém comandos de grave natureza punitiva e de
natureza preventiva generalistas, no sentido de incidirem sobre todo o quadro de detentores de
cargos e empregos no Poder Executivo federal, e contém ainda outros comandos também de
natureza punitiva e de natureza preventiva mais específicos, que, para um grupo seleto de
agentes públicos, se somam àqueles comandos genéricos, impondo-lhes um regime ainda
mais severo de alcance material e de controle. A presente abordagem da Lei se iniciará pela
identificação do alcance subjetivo dos seus comandos mais genéricos e, por fim, apresentará o
alcance subjetivo mais delimitado dos seus comandos específicos.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 10. As disposições contidas nos arts. 4º e 5º e no inciso I
do art. 6º estendem-se a todos os agentes públicos no âmbito do Poder Executivo federal.
Art. 12. O agente público que praticar os atos previstos nos arts. 5º e 6º desta Lei incorre
em improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992,
quando não caracterizada qualquer das condutas descritas nos arts. 9º e 10 daquela Lei.
942
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e da aplicação das demais sanções
cabíveis, fica o agente público que se encontrar em situação de conflito de interesses
sujeito à aplicação da penalidade disciplinar de demissão, prevista no inciso III do art. 127
e no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou medida equivalente.
Para o foco de interesse do presente texto, todos os ocupantes de cargo que têm
exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil, sejam da Carreira de Auditoria da
Receita Federal do Brasil, sejam dos demais cargos administrativos, que não AFRFB e
ATRFB, integrantes do Plano Especial de Cargos do Ministério da Fazenda (Pecfaz, do
Quadro de Pessoal do Ministério da Fazenda), encontram-se alcançados pelos regramentos
genéricos tanto de índole punitiva quanto de índole preventiva da Lei nº 12.813, de 16/05/13.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 2º Submetem-se ao regime desta Lei os ocupantes dos
seguintes cargos e empregos:
I - de ministro de Estado;
II - de natureza especial ou equivalentes;
III - de presidente, vice-presidente e diretor, ou equivalentes, de autarquias, fundações
públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista; e
IV - do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, níveis 6 e 5 ou equivalentes.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 2º Submetem-se ao regime desta Lei os ocupantes dos
seguintes cargos e empregos:
Parágrafo único. Além dos agentes públicos mencionados nos incisos I a IV, sujeitam-se ao
disposto nesta Lei os ocupantes de cargos ou empregos cujo exercício proporcione acesso
a informação privilegiada capaz de trazer vantagem econômica ou financeira para o
agente público ou para terceiro, conforme definido em regulamento.
Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:
II - informação privilegiada: a que diz respeito a assuntos sigilosos ou aquela relevante ao
processo de decisão no âmbito do Poder Executivo federal que tenha repercussão
econômica ou financeira e que não seja de amplo conhecimento público.
E, para aproximar do presente foco de interesse, sabe-se que as atribuições legais dos
ocupantes dos cargos não só da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil mas
também dos demais cargos administrativos, que não AFRFB e ATRFB, integrantes do Pecfaz,
e até mesmo dos empregados que têm exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil
permitem (ainda que em diferentes graus) o acesso a informações sigilosas (no caso,
protegidas por sigilo fiscal), informações estas que demonstram a situação econômica, o
estado de riqueza e os negócios conduzidos pelo particular, de forma que o acesso a elas pode
propiciar vantagem econômica ou financeira ao agente público ou a terceiro. Daí, em
consequência, todos os ocupantes de cargos e empregos em exercício na Secretaria da Receita
Federal do Brasil, por força do parágrafo único do art. 2º, combinado com o inciso II do art.
3º, ambos da Lei nº 12.813, de 16/05/13, indepedentemente de nem sequer ocuparem cargos
do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS), à margem de dúvida, estão
alcançados não só pelos comandos e regramentos genéricos da Lei nº 12.813, de 16/05/13,
mas também pelos comandos mais específicos de maior severidade material e de controle
preventivo.
Assim, é preciso firmar a correta interpretação dos alcances a que se referem os arts.
10 e 2º da Lei nº 12.813, de 16/05/13. Em acréscimo aos comandos de natureza punitiva e
preventiva genéricos e de incidência integral (que se detalharão respectivamente em
4.7.3.18.6.b e 4.7.3.18.6.c), o art. 2º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, de forma mais especifica e
restritiva, aplica apenas aos dois subgrupos de agentes públicos acima já descritos alguns
regramentos ainda mais fortes, também de aspecto material e de controle preventivo (que se
detalharão em 4.7.3.18.6.d), em função da possibilidade de os seus cargos ou empregos os
exporem a situações de potencial conflito de interesses e lhes disponibilizarem acesso a
informações privilegiadas (seja por acesso presumido automaticamente pela Lei, seja por
acesso concreto de forma individualizada em razão do múnus da cada cargo e conforme
regulamentação infralegal) ou tê-los expostos àquelas situações ou ter lhes disponibilizado
aqueles acessos, já que o regime especial se mantém sobre estes agentes públicos até por seis
meses após o fim do exercício do cargo ou emprego. A leitura conjunta dos arts. 2º e 10 da
Lei nº 12.813, de 16/05/13, somente mantém a presumida harmonia interna do ordenamento
se compreendida no sentido de que o regime disciplinar e o controle preventivo mais severos
daquela Lei delimitadamente se aplicam aos dois subgrupos restritos que o art. 2º define, ao
passo que os regramentos punitivos e de prevenção genéricos se aplicam a todo o universo de
agentes públicos federais, sem mitigação ou exceção no âmbito de todo o Poder Executivo
federal.
Assim, a bipartição teórica acima proposta conduz a elaborar que não é qualquer
interesse que inquina uma atividade privada de conflituosa. Esta qualificação pode ser
compreendida como aplicável a duas ramificações teóricas de atividades, com o efeito comum
de ambas propiciarem a prevalescência do interesse particular em detrimento do interesse
público, revelando a postura anfíbia do agente público.
Orientação Coger nº 32
A incompatibilidade material da atividade privada não se vincula às momentâneas
condições em que o servidor cumpre suas funções, em termos de lotação, exercício e
localização interna, nem ao fato de estar ele em gozo de licença ou afastamento, mas sim à
integral extensão das atribuições legais de seu cargo.
O art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, em seus sete incisos, elenca, em lista exaustiva
para a sua gravosa aplicação, as condutas comissivas ou omissivas e demarcadas pelo ânimo
subjetivo doloso que configuram conflito de interesses para o foco de presente interesse, qual
seja, de concomitância destas atividades com o exercício do cargo, no alcance subjetivo de
qualquer agente público federal.
informações privilegiadas e a sua divulgação ou o seu uso com o fim específico de propiciar
proveito para o próprio servidor ou para terceiro configura a hipótese legal de conduta
suscitadora de conflito de interesses. E, por óbvio, sem prejuízo também da configuração da
hipótese legal de conduta ensejadora de conflito de interesses quando tal informação, de
conhecimento reservado, é relevante em processo decisório governamental de repercussão
econômica ou financeira - hipótese que, a priori, se volta a um grupo restrito de servidores
detentores de um poder de acesso mais qualificado.
Também convém apontar que a presente hipótese legal aglutina, de certa forma, dois
dispositivos disciplinares estatutários, a saber, do art. 132, IX e do art. 117, IX, ambos da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, que vedam revelação de segredo acessado em razão do cargo e o
valimento das prerrogativas do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem. Nos termos
que se exporão em 4.5.3, a resolução do conflito aparente de normas resta solucionada,
primeiramente, pela literal adequação da conduta à hipótese legal mais específica, qual seja,
da divulgação ou do uso da informação privilegiada motivada pelo dolo específico de lograr
proveito, e pela ponderação da gravidade e do grau de repugnância daquela conduta em
comparação às condutas que mereceriam enquadramentos nos dois dispositivos disciplinares
estatutários mais generalistas. Em outras palavras, o conflito aparente de normas se resolve
pela ponderação, à luz do critério da especialidade, de que a conduta sob apreço, caracterizada
pelo conflito de interesses, é merecedora de mais forte repulsa e, consequentemente, da
aplicação do enquadramento conceitualmente de maior gravosidade, de improbidade
administrativa (por ofensa a princípios reitores da Administração, conforme define o caput do
art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92), em razão da norma especial, a Lei nº 12.813, de
16/05/13, em detrimento da norma genérica, a Lei nº 8.112, de 11/12/90.
O inciso II do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, por sua clara literalidade, requer a
ação verbal de exercer a atividade conflituosa, o que faz subentender certo grau de
continuidade, não se amoldando à hipótese legal - pelo menos a priori - uma conduta única e
também não há um enquadramento de literalidade similar na Lei nº 8.112, de 11/12/90, a
exigir o emprego do critério da especialidade para solucionar o conflito aparente de normas.
A terceira hipótese legal define como conflituosa a prática, direta ou indireta, por parte
949
do servidor, de atividade privada que, em razão de sua natureza, seja incompatível com as
atribuições legais do cargo ou ainda a prática de atividade desenvolvida em área correlata à
que se tem como incompatível.
Ademais, este dispositivo legal é tão abrangente que abarca como suscitadoras de
conflito de interesses tanto as atividades que sejam exercidas diretamente pelo próprio
servidor quanto aquelas em que o agente público, mantendo seu nome oculto mas sob seus
controle, conta e ordem, lança mão de interpostas pessoas para que estes terceiros,
dissimulando o real interesse na atividade, apareçam e figurem como o executante.
O inciso III do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, por sua clara literalidade, requer a
ação verbal de exercer a atividade conflituosa, o que faz subentender certo grau de
continuidade, não se amoldando à hipótese legal - pelo menos a priori - uma conduta única.
Neste sentido do esforço de tentar diferenciar a aplicação do art. 117, XVIII da Lei nº
8.112, de 11/12/90, da aplicação do art. 5º, III da Lei nº 12.813, de 16/05/13, pode-se cogitar
que aquele primeiro enquadramento se dê ainda que sob ânimo culposo, enquanto o segundo
requer o dolo. Nesta linha, o ânimo subjetivo culposo do art. 117, XVIII da Lei nº 8.112, de
11/12/90, pode ser compreendido pela percepção de que ainda que o servidor pratique
intencionalmente determinada atividade privada, o faz sem saber de que tal prática é
institucionalmente considerada como incompatível. Esta lacuna na total compreensão do
caráter infracional de sua prática pode ser tida aqui como relevante, já que, sob luz do Direito
punitivo, para se imputar como dolosa qualquer conduta, requer-se que o agente tenha plena e
integral consciência e intencionalidade acerca de todos os elementos do enquadramento, o que
não ocorreria na hipótese quanto à natureza incompatível da atividade privada. Ademais, em
4.7.3.18.4.c, foram apresentadas outras situações, de menor grau de afronta e de gravosidade
ou merecedoras de uma interpretação mais benéfica e cautelosa, que justificam a defesa de
que não houve revogação nem parcial e nem tácita (melhor dizendo, não houve derrogação)
do inciso XVIII do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, para nele serem enquadradas.
O inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, por sua clara literalidade, requer a
ação verbal de atuar na defesa de interesses privados junto à Administração não só federal
mas também estadual, distrital ou municipal, o que faz subentender certo grau de
continuidade, não se amoldando à hipótese legal - pelo menos a priori - uma conduta única.
951
Na mesma linha já abordada para a primeira, para a terceira e para a quarta hipóteses, a
presente hipótese legal, de certa forma, se aproxima, mas com alcance mais restrito, do
dispositivo disciplinar estatutário do art. 117, XII da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que veda ao
servidor receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de
das atribuições legais de seu cargo. A resolução do conflito aparente de normas novamente
resta solucionada, primeiramente, pela literal adequação da conduta à hipótese legal mais
específica, qual seja, do recebimento de presente por especial interesse do ofertante no poder
decisório do servidor, e pela ponderação da gravidade e do grau de repugnância daquela
conduta em comparação a condutas que mereceriam enquadramento no dispositivo disciplinar
estatutário mais generalista. Em outras palavras, o conflito aparente de normas se resolve pela
ponderação, à luz do critério da especialidade, de que a conduta sob apreço, caracterizada pelo
conflito de interesses, é merecedora de mais forte repulsa e, consequentemente, da aplicação
do enquadramento conceitualmente de maior gravosidade, de improbidade administrativa (por
ofensa a princípios reitores da Administração, conforme define o caput do art. 11 da Lei nº
8.429, de 02/06/92), em razão da norma especial, a Lei nº 12.813, de 16/05/13, em detrimento
da norma genérica, a Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Por fim, ainda em relação de comparação com a segunda hipótese, tem-se que a sétima
e última hipótese de atividade suscitadora de conflito de interesses reside na prestação de
serviços, mesmo que eventuais, em favor de pessoa jurídica que, mais do que ter interesse no
poder decisório do servidor, tenha sua própria atividade que determina seu objeto social
controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual se vincula o agente público. Em razão da
presença do termo “fiscalizada” no dispositivo legal, se faz necessário firmar sua adequada e
razoável interpretação, sob pena de uma visão apressada e equivocada levar ao incorreto
entendimento, por exemplo, de que, sendo um grande universo das pessoas jurídicas, como
regra, ordinariamente submetido à fiscalização tributária da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, apenas por isto, já estariam incursos em atividade incompatível todos os servidores em
exercício no órgão que praticassem qualquer atividade privada, mesmo que de natureza
perfeitamente compatível. Diferentemente, tem-se que o termo “fiscalizada” está vinculado ao
termo “atividade”, que o antecede no texto legal. Sendo assim, a fiscalização de tributos não
está abrangida pelo dispositivo, pois esta atividade fiscal de natureza tributária não se
confunde com a fiscalização da atividade em si da empresa, exercida pelos órgãos de controle
ou de regulação da atividade empresarial. O presente dispositivo não se volta às atividades
fiscais ordinárias de natureza tributária que recaem indistintamente sobre qualquer
contribuinte, mas sim à prestação de serviços, por parte, precipuamente, do servidor de órgãos
de controle e de agências reguladoras e que fiscalizam a regularidade do funcionamento e da
prática de determinadas atividades econômicas, em pessoas jurídicas cujas atividades
submetem-se àqueles controles e regulações.
Mas, de outro lado, cabe uma ressalva no que acima se expôs. É certo que o simples
fato de um servidor da Secretaria da Receita Federal do Brasil dedicar-se a qualquer tipo de
empreitada privada de prestação de serviços a favor de uma pessoa jurídica que
ordinariamente deve submeter seus rendimentos à tributação não tem o condão de inquinar,
pelo inciso VII do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, tal atividade como conflituosa,
conforme já se havia adiantado quando se buscou uma modelação teórica para o conceito de
incompatibilidade, em 4.7.3.18.2. Não obstante, em razão das competências legais e
regimentais do órgão fiscal, há atividades privadas que se submetem sim a uma espécie de
controle ou de fiscalização ou à regulação (normatização) pelo Fisco, guardando então uma
relação com Secretaria da Receita Federal do Brasil muito mais intensa, específica e cotidiana
que simplesmente submeter seu estado de riqueza e de negócios à tributação. Por exemplo, no
macroprocesso de trabalho aduaneiro, em razão das características próprias da logística e da
953
O inciso VII do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, por sua clara literalidade, requer
a ação verbal de exercer a atividade conflituosa, o que faz subentender certo grau de
continuidade (ainda que eventual), não se amoldando à hipótese legal - pelo menos a priori -
uma conduta única e também não há um enquadramento de literalidade similar na Lei nº
8.112, de 11/12/90, a exigir o emprego do critério da especialidade para solucionar o conflito
aparente de normas.
E, conforme se antecipou no início deste tópico, além das sete definições materiais de
ilícitos associados a conflito de interesses no art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, para atos
cometidos na regra geral do exercício do cargo ou do emprego, o art. 10 da citada Lei também
inclui nos comandos punitivos generalistas o dispositivo do inciso I do 6º da mesma Lei, que,
por sua vez, estende o espectro material para fatos cometidos já após findo o exercício do
cargo ou emprego por qualquer agente público (mesmo para o ex-ocupante de cargo ou
emprego que a priori não era tido como potencial detentor de informações privilegiadas).
revogados por aquela primeira Lei (melhor dizendo, no caso, cogitando-se de revogação
parcial da Lei anterior, se teria a derrogação daqueles dispositivos). Ao contrário, tão-somente
o legislador inovou o ordenamento ao impor para o quadro funcional e ao dispor para o
aplicador do Direito a possibilidade de incidência da Lei nº 12.813, de 16/05/13, e não da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, quando as situações práticas se amoldarem àqueles comandos mais
específicos, sempre voltados de forma mais direcionada, reservada e extrema a condutas que,
com especial e destacada gravidade, põem em colisão os interesses público e privado. O
conflito apenas aparente de normas (já que, a priori, parece que uma mesma conduta tanto se
subsume a algum enquadramento da Lei nº 8.112, de 11/12/90, quanto encontra definição no
art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13) se soluciona com o emprego do critério da
especialidade, que aponta para a eleição da norma mais específica, qual seja, a que, em
especial (diferentemente dos dispositivos disciplinares estatutários generalistas), define o
conflito de interesses.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 13. O disposto nesta Lei não afasta a aplicabilidade da Lei
nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, especialmente no que se refere à apuração das
responsabilidades e possível aplicação de sanção em razão de prática de ato que configure
conflito de interesses ou ato de improbidade nela previstos.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 12. O agente público que praticar os atos previstos nos
arts. 5º e 6º desta Lei incorre em improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei nº
8.429, de 2 de junho de 1992, quando não caracterizada qualquer das condutas descritas
nos arts. 9º e 10 daquela Lei.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e da aplicação das demais sanções
cabíveis, fica o agente público que se encontrar em situação de conflito de interesses
sujeito à aplicação da penalidade disciplinar de demissão, prevista no inciso III do art. 127
e no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou medida equivalente.
Nota Técnica Coger nº 2014/1: “8. Nessa linha, o exercício de atividade privada
incompatível com as atribuições do cargo público somente se enquadrará no art. 5º, III, da
Lei nº 12.813, de 2013 - configurando, portanto, improbidade administrativa - nos casos
em que estiver caracterizado o dolo por parte do agente infrator, o qual se consubstancia
na realização de atividade privada que o agente sabe ser incompatível.
10. Por outro lado, se o elemento subjetivo da conduta for a culpa - ou seja, se se tratar de
conduta em que não se constate a vontade livre e consciente do agente em praticar
atividade privada que sabe ser incompatível com as atribuições do cargo ou função, nos
termos indicados nos dois parágrafos precedentes -, então, estar-se-á diante da infração
administrativa disciplinar consignada no art. 117, inciso XVIII, da Lei nº 8.112, de 1990,
passível de punição com a sanção de suspensão.
11. Nesse último caso, apesar de restar caracterizada a ilegalidade da conduta do agente,
não se verifica a ocorrência do elemento subjetivo capaz de qualificar a ilegalidade
perpetrada e de transmutá-la em ato de improbidade.
956
12. Noutro giro, aplicada a penalidade disciplinar de suspensão ao servidor, caso este
venha posteriormente a reincidir na prática da atividade incompatível, ficará
caracterizado o dolo, devendo recair sobre o ato a qualificação de ímprobo.
Pelo exposto, conclui-se:
A Lei nº 12.813, de 2013, não revogou o disposto na primeira parte do inciso XVIII do art.
117 da Lei nº 8.112, de 1990;”
É indispensável atentar, acerca de tudo o que acima se afirmou sobre a incidência dos
comandos da Lei nº 12.813, de 16/05/13, para o inafastável princípio da irretroatividade da lei
penal, encartado no art. 5º, XL da CF, já abordado em 3.3.3.2. Não se coaduna com o
ordenamento pátrio que os comandos inovadores da Lei nº 12.813, de 16/05/13, sejam
aplicados a procedimentos investigativos ou a processos administrativos disciplinares em
curso quando da sua entrada em vigor (que se deu em 01/07/13, 45 dias após a data de sua
publicação oficial, em 17/05/13, pois, como a Lei não possui dispositivo próprio
determinando a sua vigência, aplica-se-lhe aquela regra geral estabelecida no art 1º do
Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 - antiga Lei de Introdução ao Código Civil -, atualmente
denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) mas decorrentes de condutas
praticadas até o dia 30/06/13. O regramento material da Lei nº 12.813, de 16/05/13, quando
cabível - nos termos acima expostos -, somente pode ser aplicado para fatos cometidos a partir
de 01/07/13.
estabelece regras gerais - sem prejuízo da remessa à regulamentação infralegal - no que diz
respeito não só às obrigações de todos os agentes públicos manterem conduta preventiva e
inibidora das práticas conflituosas mas também à atribuição de competências administrativas
para as atividades de fiscalização, de prevenção, de avaliação e de aferição de tais práticas por
parte de qualquer detentor de cargo ou de emprego federal.
Aqui, por ora, interessa apenas destacar aquele primeiro subgrupo, formado por altas
autoridades republicanas, porque, para este subgrupo, destaca-se uma competência
institucional diferenciada, conforme leitura conjunta do § 1º do art. 4º e do parágrafo único do
art. 8º, ambos da Lei nº 12.813, de 16/05/13. No que se refere aos ocupantes dos altos cargos e
empregos, nos termos dos incisos I a IV do art. 2º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, as
competências administrativas para as atividades de fiscalização, de prevenção e de aferição de
práticas conflituosas se reservam na Comissão de Ética Pública (diretamente vinculada à
Presidência da República).
texto.
Executivo estabeleceu, por meio da Portaria MF nº 71, de 28/04/14, que tais competências
recaem sobre as respectivas comissões de ética pública. Assim, no caso específico da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, que conta com sua própria comissão de ética, as
competências para receber as consultas e os pedidos, de efetuar análise preliminar sobre
existência de conflito de interesses e de autorizar pedidos para exercício de atividade privada
não conflituosa, em situações concretas e determinadas, recaem sobre a respectiva Comissão
de Ética Pública Seccional (CEPS-RFB). Desta forma, é como se o caput do art. 4º da Portaria
Interministerial MPOG/CGU nº 333, de 19/09/13, devesse ser lido com Comissão de Ética
Pública Seccional da Secretaria da Receita Federal do Brasil onde a priori se leria
Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas.
Art. 8º A CGU terá o prazo de quinze dias para manifestar-se sobre a consulta ou o pedido
de autorização para o exercício de atividade privada encaminhado pela unidade de
Recursos Humanos.
§ 1º Quando considerar insuficientes as informações recebidas, a CGU poderá solicitar
informações adicionais aos órgãos ou entidades envolvidos no caso.
§ 2º O pedido de solicitação de informações adicionais suspende o prazo estabelecido no
caput até o recebimento de manifestação do referido órgão ou entidade.
§ 3º O órgão ou entidade terá dez dias para enviar esclarecimentos adicionais à CGU,
contados do recebimento do pedido.
§ 4º A CGU devolverá o resultado da análise, devidamente fundamentada, à unidade de
Recursos Humanos correspondente, que o comunicará ao servidor ou empregado público
interessado.
§ 5º Nos pedidos de autorização, a comunicação do resultado da análise que concluir pela
inexistência de conflito de interesses ou sua irrelevância deverá ser acompanhada de
autorização para que o servidor ou empregado público exerça atividade privada
específica.
§ 6º O prazo mencionado no caput poderá ser prorrogado por igual período, ante
justificativa explícita.
Art. 9º O interessado, no prazo de dez dias contados a partir de sua ciência, poderá
interpor recurso contra a decisão prevista no art. 8º que entenda pela existência de conflito
de interesses.
Parágrafo único. Autoridade ou instância superior, no âmbito da própria CGU, terá quinze
dias para decidir o recurso e poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou
parcialmente, a decisão recorrida.
Portaria Interministerial MPOG/CGU nº 333, de 19/09/13 - Art. 10. Cabe à CGU criar o
sistema eletrônico para envio das consultas e pedidos de autorização referidos nesta
Portaria.
Art. 11. Até que seja criado o sistema referido no art. 10, as consultas e pedidos de
autorização deverão ser formulados nos termos dos Anexos I e II desta Portaria.
Portaria CGU nº 1.911, de 04/10/13 - Art. 4º Até que seja criado o sistema referido no art.
10 da Portaria Interministerial MP/CGU nº 333, de 2013, os recursos deverão ser
apresentados utilizando-se o formulário Anexo a esta Portaria e seguindo-se as instruções
nele contidas.
Além disto, em um módulo distinto, voltado aos agentes públicos lotados nas unidades
de recursos humanos ou em outras unidades ou órgãos designados pela Administração como
responsáveis pelo recebimento e tratamento dos pedidos e das consultas, o SeCI permite ao
órgão ou entidade pesquisar, acessar e responder solicitações enviadas pelos servidores e
empregados públicos e responder pedidos de informações adicionais feitos pelo órgão central.
Cabe informar que, uma vez que foi desenvolvido e é mantido pela Controladoria-
Geral da União, pelo SeCI tramitam pedidos ou consultas apenas entre os órgãos ou entidades
e aquele órgão central. As solicitações entre unidades do mesmo órgão ou entidade devem,
por isto, ser controladas e processadas em sistemas próprios internos.
Na sequência, compete à Coger, no prazo de até seis dias, prover uma análise
preliminar da petição, sob ótica disciplinar e remetê-la, via sistema Comprotdoc, como
subsídio, à CEPS-RFB (ou, se for o caso, devolver à Digep para a necessária complementação
da instrução). Por fim, cabe à CEPS-RFB, no prazo de até onze dias, proceder à análise
fundamentada da petição, devolvendo-a à Digep, seja solicitando a necessária
complementação da instrução, seja manifestando seu entendimento a favor ou contra os
interesses do servidor. Cabe à Digep comunicar ao servidor o resultado da análise (a favor ou
contra) realizada pela CEPS-RFB. No caso de a CEPS-RFB ter se manifestado contrariamente
965
à petição, cabe ainda à Digep remeter a análise, via SeCI, à Controladoria-Geral da União e
posteriormente comunicar ao servidor o resultado final da análise (afinal realizada pela
Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção - STPC), no prazo de um dia para cada
tarefa. Em todo caso, não havendo informações suficientes na petição, a análise retorna à
Digep, a fim de, motivadamente, encerrar a solicitação.
Mas, por outro lado, nada impede que, no caso de vir ao conhecimento do sistema
correcional a prática de atividade concreta e determinada que suscite dúvida se é ou não
conflituosa, pode a Coger consultar de ofício a CEPS-RFB, independentemente de iniciativa
do servidor, seguindo daí o trâmite de a consulta ser solucionada favoravelmente ao agente
público na própria CEPS-RFB ou de ser remetida à Controladoria-Geral da União no caso de
a CEPS-RFB vislumbrar conflito de interesses. Ainda mais excepcionalmente, até se pode
cogitar de a Coger provocar diretamente e de ofício a Controladoria-Geral da União (mesmo
que isto configure uma supressão de instância, diante de questões estratégicas e por economia
processual e estando o expediente perfeitamente instruído sem lacunas, aquele órgão central
pode conhecer da consulta, sem determinar seu retorno à CEPS-RFB).
Para o caso inespecífico (até pouco provável, reconheça-se) de uma atividade que já
vem sendo praticada pelo servidor e que venha a ser declarada como materialmente
incompatível pela Controladoria-Geral da União, por meio do seu Secretário de Transparência
e Prevenção da Corrupção, e sobre a qual possa se cogitar de que não era cristalina e
inequívoca a incompatibilidade (em outras palavras, em que se possa cogitar de que o agente a
praticava sem a clara consciência da ilicitude, inquinando pr culposa a prática, em razão da
ausência de consciência de todos os elementos do enquadramento, conforme se antecipou em
4.7.3.18.4.c), independentemente da ciência a ser dada pela Digep, convém o Escor (ou a
Coger) comunicar tal entendimento ao servidor e conceder prazo para que manifeste sua
intenção de cessar a prática tida com conflituosa; se, dentro deste prazo, o servidor trouxer
prova de que cessou com a conduta, o procedimento pode ser arquivado; em caso contrário,
pode-se cogitar de restar configurada a conduta dolosa do servidor e o PAD deve ser
instaurado, com possibilidade de conclusão por cometimento de ato de improbidade
administrativa, nos termos da Lei nº 12.813, de 16/05/13.
Por óbvio, não obstante esta recomendação de viés não intervencionista do sistema
correcional, no caso que parece mais provável e factível, qual seja, de o servidor praticar
atividade flagrante e indubitavelmente incompatível com as atribuições legais do cargo,
aquela cautelosa instrumentalização acima descrita pode ser dispensada, instaurando-se de
imediato o PAD com vista a apurar possível ato de improbidade administrativa.
limita, não altera e não extingue direito, sendo então uma norma meramente declaratória,
harmonizada com a tutela preventiva que se extrai do art. 4º da Lei nº 12.813, de 16/05/13.
Acrescente-se que a melhor interpretação desta norma não deve se deixar levar pela
alegação de que teria havido a figura do silêncio solene, que significaria erroneamente
interpretar que, se o subscritor da norma dirigiu seus efeitos apenas aos cargos da carreira
específica, é porque teria tido a intenção de não fazê-lo para os demais cargos administrativos
estranhos à carreira, integrantes do Plano Especial de Cargos do Ministério da Fazenda
(Pecfaz, do Quadro de Pessoal do Ministério da Fazenda)e que têm exercício na Secretaria da
Receita Federal do Brasil. Não é esta a leitura que se extrai. De fato, a Portaria RFB nº 444, de
23/03/15, não vincula os servidores ocupantes de cargos administrativos na Secretaria da
Receita Federal do Brasil, mas, de outro lado, não impede que idêntico comando lhes seja
aplicado.
Por fim, encerrando o desdobramento meramente didático com que se expôs a Lei nº
12.813, de 16/05/13, resta detalhar os comandos específicos para os dois subgrupos de agentes
públicos destacados no art. 2º da citada Lei. Conforme já abordado em 3.4.3.18.6.a, para estes
969
dois seletos subgrupos de agentes públicos, em razão da presunção legal (nos quatro incisos
do dispositivo) ou em razão da concreta possibilidade decorrente de seus múnus (no parágrafo
único do dispositivo, que abarca todos os servidores ocupantes de quaiquer cargos em
exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil) de se exporem a situações conflituosas
ou de acessarem informações privilegiadas, a Lei nº 12.813, de 16/05/13, lhes impôs um
regime específico e mais severo.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 9º Os agentes públicos mencionados no art. 2º desta Lei,
inclusive aqueles que se encontram em gozo de licença ou em período de afastamento,
deverão:
I - enviar à Comissão de Ética Pública ou à Controladoria-Geral da União, conforme o
caso, anualmente, declaração com informações sobre situação patrimonial, participações
societárias, atividades econômicas ou profissionais e indicação sobre a existência de
cônjuge, companheiro ou parente, por consanguinidade ou afinidade, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, no exercício de atividades que possam suscitar conflito de
interesses; e
II - comunicar por escrito à Comissão de Ética Pública ou à unidade de recursos humanos
do órgão ou entidade respectivo, conforme o caso, o exercício de atividade privada ou o
recebimento de propostas de trabalho que pretende aceitar, contrato ou negócio no setor
privado, ainda que não vedadas pelas normas vigentes, estendendo-se esta obrigação ao
período a que se refere o inciso II do art. 6º.
Parágrafo único. As unidades de recursos humanos, ao receber a comunicação de
exercício de atividade privada ou de recebimento de propostas de trabalho, contrato ou
negócio no setor privado, deverão informar ao servidor e à Controladoria-Geral da União
as situações que suscitem potencial conflito de interesses entre a atividade pública e a
atividade privada do agente.
Por fim, ainda que pequena relevância para o tema em tela, acrescente-se que as altas
autoridades republicanas elencadas nos quatro incisos do art. 2º da Lei nº 12.813, de 16/05/13,
acessoriamente, ainda devem publicar, diariamente na internet, sua agenda de compromissos
públicos.
Lei nº 12,813, de 15/06/13 - Art. 11. Os agentes públicos mencionados nos incisos I a IV do
art. 2o deverão, ainda, divulgar, diariamente, por meio da rede mundial de computadores -
internet, sua agenda de compromissos públicos.
971
administrativa.
4.7.3.18.7.a - Advocacia
Tal imputação advém da mera prática, do simples fazer. Ou seja, esta atividade é
conflitante mesmo se conduzida com boa-fé e dentro dos mesmos limites com que qualquer
outro advogado particular também atuaria, sem dolosamente agregar vantagens ao cliente em
função do cargo, tais como levar para esta atividade privada as técnicas de elisão fiscal ou de
evasão fiscal - entendidas como, respectivamente, condutas lícitas ou ilícitas com o fim de
evitar, retardar ou modificar a ocorrência de fato gerador de obrigação tributária ou os efeitos
dela decorrentes - ou ainda informações sigilosas ou estratégicas acessadas em razão do cargo
que beneficiem o particular em detrimento do interesse público ou que lhe propiciem burlar as
tutelas e os controles exercidos pela Administração. Isto porque a Lei nº 12.813, de 16/05/13,
tutela já desde o mero risco potencial, e tal risco se configura na hipótese em tela, pois sempre
é factível que o servidor acabe por levar os conhecimentos e os acessos a dados para empregá-
los na empreitada particular.
Com isto, a conduta se enquadra no inciso III do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13,
e consequentemente, como ato de improbidade administrativa no inciso IV do art. 132 da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, com a redação dada pelo art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, punível
com pena expulsiva. O fato de haver ou não remuneração não tem o condão de alterar o
enquadramento expulsivo (pois, no máximo atuaria apenas na dosimetria, como agravante no
caso positivo, inaplicável para pena capital), sendo a inobservância da Lei nº 11.890, de
24/12/08, imputável apenas aos cargos da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil,
absorvida pelo ilícito mais grave da incompatibilidade.
nenhuma relação com as atribuições legais do cargo (empregando a favor de uma das partes
os dados econômico-fiscais de uma empresa envolvida em ação trabalhista ou do outro
litigante em uma ação de separação litigiosa).
Orientação Coger nº 33
A prática da advocacia, em qualquer ramo de Direito, e de assessoria contábil são
materialmente incompatíveis com o exercício dos cargos da Carreira de Auditoria da
Receita Federal.
Uma vez que o servidor que exerce a advocacia poderia, no afã de obter o
convencimento do julgador e uma decisão favorável ao seu constituinte, se sentir atraído,
seduzido e tentado a acessar dados sigilosos que pudessem favorecer seu cliente na lide,
busca-se, com o enquadramento de tal atividade como incompatível, coibir desde já um mero
risco potencial, em sintonia com a vontade do legislador, também claramente exposta na Lei
nº 12.813, de 16/05/13.
E, por fim, no último degrau da conduta, se, ao advogar sobre matéria tributária ou
previdenciária, com ou sem remuneração e independentemente do horário, ainda por cima o
servidor de qualquer cargo em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil
dolosamente disponibiliza ao particular técnicas de elisão fiscal ou de evasão fiscal ou ainda
informações sigilosas ou estratégicas acessadas em razão do cargo que o beneficiem em
detrimento do interesse público ou que lhe propiciem burlar as tutelas e os controles exercidos
pela Administração, sempre se teve cristalino que tal conduta configura improbidade
administrativa, mesmo antes da evolução normativa no tema de conflito de interesses, atingida
com a edição da Lei nº 12.813, de 16/05/13. Pode-se cogitar de enquadramento como ato de
improbidade administrativa, na figura de prestação de consultoria ou assessoramento jurídico-
tributário (conforme o art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a título da definição que se
pode extrair do art. 9º, VIII ou do art. 11, III ou caput, da Lei nº 8.429, de 02/06/92, conforme
a peculiaridade de cada caso), ou ainda, estando presente a mácula em especial do instituto do
975
Concluindo então o tema sob ótica disciplinar, a leitura conjunta do art. 117, XVIII da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, e do art. 5º, III da Lei nº
12.813, de 16/05/13, estabelece que a prática advocatícia por parte de servidores ocupantes de
qualquer cargo em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil, em qualquer área do
Direito e ainda que em causa própria, com ou sem remuneração e mesmo que em horário
condizente com a jornada de trabalho, suscita conflito de interesses e sujeita o agente à
responsabilização disciplinar mediante PAD.
976
Embora se destaque que a hipótese ora exposta difere da simples aplicação imediata da
vedação demissiva estabelecida no art. 117, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90, vez que aqui não
se analisa o caso de servidor gerenciar ou administrar a sociedade, aplica-se parte da
explanação já exposta sobre o tema quando se abordou a questão da participação societária em
4.7.3.10.1 e se reproduz o que ora interessa.
mera participação em si, ainda que nela não se comprove nenhum ato de má-fé com o fim de
angariar benefício nesta atividade privada. Ou ainda, na hipótese mais extremada, conforme se
melhor aduzirá em 4.7.4.4.5 (e a cuja leitura se remete), tendo se comprovado qualquer
atuação dolosa, por parte do servidor, de repasse ou de disponibilização de técnicas de elisão
fiscal ou de evasão fiscal ou ainda de informações sigilosas ou estratégicas que beneficiem
aquela sociedade privada em detrimento do interesse público ou que propiciem à sociedade
burlar as tutelas e os controles exercidos pela Administração, a participação societária
ultrapassa a mera incompatibilidade e atinge o grau de repulsa de ato de improbidade
administrativa, merecendo enquadramento demissível, por leitura sistemática, no art. 132, IV
daquela Lei, podendo ser combinado com a leitura extraída do art. 9º, VIII ou do art. 11, III ou
caput, da Lei nº 8.429, de 02/06/92, conforme for peculiaridade de cada caso.
“De outro lado, a participação em sociedade pode ser interpretada como exercício de
atividade, e, portanto, se esta sociedade exerce atividades incompatíveis com o cargo do
servidor, configurada está o ilícito em comento. Neste ponto, relembre-se que o simples
fato de constar dos quadros sociais não configura a hipótese prevista no art. 117, inciso X,
devendo-se comprovar o exercício da gerência ou administração da sociedade. Não
obstante, constar simplesmente como sócio ou acionista, sem exercer a gerência ou
administração, pode configurar a proibição do art. 117, inciso XVIII, desde que a
sociedade exerça atividades incompatíveis com o cargo do servidor.”, Controladoria-
Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 302 e 303, 2013,
disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Ainda acerca deste tema, ressalve-se que não se justifica cogitar de repercussão
disciplinar em decorrência de participação societária que tão-somente represente um
investimento ou uma aplicação financeira por parte do servidor, em que não se verifique
nenhuma intenção ou sequer possibilidade de este efetivamente atuar e influir na persecução
dos objetivos da sociedade, seja à vista de seu percentual de participação no capital social,
seja à vista de sua representatividade pessoal dentre os demais sócios. Neste rumo, convém
reportar ao que já foi aduzido detalhadamente em 4.7.3.10.1, a cuja leitura se remete.
As leis que regem a atividade funcional dos servidores tutelam, dentre inúmeros outros
valores, a preservação da moralidade interna corporis à Administração, estabelecem
condições para o regular desempenho das atribuições públicas por parte de seus agentes e
prevê sanções na hipótese de descumprimento de seus comandos. Já a Lei nº 8.906, de
04/07/94, por sua vez, disciplina o exercício da profissão de advocacia e, dentre diversos
regramentos, estabelece condições para que um bacharel em Direito seja aprovado em exame
específico e inscrito como advogado naquela entidade classista para que, por fim, possa
exercer a atividade profissional.
Não há que se cogitar aqui de conflito de normas (entre o art. 117, XVIII da Lei nº
8.112, de 11/12/90; o art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08; e o art. 5º, III da Lei nº 12.813, de
16/05/13, em face dos arts. 28, VII e 30, I da Lei nº 8.906, de 04/07/94). Embora todos estes
comandos legais possam se dirigir uma mesma pessoa por um mesmo fato, cuidam de
diferentes tutelas. As três primeiras Leis refletem uma proibição estatutária na relação laboral
do servidor perante a Administração; a última Lei reflete um comprometimento de um
associado diante de sua entidade de classe. Não há preponderância, absorção e muito menos
revogação tácita de uma pela outra, mas sim apenas incidências independentes e superposição
de efeitos.
Tanto é verdade que são distintas as tutelas que, de um lado, o simples fato, por si só,
de o servidor de qualquer cargo em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil
inscrito como bacharel em Direito porventura ter inscrição como advogado na OAB não
configura ilicitude, se este não exerce a atividade; bem como, de outro lado, se este servidor
efetivamente exercer a advocacia, o fato de a OAB porventura ter lhe concedido a inscrição
não afasta a ilicitude estatutária e tampouco inibe o poder-dever que recai sobre a
Administração de instaurar o PAD e, se for o caso, punir o infrator.
Não obstante tudo acima exposto, apenas para se esgotar o assunto e a mero título de
informação, sem em nada interferir na questão funcional, aproveite-se para expor o
posicionamento da OAB quanto à prática de advocacia por agentes públicos.
Acrescente-se, por expressa previsão do Estatuto da OAB, no § 1º do seu art. 28, que a
incompatibilidade, também para os controles laborais a cargo da entidade, se preserva mesmo
estando o servidor temporariamente afastado do cargo, por férias, licenças e demais
afastamentos.
Concluindo então o tema sob o foco classista, além das independentes repercussões
disciplinares, cabem representações à OAB em razão de se ter conhecimento de exercício
ilegal da advocacia (seja por incompatibilidade, como AFRFB e ATRFB exercendo qualquer
ramo da profissão, seja por impedimento, como ocupantes de cargos administrativos do
Pecfaz advogando contra a Fazenda).
Nesta linha adotada pelo diploma legal, já se tinha que o Conselho Nacional de
Educação, órgão colegiado e vinculado ao Ministério da Educação, por meio de sua
Resolução CNE/CES nº 9, de 01/10/04, em seus arts. 5º e 7º, determinou que os cursos de
graduação em Direito devem contemplar o estágio curricular supervisionado como um
componente obrigatório de suas grades e a ser realizado em núcleo de prática jurídica na
instituição de ensino superior ou ainda em serviços de assistência judiciária na própria
instituição ou em órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou
ainda em departamentos jurídicos oficiais.
jurídico ou de bacharel em Direito como estagiário, permitindo que, nos dois anos do
chamado estágio profissional, pratique atos de advocacia, desde que em conjunto com
advogado e sob sua responsabilidade.
De forma muito análoga ao que acima se aduziu para a advocacia, também a atuação
de servidor de qualquer cargo em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil - sejam
AFRFB e ATRFB, integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, sejam
ocupantes de outros cargos administrativos, integrantes do Plano Especial de Cargos do
Ministério da Fazenda (Pecfaz, do Quadro de Pessoal do Ministério da Fazenda) - na
atividade contábil, por si só, ainda que praticada em horário compatível com a jornada de
trabalho e com ou sem remuneração, configura óbvio conflito de interesses.
Tal imputação advém da mera prática, do simples fazer. Ou seja, esta atividade é
conflitante mesmo se conduzida com boa-fé e dentro dos mesmos limites com que qualquer
outro contador particular também atuaria, sem dolosamente agregar vantagens ao cliente em
função do cargo, tais como levar para esta atividade privada as técnicas de elisão fiscal ou de
evasão fiscal - entendidas como, respectivamente, condutas lícitas ou ilícitas com o fim de
evitar, retardar ou modificar a ocorrência de fato gerador de obrigação tributária ou os efeitos
dela decorrentes - ou ainda informações sigilosas ou estratégicas acessadas em razão do cargo
que beneficiem o particular em detrimento do interesse público ou que lhe propiciem burlar as
tutelas e os controles exercidos pela Administração. Isto porque a Lei nº 12.813, de 16/05/13,
tutela já desde o mero risco potencial, e tal risco se configura na hipótese em tela, pois sempre
é factível que o servidor acabe por levar os conhecimentos e os acessos a dados para empregá-
los na empreitada particular.
nº 8.112, de 11/12/90, com a redação dada pelo art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, punível
com pena expulsiva. O fato de haver ou não remuneração não tem o condão de alterar o
enquadramento expulsivo (pois, no máximo atuaria apenas na dosimetria, como agravante no
caso positivo, inaplicável para pena capital), sendo a inobservância da Lei nº 11.890, de
24/12/08, imputável apenas aos cargos da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil,
absorvida pelo ilícito mais grave da incompatibilidade.
Orientação Coger nº 33
A prática da advocacia, em qualquer ramo de Direito, e de assessoria contábil são
materialmente incompatíveis com o exercício dos cargos da Carreira de Auditoria da
Receita Federal.
Uma vez que o servidor que exerce a atividade contábil poderia, no afã de obter o
melhor resultado de planejamento fiscal a favor do seu cliente, se sentir atraído, seduzido e
tentado a utilizar estratégias e dados sigilosos, busca-se, com o enquadramento de tal
atividade como incompatível, coibir desde já um mero risco potencial, em sintonia com a
vontade do legislador, também claramente exposta na Lei nº 12.813, de 16/05/13.
E, por fim, no último degrau da conduta, se, ao atuar com contabilidade, com ou sem
remuneração e independentemente do horário, ainda por cima, o servidor de qualquer cargo
em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil dolosamente disponibiliza ao
particular técnicas de elisão fiscal ou de evasão fiscal ou ainda informações sigilosas ou
estratégicas acessadas em razão do cargo que o beneficiem em detrimento do interesse público
ou que lhe propiciem burlar as tutelas e os controles exercidos pela Administração, sempre se
teve cristalino que tal conduta configura improbidade administrativa, mesmo antes da
evolução normativa no tema de conflito de interesses, atingida com a edição da Lei nº 12.813,
de 16/05/13. Pode-se cogitar de enquadramento como ato de improbidade administrativa, na
figura de prestação de consultoria ou assessoramento contábil-tributário (conforme o art. 132,
IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a título da definição que se pode extrair do art. 9º, VIII ou do
art. 11, III ou caput, da Lei nº 8.429, de 02/06/92, conforme a peculiaridade de cada caso), ou
ainda, estando presente a mácula em especial do instituto do conflito de interesses, pode-se
também enquadrar como improbidade administrativa, no caput do art. 11 da Lei nº 8.429, de
02/06/92, por força do art. 12 da Lei nº 12.813, de 16/05/13, em todos estes casos cabendo a
punição com pena expulsiva. Igualmente às hipóteses anteriores, a existência de remuneração,
por si só, não altera o enquadramento, sendo a inobservância da Lei nº 11.890, de 24/12/08,
absorvida pelo ilícito mais grave.
Concluindo então o tema sob ótica disciplinar, a leitura conjunta do art. 117, XVIII da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, do art. 3º da Lei nº 11.890, de 24/12/08, e do art. 5º, III da Lei nº
12.813, de 16/05/13, estabelece que a prática da contabilidade por parte de servidores
ocupantes de qualquer cargo em exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil, com ou
sem remuneração e mesmo que em horário condizente com a jornada de trabalho, suscita
conflito de interesses e sujeita o agente à responsabilização disciplinar mediante PAD.
É de se destacar que a entidade de classe dos contadores não prevê nenhuma forma de
vedação (em especial no Decreto-Lei nº 9.295, de 17/05/46, que criou o Conselho Federal de
Contabilidade), nos moldes que possui a OAB, seja de escrituração, seja de assessoramento,
para nenhum cargo ou carreira.
4.7.3.18.7.c - Praticagem
Com base nestas competências regulamentares e nos termos do art. 4º da Lei nº 9.537,
de 11/12/97, a DPC, por meio da Portaria DPC nº 78, de 15/04/11, aprovou as Normas da
Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem (Normam-12/DPC). As Normam-12/DPC,
estruturadas em itens numerados, normatizam o serviço de praticagem nas águas
jurisdicionais brasileiras, aplicáveis, de maneira especial, aos práticos e aos praticantes de
prático
Permite-se até inferir que a concomitância das atuações como prático e como servidor
do Fisco se avolume como o melhor e figurativamente mais didático exemplo da posição
anfíbia de conflito de interesses, pois tanto pode-se ter o servidor incorrendo em
favorecimento ao transportador quando atuando em sua empreitada privada como prático, em
razão das prerrogativas de agente do Fisco, como pode também este mesmo servidor se sentir
vinculado ao interveniente privado quando, investido da função pública, tiver de exercitar
suas prerrogativas funcionais, sejam de controle administrativo, sejam de arrecadação. O
conflito de interesses quando um servidor em exercício na Secretaria da Receita Federal do
Brasil atua no serviço de praticagem tanto pode acarretar que o agente público atue na
empreitada partícular concedendo um tratamento favorável ao interveniente privado no
comércio exterior quanto pode levar a uma contaminação da isenção do agente público no
991
Isto porque, conforme impõe o Regulamento Aduaneiro (que, convém lembrar, nada
mais é que a consolidação e a regulamentação de comandos legais estatuídos no Decreto-Lei
nº 37, de 18/11/66), aqui não se trata de uma situação ordinária de qualquer ramo de atividade
econômica sujeita à fiscalização e à tributação exercidas pela Secretaria da Receita Federal do
Brasil sobre a situação econômica ou financeira ou sobre os negócios ou atividades de
qualquer contribuinte, em que de nada importa a atividade explorada, mas simplesmente as
rendas dela auferidas. Diferentemente, o que se tem no caso é uma especial e diferenciada
relação de controle, fiscalização e regulação (normatização) da atividade em si. Conforme já
exposto em 3.2.6.2.2, no macroprocesso de trabalho aduaneiro, intervenientes no comércio
exterior, tais como importadores, exportadores, transportadores, depositários, despachantes
aduaneiros, agentes de cargas, operadores multimodais e operadores portuários, compõem a
logística da atividade econômica e estão indissociavelmente integrados à cadeia de
procedimentos e, como tal, sujeitam-se a obrigações tributárias principais e acessórias
específicas.
Neste caso peculiar, de imediato, antes mesmo de adentrar na questão material, se tem
cristalina, como em raras situações, a presumível incompatibilidade física de jornada de
trabalho, vez que o serviço de praticagem é considerado essencial e ininterrupto e o prático é
obrigado a cumprir determinada escala mínima de trabalho em um único porto, sob pena de
desabilitação. Diante disto, é inequívoco que haverá uma superposição de horários, o que
pode expor a função pública a ser renegada uma intolerável posição subalterna, secundária e
não prioritária em termos de dedicação e comprometimento do agente (não só para aqueles
servidores de jornada diária de oito horas presenciais, mas também para aqueles que possuam
situações peculiares de cumprimento de jornada, seja em atividades desempenhadas em
ambiente externo, seja em atividades com jornada diária reduzida em unidades de
atendimento, seja em atividades desempenhadas em regime de plantão, escala ou turnos de
revezamento).
E, mais que isto, de tão ricamente figurativo é o caso, aqui também se tem, além da
imediata configuração de incompatibilidade em razão de superposição de jornada de trabalho,
a aplicação do inciso VII do art. 5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, como fundamento legal
para considerar a relação conflituosa, pois não se tolera que um agente público com atribuição
legal para exigir obrigações do transportador também figure, de forma anfíbia, como assessor
do comandante da embarcação. O fato de haver ou não remuneração não tem o condão de
alterar o enquadramento expulsivo (pois, no máximo atuaria apenas na dosimetria, como
agravante no caso positivo, inaplicável para pena capital), sendo a inobservância da Lei nº
11.890, de 24/12/08, imputável apenas aos cargos da Carreira de Auditoria da Receita Federal
do Brasil, absorvida pelo ilícito mais grave da incompatibilidade.
atividades pela mesma pessoa não é desejável. Além das questões de ordem prática que
envolvem o desdobramento do servidor entre João Pessoa e Belém, a prestação de serviços
particulares a um transportador por um agente público que possui a atribuição legal de
fiscalizá-lo tem o condão de comprometer a confiança do público na independência,
imparcialidade e moralidade desse agente e do serviço público prestado por seu órgão.
19. Não é por outra razão que o inciso VII do art. 5º da Lei nº 12.813/2013, que dispõe
sobre as situações que configuram conflito de interesses no exercício da função pública,
veda a todo agente público federal a prestação de serviços, ainda que eventuais, à empresa
cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual ele estiver
vinculado. Trata-se de impedir que um agente público vinculado a determinado órgão ou
entidade preste serviços a uma empresa cujo negócio principal seja fiscalizado por esse
mesmo órgão ou entidade. O objetivo deste artigo é justamente evitar a confusão entre
fiscal e fiscalizado, que pode comprometer, senão o próprio trabalho de fiscalização, a
confiança do público na instituição e dos agentes responsáveis pela atividade.
20. O exercício da atividade de Prático da Marinha Mercante pressupõe a prestação de
serviços a empresas de transporte marítimo. Dentre as atividades primordiais dessas
empresas destaca-se o embarque e desembarque de mercadorias sujeitas a controle
aduaneiro. Conforme demonstrado acima, o planejamento, a coordenação, a supervisão, a
execução, o controle e a avaliação da atividade aduaneira são atribuições essenciais da
Receita Federal do Brasil, que as exerce por meio de seus Auditores-Fiscais. Percebe-se,
portanto, que a atividade de Prático da Marinha Mercante não se coaduna com o exercício
do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Essa incongruência, com fulcro
no inciso VII do art. 5º da Lei nº 12.813/2013, independe das condições individuais do
efetivo exercício do cargo, posto que momentâneas e transitórias, mas advém do próprio
vínculo funcional estabelecido entre Auditor-Fiscal e Receita Federal.”
Sendo certo que o praticante de prático não presta o serviço de praticagem, exclusivo
dos práticos, não há que se imputar à participação no tal programa de qualificação a mácula de
atividade conflituosa, na mesma linha de entendimento por que é a atuação do prático, pois
não se configura sequer a ação verbal do enquadramento estabelecido no inciso VII do art. 5º
da Lei nº 12.813, de 16/05/13, qual seja, de prestar o serviço.
4.7.3.19 - Inciso XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 162. O indiciado que mudar de residência fica obrigado a
comunicar à comissão o lugar onde poderá ser encontrado.
consequente apenação sem a instauração do devido processo legal, com ampla defesa e
contraditório, por mais imediato, notório ou faticamente simplório que possa parecer algum
enquadramento. Neste sentido, para qualquer inciso deste artigo, aproveitam-se os argumentos
expostos em 4.10.2.4.5, em que se defende o rito legal para hipótese do art. 130, § 1º da Lei nº
8.112, de 11/12/90.
Lei nº 8.112 - Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria
ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
Mas, deve-se atentar para o fato de que a leitura desta expressão “crimes contra a
Administração Pública”, no CP, refere-se a todo o Título XI, do qual os arts. 312 a 326 do CP
são apenas o Capítulo I, dos crimes contra a Administração em geral. Estes artigos tratam dos
crimes contra a Administração em geral especificamente cometidos por servidores, quando do
exercício de sua função pública. Há ainda quatro outros Capítulos, de II a V, nos arts. 328 a
359-H do CP, englobando os crimes praticados por particulares contra a Administração em
geral (Capítulo II), os crimes praticados por particulares contra a Administração Pública
estrangeira (Capítulo III), os crimes contra a Administração da justiça (Capítulo IV) e os
crimes contra as finanças públicas (Capítulo V). Alguns destes crimes, sobretudo dos
capítulos intitulados crimes praticados por particulares (dos Capítulos II e III), têm a
peculiaridade de serem cometidos exclusivamente por particulares (tendo excluídos como
seus autores os agentes públicos no desempenho de suas funções) e outros deles podem ser
cometidos tanto por particulares quanto por agentes públicos no desempenho de suas funções,
998
Embora todos esses crimes, formalmente, sejam crimes contra a Administração e pudessem
estar, em sua totalidade dos cinco Capítulos do Título XI do CP, inseridos no alcance do art.
132, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90, é necessário levantar aqui uma linha de coerência
sistemática. Ora, se já se defendeu reiteradamente que o regime disciplinar volta-se apenas aos
atos ilícitos praticados no desempenho do cargo ou àqueles atos que ao menos tenham um
correlação com o cargo ocupado, mantendo afastada da persecução disciplinar, como regra, a
vida privada, aqui destoaria de interpretação sistemática defender que qualquer crime que, por
sua por sua própria definição, somente é praticável por particular. Ainda assim, são crimes
contra a Administração Pública. O caminho mais sensato é ponderar a literalidade do Título
XI do CP com o enquadramento do art. 132, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90, de forma que,
para fins disciplinares, não importam condutas que, embora típicas no Direito Penal como
crimes contra a Administração Publica, não são realizados por servidores em pleno exercício
do cargo ou sequer são a ele relacionadas.
“Os crimes, no entanto, referidos na Lei nº 8.112/90 são todos, sem exceção, os que se
acham catalogados no Código Penal ou em leis extravagantes, que podem ser praticados
por servidores contra o Estado.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pgs. 60 e 61, Editora Forense, 2ª edição,
2006
“(...) os fatos puníveis não são apenas os crimes funcionais catalogados pelos arts. 312 a
326 do Código Penal, mas todo e qualquer crime contra a Administração.
Incluem-se (...) os dos arts. 328 e segs, do CP (crimes praticados por particular contra a
Administração em geral, neste caso com o servidor fora do exercício de suas funções) e os
dos arts. 338 e segs. do CP (crimes contra a administração da justiça) (...).” Edmir Netto
de Araújo, “O Ilícito Administrativo e seu Processo”, pgs. 201 e 212, Editora Revista dos
Tribunais, 1ª edição, 1994
E, no caso ainda mais específico de que aqui se trata, de crimes praticados por
servidores do Fisco, que detêm atribuição legal de lançar ou cobrar tributo ou contribuição
social de competência federal, o inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, deve ter
leitura extensiva, alcançando também os crimes contra ordem tributária do art. 3º da Lei nº
8.137, de 27/12/90.
Em síntese, este art. 3º da Lei nº 8.137, de 27/12/90, tipifica crimes similares aos
previstos nos arts. 314, 316, 317 e 321 do CP, prevendo, entretanto, penas mais gravosas.
Configurada uma destas hipóteses típicas, uma vez que o ordenamento repudia o bis in idem
(dupla penalização para mesmo fato), resolve-se o aparente conflito de normas elegendo-se,
para o caso de servidores da Secretaria da Receita Federal do Brasil, a cominação da Lei nº
8.137, de 27/12/90. Por ser mais específica (exige que o agente seja servidor fazendário,
enquanto que o CP trata de servidores quaisquer), a Lei nº 8.137, de 27/12/90, deve prevalecer
sobre a norma penal mais geral.
Lei nº 8.137, de 27/12/90 - Art. 3°. Constitui crime funcional contra a ordem tributária,
além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal
(Título XI, Capítulo I):
Art. 15. Os crimes previstos nesta lei são de ação penal pública, aplicando-se-lhes o
disposto no art. 100 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
Neste caso, em que se estaria cogitando de conduta capaz de satisfazer aos requisitos
mais exigentes da tipificação penal, com certeza também será cabível algum enquadramento
administrativo puro, já que esta instância tem requisitos mais elásticos para considerar uma
conduta como ilícito. E é assim que se recomenda que aja a comissão ao se deparar com tal
hipótese: proceder à indiciação com base em enquadramento administrativo puro e não no art.
132, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
“17. Todo crime praticado por funcionário contra a administração pública (Código Penal,
arts. 312 a 327), constitui, também uma infração administrativa, capitulada ou no art. 117
ou no art. 132 da Lei n° 8.112/90. A recíproca, porém, não é verdadeira: nem toda
infração disciplinar configura crime.”
“A infração disciplinar é um ‘minus’ em relação ao delito penal, daí resultando que toda
condenação criminal, por ilícito funcional, acarreta punição disciplinar, mas nem toda
falta administrativa exige sanção penal.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 47, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“18. (...) a demissão, com fundamento no inciso I do art. 132, deve ser precedida de
decisão judicial transitada em julgado.”
“De efeito, dessume-se que, pelo princípio constitucional do juiz natural, somente o juízo
criminal competente poderá, por meio de sentença formal, reconhecer a existência desses
delitos, sem o que inexiste título jurídico para fundamentar, por esse motivo, a demissão do
servidor público. Daí porque reprimendas como tais deverão aguardar que esses
julgamentos transitem em julgado.” José Armando da Costa, “Controle Judicial do Ato
Disciplinar”, pg. 238, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2002
Neste tema, é de se ratificar que o Parecer AGU nº GQ-124 não manifesta que a
eventual demissão do servidor, por ato grave a ponto de também ser tipificado como crime, se
condiciona ao deslinde da instância penal, nos casos em que há repercussões disciplinar e
penal em razão de mesmo fato. O que tão-somente a manifestação administrativa ratifica é
que, para a específica e exclusiva demissão em razão de enquadramento no art. 132, I da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, necessita-se, como pré-requisito, da decisão judicial definitiva a cargo
do Poder competente para afirmar o crime, que é o Poder Judiciário. Mas isto em nada se
confunde com o inafastável princípio da independência das instâncias que, de forma geral,
permite que, para um mesmo fato, enquanto a Administração aplique ao servidor a pena de
demissão em razão de enquadramento autônomo ao do art. 132, I da Lei nº 8.112, de
1000
11/12/90, a instância penal também promova a sua ação e a devida apenação. Daí, embora
legalmente previsto na Lei estatutária, não se emprega o enquadramento no art. 132, I da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, mesmo que haja fortes indícios de conduta criminosa, sendo certo que
se obtêm outros enquadramentos estritamente administrativos que se aplicam à conduta
também criminosa, deixando-se de depender de decisão judicial definitiva.
Há previsão, no CP, em seu art. 92, para o efeito acessório da perda do cargo para
servidor condenado judicialmente. Tendo sido definitivamente condenado na esfera penal por
mais de um ano por crime funcional lato sensu ou por mais de quatro anos por crime comum,
o servidor pode sofrer ainda a perda do cargo, se assim declarar o juiz na sentença. Trata-se de
uma prerrogativa do juiz, não de uma obrigação; mesmo condenando na esfera penal, ele não
é obrigado a manifestar a perda do cargo. Não havendo a declaração judicial de perda do
cargo, a família do servidor recluso faz jus ao auxílio-benefício, de metade da remuneração, e,
após o cumprimento da pena, o servidor reassume seu cargo.
CP - Art. 92. São também efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11/07/84)
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº
9.268/96)
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos
crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração
pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos
nos demais casos.
Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
Não se deve confundir a falta de manifestação expressa do juízo pela perda do cargo
com impedimento para que a Administração, após a condenação penal definitiva pela autoria
do crime funcional (arts. 312 a 326 do CP ou art. 3º da Lei nº 8.137, de 27/12/90), proceda ao
processo administrativo disciplinar. Pode o juiz ter condenado por menos de um ano pelo
crime funcional (quando o juiz não pode manifestar a perda do cargo) ou não ter manifestado
1001
a perda do cargo embora tenha condenado por mais de um ano pelo crime funcional (quando é
prerrogativa do juiz fazê-lo ou não). Estas são as únicas hipóteses em que a Administração
está autorizada a demitir com base no art. 132, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90, pois o fato
criminoso já foi comprovado pela competente esfera judicial.
Mas não será cabível processo administrativo disciplinar na hipótese de o servidor ter
sido judicialmente condenado de forma definitiva por mais de quatro anos, em decorrência de
crime comum, não tendo o juiz manifestado a perda de cargo, pois, pelo crime não funcional
(em que se incluem os crimes comuns contra a Administração Pública, dos arts. 328 a 377 do
CP), não se justifica a instauração da esfera disciplinar.
“Em conclusão, pode-se assentar que somente depois de haver a Justiça Criminal
reconhecido a prática de crime contra a administração é que o servidor poderá ser
demitido nos termos do art. 132, inciso I, da Lei nº 8.112/90. Pode a sua demissão,
contudo, independer do juízo penal, caso essa mesma conduta, como expressão fática,
subsuma-se em outro dispositivo legal, como, por exemplo, o inciso IV desse mesmo artigo,
quando o fato, por exemplo, constitua também ato de improbidade administrativa, nos
termos de uma das hipóteses previstas nos arts. 9°, 10 e 11 da Lei n° 8.429/92, ou outra
hipótese qualquer enquadrável em dispositivo diverso daquele (inciso I).” José Armando
da Costa, “Controle Judicial do Ato Disciplinar”, pgs. 238 e 239, Editora Brasília
Jurídica, 1ª edição, 2002
“Certo é que a apenação disciplinar deve ser proposta em virtude da prática infracional de
natureza administrativa autônoma embora possa esta infração constituir elemento
integrativo de crime contra a administração pública, como sejam ‘valer-se do cargo para
lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública’,
‘abandono de cargo ou de função’, ‘improbidade administrativa’, ‘lesão aos cofres
públicos’, ‘dilapidação do patrimônio nacional’, receber subornos, gorjetas ou vantagens
pelo desempenho de suas funções.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime
Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pgs. 69 e 70, Editora Forense, 2ª edição,
2006
Além disto, se, em tese, a conduta foi tal que ensejou condenação criminal, que exige
maior rigor probatório, provavelmente também configurará ilícito administrativo, onde o rigor
probatório e o rito formal são menores.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional
do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.
Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será
adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, (...) (Redação dada pela Lei nº
9.527, de 10/12/97)
I - A indicação da materialidade dar-se-á: (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
a) na hipótese de abandono de cargo pela indicação precisa do período de ausência
intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias; (Incluído pela Lei nº 9.527, de
10/12/97)
Percebe-se indubitavelmente que o legislador quis apenar, com este ilícito, a conduta
de ausência ininterrupta superior a trinta dias consecutivos. Tanto é verdade que a definição
da materialidade se aperfeiçoa tão somente com a indicação do período de ausência, ou seja,
com a indicação do primeiro e do último dia de ausência ininterrupta, não sendo necessário
que a portaria de instauração de rito sumário para apurar abandono de cargo identifique cada
um dos dias do intervalo. No aspecto temporal, portanto, tem-se configurado o ilícito em tela
com o lapso de pelo menos trinta e um dias consecutivos sem um único dia de efetivo
exercício do cargo.
Na esteira, isto leva a concluir que a contagem temporal de abandono de cargo inclui
fins de semana, feriados e dias de ponto facultativo que estejam intercalados em dias úteis de
ausência ininterrupta do servidor. Em reforço à reinante interpretação de que, para a
1003
Também não cabe fracionar a materialidade do abandono de cargo para que parte de
uma sequência de ausências consecutivas e intencionais seja separada para o que for suficiente
para a configuração deste ilícito e a parte excedente desta mesma sequência seja considerada
para materialidade de inassiduidade, pois, neste caso, não há como dissociar o dolo
configurador do abandono de cargo (e que deve prevalecer sobre a ausência de justificativa
configuradora da inassiduidade habitual). Melhor figurando, quando se tem, em um período
de doze meses, uma determinada quantidade de faltas ao serviço interpoladas que não atinge o
limite de sessenta configuradoras da inassiduidade habitual e ainda se tem um período de
ausência ininterrupta para o qual se tem ânimo subjetivo de intencionalidade e se este período
totalizar mais de trinta ausências consecutivas, não cabe fracioná-lo, de forma a tomar apenas
31 ausências consecutivas para configurar o abandono de cargo e levar as excedentes faltas ao
serviço deste período continuado para se somar às demais faltas interpoladas, com o fim de
também ter configurada a quantidade necessária de sessenta faltas configuradoras da
inassiduidade habitual.
dois enquadramentos melhor se amolda a conduta absenteísta para, se for o caso, concluir por
seu cometimento e aplicar, em razão única, a pena de demissão. Há jurisprudência
administrativa neste sentido, conforme manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional.
“Ao termo ‘interpoladamente’ não se deve conferir interpretação restritiva, pois pode
ocorrer inassiduidade habitual caso o servidor não compareça ao serviço por 60 dias úteis
seguidos; a intenção do legislador foi garantir que 60 faltas injustificadas fossem
caracterizadas como infração disciplinar, estivessem elas intercaladas ou não, em
contraposição à infração de abandono do cargo, a qual requer um “plus” em relação à
inassiduidade habitual, isto é, a prova da intenção de abandonar o serviço por 31 dias.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 309
, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.
pdf, acesso em 07/08/13
A Lei estabeleceu um prazo razoável, de trinta dias consecutivos, para que se comece a
cogitar de abandono de cargo. Com este prazo, suprem-se pequenos e breves imprevistos a
que qualquer um está sujeito em sua vida cotidiana. Vencido este prazo em ausência, será
necessário motivo relevante para convencer que a ausência por mais de trinta dias não foi
intencional. O servidor deve atentar, por exemplo, para o fato de que a simples protocolização
de pedido de licença ou de qualquer outra forma de afastamento não elide sua obrigação de
permanecer em serviço até que a Administração se manifeste acerca de seu pedido. Por outro
lado, o surgimento de motivos de força maior, intransponíveis e alheios à vontade do servidor,
elide a intencionalidade do abandono de cargo e afasta o enquadramento. Em casos de
ausência por motivos de saúde, deve o servidor submeter-se à perícia médica ou entregar
tempestivamente atestados médicos particulares, conforme aduzido em 4.4.9.1. O
entendimento a ser aplicado ao direito de greve foi esposado em 4.7.2.10, ao se analisar o art.
116, X da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
“Não é qualquer motivo, portanto, que serve para justificar a ausência do servidor, do
local de trabalho por mais de 30 dias. As causas motivadoras da ausência que merecem
acolhida são as que se fundam em razões independentes de sua vontade. O motivo, assim,
precisa ser relevante, já que a ausência injustificada faz pressupor o desinteresse do
servidor na prestação do serviço público. Essa presunção só se afasta por motivo de força
maior, entendido, como tal, o obstáculo intransponível, de origem estranha, liberatório da
responsabilidade. (...)” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do
Servidor Público Civil da União”, pg. 71, Editora Forense, 2ª edição, 2006
Parecer PGFN/CJU/CED nº 1.498/2007: “23. Nesse diapasão, releva ponderar que, para
a caracterização do animus abandonandi, não se exige que o servidor tenha a intenção de
abandonar o cargo (o art. 138 da Lei nº 8.112, de 1990, apenas faz referência à ausência
intencional do servidor, e não abandono intencional), o que implicaria em caracterizar o
abandono do cargo sob o ponto de vista subjetivo do autor. O que se requer é a
configuração de sua vontade consciente (dolo direto) em ausentar-se do serviço (por mais
de trinta dias consecutivos, como visto), ou pelo menos a previsão e assunção do risco de
que seu comportamento leve a tal ausência (dolo indireto ou eventual), caracterizando,
destarte, o abandono de cargo do ponto de vista da Administração Pública.”
“(...) o elemento volitivo requerido pela lei (art. 138 do regime jurídico federal) não é
realmente o dolo direto (a intenção firme e consciente de abandonar o cargo), razão por
que busca o jurista Alcindo Noleto Rodrigues conciliar essa questão com a tese de que o
dolo exigido é o eventual (indireto) e não o direto, assim, explicitando o seu ponto de vista:
‘O mais que se pode exigir, in casu, como elemento subjetivo da configuração do ilícito
disciplinar, seria o dolo eventual, que consiste não propriamente em querer o resultado
antijurídico, mas em assumir, conscientemente, o risco de produzi-lo.
É o que se dá na espécie: embora sem animus, isto é, sem dolo direto de abandonar o
cargo, o funcionário, afinal, com o passar meses sem ir à repartição e sem procurar
justificar-se, arriscou-se a ser demitido por aquele abandono. Sua consciência dizia que
não estava procedendo às direitas, mas insistiu em seu comportamento, sem se importar
com as consequências. E isto é dolo indireto. CGR, parecer nº H-428/66, DO 10.12.67’
(...) a expressão ‘ausência intencional ao serviço’ (art. 138) deverá ser entendida não como
uma intenção direta do servidor em abandonar o cargo, e sim como conduta voluntária que
não sofreu a influência de insuperável, legítimo e justificável refluxo, ou seja, ação
ponderável e suficiente em sentido contrário.
De efeito, o que caracteriza o abandono de cargo é a ausência do funcionário ao serviço de
sua repartição por mais de trinta dias consecutivos, sem que haja circunstâncias
insuperáveis e legítimas que elidam a liberdade do agente na implementação da ação
faltosa. Nessas circunstâncias, ainda que o servidor não haja alimentado a vontade direta
de abandonar o cargo, ainda assim terá perpetrado essa transgressão disciplinar.” José
Armando da Costa, “Direito Administrativo Disciplinar”, pgs. 410 a 412, Editora Brasília
Jurídica, 1ª edição, 2004
pública, privilegiando quaisquer outros valores que não aqueles vinculados ao exercício de
suas atribuições públicas, ainda que por tão-somente 31 dias consecutivos, são suficientes
para configurar o animus abandonandis requerido para o enquadramento no art. 138 da Lei nº
8.112, de 11/12/90. Diante de tais condutas, não têm o condão de afastar a imputação meras
alegações, porventura apresentadas pelo servidor, associadas a motivações de foro íntimo,
pois a elas não deve se submeter o interesse público, sempre indisponível, inadiável e
inafastável. A Administração, cuja atividade requer continuidade, não pode ficar à mercê de
reveses, dissabores ou projetos pessoais de seus agentes públicos.
Embora não seja elemento necessário para configuração do ânimo subjetivo, assume
relevância na formação da convicção a favor da configuração da ilicitude em tela o fato de o
servidor sofrer o desconto pecuniário em sua remuneração e não diligenciar junto à
Administração para solucionar a questão de gestão de pessoas. Afinal, soa pouco provável que
o servidor tenha de fato alguma justificativa juridicamente pertinente para afastar não só a
imputação disciplinar como também a repercussão gerencial de desconto pecuniário e deixe
de fazê-lo, permitindo-se submeter a gravames na sua remuneração e somente venha
apresentar determinada alegação excludente da ilicitude porteriormente, ao se ver no polo
passivo do PAD.
STJ, Mandado de Segurança nº 15.903: “Ementa: 2. A Lei n. 8.112/90 dispõe em seu artigo
138 que a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos
configura abandono de cargo, para o que prevê a pena de demissão (art. 132, II). Da
mencionada transcrição, verifica-se que o dispositivo legal ao conceituar o abandono de
cargo faz referência ao elemento objetivo consistente na ausência do servidor por mais de
30 (trinta) dias consecutivos, bem como ao elemento subjetivo, consubstanciado na
intenção do servidor de se ausentar do serviço. Precedentes: MS 12.424/DF, Rel. Min. Og
Fernandes, Sexta Turma, DJe 11/11/2009; EDcl no MS 11.955/DF, Rel. Min. Jane Silva
(Desembargadora convocada do TJ/MG), Terceira Seção, DJe 2/2/2009, MS 10.150/DF,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJ 6/3/2006. 3. No caso dos autos, não há
dúvidas que o impetrante faltou ao serviço por mais de 30 (trinta dias) consecutivos, nos
quais se inclui fins de semana, feriados e dias de ponto facultativo. Ademais, mesmo
descontando os dias de férias gozadas (10/9/2008 a 19/9/2008), verifica-se que no período
anterior a elas (8/8/2008 a 9/9/2008) o impetrante se ausentou por 33 (trinta e três) dias
consecutivos, o que por si só caracteriza o elemento objetivo. 4. Quanto ao elemento
subjetivo, da análise dos autos, verifica-se o ânimo específico do impetrante de abandonar
o cargo, tendo em vista a ausência de justificativas plausíveis em sua defesa. Inicialmente
destaca-se que a concessão de licença não remunerada para tratar de interesse particular
é uma faculdade da Administração, a qual poderá, a seu alvedrio, deferi-la ou não,
segundo o que for mais conveniente, à época, para o serviço público (art. 91 da Lei n.
8.112/90). 6. Com base nisso, tem-se que o abandono do cargo imediatamente após o
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protocolo do pedido de licença, tal como ocorreu na espécie, demonstra o alto grau de
desídia do servidor frente a suas obrigações funcionais, o qual sobrepôs seu interesse
particular ao interesse da administração de garantir a continuidade da prestação do
serviço público até que se ultimasse a análise do pedido, optando deliberadamente, por
não comparecer ao serviço no ato do pedido de afastamento formulado em 8/8/2008 até
30/9/2008.”
Não se comprovando nos autos que a ausência superior a trinta dias foi intencional,
afasta-se a imputação do abandono de cargo. Não obstante, no apuratório especificamente
instaurado para apurar suposto abandono de cargo, é lícito se cogitar do enquadramento em
inobservância do dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço, previsto no art. 116, X
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, conforme já se aduziu em 4.7.2.10, ou algum outro associado ao
mesmo fato (não há nulidade em rito sumário redundar em pena diferente de demissão,
conforme se verá em 4.11.1). Por fim, caso nem este enquadramento ou qualquer outro se
configure, restará apenas a repercussão pecuniária.
Parecer AGU nº GQ-201, não vinculante: “7. No caso de abandono de cargo, a ausência
deve ser intencional, ou seja, não basta a inexistência de justa causa para a ausência ao
serviço; é preciso mais: deve haver a intenção. (...)
8. E o ônus da prova dessa intenção, cabe à administração, por intermédio da comissão
processante. (...)
13. (...) A materialidade da ausência continuada ao trabalho autoriza a administração a
tomar as providências para afastar o funcionário de seus quadros, mas esse propósito
disciplinar, entretanto, deverá ceder diante da comprovação de não ter havido a vontade
de abandonar o serviço, ou em razão de acontecimentos que justificassem, cabalmente,
aquele afastamento, ou quando o conjunto de fatos indica, pelo menos, uma óbvia
inadequação entre os motivos da conduta e a representação mental de suas
consequências.”
O abandono de cargo, por sua própria natureza, para configuração, requer a plena
investidura no cargo, de forma que não se aplica tal enquadramento na hipótese em que o
nomeado e empossado não entra em exercício no prazo de quinze dias a contar da posse, uma
vez que, sem o exercício, não há que se cogitar de ausências ao serviço. Neste caso, conforme
o art. 15, §§ 1º e 2º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, restará à Administração lançar mão do
instituto da exoneração, que não tem fim punitivo.
Por um lado, a reassunção do cargo, por parte do servidor ausente, após a configuração
do ilícito de abandono de cargo, não tem o condão de permitir que se subentenda perdão tácito
por parte da Administração, à vista do poder-dever de apurar e de, se for o caso, punir. Mas
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também, por outro lado, em respeito à presunção de inocência, nada há de impedir o direito de
o servidor reassumir seu cargo e responder ao processo em serviço, até a publicação da
portaria expulsiva, caso aplicável.
“(...) não há porque notificar o servidor faltoso para que reassuma, sem a apuração, eis
que este evento em nada lhe aproveita, pois as faltas ocorreram, foram computadas e
descontados os dias não trabalhados da remuneração e da contagem do tempo de serviço.”
Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 266, Editora
Consulex, 2ª edição, 1999
“(...) não dispõe o administrador público de meios legais para impedir, mesmo após a
configuração infracional, que o servidor retorne a seu cargo de origem, se a decisão a
respeito ainda não foi proferida.
O certo é que o processo administrativo disciplinar em qualquer de suas modalidades é
meio apuratório de irregularidade que pode concluir pela existência ou não da falta,
segundo a verdade material, não sendo via proibitiva do exercício de função, salvo a
hipótese de afastamento preventivo de que trata o art. 147 e seu parágrafo único, que não
dispensa a remuneração.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do
Servidor Público Civil da União”, pg. 191, Editora Forense, 2ª edição, 2006
Parecer AGU nº GQ-207, vinculante: “9. (...) não houve sucessivos abandonos, mas um só
abandono, uma só infração. De fato, não pode ser abandonado de novo o que já está
abandonado. Para abandonar o cargo, é necessário que o servidor o esteja exercendo. Se o
abandona, depois retorna e, novamente, o abandona, aí, sim, haverá mais de uma infração.
Sem o retorno, o estado de abandono persiste independentemente do tempo transcorrido.”
Tanto é assim, em perfeito ajuste à definição do art. 111, I do CP, que, de forma
peculiar quanto à prescrição, conforme se verá em 4.13.4, o abandono de cargo tem a
contagem prescricional iniciada no trigésimo primeiro dia de ausência ininterrupta, no dia em
que a ilicitude se consuma, independentemente de o servidor perseverar na conduta
absenteista.
“Ementa: O entendimento que se vem observando de exonerar ‘ex officio’ o servidor que
abandonou o cargo, pela impossibilidade de demissão, porque extinta a punibilidade pela
prescrição, já mereceu aprovação do Poder Judiciário, inclusive pela sua mais alta Corte.
3. (...) (b) o prazo prescricional inicia-se no trigésimo primeiro dia de ausência do
servidor;
(c) apesar da prescrição, o fato do abandono persiste, devendo declarar-se a vacância do
cargo, mediante exoneração ´ex officio´;
(...)
4. As Formulações do antigo Departamento Administrativo do Serviço Público, atinentes
ao assunto em questão, têm a seguinte redação:
´Nº 3. Exoneração ´ex officio´. Será exonerado ´ex officio´ o funcionário que, em face do
abandono do cargo, extinta a punibilidade, pela prescrição, não manifestara
expressamente vontade de exonerar-se.´
´N° 98. Exoneração ´ex officio´. A exoneração ´ex officio´ se destina a resolver os casos em
que não se pode aplicar demissão´.”
O funcionário beneficiado pela prescrição não pode reassumir o exercício do cargo que
abandonou.
CP - Abandono de função
Art. 323. Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.
§ 1º Se do fato resulta prejuízo público:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 2º Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
“De resto, caracteriza-se o crime com o prejuízo incorrido em relação ao Estado (...). O
ilícito administrativo, a seu turno, funda-se na atitude infundada e inconciliável com o
dever de todo servidor fazer-se presente na repartição pública para o exercício da função
na qual se acha investido, independentemente de prejuízo material que daí possa resultar.
Ao comentar a falta consistente no ‘abandono de cargo’, prevista no inciso II do art. 132
da Lei nº 8.112/90, procurei demonstrar sua autonomia administrativa e independência
conceitual, em relação à figura prevista no art. 323 do Código Penal sob a rubrica
‘abandono de função’, para concluir que poderá existir a falta administrativa sem que se
tenha configurado o crime de abandono de função. Sendo o ilícito, puramente,
administrativo, o prazo prescricional é de cinco anos.” Francisco Xavier da Silva
Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pgs. 72 e 190,
Editora Forense, 2ª edição, 2006
“No crime, há que existir prejuízo ou sua probabilidade, para o Estado, uma vez que a lei
fala em ‘abandono’. Se o cargo tem substituto que normalmente assume, se não há prejuízo
ou sua potencialidade, o funcionário poderá até ser demitido do serviço público, na
instância administrativa, mas não necessariamente processado criminalmente.” Edmir
Netto de Araújo, “O Ilícito Administrativo e seu Processo”, pgs. 35 e 36 (e também pg.
213), Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 1994
1011
“Para haver abandono punível é necessário que o fato acarrete perigo à Administração
Pública. É indispensável que, decorrido período juridicamente relevante, a omissão do
sujeito ativo possa causar prejuízo à Administração. Não ocorrendo essa situação de
perigo o fato constituirá mera falta disciplinar, sujeito o funcionário às sanções
administrativas.” Julio Fabbrini Mirabete, “Manual de Direito Penal”, pg. 344, Editora
Atlas, 17ª edição, 2001
“6. Quanto à prescrição, cumpre registrar que, segundo o Parecer AGU/WM-8/98 (Anexo
ao Parecer GQ-144), (...), previsto também como crime, o abandono de cargo tem o mesmo
prazo de prescrição da lei penal, e da conjugação dos arts. 323 e 119, VI, do Código Penal
e art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, conclui-se que o prazo prescricional da infração abandono
de cargo é de dois anos.”
“8. Previsto como crime, no art. 323, o abandono de cargo tem seu prazo prescricional
regulado no art. 109, VI, ambos os dois do Código Penal, isto é, a prescrição verifica-se
em dois anos, a contar do trigésimo primeiro dia de falta ao serviço, pois a administração
tem imediato conhecimento dessa infração (§ 1º do transcrito art. 142 da Lei nº 8.112).”
“5. (...) Se o servidor começou a faltar a partir de 26 de julho de 1995 e não mais
compareceu ao serviço, a Administração teve conhecimento imediato da infração. O curso
da prescrição interrompeu-se em 24/7/96, com a instauração do procedimento apuratório
(Lei nº 8.112/90, art. 142, § 3º). O prazo final para julgamento se encerrou em 8/10/96.
Novo prazo prescricional voltou a fluir por inteiro em 9/10/96 (Lei nº 8.112/90, art. 142, §
4º). Já em 9/10/98, estava, desta forma, prescrita a pretensão punitiva da Administração,
1012
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao
serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de
doze meses.
Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será
adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, (...) (Redação dada pela Lei nº
9.527, de 10/12/97)
I - a indicação de materialidade dar-se-á: (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
b) no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa
justificada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente, durante o
período de doze meses. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Não por outro motivo, aqui, diferentemente do abandono de cargo, a Lei exige a
descrição da materialidade com a indicação individualizada de cada um dos sessenta dias
úteis, deixando claro que não se incluem fins de semana, feriados e dias de ponto facultativo,
intercalados entre dias de ausência, para a configuração da inassiduidade habitual. Quanto ao
período de apuração, são doze meses quaisquer, não necessariamente coincidentes com o ano
civil, e pode-se ter iniciada a contagem em qualquer dia, em que ocorre a primeira falta, não
necessariamente no dia 1º de um determinado mês até o último dia do 12º mês.
“(...) esse período, na área federal, não significa ‘no mesmo exercício”, podendo iniciar-se
os sessenta dias em um ano civil e terminar em outro.” Edmir Netto de Araújo, “O Ilícito
Administrativo e seu Processo”, pg. 214, Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 1994
Para se configurar inassiduidade habitual, as faltas devem ser sem justa causa, em
demonstração de acentuado grau de desinteresse pelo serviço. A despeito da materialidade
pré-constituída, havendo justificativa para as faltas não compensadas ou não abonadas, afasta-
se a imputação de inassiduidade habitual. Em casos de faltas por motivos de saúde, deve o
servidor submeter-se à perícia médica ou entregar tempestivamente atestados médicos
particulares, conforme aduzido em 4.4.9.1. Não obstante, no apuratório especificamente
instaurado para apurar suposta inassiduidade habitual, é lícito se cogitar do enquadramento
em inobservância do dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço, do art. 116, X do
1013
Estatuto, em 4.7.2.10, ou algum outro associado ao mesmo fato (não há nulidade em rito
sumário redundar em pena diferente de demissão, conforme se verá em 4.11.1). Por fim, caso
nem este enquadramento ou qualquer outro se configure, restará apenas a repercussão
pecuniária.
Parecer AGU nº GQ-160, vinculante: “10. São, pois, elementos constitutivos da infração
as sessenta faltas interpoladas, cometidas no período de um ano, e a inexistência da justa
causa. Para considerar-se caracterizada a inassiduidade habitual é necessário que
ocorram esses dois requisitos, de forma cumulativa. O total de sessenta faltas, por si só,
não exclui a verificação da justa causa.
11. Incumbe ao colegiado apurar se a conduta do servidor se ajusta ou não a essas
prescrições legais. Para tanto, deve pautar sua atuação pelo objetivo exclusivo de
determinar a verdade dos fatos (...).”
Isto leva a cogitar de que o enquadramento em tela requer uma conduta absenteísta que
se reitera por sessenta "unidades de ausência", numa expressão aqui figurada para sintetizar
cada episódio de ausência injustificada do servidor a um determinado período contínuo em
que era esperada sua presença, período este que se intercala com período de descanso, tais
como as horas de repouso noturno do diarista ou as 72 horas de dispensa do plantonista. No
caso do diarista, cada "unidade de ausência" são as 8 horas de uma jornada diária e, no caso
do plantonista, é cada plantão de 24 horas. Do contrário, a Lei teria como literalidade
"ausentar-se do serviço injustificadamente por 480 horas em doze meses" e não é isto que o
enquadramento descreve.
seis horas injustificadamente não cumprida, conclui-se que a resposta à questão não passa por
tentar igualar o quantum de horas de cada caso peculiar ao "quantum comum" de 480 horas
para o caso comum de diarista com jornada de oito horas.
No mesmo rumo, reforça que o que conta para a configuração da materialidade em tela
é uma "unidade de ausência" o fato de que tampouco deixaria de contar como um dia de falta
ao serviço para fins de inassiduidade habitual de um diarista um dia atípico com jornada
menor que oito horas, como por exemplo, a tarde de uma quarta-feira de cinzas ou a manhã de
um dia 24 de dezembro ou de 31 de dezembro, em que o expediente oficial costuma ser de
apenas quatro horas.
De forma análoga ao que se aduziu para o abandono de cargo, embora não seja
elemento necessário para configuração da ausência de justificativa para as faltas, assume
relevância na formação da convicção a favor da configuração da ilicitude em tela o fato de o
servidor sofrer o desconto pecuniário em sua remuneração e não diligenciar junto à
Administração para solucionar a questão de gestão de pessoas. Afinal, soa pouco provável que
o servidor tenha de fato alguma justificativa juridicamente pertinente para afastar não só a
imputação disciplinar como também a repercussão gerencial de desconto pecuniário e deixe
de fazê-lo, permitindo-se submeter a gravames na sua remuneração e somente venha
apresentar determinada alegação excludente da ilicitude porteriormente, ao se ver no polo
passivo do PAD.
A leitura atenta das literalidades dos arts. 138 e 139 da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
destaca as diferentes qualificações que o legislador impôs às ausências ou faltas
caracterizadoras do abandono de cargo e da inassiduidade habitual. Enquanto a ausência
configuradora do abandono de cargo tem como requisito legal ser “intencional”, para que
faltas caracterizem inassiduidade habitual, a Lei exige apenas que sejam “sem causa
justificada”. Em leitura apressada, não é cristalina a diferença entre estas expressões,
parecendo mesmo que elas se confundem e redundam como meras variações redacionais.
Todavia, uma vez que, de acordo com regra elementar da Hermenêutica, não há letra morta
em norma, é de se cogitar, para o aplicador do Direito, que deve haver uma razão para o
legislador ter imposto diferentes requisitos e que aquelas expressões representam diferentes
significados.
Ainda neste rumo, entende-se que a Lei contempla um requisito em princípio mais
forte para configurar o enquadramento em abandono de cargo, associado ao ânimo subjetivo
interno do agente (a sua intenção, ainda que inserida no conceito de dolo eventual), enquanto
que o enquadramento da inassiduidade habitual requer menos em termos de qualificação da
ausência, bastando ser injustificável, no sentido de tal alegação não ter o condão de equivaler
a uma justa causa para falta, decorrente de caso fortuito ou força maior. A Lei permite
compreender a possibilidade de ocorrência de situações em que o servidor falta ao serviço
sem nenhuma intenção de, com tal conduta, materializar algum resultado delituoso - tanto
que, a seu ver meramente pessoal, ele se considera amparado em certa justificativa - mas,
ainda assim pode ter configurada a inassiduidade habitual se esta justificativa por ele
apresentada não for considerada juridicamente aceitável ou válida pela Administração, ou
seja, se o motivo alegado não for tido como justo, do ponto de vista jurídico, a ponto de deixar
em falta sua obrigação funcional de assiduidade.
Parecer AGU nº GQ-201, não vinculante: “7. No caso de abandono de cargo, a ausência
deve ser intencional, ou seja, não basta a inexistência de justa causa para a ausência ao
serviço; é preciso mais: deve haver a intenção. (...)
pode ainda haver casos concretos, em que, diante de suas peculiaridades, mesmo havendo
mais de sessenta faltas interpoladas ao serviço que a autoridade competente pela gestão
administrativa de pessoal considerou como injustificadas e aplicou a elas o corte da
remuneração, a autoridade correcional, atenta ao forte poder punitivo de sua atuação (a pena
prevista é demissão) não se considere convicta do enquadramento disciplinar.
Parecer CGR nº 37/64 (DOU de 30/06/64): “7. No caso em exame, o funcionário tendo
faltado ao serviço determinados dias, sofreu, por essa falta, pena de suspensão convertida
em multa. Posteriormente, incorrendo na mesma falta, sofreu nova e idêntica punição.
Tendo, entretanto, completado mais de 60 faltas não justificadas, incorreu, agora, na
sanção do parágrafo 2º do art. 207, da Lei nº 1.711/52.
8. Não vejo como se possa argumentar com o princípio do ‘bis in idem’, para atender ao
interessado. Não há, na hipótese, duplicidade de pena. Por haver injustificadamente
faltado ao serviço mais de 60 vezes, no período de um ano, está sendo demitido e nada
mais.
9. Se assim não fosse, e prevalecendo o entendimento que as penalidades já aplicadas
excluiriam as faltas correspondentes das parcelas que se somam para verificação das 60
faltas interpoladas previstas na forma estatutária, de duas uma: ou não se aplicariam
penalidades, senão a de demissão depois de 60 faltas, ou, em caso contrário, jamais seriam
alcançadas as ditas 60 faltas para demissão.
10. A desídia demonstrada pelo servidor tinha sanção legal prevista e lhe foi corretamente
aplicada. A reincidência continuada enquadrou-o no âmbito augusto de outro dispositivo
legal. A demissão, portanto, está amparada pela Lei (§ 2º, art. 207, Lei nº 1.711/52).”
“Por fim, caso ao servidor tenha sido aplicada penalidade disciplinar por faltas menos
frequentes, estas poderão ser computadas para configuração da inassiduidade habitual,
conforme entendimento do Dasp, que interpretava dispositivo semelhante previsto no
antigo Estatuto do Funcionário (Lei nº 1.711/52).”, Controladoria-Geral da União,
“Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 310, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em
07/08/13
Quer parecer ajustada esta linha de entendimento, pois, se assim não fosse, se teria a
absurda vedação de aplicar uma segunda pena mais grave ao servidor, quando sua conduta
habitual ou continuada atinge um determinado patamar superior de gravidade, em virtude do
fato de ele já ter sido apenado de forma mais branda, ao tempo em que sua conduta,
inicialmente, ainda ostentava um menor grau de gravidade. Analogamente, buscando figurar
com outro exemplo, seria como não se pudesse aplicar a pena de demissão por desídia (art.
117, XV da Lei nº 8.112, de 11/12/90) a um servidor, considerando seu longo histórico de
atos de desleixo, desapego e desinteresse pelo serviço tão-somente pelo fato de ele já ter sido
objeto de apuração e de apenação com advertência e suspensão com base, por exemplo, na
1017
inobservância do dever de exercer com zelo e dedicação as atribuições legais do cargo (art.
117, I da mesma Lei).
“Ao termo ‘interpoladamente’ não se deve conferir interpretação restritiva, pois pode
ocorrer inassiduidade habitual caso o servidor não compareça ao serviço por 60 dias úteis
seguidos; a intenção do legislador foi garantir que 60 faltas injustificadas fossem
caracterizadas como infração disciplinar, estivessem elas intercaladas ou não, em
contraposição à infração de abandono do cargo, a qual requer um “plus” em relação à
inassiduidade habitual, isto é, a prova da intenção de abandonar o serviço por 31 dias.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg.
309, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual
PAD.pdf, acesso em 07/08/13
CF - Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
1018
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98)
“A Lei Federal n. 8.429/92 não revogou a Lei Federal n. 8.112/90, nem as leis estaduais e
municipais, no que diz respeito às faltas funcionais e correlatas sanções, processo
administrativo e competência no exercício do poder disciplinar, inclusive no tocante à
improbidade administrativa. São esferas distintas e independentes de repressão. (...)
Qualquer que seja a penalidade administrativa (...), nenhum óbice existe ao cúmulo com as
sanções da Lei Federal n. 8.429/92, em razão da diversidade da natureza jurídica de cada
uma delas (...).
1019
“(...) a Lei 8.429/92 posiciona as cláusulas gerais [‘caputs’] como ‘soldados de reserva’.
Atuam quando não tiverem antes incidido como normas específicas constantes dos incisos
dos arts. 9º, 10 e 11, da Lei de Improbidade Administrativa.” Fábio Medina Osório,
“Direito Administrativo Sancionador”, pg. 407, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição,
2005
Para este fim, requer-se esclarecer que, de certa forma, a Lei nº 8.429, de 02/06/92,
estabelece um gradiente decrescente de gravidade nas três espécies de atos de improbidade
nela previstos. Os atos de improbidade de maior gravidade e lesividade e, consequentemente,
de maior grau de repulsa social e de mais forte sancionamento (no seu art. 12) são aqueles
acarretadores de enriquecimento ilícito, previstos em seu art. 9º; em sequência, vêm os atos de
improbidade que, mesmo não tendo propiciado enriquecimento ilícito ao agente, tenham
causado dano ao erário; por fim, residualmente, a Lei abarca também como ímprobos os atos
que, mesmo não tendo propiciado enriquecimento ilícito ao agente e causado dano ao erário
(ou que tais consequências não restem comprovadas no processo), configuram graves afrontas
a princípios reitores da Administração.
Assim, um ato a ser enquadrado como acarretador de enriquecimento ilícito até pode
também ter causado dano ao erário ou afrontado princípios reitores, mas, a título apenas de
recomendação, resta bastante imputar a conduta no art. 9º da Lei nº 8.429, de 02/06/92, como
1020
Ainda nesta linha, por um lado, um ato a ser enquadrado como causador de dano ao
erário até pode também ter afrontado princípios reitores, mas, a título apenas de
recomendação, resta bastante imputar a conduta no art. 10 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, como
forma de absorver as decorrências do outro enquadramento. Por outro lado, o enquadramento
de um ato como improbidade por causar dano ao erário não requer a comprovação de o agente
ter auferido qualquer vantagem patrimonial, visto este elemento ser indispensável para a
comprovação de ato de improbidade acarretador de enriquecimento ilícito e sua existência
atrai tal enquadramento mais gravoso.
O art. 9º da Lei nº 8.429, de 02/06/92, lista em doze incisos exemplos de atos que
importam enriquecimento ilícito; em síntese, auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
indevida em razão do exercício do cargo, função ou emprego. O enquadramento no citado art.
9º requer o ganho de qualquer vantagem indevida, de forma dolosa, mas não requer,
necessariamente, a presença também de dano ao erário (nada impede, todavia, de se
configurarem simultaneamente estes dois efeitos e ainda de afronta a princípios reitores). Este
enquadramento se configura com exigência, solicitação ou recebimento de vantagem
patrimonial, por parte do servidor, para si mesmo ou para terceiro ou interposta pessoa,
mediante ação ou omissão, lícita ou ilícita.
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa
1022
lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio
particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º
desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins
educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das
entidades mencionadas no art.1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais e
regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio
de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviço
por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço
superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou
aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades
legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz
respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de
qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor
público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV - celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços
públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
(incluído pela Lei nº 11.107, de 06/04/05)
XV - celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação
orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei; (incluído pela Lei nº
11.107, de 06/04/05)
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio
particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos
transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de
parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie; (Incluído pela Lei nº 13.019, de 31/07/14)
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,
rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade
privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie; (Incluído pela Lei nº 13.019, de 31/07/14)
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; (Incluído
pela Lei nº 13.019, de 31/07/14)
XIX - frustrar a licitude de processo seletivo para celebração de parcerias da
administração pública com entidades privadas ou dispensá-lo indevidamente; (Incluído
pela Lei nº 13.019, de 31/07/14)
XX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas
de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; (Incluído pela
Lei nº 13.019, de 31/07/14)
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 31/07/14)
E o art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, lista em oito incisos exemplos de atos que
atentam contra os princípios da Administração Pública; em síntese, qualquer ação ou omissão
que, dolosamente, viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições. Este dispositivo é de ser aplicado, ainda que o servidor não tenha auferido
enriquecimento ilícito e que o erário não tenha sofrido prejuízo (ou quando estes elementos
mais específicos não foram comprovados no processo), mediante conduta que atente contra
qualquer princípio reitor da Administração Pública (não só aqueles descritos no próprio art. 11
da Lei nº 8.429, de 02/06/92, mas também no art. 4º desta mesma Lei, que reflete o art. 37 da
CF, e todos os demais inerentes ao sistema), com a qual se revele desvio ético de conduta
funcional e inabilitação moral do servidor. Ou seja, é um enquadramento de natureza residual
em relação aos arts. 9º e 10 da citada Lei. Esta previsão legal de ato de improbidade
administrativa vem, enfim, positivar o entendimento conceitual de que afronta a qualquer
princípio reitor da Administração Pública é ato de grave antijuridicidade - por vezes de maior
repulsa que descumprimento de norma expressa, vez que os princípios formam a base
orgânica em que se sustenta todo o ordenamento da instância administrativa. Na esteira do
que se afirmou acima para os demais enquadramentos, a rigor, embora qualquer ato de
improbidade ensejador de enriquecimento ilícito e/ou de dano ao erário também afronte
princípios reitores, a melhor prática jurídica não recomenda a adoção de múltiplos
enquadramentos, podendo o aplicador do Direito sintetizar a imputação nos mais graves (no
art. 9º, se presente a vantagem patrimonial do agente, ou no art. 10, se presente o prejuízo
patrimonial da instituição, ambos da Lei nº 8.429, de 02/06/92) - sem que, todavia, a adoção
de múltiplos enquadramentos configure qualquer nulidade processual.
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e
notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento diverso daquele previsto, na
regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva
divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de
mercadoria, bem ou serviço;
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de
parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Incluído pela Lei
nº 13.019, de 31/07/14)
Art. 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela
estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade
no trato dos assuntos que lhes são afetos.
Lei nº 12.813, de 16/05/13 - Art. 12. O agente público que praticar os atos previstos nos
arts. 5º e 6º desta Lei incorre em improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei nº
8.429, de 2 de junho de 1992, quando não caracterizada qualquer das condutas descritas
nos arts. 9º e 10 daquela Lei.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e da aplicação das demais sanções
cabíveis, fica o agente público que se encontrar em situação de conflito de interesses
sujeito à aplicação da penalidade disciplinar de demissão, prevista no inciso III do art. 127
e no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou medida equivalente.
interpretação que o legislador expressou, dentro do escopo da Lei nº 8.429, de 02/06/92, mais
precisamente em seu art. 5º, o ressarcimento civil por atos causadores de lesão, de ser lido em
conjunto com a base legal extraída dos arts. 186 e 927 do CC.
Lei nº 8.429, de 02/06/02 - Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do
dano.
CC - Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ao ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo.
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
“Por culpa (em sentido estrito), a ação do servidor, ou agente político, que cause prejuízo
aos bens e haveres públicos, poderá, quando muito, ensejar a sua responsabilização civil,
nos termos do art. 159 do Código Civil e do art. 5º da Lei nº 8.429/92
Ressalte-se, por fim, que, carecendo de tais requisitos fundamentais [dolo], o
comportamento do agente - ainda que seja enquadrável numa das hipóteses previstas nos
arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 - não configura justo título demissório, podendo, na
pior das hipóteses, ensejar a sua responsabilização civil, como referido acima, ou a
imposição da pena de advertência, nos termos do art. 129 da Lei nº 8.112/90 (Regime
Jurídico do Servidor Federal).” José Armando da Costa, “Direito Administrativo
Disciplinar”, pgs. 537 e 538, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2004
(Nota: A remissão ao art. 159 do antigo CC equivale à leitura conjunta dos arts. 186 e 927
do atual CC.)
Mas, de outro lado, em instância punitiva, seja penal, seja disciplinar, não se vislumbra
a aplicação das severas penas associadas à conduta ímproba (desonesta, desleal e corrupta) se
o ato, na verdade, foi cometido por negligência, imperícia ou imprudência. Assim,
administrativamente, não cabe enquadrar atitude culposa em improbidade administrativa
(destaque-se, por exemplo, a impropriedade do inciso X do citado art. 10, que se refere a agir
com negligência na arrecadação de tributos, e também do inciso XX do mesmo comando, que
se refere a agir com negligência na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas
de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas).
Parecer AGU nº GQ-200, não vinculante: “Ementa: (...) Improbidade administrativa é ato
necessariamente doloso e requer do agente conhecimento real ou presumido da ilegalidade
de sua conduta.”
“Não sendo concebível que uma pessoa enriqueça ilicitamente, que cause prejuízo ao
erário ou que transgrida os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e
deslealdade às instituições públicas, por ação meramente culposa (negligência,
imprudência ou imperícia), forçosamente haveremos de concluir que o elemento subjetivo
do delito disciplinar da improbidade é o dolo. (...)
Conquanto o art. 10 da Lei n° 8.429/92 preveja a modalidade culposa para o delito
disciplinar de improbidade administrativa que implique lesão aos cofres públicos,
entendemos, todavia, que o elo subjetivo da culpa em sentido estrito (negligência,
imprudência e imperícia) não chega a integralizar e satisfazer o ‘corpus delicti’ da
infração disciplinar em apreço, uma vez que é impossível conceber que um agente público -
sem dolo ou voluntariedade - possa comportar-se de modo desonroso, ímprobo ou
desonesto, a ponto de produzir dano ao erário. Se o comportamento culposo (em sentido
1026
estrito) do agente gerar algum dano contra o patrimônio público, a falta disciplinar
cometida poderá ser outra qualquer, mas nunca a de improbidade administrativa.” José
Armando da Costa, “Contorno Jurídico da Improbidade Administrativa”, pgs. 22, 33 e 34,
Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2000
CF - Art. 37.
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98)
“Em resumo, as sanções não são penais ou administrativas; as matérias reguladas pela Lei
Federal n. 8.429/92 são a responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e o
seu processo, nos termos do art. 37, § 4º, da Constituição Federal (...).” Wallace Paiva
Martins Júnior, “Probidade Administrativa”, pg. 176, Editora Saraiva, 1ª edição, 2001
Em razão disto, da mesma forma como se defendeu no inciso I do art. 132 da Lei nº
8.112, de 11/12/90 (dos crimes contra a Administração Pública), não deve a comissão indiciar
com base apenas nos arts. 9º, 10 e/ou 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, pois, se assim fizer, por
não ser a autoridade administrativa competente para impor as penas previstas na Lei de
Improbidade, poderá haver o questionamento a respeito do sobrestamento do processo até a
decisão judicial da ação civil de improbidade.
Para o enfoque administrativo, o que importa é que a Lei nº 8.112, de 11/12/90, antes
mesmo da edição da Lei nº 8.429, de 02/06/92, tratou o ato de improbidade, em gênero, como
ilícito administrativo autônomo. Enquadrando no art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a
autoridade administrativa é competente para processar o servidor, no rito do Estatuto, por fato
1028
“Na seara pública, a desonestidade, não comportando graduação, sempre que enquadrar-
se numa das fatispécies previstas na Lei nº 8.429/92, por mais suave que seja o seu gesto
ímprobo, deverá necessariamente acarretar pena capital (demissão) do servidor imputado.
Sim, porque, repita-se, o ‘meio honesto’ não pode, com legitimidade, prosseguir exercendo
função pública.” José Armando da Costa, “Contorno Jurídico da Improbidade
Administrativa”, pg. 25, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2000
Defende-se que, para a aplicação da pena de demissão ao servidor que incorre em ato
de improbidade administrativa enquadrado no art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90,
embora se encontre definição em algum dos incisos dos arts. 9º, 10 e/ou 11 da Lei nº 8.429, de
02/06/92, é bastante a competência estatutária da autoridade administrativa, não sendo, para
tal, necessária a intervenção do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário. Esta
independência é extraída dos arts. 12 e 14 da própria Lei nº 8.429, de 02/06/92:
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e
administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de
improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120,
de 15/12/09):
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para
que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.
§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata
apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma
prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de l990 e, em se tratando
de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.
“ 4. (...) Ora, salvo melhor juízo (até porque o art. 132, IV da Lei nº 8.112/90 é anterior à
Lei nº 8.429/92), os atos de improbidade funcionais capazes de constituir infração
disciplinar enquanto ato de servidor no exercício do cargo ou função podem ser legalmente
sancionados como tal, isto é, no nível administrativo disciplinar, a exemplo de qualquer
conduta ilícita civil ou penal que também constitua ilícito administrativo disciplinar.
Assim, se a conduta do servidor constitui ato de improbidade, constitui também infração
disciplinar que sujeita o servidor ao processo administrativo disciplinar, sem prejuízo das
demais sanções, ´independentemente das sanções penais, civis e administrativa´ (v. g. art.
12, L. 8.429/92).”
edição, 2006
8.429, de 02/06/92, que seja cabível. Com isto, se obtém uma melhor delimitação da
expressão genérica “improbidade administrativa”, definindo o fato em concreto em alguma
hipótese legal, tomada como parâmetro.
STJ, Mandado de Segurança nº 15.021, Decisão: “Isso porque, ao que me parece, a regra
do artigo 15 da Lei nº 8.429/92 está direcionada para que o Ministério Público e o
Tribunal de Contas tomem providências inibidoras e responsabilizadoras do eventual ato
de improbidade no âmbito de suas competências constitucionais próprias, de modo que
seria descabida e imprópria a sua intervenção em sede de processo administrativo
disciplinar, já que, nessa seara, inafastável o princípio da independências das instâncias.
À falta de ciência desses órgãos pode acarretar a responsabilidade administrativa
daqueles que tinham o dever de cientificar aquelas autoridades e não o fizeram,
constituindo, para o processo administrativo disciplinar, mera irregularidade, incapaz de
nulificá-lo.”
dos arts. 143 e 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (cujas repercussões não se confundem com as
da Lei nº 8.429, de 02/06/92, de competência exclusiva do Poder Judiciário) e noticiar ao
Ministério Público Federal e ao Tribunal de Contas da União, para que promovam as
apurações de suas respectivas competências, sobretudo a ação civil pública da Lei de
Improbidade.
Uma vez que própria literalidade do enquadramento em tela emprega conceitos que
advêm da esfera fiscal, convém iniciar a presente abordagem apresentando como aquela
instância trata e operacionaliza estes institutos.
Para este fim, releva introduzir que, no foco ora em comento, a instância fiscal move-
se em busca da omissão de rendimentos, ou seja, da não oferta de rendas à tributação por parte
1033
do contribuinte, fato concreto que pode levar à configuração da ilicitude de natureza tributária.
O Fisco dispõe de diversos mecanismos para identificar a conduta ilícita de omissão de
rendimentos, indo desde o direto e imediato cruzamento de informações declaradas e
constantes de seus sistemas informatizados internos, suficiente para o caso de simples não
oferta à tributação, por parte do recebedor, de rendimentos que foram declarados pela fonte
pagadora, até meios indiretos de aferição presumida da conduta omissiva contaminada por
maior grau de elaboração. Neste contexto de condutas mais elaboradas com que o contribuinte
busca dissimular a ocorrência do fato gerador e não oferecer rendimentos ao Fisco, a detecção
de variação patrimonial desproporcional (ou variação patrimonial a descoberto ou ainda
acréscimo patrimonial não justificado) e a identificação de depósitos bancários de origem não
comprovada exsurgem como métodos de aferição indireta de omissão de rendimentos.
Mas há ainda dois outros conceitos fiscais que também interessam ao Fisco na busca
da omissão de rendimentos, que são a movimentação financeira incompatível e os sinais
exteriores de riqueza. Diferentemente da detecção de variação patrimonial desproporcional
e/ou da identificação de depósitos bancários de origem não comprovada, que, por si sós, como
métodos indiretos de aferição presumida, já autorizam a presunção legal relativa (juris
tantum) de omissão de rendimentos, a movimentação financeira incompatível e os sinais
exteriores de riqueza não possuem tal condão, figurando apenas indiciariamente como meros
critérios de seleção provocadores do aprofundamento das investigações, que, ao final, podem
ou não detectar um ou ambos elementos de presunção.
Por fim, caso se detecte que o contribuinte ostenta sinais exteriores de riqueza (por
exemplo, na imediata apuração de dispêndio com impostos sobre propriedade de imóveis ou
de veículos, condomínios residenciais e de dados consolidados de operações com cartões de
crédito, alicerçada também na investigação de elevado patamar de consumo e de estilo de vida
ou de vultosos gastos necessários para manter e conservar o alto padrão do patrimônio),
também surgem indícios de que possa haver omissão de rendimentos. A exemplo da
movimentação financeira incompatível, diferentemente da detecção de variação patrimonial a
descoberto e/ou de depósito bancário de origem não comprovada - que por si sós já autorizam
a presunção relativa daquela ocultação ilícita -, os sinais exteriores de riqueza traduzem-se
apenas em indícios daquela omissão e requerem, para fim de comprovação, que se ateste(m) a
variação patrimonial desproporcional e/ou os depósitos bancários de origem não comprovada
que suporta(m) aquele padrão de vida e de consumo incompatível e que faz presumir a
omissão de rendimentos.
Embora, por um lado, se reconheça que aqueles dois métodos indiretos de aferição
presumida ou estes dois conceitos de simples levantamento de indícios de omissão de
rendimentos são inerentes à atuação fiscal antes mesmo da edição a Lei nº 8.429, de 02/06/92,
por outro lado, não se confunde que tais mecanismos seriam de emprego exclusivo da
instância fiscal. Se, em percepção histórica, se sabe que, por muito tempo, apenas o Fisco
lançou mão destes conceitos lógico-intuitivos, de aferição e de levantamento de indícios de
1035
07/08/13
Não há que se confundir esta construção da Lei (de fazer nascer a presunção passível
de prova em contrário) com inversão do ônus da prova, como poderia induzir uma leitura
precipitada ou parcial. Como não haveria de ser diferente na matéria disciplinar, o citado
enquadramento decorre de um fato inicial (a aquisição desproporcional de bens e/ou depósito
bancário de origem não comprovada) cuja prévia comprovação cabe à Administração. Uma
vez e tão-somente se tendo tal comprovação, legitima-se a acusação por parte da
Administração, cabendo ao servidor provar a origem do enriquecimento.
entendimento a ser dado sobre o alcance do art. 9º, VII da Lei nº 8.429, de 02/06/92,
vinculante no âmbito do Ministério da Fazenda:
“6. Em outros termos, a lei não estabelece aí uma presunção de culpa mas uma presunção
de fato, supondo verdadeiro que a aquisição de bens de valor incompatível com a evolução
do patrimônio ou da renda do servidor é uma aquisição de bens de valor desproporcional,
e essa presunção prevalece até que o servidor demonstre que esse fato não é verdadeiro.
Por certo, não há aí nem presunção inconstitucional de culpa nem inversão do ônus da
prova, já que a administração (se também valem tais princípios no processo
administrativo) fez a prova da desproporção pela demonstração do valor dos bens
adquiridos e da evolução do patrimônio ou da renda do servidor. A atribuição definitiva da
responsabilidade por ato de improbidade ou a aplicação da penalidade disciplinar, mesmo
à base dessa presunção de fato, no entanto, não prescinde da oportunidade de defesa em
que o servidor poderá desfazer a presunção de fato com as provas de que dispuser. Mas
este é um ônus do servidor, não da administração.”
“(...) o art. 9º, ‘caput’, da Lei 8.429/92 abrange conceito jurídico indeterminado e é
cláusula geral que alcança as hipóteses não contempladas nos incisos do mesmo
dispositivo legal, tanto que a redação desses últimos guarda autonomia em relação à base.
O art. 9º, em seus múltiplos incisos, cria figuras de improbidade administrativa autônomas,
podendo ampliar ou restringir os requisitos de responsabilização, dependendo dos suportes
descritivos, que são independentes e, por si sós, autoaplicáveis.” Fábio Medina Osório,
“Direito Administrativo Sancionador”, pg. 509, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição,
2005
Pública, é sim passível de punição na esfera administrativa, inclusive com a pena máxima
de demissão, mormente como no caso em apreço em que o servidor, Auditor Fiscal da
Receita Federal, apresenta enriquecimento ilícito, por acumular bens desproporcionais à
evolução do patrimônio e da renda - fato esse, aliás, que também está em apuração na
esfera penal -, remetendo significativo numerário para conta em banco na Suíça, sem a
correspondente declaração de imposto de renda. Inteligência do art. 132, inciso IV, da Lei
n.º 8.112/90, c.c. o art. 11 da Lei n.º 8.429/92.”
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - Promulgada pelo Decreto nº 5.687,
de 31/01/06 - Art. 20. Enriquecimento ilícito. Com sujeição a sua Constituição e aos
princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a
possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias
para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito,
ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativo aos
seus ingressos legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele.
(Nota: O Supremo Tribunal Federal vaticinou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.480, que tratados, acordos ou convenções internacionais, após promulgados por decreto
presidencial, “situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de
eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”.)
Por força do art. 9º, VII da Lei nº 8.429, de 02/06/92, comprovando a Administração a
aquisição, por parte do servidor, para si ou para terceiros, ao tempo do exercício do cargo, de
bens de qualquer natureza incompatíveis com sua remuneração (e/ou a existência de depósito
bancário de origem não comprovada), estão satisfeitos os requisitos do enquadramento. Se
nada mais exige a Lei de Improbidade, não cabe ao agente administrativo, mero aplicador,
exigir requisitos que a norma não previu, sob pena de até torná-la inaplicável, vez que a
identificação da origem do bem (e/ou do depósito) a descoberto é praticamente impossível,
ou, no mínimo, de se ter de considerá-la dispensável, no sentido de que nada teria inovado,
1040
dois anos mais tarde, quanto à tutela da conduta do servidor, já existente por força da Lei nº
8.112, de 11/12/90. Isto porque esta Lei anterior já previa a hipótese de se comprovar o
recebimento de vantagem indevida no exercício do cargo, em outro enquadramento (art. 117,
IX ou art. 117, XII, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, diferindo que o primeiro - valer-se do
cargo em detrimento da dignidade - se aplica à remuneração auferida para executar ato
irregular, enquanto que o segundo - receber presente, propina, comissão ou vantagem em
razão das atribuições legais - se aplica à remuneração pela prática de ato regular).
Enunciado CGU/CCC nº 8, de 09/12/14: “Art. 132, IV, Lei nº 8.112/90 c\c art. 9º, VII, da
Lei nº 8.429/92. Ônus da Administração. Demonstração da desproporcionalidade. Nos
1041
casos de ato de improbidade que importem em enriquecimento ilícito pelo agente público,
cujo valor seja desproporcional à evolução do seu patrimônio ou à sua renda, compete à
Administração Pública apenas demonstrá-lo, não sendo necessário provar que os bens
foram adquiridos com numerário obtido através de atividade ilícita.”
Não obstante toda a construção jurídica de presunção juris tantum acima exposta, não
se afasta que a espécie de ato de improbidade administrativa em comento não se dissocia de
um ato ilícito funcional de que decorre e, embora, juridicamente, tenha sido elevada, pelo art.
9º, VII da Lei nº 8.429, de 02/06/92, à condição de infração de configuração autônoma da
comprovação da concretização daquele ato antecedente, no mundo concreto, o enriquecimento
ilícito em si não é um ato funcional e não se confunde com a conduta antijurídica em si, de
ação ou de omissão, perpetrada na condição de servidor no exercício do cargo, mas sim o
resultado que decorre do ato funcional infracional. O enriquecimento ilícito, concretamente
falando, é a contraprestação que o agente público recebe em função de sua conduta
antijurídica e, juridicamente, como uma ficção construída sobre os alicerces de uma presunção
legal relativa, se o tem configurado, com todas as gravosas repercussões de um ato ímprobo,
independentemente de comprovação da ocorrência daquele ato funcional de que decorre.
acumulação ilícita, é fácil perceber ser pouco provável que tais condutas acarretem
enriquecimento ilícito. Portanto, em função da natureza jurídica do ato funcional de que
decorre, o enriquecimento ilícito pode ser uma infração instantânea ou continuada.
Ademais, a infração disciplinar em comento, por sua própria natureza de ato ímprobo
(o que faz não se perder de vista então se tratar de conduta considerada como espécie
qualificada de ato imoral), desde o nascedouro de seu iter, engloba e subentende a conduta
eivada de dolo por parte do autor. Isto porque, se a configuração desta espécie de improbidade
administrativa se aperfeiçoa e se sedimenta tão-somente com a demonstração da
incompatibilidade da evolução patrimonial do agente, sendo para tal dispensável a
comprovação de qualquer conduta, seja funcional, seja de qualquer outra natureza fática,
menos ainda há de se cogitar de se ter de comprovar nos autos o ânimo subjetivo com que se
deu a prática ilícita. Em outras palavras, diferentemente da regra geral das imputações
disciplinares expulsivas, não há que se perquirir em busca da configuração de dolo, nem
genérico e muito menos específico, como suposto pré-requisito procedimental para a
configuração da espécie ímproba de enriquecimento ilícito.
Mas, por outro lado, não menos importante é a ressalva acerca da necessária relevância
da desproporção. A configuração do presente ilícito, de improbidade administrativa por
enriquecimento ilícito, clama pela aplicação de princípios caros à instância disciplinar, como
razoabilidade e proporcionalidade. Percebe-se que, à falta de uma delimitação legal para a
desproporção, a análise deve ser individualizada, caso a caso, à vista das respectivas
peculiaridades. Não devem ser confundidas como atos de enriquecimento ilícito pequenas
incoerências entre renda e bens, oriundas de meras incorreções em declarações de natureza
fiscal, limitadas à relação Fisco-contribuinte, conforme asseverou a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional no já mencionado Parecer PGFN/CDI nº 1.986/2006. Às desproporções
menores (em termos tanto de variação patrimonial quanto de depósitos bancários de origem
não comprovada), ainda que formalmente enquadráveis mas que não possuem lesividade
suficiente para afrontar o bem jurídico tutelado (que é da preservação da probidade
administrativa), pode ser aplicado o conceito de ausência de ilicitude material, já exposto em
4.6.3.3.
“Nesse passo, a legalidade das infrações e das sanções é composta, no mais das vezes, por
conceitos ou termos jurídicos altamente indeterminados, cláusulas gerais, princípios e
descrição de valores superiores que outorgam amplos espaços à autoridade julgadora, seja
ela administrativa ou judicial. (...)
Não há dúvidas de que conceitos ou termos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais e
elementos normativos semanticamente vagos ou ambíguos podem ser utilizados na
tipificação de condutas proibidas, seja no Direito Penal, seja no Direito Administrativo
Sancionador, neste com maior frequência. Trata-se, inclusive, de um problema de
linguagem, de inevitável abertura da linguagem normativa, com todas suas
potencialidades. (...)
A vagueza semântica, traço comum a inúmeras normas jurídicas, e especialmente
pertinente às cláusulas gerais, traduz a existência de ‘zonas de penumbra’, indicando um
preciso fenômeno semântico e pragmático, qual seja, a imprecisão do significado. Um
termo ou enunciado é vago quando o seu uso apresenta, além de hipóteses centrais e não
controversas, alguns casos-limite. A ordem jurídica, em certa medida, necessita da vagueza
semântica, pois esta é que possibilita o ‘amoldamento da fattispecie normativa às situações
novas, sequer possíveis de serem previstas, quando posto o texto pelo legislador’.” Fábio
Medina Osório, “Direito Administrativo Sancionador”, pgs. 260, 269 e 271, Editora
Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Necessário dizer que a apuração do enriquecimento ilícito pode ser iniciada por meio
de algum daqueles conceitos indiciários ou métodos de aferição indireta de omissão de
rendimentos e se concluir com o emprego de outro. Por exemplo, movimentações financeiras
a princípio incompatíveis podem ser justificadas pelo servidor sob alegação de aportes
financeiros que afastem a presunção daquela incompatibilidade mas que podem, por outro
lado, expor uma desproporção entre aplicações de recursos e origens declaradas, fazendo com
que a apuração migre do conceito indiciário da movimentação financeira incompatível para o
método da variação patrimonial desproporcional.
Prosseguindo neste rumo, afora hipóteses casuais lícitas (prática de outras atividades
compatíveis, recebimento de empréstimos, acumulação lícita de cargos, recebimento de
herança, sorteios, etc), parte-se do pressuposto de que a remuneração auferida pelo exercício
do cargo é a única origem regular de recursos do servidor. Havendo aquisição de qualquer
outro bem (no sentido mais amplo do termo, incluindo depósito bancário de origem não
comprovada), em princípio, presume-se inidônea. Assim, o crescimento do patrimônio e/ou os
depósitos bancários de origem não comprovada são tidos como hipóteses residuais que podem
acarretar a configuração do enriquecimento ilícito; mesmo não havendo prova da conexão do
bem auferido com a execução de ato lícito ou ilícito associado ao cargo, resta o
enriquecimento desproporcional e presumivelmente ilegítimo. Ademais, todos os outros
incisos do art. 9º da Lei nº 8.429, de 02/06/92, descrevem prática de ato ou abstenção,
1044
enquanto que o inciso VII se concretiza com a simples aquisição desproporcional de bens, não
requerendo prova de qualquer atitude. Daí, para a configuração da materialidade deste inciso,
basta(m) a variação patrimonial desproporcional e/ou os depósitos bancários de origem não
comprovada.
Independente da forma como se configura, repise-se que a Lei não exige que a
Administração comprove a correlação daqueles bens (lato sensu, em que se englobam
depósitos bancários) incompatíveis com o exercício do cargo. Em outras palavras, não tendo a
Administração notícia de qualquer outra origem de renda, cabe ao servidor afastar a presunção
relativa de que o fato já comprovado e incontestável na instância fiscal de ter adquirido bem
desproporcional à sua remuneração oficial e/ou de ter depósito bancário de origem não
comprovada não configura(m) a infração administrativa do enriquecimento ilícito (embora
seja(m) fato-tipo da Lei), demonstrando origem não relacionada ao cargo. Por outro lado,
prevalece a máxima de que atos da vida privada, em regra, não repercutem em instância
disciplinar, conforme 3.2.3.1 e 3.3.1.6, de forma que até pode ocorrer de, em função de auferir
o bem mediante crime comum (totalmente dissociado do cargo), o servidor sofrer repercussão
apenas criminal, afastando a presunção de improbidade administrativa.
A existência daquela escritura não deve ser entendida como uma questão prejudicial
externa que configuraria óbice ao prosseguimento do rito administrativo e que mereceria
prévia apreciação do Poder Judiciário, para que somente após pronunciamento judicial, a
Administração pudesse retomar a questão de mérito da apreciação da evolução patrimonial do
servidor. Havendo provas indiciárias suficientes de que o imóvel possui valor de mercado
significativamente superior àquele declarado (tais como bases de cálculo adotadas por Fiscos
municipal ou estadual, por exemplo), não é de se compreender que se deva provocar o Poder
Judiciário para, em ação anulatória, se ter decretada a nulidade da escritura de compra e venda
(já que não há o interesse da União no desfazimento do negócio, uma vez que a compra e
venda do imóvel em si em nada afetou seu interesse jurídico) e muito menos para, em ação
declaratória, se terem declarados insuficientes os recursos do servidor (uma vez que esta
declaração pode e deve ser feita motivadamente no bojo do rito administrativo e é justamente
o múnus da comissão ou da equipe processante, de forma que tal declaração significaria uma
superposição de competências e uma mitigação da independência das instâncias).
Neste rumo, uma medida que pode ser tomada para se contestar o valor declarado em
escritura pública de determinado imóvel, à vista das avaliações de mercado, é provocar a
projeção de programação e logística da respectiva Superintendência Regional para esta
contrate empresas especializadas em avaliação imobiliária, licenciadas pela Caixa Econômica
Federal no município onde se situa o imóvel, a fim de que emitam laudos técnicos com base
em ferramentas empregadas para financiamentos bancários bem como apontem o valor
mínimo para eventual liquidação forçada do bem.
1045
Não obstante, a princípio, até pareceria mais razoável que também restasse afastada a
instância disciplinar se o macroprocesso de trabalho especializado, mais experiente e
capacitado em matéria fiscal, usando as ferramentas legais de que dispõe, não lançasse crédito
tributário em decorrência de procedimento fiscal instaurado com o fim de apurar omissão de
rendimento nas espécies variação patrimonial desproporcional e/ou depósito bancário de
origem não comprovada, contra o servidor, quando este se investe na condição de contribuinte
1046
perante o Fisco, ou até nem mesmo instaurasse em virtude de decadência. Todavia, à vista da
máxima da independência das instâncias ora defendida, na hipótese acima, o fato de o
servidor não ter contra si o lançamento do crédito tributário não necessariamente afasta
eventual instauração do apuratório disciplinar, se for o caso, em alguma situação específica e
peculiar, uma vez que tal fato não pode ser interpretado como se a Administração tivesse
referendado o possível ato infracional de enriquecimento ilícito.
ofertando-a à tributação (aqui pouco importando a origem desta renda, segundo o brocardo
tributário do pecunia non olet - dinheiro não tem cheiro -, consagrado no art. 118 do CTN,
segundo o qual a definição legal do fato gerador independe da validade jurídica e dos efeitos
do ato praticado pelo contribuinte e até mesmo de ser ou não lícita ou moral a fonte de
rendimentos) e paga o devido imposto. Nas duas demais hipóteses, o servidor-contribuinte
omite da tributação a renda auferida e, uma vez sujeito à ação fiscal, consegue ou não
demonstrar a origem desta renda não declarada.
Uma vez que a Lei nº 9.430, de 27/12/96, “Dispõe sobre a legislação tributária
federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta” e a
topografia do seu art. 42 insere-se no Título “Depósito Bancário”, inserido na Seção IV
1049
Ainda nesta senda, tampouco cabe interpretar que o já mencionado Parecer PGFN/CDI
nº 1.986/2006 autorizaria se tomar individualmente cada um dos depósitos em conta bancária
do servidor inferiores a R$ 12.000,00 para considerá-los de pequena monta em confronto com
o conceito de enriquecimento ilícito. De um lado, é certo que o Parecer aduziu a necessidade
de se ter um valor relevante de enriquecimento ilícito, independentemente do método de
aferição. Mas, de outro lado, a conclusão da significância do valor em face do conceito de
enriquecimento ilícito somente deve ser feita ao final, após a totalização dos indicativos
individualizados (sejam depósitos em conta bancária, sejam origens ou aplicações de
recursos).
Assim, na linha de raciocínio aqui iniciada, com base em depósitos em conta bancária,
somente se deve concluir pela relevância ou não do enriquecimento após se totalizar o
montante relativo ao somatório dos depósitos sem origem identificada. Ou seja, não é valor
isolado de determinado(s) depósito(s) - como, por exemplo, depósito(s) inferior(es) a R$
12.000,00 - que deve ser confrontado com o conceito jurídico indeterminado de
enriquecimento ilícito, mas sim o valor correspondente ao total de depósitos sem origem
comprovada, bem como sua representatividade e sua freqüência ou ainda outros fatores que se
possam demonstrar relevantes.
pelo já aduzido brocardo do pecunia non olet, estampado no art. 118 do CTN.
Parecer PGFN Coged nº 406/2013: “17. (...) Verifica-se que a autoridade competente
somente teve ciência dos fatos em 04 de julho de 2006, após a conclusão do trabalho
rotineiro de auditoria, ocasião em que foi averiguada a existência de indícios de
irregularidades em relação ao acusado. Assim, o termo inicial da prescrição é a data do
relatório de auditorial patrimonial (...), momento em que foram concretizados perante a
Administração indícios de irregularidades.
18. Quanto à tese de que a pretensão da Administração estaria prescrita porque já se
passaram mais de 5 anos da entrega das declarações de imposto de renda, confunde a
defesa o prazo prescricional aplicável à homologação de lançamento de crédito tributário
(art. 150, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional) com aquele definido no art. 142,
parágrafo 1º, da Lei nº 8.112, de 1990, referente à apuração disciplinar. Como já dito, a
autoridade competente somente teve ciência dos fatos com a conclusão da auditoria
patrimonial, a qual foi comunicada em 04 de julho de 2006, momento em que se verificou
indícios de evolução patrimonial a descoberto.”
Este tema aqui se justifica porque, mesmo sem aprofundar demais a modelação, de
imediato, se vislumbra como um dos poucos exemplos viáveis desta construção hipotética a
situação do servidor que, nos últimos anos de sua atividade, amealha, irregularmente,
enriquecimento ilícito e persevera na demonstração de tal conduta ilícita nos anos
imediatamente subsequentes à aposentadoria em suas declarações de ajuste anuais de pessoa
física, por exemplo.
Ora, sem se confundir com defender a ilegal aplicação do regime disciplinar a ex-
servidor por ato pós-aposentadoria, nesta situação hipotética, não se poderia quedar
inocentemente inerte a Administração, como se houvesse uma instransponível barreira
temporal a dividir, legitimar ou mesmo imacular o indivíduo e também sua conduta, de um
dia para o outro, de forma estanque. O que aqui se defende é a possibilidade sim de a
Administração investigar ou apurar enriquecimento ilícito de ex-servidor coletando aos autos
tanto as provas referentes a seus últimos anos de atividade quanto as provas referentes aos
anos imediatamente posteriores à inatividade, não para afirmar que nestes anos posteriores o
ex-servidor infringiu a Lei nº 8.112, de 11/12/90 (até porque, nestes anos, ele nem mais se
vincula ao Estatuto), mas tão-somente para ter estas provas como outros elementos
formadores de convicção acerca dos anos em que o servidor se sujeitava ao regime
disciplinar, de forma que, tendo uma visão e uma convicção mais qualificada e robusta
daquilo que poderia se aproximar de uma conduta infracional continuada, poder afirmar com
maior grau de certeza a infração cometida ao tempo de submissão ao Estatuto.
Nos dias atuais, com o pleno conhecimento de um homem mediano das possibilidades
viáveis de qualquer um meliante, seja agente público ou não, “lavar” ou “esquentar” (embora
1052
Diante das sabidas artimanhas de que dispõe a parcela tortuosa da sociedade, seria
quase angelical - para não dizer imoral - que a Administração se auto-impusesse uma muralha
intransponível em seu poder-dever de persecução em busca da verdade material apenas em
função de um evento temporal imediato. Assim, nas condições extremamente peculiares
acima descritas, não é ilegal e nem sequer despropositado que o sistema correcional intime o
ex-servidor a apresentar documentação comprobatória da origem de rendimentos declarados
como recebidos após a inatividade, inclusive como forma de comprovação de suas
informações prestadas ao Fisco já como aposentado ou ainda, até mesmo, de acordo com as
peculiaridades do caso, operando uma “retroação benigna”, como forma de sustentar
alegações porventura apresentadas de forma vaga para justificar rendimentos declarados ainda
à época da atividade.
Por óbvio, nada desta modelação conceitual aqui apresentada se sustentaria em casos
em que o aporte patrimonial ocorre alguns anos após a aposentadoria, em que se configura um
relevante hiato temporal entre a atividade pública e a atividade privada pós-aposentadoria.
Na mesma linha, tem-se que o art. 13 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, impôs que, para
tomar posse em cargo público, deve o futuro agente público (sentido lato da expressão)
entregar declaração de bens; e, uma vez investido, o agente público deve atualizá-la
anualmente e na data em que deixar o mandato, cargo, emprego ou função, podendo tais
exigências serem supridas com cópia da declaração anual de bens entregue à Secretaria da
Receita Federal do Brasil. O dipositivo legal estende ainda a obrigação ao agente público de
informar a situação patrimonial do cônjuge ou companheiro, de seus filhos e ainda de demais
pessoas que vivam sob relação de dependência econômica do servidor.
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam
condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu
patrimônio privado, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal competente.
§ 1º A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e
qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizados no País ou no exterior,
e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou
companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do
declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público
deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do
prazo determinado, ou que a prestar falsa.
§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens
apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto
sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para
suprir a exigência contida no "caput" e no § 2º deste artigo.
Ainda segundo a norma, a recusa em prestar a declaração de bens ou fazê-la falsa pode
implicar pena de demissão. Sendo cristalina a aplicação de demissão na hipótese comissiva de
apresentação de declaração intencionalmente falsa, diante da grave repercussão, requer que se
interprete este dispositivo para a hipótese de ausência de apresentação. Não condiz com a
gravidade da sanção a sua aplicação à simples conduta omissiva culposa, devendo-se
interpretar cabível a demissão na reincidência dolosa, quando, instado a apresentar a
declaração, o agente público se recusa a fazê-lo.
“Caso o agente se omita em apresentar sua declaração, ou não a atualize, após regular
notificação e resposta (devido processo legal), o ato poderá ensejar sua demissão, salvo no
caso da primeira investidura, hipótese de regra específica já analisada (impedimento de
posse e exercício).
Podemos ainda cogitar de hipótese onde o agente apresenta declaração incompleta.
Poderá, antes do ato de demissão, complementá-la ou atualizá-la.
O dispositivo anotado pune com demissão o agente que se recusa a prestar declaração de
bens injustificadamente ou presta informações falsas. É certo que o regime jurídico
estatutário a que está submetido garante-lhe o procedimento adequado. No caso dos
servidores federais, vide a Lei nº 8.112/90.” Marcelo Figueiredo, “Probidade
Administrativa - Comentários à Lei nº 8.429/92 e Legislação Complementar”, pg. 81,
Malheiros Editores, 3ª edição, 1998
capitulada no art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e com vedação de retorno, conforme
art. 137, parágrafo único da mesma Lei), a Lei de Improbidade prevê ainda outras sanções de
índole judicial, sem prejuízo da ação penal, conforme art. 37, § 4º da CF. Ou seja, na Lei nº
8.429, de 02/06/92, o enquadramento no seu art. 13, § 3º é o único em que se prevê demissão,
independente de rito judicial e sem configurar, em si, ato de improbidade administrativamente
enquadrado no art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Não obstante, não haveria prejuízo
nenhum (e até se recomenda assim proceder, por cautela, para evitar questionamentos) em se
utilizar o enquadramento no art. 132, IV da Lei n° 8.112, de 11/12/90, combinado com a
definição dada pelo art. 13, § 3° da Lei n° 8.429, de 02/06/92.
Fechado este parêntese sobre a natureza do ilícito capitulado no art. 13, § 3º da Lei nº
8.429, de 02/06/92, retorna-se à questão da declaração de bens em si. Em seguida a este
dispositivo do art. 13, § 3º da Lei nº 8.429, de 02/06/92, a Lei nº 8.730, de 10/11/93, em seu
art. 1º, ratificou para agentes políticos detentores de cargos eletivos, membros da magistratura
e do Ministério Público Federal e, no que aqui mais interessa, para os titulares de cargos
efetivos em geral, empregos públicos ou funções de confiança a obrigação de entregar
declaração de bens, na investidura, anualmente e na saída, não só a seu próprio órgão, mas
também ao Tribunal de Contas da União.
repassar para a Controladoria-Geral da União sua declaração de ajuste anual de Imposto sobre
a Renda de Pessoa Física, mediante convênio a ser estabelecido entre as duas instituições, sem
prejuízo da possibilidade de o próprio apresentar e anualmente atualizar, junto a seu órgão de
lotação, sua declaração de bens e valores patrimoniais, em até quinze dias após o prazo do
término de entrega da mencionada obrigação tributária. De acordo com o texto legal, o
mencionado dever funcional, além da atualização anual, também se aplica aos momentos de
posse e exercício e desinvestidura do cargo, emprego, função ou mandato e se estende ainda à
situação patrimonial do cônjuge ou companheiro, de seus filhos e ainda de demais pessoas
que vivam sob relação de dependência econômica do servidor.
Decreto nº 5.483, de 30/06/05 - Art. 1º A declaração dos bens e valores que integram o
patrimônio privado de agente público, no âmbito do Poder Executivo Federal, bem como
sua atualização, conforme previsto na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, observarão as
normas deste Decreto.
Art. 2º A posse e o exercício de agente público em cargo, emprego ou função da
administração pública direta ou indireta ficam condicionados à apresentação, pelo
interessado, de declaração dos bens e valores que integram o seu patrimônio, bem como os
do cônjuge, companheiro, filhos ou outras pessoas que vivam sob a sua dependência
econômica, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
Art. 3º Os agentes públicos de que trata este Decreto atualizarão, em formulário próprio,
anualmente e no momento em que deixarem o cargo, emprego ou função, a declaração dos
bens e valores, com a indicação da respectiva variação patrimonial ocorrida.
§ 1º A atualização anual de que trata o “caput” será realizada no prazo de até quinze dias
após a data limite fixada pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda
para a apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física.
§ 2º O cumprimento do disposto no § 4º do art. 13 da Lei nº 8.429, de 1992, poderá, a
critério do agente público, realizar-se mediante autorização de acesso à declaração anual
apresentada à Secretaria da Receita Federal, com as respectivas retificações.
Art. 5º Será instaurado processo administrativo disciplinar contra o agente público que se
recusar a apresentar declaração dos bens e valores na data própria, ou que a prestar falsa,
ficando sujeito à penalidade prevista no § 3º do art. 13 da Lei nº 8.429, de 1992.
Art. 11. Nos termos e condições a serem definidos em convênio, a Secretaria da Receita
Federal poderá fornecer à Controladoria-Geral da União, em meio eletrônico, cópia da
declaração anual do agente público que houver optado pelo cumprimento da obrigação, na
forma prevista no § 2º do art. 3º deste Decreto.
Pessoa Física, na forma de inciso I deste artigo, não haverá necessidade de renovação
anual da autorização.
§ 4º O agente público poderá cancelar a autorização prevista no inciso I deste artigo,
passando a entregar a Declaração de Bens e Valores anualmente em papel, na forma do
inciso II.
§ 5º A atualização anual da Declaração de Bens e Valores deverá conter as informações
relativas ao ano anterior.
Feito este registro informativo, retorna-se ao tema em questão, afirmando-se que, com
isto, a Administração (que, aqui, pode ser representada tanto, inicialmente, pela
Controladoria-Geral da União, na especial condição de órgão central do Sistema de Correição
do Poder Executivo Federal, quanto pelos órgãos e unidades seccionais de correição deste
Sistema, como é o caso da Coger) passou a dispor de instrumentos para analisar a
compatibilidade da evolução dos bens do servidor com sua remuneração. Além desta via
automática de controle, o suposto ato de improbidade administrativa pode chegar ao
conhecimento da Administração por diversas outras formas, tais como: por denúncia ou
representação noticiando indício de existência de enriquecimento ilícito, nos termos do art. 9º
da Lei nº 8.429, de 02/06/92; por exame das declarações de bens, conforme art. 13 da citada
Lei; por comunicações de operações financeiras suspeitas, a cargo do Conselho de Controle
de Atividades Financeiras (Coaf), conforme determina o art. 15 da Lei nº 9.613, de 03/03/98 -
Lei da Lavagem de Dinheiro; e até por notícia divulgada na mídia. Nesta análise prévia de
compatibilidade, além de se checar o teor da denúncia, representação, notícia ou comunicado,
pode a Administração apreciar as declarações de ajuste anual de Imposto sobre a Renda, em
conjunto com a situação patrimonial (imóveis, veículos, etc) e com a movimentação
financeira do servidor, podendo se fazer necessário ação conjunta com outros órgãos, como
Ministério Público Federal e Departamento de Polícia Federal.
prorrogado, por igual período ou por período inferior, pela autoridade competente pela
instauração, desde que justificada a necessidade.
§ 3º Concluídos os trabalhos da sindicância patrimonial, a comissão responsável por sua
condução fará relatório sobre os fatos apurados, opinando pelo seu arquivamento ou, se
for o caso, por sua conversão em processo administrativo disciplinar.
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06 - Art. 4° Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas
as seguintes definições:
V - sindicância patrimonial: procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não-punitivo,
destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, à
vista da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e
disponibilidades;
Art. 5º
Parágrafo único. Nas unidades seccionais, a apuração de irregularidades observará as
normas internas acerca da matéria.
Art. 16. A sindicância patrimonial constitui procedimento investigativo, de caráter sigiloso
e não-punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente
público federal, a partir da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus
recursos e disponibilidades, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado
do Controle e da Transparência, do Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da
União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos;
Art. 18. Para a instrução do procedimento, a comissão efetuará as diligências necessárias
à elucidação do fato, ouvirá o sindicado e as eventuais testemunhas, carreará para os
autos a prova documental existente e solicitará, se necessário, o afastamento de sigilos e a
realização de perícias.
§ 1° As consultas, requisições de informações e documentos necessários à instrução da
sindicância, quando dirigidas à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda,
deverão ser feitas por intermédio dos Corregedores-Gerais Adjuntos, observado o dever da
comissão de, após a transferência, assegurar a preservação do sigilo fiscal.
§ 2° A solicitação de afastamento de sigilo bancário deve ser encaminhada à Advocacia-
Geral da União, com as informações e documentos necessários para o exame de seu
cabimento.
§ 3° A comissão deverá solicitar do sindicado, sempre que possível, a renúncia expressa
aos sigilos fiscal e bancário, com a apresentação das informações e documentos
necessários para a instrução do procedimento.
Iniciando o relato pela sindicância patrimonial, embora este rito se reporte à situação
específica de um determinado servidor alvo de uma representação ou denúncia, no âmbito
específico da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pode ser mencionada como um exemplo
típico de atividade da alçada da Divid, conforme já aduzido em 2.2.2.2.2. Internamente, a
sindicância patrimonial teve sua primeira regulamentação detalhada na Portaria Coger nº 11,
de 21/02/08, que a definia, ao lado da investigação patrimonial, como os dois procedimentos
formais então à disposição do sistema correcional para analisar a evolução patrimonial do
quadro de servidores. Esta Portaria Coger, como de outra forma não poderia ser, refletia
aquelas duas normas já mencionadas e de satus superior (o Decreto nº 5.483, de 30/06/05, e a
Portaria CGU nº 335, de 30/05/06).
Portaria MF nº 492, de 23/09/13 - Art. 3º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidos
os seguintes procedimentos correcionais no âmbito do Ministério da Fazenda:
V - sindicância patrimonial: procedimento investigativo, de caráter sigiloso e não-punitivo,
destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, à
vista da verificação de incompatibilidade patrimonial com seus recursos e
disponibilidades.
Art. 6º A sindicância patrimonial será iniciada mediante determinação do Ministro de
Estado da Fazenda, do Corregedor-Geral do Ministério da Fazenda, do Corregedor da
Secretaria da Receita Federal do Brasil ou das demais autoridades instauradoras de
processos administrativos disciplinares, conforme previsto nos respectivos regimentos
internos.
punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito, que será iniciado mediante
determinação do Ministro de Estado da Fazenda ou do Corregedor-Geral do Ministério da
Fazenda, de ofício ou a partir de denúncia, notícia ou representação de irregularidades
envolvendo servidores em exercício no Ministério da Fazenda.
Parágrafo único. O procedimento de sindicância patrimonial envolvendo servidores em
exercício na Secretaria da Receita Federal do Brasil será iniciado mediante determinação
do Corregedor ou dos Chefes dos Escritórios de Corregedoria da Secretaria da Receita
Federal do Brasil.
Art. 3º Para a instrução do procedimento, a comissão de sindicância patrimonial poderá:
I - efetuar diligências para a elucidação do caso;
II - solicitar manifestação oral ou escrita do sindicado e de terceiros;
III - carrear para os autos as provas documentais obtidas;
IV - solicitar o afastamento de sigilos e a realização de perícias.
Parágrafo único. A solicitação de afastamento judicial de sigilos deverá ser dirigida ao
órgão competente da Advocacia-Geral da União por intermédio do Corregedor-Geral do
Ministério da Fazenda ou Corregedor ou dos Chefes dos Escritórios de Corregedoria da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme o caso, com as informações e
documentos necessários ao exame de seu cabimento.
Art. 4º O prazo para conclusão do procedimento de sindicância patrimonial será de trinta
dias, contados da data da publicação do ato que constituir a comissão, podendo ser
prorrogado, por igual período ou por período inferior, pela autoridade competente pela
instauração, desde que justificada a necessidade.
Art. 5º Concluídos os trabalhos de sindicância patrimonial, a comissão responsável por
sua condução produzirá relatório sobre os fatos apurados, opinando pelo seu
arquivamento ou pela instauração de processo administrativo disciplinar.
Parágrafo único. Após o recebimento do relatório, a autoridade competente proferirá
decisão nos termos do que estabelece a Portaria COGER/MF nº 024/2013 e, se for o caso
de instauração de processo administrativo disciplinar para apurar indícios de improbidade
administrativa, dará ciência ao Ministério Público Federal para adoção das providências
cabíveis, conforme o disposto no art. 15 da Lei nº 8.429, de 1992.
Por fim, uma vez que a Portaria Coger-MF nº 25, de 29/10/13, concedeu à Coger
competência para editar seus próprios atos regulamentadores do rito e das situações de
transição ainda em curso, foi editada a Portaria Coger nº 13, de 30/01/14, que revogou
expressamente a já mencionada Portaria Coger nº 11, de 21/02/08, e, dedicando-se
exclusivamente à sindicância patrimonial (a Portaria Coger revogada, conforme já
mencionado, também mencionava o rito da investigação patrimonial), basicamente repetiu os
comandos da portaria Coger-MF nº 25, de 29/10/13. Na verdade, é de se reconhecer que a
edição da Portaria Coger nº 13, de 30/01/04, revogando a Portaria Coger nº 11, de 21/02/08,
da qual pouco difere, se deu tão-somente para adequar a normatização interna ao contexto
jurídico posterior à criação da Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda. Em outras
palavras, o conteúdo da Portaria Coger nº 13, de 30/01/14, é praticamente o mesmo do
conteúdo da revogada Portaria Coger nº 11, de 21/02/08, no que esta dizia respeito à
sindicância patrimonial, de forma que se pode afirmar que a sua procedimentalização não
sofreu relevantes alterações com a edição da Portaria Coger-MF nº 25, de 29/10/13, e da
Portaria Coger nº 13, de 30/01/14.
Antes da apresentação deste relato histórico, que se firme que o fato de o Decreto nº
5.483, de 30/06/05, apenas mencionar, em seus arts. 7º e 8º, que a Controladoria-Geral da
União pode analisar a evolução patrimonial de agente público e que, em caso de indícios de
incompatibilidade, deve instaurar sindicância patrimonial ou determinar sua instauração no
órgão de origem não é de ser tomado sob leitura retritiva. Em outras palavras, esta previsão
normativa não significa que a única ferramenta à disposição da Administração para proceder à
análise patrimonial de seus agentes é a sindicância patrimonial decorrente da atuação direta ou
da provocação da Controladoria-Geral da União.
Ora, sendo expresso no texto dos arts. 13 da Lei nº 8.429, de 02/06/92, e no art. 1º da
Lei nº 8.730, de 10/11/93, que a evolução patrimonial dos agentes públicos deve ser objeto de
inequívoco acompanhamento oficial e, no foco aqui de específico interesse, dispondo a
Secretaria da Receita Federal do Brasil, em razão de seu múnus, da base de dados fiscais
propiciadora de tal monitoramento e, ainda, sendo o sistema correcional parte integrante do
próprio órgão (conforme já exposto em 4.4.12.3), não haveria que se exigir a formalidade de o
órgão detentor da especialização técnica sobre o assunto e das informações necessárias as
repassasse para a Controladoria-Geral da União, a fim de que esta procedesse às investigações
acerca dos integrantes do próprio quadro do Fisco ou que esta determinasse a realização dos
trabalhos, seja sob rito de sindicância patrimonial, seja sob qualquer outra instrumentalização.
Da mesma forma como não se discute que é legal e lícito que a Corregedoria-Geral do
Ministério da Fazenda e a Secretaria da Receita Federal do Brasil e seu sistema correcional
normatizem e regulamentem internamente, à vista das peculiaridades institucionais, diversos
outros comandos gerais encartados nos enquadramentos disciplinares generalistas da Lei nº
8.112, de 11/12/90 (como é o caso do acesso imotivado, do trato do sigilo fiscal, da definição
de conflito de interesses e das atividades incompatíveis, apenas para citar alguns exemplos),
também não se vislumbra nenhuma ilegalidade no fato de os órgãos, em atenção aos
princípios basilares e norteadores do tema e em acréscimo aos dispositivos de maior
hierarquia normativa, tenham operado, operem e ainda venham a operar um disciplinamento
interno para a questão relevante e de extremado interesse público-social, como é o
acompanhamento dos sinais de suposta incompatibilidade patrimonial de seu corpo funcional.
Pacificando de vez qualquer alegação que porventura pudesse pairar a respeito de tal
competência sistêmica, mencionem-se duas normas - mais que autorizadoras, impositivas
mesmo - de idêntica lavra ministerial. Primeiro, a Portaria MF nº 492, de 23/09/13, que traça
normas gerais para a atuação correcional no âmbito do Ministério da Fazenda, estabelece que
tanto a Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda quanto a Coger, em suas respectivas
alçadas, devem proceder ao periódico sistemático acompanhamento da evolução patrimonial
de seus servidores jurisdicionados. Ademais, o Regimento Interno estabelece, de forma
expressa, que cabe à Coger decidir pelo arquivamento, instaurar e julgar procedimentos
administrativos de índole patrimonial, com o fim de apurar supostas irregularidades no âmbito
da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Se a unidade fiscal competente decidisse por não instaurar o procedimento fiscal, tal
fato devia ser comunicado em noventa dias à Coger ou ao Escor - mas isto não prejudicava a
competência para instauração da sindicância patrimonial de que trata o Decreto nº 5.483, de
30/06/05, podendo, por este segundo caminho, o aspecto correcional merecer definitivo
arquivamento ou redundar em instauração de processo disciplinar.
1065
Por outro lado, uma vez instaurado o procedimento fiscal, ambos os resultados
possíveis (auto de infração ou relatório propondo encerramento sem resultado) deviam ser
comunicados à Coger. Por fim, se o procedimento fiscal confirmasse os indícios de infração
disciplinar, o Corregedor determinava a realização de juízo de admissibilidade (em geral, a
cargo do Escor ou, excepcionalmente, na própria Coger), como elemento de instrução da
decisão de instaurar ou não o PAD, para análise da relevância da desproporção patrimonial,
podendo, no conceito de fase de admissibilidade, se incluir, como uma das ferramentas
possíveis, a realização de sindicância patrimonial
Quase dois anos depois, a normatização interna sobre o tema sofreu alteração com a
edição da Portaria RFB nº 11.311, de 27/11/07, que expressamente revogou a Portaria SRF nº
73, de 10/01/06, extinguindo a auditoria patrimonial e estabelecendo em seu lugar a
investigação patrimonial. Este novo procedimento, embora de natureza similar à extinta
auditoria patrimonial, apresenta algumas diferenças de rito, promovendo ajustes e evolução na
metodologia (de mais relevante, destaque-se que, melhor atendendo ao princípio da
autonomia das instâncias disciplinar e fiscal, não mais se preveem o trabalho conjunto com a
Cofis na definição dos parâmetros e o envio do resultado dos primeiros trabalhos
investigativos à SRRF ou à Cofis).
Com isto, sintetiza-se que inicialmente havia uma norma da lavra do então Secretário
da Receita Federal que estabelecia regras gerais para as auditorias patrimoniais (a Portaria
SRF nº 73, de 10/01/06) e uma norma conjunta de hierarquia imediatamente inferior, da lavra
de dois Coordenadores-Gerais lato sensu, o Corregedor e o Coordenador-Geral de
Fiscalização (a Portaria Coger/Cofis nº 1, de 10/03/06), que regulamentava a primeira.
Quando passou a vigorar uma outra norma da lavra do Secretário da Receita Federal do Brasil
1068
Necessário se faz afirmar que, embora não tenha sido editada nova norma da lavra do
Corregedor e do Coordenador-Geral de Fiscalização para, em conjunto, revogarem
expressamente sua Portaria Coger/Cofis nº 1, de 10/03/06, esta norma foi tacitamente
revogada pela leitura sistemática que se obtinha do ordenamento vigente para o tema. A uma
porque a norma que estabelecia regras gerais para auditoria patrimonial foi expressamente
revogada pela nova norma que estabeleceu regras gerais para a investigação patrimonial e a
duas porque a regulamentação que a Portaria Coger/Cofis nº 1, de 10/03/06, estabelecia,
passou a ficar em conflito e a não se compatibilizar com o ordenamento então vigente, que
sequer previu a atuação do macroprocesso de trabalho de fiscalização nas investigações
patrimoniais.
Assim, se a antiga norma de regras gerais foi expressamente revogada pela nova de
mesma hierarquia e se a antiga norma regulamentadora não se adequava às regras gerais então
vigentes, mesmo não tendo sido expressamente revogada por outra de mesma hierarquia, é de
se compreender tacitamente revogada esta antiga norma regulamentadora, pois ela apenas
tinha vigência justificada enquanto vigorava a norma superior que ela regulamentava. Em
outras palavras, estendendo-se para normatização infralegal os conceitos basilares do art. 2º, §
1º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/42 (antiga Lei de Introdução ao Código Civil - LICC,
atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), tem-se
tacitamente revogada a Portaria Coger/Cofis nº 1, de 10/03/06, por se demonstrar
incompatível com o regramento inteiramente novo dado à matéria pela Portaria RFB nº
11.311, de 27/11/07.
Na sequência, com a revogação tácita das Portarias RFB nº 11.311, de 27/11/07 (que
instituiu a investigação patrimonial), após a edição da Portaria MF nº 492, de 23/09/13 (cujo
art. 23, conforme exposto em 2.2.2.1, determinou a revogação de normas internas da
Secretaria da Receita Federal do Brasil que versavam sobre matéria correcional, com a
consequente supressão da competência normativa do Secretário da Receita Federal do Brasil
sobre o tema), à vista da competência normativa interna acima mencionada, a Coger editou a
Portaria Coger nº 3, de 16/01/14, que passou a disciplinar a forma de conclusão dos
procedimentos de investigação patrimonial que se encontravam em andamento na Secretaria
da Receita Federal do Brasil à data da publicação desta Portaria Coger. Na prática, a Portaria
Coger nº 3, de 16/01/14, não operou grande inovação em relação à procedimentalização
anterior, reportando que a equipe Nacional de Investigação Patrimonial tem seus trabalhos
coordenados pela Divid e tem seus integrantes designados pelo Chefe desta Divisão. Em
termos de rito destas situações transientes do 2º ciclo, a Portaria Coger nº 3, de 16/01/14,
manteve a mesma procedimentalização que vinha vigendo desde a edição da Portaria Coger nº
52, 19/08/10, já reproduzida acima.
disciplinando andamento do segundo ciclo das investigações patrimoniais ainda não conclídas
à data de edição desta Portaria Coger. Esta nova norma dissolveu a Equipe Nacional de
Investigação Patrimonial, descentralizando as análises, ao remetê-las para o Escor competente
para a sede admissiblidade.
Por fim, antecipe-se que não caberia eventual alegação de servidor investigado em sua
evolução patrimonial em anos-calendários anteriores à edição do respectivo ordenamento
infralegal ou interno de regência da procedimentalização - por exemplo, por servidor que tem
sua evolução patrimonial de ano anterior a 2005 investigada sob molde de sindicância
patrimonial, definida pelo Decreto nº 5.483, de 30/06/05, ou de ano anterior a 2007,
investigada sob molde de investigação patrimonial, definida pela Portaria RFB nº 11.311, de
27/11/07, ou de ano anterior a 2013, investigada sob molde da Portaria Coger-MF nº 26, de
30/10/13, e pelas Portarias Coger nº 3, de 16/01/14, e nº 62, de /10/14.
Não há de se ter dúvida que, sob ótica do Direito material, já vige no ordenamento
pátrio a imposição para que a Administração acompanhe a evolução patrimonial de seus
servidores desde, no mínimo, a edição da Lei nº 8.429, de 02/06/92. A rigor, no mínimo,
desde esta época, compete à Administração verificar e processar eventuais desproporções
patrimoniais. Aqueles normativos mencionados, bem como quaisquer outras normas
infralegais que já tenham vigido ou que ainda venham a viger, tão-somente traçam o rito
instrumental de como o dispositivo da Lei material deve ser procedimentalizado. Por óbvio, a
procedimentalização somente pode ser feita, de acordo com o rito estabelecido, a partir da
vigência da edição da norma que a instituiu; mas isto em nada se confunde com o espectro
material sobre o qual pode se projetar, preteritamente no tempo, aquela forma de se
procedimentalizar as investigações.
Mas, diante da relevante gravidade das condutas que se logrou definir, delimitar e
identificar acima, tais práticas, por parte do servidor, de burla consciente e intencional às
tutelas e aos controles exercidos pela Administração, propiciadas justamente pela relação de
vínculo estatutário que os une, ultrapassam a simples incompatibilidade de matérias ou de
dedicação e se consubstanciam em ato de qualificada afronta à moralidade e, de forma
bastante destacada e cristalina, à lealdade institucionais. Decerto, o cerne da crítica contida à
conduta tida como consultoria ou assessoramento privado reside na intolerância que o
ordenamento expõe à prática demarcada com elevado grau de deslealdade ao órgão a que o
mesmo agente serve, em contundente choque e conflito de interesses, que transcende a mera
incompatibilidade material prevista no art. 117, XVIII da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
dentro da Administração, fazendo com que este se encaminhe de forma mais ágil ou que se
processe de forma favorável ao pleito. E, embora se possa ter a consultoria e o assessoramento
privado em conjunto com a disponibilização externa de informações e conhecimentos
auferidos com a função pública, tampouco o ilícito em tela se confunde com o ilegal repasse
de informações sigilosas a que o servidor tem acesso em função de seu cargo, ilicitude esta
que também conta com enquadramento específico (no art. 132, IX da Lei nº 8.112, de
11/12/90)
Daí porque, à vista das graves peculiaridades das condicionantes de tal prática,
cometida intencional e conscientemente pelo servidor para burlar seus liames de lealdade à
instituição e de moralidade administrativa, a consultoria ou o assessoramento privado atinge o
patamar de gravidade e, consequentemente, de repulsa social de superar aqueles
enquadramentos acima mencionados e de configurar um ato qualificado de imoralidade -
sobretudo aqui ampliado pela atuação desleal -, juridicamente traduzido como ato de
improbidade administrativa.
funcional por ele desenvolvida em face daquele contribuinte (uma fiscalização, por exemplo).
Em tais situações hipotéticas, se poderia construir uma consecução de duas ilicitudes em
concurso material: o valimento de cargo e por fim a consultoria ou o assessoramento privado,
cabendo, em exceção, o duplo enquadramento. Fora esta hipótese, o simples fato de o agente
praticar a conduta de consultoria ou de assessoramento privado não configura o ilícito de
valimento do cargo mas sim tão-somente a espécie em comento de improbidade
administrativa, a merecer enquadramento único.
Neste rumo, convém ratificar que, embora possam estar sob a guarda do servidor e
mesmo que tenham sido por este, em decisão unilateral, transformados em objeto de uso
ilícito, todos os bens públicos localizados na repartição são da Administração, e sua apreensão
para investigações, apurações e perícias se revestem de absoluta e plena legalidade,
dispensando qualquer forma de antecipada notificação à parte (nos termos do art. 45 da Lei nº
9.784, de 29/01/99) e não se delimitando por nenhum direito protetor de garantias
fundamentais do indivíduo. Desta forma, os documentos em papel e as mídias ou os arquivos
eletrônicos encontrados em aparatos do trabalho na repartição, tais como o armário, a mesa, o
computador e quaisquer outros bens públicos, ainda que sob uso privado desvirtuado, não se
inserem em contornos constitucionalmente protegidos de privacidade e intimidade do
servidor. O mesmo já não se pode dizer, por óbvio respeito a cláusulas garantidoras
constitucionais, das provas de cuja existência se cogite na residência do servidor ou em
domicílio de particulares, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, que têm acessos e
apreensões condicionados à devida autorização judicial.
mesmo quando o servidor não detém, no momento da prática, nenhum tipo de ingerência
sobre o tema de interesse particular.
Em outras palavras, não é porque, em leitura associada ao art. 132, IV da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, a Lei nº 8.429, de 02/06/92, em seu art. 9º, VIII, prevê, como específico ato de
improbidade administrativa causador de enriquecimento ilícito, o exercício da atividade de
consultoria ou de assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível
de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições legais do agente
público, que aqui se comungaria da equivocada tese de que esta definição legal exauriria a
conceituação do ilícito em comento.
Defender tese ao contrário seria o mesmo que acatar que um servidor detentor de uma
posição pública de relevante confiança e, como tal, possuidor de um grau de acesso a
informações estratégicas de governo, reguladoras de determinado setor econômico,
disponibilizasse a uma pessoa física ou jurídica informações não necessariamente para
favorecer pleitos do seu contratante junto à Administração, mas tão-somente para lhe
propiciar posição de vantagem no mercado competitivo em que se insere, em detrimento da
livre iniciativa. Por óbvio que tal conduta, a exemplo daquela delimitada e especificamente
definida no art. 9º, VIII da Lei nº 8.429, de 02/06/92, também merece a forte reprimenda de
ser enquadrada como ato de improbidade administrativa - só que em enquadramento menos
específico, qual seja, no art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, com a definição extraída do
art. 11, III da Lei nº 8.429, de 02/06/92; ou ainda, em caso mais residual, com a definição
extraída do caput do mesmo art. 11 da citada Lei.
Lei nº 8.429, de 02/06/92 - Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e
notadamente:
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo;
1076
como cargos das Carreiras Previdenciária, da Seguridade Social e Trabalho, do Seguro Social
e da Previdência, Saúde e Trabalho), bem como todos os ocupantes de empregos (como é o
caso dos empregados públicos do Serpro), encontram-se alcançados pelos regramentos da Lei
nº 12.813, de 16/05/13.
submetida à publicidade, não é exclusivo dos integrantes deste quadro funcional e também
ainda que este servidor paute na boa-fé sua prática de aplicar seus conhecimentos e
informações. A vantagem, inerente à sua condição funcional, de ter seus serviços privados
mais facilmente contratados pelos clientes em potencial do que qualquer outro concorrente,
advém do senso comum de que, em princípio, um agente do Fisco seria bom conhecedor não
só da complexa e esparsa normatização de regência mas também dos posicionamentos
institucionais diante de questões tributárias polêmicas, das rotinas e das praxes empregadas
nos diversos tipos de procedimentos fiscais e dos sistemas informatizados internos. Resta
inegável que a condição funcional agrega a este servidor a qualidade de um candidato
preferencial a ser contratado pelo contribuinte por este antever uma possibilidade diferenciada
de sucesso, não só em termos lícitos no uso das disponíveis ferramentas jurídicas, como até
mesmo em termos de manejo de instrumentos ilícitos em sua postulação.
Fiscal.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil, não obstante sua organização de atuação por
projeções sistêmicas e suas divisões geográficas regionais, deve ser compreendida, assim
como a própria Administração e o serviço público, de forma una, a que deve intransitiva
lealdade seu servidor. Ademais, dentro da dinâmica do órgão, da vida funcional do servidor e
das imediatas necessidades de serviço, pode ocorrer de o agente, ao tempo do ilícito, estar em
exercício em uma projeção que a princípio em nada se relaciona com a matéria de interesse do
particular, mas já ter estado em exercício justamente naquela área de atuação ou de vir a sê-lo
em breve (sabidamente ou não), de forma a já ter empregado ou a poder vir a empregar seus
conhecimentos e ingerências na demanda particular. Como todo tema infracional atinente à
incompatibilidade de matérias, a tutela garantista do interesse público se aplica já desde o
mero risco potencial e já desde a simples possibilidade ou facilitação de cometimento de ato
ilícito.
Por fim, é de se atentar que, seja de uma forma, seja de outra, a conduta ímproba de
prestar consultoria ou assessoramento privado tanto pode se dar de forma pessoal, em que o
servidor, individualmente, elabora petições, requerimentos, defesas, impugnações, recursos,
estudos, análises, projeções, planejamentos ou recomendações em favor do particular, como
pode se dissimular por meio de participação no quadro societário de sociedade cujo objeto
social seja a atividade de consultoria ou de assessoramento, nas condicionantes já aduzidas em
4.7.3.10.1, a cuja leitura se remete.
o cargo. Uma vez comprovada tal atuação, ainda que sob a figura de sócio, é de se considerar
configurada a espécie em apreço de ato de improbidade administrativa.
O inciso estabelece duas infrações que, em que pese as suas peculiaridades, gravitam
ao redor de um aspecto comum: comportamental.
Assim, o termo “pública” para a incontinência cometida na repartição faz com que se
entenda que a conduta em tela se refere ao cometimento de atos de quebra de respeito e de
decoro, contrários à moral, cometidos de forma habitual, ostensiva e em público (à frente de
outros servidores ou de particulares), sem a preocupação de preservar a normalidade da
repartição e a credibilidade da causa pública. A primeira parte do enquadramento em tela não
alcança atos cometidos às ocultas.
Essas duas condutas devem ser vistas com reserva e cautela, não se recomendando
cogitar da configuração de uma ou de outra por atos insignificantes ou de ínfimo poder de
ofensa. Deve-se atentar para a gradação permitida na Lei nº 8.112, de 11/12/90, cujo art. 116,
IX prevê penas não expulsivas para a afronta ao dever de manter conduta compatível com a
moralidade administrativa.
A ofensa física pode tomar a definição que o CP, em seu art. 129, deu a lesão corporal:
“ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.
Como não poderia ser diferente, conforme 4.6.2.2, o legislador previu a excludente da
ilicitude no caso de o servidor agressor agir em legítima defesa. Uma situação intermediária
que pode se configurar é quando o servidor agressor é inicialmente provocado e ofendido pelo
agredido e reage em defesa, mas o faz de forma desproporcional à ofensa recebida. Neste
caso, a reação desproporcional atua em seu desfavor, impedindo que se considere a excludente
de ilicitude por legítima defesa; mas o fato de ter sido originalmente provocado e ofendido e
agido em defesa pode fazer com que se pondere e não se enquadre neste inciso punível com
pena expulsiva, mas talvez (de acordo com as peculiaridades caso a caso) em outro de menor
repercussão.
ainda que o novo destino não seja particular ou ilícito de qualquer forma). Em outras palavras,
os recursos até podem ser aplicados a favor da Administração, sem haver desvio a favor do
servidor infrator ou de terceiros; mas não são aplicados da melhor forma.
Por um lado, similarmente a uma das condutas descritas no inciso X (lesão aos cofres
públicos), o presente ilícito, em geral, é cometido por servidor que tem poder e competência
para gerir ou acessar recursos públicos, tais como os ordenadores de despesas, que emitem
empenho, autorizam pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou que por
eles respondem, conforme define o art. 80, § 1º do Decreto-Lei nº 200, de 25/02/67. Por outro
lado, diferentemente daquela conduta descrita no inciso X, o presente enquadramento não se
configura com apropriação indébita, furto ou desvio de dinheiro público ou com qualquer
hipótese de o servidor dolosamente obter para si a vantagem ou admitir que outros a
obtenham.
Lei Complementar nº 101, de 04/05/00 - Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei
Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de
fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação
pertinente.
“Advirta-se, contudo, que à vista da cláusula constitucional do devido processo legal (‘due
process of law’), tal reprimenda administrativa somente poderá ser imposta depois de
haver sido processada e julgada pela Corte de Contas respectiva.
Na área federal, o processo apuratório de tais infrações administrativas deverá adotar o
rito dos processos de tomada de contas especial, conforme Instrução Normativa de nº
001/93 do Tribunal de Contas da União.” José Armando da Costa, “Direito Administrativo
Disciplinar”, pgs. 506 e 507, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2004
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações
sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de
arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros, tais como:
I - as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e
movimentação financeira ou patrimonial;
II - as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes
e volumes ou valores de compra e venda;
III - as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de
produção.
§ 1º Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:
I - cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que permitam sua identificação e
individualização, tais como nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação e
composição societária;
II - cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito passivo, desde que não revelem
valores de débitos ou créditos;
III - agregadas, que não identifiquem o sujeito passivo; e
IV - previstas no § 3º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 1966.
§ 2º A divulgação das informações referidas no § 1º caracteriza descumprimento do dever
de sigilo funcional previsto no art. 116, inciso VIII, da Lei nº 8.112, de 1990.
Art. 3º No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o acesso a informações de
que trata esta Portaria restringir-se-á aos usuários que possuam senha, chave de acesso,
certificação digital ou qualquer outro mecanismo de segurança que lhe tenha sido
regularmente concedido, nos termos de portaria específica de sistemas e perfis, que
autorize o seu acesso às bases de dados informatizadas.
Neste rumo, em imediato reflexo do texto legal, mencione-se que a Portaria RFB nº
2.344, de 24/03/11, estabeleceu a pena de demissão, em decorrência do presente
enquadramento para o servidor que divulgar ou revelar informação protegida por sigilo fiscal
constante de sistemas informatizados da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Portaria RFB nº 2.344, de 24/03/11 - Art. 6º O servidor que divulgar ou revelar informação
protegida por sigilo fiscal, constante de sistemas informatizados, com infração ao disposto
no art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), fica
sujeito à penalidade de demissão prevista no art. 132, inciso IX, da Lei nº 8.112, de 1990.
Lei nº 12.527, de 18/11/11 - Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam
responsabilidade do agente público ou militar:
II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou
ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha
acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou
função pública;
IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à
informação sigilosa ou informação pessoal;
§ 1o Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, as
condutas descritas no caput serão consideradas:
II - para fins do disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas alterações,
infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo
os critérios nela estabelecidos.
§ 2o Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder,
também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nos 1.079, de 10 de
abril de 1950, e 8.429, de 2 de junho de 1992.
Por fim, este enquadramento disciplinar também pode configurar simultaneamente ato
de improbidade administrativa definido no inciso III do art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92.
E, mais especificamente, pode ocorrer situações concretas a priori enquadráveis no
enquadramento em tela mas que também se amoldem aos comandos mais específicos do art.
5º da Lei nº 12.813, de 16/05/13, voltados de forma mais direcionada, reservada e extrema a
condutas suscitadoras de conflito de interesses. Estes casos, de grande gravidade, conforme já
aduzido em 4.7.3.18.6, podem atrair a aplicação do enquadramento de improbidade
administrativa (por ofensa a princípios reitores da Administração, conforme define o caput do
art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92), sendo a pena expulsiva capitulada no art. 132, IV da Lei
nº 8.112, de 11/12/90.
3.2.3.5.2.
Parecer Dasp. Dilapidação do patrimônio nacional e lesão aos cofres públicos - Distinção
A lesão aos cofres públicos não se confunde com a dilapidação do patrimônio nacional.
Aquela se refere a dinheiro ou valores transacionáveis; esta se relaciona com bens ou
utilidades permanentes.
Embora a corrupção passiva esteja tipificada como um dos crimes funcionais contra a
Administração Pública, no art. 317 do CP (solicitar ou receber, para si ou para outrem,
vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem), a Lei nº 8.112, de 11/12/90, a
destacou no inciso XI do art. 132. Com isto, uma vez que não se admite letra morta na norma,
tem-se que, conceitualmente, a corrupção, administrativamente, é ilícito autônomo, de forma
que o enquadramento no art. 132, XI da Lei nº 8.112, de 11/12/90, dispensa ação penal
pública, podendo ser processado de forma independente na via administrativa, sem as
ressalvas do enquadramento no art. 132, I da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
“Advirta-se, contudo, que em relação ao delito disciplinar previsto no inciso X (sic) do art.
132 do mesmo diploma legal supramencionado, embora possa a hipótese de incidência ali
definida enquadrar-se no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), não sobrevive
essa dependência da instância penal, podendo a Administração Pública demitir o servidor
acusado com respaldo tão-somente no processo administrativo disciplinar.” José Armando
da Costa, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 182, Editora
Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005
(Nota: Subentende-se que o autor quis se referir ao inciso XI e não ao X do art. 132.)
“(...) para caracterização do ilícito funcional em tela é necessário que o servidor atue de
forma ilegal ou indevida, vale dizer, acaso o servidor tenha recebido vantagem indevida
para a prática de ato regular, o ilícito funcional será outro - [artigo 117, XII - receber
propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas
atribuições]
Ante a generalidade da norma, considera-se que o dispositivo abarca não só o
comportamento do servidor corrompido, mas também o daquele servidor que no exercício
de suas atribuições tenta corromper outros servidores.”, Controladoria-Geral da União,
“Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 334, 2013, disponível em
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em
07/08/13
Ainda assim, para se evitar questionamento da defesa de que a definição deste ilícito é
a mesma do crime da corrupção e daí ter de provocar manifestação definitiva judicial, a
exemplo do que se recomendou acerca do enquadramento do art. 132, I da Lei nº 8.112, de
11/12/90, também convém que a comissão não enquadre em corrupção, mas sim, por
exemplo, em valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem e/ou em
improbidade administrativa, do art. 117, IX ou do art. 132, IV, ambos daquela Lei.
CF - Art. 37.
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver
compatibilidade de horários: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
14/06/98)
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98)
c) a de dois cargos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13/12/01)
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias,
fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e
sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98)
§ 10 É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria do art. 40 ou dos
arts. 42 e 142 com a remuneração do cargo, emprego ou função pública, ressalvados os
casos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em
comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Acrescentado pela Emenda
Constitucional nº 20, de 15/12/98)
dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre
que houver interesse da Administração. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação
remunerada de cargos públicos.
§ 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias,
fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do
Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.
§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da
compatibilidade de horários.
§ 3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego
público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram
essas remunerações forem acumuláveis na atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de
10/12/97)
Art. 119. O servidor não poderá exercer mais de um cargo em comissão, exceto no caso
previsto no parágrafo único do art. 9º, nem ser remunerado pela participação em órgão de
deliberação coletiva. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à remuneração devida pela
participação em conselhos de administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de
economia mista, suas subsidiárias e controladas, bem como quaisquer empresas ou
entidades em que a União, direta ou indiretamente, detenha participação no capital social,
observado o que, a respeito, dispuser legislação específica. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.225-45, de 04/09/01)
Art. 120. O servidor vinculado ao regime desta Lei, que acumular licitamente dois cargos
efetivos, quando investido em cargo de provimento em comissão, ficará afastado de ambos
os cargos efetivos, salvo na hipótese em que houver compatibilidade de horário e local com
o exercício de um deles, declarada pelas autoridades máximas dos órgãos ou entidades
envolvidos. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
15/12/98. A partir desta data, o inativo aposentado pelo exercício de cargo público não pode
acumular os proventos da aposentadoria com eventual remuneração de cargo público em que
tenha sido investido e que seja inacumulável com aquele cargo no qual se aposentou (esse
servidor terá de optar pelos proventos da aposentadoria ou pela remuneração do novo cargo).
Não existindo tal vedação antes da data da publicação da Emenda Constitucional, força dizer
que as acumulações de proventos de aposentadoria com remuneração de cargos quando o
reingresso no serviço público deu-se antes de 16/12/98 não são alcançadas pela proibição em
tela. E assim realmente expressou o art. 11 daquela Emenda Constitucional.
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98 - Art. 11. A vedação prevista no art. 37, § 10, da
Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e
militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço
público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas
previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma
aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição
Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo
artigo.
Interessante também mencionar que, ao regulamentar o art. 236 da CF, a Lei nº 8.935,
de 18/11/94, em seu art. 25, estabeleceu que a titularidade de serviços notariais e de registro,
após concurso público e mediante posse por delegação do Poder Público, investe o notário (ou
tabelião) e oficial de registro (ou registrador) na condição de servidor público lato sensu e,
como tal, seu exercício é incompatível com qualquer outro cargo, emprego ou função pública.
CF - Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos
notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos
pelo Poder Judiciário.
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos
atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas
e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso
de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Destaque-se que o inciso XII do art. 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, refere-se à
1091
Neste particular, tem-se que, em regra, os cargos técnicos federais, por força do art. 19
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, sujeitam-se à jornada de quarenta horas semanais. A redução de
jornada de cargos efetivos (para trinta ou vinte horas semanais), prevista na Medida Provisória
nº 2.174-28, de 24/08/01, tem limitada aplicação nos quadros da Secretaria da Receita Federal
do Brasil, vez que vedada aos AFRFB (conforme já se aduziu em 3.2.5).
Lei nº 4.345, de 26/06/64 - Art. 11. Os funcionários do Serviço Civil do Poder Executivo,
integrantes de órgãos da administração direta e das autarquias, que exerçam atividades de
magistério, técnicas, de pesquisas ou científicas, poderão ficar sujeitos, no interêsse da
administração e ressalvado o direito de opção, ao regime de tempo integral e dedicação
exclusiva, de acôrdo com a regulamentação a ser expedida, dentro do prazo de 60
(sessenta) dias, ficando revogados os dispositivos constando do Capítulo XI da Lei nº
3.780, de 12 de julho de 1960.
§ 1º Pelo exercício do cargo em regime de tempo integral e dedicação exclusiva, será
concedida, ao funcionário, gratificação fixada, no mínimo de 40% (quarenta por cento) do
valor do vencimento do cargo efetivo, ficando revogadas as bases percentuais fixadas na
Lei nº. 3.780, de 12 de julho de 1960.
Art. 12. Considera-se regime de tempo integral o exercício da atividade funcional sob
dedicação exclusiva, ficando o funcionário proibido de exercer cumulativamente outro
cargo, função ou atividade particular de caráter empregatício profissional ou pública de
qualquer natureza.
STJ, Agravo Regimental em Recurso Especial nº 291.919; “Ementa: 1. O art. 37, XVI da
Constituição Federal, bem como o art. 118, § 2º. da Lei 8.112/90, somente condicionam a
acumulação lícita de cargos à compatibilidade de horários, não havendo qualquer
previsão que limite a carga horária máxima desempenhada, diária ou semanal. 2. Dessa
forma, estando comprovada a compatibilidade de horários, não há que se falar em
limitação da carga horária máxima permitida. Precedentes desta Corte.
Compete à União apurar a acumulação de cargo federal com outro cargo estadual ou
municipal. E, no caso de acumulação de dois cargos federais, a apuração caberá ao órgão que
realizou o último provimento.
“É atípica a conduta daquele que acumula dois cargos públicos remunerados, sujeito o
agente apenas a sanções administrativas (RJDTACRIM 32/151).” Julio Fabbrini Mirabete,
“Manual de Direito Penal”, pg. 347, Editora Atlas, 17ª edição, 2001
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de
cargos, empregos ou funções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o
servidor, por intermédio de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo
improrrogável de dez dias, contados da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará
procedimento sumário para a sua apuração e regularização imediata, cujo processo
administrativo disciplinar se desenvolverá nas seguintes fases: (Redação dada pela Lei nº
9.527, de 10/12/97)
§ 1º A indicação da autoria de que trata o inciso I dar-se-á pelo nome e matrícula do
servidor, e a materialidade pela descrição dos cargos, empregos ou funções públicas em
situação de acumulação ilegal, dos órgãos ou entidades de vinculação, das datas de
ingresso, do horário de trabalho e do correspondente regime jurídico. (Redação dada pela
Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Quanto à questão da opção por um dos cargos em dez dias, a Lei nº 8.112, de
11/10/90, não oferece imediata resposta para a incomum situação de um mesmo servidor que
já figure como acusado em um processo administrativo disciplinar por qualquer outro fato e
que seja flagrado acumulando um cargo na Secretaria da Receita Federal do Brasil com um
outro cargo de qualquer órgão e que queira optar por este segundo cargo. A inusitada
complexidade da situação se destaca na hipótese de o servidor desejar optar por se exonerar
do cargo que ocupa na Secretaria da Receita Federal do Brasil, uma vez que o art. 172 da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, veda-lhe este direito de exoneração a pedido e de aposentadoria
voluntária a acusado em processo administrativo disciplinar (com a inteligência de não
prejudicar os trabalhos apuratórios).
Parecer PGFN/Cojed nº 1.886/2012: “17. (...) deve ser garantido ao servidor o direito de
pedir exoneração de seu cargo mesmo que esteja respondendo a outro processo
disciplinar, caso esteoutro PAD tenha ultrapassado o prazo legalmenteprevisto para o seu
término (140 dias) (...) e que o servidor não tenha causado a demora na instrução da
investigação, com fito de retardar a conclusão do processo disciplinar.
19. Ressalte-se, ainda em relação ao questionamento da Corregedoria-Geral da RFB, que
o deferimento da exoneração somentese mostra viável em face da possibilidade de a
administração, acaso sobrevenha decisão desfavorável ao servidor nos outros processos
administrativos disciplinares, sancioná-lo, cassando o ato exoneratório, com vistas à
devida aplicação de penalidade de demisão, com fundamento no poder de autotutela.”
“Se estiver o servidor em gozo de licença, quando do advento da acumulação ilegal, tal
circunstância não impede o reconhecimento da ilegalidade (RT 803/149).” Regis
Fernandes de Oliveira, “Servidores Públicos”, pg. 84, Malheiros Editores, 1ª edição, 2004
A alteração promovida no art. 133 do Estatuto pela Lei nº 9.527, de 10/12/97, eliminou
a previsão de devolução de toda a importância recebida indevidamente, por conta da
1097
“Contudo, poderá a União cobrar a restituição dos valores pagos ao servidor, acaso seja
comprovado que elexnão cumpriu, integralmente, a carga horária demandada pelo serviço,
em razão,xpor exemplo, da incompatibilidade de horário.
Assim, independentemente da escolha por um dos cargos, empregos ou funções, durante o
processo disciplinar, e confirmando-se que o servidor, efetivamente, não trabalhou, deverá
a Administração exigir a restituição dos valores pagos indevidamente.”, Controladoria-
Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 383, 2013,
disponível em http://www.cgu.gov.br/ Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
para que o indiciado, de lavra própria ou por meio de seu procurador porventura constituído
nos autos, apresente defesa escrita.
A citação deve conter: o prazo e o local para apresentar a defesa; o registro do direito à
vista do processo na repartição; e o registro de que tem como anexo cópia da indiciação
(convém complementar a cópia integral do processo, deduzindo-se o que já foi entregue desde
a notificação inicial como acusado ou desde o interrogatório, caso este tenha sido o último
momento em que se entregou cópia dos autos, preferencialmente, digitalizada em mídia
eletrônica). Havendo mais de um indiciado, elaboram-se citações individuais (ainda que a
indiciação seja única).
Por força do § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que expressa, em incidente
adiante abordado, em 4.8.2.1, a possibilidade de o indiciado se recusar a receber a citação,
interpreta-se que a peça deve, em princípio, ser pessoalmente entregue ao indiciado, uma vez
que se pode presumir que a ninguém mais possa interessar o exercício da defesa que ao
próprio servidor. Tendo sido o ato de comunicação entregue pessoalmente ao indiciado,
dispensa-se a entrega também ao seu procurador. A Lei nº 9.784, de 29/01/99, nos seus arts.
26 e 41, impõe a comunicação apenas ao interessado (acusado), não a prevendo também para
seu procurador.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo
administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a
efetivação de diligências.
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
Tal linha de construção a favor dos esforços para a entrega pessoal se coaduna
perfeitamente com o entendimento de que a citação é ato de relevância destacada no curso do
processo, a merecer especial cuidado e rigor de forma, a exemplo do que se defendeu para a
notificação inicial de que o servidor figura como acusado nos autos.
No caso de ser entregue pessoalmente, a citação deve ser extraída em duas vias,
ficando uma via com o destinatário e coletando-se recibo datado na outra via, que fará parte
do processo.
Obviamente, esta iniciativa de buscar o prévio contato telefônico com o servidor pode
não ser factível quando, de antemão, já se presuma que este não colaborará com a conclusão
dos trabalhos, inclusive e sobretudo na hipótese de existir fundado receio de se evadir com o
provável intuito de tentar estabelecer o incidente da revelia, dificuldade esta que pode ser
contornada com um contato prévio com a chefia do servidor ou com o titular da sua unidade
de lotação ou de exercício, a fim que solicitar à autoridade que chame o subordinado a seu
gabinete, em horário previamente combinado para que o portador da citação também lá
compareça.
Avançando nas hipóteses, também no caso de o servidor ativo ser lotado ou ter
exercício em unidade situada em localidade distinta daquela em que se sedia a comissão,
mantém-se a recomendação de primeiramente se tentar fazer um contato prévio com o
servidor, seja por telefone, seja até meio de videoconferência (quando se percebe uma maior
necessidade de cautela neste contato) e combinar a remessa da citação por meio do correio
eletrônico institucional (nos termos da Portaria SRF nº 1.397, de 11/11/02) ou por meio de
correio eletrônico comercial ou particular do servidor ou de seu eventual procurador ou ainda
até mesmo por via postal (com aviso de recebimento, conforme o § 3º do art. 26 da Lei nº
9.784, de 29/01/99.
§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de
recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do
interessado.
Daí, é de se inferir que se, para o ato de comunicação de maior relevância processual -
qual seja, a notificação inicial da condição de acusado, que chama o servidor aos autos - já se
1101
CPP - Art. 353. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante,
será citado mediante precatória.
Prosseguindo ainda mais nas hipóteses, no caso de servidor ativo que se encontra em
gozo de licença ou de inativo ou qualquer espécie de ex-servidor (tal como já punido com
pena de demissão em outro PAD), qualquer daqueles portadores aceitáveis deve tentar o
contato no último domicílio atualizado dentre todos os constantes das diversas bases de dados
ao dispor da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Neste rol, pode-se citar as bases de dados
disponível no macroprocesso de trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente no
Sistema de Apoio às Atividades Administrativas (SA3) ou nos macroprocessos de trabalho de
arrecadação e de fiscalização (tais como no Sistema de Cadastro Pessoas Físicas - CPF e nas
declarações de ajuste anual de Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - DIRPF).
“(...) O prazo de defesa, em sentido estrito, corre sempre na repartição, sendo permitido ao
acusado ou seu advogado tirar cópias e obter vistas, mas não retirar os autos da
repartição.” Judivan Juvenal Vieira, “Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 244, IOB
Thomson, 1ª edição, 2005
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 162. O indiciado que mudar de residência fica obrigado a
comunicar à comissão o lugar onde poderá ser encontrado.
ainda uma terceira situação, não prevista em nenhuma passagem da citada Lei, em que o
servidor, estando em local certo e conhecido, se oculta para não receber a citação.
“Recomenda-se que, neste caso, as duas testemunhas da cientificação não sejam membros
da comissão, uma vez que esta, representando a Administração, é parte nesse processo,
(...), podendo naquela hipótese ser eventualmente pechada de suspeita.” Ivan Barbosa
Rigolin, “Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis”, pg. 271, Editora
Saraiva, 4ª edição, 1995
CC - Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência
com ânimo definitivo.
1104
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva,
considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à
profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles
constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
CPC - Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu
domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a
qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato,
voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
A exemplo do relatado em 4.3.4.1, estas diligências podem ser realizadas por apenas
um membro da comissão ou por um integrante do grupo de atividades administrativas do
Escor ou até mesmo por qualquer servidor do Escor, caso a unidade correcional não possua
aquele grupo.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido,
será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande
circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.
CPP - Art. 361. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15
(quinze) dias.
“Ao se referir à ‘última publicação’, o texto parece indicar que haverá mais de uma
publicação em cada órgão. Mas a intenção do legislador, parece-nos, foi mesmo referir-se
às duas publicações (Diário Oficial e jornal da localidade), considerando que o edital será
veiculado em dias diferentes. Assim, o prazo é contado a partir do dia em que ocorreu a
1105
Se o servidor tido como estando em local incerto e não sabido tem domicílio em
município diferente daquele em que exerce seu cargo, o edital em jornal de grande circulação
deve ser publicado em jornal do local de exercício do cargo (trata-se do instituto do domicílio
necessário do servidor, conforme o art. 76 do CC).
CC - Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo
e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do
servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde
servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do
preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Havendo mais de um servidor nesta situação, a citação por edital será coletiva.
Por ser este o momento processual para o qual expressamente o Estatuto prevê tal
remédio, deve-se novamente lançar mão do emprego do edital para tentar citar o servidor que
já fora notificado para acompanhar o processo por edital e que também foi notificado dos atos
instrucionais por editais, conforme 4.3.5.2 e 4.4.3. Em outras palavras, à vista da expressa
determinação legal para este momento da citação, não se recomenda eleger princípios como
do formalismo moderado ou da economicidade para diretamente declarar este acusado como
revel e para designar defensor dativo, sem antes atender à necessária formalidade de se tentar
trazer aos autos o próprio servidor, citando-o por edital, conforme exige o art. 163 da Lei nº
8.112, de 11/12/90.
Por fim, depreende-se do art. 76 do CC, acima reproduzido, que, tendo o réu preso
paradeiro certo, a ele não se aplica a citação por edital. No mesmo sentido é a clara
1106
CPP - Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado. (Redação dada pela Lei
nº 10.792, de 01/12/03)
“O servidor preso será citado pelo membro da comissão, em diligência ao presídio. Ou,
então, será requerida ao Juiz titular da Vara de Execuções Penais a apresentação do preso
no órgão público, quando será procedido o ato citatório.” Léo da Silva Alves, “Prática de
Processo Disciplinar”, pg. 174, Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2001
O edital também não deve ser empregado na hipótese de o servidor estar em local
sabido no exterior. Neste caso, conforme já mencionado em 4.8.1.1, um dos remédios
jurídicos aceitos é o emprego de ofício, via autoridade consular.
4.8.2.3 - Indiciado em Local Conhecido e que se Oculta para Não Receber a Citação
Um terceiro incidente pode ainda ocorrer, como uma situação intermediária às duas
anteriormente descritas: o indiciado tem paradeiro certo e conhecido, mas oculta-se, para não
ser citado, quando um dos membros da comissão (o presidente ou indistintamente qualquer
dos dois vogais, não sendo necessária a formalidade de estarem presentes os três integrantes)
ou um integrante do grupo de atividades administrativas dos Escor que porventura o possuam
ou ainda qualquer servidor do Escor vai a seu encontro.
Neste caso, primeiramente, deve a comissão conseguir demonstrar nos autos que são
conhecidos os locais de trabalho e de residência onde pode ser encontrado o servidor ou o
local de residência onde pode ser encontrado ex-servidor. Por local de residência entendam-se
o(s) endereço(s) residencial(is) declarados nas diversas bases de dados ao dispor da Secretaria
da Receita Federal do Brasil, tais como nas bases de dados disponíveis no macroprocesso de
trabalho de gestão de pessoas (mais especificamente no Sistema de Apoio às Atividades
Administrativas - SA3) ou nos macroprocessos de trabalho de arrecadação e de fiscalização
(tais como no Sistema de Cadastro Pessoas Físicas - CPF e nas declarações de ajuste anual de
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - DIRPF).
Além disto, deve também registrar nos autos algumas tentativas de encontrá-lo neste(s)
1107
Por óbvio, caso o servidor tenha procurador constituído nos autos, o problema pode ser
resolvido com a simples ida ao procurador.
CPP - Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça
certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos
arts. 227 a 229 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
(Redação dada pela Lei nº 11.719, de 20/06/08)
Segundo os mencionados arts. da lei de processo civil, quando há suspeita de que o réu
se oculta, deve ser intimada qualquer pessoa da família de que o oficial retornará no dia
imediato, na hora que designar, para proceder ao ato de comunicação (a chamada “citação
com hora certa”), aqui aplicados extensivamente como última tentativa de a comissão
encontrar pessoalmente o servidor. Assim, na hipótese em que há indícios de que o indiciado,
embora de paradeiro certo e conhecido, não é encontrado no local onde seria esperado, em
decorrência de intencionalmente se ocultar da comissão, será considerado citado na data
previamente aprazada, mesmo que nesta oportunidade novamente não seja encontrado.
Todos estes registros servem de prova das sucessivas idas infrutíferas da comissão
àqueles endereços - sobretudo ao residencial - e das recomendações deixadas com quem
atendeu o portador para que informasse o indiciado quando se retornaria para tentar
novamente encontrá-lo. A cada diligência no endereço residencial, deve-se buscar extrair o
máximo de informações de parte de quem atende (seja para lograr um meio seguro de enfim
1108
encontrar o indiciado, seja para deixar inequívoco nos autos a sua estratégia de se esquivar da
comissão), tais como confirmação de que o indiciado realmente reside naquele endereço, as
razões da sua ausência, a previsão de horário de retorno, o horário em que é mais provável
encontrá-lo em casa ou ainda alguma outra forma de contato.
CPC - Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu
domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a
qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato,
voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
Art. 228. No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo
despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de realizar a
diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões
da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra
comarca.
§ 2º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família
ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
Art. 229. Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou
radiograma, dando-lhe de tudo ciência.
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: O Direito Disciplinar rege-se por
normas específicas e independentes do Direito Penal, inexistindo viabilidade jurídica de
serem aproveitadas normas criminais, por via analógica, a fim de nulificar processo
disciplinar por haver-se efetuado a citação por hora certa com vistas à apresentação de
defesa.
6. A maneira como se efetua o chamamento para o indiciado apresentar sua defesa
encontra-se prescrita na Lei nº 8.112, art. 161, § 1º: “será citado por mandado expedido
pelo presidente da comissão”. O sentido literal desse comando, por si só, é suficiente para
demonstrar a validade do procedimento consistente em o indiciado receber o mandado
expedido pelo presidente do colegiado. É norma desprovida da rigidez que representaria a
exigência de que se efetuasse a citação, exclusivamente, por edital, em se esquivando o
indiciado de recebê-la.
7. A execução do ato processual de citação por hora certa atende à literalidade e à
finalidade do art. 161, tanto que nessa maneira de atuar não se vislumbra qualquer dano
para o exercício do direito de ampla defesa.”
“A citação por hora certa aplica-se àqueles casos em que há suspeita de que o servidor
indiciado está se ocultando para não receber a citação ou a notificação.
Subsidiariamente, aplica-se o Código de Processo Civil (art. 227 e 228) quando, por três
vezes o membro-secretário procurar o servidor indiciado para entregar a citação e não o
1109
“Quando começa a contagem do prazo, quando são dois ou mais indiciados? Da data do
recolhimento do último mandado de citação, pois só então os indiciados, todos eles,
estarão cientes da informação em sua inteireza, e o prazo, na forma da lei, é comum a
todos.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 160, Editora
Consulex, 2ª edição, 1999
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido,
será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande
circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.
Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, o prazo para defesa será de 15 (quinze) dias a
partir da última publicação do edital.
1110
“Se estas publicações [em cada um dos órgãos de comunicação] não forem simultâneas, o
prazo para defesa, que é de 15 (quinze) dias, começa a ser contado da data da última
dessas publicações. A expressão ‘última publicação’ tem sentido em relação a serem estas
feitas em datas diferentes, e não com relação ao número de vezes em cada jornal.” Antônio
Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 162, Editora Consulex, 2ª
edição, 1999
Pode ocorrer de, no prazo para apresentar defesa, o indiciado solicitar a realização de
algum ato de instrução probatória, seja a seu próprio encargo, seja a encargo da comissão. No
presente tópico, se concentrará apenas na definição do novo prazo para este tipo de incidente;
a questão da pertinência material do pedido será apreciada em 4.8.4. Uma vez que não caberia
à comissão conceder prazo para si mesma, a previsão legal para este tipo de incidente (art.
161, § 3º da Lei nº 8.112, de 11/12/90) parece se aplicar de forma mais adequada à hipótese
de o ato solicitado ser realizado a encargo do próprio acusado, cabendo tão-somente à
comissão - se entender pertinente - conceder a prorrogação do prazo de defesa pelo dobro.
A redação do dispositivo legal pode deixar dúvida se esta prorrogação “pelo dobro”
significa acrescentar ao prazo originário mais o seu dobro ou se significa conceder
prorrogação igual ao prazo originário, de forma que o total fique o dobro. Tomando o
exemplo de processo administrativo disciplinar stricto sensu, é pouco provável que o
legislador tenha, a princípio, considerado que dez dias seriam suficientes para defesa de um
único acusado e, mediante provocação da parte, acrescentasse mais vinte dias, atingindo um
total tão maior de trinta dias. Também milita a favor desta tese ao se imaginar que o
apuratório em si teria um prazo de apenas sessenta dias para ser relatado pela comissão,
podendo ser prorrogado por até mais sessenta. Ora, por mais que se cuide de homenagear e
preservar os direitos da parte, parece desproporcional conceder, no caso de dois acusados, um
prazo prorrogado de defesa que, alcançando sessenta dias, consumiria toda a prorrogação
concedida pelo legislador para a feitura do processo propriamente dito. Opta-se, portanto, pela
interpretação de que a prorrogação é pelo mesmo prazo originário, de forma que o prazo total
fica duplicado: um acusado, prorroga-se por mais dez dias, totalizando vinte; mais de um
acusado, prorroga-se por mais vinte dias, totalizando quarenta.
“O § 3º dá a entender que essas averiguações devem ser feitas dentro do prazo para
defesa, prazo que poderá ser duplicado. Assim, poderá ser de 20 dias, para um só
indiciado, ou de 40 dias, e comum a todos, se forem dois ou mais (...).” Antônio Carlos
Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 160, Editora Consulex, 2ª edição,
1111
1999
Ademais, todas as discussões acima acerca de prazo não são de grande relevância,
visto que a comissão tem autonomia até para, com boa motivação a favor da ampla defesa,
desde que entenda ser realmente necessário e não protelatório, deliberar concedendo
prorrogação maior que o prazo legal. Em síntese, como geralmente o pedido de prorrogação
de prazo é apresentado pela defesa, recomenda-se que seja deferido pela comissão - pelo
menos um primeiro pedido, devendo ser analisado com maior rigor por parte da comissão em
caso de sucessivos pedidos de prorrogação -, a fim de que não seja posteriormente alegado
cerceamento de defesa.
Prosseguindo na mesma toada, uma vez que o indiciado pode complementar a defesa
até o último dia do prazo legal, formalmente, a comissão somente pode iniciar e, sobretudo,
concluir e entregar o relatório após esgotado o prazo de defesa, ainda que o servidor declare
expressamente abrir mão da parcela restante. É de se atentar que pode ocorrer de o indiciado
entregar sua peça escrita ainda antes do término do prazo de dez, quinze ou vinte dias, ou de
suas respectivas prorrrogações, que possuía para fazê-lo. Neste caso, novamente relembrando
a mitigação que sofre o instituto da preclusão - sobretudo a preclusão consumativa - em
instância disciplinar, pode o indiciado, ainda dentro do prazo, aditar aquela primeira peça de
defesa com outra. E, se ocorrer de o servidor entregar sua peça de defesa escrita logo no início
do prazo, mesmo que porventura a comissão consiga concluir o relatório ainda antes do se
esgotar aquele prazo, não convém entregar o relatório. Pode o indiciado, ao final do prazo,
querer aditar sua peça escrita e neste caso, a comissão já terá se desfeito com a entrega do
relatório. Para evitar este incidente, mesmo que o servidor tenha manifestado expressamente
que abria mão do restante do prazo após a entrega da primeira peça e que a comissão conclua
seu relatório ainda dentro do prazo de defesa, convém aguardar o transcurso de todo o prazo.
Além disto, qualquer que seja a forma de citar, recomenda-se dar uma pequena
1112
tolerância de alguns dias após o término do prazo, antes de se decretar a revelia (conforme já
se aduziu em 4.8.5.1). Neste rumo, se o indiciado traz sua defesa alguns dias após o
vencimento, com alguma justificativa plausível (mesmo que apenas verbal), convém
recepcioná-la, sem prejuízo de registrar a intempestividade e que a deliberação decorre de
observância dos princípios da ampla defesa e do formalismo moderado. Admite-se que a
melhor defesa é a apresentada pelo próprio servidor ou por seu procurador.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes
fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
Pode ocorrer de, no prazo para apresentar defesa, o indiciado solicitar a realização de
algum ato de instrução probatória, seja a seu próprio encargo, seja a encargo da comissão -
embora a Lei nº 8.112, de 11/12/90, no art. 161, 3º, ter mencionado apenas realização de
diligências, pode-se adotar uma interpretação extensiva para o termo, abrangendo outros tipos
de atos de instrução. Tanto no caso de ato a ser realizado pelo próprio acusado, sem
participação da comissão e para o quê a defesa entende ser necessário prorrogar o prazo, e
sobretudo no caso em que o acusado solicita a realização de ato a ser conduzido pela
comissão, antes de apreciar o pedido, pode o colegiado intimar o acusado a justificar a sua
pertinência. Com isto, a comissão adquire maior respaldo para, se for o caso, indeferir ou
acatar o pedido, à luz do art. 156, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90. A questão dos prazos para
este tipo de incidente já foi abordada em 4.8.3.
1113
STJ, Mandado de Segurança nº 8.990, Voto: “Nos termos do art. 151, inciso II, do Estatuto
dos Servidores Públicos Federais, o inquérito administrativo compreende instrução, defesa
e relatório. Consoante já assentado por esta Corte, ‘na fase instrutória do inquérito
administrativo, o servidor figura como acusado e, nessa situação, terá o direito de
acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, produzir
contraprovas, reinquirir testemunhas, devendo, logo após, ser interrogado (artigos 156 a
159 da Lei 8.112/90)’ (MS 7074/DF, Rel Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção,
DJ7/10/2002). Após a instrução, quando, repita-se, é promovida a tomada de depoimentos,
acareações, investigações e diligências cabíveis, o servidor é citado para apresentar defesa
escrita e, na sequência, é apresentado o relatório pela Comissão Processante. Desse modo,
o oferecimento de rol de testemunhas deve se dar na fase instrutória, e não na defesa
prévia ao relatório final da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Saliente-se,
outrossim, que ainda que se quisesse aplicar à espécie o disposto no § 3º do artigo 161 da
Lei nº 8.112/90 (‘o prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências
reputadas indispensáveis’), não demonstrou a impetrante se tratar de diligência
indispensável, a impossibilitar sua excepcional realização após a instrução”
Por fim, no caso de prova solicitada pela parte, sendo indeferido o pedido, convém
notificar o requerente da decisão, não postergando a resposta apenas para a redação do
relatório, quando não mais poderá ser contestada.
Não obstante, ainda que o acusado, a seu exclusivo critério, opte por não exercitar a
prerrogativa de participar, não se pode confundir tal estratégia com a admissão de que o
direito de defesa no processo administrativo disciplinar é disponível. Isto porque, em
momento processual posterior, não se poderá avançar no sentido da responsabilização
administrativa sem o requisito essencial da peça escrita de defesa. A Lei nº 8.112, de
11/12/90, em seu art. 164, no momento de maior relevância para o interesse do acusado, agora
muito mais atenta ao princípio da ampla defesa do que ao contraditório assegurado na busca
de provas, tratou de prever remédio excepcional para que o processo não siga para julgamento
sem a efetiva manifestação por escrito a favor do indiciado (nem que seja feita por outra
pessoa), conforme se verá a seguir, quando o servidor se omite de apresentar defesa, e
também em 4.8.5.2, quando até apresenta defesa, mas o faz de forma absolutamente inócua.
No primeiro caso, pode ocorrer de o servidor não exercer seu direito de apresentar
defesa escrita. Chama-se revel o indiciado que, regularmente citado, não apresenta defesa
escrita no prazo legal. Devido à indisponibilidade do direito de defesa, mesmo que o indiciado
de forma expressa ou tácita renuncie a este direito, a sua manifestação de vontade não terá
valor jurídico no sentido de tornar verdadeira e incontroversa a imputação - em razão da busca
da verdade material noprocesso disciplinar, a ausência de defesa não significa acatamento da
acusaão; por isto, a necessidade de indicação de defensor dativo.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 164. Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente
citado, não apresentar defesa no prazo legal.
§ 1º A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a
1115
defesa.
§ 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um
servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de
mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. (Redação
dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Neste caso, após o final do prazo para a apresentação da defesa escrita, deve a
comissão declarar, em termo próprio, a revelia e solicitar, por correio eletrônico institucional,
à autoridade instauradora a designação de defensor dativo para proceder à defesa. A
designação do defensor dativo é exclusiva da autoridade instauradora, não cabendo à
comissão ou ao acusado.
“Se forem vários os indiciados e apenas alguns apresentarem defesa escrita, a falta das
restantes deverá ser suprida pela autoridade instauradora, de ofício (...), pois a defesa
assim apresentada não poderá ser aproveitada pelo ausente.” Francisco Xavier da Silva
Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 166, Editora
Forense, 2ª edição, 2006
É de se destacar que não se confunde este instituto da revelia (de ausência de defesa
escrita), tão-somente para o qual a Lei prevê o remédio necessário do defensor dativo, com o
fato de o acusado, apesar de regularmente notificado, abrir mão da prerrogativa legal de
acompanhar o inquérito e não comparecer a atos de instrução. Nesta situação, conforme já
aduzido em 4.3.6.3 e em 4.4.3, não há previsão legal para se solicitar à autoridade
instauradora a designação de defensor dativo (e nem mesmo para a comissão designar
defensor ad hoc apenas para o ato).
Nota Técnica Coger nº 2005/6: “Ementa: (...) Somente existe expressa previsão legal para
designação de defensor dativo com o fim de elaborar defesa escrita de indiciado revel.
(...)”
Para o defensor dativo, a Lei, em seu art. 164, § 2º, exige apenas que seja servidor,
podendo não ser estável. A expressa literalidade da Lei prevê que o defensor dativo seja
obrigatoriamente servidor. Em outras palavras, não pode a autoridade instauradora designar
como defensor dativo advogado estranho aos quadros do serviço público. Não obstante,
embora não exigido no texto legal, convém que a autoridade instauradora designe servidor
que tenha formação jurídica ou pelo menos que tenha conhecimentos da processualística
disciplinar, além de conhecer a área técnica específica sobre a qual versa o caso específico.
Além de determinar ser o defensor dativo um servidor, exigem-se, alternativamente, os
mesmos requisitos previstos para o presidente da comissão em relação ao acusado: ocupar
cargo de nível igual ou superior ao do indiciado ou de grau de escolaridade igual ou superior
ao do indiciado, bastando ter atendido um dos dois critérios. Ver interpretações exaradas dos
Pareceres AGU nº GQ-12 e nº GQ-35, em 4.2.4.3.
“Observa-se que para a designação de defensor dativo, basta que o servidor seja ocupante
de cargo efetivo, não se lhe impondo a exigência da estabilidade.” Francisco Xavier da
Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 161,
Editora Forense, 2ª edição, 2006
Quanto ao grau (ou nível) de escolaridade, no País, existem apenas três: ensino
fundamental, ensino médio e educação superior, conforme o art. 21 da Lei nº 9.394, de
20/12/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Neste rumo, aduz-se que títulos
acadêmicos (tais como mestrado ou doutorado ou pós-graduação lato sensu) não estão acima
do grau superior, sendo nele enquadrados sem diferenciação.
1116
“No tocante ao nível de escolaridade que a lei, agora, passa a exigir como requisito
alternativo para o servidor presidir comissão de processo disciplinar, há de ser entendido
o alcançado pela conclusão de cursos regulares (1º, 2º e 3º graus, ou seja, fundamental,
médio e superior), não sendo levado em consideração, portanto, os cursos de
aperfeiçoamento, os de extensão universitária, como mestrado, doutorado ou os de
especialização, que apenas qualificam, aprimoram e enriquecem o conhecimento, sem,
todavia, elevar ou interferir no nível de escolaridade.” Francisco Xavier da Silva
Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 108, Editora
Forense, 2ª edição, 2006
O servidor a ser designado como defensor dativo não pode ter participado de qualquer
fase ou ato anterior no processo (representação, sindicância investigativa, fase de
admissibilidade, instauração e atos de instrução, atuando como secretário - membro ou quarta
pessoa -, perito, testemunha, etc). Embora não haja expressa previsão legal, não é aceitável
que servidor que, de alguma forma, tenha atuado na elaboração de peças pré-processuais ou
de atos de instrução, seja designado como defensor dativo, uma vez que esta afronta à
imparcialidade pode levá-lo à desconfortável situação de ter de impugnar atos por ele mesmo
produzidos ou que foram realizados com seu auxílio ou concurso.
“Sem motivo justo, não pode o defensor dativo eximir-se da obrigação, que é dever
funcional. Mas pode o defensor dativo alegar a existência de um dos impedimentos
elencados na Lei. Em havendo algum impedimento, cabe à autoridade instauradora
substituir o defensor por outro servidor igualmente habilitado.
Reabre-se o prazo para defesa a partir dessa nova designação.” Antônio Carlos Palhares
Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 167, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Como mera recomendação, ainda que seja objeto de expressa previsão legal, não
convém que a autoridade instauradora quantifique o prazo de defesa na portaria de designação
do defensor dativo, podendo apenas consignar “no prazo legal”, visto que pode se fazer
necessário prorrogação do prazo da defesa dativa, cuja deliberação compete autônoma e
exclusivamente à comissão.
Orientação Coger nº 39
O defensor dativo tem direito de acompanhar a realização de atos instrucionais por ele
solicitados no prazo de elaboração de sua peça de defesa e que porventura a comissão
defira.
Incumbe ao defensor dativo oferecer a efetiva defesa do indiciado, não sendo aceitável
que a defesa dativa acate a indiciação, manifestando considerar o servidor responsável pelos
fatos contra ele imputados. Não obstante, é aceitável que o defensor dativo reconheça algum
grau menor de responsabilidade do indiciado, com o fim de afastar imputação mais grave.
1118
Eventual defesa dativa que não se esforce em alegar a inocência ou ao menos a menor
responsabilização do indiciado deve ser declarada inepta pela comissão, a fim de ser
designado novo defensor, conforme se abordará em 4.8.5.2.
“(...) o prazo será devolvido ao revel. Será de 10 dias, se acusado sozinho, 15 dias, se
citado por edital, 20 dias, se correndo comum aos outros indiciados (...).” Antônio Carlos
Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 166, Editora Consulex, 2ª edição,
1999
Não há dispositivo legal que imponha à comissão estender o prazo do defensor dativo
para os demais indiciados que entregaram tempestivamente suas defesas, a fim de aditá-las.
“Assim, se acontecer de o indiciado apresentar a defesa escrita alguns dias fora do prazo,
ainda não terá dado tempo de a autoridade nomear nenhum defensor dativo, logo, entendo
que seria excesso de formalismo nomear dativo se a defesa já foi apresentada, apesar de
fora do prazo. Se, contudo, o dativo já estiver nomeado, é conveniente que se receba a
defesa do acusado e se aguarde a do dativo, analisando ambas quando da feitura do
relatório final.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de Processo Disciplinar”, pgs.
118 e 119, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
Em complemento ao que foi afirmado anteriormente, de que a defesa dativa não tem
assegurada prerrogativa de se retornar à instrução probatória, também é certo que a atuação do
defensor dativo no processo encerra-se com a entrega da defesa, não lhe cabendo, a partir da
fase de elaboração de relatório, mais nenhuma postulação a favor do revel, nem solicitar cópia
do relatório e muito menos apresentar recursos.
Nota Técnica Coger nº 2005/6: “Ementa: (...) Somente existe expressa previsão legal para
designação de defensor dativo com o fim de elaborar defesa escrita de indiciado revel.
Excepcionalmente, permite-se a extensão caso a defesa escrita seja considerada
insuficiente ou deficiente pela Comissão Disciplinar.
31. Entretanto, em respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da verdade
material, em hipótese extremamente excepcional, caso se constate que a defesa
apresentada é absolutamente inepta, deve a comissão solicitar à autoridade instauradora a
designação de defensor dativo para apresentar nova peça. O entendimento se aplica tanto
à defesa apresentada pelo próprio acusado, quanto à defesa técnica de procurador e,
sobretudo, à defesa dativa. (...)”
Não se discute que, a rigor, na instância disciplinar, não é deste incidente de que trata
o art. 164 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, ao prever a designação de defensor dativo, visto que
ali se trata de declaração de revelia para o acusado que se nega a apresentar defesa, conforme
já abordado em 4.8.5.1.
Mas a presente recomendação não soa contraditória com o que se aduziu em 4.3.6.3
(em que, à vista da falta de previsão legal, elegeu-se o princípio da legalidade para justificar
que não deve a comissão designar defensor ad hoc ou solicitar defensor dativo para
acompanhar ato instrucional devidamente notificado à parte), visto que aqui, diferentemente
daquela primeira situação, se tem uma extensão muito bem delimitada do dispositivo do art.
164 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, de falta de defesa, na única hipótese em que se tem previsão
legal para designação de defensor dativo. Assim se manifestou a Advocacia-Geral da União,
quando o órgão jurídico apreciou os direitos ao contraditório e à ampla defesa, nos seus
Pareceres nº GQ-37, 55 e 177, vinculantes, reproduzindo citação doutrinária:
“É por isto que o contraditório não se pode limitar ao oferecimento de oportunidade para
produção de provas. É preciso que ele mesmo (o magistrado) avalie se a quantidade de
defesa produzida foi satisfatória para a formação do seu convencimento. Portanto, a ampla
defesa não é aquela que é satisfatória segundo os critérios do réu, mas sim aquela que
satisfaz a exigência do juízo. (...) (Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do
Brasil, Editora Saraiva, 1989, 2º vol, pg. 267).”
Citam-se ainda:
Parecer AGU nº GQ-201, não vinculante: “13. Entretanto, é forçoso convir que a tarefa da
Comissão não reside, exclusivamente, em analisar as alegações de defesa, pois o processo
administrativo visa a apurar, por todos os meios, os fatos e suas circunstâncias, a verdade
real, de sorte a orientar a autoridade no seu julgamento, fornecendo-lhe os elementos
necessários a uma justa decisão. (...)
Não se paute, portanto, a Comissão, na sua indagação probatória, simplesmente pelas
linhas ou sugestões do articulado da defesa, que poderá ser limitado ou deficiente. Pois a
sua incumbência é a de buscar a verdade através de todos os meios ao seu alcance, dado
que, no caso, a Administração, que ela representa, se é promotora do inquérito tendente a
punir, tem igualmente a função de juiz que deve julgar com imparcialidade e completo
conhecimento de causa.”
Da instância processual penal, aqui de válida citação subsidiária, visto que a Lei nº
8.112, de 11/12/90, não cuidou da matéria, trazem-se os seguintes reforços à tese:
1121
CPP - Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras
expressamente referidas neste Código: (Redação dada pela Lei nº 11.de 09/06/08)
V - nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso,
dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a
constituição de novo defensor; (Redação dada pela Lei nº 11.de 09/06/08)
“Convém, no passo, a referência à Súmula nº 523, do Supremo Tribunal Federal, que, pelo
seu contexto, pode, conforme o caso, ser aplicada ao procedimento administrativo,
subsidiariamente:
‘No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só
o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.’
Trata-se, na hipótese, de defesa deficiente que exige comprovação do prejuízo efetivo para
a configuração da nulidade.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar
do Servidor Público Civil da União”, pg. 166, Editora Forense, 2ª edição, 2006
“Se o poder público é o responsável pela manutenção da ordem e, por isso mesmo, deve
tomar as medidas necessárias para punir o autor da infração penal, não é menos certo
constituir dever seu assegurar aos acusados ampla defesa, porquanto repugna à
consciência jurídica de um povo possa alguém ser processado sem que tenha o direito de
se defender. (...) O devido processo legal exige um regular contraditório, com o
antagonismo de partes homogêneas. Deve haver uma luta leal entre o acusador e o
acusado. Ambos devem ficar no mesmo plano, embora em polos opostos, com os mesmos
direitos, as mesmas faculdades, os mesmos encargos, os mesmos ônus. (...)
(...) a defesa é um exercício privado de função pública. Defesa, não simulacro de defesa. A
defesa em toda sua plenitude. (...)
(...) porque o Estado exige que a defesa se realize efetiva, regular e eficazmente, ‘a fim de
não ficar nenhum réu em plano de inferioridade perante o órgão público da acusação’. E
tanto isso é exato que, mesmo em sessão plenária do Júri, o Presidente, observando que a
defesa não está sendo efetiva ou eficaz, poderá considerar o réu indefeso, nomeando-lhe
outro defensor, segundo prescreve o art. 497, V do CPP.” Fernando da Costa Tourinho
Filho, “Processo Penal”, pgs. 403 a 406, vol. 2, Editora Saraiva, 12ª edição, 1990
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes
fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
1122
STJ, Mandado de Segurança nº 7.985, Voto: “Como se vê, inexiste qualquer determinação
legal no sentido de que o indiciado seja intimado para o oferecimento de alegações finais.
Ao contrário, a lei estabelece que tão logo seja apreciada a defesa oferecida pelo servidor,
a comissão elaborará relatório minucioso (...).
De tanto, resulta que, nesse particular, não há que falar em cerceamento de defesa.”
Idem: STF, Mandado de Segurança nº 23.268 e Recurso em Mandado de Segurança nº
26.226; e STJ, Mandados de Segurança nº 7.051, 8.259 e 11.221
Este relatório deve ser minucioso, detalhando todas as provas em que se baseia a
convicção final, e conclusivo quanto à responsabilização do indiciado (inclusive se houve
falta capitulada como crime ou dano aos cofres públicos) ou quanto à inocência ou
insuficiência de provas para responsabilizá-lo. O relatório não pode ser meramente opinativo
e muito menos pode apresentar mais de uma opção de conclusão e deixar a critério da
autoridade julgadora escolher a mais justa.
Por um lado, não estando convicta da responsabilização do indiciado, à luz das provas
coletadas, recomenda-se que a comissão altere a postura inicialmente adotada acerca de
benefício da dúvida, passando a adotar a máxima do in dubio pro reo, em detrimento do in
dubio pro societate. Com as cautelas esposadas em 4.6.1.1, pode, delimitadamente, a
comissão atentar para o princípio da insignificância.
Parecer AGU nº GM-3, não vinculante: “Ementa: (...) Incumbe à administração apurar as
irregularidades verificadas no serviço público e demonstrar a culpabilidade do servidor,
proporcionando seguro juízo de valor sobre a verdade dos fatos. Na dúvida sobre a
existência de falta disciplinar ou da autoria, não se aplica penalidade, por ser a solução
mais benigna. (...)
50. (...) compete à administração, por intermédio da comissão de inquérito, demonstrar a
culpabilidade do servidor, com satisfatório teor de certeza.”
1123
“(...) a regra do ‘in dubio pro reo’ se aplica, em geral, somente em relação ao fato típico,
cuja prova incumbe ao acusador. As causas justificatórias ou circunstâncias eximentes
devem ser provadas pela defesa.” Fábio Medina Osório, “Direito Administrativo
Sancionador”, pg. 530, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005
Por outro lado, destaque-se que, quando se cogita de imputação contrária ao servidor,
tanto pode se cogitar de o servidor ter sido efetivamente o executor do fato em si quanto pode
se cogitar de ter sido responsável por sua ocorrência, de ter propiciado com sua conduta
concorrente que o fato ocorresse ou que terceiro o praticasse.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 165. Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório
minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se
baseou para formar a sua convicção.
§ 1º O relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do
servidor.
§ 2º Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal
ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Sendo um texto em geral extenso, podendo atingir algumas dezenas de folhas, convém
dedicar atenção às convenções formais de grafia de nomes compostos e de suas siglas e de
menção a normas, expostos em 4.3.11.4
Como elementos que instruem o julgamento e a dosimetria da pena a ser aplicada pela
1124
autoridade julgadora, convém que a comissão junte aos autos elementos que permitam sopesar
não só os parâmetros dispostos no § 2º do art. 165 mas também os demais do art. 128, ambos
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, cuidando, sobretudo, de individualizar tais parâmetros na
hipótese de haver mais de um indiciado.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço
público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Assim, por exemplo, em tese, podem atuar como agravantes no momento em que o
servidor comete a infração, tornando mais criticável a conduta: os fatos de ele ocupar cargo ou
função comissionada, demonstrando que detém confiança da Administração; de ele ter sido
capacitado e treinado na área técnica em que cometeu o ilícito; de ele já ser servidor há muito
tempo ou estar há muito tempo desenvolvendo aquela atividade, com experiência no assunto;
as satisfatórias condições físico-operacionais e de infraestrutura que a Administração
disponibiliza para o bom desempenho das atividades laborais; ter agido em associação com
outro servidor; ter agido em conluio com particular na perpetração da conduta ilícita em favor
daquele; ter agido com violência ou com grave ameça, quando não elementares à infração; ter
promovido ou organizado a atuação de outro coator ou ter instigado, proposto, solicitado ou
determinado que outro servidor concorresse com a infração; ou ainda quaisquer outras
condicionantes que, no que cabível, se possam adequar, por analogia, à lista de agravantes
enumerada nos arts. 61 e 62 do CP.
Por outro lado, em tese, podem atuar como atenuantes no momento em que o servidor
comete a infração: os fatos de ele ser recém-ingresso no serviço público ou de estar há pouco
tempo desempenhando aquela atividade e não ter sido capacitado e treinado na área técnica
em que cometeu o ilícito, no que se pode incluir o desconhecimento justificado de norma de
regência; de ele estar passando por gravíssimo problema na vida pessoal a ponto de prejudicar
sua concentração, seu estado físico, mental ou emocional e sua dedicação no trabalho ou
qualquer outro motivo de relevante valor social ou moral; as precárias condições físico-
operacionais, de pessoal e de infraestrutura que a Administração disponibiliza para o
desempenho das atividades laborais; de ter cometido a infração sob coação a que poderia
resistir, ou no cumprimento de ordem superior ou sob influência de violente emoção
provocada por ato injusto de terceiro ou ainda na defesa (mesmo que sob erro ou com excesso
moderado) de suas atribuições legais; e, embora sejam condicionantes que se operam já após
o cometimento da infração, também podem ser considerados como atenuantes os fatos de o
servidor ter contribuído para as apurações ou ter confessado a conduta, ter procurado,
imediata, espontânea e eficientemente, evitar ou minorar as consequências de seu ato ou
reparar o dano causado; ou ainda quaisquer outras condicionantes que, no que cabível, se
possam adequar, por analogia, à lista de atenuantes enumerada no art. 65 do CP.
anos ou de suspensão há menos de cinco anos da data em que cometeu o ilícito em comento,
ou ainda de que restou comprovado o cometimento de ilicitude não tendo sido aplicada a pena
em virtude prescrição e anotações de faltas, atrasos ou quaisquer indicadores de
descompromisso com o trabalho, etc.
administrativas, etc), em uma construção intelectual informal, adotar estes parâmetros como
indicadores de, dentre os enquadramentos possíveis para o fato apurado, qual o mais razoável
e qual tem a pena vinculada mais proporcional e neste rumo concluir o seu relatório, nos
termos que se descreverão a seguir, em 4.9.2.
“A solução para evitar injustiças é, ou não abrir o processo - se for possível sustentar a
inexistência do ilícito - ou não enquadrar o servidor em uma das hipóteses do art. 132, mas
em outro dispositivo legal cuja consequência seja uma pena mais branda. Isto é, para que
um servidor não seja demitido a solução não é atenuar sua pena, mas sim, se for possível,
enquadrar sua conduta num dispositivo da Lei 8.112/90 que não gere demissão, caso
contrário não haverá discricionariedade para atenuar a pena.
Assim, o princípio da proporcionalidade só pode ser utilizado para evitar a pena de
demissão se ele não for invocado para atenuar a pena, mas para mudar o enquadramento
para um tipo legal que não gere demissão.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de
Processo Disciplinar”, pg. 137, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
Por outro lado, pode-se adotar o entendimento de que a interpretação extraída do art.
165 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, acima reproduzido, é meramente literal e não pode
prosperar sobre a interpretação sistemática da Lei, obtida quando se lê o seu art. 168. Nesta
linha, se compreende que, além da descrição do fato e de seu enquadramento, a comissão deve
apresentar a proposta de penalidade a ser aplicada. O caput do art. 168 do Estatuto estabelece
que o julgamento, como regra, acata o relatório. Se não se discute que o ato de julgar inclui a
aplicação da pena, defende-se então que o relatório, que a priori é de ser acatado, deve
abordar a pena. Além disto, se o parágrafo único do mesmo artigo menciona que a autoridade
pode abrandar ou agravar a “pena proposta”, é porque a Lei prevê que algum agente proporá
pena ao julgador, restando óbvio, nesta linha, que tal agente só pode ser a comissão.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo
quando contrário às provas dos autos.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a
autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la
ou isentar o servidor de responsabilidade.
“Apesar da Lei não ser clara, deverá ser sugerida a penalidade a ser aplicada. Porém, a
ausência de indicação de pena não é causa de deficiência no relatório.” Simone Baccarini
1128
Mas, a rigor, a discussão parece ser apenas teórica, diante da vinculação reinante na
instância disciplinar para a pena legalmente prevista para cada infração. Configurado o ato, a
Lei prevê exatamente qual pena é cabível. A única margem de relativa discricionariedade na
matéria disciplinar é entre aplicação de advertência ou suspensão. E, nestes casos, reforça-se a
tese de que pode a comissão, como melhor conhecedora do fato, opinar ao julgador qual das
duas penas melhor se aplica (registrando-se que, no caso de a comissão propor a pena de
suspensão, é recomendável, inclusive, que quantifique os dias - de um a noventa, atentando
que, acima de trinta dias, a autoridade julgadora alça-se ao Ministro de Estado da Fazenda). Já
nas hipóteses graves, puníveis com pena capital, tal discricionariedade não se aplica, sendo
inafastável a aplicação da pena expulsiva.
Por fim, diante da inconclusividade do tema, por um lado, não se configura qualquer
nulidade se a comissão acatar a recomendação de apresentar a proposta de pena no relatório
(que não vincula o julgador) e tampouco caso se restrinja a descrever o fato e a enquadrá-lo,
deixando a matéria punitiva a cargo apenas da autoridade julgadora.
A propósito, seja de uma forma ou de outra, convém aqui reforçar o que já foi exposto
não só para a fase pré-processual de admissibilidade mas também para todo o trabalho
apuratório a cargo da comissão: a instância disciplinar deve sempre permear sua atuação pela
absoluta atenção a princípios caros e informadores do Direito público punitivo, como os
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da presunção de inocência e da intervenção
mínima, dentre outros. E tal acepção se sedimenta e se concretiza, destacadamente, no
momento final do trabalho do colegiado, na elaboração do relatório. Conforme já aduzido
desde 4.5.2, a comissão jamais deve, por submissão a qualquer dispositivo legal ou normativo,
se afastar daqueles primados essenciais quando se lida com instância jurídica punitiva com
poder de interferir de forma tão gravosa sobre bens jurídicos relevantes da pessoa como é a
instância disciplinar.
Embora a Lei nº 8.112, de 11/12/90, não contemple de forma expressa este tipo de
construção, deve a comissão atentar, destacadamente, para os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade desde o momento de, se for o caso, mencionar, na indiciação, o
enquadramento da conduta fática apurada e, com muito mais ênfase, neste momento
conclusivo de elaborar o relatório, obrigatoriamente enquadrando a conduta e, conforme se
recomenda, propondo a pena, na hipótese de propor responsabilização. Não é de se confundir
que a instância disciplinar, seja pela Lei de regência, seja pelo restante do ordenamento
infralegal, desatende àqueles dois princípios tão-somente porque nela prevalece que, uma vez
enquadrada a conduta, não cabe sopesar condicionantes com o fim de alterar a pena
(atenuando-a ou agravando-a). Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são sim
acatados e são desde os trabalhos da comissão, antes mesmo da fase final do julgamento. A
razoabilidade e a proporcionalidade, na instância disciplinar, permeiam a definição do melhor
enquadramento adequado à conduta apurada mas não atuam no sentido de, uma vez
comprovada determinada conduta para a qual melhor se amolda determinado enquadramento,
se cogitar de que alguma condicionante ou parâmetro de dosimetria ou de individualização da
pena alterem a sanção vinculadamente associada àquele enquadramento. De fato, uma vez
definido o enquadramento, a pena é vinculada; mas a definição do enquadramento, que
1129
antecede a vinculação da pena, esta sim é plenamente sujeita à percepção dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.
Então, conforme já aduzido em 4.9.1, em termos práticos, é sob esta ótica que, quando
for o caso, deve a comissão enquadrar a conduta no relatório, tomando para si todos os
parâmetros de dosimetria e de individualização da pena que, a rigor, a Lei nº 8.112, de
11/12/90, em seu art. 128, confere e atribui ao julgador (natureza e gravidade da infração,
dano dela decorrente, antecedentes, atenuantes e agravantes), antecipando a aplicação
daquelas condicionantes (que, a princípio, se empregariam somente em momento posterior, na
definição da pena) para que atuem já desde a definição do enquadramento, o qual
vinculadamente, traz a pena associada. Assim agindo, quando for o caso, a comissão logrará
adotar, dentre todos os enquadramentos possíveis para o fato apurado (já que a Lei nº 8.112,
de 11/12/90, contempla degraus de escalonamento de gravidade para fatos similares), aquele
que se demonstra mais razoável e que tem a pena vinculada absolutamente proporcional à
gravidade da conduta.
Parecer AGU nº GQ-183, vinculante: “7. Apurada a falta a que a Lei nº 8.112, de 1990,
arts. 129, 130, 132, 134 e 135, comina a aplicação de penalidade, esta medida passa a
constituir dever indeclinável, em decorrência do caráter de norma imperativa de que se
revestem esses dispositivos. Impõe-se a apenação sem qualquer margem de
discricionariedade de que possa valer-se a autoridade administrativa para omitir-se nesse
mister. (...)
8. Esse poder é obrigatoriamente desempenhado pela autoridade julgadora do processo
disciplinar (...).”
A comissão deve mesmo expressar no relatório que a conclusão ali apresentada atende
aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e que a proposta final (seja ela qual
for, desde arquivamento até de aplicação de pena expulsiva), além de razoável, guarda estrita
proporcionalidade com a menor ou maior gravidade da conduta apurada, atentando, quando é
o caso de proposta de responsabilização, para a necessária individualização da pena.
Caso a comissão tenha, por dúvida, no momento da indiciação, optado por provocar a
defesa - em atitude de in dubio pro societate aceitável até aquele momento -, no relatório,
após sopesar as teses de defesa, ela deve concentrar sua convicção (se for o caso de
responsabilização), em termos de enquadramentos, atentando não só para os critérios já
expostos em 4.5.3 mas também para a necessária inversão da postura, agora a favor do in
dubio pro reo.
Em seu relatório, pode a comissão sugerir remessa de cópia dos autos à CEPS-RFB,
caso entenda que, após os trabalhos apuratórios, tenham restado tão-somente indícios de
transgressão a princípio ou norma ética, ressalvando-se que a interpretação sistemática do art.
2º da Portaria RFB nº 3.286, de 24/08/11, com o art. 4º, III da Portaria RFB nº 3.262, de
19/08/11, indica pela não superposição de instâncias (tendo havido repercussão disciplinar,
não há que se cogitar de provocação, pelo mesmo fato, da instância ética no âmbito da
Secretaria da Receita Federal do Brasil). Ressalve-se também que, em qualquer caso de
provocação à CEPS-RFB, o material a ser remetido a este foro deve se restringir apenas aos
elementos que noticiam o suposto desvio ético.
O relatório é o último ato da comissão, que se dissolve com sua entrega, junto com
todo o processo, à autoridade instauradora, para julgamento. Concluído o relatório, nada mais
a comissão pode apurar ou aditar, pois juridicamente ela não mais existe (a menos que a
autoridade a redesigne, seja para refazer, seja para ultimas atos instrucionais, por meio de de
específica portaria).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 166. O processo disciplinar, com o relatório da comissão,
será remetido à autoridade que determinou a sua instauração, para julgamento.
Não há previsão legal para que a comissão forneça cópia do relatório ao servidor. Ao
contrário, não convém que o acusado tenha cópia antes de a peça chegar à autoridade
instauradora, para evitar que a ela chegue recurso sobre matéria de que ainda nem teve
conhecimento. Por se inserir na garantia à ampla defesa e ao contraditório, caso seja
solicitada, a cópia deve ser fornecida, mas pela autoridade instauradora (até porque,
juridicamente, não mais existe comissão desde a entrega do relatório). Com mais rigor, uma
vez que não há previsão legal para atuação ou participação do servidor na fase de julgamento
e levando-se em conta que o relatório é uma peça propositiva, da qual poderá discordar a
autoridade julgadora, com o fim de se evitar premeditados questionamentos e instabilidades
1131
“(...) destacamos que não existe na legislação específica dispositivo que determine a
intimação do indiciado do conteúdo do relatório final da comissão disciplinar.” Adriane de
Almeida Lins e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo
Disciplinar - Manual”, pg. 366, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Por força do caput do art. 7º da Portaria Coger-MF nº 42, de 21/11/13, que dispõe
sobre a apuração de irregularidades funcionais no âmbito do Ministério da Fazenda, e também
do caput do art. 9º da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, após a entrega dos autos, com o
relatório, à autoridade instauradora, esta deve comunicar ao titular da unidade de lotação (ou
de exercício, se diferente) do acusado, por meio de memorando de dispensável autuação, a
conclusão exarada pela comissão (se houve proposta de arquivamento ou de responsabilização
e, se for o caso, qual o enquadramento adotado e qual a pena proposta) bem como também
deve informar o rito da fase de julgamento (especificando os diferentes trâmites caso a
decisão resida na competência da própria autoridade instauradora e caso se requeira decisão
ministerial com assessoria jurídica por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
devendo-se, desde já, aproveitar a oportunidade para, caso se cogite de pena expulsiva, alertar
à autoridade local do seu efeito imediato com a publicação oficial. Tendo em vista que
permanece a condição de o servidor estar respondendo a processo disciplinar, este
comunicado deve incluir ainda o teor do art. 10 da Portaria Coger nº 14, de 30/01/14, quail
seja, as repercussões na vida funcional em razão de sua condição de acusado, apresentadas em
4.3.7.1.
informado pelo Escor (ou pela Coger, nas hipóteses excepcionais em que o Corregedor figura
como autoridade instauradora) na base de dados externa, do Sistema de Gestão de Processos
Disciplinares (CGU-PAD, da Controladoria-Geral da União).
Portaria Coger nº 55, de 20/07/12 - Art. 1º Deverão ser digitalizados todos os processos
disciplinares, sindicâncias acusatórias e sindicâncias investigativas no âmbito da
Corregedoria-Geral, dos Escritório de Corregedoria nas Regiões Fiscais (Escor) e no
Núcleo de Corregedoria em Manaus (Nucor).
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes
fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
Art. 166. O processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade
que determinou a sua instauração, para julgamento.
O que aqui se quer destacar é que, neste caso, o julgamento e a aplicação da pena não
são atos dissociáveis e produzidos em momentos distintos e muito menos por autoridades
diferentes; ao contrário, o julgamento contém a aplicação da penalidade, sendo ele todo um
ato único da autoridade que valorou os fatos autuados à luz do Direito. O que pode sofrer
diferimento no tempo e até ser atribuída a outra autoridade é tão-somente a execução (a
efetividade) da pena - e o melhor exemplo disto é a pena de suspensão, que pode ser
executada em momento posterior à sua aplicação (à publicação da portaria punitiva) e a cargo
1134
“O que me parece questionável neste artigo é o fato [de] (...) em razão de declaração de
nulidade parcial, ter que instaurar novo processo. O certo é dar continuidade ao processo
a partir do momento processual declarado nulo. Novo processo somente teria cabimento
na hipótese da nulidade total do processo.” Wolgran Junqueira Ferreira, “Comentários ao
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União”, pg. 152, Edições Profissionais,
1ª edição, 1992
pela comissão de inquérito, cientificando-o, outrossim, da decisão final, para adoção das
medidas que se fizerem necessárias.
Ainda que se reconheça que a digressão que se fará no início deste tópico possui cunho
meramente teórico, cabe começar a abordagem do enfrentamento do mérito simulando um
fictício fracionamento consecutivo de atitudes e análises a cargo da autoridade em fase de
julgamento. Na verdade, trata-se de exercício de fim apenas didático, pois sabe-se que, na
prática, as análises de diferentes focos se misturam e se superpõem simultaneamente no
tempo.
Orientação Coger nº 47
O Chefe de Escor ou o Corregedor, ao analisar a instrução probatória com o fim de
verificar se sua determinação inaugural, para que a comissão apurasse o fato, restou
exaustiva e satisfatoriamente cumprida, atua na condição de autoridade instauradora,
independentemente da pena porventura proposta.
No caso de a comissão, no mérito, estar convicta da inocência ou não ter obtido prova
condenatória, decerto consta do seu relatório proposta de arquivamento do processo. E,
concordando com a proposta da comissão (ou seja, tendo verificado que se esgotou a apuração
e não sendo a proposta flagrantemente contrária às provas dos autos), a autoridade
instauradora é competente para determinar o arquivamento do processo.
Destaque-se que pode a autoridade competente para o julgamento, seja por iniciativa
própria, seja atendendo provocação constante no relatório da comissão, entendendo que os
trabalhos apuratórios, embora não tenham coletado provas de infração disciplinar, tenham
levantado tão-somente indícios de desvio ético, remeter cópia dos autos para a CEPS-RFB.
Mas é de se ressalvar que a interpretação sistemática do art. 2º da Portaria RFB nº 3.286, de
24/08/11, com o art. 4º, III da Portaria RFB nº 3.262, de 19/08/11, indica pela não
superposição de instâncias (tendo havido repercussão disciplinar, não há que se cogitar de
provocação, pelo mesmo fato, da instância ética no âmbito da Secretaria da Receita Federal do
Brasil). Ressalve-se também que, em qualquer caso de provocação à CEPS-RFB, o material a
ser remetido a este foro deve se restringir apenas aos elementos que noticiam o suposto desvio
ético.
proposta exceder sua alçada, conforme arts. 167 a 169 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Tanto é
assim que, se for o caso, a autoridade deve declarar sem efeito ou inválidos determinados atos
processuais já realizados, não cabendo anulá-los ou revogá-los. Em outras palavras, o poder
que detém a autoridade instauradora ou julgadora para determinar a ultimação dos trabalhos, à
margem de não estar previsto expressamente na Lei nº 8.112, de 11/12/90, encontra sólido
amparo na base principiológica informadora da processualística disciplinar.
STJ, Mandado de Segurança nº 2.047: “Ementa: Antes da decisão final a ser proferida em
processo administrativo disciplinar, (...) cabe a juntada de documentos que noticiam fatos
novos que poderiam influenciar no julgamento, em observância ao princípio da ampla
defesa.”
“(...) é perfeitamente razoável admitir-se que a autoridade julgadora, que não está
inteiramente jungida ao relatório da Comissão, conforme preceitua o art. 168 seguinte,
possa buscar novos esclarecimentos para decidir, de modo a promover a indispensável
Justiça. Tudo isto sem ferir o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.”
Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 176, Editora
Consulex, 2ª edição, 1999
“O órgão julgador não está adstrito às razões ofertadas pela comissão processante e pelo
acusado, podendo, se entender conveniente ou necessário, determinar a designação de
novo colegiado para ultimar a coleta de novas provas ou para elucidar dúvidas em torno
do acervo probatório já constante dos autos, nesse caso convertendo o julgamento em
diligência.
Muitas vezes, a realização de diligências preliminares ao julgamento visa a evitar um
decreto absolutório precipitado, baseado na dúvida favorável ao réu, quando poderia ser
elucidada a controvérsia ou obscuridade, em torno da culpa ou inocência do acusado, por
meio de novos atos de coleta de provas, como refere Amini Haddad Campos ao mencionar
que o julgador não é um espectador inerte da produção de provas, mas lhe cabe intervir na
atividade processual e ordenar, de ofício, antes do julgamento, a realização dos meios
probatórios úteis ao esclarecimento da verdade, pois não deve, enquanto houver fonte de
prova não exaurida, pronunciar a absolvição por dúvida em favor do acusado.” Antônio
Carlos Alencar de Carvalho, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e
Sindicância”, pgs. 684 e 686, Editora Fortium, 1ª edição, 2008
“Quando a autoridade não se sentir à vontade para julgar com o que lhe foi apresentado,
tem o direito - e o dever - de promover medidas complementares (...) em nome do princípio
da precaução, há que se determinar o esclarecimento das obscuridades ou o refazimento
da prova.” Leo da Silva Alves, “Processo Disciplinar em 50 Questões”, pgs. 50 e 135,
Editora Brasília Jurídica, 1ª edição, 2002
Orientação Coger nº 48
Caso a autoridade instauradora considere a instrução probatória insuficiente para atender
à sua determinação deflagradora dos trabalhos, pode requerer a produção de prova e até a
elaboração de termo de indiciação, necessariamente com a designação de nova comissão,
com os mesmos integrantes ou não, que dispõe de todos os mesmos poderes instrutórios
que o colegiado original.
Orientação Coger nº 49
Na ultimação da instrução, podem ser utilizadas informações derivadas de outros
processos administrativos disciplinares ou de ações judiciais que possuam relação com o
caso e que não tenham sido apreciadas ou que não eram de conhecimento da comissão.
Orientação Coger nº 50
Na ultimação da instrução, o servidor, ainda que originalmente indiciado, retorna à
condição jurídica de acusado, condição esta que deve lhe ser informada ao ser notificado
da reabertura dos trabalhos.
acusatório contra o servidor e obriga que este, pessoalmente ou por seu procurador, labore
peça escrita de defesa, com o fim de suprir o necessário e salutar equilíbrio de forças com que
deve o julgador sopesar ambas as teses.
Caso a comissão indicie o acusado e colete sua defesa, a autoridade julgadora até pode,
em tese, ao final, não acatar o relatório e decidir, motivadamente e com sua livre valoração da
prova, de forma discrepante da proposta relatada por aquele colegiado. Todavia, na hipótese
em comento, não tendo havido indiciação e tendo a comissão promovido uma absolvição
antecipada, restando lacunas na instrução e incoerências na conclusão do seu relatório, é
perfeitamente plausível que a autoridade julgadora não se sinta convencida e segura para
emitir o julgamento sem a devida ultimação dos trabalhos, de forma que não lhe cabe aplicar
de imediato o parágrafo único do art. 168 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e liminarmente
decidir, seja pela absolvição, seja pela responsabilização branda ou grave do acusado.
Este tipo de incidente pode mesmo ocorrer em ritos em que se prevejam diferentes
agentes a instruir e a julgar. No rito do processo administrativo disciplinar, havendo proposta
da comissão de absolvição antecipada, pode a autoridade instauradora (ou julgadora, se
diferente), por um lado, concordar e acatar a proposta, encerrando o feito sem contestação;
todavia, pode, por outro lado, a autoridade não se sentir convencida a acatar a proposta de
absolvição mas também, ao mesmo tempo, perceber que a ausência de indiciação e, por
conseguinte, de defesa escrita, lhe impede de emitir seu julgamento. Em tais casos,
evidentemente, é de se declarar incompleta a instrução probatória e tornar sem efeito ou
inválido o relatório (não é caso de se anular e tampouco de revogar aquelas peças),
promovendo-se a ultimação dos trabalhos, com o fim de completar a instrução, redesignando
outro colegiado - nas pessoas dos mesmos integrantes ou não - para que sejam coletados
novos atos de prova, se necessários, ou para que diretamente seja redigida a indiciação,
coletada defesa e formulado novo relatório, propiciando totais condições de se emitir
julgamento.
“Na hipótese de reconhecer a comissão, com base nas provas dos autos, que os fatos são
mesmo da autoria do servidor imputado, mas que foram perpetrados em circunstâncias
licitizantes (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou
no exercício regular de direito), deverá o processo, na mesma forma do caso anterior
[quando conclui que o servidor imputado não é o autor dos fatos], ser submetido ao
julgamento antecipado da autoridade instauradora, a qual, concordando com o ponto de
vista desse colegiado, absolverá o acusado e determinará o arquivamento do feito.
Discrepando a autoridade julgadora da comissão de processo, em qualquer uma das
hipóteses enfocadas, deverá fundamentar a sua discordância, destituir o trio processante
referido e nomear, em seu lugar, uma nova comissão para o processamento do caso. Os
autos do processo anterior deverão instruir o novo procedimento.
Como não há, nesse caso, apresentação formal de defesas escritas dos acusados, não
poderá a autoridade julgadora, quando divergir das conclusões dessas comissões,
condenar, de maneira alguma, os servidores imputados. Como dissemos acima, a única
alternativa para essas discrepâncias consiste em a autoridade hierárquica dar por
encerradas essas comissões de processo e, em seus lugares, designar novos colegiados,
para que os procedimentos sigam todos os seus passos.” José Armando da Costa, “Teoria
e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 232, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
Caso tenha havido indiciação e defesa escrita e esta defesa tenha convencido a
comissão a propor absolvição no relatório, até é possível que a autoridade, discordando da
proposta, decida pela apenação, se adstrita ao fato constante da indiciação. Neste caso, não se
cogita de cerceamento ao direito de defesa, conforme se abordará em 4.10.4.1, a cuja leitura
se remete.
De certo é que a apuração incompleta não afasta nem impede a sua complementação,
1140
STF, Mandado de Segurança nº 22.755: “Ementa: (...) Inexiste, em nosso sistema jurídico,
dispositivo legal que tenha por inviável a punição de infração disciplinar se a sua
apuração somente se tornou possível após o sucessivo fracasso de quatro comissões de
inquérito em concluir o seu trabalho no prazo de lei.”
Em tal situação, de imediato, por um lado, não se nega a autonomia de que goza a
comissão na condução dos trabalhos investigatórios, até porque está prevista no art. 150 da
Lei n° 8.112, de 11/12/90. Mas, por outro lado, não há de se perder de vista a irrenunciável
competência da autoridade - sob pena inclusive de responsabilizações pessoais - em proceder
da melhor maneira à decisão por que clama o processo ainda em andamento. E, para
desempenhar tal mister, deve a autoridade competente prover-se de todos os meios
instrucionais que, a seu exclusivo talante, julga necessários, sem os quais prejudica-se o
cumprimento de seu dever decisório.
Conforme já aduzido em 4.5.2, uma vez que aqui se refere a entendimento, por parte
da autoridade, de instrução incompleta, no presente tema se inclui, destaque-se, até mesmo o
seu entendimento de se fazer necessário notificar um servidor como acusado ou de indiciá-lo,
uma vez que, segundo o art. 151, II da Lei n° 8.112, de 11/12/90, a segunda fase do processo,
o inquérito administrativo, compreende a instrução, defesa e relatório, sendo então extraível
do texto legal que o termo “instrução” engloba a notificação inicial e até mesmo a indiciação
do servidor, a fim de se ter nos autos a defesa do acusado, e, por fim, o relatório. De outra
forma não poderia ser, vez que a autoridade pode considerar necessária, para poder emitir seu
julgamento, a provocação da defesa. A elaboração de indiciação e a coleta de defesa podem
ser consideradas inseridas no dever de atender ao mencionado art. 151, II da Lei nº 8.112, de
1141
Sem adentrar na competente leitura de mérito que a comissão pode extrair de cada ato
instrucional, soa irrazoado que o colegiado regularmente designado para cumprir um dever
legal (qual seja, instruir um procedimento que merecerá futura decisão da autoridade
legalmente competente), recuse-se a fazê-lo, invocando tão-somente sua autonomia. Ora,
sabe-se que a matéria jurídica, por sua própria natureza, desde sempre, comporta, em
inúmeros exemplos, pesos e contrapesos, poderes e limites, em necessária contraposição e
confronto que visam ao equilíbrio de forças entre os mais diversos agentes. Nenhum
princípio, brocardo ou instituto deve ser entendido ou aplicado de forma estanque, dissociada
e imune a limites por parte dos demais que o amoldam e que com ele façam fronteira. É com
base neste entendimento, apoiado na interpretação sistemática e na visão mais ampla do
ordenamento e dos princípios que regem a atuação pública, que se posiciona a presente
discussão, em que, em determinado processo, pode-se ter a contraposição do dever decisório a
ser exercido pela autoridade baseado em autos devidamente instruídos e a mencionada
autonomia da comissão.
competência para julgar depende da pena proposta (ou da pena mais grave, em caso de
diversidade de penas para mais de um indiciado).
Daí porque, neste ponto do texto, após ter abordado a parte inicial do julgamento
(referente à análise de forma e de nulidade), convém abrir um parêntese na explanação sobre o
ato de julgar para antes expor as penas previstas em Lei e as respectivas autoridades
competentes para aplicá-las, a fim de que, em 4.10.3 e 4.10.4, se retome a descrição do
julgamento, já no que diz respeito à análise de mérito.
CF - Art. 5º
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
“O art. 127 da Lei do Regime Jurídico único, no seu inciso VI, trata, ainda, de uma
penalidade que não é disciplinada nos artigos específicos da Lei, a saber: VI - destituição
de função comissionada.” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”,
pgs. 302 e 303, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
1143
Em princípio, a Lei nº 8.112, de 11/12/90, vincula uma única pena para cada infração,
sem conceder à autoridade julgadora discricionariedade para decidir de forma diferente. Ou
seja, em regra, uma vez configurado o ilícito, a pena é vinculada. Assim já se manifestou a
Advocacia-Geral da União, no Parecer AGU nº GQ-183, vinculante:
“7. Apurada a falta a que a Lei nº 8.112, de 1990, arts. 129, 130, 132, 134 e 135, comina a
aplicação de penalidade, esta medida passa a constituir dever indeclinável, em decorrência
do caráter de norma imperativa de que se revestem esses dispositivos. Impõe-se a
apenação sem qualquer margem de discricionariedade de que possa valer-se a autoridade
administrativa para omitir-se nesse mister. (...)
8. Esse poder é obrigatoriamente desempenhado pela autoridade julgadora do processo
disciplinar (...).”
Os arts. 129, 130, 132, 134 e 135 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, estabelecem,
respectivamente, que as penas de advertência, suspensão, demissão, cassação de
aposentadoria e destituição de cargo em comissão serão aplicadas às hipóteses elencadas.
Neste aspecto, não é dado à autoridade o poder de perdoar, de compor ou de transigir,
aplicando algum tipo de pena alternativa.
Acerca deste tema, conforme já aduzido em 4.5.2, em 4.9.1 e em 4.9.2, não convém
que o julgamento (seja no ato de assessoramento de parecer opinativo, seja na decisão em si
da autoridade julgadora), em caso de responsabilização do acusado, mencione os Pareceres
AGU nº GQ-177 e GQ-183. Não obstante, como de outra forma não se poderia cogitar para
qualquer órgão inserido no Poder Executivo Federal, esta recomendação em nada se confunde
com desrespeitar aquelas manifestações vinculantes da Advocacia-Geral da União e nem
mesmo delas discordar. A recomendação de não mencionar aqueles dois Pareceres AGU
decorre apenas de prévia proteção ao risco de ver um correto trabalho apuratório ser alvo de
declaração judicial de nulidade, posto que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado
entendimento de que seus textos afrontariam o princípio da proporcionalidade, ao defenderem
a inafastável apenação diante de conduta enquadrável (a exemplo do julgado nos Mandados
de Segurança nº 12.991 e 13.341, aqui não reproduzidos para que não sejam confundidos
como válidas referências, já que, com todas as vênias, não se concorda com seus teores
especificamente neste aspecto).
Não se tem a menor dúvida que é perfeitamente possível e compatível que a comissão
e que a autoridade julgadora atentem, em seus trabalhos, para os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade ao mesmo tempo em que a Administração não afronta ao mandamento
dos Pareceres AGU nº GQ-177 e GQ-183. A leitura aprofundada destes Pareceres AGU não
deixa dúvida de que, em nenhum momento, o órgão de assessoramento jurídico do Poder
Executivo Federal pugna pela desconsideração daqueles dois princípios; apenas o que se tem
é que, em instância disciplinar, com a estrita vinculação da pena que a Lei nº 8.112, de
11/12/90, atribui a cada enquadramento, as pertinentes, relevantes e imprescindíveis
construções razoáveis e proporcionais antecedem a apenação, pois se aplicam já desde a
definição do enquadramento, antecipando-se a aplicação dos parâmetros elencados no art. 128
da citada Lei, que nada mais são que o reflexo positivado daqueles dois preceitos em busca da
necessária individualização da pena. Aí, sim, uma vez enquadrada a conduta, não cabe
abrandar ou agravar a pena vinculada, conforme a Advocacia-Geral da União interpretou e se
manifestou de forma vinculante para toda a Administração Pública federal.
de julgamento (destacadamente no parecer opinativo) expresse que a decisão (seja ela qual
for, de arquivamento ou de responsabilização) ali apresentada, devidamente permeada pelos
parâmetros de dosimetria e de individualização da pena estabelecidos pelo art. 128 da Lei nº
8.112, de 11/12/90, atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em
vista que, dentre todos os enquadramentos possíveis para o fato apurado (já que a Lei nº
8.112, de 11/12/90, contempla degraus de escalonamento de gravidade para fatos similares,
conforme aduzido em 4.7.1), adotou-se o que se demonstrava mais razoável e que tem a pena
vinculada absolutamente proporcional à menor ou maior gravidade da conduta apurada, não
sendo recomendável mencionar os citados Pareceres AGU (embora, em nenhum momento, se
deixe de acatá-los).
As definições propriamente ditas dos parâmetros elencados no art. 128 da Lei nº 8.112,
de 11/12/90 (natureza e gravidade da infração, dano decorrente da conduta, agravantes,
atenuantes, bons ou maus antecedentes), bem como alguns exemplos diferenciadores de cada
um, foram apresentados em 4.9.1, a cuja leitura se remete, de desnecessária repetição. No
presente ponto, busca-se apresentar as formas de aplicação daqueles parâmetros por parte da
autoridade julgadora -, em busca das necessárias dosimetria e individualização da pena,
refletindo a previsão legal para atenção aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, primeiramente dentro do sentido estrito da literalidade da Lei; e, em
segundo momento, com um sentido mais abrangente que o texto legal.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço
público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
“11. A incidência do art. 128 da Lei nº 8.112 é adstrita aos tipos das condutas delituosas
dos servidores indiciados, ligados aos deveres e proibições, os quais não impedem a
aplicação de penas mais severas que as previstas em lei, como regra geral (arts. 129 e 130
da Lei nº 8.112), ante a gravidade da infração e as circunstâncias agravantes. A
autoridade julgadora possui o poder de agravar a apenação do servidor faltoso, pois na
´aplicação da penalidade serão consideradas a natureza e a gravidade da infração
cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias
agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais´. A Lei prescreve à autoridade que,
na oportunidade do julgamento, observe esses aspectos, todavia, só e só, para, num juízo
de valor, graduar a penalidade. Extrapolaria o sentido e o alcance do regramento da
matéria considerar esses aspectos com o objetivo de amenizar indevidamente a punição.
12. Autoriza pena mais grave que a advertência, com o seguinte jaez, o próprio art. 129 da
Lei nº 8.112: (...)
13. Assim Ivan Barbosa Rigolin expressou sua opinião a respeito da inteligência do
transcrito art. 129, ‘verbis’:
´Prescreve ainda o artigo que, caso deixe de observar dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna, será o servidor advertido, quando aquela falta não
determine imposição de penalidade mais grave. Quem decide se cabe ou não pena mais
grave é evidentemente a administração, por suas autoridades competentes a cada caso, e
conforme o critério estabelecido no art. 128´ (Comentários ao Regime Único dos
Servidores Públicos Civis, São Paulo: Ed. Saraiva, 1992, p. 220).”
Nota Técnica Coger nº 2005/2: “10. Como exceção à estrita vinculação da pena cabível
para cada irregularidade, de acordo com parâmetros tais como natureza e gravidade da
infração, danos decorrentes e antecedentes funcionais e, sobretudo, circunstâncias
agravantes para a conduta, elencados no art. 128 da Lei nº 8.112, de 1990, em leitura
conjunta com os arts. 129 (parte final) e 130, pode a autoridade julgadora decidir pela
imediata aplicação de suspensão (sem se cogitar de reincidência) em todos os ilícitos
originalmente puníveis com advertência.”
“A solução para evitar injustiças é, ou não abrir o processo - se for possível sustentar a
inexistência do ilícito - ou não enquadrar o servidor em uma das hipóteses do art. 132, mas
em outro dispositivo legal cuja consequência seja uma pena mais branda. Isto é, para que
um servidor não seja demitido a solução não é atenuar sua pena, mas sim, se for possível,
enquadrar sua conduta num dispositivo da Lei 8.112/90 que não gere demissão, caso
contrário não haverá discricionariedade para atenuar a pena.
Assim, o princípio da proporcionalidade só pode ser utilizado para evitar a pena de
demissão se ele não for invocado para atenuar a pena, mas para mudar o enquadramento
para um tipo legal que não gere demissão.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de
Processo Disciplinar”, pg. 137, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
4.10.2.3 - Advertência
Descrita pelo art. 129 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a advertência é pena de menor
gravidade e de menor repercussão no trabalho. Em geral, resulta de condutas comportamentais
associadas a valores básicos para o funcionamento da Administração, tais como zelo,
dedicação, lealdade, hierarquia, discrição, presteza, assiduidade, pontualidade, urbanidade,
desde que não sejam reincidentes.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de
violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de
dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique
imposição de penalidade mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
“Por fim, convém ressaltar que o rol dos deveres dos servidores públicos constante no
citado artigo 116 é exemplificativo, e não taxativo, pelo que outros deveres para os
servidores podem ser previstos em regulamentação ou norma interna. A inobservância
desses deveres também constitui ilícito administrativo sujeito à penalidade de advertência,
a teor da segunda parte do art. 128 da Lei nº 8.112/90, ou de suspensão, a teor da segunda
e terceira parte do art. 129 da Lei nº 8.112/90, conforme o caso”. Adriane de Almeida Lins
e Debora Vasti da Silva do Bonfim Denys, “Processo Administrativo Disciplinar -
Manual”, pg. 164, Editora Fórum, 1ª edição, 2007
Em instância disciplinar, não há advertência verbal. A pena é aplicada por escrito, por
meio de portaria da autoridade competente, com registro do fato nos assentamentos funcionais
do servidor, que toma ciência da punição ao final do processo ou pela publicação no DOU,
caso tenha sido ato ministerial. Em síntese, a advertência se concretiza com um registro nos
assentamentos e com a publicação para conhecimento por parte do apenado, não comportando
gradação.
Na hipótese de processo aberto contra inativo concluir pelo cometimento de ilícito que
seria punido com advertência, diante da impossibilidade de aplicação, apenas registra-se o
1150
4.10.2.4 - Suspensão
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência
das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem
infração sujeita à penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.
Além disto, aplica-se a suspensão na reincidência das faltas puníveis com advertência.
A Lei não especificou se considera como reincidência o cometimento de uma segunda falta
qualquer punível com advertência (reincidência genérica), ou se considera apenas o segundo
cometimento da mesma falta (reincidência específica). Mas, trazendo à tona o conceito penal
de reincidência, prevalece a interpretação mais ampla, pois naquela instância, não só para
consideração do reincidente em contravenção penal, mas até mesmo para o crime, a lei trata
do cometimento de nova infração de forma genérica, não se importando com a natureza da
infração antecedente.
Nota Técnica Coger nº 2005/2: “Ementa: (...) A aplicação de suspensão por reincidência
com base no art. 130 pode decorrer da aplicação de advertência por motivo diverso -
reincidência genérica. (...)”
Importa ainda destacar que mesmo a instância penal, sabidamente mais conservadora à
vista do relevante bem jurídico sobre o qual faz sentir a apenação, reporta-se ao momento do
cometimento do segundo crime para a partir daí demarcar a reincidência, não cabendo espaço
para interpretar que a presunção de inocência somente permitiria cogitar de reincidência no
trânsito em julgado da sentença condenatória desta conduta posterior. Na esteira, extrai-se a
1151
CP - Reincidência
Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar
em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime
anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)
O efeito da reincidência não perdura por toda vida funcional do servidor. Conforme se
aduzirá em 4.10.7.1, os registros de aplicação de penas de advertência e de suspensão são
cancelados nos assentamentos funcionais do servidor, respectivamente, após três e cinco anos
de efetivo exercício sem cometimento de nova infração disciplinar (e não julgamento,
conforme já aduzido linhas antes). Nesta hipótese, um novo cometimento não é considerado
reincidência ensejadora de pena de suspensão.
A suspensão pode ser de até noventa dias (com exceção da hipótese prevista no art.
130, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, de suspensão de até quinze dias), sendo a única pena
que comporta gradação, de acordo com os parâmetros do art. 128 da Lei nº 8.112, de
1152
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço
público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
A interpretação conjunta dos arts. 128, 129 (em sua parte final) e 130 da Lei nº 8.112,
de 11/12/90, permite entender que, no único caso em que a Lei confere à autoridade julgadora
certa discricionariedade na aplicação da pena, é legalmente cabível a aplicação de pena mais
grave que advertência (ou seja, suspensão) em hipótese que, em princípio, seria punida com
advertência, conforme parâmetros expostos em 4.9.1. Assim, em função sobretudo da
natureza ou da gravidade da infração e/ou das circunstâncias agravantes e/ou maus
antecedentes, pode a autoridade competente, a seu critério, aplicar suspensão em caso de
afronta a deveres funcionais do art. 116 e de proibições dos incisos I a VIII e XIX do art. 117
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, ainda que na primeira irregularidade cometida pelo servidor,
sem se cogitar de reincidência. Destaque-se que pode ser considerado negativamente na
avaliação da natureza ou da gravidade da infração o fato de a conclusão final ter se limitado a
apenas um enquadramento ou a mais de um enquadramento, seja em concurso de infrações,
seja por infrações independentes, conforme se aduziu em 4.5.3, de forma que, se ambos
enquadramentos teria como pena básica advertência, o concurso pode justificar o agravamento
para suspensão; e que, se um dos enquadramentos já teria como pena básica suspensão, o
concurso pode justificar um agravamento na quantidade de dias da suspensão.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de
violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de
dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique
imposição de penalidade mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Parecer AGU nº GQ-127, não vinculante: “Ementa: Nada obstante a advertência ser a
penalidade estatuída para os casos de inobservância de dever funcional, os fatores de
graduação de pena, especificados no art. 128 da Lei nº 8.112, de 1990, podem justificar
punição mais grave.
8. Assim é que a apenação do servidor faltoso é compulsória e pode ser agravada pela
autoridade julgadora, de lege lata, pois o art. 128 da Lei nº 8.112 estabelece que, na
“aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração
cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias
1153
“Como a lei não tem palavras inúteis, observa-se, porém, em uma análise cuidadosa, que a
parte final do art. 129 da Lei n.° 8.112/90 admite, também, aplicação da pena de suspensão
nos casos mais graves de violação das proibições constante do art. 117, incisos I a VIII e
XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma
interna. (...)”,Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo
Disciplinar”, pg. 359, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/
Arquivos/ManualPAD.pdf, acesso em 07/08/13
deixando uma certa margem de liberdade para que a autoridade administrativa proceda ao
enquadramento legal pertinente com substancialmente menor ou quase inexistente
liberdade nos casos de faltas funcionais sujeitas a penalidades mais graves, como a
demissão e a cassação de aposentadoria.
Por isso, fala-se, como regra geral, em atipicidade das faltas disciplinares, no sentido de
que a avaliação dos fatos imputados ao acusado e respectivo enquadramento legal, para
escolha da punição própria, confere alguma margem discricionária para a autoridade
administrativa, liberdade que não existe nos lindes do direito penal: neste a conduta
descrita deve amoldar-se rigorosamente de acordo com todos os elementos do tipo definido
na lei penal, sob pena de o fato ser considerado atípico e não configura crime.” Antonio
Carlos Alencar Carvalho, “Manual do Processo Administrativo Disciplinar e
Sindicância”, pg. 76, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
“Prescreve ainda o artigo [129 da Lei nº 8.112/90] que, caso deixe de observar dever
funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, será o servidor advertido,
quando aquela falta não determine imposição de penalidade mais grave. Quem decide se
cabe ou não pena mais grave é evidentemente a administração, por suas autoridades
competentes a cada caso, e conforme o critério estabelecido no art. 128.” Ivan Barbosa
Rigolin, “Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis”, pg. 220, Editora
Saraiva, 4ª edição, 1995
Parecer AGU nº GQ-183: “11. A incidência do art. 128 da Lei nº 8.112 é adstrita aos tipos
das condutas delituosas dos servidores indiciados, ligados aos deveres e proibições, os
quais não impedem a aplicação de penas mais severas que as previstas em lei, como regra
geral (arts. 129 e 130 da Lei nº 8.112), ante a gravidade da infração e as circunstâncias
agravantes. A autoridade julgadora possui o poder de agravar a apenação do servidor
faltoso, pois na aplicação da penalidade serão consideradas a natureza e a gravidade da
infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias
agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. A Lei prescreve à autoridade que,
na oportunidade do julgamento, observe esses aspectos, todavia, só e só, para, num juízo
de valor, graduar a penalidade. Extrapolaria o sentido e o alcance do regramento da
matéria considerar esses aspectos com o objetivo de amenizar indevidamente a punição.
12. Autoriza pena mais grave que a advertência, com o seguinte jaez, o próprio art. 129 da
Lei nº 8.112: (...)
13. Assim Ivan Barbosa Rigolin expressou sua opinião a respeito da inteligência do
transcrito art. 129, ‘verbis’:
´Prescreve ainda o artigo que, caso deixe de observar dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna, será o servidor advertido, quando aquela falta não
determine imposição de penalidade mais grave. Quem decide se cabe ou não pena mais
grave é evidentemente a administração, por suas autoridades competentes a cada caso, e
conforme o critério estabelecido no art. 128´ (Comentários ao Regime Único dos
Servidores Públicos Civis, São Paulo: Ed. Saraiva, 1992, p. 220).”
1155
Destaque-se que as extensões acima não alcançam as penas capitais, cuja lista de
hipóteses de aplicação é exaustiva. Nos termos literalmente expostos nos arts. 128 a 130 da
Lei nº 8.112, de 11/12/90, não há reincidência ou migração de pena que justifique proposta de
penas expulsivas se o fato literalmente não se enquadra em algum dos incisos do art. 132 da
mesma Lei.
Por óbvio que a punição com suspensão não significa para o servidor dispensa
remunerada de suas atribuições legais. Os dias de apenação (de um a noventa) não são
contados como de efetivo exercício para nenhum efeito. O efeito punitivo reside,
precipuamente, no aspecto patrimonial, com que o servidor tem sua remuneração descontada
na proporção dos dias sem comparecer ao serviço, além de também repercutir em demais
direitos associados a tempo de efetivo exercício do cargo.
pode ter como sinônimo o termo “vencimentos”, ali mal redigido no singular. Acrescente-se
ainda a possibilidade de ali também se compreender o termo “subsídio”, inovado pela Emenda
Constitucional nº 19, de 04/06/98, como mais uma espécie remuneratória, mediante parcela
única, de servidores de determinados cargos, organizados em carreira, sobretudo em funções
típicas de Estado, como é o caso da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil .
“(...) Essa conversão somente ocorre quando houver ‘conveniência para o serviço’,
hipótese em que o servidor ficará obrigado a permanecer na repartição, exercendo suas
tarefas durante todo o expediente, percebendo, nos dias fixados, os vencimentos do cargo
pela metade.
A multa, tal como prevista na Lei nº 8.112/90, não constitui modalidade de apenação
autônoma, mas forma alternativa, substitutiva, aplicada no exclusivo interesse da
administração, e na consideração única de que o afastamento do servidor afetará o
serviço.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público
Civil da União”, pg. 59, Editora Forense, 2ª edição, 2006
Nota Técnica Coger nº 2005/2: Ementa: (...)A autoridade competente para aplicar a
penalidade de suspensão é a autoridade julgadora, que deverá definir na Portaria de
aplicação a data em que a mesma será cumprida. (...)”
Para encerrar a análise da suspensão, embora seja uma hipótese de rara aplicação, em
função da escassez de fontes subsidiárias, releva abordar o enquadramento e a
instrumentalização do ilícito previsto no art. 130, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Uma vez que a Lei apenas estabeleceu a hipótese fática e a repercussão sancionadora,
mas não expressou a forma, e também não há manifestações do Departamento Administrativo
do Serviço Público, da Advocacia-Geral da União, da Comissão de Coordenação de Correição
da Controladoria-Geral da União ou de Tribunais Superiores acerca do tema, convém
esclarecer se a aplicação de tal suspensão requer o rito disciplinar ordinário, com contraditório
e ampla defesa, ou se o legislador criou um caso excepcional, de medida coercitiva para que o
servidor se submeta à perícia médica oficial.
próprio infrator o poder de interferir no efeito da pena estatutária que lhe é aplicada.
Logo, por não ter natureza punitiva, a aplicação da suspensão prevista no § 1º do art.
130 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, prescinde de processo administrativo disciplinar e até
mesmo de sindicância disciplinar instaurados por Chefe de Escor. Este entendimento ora
esposado encontra amparo na doutrina de poucos autores que abordam o tema com alguma
profundidade (já que a maioria se limita a tão-somente reproduzir a literalidade do art. 130, §
1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90).
Orientação Coger nº 7
Regularmente instaurado o incidente de sanidade mental, a recusa injustificada para
submeter-se à realização da perícia médica, após ser oportunizada a manifestação acerca
dos motivos da contrariedade, enseja a aplicação, como mera medida coercitiva à margem
do regime disciplinar, da sanção de suspensão de até quinze dias.
“Trata-se, por conseguinte, de punição disciplinar anômala, uma vez que o seu legítimo
escopo não é propriamente punir, e sim coagir o servidor a submeter-se à inspeção médica
determinada pela autoridade hierárquica competente, tanto assim que, uma vez atendida a
determinação, cessam todos os efeitos da pena de suspensão imposta, o que significa que
não deva sequer ser levada para registro nos assentamentos funcionais do servidor
respectivo.
Em resumo, pode-se assentar que tal reprimenda, preordenando-se a constranger o
servidor a submeter-se a essa providência de caráter médico, tem índole proeminentemente
precautória, tal qual ocorre nas hipóteses das prisões do devedor alimentício e do
depositário infiel. O mesmo ocorria em relação à prisão administrativa (que vigorou entre
nós até o advento da carta Política de 1988), a qual, destinando-se a acautelar o
patrimônio público, deveria ser relaxada tão logo fosse recomposto o erário.” José
Armando da Costa, “Direito Administrativo Disciplinar”, pg. 381, Editora Brasília
Jurídica, 1ª edição, 2004
“Na eventual recusa a submeter-se a essa inspeção médica, a desobediência a esta ordem
(que tem como fundamento averiguar o estado doentio do servidor, capaz de causar dano -
a ele próprio, ou à comunidade circundante, como no caso de moléstia infecto-contagiosa),
cabe pena de suspensão de até 15 dias.
Se durante o período de suspensão o servidor se apresenta à inspeção médica, cessa a
aplicação da penalidade, a partir do cumprimento da ordem. Mas, se ultrapassado o prazo
de 15 dias, o servidor, mesmo assim, não se apresentar à inspeção médica, terá para ele se
encerrado o período punitivo, porém não poderá retornar ao trabalho, pelos mesmos
motivos que deram causa ao afastamento. Caberá à autoridade registrar o término da
penalidade, descontando-se as faltas ao trabalho que se seguirem, da sua remuneração. A
sua ausência caracteriza a inassiduidade. Ademais, persistindo a situação, cabe ao
dirigente registrar a repetição da desobediência e refazer a exigência do exame médico.”
Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo Disciplinar”, pg. 282, Editora
Consulex, 2ª edição, 1999
“Neste caso evidentemente não existirá processo contraditório, visto que de nada está
sendo acusado o servidor; ocorre apenas que ele se nega a submeter-se a exame médico, o
que a administração exige para deferir-lhe algum direito anteriormente previsto na L.
8.112, como licença ou readaptação, por exemplo. Ocorrendo a hipótese, recusando-se o
servidor ao exame médico exigido na lei, ser-lhe-á simplesmente aplicada a penalidade.”
Ivan Barbosa Rigolin, “Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis”, pg.
226, Editora Saraiva, 4ª edição, 1995
1159
Não obstante, não é dado à autoridade que detém competência para sua imposição
furtar-se ao dever de fundamentar sua decisão, sob pena de violar o princípio da motivação e
de macular seu ato sancionatório com o não atendimento de um dos requisitos de validade de
qualquer ato administrativo. Ademais, que não se confunda a desnecessidade de instauração
de processo administrativo disciplinar e nem mesmo de sindicância disciplinar com absoluta
discricionariedade e muito menos com arbitrariedade a favor da Administração.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria
ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
(Nota: Art. 117. Ao servidor é proibido:
IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da
dignidade da função pública;
X - participar de gerência ou administração de empresa privada, sociedade civil, salvo a
participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a
União detenha, direta ou indiretamente, participação do capital social, sendo-lhe vedado
exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação
dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04/09/01)
1161
Alguns fatos ensejadores de demissão estão descritos no próprio artigo 132, junto à
previsão da pena, enquanto outros fatos estão descritos nos incisos IX a XVI do art. 117 e nos
arts. 133, 138 e 139, todos da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Independentemente do fato
ensejador, tem-se que todas as hipóteses de aplicação de demissão estão exaustivamente
listadas no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Com isto, mesmo nos casos de fatos enquadrados nos incisos IX a XVI do art. 117 ou
nos arts. 133, 138 e 139 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, deve atentar a autoridade julgadora para
a necessidade de embasar o ato de demissão nos incisos XIII, XII, II e III do art. 132 da norma
(aqueles primeiros dispositivos apenas descrevem fatos, sendo necessária a capitulação nestes
últimos para se aplicar a pena).
A Lei nº 8.112, de 11/12/90, não impôs restrição para a natureza da aposentadoria a ser
cassada, podendo, então, a pena ser aplicada inclusive em aposentado por invalidez.
Tampouco importa, para a posterior responsabilização que, à época do fato, o servidor já
tenha tempo para se aposentar voluntariamente. A perda da aposentadoria de servidor não
impede que o apenado leve o tempo de contribuição previdenciária para o regime geral de
aposentadoria. Da mesma forma, se a aposentadoria se deu por invalidez, não prejudica de se
alegar a mesma cláusula no regime geral. Por fim, encontra-se superada a alegação de
inconstitucionalidade da pena.
STF, Mandado de Segurança nº 21.948: “Ementa: 4. Não pode prosperar, aqui, contra a
1163
demissão, a alegação de possuir o servidor mais de trinta e sete anos de serviço público. A
demissão, no caso, decorre da apuração de ilícito disciplinar perpetrado pelo funcionário
público, no exercício de suas funções. Não é, em consequencia, invocável o fato de já
possuir tempo de serviço público suficiente à aposentadoria. A lei prevê, inclusive, a pena
de cassação da aposentadoria, aplicável ao servidor já inativo, se resultar apurado que
praticou ilícito disciplinar grave, em atividade.”
“(...) Em outras palavras, significa dizer que a inatividade do servidor não é causa de
extinção da responsabilidade funcional por atos praticados na atividade.” Francisco
Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”,
Editora Forense, pg. 82, Editora Forense, 2ª edição, 2006
De acordo com a imediata literalidade do art. 135 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a pena
de destituição de cargo em comissão somente é aplicada ao servidor que ocupa apenas o cargo
em comissão (ou seja, que não detém cargo efetivo). Só que, por expressa vontade do
legislador, no art. 135 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a aplicação da pena expulsiva deste
servidor sem vínculo efetivo tem um maior alcance que a aplicação da pena expulsiva do
servidor efetivo. A pena de destituição de cargo em comissão abarca não só as infrações que
submeteriam o ocupante de cargo efetivo à pena de demissão mas também as infrações que o
submeteriam à pena de suspensão.
Desta forma, a lista de enquadramentos com que se pode aplicar ao servidor apenas
comissionado a destituição de cargo em comissão, além das hipóteses de aplicação de
demissão de servidor efetivo (art. 117, IX a XVI, e art. 132, em todos seus incisos, ambos da
Lei nº 8.112, de 11/12/90), é ainda acrescida por todas as hipóteses legais de aplicação de
suspensão, seja originariamente (art. 117, XVII e XVIII, e art. 130, § 1º, ambos da
1164
mencionada Lei), seja por agravamento da advertência (art. 116, em todos os seus incisos, e
art. 117, I a VIII e XIX, ambos da mesma Lei). Em qualquer destes casos, deve o ato punitivo
combinar o mencionado art. 135 do Estatuto com algum dos enquadramentos acima listados.
E apesar de a sindicância disciplinar ser rito hábil para aplicar pena de suspensão, por
força do art. 146 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, somente a suspensão aplicada por meio de
PAD pode redundar na pena de destituição do cargo em comissão.
“Finalmente, outro ponto que merece atenção especial é a hipótese em que a comissão
sindicante propõe penalidade de suspensão para servidores públicos ocupantes apenas de
cargo em comissão. Nota-se do art. 135 da Lei nº 8.112/90, que o servidor sem vínculo
efetivo pode ser destituído do cargo em comissão em razão de infração sujeita às
penalidades de suspensão e de demissão. Por outro lado, extrai-se da leitura do art. 146 da
Lei nº 8112/90, que nos casos de aplicação das penalidades de suspensão superior a 30
dias, de demissão, de cassação de aposentaria ou disponibilidade, ou de destituição de
cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar. Dessa forma,
pode-se concluir que a sindicância não é meio hábil para se propor destituição de cargoem
comissão, mesmo se a infração for sujeita, originariamente, à penalidade de suspensão
inferior a 30 dias. Isso porque, a própria lei já exige o processo administrativo disciplinar
em sentido estrito para a imposição da penalidade de destituição de cargo em comissão,
independentemente de a infração ser punível com suspensão ou demissão.”, Controladoria-
Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pgs. 86 e 87, 2013,
disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf,
acesso em 07/08/13
Pelo exposto, para o servidor detentor apenas de cargo em comissão e que comete
irregularidade grave, a quebra da relação funcional com a Administração se dá simplesmente
com a destituição daquele cargo comissionado. Mas no caso de servidor que detém cargo
efetivo e também ocupa cargo em comissão (ou ainda função comissionada) e que comete
falta grave, não se aplica o art. 135 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, para apenação expulsiva,
mas sim aplica-se a pena de demissão, nas hipóteses do art. 132 da mesma Lei.
Neste caso, a relação comissionada (ou de confiança) pode ser mantida, a exclusivo
critério discricionário da autoridade que nomeou, bem como pode ser por ela mesma rompida
a qualquer momento - desde o recebimento da representação ou denúncia, ou durante o
inquérito administrativo ou ainda somente após o julgamento demissório -, por mero ato
gerencial de gestão de pessoal, em nada se confundindo com a responsabilização disciplinar,
que recai exclusivamente sobre o cargo efetivo. Conforme já aduzido em 4.10.2, a hipótese
em que o poder correcional poderia vir a se limitar à relação de confiança para servidor
detentor de cargo efetivo talvez estivesse contida se a Lei nº 8.112, de 11/12/90, tivesse
regulado a aplicação da pena prevista no art. 127, VI, de destituição de função comissionada,
que, todavia, restou sem hipótese de aplicação definida na Lei. Não há, portanto, hipótese de
aplicação do poder correcional expulsivo apenas sobre a relação de confiança no caso de
servidor detentor de cargo efetivo sem quebrar a relação funcional efetiva, ou seja, sem se
traduzir em demissão do serviço público federal.
De acordo com o parágrafo único do art. 135, combinado com o art. 35, ambos da Lei
nº 8.112, de 11/12/90, se o servidor ocupante apenas do cargo em comissão tiver sido
exonerado deste cargo (seja por motivada determinação da autoridade nomeante, seja a
pedido) antes de ser processado ou, de forma mais excepcional, já no curso do PAD e,
posteriormente, vier a ser responsabilizado administrativamente com algum dos
enquadramentos acima descritos - de suspensão ou de demissão, a exoneração (não punitiva) é
convertida na pena de destituição de cargo em comissão. Assim já se manifestou a Advocacia-
Geral da União, no Parecer AGU nº GQ-35, vinculante:
Todavia, para o caso de servidor ocupante de cargo efetivo, não há similar previsão na
Lei nº 8.112, de 11/12/90, para converter em demissão a exoneração, operada de ofício ou a
pedido antes de vir a ser processado disciplinarmente (a única ressalva é da previsão legal de
conversão, em demissão, da exoneração de ofício, de servidor efetivo, em razão da não
satisfação das condições do estágio probatório quando o agente também responde
disciplinarmente, conforme o parágrafo único do art. 172, combinado com o inciso I do
parágrafo do art. 34, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90). Fora esta hipótese residual, por
inequívoca atenção à garantia constitucional de que não há pena sem previsão legal (art. 5º,
XXXIX da CF), não há que se cogitar, à luz do Direito positivado, de qualquer tentativa de
estender aquele comando do parágrafo único do art. 135 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, para o
servidor efetivo estável previamente exonerado. A priori, em termos estritamente legais, o
remédio jurídico imediatamente encontrado no ordenamento é aquele prescrito no caput do
art. 172 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, que veda a exoneração a pedido no curso do PAD. A
citada Lei prevê apenas, no caput do art. 172, que quando o agente pleiteia sua exoneração já
no curso do processo disciplinar, tal medida deve ser sobrestada, até que se tenha a decisão.
Não obstante, conforme já exposto em 3.2.2.2, a impossibilidade de executar a eventual
apenação não inibe a instauração, a persecução, a publicação formal da portaria punitiva, o
registro do fato nos assentamentos e a aplicação de medidas cautelares ou efeitos acessórios
porventura cabíveis (destacadamente a vedação temporária ou definitiva de retorno a cargo
e/ou emprego públicos federais), nos termos dos arts. 136 e 137 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 34. A exoneração de cargo efetivo dar-se-á a pedido do
servidor, ou de ofício.
Parágrafo único. A exoneração de ofício dar-se-á:
I - quando não satisfeitas as condições do estágio probatório;
II - quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido.
Art. 35. A exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança dar-se-á:
(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
I - a juízo da autoridade competente;
II - a pedido do próprio servidor.
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo
será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão.
Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração efetuada
nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.
Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a
pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da
penalidade, acaso aplicada.
Parágrafo único. Ocorrida a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso I, do art.
34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.
“(...) pode o servidor, que está aposentado ou posto em disponibilidade num cargo, sofrer
as sanções do art. 134 por evento praticado em função de outro cargo, efetivo ou em
comissão?
Seriam as seguintes, algumas das hipóteses:
I - servidor com acumulação constitucionalmente autorizada, aposenta-se de um cargo e,
continuando no outro, comete, no exercício deste, um deslize capaz de ser demitido. Não
será possível aplicar a sanção do art. 134, pois não há relação entre o antigo vínculo e o
fato punível. Seria estender a mesma punição, ou punição equivalente, a outro vínculo, o
que contraria o Direito;
II - servidor já aposentado passa a exercer cargo em comissão, de livre nomeação, sem
mais ser ocupante de cargo efetivo. Ao proceder irregularmente neste, poderá ter sua
penalidade aplicada na forma do art. 135 seguinte, não podendo ser utilizada a disposição
contida neste artigo [art. 134].” Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, “Processo
Disciplinar”, pg. 301, Editora Consulex, 2ª edição, 1999
Na prática, tem-se que, dentre as penas expulsivas, as mais comumente aplicadas são
as de demissão e de cassação de aposentadoria (a destituição de cargo em comissão somente é
aplicável em órgãos com o hábito de se prover tais cargos com pessoas estranhas ao quadro
efetivo e a cassação de disponibilidade somente se aplica ao caso específico de servidor
colocado em disponibilidade, podendo-se dispensar, de forma geral, suas citações no restante
deste texto). E como a demissão e a cassação de aposentadoria têm as mesmas hipóteses de
aplicação, de forma mais sintética neste texto, pode-se usar o termo “demissão” como
representativo de tudo o que se aplica às penas capitais.
“Como já noticiado, os ilícitos supracitados [art. 132, I a XII e art. 117, IX a XVI da Lei nº
8.112, de 11/12/90] pressupõem, em regra, a responsabilidade subjetiva dolosa, quer dizer,
o agente transgressor deve ter agido com intenção ou, ao menos, ter assumido os riscos do
resultado, excepcionando-se o ilícito previsto no inciso XV do art. 117 da Lei n° 8.112/90
(“proceder de forma desidiosa”), que pressupõe responsabilidade subjetiva culposa.”,
Controladoria-Geral da União, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, pg.
363, 2013, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual
PAD.pdf, acesso em 07/08/13
Uma vez configurado o cometimento de alguma destas hipóteses previstas no art. 132
da Lei nº 8.112, de 11/12/90, a autoridade julgadora não dispõe de margem de
discricionariedade para abrandar a pena. As penas de demissão e de cassação de aposentadoria
ou de disponibilidade não se comunicam com advertência e suspensão, dentre as quais até
cabe a aplicação do princípio da proporcionalidade, ponderando-se todas as condicionantes
para se julgar qual das duas penas é mais justa. Se por um lado nenhum ilícito ensejador de
alguma daquelas duas penas mais brandas pode ser punido com demissão ou cassações de
aposentadoria ou de disponibilidade, por outro lado nenhum ilícito ensejador destas punições
graves pode ter a pena abrandada, independentemente dos parâmetros do art. 128 da Lei nº
8.112, de 11/12/90 (natureza e gravidade da infração, danos dela decorrentes, circunstâncias
agravantes ou atenuantes e antecedentes funcionais). Conforme já mencionado em 4.10.2.1 (a
cuja leitura se remete), embora não se recomende mencionar no julgamento, conta-se com
manifestação neste sentido da Advocacia-Geral da União, no Parecer AGU nº GQ-177,
vinculante:
“A solução para evitar injustiças é, ou não abrir o processo - se for possível sustentar a
inexistência do ilícito - ou não enquadrar o servidor em uma das hipóteses do art. 132, mas
em outro dispositivo legal cuja consequência seja uma pena mais branda. Isto é, para que
um servidor não seja demitido a solução não é atenuar sua pena, mas sim, se for possível,
enquadrar sua conduta num dispositivo da Lei 8.112/90 que não gere demissão, caso
contrário não haverá discricionariedade para atenuar a pena.
Assim, o princípio da proporcionalidade só pode ser utilizado para evitar a pena de
demissão se ele não for invocado para atenuar a pena, mas para mudar o enquadramento
para um tipo legal que não gere demissão.”, Vinícius de Carvalho Madeira, “Lições de
Processo Disciplinar”, pg. 137, Fortium Editora, 1ª edição, 2008
“30) Não pode a autoridade julgadora, sob pretexto de incidência dos princípios da
proporcionalidade, da individualização da pena ou da insignificância, enquadrar a
conduta do acusado em tipo disciplinar passível do ato vinculado de demissão, mas
aplicar, paradoxalmente, penalidade branda, devendo, nessas hipóteses, retipificar os
fatos, de forma que haja harmonia entre a infração efetivamente cometida e a
correspondente penalidade instituída ou conforme ao estatuto disciplinar de regência.
31) Ainda que favoráveis os parâmetros do art. 128, da Lei federal nº 8.112/1990, não
ofende os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena a imposição de
penalidade demissória ou de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, em face da
gravidade da conduta perpetrada pelo servidor, mormente quando existe prejuízo ao erário
ou proveito ilícito para o transgressor ou para terceiro em razão da falta.” Antonio Carlos
Alencar Carvalho, “Manual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância”, pg.
1054, Editora Fortium, 2008, 1ª edição
Nota Técnica Coger nº 2005/2: “6. (...) Ou seja, uma vez configurada hipótese de
aplicação de penalidade de demissão, não há previsão legal para que a autoridade
julgadora abrande para suspensão ou advertência, em que pesem todos os atenuantes que
o servidor possa ter para o fato. (...)
7. Também, uma vez configurada hipótese de aplicação de advertência ou de suspensão,
não há previsão legal para que se onere para penalidade de demissão, em que pesem todos
os agravantes que o servidor possa ter para o fato. Da mesma forma, não se pode arquivar
processo em que se configurou ilícito punível, ainda que com advertência, e não cabe
aplicar-se advertência nas hipóteses de apenação originária com suspensão (art. 117,
incisos XVII e XVIII, da Lei nº 8.112, de 1990). (...)”
Uma vez que prevalece o interesse público de apurar o fato e não necessariamente de
punir, pode ex-servidor já punido com pena capital ser novamente processado. Aplica-se aqui
a mesma base principiológica defendida em 3.2.2.2 (a cuja leitura se remete, inclusive da
transcrição do Parecer AGU nº GM-1, vinculante, do Enunciado CGU/CCC nº 2, de 04/05/11,
e da manifestação jurisprudencial lá mencionada), quando se justificou a instauração da
instância disciplinar mesmo que o acusado seja ex-servidor, já apenado em outro processo
com demissão, cassação de aposentadoria ou destituição do cargo em comissão, por outro ato.
Ao final deste segundo apuratório, tendo-se novamente concluído por grave
1169
A lei prevê para o servidor estável duas hipóteses de perda punitiva do cargo. A
primeira, em decorrência de sentença judicial condenatória, transitada em julgado, com
penalidade superior a um ano de detenção por qualquer crime funcional lato sensu ou por
mais de quatro anos de detenção por crime comum, se assim se manifestar o juiz, conforme já
abordado em 4.7.4.1.2. A segunda, em função de processo administrativo disciplinar, com
1170
E o servidor efetivo estável tem três hipóteses de exoneração, todas aplicáveis sem
processo disciplinar. A primeira, obviamente, a pedido do próprio servidor, conforme sua
garantia constitucional de livre agir, refletida no caput do art. 34 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
A segunda, em decorrência do inciso III do art. 41 da CF, com a redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 04/06/98, mediante procedimento de avaliação periódica de
desempenho, com ampla defesa, na forma de lei complementar ainda não existente, em que se
garantirá o contraditório. A terceira, nos termos da redação dada ao art. 169 da CF pela
Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98, mediante ato normativo motivado, quando for
atingido limite com gastos de pessoal, com indenização, em que as carreiras típicas de Estado
serão atingidas por último, conforme o art. 247 da própria CF e a Lei Complementar nº 101,
de 04/05/00, e a Lei nº 9.801, de 14/06/99.
CF - Art. 41.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 04/06/98)
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei
complementar, assegurada ampla defesa.
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
(Parágrafos incluídos pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98)
§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo
fixado na lei complementar referida no “caput”, a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios adotarão as seguintes providências:
I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções
de confiança;
II - exoneração dos servidores não estáveis.
§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para
assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o
servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos
Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da
redução de pessoal.
§ 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização
correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.
§ 7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do
disposto no § 4º.
Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão
critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em
decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de
Estado. (Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98)
Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente
ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e
a ampla defesa. (Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 14/06/98)
Súmula nº 22 do Supremo Tribunal Federal (“O estágio probatório não protege o funcionário
contra a extinção do cargo.”).
Já o servidor não efetivo, detentor apenas de cargo em comissão, possui duas hipóteses
de exoneração, no art. 35 da Lei nº 8.112, de 11/12/90: a pedido ou de ofício, a critério da
autoridade que o nomeou.
Lei nº 8.112, de 11/12/90 - Art. 22. O servidor estável só perderá o cargo em virtude de
sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual
lhe seja assegurada ampla defesa.
Art. 33. A vacância do cargo público decorrerá de:
I - exoneração;
II - demissão;
Art. 34. A exoneração de cargo efetivo dar-se-á a pedido do servidor, ou de ofício.
Parágrafo único. A exoneração de ofício dar-se-á:
I - quando não satisfeitas as condições do estágio probatório;
II - quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido.
Art. 35. A exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança dar-se-á:
(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
I - a juízo da autoridade competente;
II - a pedido do próprio servidor.
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo
será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão.
Parágrafo único. Constatada a hipótese de que trata este artigo, a exoneração efetuada
nos termos do art. 35 será convertida em destituição de cargo em comissão.
Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a
pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da
penalidade, acaso aplicada.
Parágrafo único. Ocorrida a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso I, do art.
34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.
Ainda sobre exoneração, conforme já aduzido em 4.3.7.1, convém reiterar que o fato
de o servidor estar no polo passivo do rito disciplinar impede o exercício do direito de se
exonerar a pedido, prevendo-se conversão em demissão especificamente para os casos de
servidor efetivo ainda não estável e que é exonerado de ofício pelo não cumprimento das
condições do estágio probatório (art. 172, parágrafo único, combinado com art. 34, parágrafo
único, I, ambos da Lei nº 8.112, de 11/12/90) e para o servidor comissionado que, antes do
PAD ou excepcionalmente em seu curso, se exonera a pedido ou que é exonerado de ofício
(art. 135, parágrafo único, combinado com art. 35, ambos da mesma Lei). Acrescente-se ainda
que, conforme já se expôs em 3.2.2.2, a eventual exoneração, mesmo de servidor efetivo, não
impede a instauração do PAD, a publicação da eventual portaria punitiva, o registro do fato
nos assentamentos funcionais e a aplicação de medidas cautelares e dos efeitos acessórios,
destacadamente a vedação temporária ou definitiva de não retorno a cargo e/ou emprego
públicos federais, conforme os arts. 136 e 137 da Lei nº 8.112, de 11/12/90.
Quanto à demissão a bem do serviço público, que existia no antigo Estatuto (Lei nº
1.711, de 28/10/52) e na Lei nº 8.027, de 12/04/90 (que apenas atualizava a lista de ilícitos do
antigo Estatuto, sem alterar o rito processual), a Lei nº 8.112, de 11/12/90, que revogou as
duas normas acima (a primeira, de forma expressa, e, a segunda, de forma tácita), não prevê a
pena com aquela cláusula.
Mas nenhuma destas duas Leis esclarece o sentido da expressão. A doutrina entendia
que significava vedação do retorno ao serviço público, afastada somente por revisão
processual ou ato de graça do Presidente da República.
Por fim, apenas para esgotar o assunto, uma vez que não guarda correlação nenhuma
com os atos administrativos descritos acima, aborda-se ainda a perda de cargo. Conforme já
exposto em 3.2.1, a perda de cargo, decorrente de provimento penal, de competência
exclusiva do Poder Judiciário, ao fim de ação penal, é prevista no CP, em seu art. 92, ou em
leis especiais que definem crime e é um efeito acessório da condenação, para determinados
crimes - comuns ou funcionais - em que o agente criminoso seja servidor. Além dos crimes
contra a Administração Pública dos arts. 312 a 326 do CP e do art. 3º da Lei nº 8.137, de
27/12/90, citam-se previsões deste instituto nas Leis nº 4.898, de 09/12/65 (que trata de abuso
de autoridade, como espécie do gênero abuso de poder), nº 8.666, de 21/06/93 (que trata de
licitações), nº 7.716, de 05/01/89 (que define crimes de discriminação e de preconceito) e nº
9.455, de 07/04/97 (que define crime de tortura). Este efeito pode ser automático ou não; ou
seja, pode ser consequência direta da sentença condenatória ou pode depender de expressa
manifestação do juiz na sentença.
A perda do cargo faz parte da decisão judicial e não se confunde com a pena
administrativa de demissão e muito menos com o ato de exoneração, tanto que se configura
como uma exceção de possibilidade de um ato de vida privada (um crime comum praticado
por servidor, por exemplo) ter repercussão em sua vida funcional - mas não como resultado de
processo administrativo disciplinar, pois a perda de cargo é uma ordem judicial a ser
cumprida imediatamente pela projeção de recursos humanos e gestão de pessoas, já
devidamente amparada no rito da apuração criminal. Neste tema, o ordenamento pátrio
mantém coerência: quando prevê ato expulsivo de servidor a cargo do Ministro de Estado,
como resultado do processo administrativo disciplinar regido pela Lei nº 8.112, de 11/12/90,
dá a esta pena o nome de demissão; quando prevê ato expulsivo dos quadros públicos em
decorrência da tutela judicial, exarado por autoridade do Poder Judiciário, dá a esta ordem o
nome de perda do cargo.
CF - Art. 5º
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
Como regra geral, válida para toda a Administração Pública federal, a Lei nº 8.112, de
11/12/90, estabelece competência para a aplicação das penas disciplinares.
Decreto nº 3.035, de 27/04/99 - Art. 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado
e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados
ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a
manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os
seguintes atos:
I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de
demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores;
II - exonerar de ofício os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo ou
converter a exoneração em demissão;
III - destituir ou converter a exoneração em destituição de cargo em comissão de
integrantes do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, níveis 5 e 6, e de Chefe de
Assessoria Parlamentar, código DAS-101.4;
IV - reintegrar ex-servidores em cumprimento de decisão judicial, transitada em julgado.
STF, Recurso em Mandado de Segurança nº 24.619, Voto: “Inicialmente, ressalto que esta
Corte firmou entendimento no sentido de que Ministro de Estado tem competência para
aplicar pena demissão a servidor em virtude de condenação em processo administrativo
disciplinar, tendo em vista o disposto no art. 84 da CF e no Decreto 3.035/1999.”
STJ, Mandado de Segurança nº 7.985: “Ementa: A Lei nº 8.112/90, na letra do seu artigo
141, inciso I, efetivamente declara ser da competência do Presidente da República, entre
outras, a aplicação da penalidade de demissão de servidor, competência essa, contudo,
delegável, como previsto no artigo 84, incisos IV e VI, e parágrafo único, da Constituição
da República e nos artigos 11 e 12 do Decreto-Lei nº 200/67.”
Idem: STJ, Mandados de Segurança nº 7.024 e 7.275
E, de acordo com o art. 141, III da Lei nº 8.112, de 11/12/90, no caso específico da
Secretaria da Receita Federal do Brasil, o Regimento Interno define que a competência para
1175
aplicar penas de advertência e de suspensão de até trinta dias recai sobre o Corregedor e os
Chefes de Escor, sem prejuízo das competências do Secretário da Receita Federal do Brasil.
Ainda neste rumo da especificidade, na esteira do que já foi aduzido em 4.2.1 (a cuja
leitura se remete), acerca da competência em decorrência da criação da Secretaria da Receita
Federal do Brasil, com a Lei nº 11.457, de 16/03/07, tem-se que o julgamento de processos
instaurados pela Corregedoria-Geral do Instituto Nacional do Seguro Social sobre área de
receita previdenciária ou instaurados pela Corregedoria da extinta Secretaria da Receita
Previdenciária e que ainda estavam em curso ao tempo da fusão compete ao respectivo Chefe
de Escor (ou ao Corregedor) ou ao Ministro de Estado da Fazenda, dependendo do alcance da
pena, desde que o servidor esteja lotado, ao tempo do julgamento, na Secretaria da Receita
Federal do Brasil
Nos casos específicos de irregularidades cometidas pelo infrator fora de sua unidade
de lotação ou antes de ser removido ou investido em novo cargo, também prevalece a máxima
de que, enquanto a instauração compete à autoridade da jurisdição da unidade de lotação (ou
de exercício, se diferente) do servidor ao tempo desta decisão, tem-se, por outro lado, que a
competência de julgar e de aplicar a pena (quando for o caso) recai sobre a autoridade da
jurisdição da lotação do servidor à época do julgamento, conforme já aduzido em 3.2.2.1 e
3.2.2.2, a cuja leitura se remete.
“Como não há, nesses casos, apresentação formal de defesas escritas dos acusados, não
poderá a autoridade julgadora, quando divergir das conclusões dessas comissões,
condenar, de maneira alguma, os servidores imputados. Como dissemos acima, a única
alternativa para essas discrepâncias consiste em a autoridade hierárquica dar por
encerradas essas comissões de processo e, em seus lugares, designar novos colegiados,
1177
para que os procedimentos sigam todos os seus passos.” José Armando da Costa, “Teoria
e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, pg. 232, Editora Brasília Jurídica, 5ª
edição, 2005
Por outro lado, na segunda hipótese, se a comissão propõe uma conclusão cabível na
competência do Chefe de Escor (arquivamento ou aplicação de pena de advertência ou de
suspensão de até trinta dias), com a qual, motivadamente, esta autoridade não concorda (por
ser flagrantemente contrária à prova dos autos), entendendo ser cabível pena de suspensão
superior a trinta dias ou pena expulsiva, ou, na terceira hipótese, se a comissão propõe uma
pena incabível na competência do Chefe de Escor (aplicação de pena de suspensão superior a
trinta dias ou de pena expulsiva), independentemente de ele concordar ou não, nestes casos,
não sendo competente para julgar, a autoridade instauradora deve remeter o processo,
mediante despacho, na via hierárquica, para a autoridade competente para fazê-lo, qual seja, o
Ministro de Estado da Fazenda, que, para isto, contará com a assessoria da Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional.
Parecer PGFN/CJU nº 1.687/2002: “43. (...) o inciso III do art. 141 da Lei 8.112/90
autoriza o julgamento pela Corregedoria-Geral, haja vista a concordância com a
conclusão da comissão processante, que entendeu que a penalidade cabível para o caso é a
de advertência por escrito.”
Não obstante, cabe afirmar, em sentido contrário, que, pela literalidade do inciso II do
mencionado art. 15 da Portaria MF nº 492, de 23/09/13, e por não ter amparo no princípio da
hierarquia (já que não é hierarquicamente superior de Chefe de Escor e do Corregedor), não
cabe à Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda arquivar ou aplicar penas de advertência
ou de suspensão de até trinta dias em casos de instauração a cargo do sistema correcional da
Secretaria da Receita Federal do Brasil e muito menos, em hipótese excepcional de figurar
como autoridade instauradora, a cargo do Secretário da Receita Federal do Brasil, sem
prejuízo das competências daquela unidade seccional de correição se manifestar ou prestar
informações ao Ministro de Estado da Fazenda, conforme autoriza o art. 4º-B, III e IV do
Decreto nº 7.482, de 16/05/11.
Neste rumo, demonstra-se válido adentrar ainda mais na ramificação desta segunda
hipótese e enfrentar uma situação complexa que se configuraria caso a comissão proponha
uma conclusão cabível na competência do Chefe de Escor (de arquivamento, por exemplo), ao
passo que este, por sua vez, discordando de tal proposta por considerar que afronta a prova
dos autos, entende ser aplicável uma pena da alçada ministerial (demissão, por exemplo) mas
reconhece já estar prescrita a respectiva punibilidade. A possibilidade merece apreciação pois
poderia surgir dúvida se cabe a este Chefe de Escor proceder ao arquivamento, em razão da
prescrição por ele detectada, ou se, em virtude da sua própria percepção de mérito, de que
caberia apenação da alçada ministerial, deveria remeter o julgamento ao Ministro de Estado
da Fazenda.
Por fim, resta inequívoco que, se por qualquer motivo, o relatório da comissão, com
proposta de aplicação de determinada pena (ou de arquivamento), é declarado nulo pela
autoridade instauradora ou julgadora, será a proposta de pena (ou de arquivamento) constante
do segundo relatório que firmará a competência para efetivamente se julgar e se aplicar a
pena, se for o caso, já que, se o relatório original foi julgado nulo, juridicamente, é como se
ele nunca sequer tivesse existido. Daí decorre que, caso haja relevante diferença nas propostas
dos dois relatórios, pode ser que, ao final, a autoridade julgadora do segundo relatório não seja
a mesma que julgou (e anulou) o primeiro.
Embora não haja expressa previsão legal, não só o processo administrativo disciplinar
pode ser alvo de apreciações de todas as autoridades por que ele passe na via hierárquica entre
a autoridade instauradora e a autoridade julgadora, após a entrega do relatório da comissão,
como também podem as autoridades intermediárias ou julgadora se valerem de tais análises
jurídicas, geralmente expressadas na forma de pareceres opinativos ou propositivos, com o
fim de embasarem suas decisões. E até convém mesmo que assim aja a autoridade, seja -
quando possível e autorizado ou previsto em norma - se reportando aos órgãos formais de
consultoria jurídica do Poder Executivo (como a Advocacia-Geral da União e, no caso mais
específico do Ministério da Fazenda, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), seja se
1182
Não obstante, tem-se que o art. 24, combinado com o art. 18, V, ambos do Regimento
Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, acima reproduzidos, não impõem a
existência de tal parecer de assessoramento e muito menos estabelece a que unidade cabe
1184
Por um lado, não se tem tais pareceres de análise de processo como obrigatórios,
previstos em lei; por outro lado, sua existência no processo em nada inquina de vício o feito, a
despeito do silêncio normativo, e tampouco vincula a autoridade superior.
Revendo o que já foi mencionado em 4.10.1, uma vez ser comum que o processo
administrativo disciplinar se apresente bastante volumoso, convém que o parecerista altere a
ordem de leitura, começando do relatório. Presume-se que um relatório bem feito contenha
uma síntese do fato concreto objeto da apuração e um resumo do rito processual (quais os atos
de instrução realizados, a indiciação e a defesa). Prosseguindo, convém ler a indiciação e a
defesa, confrontando um com o outro e cotejando com as conclusões constantes do relatório.
Assim, ao se fazer a leitura dos atos de instrução propriamente ditos, na sequência de
realização no processo, o parecerista já possui uma relativa noção do todo e um certo senso
crítico, tanto em aspectos formais quanto de mérito, que lhe permitirão enfatizar a análise nos
atos de instrução mais relevantes.
punitiva.”, Hely Lopes Meirelles, “Direito Administrativo Brasileiro”, pg. 185, Malheiros
Editores, 26ª edição, 2001
“Sendo juízo de valor do parecerista, o parecer não vincula a autoridade que tem poder
decisório, que pode ou não adotar a mesma opinião. (...)
Quando o ato decisório se limita a aprovar o parecer, fica este integrado naquele como
razão de decidir, ou seja, corresponde ao motivo do ato.” José dos Santos Carvalho Filho,
“Manual de Direito Administrativo”, pg. 120, Editora Lumen Juris, 15ª edição, 2006
E, na hipótese daquele acatamento sintético, não caberá crítica ao fato de a decisão não
expressar, em seu próprio termo, as motivações do ato. É de conhecimento notório da matéria
jurídica processualística que não é possível um termo processual ser visto isoladamente,
dissociado dos demais termos do processo e do contexto jurídico em que se encerra, qual seja,
um processo (termo cuja acepção é proceder, andar, no sentido de encadeamento de atos). Ao
se inserir o termo conciso de decisão, acatando parecer que lhe precede, na natural sequência
lógica e temporal dos atos praticados, restará inequívoco que aquela decisão adota como suas
as motivações expostas neste parecer.
Ademais, merece especial atenção a hipótese de ter este mesmo agente atuado como
integrante da comissão disciplinar e posteriormente, no curso do mesmo processo, ter sido
alçado à condição de autoridade julgadora. Embora se tenha afirmado em 4.2.1 que tal
hipótese não configura impedimento para que este agente atue, como autoridade instauradora,
nas prorrogações e designações de novas comissões, ao contrário, configura impedimento
para que atue como autoridade julgadora.
Nota Técnica Coger nº 2005/9: “Ementa: Não encerra ilegalidade um servidor que tenha
participado da Comissão Disciplinar ser alçado à condição de autoridade instauradora,
tendo em vista que esta situação não configura impedimento ou suspeição previstos em lei.
Entretanto, este servidor não poderá atuar como autoridade julgadora.
5. Entretanto, convém salientar que, nesse caso, o aludido servidor não deverá proferir
julgamento acerca da matéria. Isto, pois, a atuação do mesmo como parte no feito
disciplinar pode já ter influenciado seu convencimento, contaminando, assim, a
imparcialidade que requer tal decisão.”
Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato a
autoridade competente, abstendo-se de atuar.
Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave,
para efeitos disciplinares.
Lei nº 9.784, de 29/01/99 - Art. 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor
que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os
respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.
Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito
suspensivo.