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I – INTRODUÇÃO
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Este trabalho está inserido nas atividades do projeto PROLICEN Ensino de História e o lugar do Brasil
rural no livro didático, financiado pela Universidade Federal da Paraíba e coordenado pelo Professor Dr.
Damião de Lima (PPGH/UFPB).
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Contudo, não poderíamos negligenciar o crescimento constante da população urbana entre 1940-1970. Na
verdade, a população brasileira seguiu uma tendência de alta durante praticamente todo o século XX, com
destaque para a emergência das camadas médias urbanas que tiveram crescimento superior aquele verificado
no campo. Isto, porém, não suplanta o fato de que o mundo rural ainda representava mais da metade da
população até os anos 1960. Ver http://www.ibge.gov.br (acesso em 3/5/2010, às 20h55).
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Ver http://www.ipea.gov.br (acesso em 22/5/2010, às 10h11) e GREMAUD et al, 2009.
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Para não sermos simplistas, cabe lembrar que as expectativas por um Brasil “moderno” e industrial não
eram expressões apenas do Estado, mas de grande parte da sociedade brasileira desde o início do século XX.
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O início da década de 1930, no Brasil, foi marcado por um período de crise que já
tinha desdobramentos desde os anos 20. Assume-se nos anos 30 um projeto modernizador
que tentou criar um Brasil urbano e industrializado, entretanto, é apenas em 1937 que tal
processo foi consolidado, através do golpe do Estado Novo com suas medidas
modernizantes, industriais e, sobretudo, nacionalistas. Contudo, para melhor entendermos
tal momento de crise que desembocou nesse projeto urbanizador, devemos voltar à década
anterior e compreender quais as condições que permitiram as modificações ocorridas nos
anos 1930. Enfocaremos três eixos principais que servirão de base para o entendimento da
crise e das mudanças por ela propiciada: a sociedade, a economia e a política.
É interessante, a princípio, caracterizar a crise como sendo um “período de
insatisfação”. “A crise pode ser caracterizada como um período de crescente insatisfação,
descontentamento e tomada de consciência de que a continuidade do status quo não mais
satisfaz ou é tida como inviável” (BRUM, 1999, p. 169). Deste modo, podemos começar
afirmando que a sociedade dos anos 20 não estava mais satisfeita com suas estruturas,
ainda coloniais, que tinha as oligarquias rurais, os latifúndios e a economia agrário-
exportadora como base.
No âmbito social, as mudanças aconteciam a partir da formação de novas classes,
a exemplo das camadas médias e de uma pequena burguesia, além do proletariado. Estas
novas classes passaram a reivindicar maior participação na política do país, a qual era
dominada por oligarquias rurais, e, assim, criaram um primeiro ponto de insatisfação que
foi determinante posteriormente.
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Utilizamos a definição do Professor Elio Chaves Flores que entende “[...] por cultura histórica os
enraizamentos do pensar historicamente que estão aquém e além do campo da historiografia e do cânone
historiográfico. Trata-se da inserção entre a história científica, habilitada no mundo dos profissionais como
historiografia, dado que se trata de um saber profissionalmente adquirido, e a história sem historiadores, feita,
apropriada e difundida por uma plêiade de intelectuais, ativistas, editores, cineastas, documentaristas,
produtores culturais, memorialistas e a artistas que disponibilizam um saber histórico difuso através de
suportes impressos, audiovisuais e orais” (FLORES, 2007, p. 95).
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O termo “Revolução” para designar o movimento de 1930 tem sido cada vez mais problematizado e
relativizado nas interpretações recentes sobre evento. Para uma análise da chamada “Revolução de 1930”, ver
MOTA, 2001. p. 227-255.
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negação pura e simples daquilo que era, porém afirma-se numa complexa articulação entre
mudança e continuidade. Estas duas categorias temporais são, assim, imprescindíveis ao
conhecimento histórico, entendido como o conhecimento das durações humanas7. Avaliar
os impactos da chamada Era Vargas, especialmente sua face autoritária – o Estado Novo
(1937-45) – é fundamentalmente agrupar e relacionar as categorias de mudança e
continuidade numa conjuntura complexa de transformações materiais e mentais na
sociedade brasileira.
O pós-1930 é costumeiramente lembrado como um divisor de águas na história do
Brasil. Expressões como “Revolução”, “processo de industrialização”, “desarticulação do
modelo agrário-exportador”, ou as dicotomias “arcaico X moderno”, “urbano X
industrial”, são freqüentes nos manuais didáticos, desde os remotos aos mais recentes.
Com o advento do Estado Novo, o processo de industrialização e modernização do país
teria tomado assento como plano montado e conduzido pelo próprio Estado brasileiro que,
logo mais, suplantaria o velho modelo agrário-exportador herdado dos tempos coloniais.
Entretanto, às vezes temos a impressão que o Brasil rural, juntamente com seus atores e
lutas sociais, simplesmente desapareceu da história nos anos seguintes a 1930,
especialmente quando observados os discursos forjados à época, ou a posteriori, sobre a
estratégia nacionalista de desenvolvimento urbano-industrial do Estado Novo. Claro que
não poderíamos negar que um intenso processo de urbanização e modernização tenha se
iniciado no país por essa época, contudo, ressaltamos que são necessárias ponderações
diante de visões simplórias que estabelecem para o pós-1930 uma ruptura abrupta com o
passado agrário do país, seus sujeitos históricos e interesses em jogo.
Na verdade, concepções que associavam o futuro do desenvolvimento nacional ao
modelo urbano-industrial eram uma máxima entre os anos 1920-30, quando as crises do
liberalismo econômico e da liberal-democracia foram o esteio para a emergência no
cenário internacional de inúmeras doutrinas que defendiam a intervenção e regulação
estatal não apenas sobre as esferas produtivas, mas sobre a própria sociedade. O contexto
de descrença da ordem liberal, especialmente após a I Guerra Mundial, foi um campo fértil
para movimentos de caráter nacionalista que apelavam para a história cultural de cada
povo. No Brasil, desde os anos 1920, a intelectualidade preocupava-se em encontrar as
causas dos males da nação. Esta preocupação em entender o país e seus problemas inseria-
se numa conjuntura internacional em que temas como as massas, a cultura popular e o
desenvolvimento nacional estavam em na ordem do dia.
O movimento de 1930, por seu turno, abriu caminho para o debate entre diversos
projetos políticos, embora não possuísse uma plataforma ideológica unívoca. Assim, surgiu
uma diversidade de diagnósticos para o Brasil do pós-1930, muitos dos quais, elaborados
pelas elites políticas e intelectuais, revelavam inspiração do fascismo italiano, embora
guardassem diversas especificidades. Na verdade, o Estado Novo não produziu nenhuma
doutrina oficial. Quase sempre os longos discursos de Getúlio Vargas eram apropriados
por intelectuais do regime e transformados em máximas para a condução da nação
(OLIVEIRA et al, 1982, p. 31). A despeito da ausência de uma doutrina oficial propriamente
dita, é marcante no pensamento de ideólogos do regime, como Candido Mota Filho, a
presença de percepções claramente nacionalistas e autoritárias. Associado a crítica ferrenha
do liberalismo, concebe-se um Estado forte – um Estado novo – como uma entidade
orgânica e funcional. Trata-se de uma nova teoria política do Estado compreendido como
órgão complexo dentro de uma determinada hierarquia (OLIVEIRA et al, 1982). Esta
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Conforme José Carlos Reis (2007), mudança diz respeito a processo, modernização, progresso, revolução,
independência e autonomia, enquanto que continuidade representa estrutura, permanência, tradição,
conservadorismo, resistência.
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Desde as dissidências de oligarquias regionais até a ação de imigrantes que insistiam em manter suas
tradições, especialmente o uso do idioma de origem.
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Carta do ministro Gustavo Capanema ao presidente Getúlio Vargas, 14-6-1937. Arquivo Gustavo
Capanema, FGV/CPDOC.
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Todas as medidas até aqui discutidas apontaram para o Brasil uma nova realidade,
dando início a um grande processo de mudança no país. Ventos novos sopravam na
república brasileira. O governo Vargas apresentava – como dito anteriormente – um novo
projeto de nação: desenvolvida, moderna, independente das potências externas, auto-
suficiente. Houve, em tal período, grande valorização do país e do ser brasileiro, tentando-
se criar uma nova identidade. Neste aspecto, era necessário identificar como se deu a
formação e quais eram as raízes da nação brasileira. O Brasil, até então, era um país
extremamente dependente e sem muita coesão interna, havendo várias oligarquias
regionais e cada uma lutando por seus interesses particulares, no qual as oligarquias de São
Paulo e Minas Gerais, por sua força, sempre se sobressaíam.
por muito tempo, tais relações patriarcais e oligárquicas dominaram tanto no campo como
nas cidades. Segundo o autor, após a abolição, iniciou-se incipiente desenvolvimento das
cidades, com “especuladores sem raízes rurais”, criando “dois mundos distintos que se
hostilizavam com rancor crescente, duas mentalidades que se opunham como ao racional
se opõe o tradicional, ao abstrato se opõe o corpóreo e o sensível, o citadino e cosmopolita
ao regional e paroquial” (HOLANDA, 1995, p. 78).
Caio Prado Junior, por sua vez, apresenta uma visão também negativa sobre o
passado brasileiro, talvez de maneira mais intensa. O “sentido da colonização” do Brasil
seria responsável pela sua vocação agrícola-exportadora, escravocrata e latifundiária.13
Desta forma, tinha se fundado um Brasil dependente de sua produção agrária ligada às
relações econômicas externas, o que explicaria sua situação de atraso. O autor pensa no
ideal de soberania nacional, do desenvolvimento da nação que se daria com o completo
desligamento das relações coloniais. “Numa palavra, não completamos ainda hoje a nossa
evolução da economia colonial para a nacional” (PRADO JUNIOR, 2000, p.3). Isto só
seria possível, uma de suas formas, com a industrialização, trazendo autonomia ao país.
Esta historiografia de crítica ao passado rural se fundou nos anos 1930 e se
consolidou, tornado-se muito presente nos livros didáticos de História do Brasil. São obras
“obrigatórias” nas referências dos livros didáticos. Neste momento do presente trabalho,
analisaremos algumas produções didáticas, buscando observar quais as representações
constantes sobre o mundo rural nos conteúdos referentes ao período entre 1930-1945.
O primeiro livro discutido será o de Joana Neves e Elza Nadai14, História do
Brasil, livro em sua 20 a Edição, o que mostra seu alcance e êxito. O livro está dividido
cronologicamente, estando reservado um capítulo especial à Era Vargas (A Segunda
República e o Estado Novo: a Era Vargas). As autoras dividem o período em três fases: a
fase revolucionária (1930-1934); a fase constitucional (1934- 1937); e o período do Estado
Novo (1937-1945).
Do período destacado, Nadai e Neves tentam apresentar um panorama geral em
seus aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, tendo este mais ênfase. O que
chama mais atenção, todavia, é a parte introdutória do capítulo, na qual as autoras
descrevem rapidamente as características da Era Vargas e resumem o período da seguinte
forma: “Em outras palavras, pode-se falar em superação de um Brasil arcaico (sic) por um
Brasil moderno (sic)”15. (NADAI; NEVES, 1997, p. 320). Mais adiante, ao discutirem os
aspectos culturais, as autoras destacam a música, principalmente o samba, as expressões
literárias do período, marcadas pelo regionalismo, o cinema etc., acabam por excluírem o
campo afirmando que “Todas essas modificações atingiam as cidades, pois o campo ainda
estava mergulhado em outras épocas” (NADAI; NEVES, 1997, p. 325). Porém, nestes dois
momentos, Nadai e Neves abrem margens para interpretações que percebam certa
inferioridade do campo em relação à cidade. Ao lado desta última afirmação, apresenta-se
a figura do Jeca Tatu visto como “um homem do campo que era preguiçoso devido aos
vermes” (NADAI; NEVES, 1997, p. 325), ou seja, ambas acabam por reproduzirem um
discurso negativo do camponês, chegando até a desqualificá-lo. Ao discorrerem sobre “as
diretrizes econômicas”, as autoras apontam o Período Vargas como
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Segundo Prado Junior, “Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois,
algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto” (PRADO JUNIOR, 2000, p. 20).
Ou seja, se o Brasil se fundou nessa estrutura e era um país, até então, atrasado, era necessário mudá-la.
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Professoras da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade de São Paulo, respectivamente, entre as
décadas de 1970 e 1980.
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Neste momento elas deixam transparecer uma concepção etapista da história.
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Ambos, professores da Universidade de São Paulo.
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Flávio de Campos é professor da Universidade de São Paulo e Renan Garcia Miranda é professor das redes
pública e privada de Ensino Médio em São Paulo.
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Mantêm-se a hegemonia de certa história dos fatos políticos da nação que, a partir
do marco da Revolução de outubro de 1930, dirigiram-se marcadamente para a
industrialização e urbanização do país. Não é mencionada a recepção do projeto estado-
novista no mundo rural, como por exemplo, o impacto das leis trabalhistas e da propaganda
entre os camponeses excluídos. A história narrada ainda é a história do Brasil urbano em
que o campo é inserido subordinadamente. Esta tendência é ainda mais acentuada nos
demais livros analisados, escritos nos anos 1990 e início de 2000. Vale ressaltar que o
presente trabalho se insere num projeto em fase inicial e que os apontamentos feitos até
aqui têm o intuito de suscitar discussões sobre a temática.
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004.
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“Lugar social” aplicado aqui no sentido dado por Michel de Certeau (2008).
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Lutas empreendidas desde o processo de redemocratização na década de 1980, após décadas de supressão
pelo regime militar (1964-1985).
10
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