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o INDIVíDUO
PRESO NA
ARMADILHA DA ESTRUTURA /
ESTRATECICA
Eugêne Enriquez
Professor e Diretor do DEA e do Curso de Doutorado em
Sociologia da Universidade de Paris VII, Diretor Adjunto do
Laboratório de Mudança Social da Universidade Paris VII.
Conferencista na EAESP/FGV no 2º semestre de 1996.
Tradução: Marcelo Dantas, jornalista e administrador público, professor da Universidade Federal da Bahia, doutorando na
Universidade Paris VII.
Revisão Técnica: Maria Ester de Freitas, professora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da
EAESP/FGVe pesquisadora-visitante na Universidade de Paris VII.
RESUMO: Em pleno auge do individualismo, o homem nunca esteve tão encerrado nas malhas das organizações
e tão pouco livre em relação ao seu próprio corpo e ao seu modo de pensar. Hoje, tudo na sociedade e nas
organizações é construído para fazer o indivíduo crer na sua vocação de homem livre e criador.
ABSTRACT:Nowadays, in the highest point of individualism, it is possible to say that individual has never been so
entangled in the organizations and has never been so little free regarding his own body and his way of thinking.
Today, everything in society and in the organizations is built in order to make the individual believe in his vocation for
being free and creative.
18 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29 Jan./Mar. 1997
o INDIVíDUO PRESO NA ARMADILHA DA ESTRUTURA ESTRATÉGICA
que o indivíduo não possa, dentro de certas mocrático; e uma nova estrutura, a estrutu- 7.ENRIOUEZ, E. Op. cit., 1984.
condições, ser criador da história.' alcan- ra tecnocrática fosse erigida no lugar de
çar uma "parcela de originalidade e auto- quarta estrutura, e a exploração de seus com- 8. BERLE JR., A. Apud TOURAINE, A. , Le
tre ere del/'lmpresa. Milan: Uomini e
nomia'í." tentar sair da heteronomia e vir a ponentes e de suas conseqüências estivesse technologie, 1986; idem. La société
postindustrielle, Denoel, 1969;
ser sujeito autônomo;' isso significa somente feita; a estrutura estratégica de gestão par- ENRIOUEZ, E. Structure et changement.
que tudo na sociedade (e, principalmente, ticipativa - para retomar temporariamente La maitrise de la croissance dans
/'entreprise.Paris: Dunod, 1972.
na empresa, que tem a ambição desmesura- o termo lançado à moda tanto por teóricos
da de emergir como o ator principal da so- de valor," quanto por diretores de empresa 9. ENRIOUEZ, E. Op. cit, 1961, 1966,
ciedade) é construído para fazer o indiví- 1976.
- não havia sido ainda estudada em nossos
duo crer na sua vocação de homem livre e escritos (mesmo que, desde 1984, tenham 10. BARNARD, C. The functions ot tne
criador e, para colocá-lo, de fato, "nas gra- sido realizadas conferências sobre essa estru- executive. New York, 1938.
des" (Rousseau), grades sutis e tão ilustres tura, na Université de Paris VII e na Université
11. ENRIOUEZ, E. Structures
que certos homens reivindicam-nas. de Paris-Dauphine). d'organisation et contrôle social.
Connexions. n. 41, 1982;
Em trabalhos anteriores, 6 propus uma É, pois, à análise da estrutura estratégi-
tipologia de estruturas de organização; uma ca que se dedica este artigo. Entretanto, é 12. Idem. Structures and personnality,
relação entre tipos de estruturas e tipos de necessário explicar antes as razões pelas Cornell University, 1983; remanié pour la
version italienne: Personalitá e
personalidades (ou, ao menos, de conduta) quais, desde 1961, diferenciam-se os três organizazione, Rivista di psycologia
clinica. n. 2, 1987; réécrit pour la version
exigidas; havia evocado o trabalho da mor- tipos de estrutura: a) a primeira razão é de Irançaise: Personnalité et organisation,
te na obra de toda organização e o papel ordem histórica e será apenas evocada. É dans: Organisation et management en
question(s). Paris: L'Harmattan, 1983.
desempenhado pela adesão à ideologia im- incontestável para todos que, desde 1961, o
posta pela organização, no 'desenvolvimen- capitalismo transformou-se frente à agita- 13. TOURAINE, A. Op. cit., 1986.
19
ção cultural dos anos 1968 (1965 - 1975) e mente de resolver de maneira ótima os pro-
às conseqüências econômicas e sociais dos blemas colocados, mas, igualmente, de an-
dois choques do petróleo. Os "trinta glorio- tecipar o seu surgimento, graças a um siste-
sos" terminaram, e as empresas tiveram de ma de previsão e a um sistema de simulação
fazer face a novos desafios. Além disso, o (permitindo testar diferentes tipos de cená-
sucesso das empresas americanas e sobretu- rios de desenvolvimento). Os únicos proble-
do das empresas japonesas levou certos di- mas interessantes são aqueles quantificáveis
rigentes europeus a terem uma outra visão da ou susceptíveis de sê-lo (é possível também
direção das empresas; b) a segunda razão é matematizar o real e inventar indicadores
de ordem teórica: desde o fim da guerra, os econômicos, sociais e mesmo afetivos, pas-
especialistas americanos em organizações (P. síveis, cada um deles, de uma ponderação
Drucker, em primeiro lugar), assim como os adequada, podendo ser elementos de um cál-
consultores psico-sociólogos, haviam preco- culo, e assim entrar num sistema de equa-
nizado uma direção participativa das orga- ções e inequações que um economista-ma-
nizações, que deveria, a um só tempo, res- temático está em condições de resolver).
peitar a iniciativa individual e o dinamismo As questões de ordem política (de esco-
do grupo, um grupo não podendo progredir lha de valores ou de objetivos) não se colo-
nem ser coeso sem o aporte de indivíduos cam mais; as questões relevantes são as de
inovadores, sabendo escutar, discutir e to- ordem técnica.
mar as decisões de forma colegiada (senão É possível, já que tudo pode ser progra-
coletiva), um indivíduo não podendo atin- mado (mesmo se existem ainda zonas de in-
gir seu pleno desenvolvimento senão graças certeza que podem ser reduzidas graças à
à confrontação de suas idéias com as dos teoria lógico-matemática das decisões, no
outros. (A subjetividade não sendo mais que universo do provável ou do incerto), ceder à
o produto da aceitação da inter-subjetivida- fantasia (pois trata-se de uma fantasia) do
de). Ou, tanto quanto as estruturas tecno- controle praticamente total do presente e do
cráticas, à hora atual, as estruturas estraté- porvir, e de evitar a ansiedade, sempre ine-
gicas assim asseguram, como a estrutura co- rente às relações com o desconhecido.
operativa, a participação, a ação individual Experts (no poder, ou os mestres desses
e o espírito de equipe. Elas mantêm, pois, experts, que exercem o poder real) são, pois,
uma confusão (deliberada) nos espíritos. O definidores de modos de pensar e de mode-
que é preciso dizer de pronto é que suas con- los de ação que devem servir de normas e
cepções, aplicadas à realidade cotidiana, são de regras de funcionamento.
totalmente antagônicas em relação àquelas A estrutura estratégica é outra coisa. O
das estruturas cooperativas, e têm desvir- surgimento de fenômenos que não tinham
tuado o sentido dos termos que elas mes- sido objeto de nenhuma previsão, a percep-
mas criaram com base em novas formas so- ção da empresa e do seu meio ambiente como
ciais, que de participativas só têm o nome. um mundo hipercomplexo casam mal com
Para precisar os contornos da estrutura a idéia de uma racionalidade ilimitada e um
estratégica é útil compará-la com aquela que planejamento de longo prazo.
14. ENRIOUEZ, E. Op. cit., 1982. lhe é mais próxima, a estrutura tecnocráti- A estrutura estratégica leva em conta a
ca, mesmo que ela queira, ao contrário, ser diversidade do mundo, a impossibilidade de
15. O termo n'importe qui (não importa
quem) foi proposto pelo sociólogo Alain assimilada à estrutura cooperativa (tal qual sua apreensão total. Nessas condições, vão
Ehremberg, mestre de conferências em continuar a florescer modelos, mas estes
Paris-Dauphine, durante uma conversa na
esta foi definida em textos anteriores, em
qual eu insistia sobre o fato de que todo particular Enriquez'"), que é a única estru- serão, agora, adaptáveis, e levarão em gran-
mundo, na estrutura estratégica, devia
acreditar na igualdade de chances. A.
tura favorável a uma participação real, ex- de conta circunstâncias e ações de parceiros
Ehremberg persegue, desde sua tese de cluindo todas as formas de mistificação e e de adversários. O planejamento vai ser
3ême. Cycle (que eu tive o prazer de
orientar), intitulada "Arcanjos, guerreiros, de manipulação. substituído pela estratégia ... Ademais, essa
militares e esportistas - A formação do
A estrutura tecnocrática tem como cre- capacidade estratégica não deve mais ser o
homem forte", uma reflexão aprofundada
sobre a "idade do heroísmo" e sobre as do a racionalidade ilimitada. Numa tal es- apanágio de uma elite possuidora de conhe-
relações entre o espírito esportivo e o
espírito de conquista das empresas trutura, o poder pertence aos experts, que cimentos excepcionais, mas deve, sim, ser a
modernas. Atualmente redige (1989) uma supõem possuir os elementos do conheci- proeza de "não importa quem'l". Todos es-
tese nouveau régime, sob minha
orientação, sobre o n'importe qui. mento, o que lhes dá a possibilidade não so- tratégicos, tal é a palavra de ordem. Isso é
chegar a uma radiografia fechada, a 'uma mance pela performance. Esses matadores
caracterologia precisa; o objetivo é mais (diz-se dos esportistas de alto nível, assim
modesto, Trata-se simplesmente de mostrar como dos políticos que não hesitam diante
que as empresas têm uma tendência a de seus objetivos, que são "matadores") são
engajar pessoas cujos comportamentos são cool pois, como bem o dizia Sade, devem
adequados ao estilo da empresa, ou quando conhecer "o repouso das paixões e a
elas não podem ser assim, transformá-las dormência da sensibilidade" que os leva-
(pelo trabalho, pela pressão de grupo, pela rão a cometer os atos mais criminosos, os
ideologia dominante na empresa, pelos es- mais aberrantes, os mais expressivos da trai-
tágios de formação) em indivíduos que, ao ção com fleugma, "com essa apatia que per-
menos exteriormente, façam prova das qua- mite às paixões revelarem-se". Não é, pois,
lidades que favorecem o questão de eliminar um
crescimento da empresa. adversário ou um concor-
Tipo de personalida- rente com paixão, é pre-
de: a estrutura tecnocrá- Os tempos não ciso fazê-lo, ao contrário,
tica não poderia funcio- são mais do chefe com doçura (e não matá-
nar senão graças a seus lo definitivamente, pois
experts, "elite dirigente"
que comanda, ele pode, um dia, talvez,
demonstrando qualidade mas daquele que revelar-se útil). O mata-
de manipuladores e colo- dor cool ou apático, para
seduz, persuade, atingir os seus fins, deve
cando-se numa posição
perversa." Não podendo exala charme, praticar uma certa forma
todo mundo jogar um tal de ascetismo (como na
anima e sabe
jogo, controlar zonas de ética protestante), um as-
incerteza ou adquirir po- jogar com as cetismo não somente do
der segundo a fórmula de aparências. Nossa pensamento, mas do cor-
Crozier, sem fazer da em- po. O corpo deve ser re-
presa uma verdadeira sel- sociedade é um feito, ele deve ser endu-
va, revelava-se indispen- lugar onde a rececido. É a esse novo
sável que essa elite reges- ascetismo que servem os
se uma massa de indiví-
aparência triunfa. estágios off limits, como
duos indiferentes (fazen- foi questionado aqui an-
do apenas seu trabalho), tes. Com efeito, a empre-
desmotivados (cumprindo ordens sem se in- sa estratégica tem, por fundamento, uma
terrogar sobre os valores, pois não têm como equação simples: energia física = energia
referência nenhuma valor particular) ou re- psíquica = aptidão para o sucesso indivi-
beldes (na medida em que uma empresa tec- dual = aptidão à utilidade social.
nocrática podia admitir uma porcentagem Em outros tipos de estrutura foram va-
limitada de desviantes e de rebeldes capa- lorizados um controle do pensamento, um
zes de trazer novas idéias, aproveitáveis, em controle da psique e, igualmente, um con-
parte, pela empresa). trole do corpo (este último tipo estando re-
A estrutura estratégica não pode funcio- servado essencialmente aos operários, sen-
nar da mesma maneira, como foi explicado do o ritmo e o estilo de trabalho definidos
anteriormente. Ela exige de todos esses ho- pelo setor de aplicação de métodos, impon-
mens serem "estratégicos", "guerreiros", do a adaptação do corpo, com todas as con-
"ganhadores"," esportivos; numa palavra, seqüências nefastas: doenças profissionais
20. ENRIOUEZ, E. Le pouvoir et la morto
aquele que temos chamado de "matador etc., que podem disso resultar). Na estrutu- Topique. n. 11-12, 1973.
COOl".22 Max Weber tinha, há muito tempo, ra estratégica, se o controle sobre o modo
de pensar é reforçado (é preciso pensar ape- 21. AUBERT, N.; PAGES, M. l.e stress pro-
assinalado que uma vez que a dinâmica ca-
fessional, Klincksieck, 1989.
pitalista não estava mais fundada sobre uma nas no bem de uma empresa e um tal objeti-
ética, ela não podia desenvolver senão suas vo não é alcançável senão graças a um modo 22. ENRIOUEZ, E. Ideology, idea/isation
and efficacy. tnternatíonal society for lhe
características puramente primárias e seus de pensar puramente operacional, "calculis- psycho-analytic sludy of organizations,
aspectos esportivos, valorizando a perfor- ta", diria Yves Barel), se o controle da psi- 1986.
ções humanas em relações operacionais, de- para ter sucesso. Identidade compacta e
safiando o real, tendo uma visão estritamen- identidades múltiplas não se opõem, elas são
te econômica e "economicista" das trocas complementares uma da outra. Pode-se di-
sociais, e instalando-se no lugar da verdade. zer, como Winnicott, que eles têm um faux
A estrutura estratégica não põe em prá- self. Entretanto, a noção de falso self reco-
tica (ou, em todo caso, não da mesma ma- loca a possibilidade de possuir um verda-
neira) as mesmas instâncias da personali- deiro sei! É, pois, mais exato seguir Hélêne
dade. Ela exige indivíduos que se querem Deutsch quando ela fala de personalidade
sujeitos (mas que, de fato, "as if" (como se) pois es-
são alienados) de seu des- ses indivíduos compor-
tino e agentes da história. tam-se sempre "como se"
A estrutura
Sujeitos presos nas iden- estivessem bem na pró-
tificações heróicas e aptos estratégica é a pria pele, como se amas-
a se comportarem como expressão de uma sem realmente os outros
heróis, quer dizer, como etc. É, às vezes, possível
seres prontos -- como empresa que quer vencer um tecnocrata; é
Freud havia sublinhado" ser ao mesmo muito difícil vencer uma
-- a introduzirem ruptu- personalidade as if, pos-
ras, e mesmo a prepara-
tempo uma suidora de um ego gran-
rem os outros, que lhes comunidade; dioso, na medida que ela
devotam admiração sem sabe adaptar-se a todos
comunidade de os desafios do ambiente,
limites, merecida por todo
ídolo. Aqueles que são trabalho. mas onde manifesta como
bem sucedidos têm, pois, identidade tão somente a
também
um "ego grandioso" (o sua identidade social.
"Ego grandioso" de comunidade da Ela é um verdadeiro
Kernberg), tomam-se eles vida e do Proteu, sempre insaciável.
mesmos como ideal, são (Os estágios de análise
verdadeiros Narcisos ad- pensamento. Ela transacional ou de progra-
mirando-se no espelho se apoia sobre o mação neuro-linguística,
que eles propõem e que os muito em voga atualmen-
outros lhes servem, têm
indivíduo te, ajudam-na em seus es-
uma "identidade compac- integrado a uma forços de adaptação, pois
ta", pois nada pode atin- fornecem-lhe elementos
equipe. O trabalho simplificados de contro-
gi-los. Não conhecem,
com efeito, nem dúvida, não tem um le do comportamento do
nem angústia, nem re- outro).
sentido. a não ser
morso. Essa identidade Ela -- a personalida-
compacta, essa sinuosi- que lhe permita a de "como se" -- é tão bem
dade narcisista, não os um só tempo sucedida quanto mais
impede, entretanto, de contrária ao tecnocrata;
mostrarem-se leves, fle-
coesão e ela aceita ter pulsões, pul-
xíveis (ao contrário do performance. sões de amor ou de agres-
tecnocrata que acredita sividade. Mas dessas pu 1-
possuir a verdade). Eles sões (como de resto) ten-
sabem que para alcançar o sucesso devem ta servir-se (vivendo, assim, a fantasia ex-
poder adotar identidades múltiplas (ser trema do controle possível, pelo indivíduo,
aqueles que podem escutar, falar, atrair, do seu inconsciente). Acredita, pois, ter à
mostrar ardor, exprimir a própria vontade, disposição um "id integrado". Jogará com a
seduzir) segundo as situações e os interlo- cólera, com a violência, assim como com a
cutores. Homens da aparência, modulam seu doçura e a ternura, pois na estrutura estra-
tégica não há necessidade de seres impassí- 26. FREUD, S. (1939), L'homme Moise
papel social segundo as circunstâncias. São
et le monothéisme. nouv. trd. Ir. Paris:
sempre no instante aquilo que devem ser veis mas de seres capazes de encarnar as Gallimard, 1987.