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Eixo temático: Histórias e memórias de ensino de História

NARRATIVAS E EFEITOS DE SENTIDO SOBRE A HISTÓRIA E SEU ENSINO NA


FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL

Cristiani Bereta da Silva – UDESC1


cristianibereta@gmail.com

E a professora nos apresenta, diz que vamos dar aulas pra eles, que somos
estagiários de História. Cada um fala um pouquinho de si, ficamos bem
tímidos, nos restringindo a “- Meu nome é tal, espero dar uma boa aula pra
vocês...” Quando o último a se apresentar fala isso um menino sai da sala e
comenta em voz alta: - “Se der nota alta nós vamos gostar”. (Carla2,
Relatório, 1º ano, turma 126, Instituto Estadual de Educação3, junho de
2006).

Foi durante a experiência da observação que nos deparamos com as


dificuldades cotidianas de uma sala de aula, não apenas pelo que os teóricos
escrevem, mas pela nossa própria vivência de observadores desse cotidiano.
(Marcela, Relatório, 1º ano B, Colégio de Aplicação4, junho de 20065).

Os excertos acima foram escritos por duas acadêmicas do Curso de História da


UDESC e fazem parte de um conjunto de narrativas construído para ser entregue como
Relatórios de Observação pelos alunos da disciplina de Metodologia e Prática de Ensino de
História II6, ministrada por mim, em 2006. Esses relatórios são sínteses escritas de vozes
múltiplas e dispersas, repertórios de impressões, sensibilidades, ausências e presenças sobre
práticas relativas ao ensino de História e a profissão docente. Bem por isso, entendo essas
narrativas como construções individuais capazes de possibilitar a emergência de um campo de

1
Doutora em História Cultural (UFSC, 2003). Professora do Departamento de História e dos Programas de Pós-
Graduação em História e em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
2
Pseudônimo. Destaco que todos os nomes citados nesse trabalho - estudantes ou o professor e a professora das
escolas campo de estágio, bem como os estudantes do Curso, autores/as dos Relatórios de Observação - são
fictícios, usados para preservar a identidade dos sujeitos envolvidos.
3
Daqui em diante o Instituto Estadual de Educação será referenciado pela sigla IEE.
4
Daqui em diante o Colégio de Aplicação da UFSC será referenciado pela sigla CA.
5
Todos os relatórios selecionados são de junho de 2006, portanto, daqui em diante o mês e o ano não serão mais
informados nas referências das citações.
6
Fez parte de um conjunto de três disciplinas oferecidas na sequência: Metodologia e Prática de Ensino de
História I (foi oferecida no segundo semestre de 2005), II (primeiro semestre de 2006) e III (segundo semestre
de 2006). Após a reforma da matriz curricular do Curso, aprovada em 2003 e implantada a partir do segundo
semestre de 2004, as disciplinas passaram a se chamar Estágio Curricular Supervisionado I, II e III.
2

investigação em que os sujeitos aparecem em ação, posicionam-se em relação ao saberes


histórico e docente, a outros sujeitos e narrativas e a si próprios.
A proposta desse trabalho7 é apresentar algumas considerações e análises sobre as
narrativas escritas de estudantes do Curso de História relativas à experiência de observação de
aulas de História na Educação Básica. Experiência essa percebida como portadora de
sentidos, mas também de “efeitos presença” (GUMBRECHT, 2010), pois parto da
compreensão que não apenas o tempo configura a experiência humana, mas também o espaço.
Na análise proposta, privilegiam-se os relatos individuais de 30 estudantes – 19
homens e 11 mulheres - que frequentaram a disciplina de Metodologia e Prática de Ensino de
História II, no primeiro semestre de 2006. A questão central que permeia as reflexões é a
formação inicial docente em relação à experiência da observação. Para a ampla maioria dos
acadêmicos o primeiro contato com a prática pedagógica se dá no momento da observação
das aulas, tradicionalmente uma das primeiras etapas da disciplina de Estágio. Etapa essa
portadora de sentidos que tensiona experiências e expectativas relativas ao desconhecido que
se reconhece e a expectativas não experimentadas. De todo o modo são observações que
evocam acontecimentos saturados de sentidos:
Somente naquele momento que realmente compreendi o quanto é
fundamental a figura do professor em sala de aula, e mais estranho ainda,
pois percebi que em pouco tempo, alguns meses apenas, quem estaria ali em
frente aos alunos seria eu. E a ficha caiu e o frio na barriga apareceu... (Ana,
1º ano, turma 127, IEE).

No dia 05 de maio entramos em sala de aula. Encontramos uma sala de aula


menor do que esperávamos e alunos mais novos do que nossa imaginação.
Também encontramos um ambiente familiar. Não há muito tempo atrás
estávamos nos em ambiente semelhante: uma sala de aula repleta de
adolescentes esperando o novo professor, fofocando sobre os boatos acerca
de sua aparência e ansiosos por mais um ano letivo, os novos colegas e as
novas experiências... (Marcela, 1º ano B, CA).

O primeiro contato com a sala de aula na condição de futuros professores é um


momento que pode ser bastante difuso, pois a experiência se desenvolve numa dupla condição
de posição de sujeito: a de estudantes e também a de futuros professores. Quando passam a
frequentar uma sala de aula pela primeira vez os estudantes do Curso de História não se
reconhecem nem como estudantes colegas daqueles outros estudantes que ali estão e nem

7
Estas reflexões constituem-se em recorte do projeto de ensino e de pesquisa O pensamento histórico de
crianças e adolescentes e o ensino de História na Educação Básica desenvolvido no Departamento História e
nos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UDESC. O projeto está em sua segunda edição.
Na primeira edição (2008-2010) contou com apoio da CAPES/PRODOCÊNCIA e, nesta segunda edição (2011-
2013), constitui-se em subprojeto da área de História no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a
Docência/PIBID/CAPES/UDESC.
3

ainda como professores. São sujeitos que habitam entrelugares, posições que envolvem
desafios permeados por medos, desconfortos, afetos e sensibilidades difíceis de precisar e
organizar até mesmo numa narrativa escrita ou numa análise como a que proponho.
Em que pese essas dificuldades acredito que os relatórios de observação individuais
suscitam questões absolutamente pertinentes para serem pensadas e debatidas por professores
do Curso de História, mas também, e principalmente, pelos graduandos do Curso e pelos
professores que recebem estes estudantes como estagiários nas escolas. Claro que está que as
observações fazem parte de percursos etnográficos e, nessa condição primeira trazem
descrições que, como toda a descrição - como bem lembra Geertz (1989) – é a de quem
descreve e não a de quem é descrito. Aqui subjaz a ideia de cultura que enreda os sujeitos em
teias de significado que ele mesmo teceu aos repertórios e itinerários de produção de sentido
sobre essas teias e suas tessituras (GEERTZ, 1989, p.13-15). As descrições narradas e
apresentadas em suportes textuais como “relatórios de observações” apresentam
possibilidades de pensar e de estranhar como um estudante vê, vivencia, interpreta e cria uma
narrativa sobre a História, seu ensino e a prática docente na Educação Básica. Esse conjunto
documental possibilita explorar complexas relações do processo dinâmico de construção dos
saberes docentes e da formação histórica adicionando elementos importantes aos significados
dessas práticas.
O período de observação nas escolas campo de estágio insere-se no processo de
reconhecimento do cotidiano das aulas de História e integra o conjunto de atividades
relacionadas ao estágio docente. A então denominada disciplina de Metodologia e Prática de
Ensino de História II, em 2006, dava continuidade às discussões relativas ao ensino de
História, introduzidas na disciplina de Metodologia e Prática de Ensino de História I, e
acrescentava um novo elemento: a participação dos acadêmicos – primeiramente como
observadores - nas turmas de História em que ocorreria o estágio. O primeiro semestre de
2006 incluía, assim, oito semanas de observação, além da construção e aplicação de um
questionário na turma, e de uma proposta de trabalho para ser desenvolvida no segundo
semestre, na mesma turma observada8.
Possivelmente a prática da observação nas disciplinas de estágio constitui em certa
tradição que remonta a obrigatoriedade da “Prática de Ensino” nos currículos das licenciaturas
(Parecer CFE n°. 292/62). Relatórios de observação, planos de estágio, relatórios de estágio
etc. são documentos que historicamente fazem parte do rito simbólico relacionado ao Estágio

8
Com algumas modificações esse formato subsiste nas disciplinas de Estágio Supervisionado I, II e III, no
presente.
4

Curricular Supervisionado. Esses documentos constituem-se em objetos privilegiados de


pesquisa e investigação já há algum tempo, nas áreas da História e da Educação9. Nesse
trabalho a abordagem pretendida é partir do olhar e das representações construídas pelos
estudantes do curso de História sobre a escola, a práticas pedagógicas, saberes históricos, os
alunos e os professores a partir de dispersões organizadas em forma de narrativa escrita.
Na condição de uma universidade Estadual, a UDESC possui convênio com todas as
escolas estaduais da região da Grande-Florianópolis e também com algumas escolas
municipais de Florianópolis, para a realização de estágio. Para além dessas escolas, há, pelo
menos, 15 anos o CA da UFSC10 também se constitui em campo de estágio do Curso de
História da UDESC. O CA da UFSC possui um ambiente que seduz e atrai nossos alunos,
pois a circulação de estagiários de diferentes área, as instalações e localização (dentro do
Campus da UFSC) e o envolvimento do corpo docente na formação inicial dos estudantes de
forma bastante objetiva, dá ao colégio um ar dinâmico e bastante positivo. Em diferentes
narrativas essa expectativa em relação ao CA é ressaltada:
A primeira impressão que tive quando cheguei ao Colégio de Aplicação, já
que até então não conhecia esse estabelecimento, foi a de que eu estava em
um “ambiente escolar” bem diferente das minhas experiências secundaristas.
O clima de um colégio de aplicação possui certas especificidades como, por
exemplo, o contato direto com as ideias que flutuam no âmbito acadêmico
(Ricardo, 1º ano C, CA).

Privilégio, esta foi uma palavra que escutei diversas vezes durante a
observação no Colégio de Aplicação (...) os professores diziam que eram
privilegiados por trabalharem lá e tentavam passar aos alunos a impressão de
que eles eram privilegiados por estudarem lá. Com o passar do tempo,
observando as aulas no CA e conversando com colegas que já estagiaram ou
estavam realizando a observação em outras escolas, percebi que talvez eu
também fosse privilegiada por estagiar ali (Carol, 1º ano C, CA).

Por estas e outras singularidades o trabalho no CA inevitalmente acaba servindo de


contraponto aos diálogos e reflexões sobre o ensino de História na Educação Básica nos
debates travados na disciplina de Estágio. Para seguir fomentando o debate - claro que não na
perspectiva de hierarquizar os espaços escolares, mas sim para atentar para as diferenças,

9
Apenas para ilustrar, cito alguns exemplos: NADAI, 1984; VILLALTA, 1992/1993; MESQUITA; FONSECA,
2007; CAINELLI, 2009.
10
O colégio foi criado em 1961, sob a denominação de Ginásio de Aplicação e com o objetivo de servir de
campo de estágio dos cursos de Didática (Geral e específica) da Faculdade Catarinense de Filosofia. Em 1970
passa ser denominado Colégio de Aplicação. Atualmente o CA encontra-se inserido no Centro de Ciências da
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Atende o Ensino Fundamental e Médio e funciona em
prédio próprio, no Campus Universitário, localizado no Bairro da Trindade, Florianópolis/SC. A partir da
Resolução n°13/CEPE/92 ficou estabelecido que o número de três turmas por séries, com 25 alunos cada uma. O
ingresso de alunos no Colégio passa a ocorrer via sorteio aberto à comunidade. Disponível em:
http://www.ca.ufsc.br/historico-do-ca/. Acesso em: 07 maio 2012.
5

semelhanças, problemas e demandas sociais apresentados em cada espaço escolar - tenho


procurado desenvolver estágio no CA, mas também em outra escola pública da região.
Sobre isso, faz-se importante ressaltar que a cada ano é o perfil da turma que indica
qual escola será previamente selecionada como campo de estágio, haja vista que o estágio (até
hoje) é desenvolvido em dois semestres na mesma escola e turma. Em 2006, a turma era do
período noturno, composta de número expressivo de estudantes que trabalhavam durante o
dia. Neste caso, além do Colégio de Aplicação, buscou-se uma escola que funcionasse
também no período noturno, caso do IEE11.
Naquele ano de 2006 a turma de estágio foi organizada em grupos três estudantes,
foram 10 grupos, sendo que seis grupos ficaram no Ensino Médio noturno do IEE e 4 grupos
no Ensino Médio matutino do CA. Era uma turma composta de 19 homens e 11 mulheres,
apenas três alunos estavam na faixa de idade entre 40 e 50 anos, os demais eram bastante
jovens entre 20 e 22 anos, aproximadamente. Desses, apenas duas estudantes já haviam tido
alguma experiência docente.
Importante destacar que as atividades relacionadas à observação, planejamento de
aulas e projeto de estágio foram reorganizadas em função do calendário de ambas as escolas
CA e IEE, modificados em função de greves. O CA iniciou as aulas em maio de 2006, pois
estava trabalhando com calendário já refeito, após a greve deflagrada em setembro de 2005. O
IEE iniciou o ano letivo em março, porém em abril, o magistério público estadual entrou em
greve retornando apenas em 02 de junho. Neste caso, os estudantes do curso praticamente
emendaram as semanas de observação com o inicio da docência. Normalmente fazia-se oito
semanas de observação entre abril e maio, sendo o mês de junho dedicado ao planejamento
das aulas e projeto. O trabalho na escola, com os estudantes ministrando aulas reiniciava na
última semana de julho ou primeira semana de agosto, dependendo do calendário da própria
escola.
Muito provavelmente a greve no IEE influenciou sobremaneira muito das impressões
dos estudantes sobre a sala de aula, a escola e os sujeitos relacionados a estes espaços. Todos
os relatórios de observação do IEE destacaram a significativa evasão das turmas e usaram

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Escola tradicional de Santa Catarina, o atual Instituto Estadual de Educação foi criado pelo então governador
do Estado, Tenente Manoel Joaquim Machado, em 1892 com o nome de Escola Normal Catarinense. Em 1926 a
Escola Normal Catarinense inaugura sua sede própria localizada na Rua Saldanha Marinho. Em 1947 recebe a
denominação de Instituto de Educação Dias Velho. Em 1964 o Colégio Estadual Dias Velho denominação
recebida em 1949, deixava o prédio da Rua Saldanha Marinho para transferir-se para o novo e definitivo prédio
na Avenida Mauro Ramos. Apenas em 1969 passou a chamar-se definitivamente Instituto Estadual de Educação.
Atualmente o IEE atende o Ensino Fundamental e Médio, além de oferecer o Magistério - Educação Infantil e
Séries Iniciais. Disponível: http://www.iee.sed.sc.gov.br/. Acesso em: 07 maio 2012.
6

muitas vezes palavras como desânimo e desesperança, para qualificar suas impressões. Como
Alfredo, que destaca o pessimismo da professora turma “A professora é sempre pessimista em
relação aos alunos, ela nos disse que alguns são semialfabetizados, mas a impressão que fica é
que ela desistiu deles” (1º ano, turma 126, IEE). Claudia observou o desânimo da professora
em relação ao resultado das avaliações feita com a turma “Ela mostrou-se muito desanimada
diante das respostas ou da falta delas nas avaliações entregues” (1º ano, turma 125, IEE).
Sobre o resultado das avaliações numa outra turma são os estudantes os observados por Carla
“Os alunos parecem tristes e humilhados” (1º ano, turma 126, IEE). Outro tom, mas nessa
mesma direção é assumido como preocupação e aparecem em diferentes narrativas:
Quero deixar registrada minha preocupação com a qualidade do ensino
público e muito mais ainda, com o ensino público noturno, feito, nesse caso,
em estabelecimentos com instalações amplas, com salas ambientes para
aulas mais enriquecedoras e que possui materiais modernos a disposição dos
professores, mas que apresenta tanta dificuldade para manter a frequência
dos alunos (Claudia, 1º ano, turma 125, IEE).

Entendo que o ambiente da sala de aula é um espaço singular e complexo, não apenas
porque se destina ao ensino-aprendizagem formal e contribui para a formação de valores,
identidades. Mas também porque reúne expectativas diversas que nem sempre se relacionam
estritamente com o ensino-aprendizagem formal. A sala de aula é um espaço caracterizado
especialmente por interações e relações sociais que, não raro, evidenciam tensões, hierarquias,
preconceitos diversos, embates regidos por regras que estabelecem e fixam posições de
sujeito (professor, aluno, estagiário etc.). Os estagiários são alertados dessas situações, textos
são estudados e discutidos, sobretudo e especialmente em relação ao cuidado em não apenas
julgar a prática docente ou as situações presenciadas na sala de aula. Contudo ao organizar
suas narrativas os estudantes também escrevem sobre si, também confrontam suas
expectativas. Isso fica bem claro quando escrevem sobre os docentes.
A professora é muito conteudista, trabalha em cima do livro didático do
autor Gilberto Cotrim (História para o ensino médio – Geral e do Brasil,
Editora Saraiva 3º edição) passa esquemas e resumos no quadro negro
(Sandro, 1º ano, turma 125, IEE).

As aulas eram ministradas no quadro-negro, baseadas no único recurso


didático identificado no período, o livro didático ou xerox dos capítulos. (...)
A professora em geral é disciplinadora, passa a maior parte do tempo com
expressão séria, inspira respeito ou temor. (Alceu, 2º ano, turma 220, IEE).

O professor está mais para o tradicionalismo didático do giz e da saliva.


Embora procure trabalhar a história com os fatos atinentes ao dia a dia dos
alunos. Procura trazer a novidade dos acontecimentos para a sala de aula.
7

Varia o foco da critica ora vivenciada no Plano Individual de Trabalho – PIT


– do Colégio de Aplicação, ora no movimento do passe livre, ora nos ataques
do PCC aos policiais civis e militares em São Paulo, nas crises internas e
externas do governo lula, no caso do mensalão e da Petrobrás com a
Bolívia... ”enfim, nossa missão é ser do contra”. Assim vai costurando sua
proposta de “fazer aula de história” e não “dar uma aula de história”. Porém,
sempre sobre o enfoque maniqueísta da luta de classe (Beto, 1º ano D, CA).

As representações dos professores como “tradicionais” é uma constante nos relatórios


dos estudantes em ambas as escolas. Penso que essas representações são recursos de
diferenciação dos estudantes “futuros professores” em relação aos “atuais professores”. Ao
criticar os professores, de geração precedente, os jovens e futuros professores parecem querer
reforçar sua condição de portadores de uma “nova e melhor forma de ensinar”. Isso fica
evidente, pois, logo após as críticas costumam aparecer longos trechos em que os estudantes
buscam projetar para o futuro formas de atuação que se diferenciem das práticas pedagógicas
observadas:
Como estagiário na turma 125 terei grande desafio, que é o de despertar o
interesse dos alunos pela disciplina de História, mostrar-lhes que a matéria
não é apenas o estudo do passado, ainda mais que teremos a oportunidade de
lecionar a história de Santa Catarina na República Velha. Trabalharei sempre
ligando o presente ao passado e vice-versa, buscarei ao máximo a
participação dos alunos, perguntando, explicando e debatendo o assunto,
talvez uma forma didática diferente da que a professora aplica em sala
resolva, para eles verem que a história faz parte da nossa vida (...) A história
é fundamental para a construção de uma nação, o povo brasileiro aceitou ao
longo de nossos 184 anos de independência uma série de falcatruas, de
golpes e contragolpes poucas vezes saiu às ruas para protestar contra estas
arbitrariedades, como no movimento da legalidade de 1961 e no Fora Collor,
em 1992. Tivemos uma grave crise política recentemente envolvendo o
governo federal, mas o povo nada fez, não foi às ruas protestar para acabar
com corrupção que devasta o país. Temos eleições e o mesmo lidera e
provavelmente irá se eleger, mas onde está a memória do brasileiro, a
educação pública cada vez mais precária vem cumprindo o mesmo papel que
cumpria durante a ditadura militar, manter o povo apenas como alfabetizado
e não como cidadão participativo (...) É isso que tenho que mostrar para
estes alunos, que a história acompanha o nosso presente e não está tão
distante como eles pensam, mas temos que desviar dos erros do passado e
buscar sempre os nossos direitos de cidadãos, e entre eles está a educação de
qualidade capaz de transformar o individuo e a nação (Sandro, 1º ano, turma
125, IEE).

O conteúdo propriamente dito começou no final da aula do dia 29 de maio.


Este correspondia a Revolução Francesa. O professor ministrou aulas sobre o
tema durante os dias 29, 2, 5, 9 e primeira aula dia 12. As aulas foram
expositivas e pouco dialogadas. Apresentando para os alunos uma história
factual e tradicional. Afirmou várias vezes coisas que, como estudante de
História e futura pesquisadora e educadora me preocuparam, principalmente
8

no que tange as questões de gênero. Nas aulas sobre Revolução Francesa os


únicos momentos em que ele fez referência a mulheres, foi para falar sobre o
estupro, que por sinal foi tratado de maneira bastante pejorativa. (...) Se
existe uma coisa que se tem certeza é da paixão do professor pelo que fala e
faz. Talvez por isso no questionário que aplicamos nos alunos estes
responderam que gostavam e não mudariam nada nas aulas de História,
porque as aulas são realmente envolventes, apaixonadas e sedutoras. Porém
não foi por esta história que eu me apaixonei no Colégio, acredito que se
tivesse estudado naquele colégio com aquele professor a minha visão sobre
História seria outra e possivelmente não teria escolhido como profissão. E
minha preocupação principal é essa, a influência que o professor exerce
sobre o aluno (Débora, 1º ano B, CA).

Os registros escritos dos estudantes são tomados como apropriações do presente, como
tensões entre efeitos de sentido e efeitos de presença. Estas questões estão presentes na
configuração de narrativas que acabam por refigurar a experiência vivida, sentida. A
narrativa, no sentido atribuído por Ricoeur (2010), seria como um desenho da experiência
humana no tempo que realiza uma “síntese do heterogêneo” uma “nova congruência no
agenciamento dos incidentes”. Partindo da ideia central de que é a narrativa que torna
acessível a experiência humana do tempo, o tempo só se torna humano através da narrativa,
Paul Ricoeur desenvolve a ideia de uma tripla dimensão da narrativa histórica descrita como
um tempo vivido e ainda não configurado; um tempo narrado, ou um mundo como um texto;
e o tempo refigurado, ou o mundo do leitor. Há uma dimensão da vida vivida, e não narrada,
que passa pela trama e chega ao mundo final do leitor seja pelas intenções do autor, pelos
sentidos da obra ou as percepções do leitor. A efetivação do texto na sua leitura seria uma
condição para que se revelem as suas possibilidades semânticas e se opere o trabalho de
refiguração da experiência; compreender a apropriação do texto uma mediação necessária à
constituição e à compreensão de si mesmo. A narrativa se dá como articulação temporal da
ação (RICOEUR, 2010).
Ricoeur também transpõe um limiar no qual o aparente conflito entre explicação e
compreensão é ampliado (2007) e assim contribui sobremaneira para a inteligibilidade dos
Relatórios de Observação. É como dimensão da experiência que se explicam os campos da
confrontação e negociação e se dá a primeira ancoragem para as narrativas públicas e oficiais
e as narrativas e memórias pessoais e autobiográficas. Para Ricoeur os graus de convergência,
ou não, entre a memória coletiva e as memórias autobiográficas indicam níveis de
identificação pessoal e os significados elevados, ou não, de símbolos como bandeiras e hinos.
É como uma “narrativa autobiográfica autenticada de um acontecimento passado” e à medida
que o narrador está implicado na cena narrada/vivida gera uma suposta confiabilidade e uma
suspeita sobre o que ele diz. (RICOEUR, 2007, p.172).
9

A narrativa de Débora permite, a partir de experiências localizadas e pessoais,


interrogar sobre o contato sociocultural de estudantes com outros grupos e temporalidades
mais amplas.
De início, coloco que este relatório reflete meu olhar sobre as aulas do
professor e sobre os alunos e alunas do 1º ano B e que por mais que eu tenha
tido o cuidado de construir o meu olhar segundo Madalena Freira Weffort,
sensível e pensante procurando afastar dele estereótipos cristalizados, ele
ainda continua a ser o meu olhar. E assim sendo, carrego com ele as
construções, visões e experiência adquiridos ao longo da minha formação
(Débora, 1º ano B, CA).

Inspirada em Foucault (2000) acredito que a tela “Las meninas” (1656) do pintor
espanhol Diego Velásquez é capaz expressar esse quadro traçado por Débora em sua
narrativa. Na tela aparecem o pintor Velásquez, a enfanta Margarida e suas irmãs, uma dama
de companhia, entre vários outros elementos. Mas a tela apresenta o olhar do Rei e da Rainha
que só aparecem na tela refletidos em um espelho muito pequeno, porém estão na frente. A
tela mostra o olhar deles sobre aquele momento e aquela pintura. Assim nestes relatórios,
como na tela, aparecem o professor e seus alunos e alunas, os estagiários seriam reflexos?
São eles que produzem as narrativas, para um leitor mais desatento, os estagiários poderiam
ser invisíveis nesse espaço cultural que é a sala de aula? Seu olhar seria o do pintor ou de
quem o pintor observa do quadro? São dispersões os quais os estudantes buscam organizar em
suas narrativas, fragmentos, mas também são presenças de repertórios que fazem parte do
cotidiano das aulas de História que eles acompanharam.
Ao discutir sobre a produção da presença, Gumbrecht (2010) sugere um repertório de
análise cultural que busca discernir sobre os efeitos de presença e os efeitos de sentido. Ele
distingue uma “cultura de presença” de uma “cultura de sentido”. O que diferencia uma da
outra é o papel do sujeito, ou subjetividade. Esse papel precisa de maior atenção, no processo
formativo dos futuros professores.
Acredito que a experiência da observação evidencia a própria formação histórica dos
estudantes, pois incide sobre a produção de um conhecimento experiencial a ser mobilizado
no exercício da docência. Além disso, destaco que ao organizar as observações em narrativas
escritas os estudantes acabam por atribuir sentido a sua identidade de estudantes de História,
na condição de futuros professores e historiadores e, por que não, a modos de existir e habitar
no mundo. Retomo aqui a ideia de que a narrativa torna acessível a experiência humana do
tempo de Ricoeur (2010), mas sem esquecer a importância do espaço na configuração dessa
experiência. Esse entendimento possui algumas aproximações com o sentido de formação
histórica no sentido que lhe atribui Rüsen (2007) como capacidade de constituição de uma
10

narrativa de sentido, a partir da apropriação histórica do presente, que exige que o sujeito
passe de uma a outra experiência com a estudante que ao analisar uma determinada situação
da sala de aula reflete sobre suas próprias expectativas em relação à futura profissão:
A professora entrega as provas corrigidas. Diz que 90% da sala deixaram as
questões discursivas (subjetivas?) em branco. Todos os alunos começam a
comentar das notas baixas. A professora dá as respostas da avaliação em voz
alta. E intercala com falas do tipo: “O pessoal não estuda, não abre o
caderno”. Ela manda todos refazerem a prova. (...) No ponto li a prova dela.
Achei tão difícil. Não conseguiria responder algumas questões. Será que
posso ser uma professora? (Carla, 1º ano, turma 126, IEE).

A Revolução Francesa foi a responsável direta pela construção dos Estados


nacionais e ponto. O objetivo principal é fazer os alunos decorarem uma
série de fatos e personalidades. (...) Uma avaliação superficial me faz pensar
que ao aplicarmos um projeto de aulas, como pretendemos no próximo
semestre os alunos sentiriam grande dificuldade em acompanhar uma
mudança no esquema habitual das aulas. Certamente isso não nos fará
desistir e nem recuar quanto ao formato que pensamos, até porque em
conversas com alguns deles, notamos alguma empolgação na formatação de
um novo esquema de aulas. (...) Provavelmente o que contará ponto ao nosso
favor, na atribuição das aulas, é que uma metodologia diferenciada tem
grande chance de motivar os alunos aos estudos. Fica clara a falta de
estímulo que os estudantes de nossa turma possui (Nelson, 1º ano, turma
126, IEE).

Segundo Rüsen (2007, p.95) a formação histórica significa o “conjunto das


competências de interpretação do mundo e de si próprio, que articula o máximo de orientação
do agir com o máximo de autoconhecimento, possibilitando assim o máximo de auto-
realização de reforço identitário”. Tal processo pressupõe a “capacidade de aprender os
contextos abrangentes – e de refletir sobre eles – nos quais se foram e se aplicam capacidades
especiais” (RÜSEN, 2007, p.95). A formação histórica implica a compreensão de duas
dimensões: primeiro como saber histórico, síntese da experiência com a interpretação e
orientação para a vida prática; e segundo, como processo de socialização e individuação que
trata da dinâmica de formação da identidade histórica.
Nesse sentido de formação fica claro que o aprendizado histórico não acontece apenas
no ensino de História, mas nos mais diversos e complexos contextos de vida. A formação
histórica se opõe criticamente a unilateralidade, à especialização excessiva e à fragmentação
do saber científico. É uma competência que articula níveis cognitivos e formas e conteúdos
científicos ao seu uso prático. Ao interpretarem diferentes dimensões relacionadas ao
microcosmo da sala de aula os estudantes e futuros professores mobilizam e constituem
11

saberes e sentidos sobre a História, seu ensino de História, práticas pedagógicas e suas
existências e identificações com as questões e problemas que lhe são inerentes.

REFERÊNCIAS

CAINELLI, Marlene Rosa. A história ensinada no estágio supervisionado do Curso de


História: a aula expositiva como experiência narrativa. História e Ensino. Londrina, vol. 15,
p.173-182, ago. de 2009.
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Uma arqueologia das ciências humanas.
Tradução de Salma Tannus Muchail. 8ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, 1989.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença. O que o sentido não consegue
transmitir. Tradução de Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC/Rio, 2010.

NADAI, Elza. Análise da prática pedagógica, o ensino de História no 2º grau: problemas,


deformações e perspectivas. Educação e Sociedade. São Paulo, vol. 19, p.134-146, ago. de
1984.
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