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P A I N E L 12

AVALIAÇÃO DAS
APRENDIZAGENS E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Cláudia Lemos Vóvio

Maria Amábile Mansutti

137
Diagnosticar o que sabem




os jovens e os adultos:




ponto de partida para a




aprendizagem*






Cláudia Lemos Vóvio



Ação Educativa/SP






O presente artigo tem como objetivo discu- buscando explicações e generalizações sobre as



tir a relevância e as diferentes dimensões do diferenças interculturais nos processos de pen-

processo de avaliação diagnóstica na Educação ○


samento. Um consenso entre esses investigado-


de Jovens e Adultos. Deu-se especial atenção res é que a escolarização, mais que qualquer

aos usos que o educador pode fazer de indica- outro fator, promove transformações no pensa-

dores coletados no processo de avaliação e à mento, gerando diferenças na maneira de en-



sistematização dessas informações para guiar frentar as tarefas propostas nas investigações

o planejamento e as escolhas didáticas para essa (Tulviste, 1991).



modalidade educativa. Uma pergunta subjacente a essas pesquisas



Nas sociedades ocidentais, urbanas e burocra- é a de como sujeitos pouco ou não escolarizados

tizadas, a escola tem como função a transmissão pertencentes a sociedades letradas operam

de uma parte da cultura historicamente cons- cognitivamente, já que convivem, em socieda-



truída, preparando os indivíduos para o com- des letradas, com situações nas quais a lingua-

partilhamento de práticas sociais valorizadas. A gem escrita é central. Nesse convívio, esses su-

linguagem escrita, os conhecimentos científicos jeitos tomam a linguagem escrita como objeto,

e o modo como são produzidos são os conteúdos refletindo sobre suas características e funciona-

mais relevantes de que se ocupa a escola, promo- mento, criam representações sobre sua função

vendo, dessa forma, o acesso dos indivíduos à social e elaboram estratégias e respostas às de-

cultura da qual fazem parte. Pode-se afirmar que mandas que essas práticas propõem.

a escolarização e o conseqüente domínio da lin- No caso do Brasil, 15,57% da população com



guagem escrita, além de serem elementos centrais 15 anos ou mais são considerados analfabetos

na socialização dos indivíduos, promovem a aqui- (IBGE, 1996), e 32,24% freqüentaram menos de

sição de um conjunto de conhecimentos, de ins- quatro anos de escola (IBGE, 1997). De modo

trumentos e de habilidades de pensamento que geral, pode-se afirmar que essa parcela substan-

condicionam a participação plena na sociedade cial da população não teve acesso aos modos

e o exercício da cidadania. de operar tipicamente letrados, por não com-



Muitos pesquisadores 1 se dedicaram ao es- partilhar de práticas culturais próprias da soci-


tudo comparativo entre sociedades letradas e edade da qual faz parte e, em conseqüência, de

não-letradas, investigando o funcionamento procedimentos, de modalidades de operação



cognitivo de pessoas em diferentes culturas, cognitiva e de conhecimentos característicos







* Relato de Experiência. Tema: Avaliação das aprendizagens dos alunos e a formação de professores.

1
Ver Luria (1990) que realizou, na década de 1930, uma pesquisa empírica com camponeses da Ásia Central. A constatação, originária

dessa e de outras investigações, de que a alfabetização e a escolarização são responsáveis pelo desenvolvimento de processos cognitivos

abriu um campo estimulante para o estudo da mente humana. Ver também os trabalhos de Goody e Watt (1968), Goody (1987), Ong (apud

Ribeiro, 1998), Olson (1995), Street (1984), Scribner e Cole (apud Werstch, 1988).

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PAINEL 12
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA

delinear objetivos, selecionar conteúdos e es-


das sociedades modernas. Como conseqüência,


jovens e adultos pouco ou não escolarizados, tabelecer formas do fazer docente adequadas



mesmo se encontrando imersos em situações às especificidades dessa modalidade de ensino



nas quais a linguagem escrita é central, esta- e público atendido.


riam alijados dessas práticas culturais, diferen- Os jovens e os adultos, antes mesmo de in-



temente daqueles que passaram pelo processo gressarem na escola, possuem uma série de co-



de escolarização. nhecimentos, pontos de vista, procedimentos,


crenças e valores, que se relacionam tanto di- 139


Pesquisas realizadas por Oliveira (1995 e


1998) têm trazido importantes insumos para a retamente como indiretamente ao que apren-



compreensão das diferenças no modo de ope- derão na escola. A consideração de que jovens



ração cognitiva de sujeitos não ou pouco e adultos são portadores de cultura e dominam


escolarizados, pertencentes a sociedades letra- uma série de conhecimentos, habilidades, pro-



das. A autora afirma que jovens e adultos ex- cedimentos e representações sobre a lingua-



cluídos do processo de escolarização, portanto gem escrita e outros domínios do conhecimen-



do compartilhamento de práticas culturais so- to não é nova para muitos professores e pes-


cialmente valorizadas, apresentariam diferen- quisadores, mas suas implicações para as prá-



ças na maneira como realizam operações ticas que se estabelecem em salas de aula são

cognitivas quando comparados aos modos ti- ainda pouco sistematizadas. A razão para co-

picamente letrados de pensamento. Oliveira nhecer o que eles já sabem se deve à consta-

(1995) aponta para a dificuldade de esses su- tação de que as pessoas quando deparam com

jeitos operarem com categorias genéricas e com determinada situação mobilizam aquilo que já

problemas cujas informações fogem ao contex- sabem para enfrentá-la. Quando uma pessoa

enfrenta uma nova aprendizagem, arma-se de


to concreto e à experiência pessoal (pensamen-


to descontextualizado); tomarem consciência uma série de conceitos, representações, valo-



sobre os próprios processos e ações intelectu- res, procedimentos e conhecimentos adquiri-



ais (procedimentos metacognitivos) e contro- dos ao longo de sua existência em experiên-


cias anteriores. São essas chaves de leitura e


larem a produção cognitiva no que tange à ca-


pacidade de seguir instruções e controlar as interpretação que permitem uma primeira



etapas envolvidas num processo. Indica tam- aproximação ao novo e condicionam, inicial-

bém que, para além da escola, outras ativida- mente, o que utilizar e como fazer para apren-

des desenvolvidas pelas pessoas poderiam con- der. Além de permitir esse contato inicial com

tribuir para o desenvolvimento de habilidades um novo conteúdo, esses conhecimentos pré-



cognitivas: o trabalho, a participação política vios são os fundamentos destinados à constru-



em movimentos sociais e sindicais ou, ainda, ção de novos significados e sentidos para o que

atividades que se desvinculam da experiência se aprende.



concreta das pessoas, que promovam a refle- Há muito por descobrir sobre como esses

xão e o distanciamento de rotinas. conhecimentos prévios são construídos, que



Sob essa perspectiva, a análise de como tipos de relações os educandos estabelecem ao


pessoas não ou pouco escolarizadas operam aprender algo novo e como tomá-los como re-

cognitivamente e participam de situações co- ferência para a elaboração de currículos e pla-



municativas pode oferecer importantes infor- nos de ensino. Esforços devem ser empreendi-

mações para que se possa compreender e ex- dos no sentido de explicar como jovens e adul-

plicar as estratégias e os procedimentos que tos adquirem conhecimentos, como formulam



elas usam, distintos daqueles mecanismos uti- suas teorias e crenças em diferentes campos do

lizados por pessoas que passaram pelo proces- conhecimento. Para o professor, esse é um cam-

so de escolarização e, conseqüentemente, do- po investigativo novo, no qual há muito por se


minam a escrita e dela fazem uso. No caso da fazer, referindo-se basicamente a uma etapa do

Educação de Jovens e Adultos, é o ponto de processo de avaliação: a avaliação diagnóstica



partida para estabelecer diretrizes curriculares, ou inicial.



Avaliação diagnóstica nos três domínios: a disposição dos alunos para



aprender, os instrumentos e as habilidades de


ou inicial: o que é e para


que dispõem e sua bagagem de conhecimentos


que serve?


prévios. Uma avaliação diagnóstica ou inicial é


essencial para que se tome conhecimento do


Durante muito tempo, a avaliação restringiu-


que os alunos já sabem, quais procedimentos


se ao levantamento de informações sobre os re-


dominam, que atitudes os predispõem ou in-


sultados de aprendizagem obtidos pelos alunos,


dispõem para realizar a aprendizagem do con-
que eram tidos como únicos responsáveis pelo


teúdo em pauta. Tendo essas informações, o


sucesso ou pelo fracasso escolar. Hoje, sabe-se


educador pode ajustar seu plano de interven-


que o ato de avaliar pode servir a outros fins que


ção pedagógica, adequando-o às condições em


não se restringem apenas a saber se o aluno al-
que seus alunos se encontram.


cançou ou não certos objetivos de aprendiza-



gem. A avaliação engloba diferentes sujeitos e

objetos e possui diversas funções, especialmen- ○


A disposição dos educandos
te quando é concebida como um elemento do
para aprender

planejamento e como uma prática que integra o



processo de ensino e aprendizagem. Os jovens e os adultos apresentam uma de-



As práticas pedagógicas englobam sempre terminada disposição para realizar as aprendi-


zagens escolares. Essa disposição ou modo


mais que um sujeito: os educandos e os educa-


dores. Assim, devemos considerar que a avalia- como abordam a situação de aprendizagem é,

ção tem de focalizar tanto o processo de apren- em muitos casos, previsível e pode ser explicada

dizagem quanto o tipo de ensino que se pro- por inúmeros fatores de tipo pessoal e social. A

auto-imagem e a auto-estima, suas experiências


move. Quando focalizada no aluno, a avaliação


se torna instrumento de análise do processo de anteriores de aprendizagem, sua capacidade de



aprendizagem e verifica o desenvolvimento de assumir riscos, sua persistência diante de de-



competências (capacidades, habilidades e ati- safios, sua capacidade de pedir, receber e ofe-

recer ajuda, são alguns aspectos do tipo pessoal,


tudes, a aquisição de conhecimentos e sua ca-


pacidade de aplicá-los em diferentes situações). aspectos subjetivos que influem no desempe-



Quando focalizada no educador, a avaliação se nho deles diante da aprendizagem.



torna instrumento de análise do processo de Relacionados aos fatores de ordem pessoal,



ensino planejado e executado, de suas expec- temos fatores sociais, tão importantes de serem

tativas em relação ao grupo ou a cada aluno, da identificados como os anteriores. Reconhecer



adequação dos conteúdos e das estratégias di- as condições de vida e sociabilidade dos

dáticas. Nessa perspectiva, a avaliação se pres- educandos nos dá pistas para planejar situações

ta ao acompanhamento do processo de apren- de aprendizagem. A idade, as características


socioculturais, a inserção ou não no mundo do


dizagem de cada aluno e do grupo de alunos e,


ao mesmo tempo, à regulação do planejamen- trabalho, o local de moradia, a relação com o



to e à verificação de sua adequação às necessi- lazer e a produção cultural, entre outros, são

dades de aprendizagem. elementos que variam de modo significativo e


podem ser decisivos na seleção do que e como


Outro equívoco freqüente relativo à avalia-


ção é a visão de que é algo que deve ser realiza- ensinar.



do apenas no final de alguma etapa do proces- Além desses, outros elementos, como a re-

so de ensino e aprendizagem. Na realidade, a presentação inicial dos alunos sobre seu pro-

avaliação só terá um valor educativo para o alu- fessor e seus colegas, sobre o conteúdo e a ta-

no e para o educador se for encarada como pro- refa propostos (e seu interesse por ela) também

cessual, que integra a prática educativa do iní- influem diretamente no modo como se posicio-

cio ao fim. O ponto de partida para a aprendi- nam diante da aprendizagem e no sentido que

zagem dos alunos implica investigar pelo me- lhe atribuirão.


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PAINEL 12
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA

Para levantar informações desse tipo, é pre- colarização, pode-se consultar documentos



ciso saber dialogar, ouvir e observar os educan- como:



dos – pressupõe uma postura investigativa por • os Referenciais Curriculares dos ciclos



parte do professor. É preciso se deixar levar pela anteriores, verificando quais competências


curiosidade de saber quem são, de ouvir suas estavam previstas para serem desenvolvidas



histórias de vida, de identificar os desafios que pelos alunos;



enfrentam cotidianamente, e prestar atenção ao • os planos de ensino e os registros de ativida-


que dizem, de observar como e por que se mo- 141


des dos professores que acompanharam seu


bilizam. Entrevistas individuais e em grupos, grupo numa série anterior;



dinâmicas de apresentação, fichas de apresen-


• os resultados de determinadas atividades ela-


tação feitas pelos alunos, produções de textos boradas pelos alunos, como relatórios de pes-


podem ser bons instrumentos para identificar


quisa, produções textuais, trabalhos de final


as condições de vida e a disposição para apren- de curso, provas finais, entre outros materiais;



der dos educandos.


• os dossiês de alunos, relatórios ou boletins,


nos quais se possa identificar seu desempe-


Os instrumentos, as

nho diante de situações de aprendizagem;

estratégias e as habilidades ○

• os livros didáticos utilizados em séries ante-
riores.
para aprender



Os jovens e os adultos dispõem de determi-


Os conhecimentos prévios

nadas capacidades, instrumentos, estratégias e



habilidades gerais, que colocam em jogo dian- Os jovens e os adultos, antes mesmo de in-

te de situações de aprendizagem. As capacida- gressarem na escola, possuem uma série de co-



des cognitivas são ferramentas do pensamen- nhecimentos, pontos de vista, crenças e valo-

to, como a capacidade de abstrair, generalizar, res, que se relacionam tanto direta como indi-

pensar sobre o próprio pensamento, planejar retamente ao que aprenderão na escola. Esses

etapas para desenvolver determinada ativida- conhecimentos são construídos nas experiên-

de, controlar e avaliar o próprio processo de cias de vida e de trabalho, sendo gerados como

pensamento. respostas a necessidades e a problemas. Funcio-



Além dessas capacidades, contam ainda nam para o contexto em que foram desenvolvi-

com instrumentos, como a linguagem escrita e dos, mas não são generalizáveis e, muitas ve-

a representação numérica, e com habilidades, zes, não são representados segundo normas e

geralmente aprendidas no trabalho e em expe- convenções disseminadas pela escola.



riências anteriores na escola, como tomar me- Além de permitir o contato inicial com um

didas, prever e planejar ações, tomar notas, su- novo conteúdo, esses conhecimentos prévios

blinhar, resumir, ter estratégias para pesquisar, são os fundamentos da construção de novos sig-

entre outras. nificados e sentidos para o que se aprende. Uma



Descobrir quais capacidades, instrumentos aprendizagem é tanto mais significativa quan-



e habilidades possuem é também um fator de- to mais relações o aluno for capaz de estabele-

cisivo para a organização de situações de apren-


cer entre o que já conhece e o novo conteúdo


dizagem. Trata-se de saber se dispõem das fer- que lhe é apresentado como objeto de aprendi-

ramentas necessárias para enfrentar a ativida- zagem.



de planejada. Os próprios alunos são fontes fun- O ponto de partida para novas aprendiza-

damentais para identificar os recursos de que


gens consiste nos conhecimentos prévios dos


dispõem e aqueles que o professor precisa de- alunos. Sempre que se inicia uma nova apren-

senvolver para que realizem determinada tare- dizagem, é preciso saber o que os alunos já sa-

fa. No caso de esses educandos terem passado bem e partir dessas constatações para regular

por outras turmas ou séries do processo de es-


as etapas, rever a seleção do que se pretende



ensinar, prever o que deve ser enfatizado ou


alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. B. (Org.). Os


diminuído, que recursos poderão colaborar significados do letramento: uma nova perspectiva so-



bre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das
para a aprendizagem (textos, imagens, gráficos,


Letras, 1995. p. 7-61.


filmes etc.), entre outras ações.
OLIVEIRA, M. K. Processos cognitivos em situações da vida


O professor pode adotar dois critérios bási-


diária: um estudo etnográfico sobre migrantes urbanos.


cos para identificar os conhecimentos prévios Palo Alto – EUA: Universidade de Stanford, 1982.



dos educandos: . Letramento, cultura e modalidades de pen-


• as competências que se quer desenvolver e os samento. In: KLEIMAN, Angela B. (Org.). Os significa-



conteúdos a serem aprendidos, ou seja, o que dos do letramento: uma nova perspectiva sobre a práti-


ca social da escrita. Campinas: Mercado das Letras,


os alunos precisam para poder entrar em con-


1995. p. 147-160.
tato, desenvolver e atribuir significado inicial


. Escolarização e organização do pensamen-


ao que se pretende que eles aprendam;


to. Revista Brasileira de Educação , São Paulo, (3): 97-


• os objetivos da aprendizagem, isto é, o que se 102, set./dez. 1996.



quer que os alunos aprendam sobre esses con- . Organização conceitual em adultos pouco
teúdos. ○

○ escolarizados. In: OLIVEIRA, M. K.; OLIVEIRA, M. B.
(Orgs.). Investigações cognitivas : conceitos, linguagem

Conhecer os educandos demanda do pro-


e cultura. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 81-100.

fessor uma atividade que se realiza pelo menos


. Três questões sobre o desenvolvimento


em três dimensões. Implica construir instru-


conceitual. In: OLIVEIRA, M. K.; OLIVEIRA, M. B. (Orgs.).


mentos, delinear estratégias e criar mecanismos Investigações cognitivas : conceitos, linguagem e cultu-

de registros mediante os quais se identifiquem ra. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 55-64.

a disposição dos educandos para aprender; as OLSON, D. R.; TORRANCE, N. et al. Educação e desenvol-

vimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2000.


capacidades, os instrumentos, as estratégias e

RIBEIRO, Vera M. Masagão. Alfabetismo e atitudes: pes-


as habilidades que possuem para aprender, e os


quisa junto a jovens e adultos. São Paulo. Campinas:


conhecimentos, as informações e os fatos ad-

Ação Educativa/Papirus, 1999.


quiridos por eles nas atividades sociais de que


STREET, B. V. Literacy in theory and practice . Cambridge:


participam. Enfim, radiografar e compreender Cambridge University Press, 1984.



o que se passa dentro de suas cabeças, o que TULVISTE, P. The cultural-historical development of verbal

sabem, o que desejam, o que os motiva para thinking. New York: Nova Science, 1991.

VÓVIO, C. L. Duas modalidades de pensamento: pensamen-


aprender é uma estratégia privilegiada para

to narrativo e lógico-científico. In: OLIVEIRA, M. K.;


adequar o ensino às suas necessidades e expec-


OLIVEIRA, M. B. (Orgs.). Investigações cognitivas: con-


tativas de aprendizagem. ceitos, linguagem e cultura. Porto Alegre: Artmed, 1999.



p. 114-142.

. (Coord.). Viver, aprender: educação de jo-



Bibliografia vens e adultos (4 volumes). São Paulo/Brasília: Ação


Educativa/MEC, 1999.

COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. São Pau- VÓVIO, C. L.; JOIA, O. Alfabetização de jovens e adultos :

lo: Ática, 1998. diagnosticando necessidades de aprendizagem. Brasília:



GOODY, J. Language and writting. The interface between SEF/MEC, 1996.


the written and the oral. Cambridge: Cambr idge VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo:

University Press, 1987. p. 258-289. Martins Fontes, 1994.


IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílio: 1995. VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Lingua-

Rio de Janeiro: IBGE, 1996. gem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:


. Contagem da população: 1996. Rio de Ja- Ícone, 1994.



neiro: IBGE, 1997. WERTSCH, J. V. Vygotsky y la formación social de la mente:


cognición y desarrollo humano. Barcelona: Paidós, 1988.


KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de











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PAINEL 12
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA

Avaliação: aspecto curricular




que garante mudanças na




prática educativa dos




professores e êxito nas




aprendizagens dos alunos 143





Maria Amábile Mansutti



PCN em Ação – SEF/MEC






Resumo


1. A perspectiva atual que tem orientado a cons-


trução dos currículos escolares. Nas últimas



Este texto pretende trazer alguma contribuição décadas, os currículos estão voltados para o

para os educadores que atuam na Educação de Jo- ○

desenvolvimento de capacidades e compe-
tências fundamentais para o exercício da ci-

vens e Adultos e estão preocupados com a questão


dadania e colocam em relevância o contexto


da avaliação, reconhecendo que as práticas rotinei-


social em que se produz a aprendizagem dos

ras muitas vezes são utilizadas como atos de uso e


alunos. É essa perspectiva que tem orienta-


abuso de poder e, de modo geral, contribuem para


do a elaboração dos documentos curricula-


que o fracasso escolar seja encarado como fracas-


res recentemente produzidos pelo MEC.

so pessoal do aluno.

2. O reconhecimento de um distinto e singular


Ele apresenta idéias sobre a construção de uma


perfil da clientela da Educação de Jovens e


avaliação democrática, que respeita o direito de os


alunos serem informados sobre seus processos de Adultos. Essa clientela caracteriza-se pela he-

terogeneidade de experiências, demandas,


aprendizagem e critérios utilizados para avaliá-los


necessidades e motivações, pelo domínio de


e de serem orientados e ajudados em suas dificul-


um amplo e diversificado rol de conhecimen-


dades. Sem informação não é possível promover

tos, construídos a partir da experiência do co-


participação, reflexão, compreensão de erros e êxi-


tidiano, e por peculiares disponibilidades


tos e, também, não é possível garantir que os alu-


para novas aprendizagens.


nos assumam responsabilidades perante a própria


aprendizagem e se sintam estimulados para pro- A avaliação como elemento constituinte do



gredir. currículo e a tomada de decisões direcionadas


para o aprimoramento das aprendizagens dos


Mais que isso, o texto aponta a necessidade de


que os alunos participem efetivamente dos proces- alunos são questões-chave para quem ensina no

sos de avaliação, por meio de negociações e acor- segmento de jovens e adultos.



dos estabelecidos com o professor, nos quais se Se, por um lado, somos conscientes de que

definem objetivamente as finalidades, as ações, as mudanças na definição de objetivos, na manei-



condições de realização, as responsabilidades e a ra de conceber a aprendizagem, na interpreta-



colaboração na tomada de decisões. ção e na abordagem dos conteúdos implicam



repensar as finalidades da avaliação, por outro


lado, também sabemos que é por meio da ava-



liação praticada que revelamos nossas incoe-


Introdução

rências pedagógicas.

As análises e as considerações sobre avalia- Por mais que compactuemos com as idéias

ção tratadas neste texto pressupõem que se to- inovadoras sobre currículo e afirmemos que

mem como eixo central dois aspectos a partir elas orientam nosso trabalho em sala de aula, a

dos quais elas foram construídas. forma como avaliamos os alunos é que mostra

o quanto nosso desejo está sendo concretiza- • Considerar a aprendizagem um amplo proces-



do. A avaliação põe a descoberto o chamado so em que o aluno vai reestruturando seu co-



currículo oculto dos professores, e é por ele que nhecimento por meio das atividades que lhes


são propostas.


se reconhecem facilmente os objetivos implí-


citos, que seguramente foram promovidos de


• Buscar estratégias e seqüências didáticas ade-


forma significativa e os alunos perceberam quadas às condições de aprendizagem dos



como mais importantes. alunos.


Portanto, a prática pedagógica efetivamente


• Ampliar os conhecimentos do professor so-


exercida e a avaliação praticada são atividades


bre os aspectos cognitivos dos alunos. Com-


inseparáveis, que se condicionam mutuamente. preender como o aluno aprende, identificar



Infelizmente, também sabemos que, de modo suas representações mentais e as estratégias


geral, a avaliação é o aspecto do trabalho docente


que utiliza para resolver uma situação de


que menos tem motivado o professor e talvez aprendizagem.



mais o aborreça, enquanto para os alunos é a

• Interpretar os erros não como deficiências

atividade mais temida e menos gratificante.
pessoais, mas como manifestação de um pro-

Se for legítimo o desejo de aprimorar a prá-


cesso de construção. A construção do conhe-


tica pedagógica, no sentido de que ela contri-


cimento supõe a superação dos erros por um


bua significativamente para a aprendizagem processo sucessivo de revisões críticas. Con-



dos alunos, temos de começar a construir esse siderar os erros como objetos de estudo, uma

caminho revendo a avaliação.


vez que eles revelam as representações e as


estratégias dos alunos.



O caminho percorrido

• Diagnosticar as dificuldades dos alunos e


ajudá-los a superá-las.

Aos poucos, estamos abandonando a idéia


• Evidenciar aspectos de êxito nas aprendi-


de avaliar como prática para medir resultados,


zagens.

em prol de outra idéia que a considera como


prática de análise do processo e identificação Influenciados por essas idéias, os profes-



de obstáculos à aprendizagem. sores têm tentado, ainda que em tímidas ex-



Isso se deve à forte influência da perspecti- periências, modificar suas práticas de avalia-

va construtivista, que preconiza a aprendiza-


ção. Assim, procuram identificar os conheci-


gem como uma construção do sujeito, para a mentos iniciais dos alunos sem recorrer a pro-

qual concorrem, em igual nível de importância, vas e testes; buscam com mais freqüência

as idéias prévias sobre o que se está aprenden- adaptar as programações em função de resul-

do, a compreensão da proposta apresentada e


tados de diagnósticos iniciais; detectam erros


as estratégias mobilizadas para resolvê-la. e dificuldades, reforçam êxitos nas aprendiza-



No interior dessas novas idéias, surge uma gens. Enfim, procuram observar não só os re-

nova concepção de avaliação. Avaliação como sultados, mas também os processos de apren-

processo ou avaliação formativa, termo intro-


dizagem de seus alunos.


duzido em 1967 por M. Scriven para se referir Porém, essas experiências também têm co-

aos procedimentos utilizados pelos professores locado dificuldades de ordens diversas e bas-

com a finalidade de adequar seu trabalho aos tante complexas para os professores, como, por

progressos e às necessidades de aprendizagem exemplo: identificar as causas que provocam



dos alunos. erros na aprendizagem, decidir sobre a inter-



Embora ainda não seja amplamente prati- venção adequada para superar determinadas

cada, a avaliação formativa não é uma novida- dificuldades dos alunos, realizar a avaliação

de para os professores, e podemos afirmar que, formativa em classes numerosas ou, quando o

no plano das representações, há um certo con- professor atua em várias turmas, dispor de tem-

senso em relação à sua relevância e à compre- po e instrumentos apropriados para recolher



ensão de seus aspectos mais importantes: informações etc.


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PAINEL 12
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA

Para avançar, no sentido de encontrar res- tos de auto-avaliação que propiciem a cons-



postas para essas questões, é preciso inicial- trução de um sistema pessoal para regular



mente considerar que a avaliação não pode ser seus processos de aprendizagem.



um processo de responsabilidade única do pro- Esses novos aspectos imprimem um cará-


fessor, uma vez que ela implica uma grande


ter comunicativo e abrem novas perspectivas


quantidade de decisões a serem tomadas, em para a avaliação, uma vez que propõem a



distintas singularidades de cada situação didá- interação e a gestão social da aula e possibili-


tica que se avalia e em supor os contextos hete- 145


tam compartilhar responsabilidades sobre a


rogêneos em que ocorrem as aprendizagens. É aprendizagem. Eles direcionam o professor a



preciso, portanto, incorporar outros aspectos buscar estratégias didáticas alternativas que



que permitam ao professor compartilhar a ava- auxiliem o aluno a aprender a aprender.


liação e poder praticá-la com a função de regu-



lar o processo de ensino e aprendizagem. Isso
Estratégias propostas pelo professor



implica buscar informações para compreender
que podem promover o processo de



como cada aluno atua diante das tarefas pro-
auto-regulação da aprendizagem

postas e possibilitar os meios de formação que



respondam adequadamente às características

particulares desses alunos. Comunicar objetivos e comprovar as



representações construídas pelos alunos


Aspectos que precisam ser


Experiências realizadas em sala de aula evi-


incorporados pelo professor para


denciam que os alunos aprendem de maneira


pensar a avaliação como função


mais significativa quando conseguem reconhe-


reguladora da aprendizagem cer o que o professor quer lhes ensinar e de que



maneira ele pensa fazê-lo. Os estudantes preci-


• A aprendizagem se concebe como uma cons-


sam ser informados sobre o que vão aprender e


trução pessoal do sujeito que aprende, influen-


por que determinadas atividades estão sendo


ciada tanto pelas características pessoais – es-

propostas. É preciso fazer que eles construam


quemas de pensamento, idéias prévias, moti-


vação, experiências anteriores etc. – como pelo uma representação do produto final que se es-

contexto social em que ela se desenvolve. pera de cada atividade e dos resultados que se

pretende alcançar.

• O êxito na aprendizagem também é garantido


Para tanto, é preciso formular os objetivos,


pelas mediações que se produzem entre o alu-


de modo que possam ser compreendidos pelos


no e o professor, entre o aluno e os demais. Em


função de esquemas de conhecimentos diver- alunos. Certamente não basta enumerá-los tal

qual estão formulados no currículo. É preciso


sos e de contextos culturais diferentes, os alu-


nos nem sempre percebem, da mesma manei- planejar atividades que facilitem, para os alu-

ra, as demandas do professor. Por isso, é neces- nos, o reconhecimento das intenções do pro-

sário promover processos de negociação que fessor. As atividades podem ser simples, mas

possibilitem aos alunos compartilhar as mesmas precisam estar voltadas para os interesses dos

idéias sobre os objetivos a serem atingidos. alunos, de modo que eles se sintam envolvidos

• A aprendizagem pode ser favorecida se os na sua realização.



alunos se apropriarem progressivamente, Essa estratégia tem dupla função: situar para

os alunos o que se pretende que eles aprendam,


por meio de situações didáticas adequadas,


dos instrumentos e dos critérios de avalia- os conteúdos pelos quais se inicia o estudo, e

ção do professor. permitir a cada um deles construir uma primei-



• A autonomia dos alunos é promovida quan- ra representação do que se quer atingir com a

seqüência didática proposta. Desse modo, o


do o professor compartilha com eles o con-


trole e a responsabilidade sobre suas apren- caráter unidimensional e estático dos objetivos,

dizagens, mediante estratégias e instrumen- que são formulados pelo professor, torna-se


multidimensional. Cada estudante percebe os Possibilitar aos alunos a apropriação dos



objetivos de maneira pessoal e evolutiva, uma critérios e dos instrumentos de avaliação



vez que suas percepções irão se modificando Não é comum que os professores explicitem



durante a aprendizagem e incorporando novos para os alunos os instrumentos e os critérios


elementos. Esse processo, que tem por base a


que utilizam para saber quem aprendeu deter-


comunicação, é conduzido por negociações


minado conteúdo. De modo geral, parece que


constantes entre professor e alunos e acordos os professores interiorizam esses critérios de


que visam ao aprimoramento da aprendizagem.


forma intuitiva e não sentem necessidade de



objetivá-los. Na prática, essa atitude pode fa-


Favorecer aos alunos o exercício da


zer que, numa situação de avaliação, se avaliem


antecipação e planificação das ações conteúdos que não são representativos das



A antecipação é uma espécie de predição aprendizagens promovidas em sala de aula ou



sobre resultados esperados em razão de ações que se modifiquem os critérios de correção di-


e caminhos previstos para chegar aos objetivos ante dos procedimentos utilizados pelos alunos.

propostos. A planificação é a concepção de um Portanto, parece adequado explicitar para



plano de trabalho que poderá ser modificado os alunos os critérios que serão considerados

em função dos resultados que forem sendo ob- para decidir sobre o entendimento de um con-

tidos no decorrer de seu desenvolvimento. ceito, de um procedimento ou de uma atitude


Planificar implica combinar três elementos: esperada na realização de um trabalho. É pre-



os objetivos, ou finalidades, as ações e as con- ciso ensinar aos alunos como identificar as in-

dições de realização. Na planificação, revela-se tenções do professor e as exigências dele. Além



o conhecimento disponível nos alunos e os co- de comunicá-las, o professor precisa prever si-

nhecimentos a serem construídos por eles. tuações que propiciem a legitimação dos crité-

O aluno que sabe antecipar e planificar é ca- rios e dos instrumentos de avaliação pelos alu-

paz de representar mentalmente as ações que vai nos, o que pode ser feito por meio de auto-ava-

realizar para ter êxito na resolução das tarefas. liação, da avaliação mútua e da avaliação com-

Na realidade das salas de aula, constata-se, partilhada pelo aluno e pelo professor.

com freqüência, que os alunos não têm o do- Para que os alunos aprendam a auto-regu-

mínio dessas capacidades, que são decisivas lar suas aprendizagens, é preciso criar disposi-

para se obter êxito nas aprendizagens. Eles pre- tivos pedagógicos facilitadores, como, por

cisam que o professor lhes ofereça situações


exemplo, propor unidades didáticas estru-


didáticas que facilitem o desenvolvimento des- turadas e seqüenciadas em etapas de aprendi-



sas capacidades. zagem, que possibilitem: um bom domínio dos



Ao planejar essas situações, é preciso que o conteúdos envolvidos; construir uma represen-

professor esteja atento ao fato de que a lógica tação adequada dos objetivos e dos critérios de

de quem está aprendendo é diferente da lógica avaliação; realizar com segurança a antecipa-

da disciplina ou do especialista. Quem apren- ção e a planificação das ações. Isso supõe um

de precisa construir uma representação da ação planejamento prévio pelo professor, que depois

a ser executada, incluindo todas as ações inter- será apresentado e negociado com os alunos.

mediárias necessárias para alcançar o resulta- Nesse processo, sobressaem-se o diálogo e as



do pretendido. Muitas vezes o professor já verbalizações, que facilitam a explicitação e a



interiorizou as ações intermediárias e não pro- análise das representações dos alunos e seu

picia aos alunos a oportunidade de identificá- conseqüente aprimoramento.


las, o que pode constituir um obstáculo para os


Com a incorporação dos aspectos comunica-


alunos atingirem os objetivos, uma vez que não tivos, completa-se o quadro que permite indicar

conseguem, sozinhos, preencher essas lacunas. as duas dimensões primordiais da avaliação:



A capacidade de antecipar e planificar ajuda a • A dimensão social, que é a de fornecer aos alu-

minimizar essa dificuldade. nos informações sobre o desenvolvimento das



146
PAINEL 12
Avaliação das aprendizagens e formação de professores – EJA

capacidades e das competências exigidas so- Mapas conceituais. Para realizar diagnósticos,



cialmente e auxiliar os professores a identifi- para explorar e aprofundar conteúdos, para



car os objetivos atingidos, com vistas a reco- orientar a sistematização de conhecimentos,


nhecer as capacidades e as competências dos para verificar aprendizagens.



alunos que favorecem a inserção deles no mer- Atividades que utilizam linguagem escrita ou


cado de trabalho e possibilita maior partici-


oral. Memórias, diários, redação de cartas,


pação na vida sociocultural.


poesias, crônicas, músicas e jogos, diálogos,


• A dimensão pedagógica, que é a de fornecer histórias em quadrinho. 147



aos professores e aos alunos informações so- Atividades de culminância de uma unidade


bre como está ocorrendo a aprendizagem, so-


didática. Projetos, campeonatos, olimpíadas,


bre os conhecimentos prévios e os conheci-


seminários, exposições, portfólios.


mentos adquiridos, sobre os raciocínios de-


senvolvidos e as representações construídas,



sobre valores e hábitos dos alunos. A partir


O portfólio como estratégia


dessas constatações, será negociada a realiza-


ção das revisões e das reelaborações de con-


de avaliação

ceitos e procedimentos ainda parcialmente


consolidados. ○

O portfólio pode ser visto como um recurso
para processar informações por meio da expres-

são oral e escrita, ferramentas indispensáveis


Estratégias e instrumentos para a aprendizagem. Trata-se de uma coleção



de trabalhos realizados pelo aluno, no decorrer


que podem ser utilizados para

de uma unidade didática, que evidenciem seus


avaliar as aprendizagens

acertos, habilidades, criatividade, interesses,


esforços, áreas fortes e vulneráveis, melhores


Contrato didático. Texto no qual se registram


idéias etc.

as negociações e os acordos realizados entre


professor e alunos, indicando objetivos a se- Para orientar a organização do portfólio,



rem atingidos, conteúdos a serem estudados, inicialmente, o professor precisa pensar em al-

tarefas a serem realizadas, responsabilidades gumas questões.



a serem cumpridas. O contrato didático tam- • O que os alunos vão aprender?



bém pode conter acordos sobre organização, • Que atividades são importantes e necessárias

comportamentos e atitudes, tempo e outros


que eles realizem?


aspectos importantes para a realização do tra-


• As tarefas propostas são uma mostra válida de


balho. A avaliação consiste na análise do cum-


suas capacidades? São representativas dos


primento desses acordos e na tomada de de-

processos e dos produtos desenvolvidos no


cisões sobre as ações necessárias para corrigir


decorrer do trabalho?

erros e melhorar o rendimento.


• Como vou avaliar o progresso dos alunos?


Observação do professor. Registros abertos de


fatos, acontecimentos, conversas, comentá- • Que oportunidades serão oferecidas para que

rios, e registros estruturados com pautas de os alunos possam fazer perguntas, revisar e

observação de aspectos predeterminados. refinar estratégias e procedimentos?



Testes e provas. Rotineiros, desafiadores, pro- • Minhas expectativas quanto às aprendizagens


dos alunos são adequadas? Quais critérios me


va em grupo seguida de prova individual, tes-


tes-relâmpago, testes cumulativos. servem de modelo?



Questões ou situações-problema. Tradicionais, O portfólio pode conter: diários, cadernos, co-



desafiadoras, abertas, elaboradas pelos alunos. mentários sobre trabalhos, reflexões pessoais e de

Atividades que exigem justificativas escritas grupo, expressões de sentimento, idéias sobre pro-

jetos, investigações, gravações, vídeos, fotografias,


orais. Questionários, entrevistas informais e


estruturadas. disquetes, evidências do esforço dos alunos para




cumprirem as tarefas, exercícios, provas, testes, tra- ... considerar que avaliar, antes de atribuir



balhos de grupo, rascunhos e trabalhos revisados. uma nota, é conhecer a estratégia utilizada



A análise de portfólios pode ser um recur- pelo aluno na solução de uma tarefa e, des-


sa forma, identificar as causas de suas difi-


so de avaliação para o professor, na medida em


que permite observar como os alunos escre- culdades?



vem em diferentes condições e circunstâncias, ... deixar de crer que as provas com perguntas



para vários destinatários e com diferentes pro- de respostas fechadas são mais objetivas que


pósitos; obter informações sobre o processo e as de respostas abertas?



os produtos desenvolvidos pelo aluno no de- ... romper com a idéia de que as provas indi-



correr do trabalho. Para os alunos, sua cons- cam os alunos que fracassam e os que têm êxi-



trução possibilita realizar a planificação do to na aprendizagem? Em muitos casos, não


processo de aprendizagem, desenvolver a serão os próprios procedimentos de avaliação



criatividade, a auto-estima e o compromisso responsáveis pelo fracasso dos alunos?



da auto-avaliação. ... pensar que os próprios alunos podem ser ca-



pazes de reconhecer seus êxitos e dificulda-
des e deixar de crer que a avaliação é somente
Conclusão

de responsabilidade do professor?

Em torno da avaliação gira todo o trabalho ... acreditar que todos os alunos, ou a maioria

escolar. Ela condiciona o que, quando e como


deles, são capazes de realizar aprendizagens


se ensina, e todos os ajustes que se devem in- significativas e mudar a idéia de que em toda

troduzir para atender à diversidade de necessi- classe sempre há um percentual de alunos for-

dades geradas em aula. tes, fracos e médios?


Mudar pontos de vista sobre a avaliação



implica mudar radicalmente muitas das percep-



ções que se tem sobre como ensinar para con-


Bibliografia

seguir que os alunos aprendam. Pensar na ava-


liação como ponto central do currículo, e não


BALESTER, M. (Org.). Evaluación como ayuda al apren-


como atividade secundária, não é habitual, po- dizaje. Barcelona: Graó, 2000.

rém é um dos caminhos que mais favorece mu- MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-

danças na prática educativa dos professores e damental. Educação de Jovens e Adultos: Ensino Fun-

damental – Proposta Curricular – 2º Segmento. Texto


no êxito das aprendizagens dos alunos.

preliminar, julho 2001.


Para iniciar essa reflexão, permitamo-nos


. Parâmetros Curriculares Nacionais : 5ª a 8ª


responder: série. Introdução. Matemática. 1998.


• Por que não...


RODRIGUES, J. G. Evaluación en matemáticas : una


interación de perspectivas. Madrid: Síntesis, 1997.


... compreender a avaliação totalmente inte-


grada no processo de aprendizagem e evitar SANTOS, V. M. P. (Coord.). Avaliação de aprendizagem e


raciocínio em matemática: métodos alternativos. Proje-


confundi-la com momentos particulares em


to Fundão. Rio de Janeiro: Instituto de Matemática da


que se aplicam testes, provas, exames?

UFRJ, 1997.



















148
P A I N E L 13

O LIVRO ESCOLAR NO CONTEXTO


DA POLÍTICA EDUCACIONAL
Jean Hebrard

Ralph Levinson

Luz Philippi

Nabiha Gebrim

149
O livro didático




de ontem ao amanhã






Jean Hebrard



Ministério da Educação Nacional – EHESS – Paris/França






Resumo do professor, que era lido por ele em voz alta



até ser aprendido de cor pelos alunos. Era o


O livro didático tem atravessado numerosas


evoluções desde que se transformou num dos ins-
caso do catecismo, que, durante muito tem-


po, só serviu de suporte para um ensino total-


trumentos obrigatórios da escolarização de massas.


mente oral. No século XVIII, quando, sob a in-

Ele permitiu assegurar uma real eficácia às políti-

cas educativas que, desde o século XIX, têm tenta- ○

fluência do Iluminismo, o ensino começa a se
do erradicar o analfabetismo com professores de abrir para conhecimentos mais enciclopédi-

cos, é sob a forma de catecismos que se impri-


baixa qualificação. Quando, a partir dos anos 1970/


1980, o nível de recrutamento e de formação dos mem os primeiros livros escolares especia-

professores cresceu fortemente (mesmo que de ma- lizados (História, Geografia, Ciências, Gramá-

neira desigual), os novos formadores (freqüen- tica), que passam a ser utilizados apenas nas

temente, universitários) têm contribuído para ten- escolas destinadas aos filhos das elites da bur-

tar fazer do livro didático um dos representantes guesia e da aristocracia urbana, ou por seus

do arcaísmo pedagógico. O sucesso das políticas


preceptores.

educativas em curso (completar o Ensino Funda-


Na maioria dos países, a verdadeira mo-


mental de massas, fazer que cada aluno do Ensino


dernização do livro escolar se produz quan-

Fundamental, sem exceção, tenha uma formação


do, sob a influência das congregações que


qualificativa) implica, certamente, que se reconsi-


ensinavam (em particular, os frades das Es-


dere o lugar do livro didático na prática pedagógi-


ca e, portanto, na formação.
colas Confessionais), surgem os primeiros li-

vros de exercícios. Eles são a conseqüência de



uma verdadeira revolução da pedagogia. Pela



primeira vez, nas pequenas escolas, junto


As grandes etapas da

com o ensino da leitura e do catecismo, o en-


sino da escrita começa a ir além da capacida-


evolução do livro didático


de de delinear letras e de copiar palavras. Ele



O livro didático da escola de nível funda- se abre para dois savoir-faire difíceis, que su-

mental, tal como o conhecemos hoje, é um ins-


põem um longo treinamento: a aritmética


trumento relativamente recente na história da (aqui entendida como a arte de calcular por

educação. Durante muito tempo, os livros utili- escrito) e a gramática (entendida como a arte

zados nas escolas tiveram outras funções. de ortografar corretamente um texto já não

Em outros tempos, o livro podia servir de copiado, mas escrito sob um ditado ou redi-

material para o aprendizado da leitura (que se gido pelo aluno).



fazia, então, apenas via soletração). Nesse caso, Assim, durante todo o século XIX, pode-se

tratava-se de livros comuns e desarmônicos (li- encontrar dois livros para a gramática: um li-

teratura de cordel, livros de orações e, até mes- vro destinado a transmitir uma descrição da

mo, registros de cartórios), que os alunos trazi- língua, que é freqüentemente aprendido de cor

am com eles nas escolas e decifravam na frente (é o caso da gramática de Lhomond, por exem-

do professor. O livro também podia conter os plo, para a língua francesa), e um livro de exer-

conhecimentos que deviam ser memorizados, cícios, que permite conduzir o aluno pela difí-

e se transformava, assim, numa espécie de livro cil ortografia das concordâncias de gênero e

150
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

de regras que explicitam os procedimentos de


de número, bem como à ortografia léxica (es-


ses livros são normalmente chamados de resolução de problemas ou o sentido das opera-



“cacografias”, pois se apresentam como textos ções. É o caso da gramática, quando a lição que



cheios de erros que o aluno tem de corrigir). tem de ser aprendida de cor se encontra seguida


de exercícios, que permitem transformar o sa-


Em contrapartida, durante muito tempo,


não houve outro livro de aritmética senão as ber gramatical num savoir-faire ortográfico.



coletâneas de exercícios: com maior freqüên- A inventividade daqueles que elaboram os


manuais lhes permite criar diversas situações 151


cia, são extensas listas de operações colocadas


em linha junto com os seus resultados (o que de trabalho que são, assim, acrescentadas à li-



comprova que elas não eram trabalhadas pe- ção: exercícios de transformação (preencher



los alunos, mas utilizadas pelos professores com algumas palavras ou colocar uma frase no


plural, no singular, mudar o tempo dos verbos


para dar exercícios que seriam resolvidos no


quadro-negro. Pode-se notar que, na medida ou a pessoa etc.); exercícios de análise gramati-



em que o livro escolar é caro, as congregações cal (dizer, para cada palavra de uma frase, a que



que ensinam preferem utilizar cartazes a livros categoria do discurso ela pertence e qual é sua


para colocar à disposição dos alunos os conhe- função na frase); exercícios de definição (dar o



cimentos que eles devem aprender: o abece- sentido de uma palavra, dar um sinônimo, o

dário, o silabário, a coletânea de regras de gra- contrário etc.). No caso, ainda, do livro de

mática e até mesmo os preceitos da moral po- aprendizagem da leitura, ali já não se encon-

dem, assim, ser lidos coletivamente em voz tram separadas a aprendizagem da leitura e a

alta, a partir de grandes cartazes colocados nas aprendizagem da escrita.



paredes da sala de aula, e mostrados pelo pro- A partir daí, palavras ou textos para serem

lidos encadeiam-se com palavras ou textos para


fessor por meio de sua varinha.


Desde então, o livro didático tornou-se um serem escritos, numa articulação acertadamen-

objeto complexo, como suporte para duas ati- te ritmada de exercícios de leitura e de exercí-

vidades principais que estão interligadas: cios de escritura.


É na pedagogia da língua materna que o li-



Livro de leitura, que permite a leitura em aula vro escolar se torna crescentemente complexo

de alguns textos portadores de conhecimen- com o decorrer dos anos e onde se organiza uma

tos (História, Geografia, Ciências, Religião) ou primeira metodologia integrada para o domí-

de valores (moral, literatura), que são primei- nio da língua. Ela concatena um texto para ser

ro lidos em voz alta (um aluno lê; os outros lido, algumas perguntas de compreensão do lé-

acompanham em silêncio) e depois explica- xico daquele texto, algumas perguntas de com-

dos sob a direção do professor (as perguntas


preensão da sintaxe, pequenos exercícios que


colocadas ao final do texto conduzem o pro- servem para fixar as regras de vocabulário ou

cesso de explicação que, com maior freqüên-


da gramática e, bem no fim, alguns exercícios


cia, se desenvolve oralmente).


de redação de textos semelhantes àqueles que


Livro de exercícios, que oferece ao aluno ba-


foram lidos no início da seqüência. Esse mode-


terias de exercícios ordenados numa progres- lo, muito em voga nos anos 1920–1950, consti-

são que permite um treinamento para os dois tui com certeza a culminação de um longo tra-

savoir-faire e, portanto, implica um trabalho


balho de concepção de manuais escolares, que


individual no caderno de rascunhos (na Euro-


são cada vez mais marcados por preocupações


pa, utiliza-se muito a lousa individual).

didáticas.

De forma progressiva, essas atividades ins- Entretanto, esse modelo, muito aperfeiçoa-

critas em livros separados são reagrupadas num do, que se encontra na base da formação de pro-

único livro, que se transforma, ao mesmo tem-


fessores nas Escolas Normais, muda nos anos


po, em livro de leitura e livro de exercícios. É o 1970 sob o impacto da transformação dos pro-

caso da aritmética, quando as páginas de exer- cedimentos de formação e da conquista, pela



cícios são completadas por pequenos repertórios universidade, do campo da pedagogia.



Com efeito, mesmo que uma grande parte em dispositivos simples e repetitivos, fazendo



da formação permaneça fora da universidade funcionar, no essencial, a memória. A partir daí,



(tanto na França quanto no Brasil), é esta últi- na opinião deles, nenhum outro manual pode-



ma que assume a responsabilidade pela pes- ria ser aceito.


quisa, pela inovação e pelo acervo intelectual O sucesso das múltiplas formas do cons-



de tudo aquilo que se refere à educação. Nesse trutivismo nos anos 1980-1990 é característi-



sentido, é interessante ressaltar como a tenta- co desse movimento. Além dos aspectos polí-


tiva de articulação entre Escolas Normais e ticos não desprezíveis que fazem dele o mo-



ensino universitário, no Brasil, nos anos 1920 delo educativo da democracia, reencontrada



e 1930, se revela, no final das contas, um fra- por diversos países da América Latina, o cons-



casso (a USP, apesar de Azevedo, considerará trutivismo (que, em suas versões mais popu-


sempre seu Instituto de Pedagogia como um lares ultrapassa largamente os modelos teóri-



enxerto ilegítimo). cos piagetianos utilizados por Emília Ferreiro



para fundamentá-lo) incorpora a idéia de que



o professor pode apenas ajudar a criança a
A crise do livro didático construir seus conhecimentos, num encami-

nhamento que é sempre singular. Pela mesma


(anos 1970–1990)

via, ele nega a possibilidade de basear-se num


O que caracteriza a década de 1970, na mai-


livro escolar na sua forma tradicional (o que


oria dos países, é o rápido descrédito de uma nunca foi a posição de Freinet, por exemplo,

pedagogia considerada como a arte de aplicar abrindo um espaço importante para a auto-

inteligentemente métodos já comprovados, matização dos savoir-faire, numa perspectiva


cujos livros escolares fornecem um modo de herdada das máquinas que ensinam, do beha-

utilização seguro. Certamente, existem antece- viorismo clássico).



dentes para essa atitude. Ela tem sido freqüen- Se examinarmos a produção didática des-

temente a dos inovadores: Célestin Freinet, na ses anos, particularmente rica em invenções

França, se expressa de forma muito dura ao se freqüentemente concebidas de maneira apli-



referir a instrumentos que considera como os cativa, a partir das disciplinas universitárias (te-

melhores representantes dos arcaísmos peda- oria da transposição didática), encontraremos,



gógicos, mas cria, por sua vez, outros instru- de forma muito regular, capítulos inteiros de-

mentos que os substituem. O que acontece nos dicados à análise crítica dos manuais mais uti-

anos 1970 é certamente diferente, e resulta, tal- lizados. Isso é especialmente verdadeiro no do-

vez em primeiro lugar, da conquista do campo mínio da didática da leitura (apoiando-se seja

da formação por novos atores. Diante das Es- na fonologia, na gramática dos textos ou na crí-

colas Normais, nas quais existia, a partir de qua- tica literária), no da matemática (apoiando-se

se um século antes, uma forte articulação entre nas teorias dos conjuntos), na gramática (em

professores modelos (os professores das esco- que a lingüística se torna a disciplina de refe-

las de aplicação), formadores (os diretores e os rência). Mas podemos encontrar essa situação

professores das Escolas Normais) e diretores de também em ciências (em que o método experi-

coleções nas editoras escolares (geralmente os mental é reivindicado para denegrir a lição de

mesmos), os Departamentos de Educação das coisas), em história (na qual a Escola dos Anais

universidades não tinham outra saída senão serve de apoio para criticar toda história

adotar uma posição crítica. Inventando novos expositiva em benefício de uma crítica do do-

modelos de transmissão dos saberes e lançan- cumento) etc. Em cada um desses casos,

do mão de uma autonomia tão grande por par- transparece que a única maneira inovadora de

te dos professores que só poderia ser adquirida


trabalhar consiste em colocar a criança diante


numa formação de alto nível, tais departamen- de situações-problema concretas (que, portan-

tos ridicularizavam todos os modelos que, des- to, não podem ser representadas nas páginas

de o início dos tempos, basearam a instrução dos livros), permitindo-lhe explicitar suas re-

152
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

presentações espontâneas (portanto, que não exposições de conhecimentos e baterias de



podem ser previstas por um manual) e ajudan- exercícios.



do-a a construir uma representação mais ajus- Na realidade, esses manuais exemplificam



tada do conceito em questão ou, ainda, as su- um procedimento, orientam o mestre mostran-


cessivas etapas de um procedimento eficaz. do-lhe como ele pode instaurar na aula uma si-



Nem a lição tradicional (como momento de ex- tuação de descoberta, em seguida explorá-la e,



posição do saber), nem o exercício (como mo- por último, construir a noção em questão. Na


mento de automatização de um procedimen- medida em que a colocação por escrito de uma 153



to) terão espaço nessa nova concepção da ação “progressão didática”, isto é, do encadeamento



didática, que vem eliminar o direito de utiliza- de três ou quatro seqüências distribuídas numa



ção de um manual escolar. semana que visam construir um novo conceito


Porém, é fácil constatar que a atitude críti- ou um novo procedimento, tornou-se o exercí-



ca dos novos formadores dos anos 1970–1980 cio mais importante da formação inicial, o li-



evolui muito rapidamente. A resistência dos vro didático também se transformou numa co-



professores permanece intensa. Eles sabem, letânea de “progressões”. Por esse motivo,


pela experiência, que uma atitude constru- reintroduziu-se uma forte homogeneidade en-



tivista (qualquer que seja o nome assumido por tre formação inicial e produção de instrumen-

ela) não pode ser adotada ao longo de toda uma tos didáticos. Os formadores, assim, reconquis-

jornada letiva. A criança, tanto quanto o mes- taram seu terreno.


tre, tem necessidade de alternar momentos in- É interessante notar que assim que a for-

tensos de reflexão e momentos mais rotineiros, mação continuada é fortemente institucio-



nos quais se continua a trabalhar, porém mais nalizada (por exemplo, pelo viés das funda-

para reforçar os saberes ou os savoir-faire já ções, no Brasil) ela produz o mesmo tipo de

encontrados do que para construir novos deles. evolução. Contudo, quando ela se torna mais

Assim sendo, as editoras, atingidas pela cri- ligada à vida associativa (com o constru-

se dos livros didáticos, encontrariam uma res- tivismo, por exemplo) ou ao funcionamento

posta. Elas inventaram os arquivos, que são co- ordinário da vida escolar (formação a distân-

letâneas de exercícios pré-impressas, nas quais cia ou formação dentro da própria escola), ela

os alunos fazem exercícios no meio de dois se situa mais demoradamente numa posição

momentos de descoberta (em alguns casos, ali- crítica radical (como acontece na França, no

ás, eles chegam a fazer só esses exercícios). Por caso das animações pedagógicas organizadas

sua vez, as editoras iriam recorrer a novos for- sob a direção dos inspetores, ou como acon-

madores suscetíveis de repensar os livros didá- tece no Brasil, no caso dos dispositivos de for-

ticos e de conceder suas grifes para produtos mação a distância).


que apareceriam como mais “modernos”. E nu- O uso desses novos manuais torna-se parti-

merosos universitários deixaram-se tentar (tan- cularmente delicado. Eles se encontram, mui-

to assim que, nas Faculdades de Educação, en- tas vezes, fora do alcance dos alunos, pois o dis-

contramos hoje professores que começaram sua curso didático tem tendência a eliminar a lição

carreira nas salas de aula ou em instituições de e o exercício. Na França, onde o movimento al-

formação não-universitária e, portanto, possu- cançou seu paroxismo, os livros didáticos trans-

em uma boa cultura da velha pedagogia). formaram-se em simples livros do mestre (o



Sua produção, que começa em meados dos professor dispõe de três ou quatro manuais di-

anos 1970, tanto na Europa quanto na América ferentes, nos quais ele seleciona uma seqüên-

Latina, atinge o apogeu nos anos 1990. Os no- cia por aqui, outra por ali), ou ainda em fichá-

vos livros didáticos que eles escrevem caracte- rios que são fotocopiados e distribuídos para os

rizam-se pelo fato de se dirigirem aos profes- alunos. Os manuais desaparecem, então, das

sores mais do que aos alunos, sendo, freqüen- pastas escolares e dão lugar aos classificadores/

temente, pequenos tratados didáticos que en- fichários, nos quais se amontoam, bem ou mal,

cadeiam seqüências de atividades mais do que as fichas mal fotocopiadas.



É possível uma renovação particulares do que às escolas públicas). Essas



publicações, que na França são chamadas de


do manual escolar?


“para-escolares” e, a princípio, foram inventa-



Numerosas razões nos levam a pensar que das para a preparação para os grandes exames


a crise do livro didático não é nem legítima nem (baccalauréat, vestibular etc.), são constituídas



necessária. Se existe um objetivo importante de pequenos manuais previstos para um uso



nas lutas que continuam a confrontar as dife- autônomo, sem a presença do professor. São


rentes categorias de formadores, pela conquis- publicações que oferecem o que há de essen-



ta de sua posição no campo da formação, exis- cial, em termos de conhecimentos que devem



te também um produto editorial, cujo merca- ser aceitos, mais alguns modelos de exercícios,



do envolve grandes grupos financeiros, que acompanhados de suas correções, capazes de


consideram o livro didático como um produto reconstruir um savoir- faire que poderia ter sido



central de sua produção, não estando, portan- esquecido. Um autodidata pode utilizá-las sem



to, dispostos a concordar com seu desapareci- nenhuma dificuldade. Os modelos pedagógicos


mento. Enfim, começa a surgir, de forma cada ○
aos quais obedecem são estritamente tradicio-
vez mais clara, quais são os modelos pedagógi- nais: oferecem resumos a serem aprendidos, li-

cos (ou didáticos) sugeridos, e a escola não po- ções expositivas e exercícios de aplicação e ter-

deria deixar de funcionar sem instrumentos minam por um treinamento direto para os exa-

desse tipo. O professor polivalente da Escola mes. De fato, por trás de sua característica ar-

Fundamental nunca será um especialista em caica (visando à conquista de um público de



tudo o que se deve ensinar, e não é desejável, pais), escondem-se grandes qualidades, e são,

para os alunos mais jovens, que ele seja substi- muitas vezes, produzidos por excelentes espe-

tuído por uma equipe de professores especia- cialistas da didática atual. Atualmente, os livros

lizados. Portanto, sempre haverá necessidade “para-escolares” são pontos de referência im-

do apoio de instrumentos confiáveis. Se quiser- portantes para se repensar as funções dos ma-

mos que o aluno do Ensino Fundamental con- nuais escolares.


quiste sua autonomia na aprendizagem, ele pre- Estes últimos devem ser, certamente, conce-

cisa ser confrontado tanto com as informações bidos de formas diferentes, segundo seu desti-

escritas como com as informações orais que o no: crianças na fase de alfabetização (1a e 2a sé-

professor lhe oferece. Finalmente, o status de ries no Brasil, 2o ciclo na França) ou crianças já

professor (e as aprendizagens) conhece certa- alfabetizadas (3a e 4a séries no Brasil, 3o ciclo na



mente uma nova evolução, que faz do adulto o França). Para os primeiros, o manual não pode

mediador entre a criança e os conhecimentos, ser utilizado de maneira autônoma, pois os alu-

mais que o dispensador de saberes (pedagogia nos ainda não são leitores (ou bons leitores),

tradicional) ou mesmo o organizador da mise- portanto deve ser uma coletânea de materiais

en-scène da didática (pedagogia renovada). As- para aprendizagem. O procedimento didático



sim, o manual pode (e deve) reencontrar suas pertence inteiramente ao professor, que deve ter

novas funções. Ele pode (e deve), ao mesmo aprendido, na sua formação, a dominar todas as

tempo, reencontrar seu lugar na formação. sutilezas. Para o ensino da leitura, por exemplo,

Em contrapartida, é interessante notar que seria prudente separar, claramente, o que resul-

os editores, de alguma maneira, anteciparam ta da construção do princípio alfabético, e por-



essa evolução, inventando, nos anos 1980, nos tanto, segundo E. Ferreiro, um trabalho de es-

momentos mais agudos de queda de suas ven- critura próximo da resolução de problemas, da-

das, um novo produto que não destinaram às quilo que resulta da compreensão de textos, que,

escolas e aos professores, mas diretamente aos nessa etapa, se faz melhor oralmente (leitura de

pais dos alunos (quer dizer, aos mais susceptí- textos em voz alta, pelo professor, reformulação

veis, dentre eles, de fazer esses investimentos, pelo aluno, debate sobre a interpretação em gru-

que no Brasil sabemos que representam as fa- po etc.). Um manual não é necessário no primei-

mílias que confiam seus filhos mais às escolas ro caso. Álbuns de literatura de juventude são

154
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

mais adequados, no segundo caso, do que os acontecimento considerado. Aqui, a continui-



manuais. Se, definitivamente, o manual ainda dade é a regra. Nenhuma ligação de hipertexto



pode ser útil, uma vez construído o princípio al- permite reconstituí-la. O livro escolar, pelo seu



fabético, é para fornecer baterias de exercícios didatismo, é insubstituível. Constatamos que


suscetíveis de conduzir o reconhecimento das são pouco numerosos os editores que aceitam



palavras e de automatizá-lo (sabemos que isso essa perspectiva.



supõe um material organizado em função da re- Um segundo aspecto do debate é o que se


gularidade da representação fônica, da freqüên- refere à seqüência didática. Ela deve se apoiar 155



cia das palavras etc.). Ainda não dispomos desse no livro didático ou deve refletir a arte e a habi-



tipo de material. lidade do professor? Por muito tempo, pensou-



Para os alunos maiores, que começam a sa- se que a qualidade de um professor estava di-


ber ler de maneira autônoma, a relação com a retamente ligada à sua capacidade de construir



escrita é diferente. Eles podem começar, util- seqüências didáticas particularmente sutis.



mente, a descobrir que a escrita pode guiar a Atualmente, sabemos que esse modelo foi her-



ação (numa seqüência de aprendizagem autô- dado da pedagogia expositiva utilizada no se-


noma feita sobre uma ficha) ou, ainda, contro- gundo grau e contribui para reforçar o ensino



lar a informação (seguida de uma seqüência de frontal: fazer encadear as etapas sucessivas do

descobertas). Não se pode esquecer que, assim procedimento dificulta, em grande parte, a di-

que estiverem na escola média, deverão, com ferenciação que seria capaz de recuperar o alu-

freqüência, realizar trabalhos sozinhos, com no em dificuldade. Na França, considera-se que



seus instrumentos de trabalho, e muitos deles esse tipo de pedagogia funciona sob a condi-

não terão aprendido. ção de se deixar de lado de 15% a 20% de uma


Isso certamente supõe uma dupla evolução turma (aqueles alunos que não construíram o

da engenharia pedagógica. De um lado, ela deve que o procedimento lhes teria permitido cons-

aprender a fornecer ao aluno informação truir, a cada etapa). A preocupação em condu-



estruturada e organizada, suscetível de respon- zir bem o processo domina sempre a preocu-

der às questões que ele se coloca cada vez que pação de não deixar nenhum aluno na beira do

está realizando um procedimento de pesquisa. caminho.



Nesse sentido, é urgente sair da ilusão de que a Desde então, são numerosos os pedagogos

criança inventa conhecimentos. Se ela os cons- que começam a pensar que a sutileza da pro-

trói, o que é diferente, é apoiando-se sobre os gressão permite, certamente, levar muito mais

saberes que nossas culturas constituíram. Em longe os melhores alunos, mas contribui para

síntese, a escola atualmente tem necessidade aprofundar o fosso entre estes e aqueles que

de livros didáticos que sejam pequenas enciclo- apresentam mais dificuldades. Na perspectiva

pédias de conhecimento dos programas, não a que se referem seguidamente os modelos de



como no passado, para aprendê-los de cor, mas Vygotsky, se desejamos aumentar as interações

para verificar, cada vez que for necessário, o que de aprendizagem é importante liberar mais o

se acredita ter compreendido e aprendido. É professor das tarefas de condução de seqüên-


preciso, sobretudo, não acreditar que os recur- cia a fim de que conserve toda a liberdade ne-

sos da web poderão ser suficientes. É precisa- cessária para acompanhar individualmente, nas

mente sua dispersão que dificulta a consulta na tarefas em curso, os alunos que mais necessi-

perspectiva de uma verificação. Se, por exem- tam dele. Talvez seja conveniente substituir o

plo, em história, se deseja informações sobre a uso, sempre um pouco vergonhoso, do manual

Inconfidência, é importante que se possa en- pelo apoio decidido a tais alunos. Isso equivale

contrar, em algumas páginas antes, no mesmo a conceder ao aluno, dentro de um espírito de



documento, os elementos econômicos e políti- uma autodidaxia inteligente, a responsabilida-


cos no âmbito dos quais esse acontecimento se de pela condução da seqüência e a reservar para

produziu, e em algumas páginas depois as con- o professor o monitoramento e o apoio de que



seqüências desses mesmos fenômenos sobre o a criança necessita. Assim sendo, podemos ver

aqui que, ao contrário da função enciclopédi-


O destaque concedido ao oral (e, portanto, ao


ca, a função propriamente didática do manual diálogo didático) talvez nada mais seja do que



poderia ser assumida pelas máquinas (tal como a tomada de consciência sobre essa questão.



ela já o fez em numerosas seqüências não esco- Todavia, restará ainda um problema delicado a


lares de aprendizagem que se apóiam na simu- ser solucionado: evitar a possível disjunção en-



lação de situações-problema): o texto escrito tre aqueles que elaboram as seqüências didáti-



em papel já não serve como o melhor apoio. cas (que poderiam vir a ser parte do pessoal que


A formação deveria rapidamente extrair das


trabalha em editoras de publicações impressas


colocações anteriores todas as conseqüências, ou on-line) e os especialistas em interação (os



desenvolvendo, muito mais do que ela o faz hoje próprios professores). Esse é certamente o de-



em dia, as capacidades de interação dos pro- safio ao qual as políticas educativas se arriscam


fessores (análise do erro, condução do diálogo a confrontar nos próximos anos. O livro didáti-



didático entre o adulto e a criança, construção co, ou seus substitutos numéricos, será certa-



dialogada das representações asseguradas etc.). mente um dos fatores em jogo em tal desafio.










O professor, o aluno e o livro




didático oficial de Ciências:




será que deveríamos renunciar




ao livro didático?



Ralph Levinson

Instituto de Educação – Universidade de Londres – Inglaterra







Resumo

dentes nos livros didáticos de Ciências. Os li-



vros didáticos modernos utilizam três cores


O presente documento destaca os problemas em vez de preto-e-branco; há mais quebras no



associados ao livro didático de Ciências e a rela- texto e uma série de atividades; há fotografias

ção entre o livro didático e o conhecimento cien- coloridas modernas com jovens e breves le-

tífico. Os livros didáticos promovem um modelo


gendas explicativas com perguntas, enquanto


de ciência empírico-indutivo, contrário aos pro- os antigos livros didáticos mostravam homens

cedimentos que seriam adotados por uma abor- em casacos brancos por meio de um aparato

dagem histórico-filosófica. Novos modelos para o


complicado; há fotos de meninas e de moças


ensino de Ciências são apresentados, em conjun-


no livro didático moderno; antes só havia fo-


to com as implicações para a relação entre o livro


tos de homens – e isso quando mostravam

didático, ao aluno e ao professor.


pessoas; o livro didático moderno utiliza dia-



gramas coloridos e uma série de imagens para



ilustrar um conceito ou um fato; o livro didá-


Introdução

tico antigo utilizava predominantemente tex-



Desde que freqüentei a escola, há mais de tos; o livro didático moderno utiliza imagens

trinta anos, ocorreram mudanças surpreen- e problemas contemporâneos; o livro didáti-


156
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

co antigo era muito mais abstrato; a linguagem falsas ilações que os desorientam e desinfor-



do livro didático moderno é muito mais ami- mam, além de entediá-los profundamente com



gável para o leitor mais jovem. textos áridos e inúteis (Tyson-Bernstein, 1988).



No entanto, os livros didáticos modernos


não são populares para George Nelson, dire- O professor moderno utiliza o livro didáti-



tor do projeto AAAS 2061. “Nossos alunos es- co como um mecanismo para a instrução em


sala de aula. Nos Estados Unidos e na Europa


tão arrastando para casa textos pesados reple-


tos de fatos desconexos, que não os educam Ocidental, entre 75% e 90% do tempo em sala 157



nem os motivam.” de aula envolvem algum tipo de atividade com



Os livros didáticos de Ciências para crian- livro didático (Woodward, Elliot e outros, 1988).


A forma pela qual os livros didáticos são uti-


ças das séries intermediárias foram conside-


rados inadequados e crivados de erros. Esse lizados bem como o grau de autonomia de es-



fato provocou furor na imprensa dos Estados colas e professores para escolhê-los variam de


um país para outro. Nos Países Baixos, por


Unidos, no que se refere à educação científica


exemplo, os livros didáticos de Matemática são


de gerações futuras. Além de conterem concei-


tos errôneos e imprecisões, os livros estavam produzidos comercialmente, e as escolas têm



cheios de estratégias diversivas, tais como uma liberdade para selecioná-los, enquanto nos pa-

barra lateral em profissões referentes à confec-



íses da Orla do Pacífico a produção de livros di-


dáticos é centralizada e está sujeita à aprova-

ção de jóias em um capítulo sobre metais, o


que desviava a atenção das idéias centrais e era ção do Ministro da Educação. Na Suíça, os tex-

irrelevante. Os exercícios pediam às crianças tos oficiais devem ser empregados no primeiro

e no segundo graus (Foxman, 1999). Indepen-


para fazer coisas impossíveis ou que não ti-


nham nenhuma ligação com o conteúdo da dentemente do grau de controle político que

matéria (Raloff, 2001). A fonte do problema orienta a produção e o emprego de livros didá-

está localizada no currículo e nos roteiros dele ticos, a tendência é a de que aumente o predo-

mínio de livros didáticos nas salas de aula.


decorrentes. As exigências dos roteiros eram


expressas em termos de “fatos”, e os livros di- Na Inglaterra e no País de Gales, há um alto



dáticos improvisavam para atender a esses fa- grau de colaboração entre as bancas examina-

tos, por meio de uma abordagem transmissiva, doras e as editoras para a produção de livros

didáticos “oficiais”, que seguem os roteiros


carregada de conteúdo. As preocupações de


Nelson encontram eco nas de outros educado- prescritos. Esses livros contêm mensagens im-

res norte-americanos: plícitas sobre a natureza da matéria e o que



pode ou não pode ser considerado correto


Os livros didáticos, de um jeito ou de outro, do- ( Jenkins, 1999). Nessas circunstâncias, o livro

minam o que os alunos aprendem. Eles definem didático orienta o que é ensinado e a forma de

o currículo e freqüentemente os fatos aprendi- ensinar (Yager, 1992). A despeito de todos os


dos, na maioria das matérias... e os professo- esforços técnicos e comerciais envolvidos em



res valem-se deles para organizar aulas e sua produção, como argumenta Yager, em Ci-

estruturar a matéria. Mas o sistema atual de ências o alto grau de utilização de livros didá-

adoção do livro didático tem enchido nossas


ticos não parece haver produzido bacharéis


escolas de cavalos de Tróia – blocos de papel


científica e tecnologicamente instruídos

com capas brilhantes, cujas palavras emergem


(Yager, 1983), conclusão endossada quase vin-


para entorpecer as mentes dos jovens de nossa


te anos mais tarde pelo Projeto 2061. Se o livro


nação e torná-los inimigos da aprendizagem


(Graham Down, A. 1988).


didático dirige a cobertura do conteúdo, esse

fato contradiz o que se conhece da teoria



construtivista, ou seja, que o conhecimento


Embora haja alguns bons livros didáticos no


mercado, os editores são praticamente compe- sobre o mundo é ativamente construído pela

lidos por políticas e práticas públicas a criar li- criança (Driver, 1983). Embora pesquisas te-

vros didáticos que confundem os alunos com nham caracterizado os livros didáticos de Ci-


ências em termos de concepções errôneas conhecimento podem ser tidas como aceitas,



(Cox, 1996), análises de gênero (Kearsey e como, por exemplo, a teoria da seleção natu-



Turner, 1999), apelo visual (Holliday, 1990), fa- ral, a primeira e a segunda leis da termodi-



cilidade de leitura (Chiang-Soong e Yager, nâmica ou a teoria atômica. Mas há discor-


1993) e representação de gênero (Bazler e dâncias entre cientistas sobre outros aspectos



Simonis, 1991), meu objetivo no presente ar- do conhecimento, a exemplo de debates entre



tigo é demonstrar que: biólogos sobre a primazia da genética e sobre


1. a utilização excessiva de livros didáticos qual tipo de conhecimento deve ser priorizado.



“desprofissionaliza” e desabilita o professor; Os livros didáticos são seletivos. A ciência



2. o trabalho com textos deve ser abordado na escolar não é um processo de simplificação do



teoria e na prática em treinamentos que an- conhecimento científico, mas, sim, como ar-


tecedem a profissionalização do professor gumentam Koulaidis e Tsatsaroni, uma “rees-



e em seu desenvolvimento profissional; truturação da área correspondente de conhe-



3. os livros didáticos devem ser criados de for- cimento científico por meio de processos de

ma a interagir com as idéias das crianças. ○


re-contextualização” (Koulaidis e Tsatsaroni,
1996). A ciência escolar se diferencia do conhe-

cimento científico e geralmente tem pouca re-


O livro didático como


lação com os procedimentos e as informações


conhecimento organizado

utilizados pelos cientistas.




Embora alguns livros didáticos sejam ofici-


ais e seus autores sejam freqüentemente sinôni- Modelos de ciência



mo de um corpo específico de conhecimento, os


Um problema do modelo de ciência cor-


textos não são simplesmente sistemas de expo-


rente que predomina nos livros didáticos é a


sição de fatos. Esse conhecimento é seleciona-


promoção de um modelo de ciência empírico-

do e legitimado por autoridades e grupos de po-


indutiva, ou seja, as teorias surgem natural-


der, e os livros didáticos participam do conheci-


mente por meio da análise de dados. Matthews


mento organizado da sociedade (Apple e


critica, de forma mordaz, a maneira pela qual


Christian-Smith, 1991). Os livros didáticos de


livros didáticos de Física, reconhecidos e am-

Ciências envolvem três grupos com dimensões


plamente utilizados, explicam a forma como


distintas de conhecimento – conhecimento ci-


Galileu criou as leis do movimento do pêndu-


entífico, conhecimento científico adquirido na


lo observando passivamente o movimento de


escola e conhecimento da vida/do mundo ou


um candelabro na igreja de Pisa.

idéias das crianças (Koulaidis e Tsatsaroni, 1996).



Um modelo tradicional de transmissão de


Se a descoberta do movimento isocrônico do


conhecimento veria o conhecimento como


pêndulo foi tão simples quanto relata a histó-


difuso e filtrante a partir da área dos especia- ria do livro didático, teremos problemas para

listas, que é a comunidade de cientistas, dos


explicar por que Oresme, Leonardo, Buridan,


professores para os alunos. Nesse modelo, o


Benedetti e todos os demais estudiosos e ob-


livro didático simplifica o conhecimento cien- servadores de pêndulos em movimento nos


tífico autêntico, de forma que os alunos pos-


mundos ocidental e não-ocidental não perce-


sam recebê-lo adequadamente. beram o que se alega haver sido percebido por

Se, por um lado, os livros didáticos podem Galileu (Matthews, 1994).



ser publicados de acordo com esse modelo, por


outro, há fatores problemáticos: a natureza da A matemática, o experimento orientado



comunidade científica, a relação entre conhe- pela matemática, a filosofia e a história cons-

cimento científico e conhecimento escolar e as tituíam aspectos interativos das conclusões a



idéias dos alunos. A comunidade científica não que Galileu chegou naquele lugar e naquele

é uma entidade monolítica. Algumas áreas de momento específicos.



158
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

Uma análise de 31 livros didáticos univer- de conclusões” ( Yager, 1983) – na qual o aluno



sitários de Química sobre o experimento de tem pouco ou nenhum envolvimento intelec-



Millikan com a gota de óleo, na descoberta da tual, contrariamente a um entendimento do



unidade básica de carga elétrica, mostrou que desenvolvimento e da luta de idéias – e a na-


aqueles livros não abordavam os aspectos his- tureza complexa e tentativa da ciência.



tóricos e filosóficos do experimento (Niaz, Enquanto escrevo este artigo, numa sexta-



2000). Nenhum dos livros didáticos relata a feira, 13 de julho, o rádio noticia a descoberta


controvérsia entre Millikan e Ehrenhaft, na de um gene, o Apo-E, que aumenta o risco de 159



qual este levantou argumentos contra os da- doenças coronarianas em fumantes do sexo



dos de Millikan e sugeriu que a quantidade real masculino. Nesse caso, o risco implica uma



de carga seria bem menor. Millikan ganhou o interação entre genes e o meio ambiente. Você


dia. Mas um estudo das anotações de Millikan pode ser portador de genes que indicam uma



mostrou que ele era, de fato, seletivo em rela- suscetibilidade acima do normal a uma doen-



ção aos dados que empregava. A teoria de ça, mas isso não quer dizer que você contrairá



Millikan foi comprovada e forneceu uma base essa doença. Palavras como “risco” e “susce-


crucial para trabalhos posteriores nessa área. tibilidade” são cruciais, hoje, para o entendi-



A questão é que a teoria de Millikan se basea- mento de debates sobre saúde pública e polí-

va amplamente na tradição de pesquisa que o ticas científicas. Ainda assim, abra qualquer

cientista adotava, de modo que ele selecionou livro didático de Biologia e você verá diagra-

a evidência que melhor corroborava sua teo- mas e explicações que indicam uma relação

ria. A teoria direcionou os dados. Os livros di- direta entre os genes de uma doença, tal como

dáticos, entretanto, apresentam uma visão do fibrose cística, e a aquisição da doença. A re-

método científico segundo a qual a teoria sur- lação entre gene e doença não é direta e pode

ge naturalmente dos dados (Wilkinson, 1999). ser mediada por outros genes e por uma série

Outros estudos demonstram a forma pela de fatores ambientais. Até mesmo um consi-

qual os livros didáticos apresentam um relato derado livro didático do Reino Unido, que pre-

historicamente idealista da ciência e sua rela- tende “ampliar o entendimento dos alunos a

ção com a tecnologia. Quando há evidência fim de ajudá-los a desenvolver uma visão mais

considerável para mostrar que a tecnologia é harmoniosa e madura de […] importantes ex-

histórica e ontologicamente anterior à ciência, plicações científicas”, continua a apresentar


os livros didáticos assumem uma visão segun- essa relação direta entre gene e doença como

do a qual as teorias geradas por cientistas for- algo não-problemático (Hunt e Millar, 2000).

necem, de forma não problemática, uma base Se os currículos avaliarem os alunos em ter-

para os produtos tecnológicos (Gardner, 1999). mos de fatos facilmente marcados, as escolas

Os relatos de descobertas científicas não levam adquirirão aqueles livros didáticos que mais

em conta a heurística pessoal dos cientistas, facilmente apoiarem essa finalidade. Não cau-

suas suposições, e o contexto social, político e sa surpresa, portanto, o fato de que os livros

histórico no qual surgem as idéias. didáticos raramente refletem questões con-


Uma objeção a essa abordagem é o fato de temporâneas ou modelos de como a ciência



que o envolvimento com o processo da desco- funciona.



berta científica é um fardo muito pesado para Precisamos de mais evidências empíricas

as crianças. Não podemos recriar todas as des- sobre o efeito dos livros didáticos nas imagens

cobertas científicas em sala de aula e testar a que as crianças fazem de um determinado as-

prática e as teorias de cientistas altamente ex- sunto. Se os livros didáticos apresentarem uma

perientes. Conforme argumenta Millar, há imagem distorcida e enganosa da ciência e de



princípios básicos na ciência que agora são outras matérias, será necessário explorar o pa-

aceitos, e seria inútil considerá-los inconsis- pel do professor em relação ao livro didático. Em

tentes (Millar, 1997). Mas há uma diferença um primeiro momento, o papel do professor

entre apresentar a ciência como uma “retórica deve ser desacoplado daquele do livro didático,

e o aluno deverá ser reconceitualizado como um ponte – ou mesmo levantar problemas – entre



construtor ativo de conhecimento, em vez de um as concepções do aluno e as concepções da



receptor de informações transmitidas. ciência.



O livro didático torna-se um recurso para


que o professor contextualize – e não lidere –


Novas relações entre o


o tópico, e pode ser utilizado para apresentar


professor e o livro didático


uma versão condensada e oficial dos “fatos”,


mais ou menos nos moldes dos livros didáti-



Um começo seria transformar as aulas, par- cos tradicionais. O livro didático seria comple-


ticularmente as aulas de Ciências. O aluno pas-


mentado por material de fonte – como, por


saria a ser o intérprete de idéias e não o recep-


exemplo, breves relatos de cientistas como


tor de informações. Faraday, Millikan, Darwin; notícias de jornal;



trechos de vídeos; notícias de rádio; extratos


A solução é deixar de considerar as aulas de Ci-

de grupos de campanha; e até mesmo relató-

ências como o estudo da natureza. A ciência em ○
rios científicos – nos quais os alunos pudes-
si pode ser um estudo da natureza, mas as aulas

sem colocar perguntas, como: “O que diz o re-


de Ciências deveriam ser o estudo do que as pes-


latório? Qual a conclusão? Qual a evidência da


soas disseram e pensaram sobre a natureza. O


principal objeto da atividade interpretativa de- conclusão?” Recursos como o Satis (Reino Uni-

veria ser não o circuito em si, mas o que alguém do), o Plon (Países Baixos) e o Ciência e

Tecnologia para Todos (Israel) possuem esses


falou sobre o circuito; não os eventos no tubo de


ensaio apenas, mas a forma pela qual alguém fala elementos básicos.

sobre esses eventos… As aulas de Ciências deve- Os livros didáticos, obviamente, podem

constituir material de fonte para que os alu-


riam ser o estudo de significados criados por se-


res humanos (Sutton, 1992: 72). nos sejam encorajados a avaliar qualquer livro

didático da forma como avaliam qualquer ou-



Nesse cenário, os alunos interpretam e ava- tro material de fonte. Na realidade, os profes-

liam idéias, mas não se pode esperar que re- sores deveriam avaliar os livros didáticos da

criem ou elaborem teorias por si sós, um dos mesma forma.



problemas heurísticos na inovadora Ciência Stinner identificou três tipos de conheci-



Nuffield da década de 1960. Em vez de proces- mento que os livros didáticos não abordam: as

sar fatos para fins de avaliação, os alunos se pré-concepções dos alunos, a imagem con-

tornam intérpretes do fato e se envolvem com temporânea da natureza da ciência e as dife-



a narrativa independentemente da fonte – quer rentes conexões entre ciência, tecnologia e so-

escrita ou oral, em palavras ou imagens – e ciedade (Stinner, 1995). Ao defender um novo


comparam essa narrativa à sua própria versão papel para o livro didático, Stinner propõe uma

da realidade. forma coerente com um modelo que concebeu



O trabalho prático poderá pedir aos alunos para professores em formação. Nesse modelo,

que testem as discrepâncias entre interpreta- o professor deve auxiliar o aluno a estabelecer

ções, tal como o relato original e interessante conexões entre três planos de atividade

de Boyle sobre a compressibilidade dos gases, cognitiva: os planos da lógica, da evidência e



e relacionar esse relato com as explicações dos da psicologia (LEP). O plano da lógica compõe-

próprios alunos sobre a compressão de uma se de leis, princípios, modelos, teorias e fatos;

seringa de ar e o teste da Lei de Boyle (Sutton, o plano da evidência é a evidência ou o racio-



1992). Um outro exercício poderá pedir aos cínio que apóia o plano da lógica; e, finalmen-

alunos que reescrevam uma brochura expli- te, temos o plano da psicologia, que implica a

cando as vantagens e os riscos de um trata-


ação sobre o conhecimento anterior dos alu-


mento com raios X para pacientes hospitaliza- nos, a apresentação do conceito de tal forma

dos. O papel do professor é criar o cenário da que satisfaça as condições necessárias de



narrativa e utilizá-lo para estabelecer uma inteligibilidade, plausibilidade e utilidade.


160
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

Sugere-se que os livros didáticos corrobo- didáticos seria atribuir um papel de maior re-



rem o modelo LEP, no sentido de que a histó- levância aos cientistas na redação desses livros



ria do texto associe conceitos à evidência mos- (Raloff, 2001). O livro didático poderia, assim,



trada na história e na filosofia da ciência, de tornar-se uma fonte confiável de informações,


forma fluida e natural. O formato e o estilo do utilizado pelo professor para seus próprios ob-



livro didático tornam-se uma história em lu- jetivos pedagógicos. Cientistas e professores



gar da subdivisão em discretos capítulos poderiam trabalhar em conjunto na redação de


(Stinner, 1995). textos, combinando conhecimento científico 161



Outra abordagem, coerente com os dois contemporâneo e precisão com o discerni-



exemplos anteriores, seria fornecer um texto mento dos métodos de ensino atuais. Haveria



que auxiliasse as crianças a entender o mundo inevitavelmente tensões, mas ambas as partes


natural e material por meio de tarefas simples, poderiam começar a aprender uma com a ou-



porém envolventes, que as encorajem a asso- tra, fato que, por si só, poderia transformar a



ciar a evidência às explicações adjacentes. Os autoria de futuros livros didáticos e a nature-



critérios para esse tipo de texto incluem a ex- za do currículo escolar.


posição para o professor, em linguagem sim- Os dois primeiros modelos apresentados



ples e clara, das metas de cada unidade, das no presente artigo – os alunos como intérpre-

concepções errôneas que os alunos provavel- tes e o LEP – têm como objetivo aprimorar o

mente trarão para o tópico, da forma pela qual pensamento crítico do aluno, enquanto o ter-

essas concepções errôneas devem ser sistema- ceiro modelo assegura ao aluno, por meio de

ticamente abordadas, além do fornecimento experiências apropriadas, a orientação de que



de exemplos de fenômenos cotidianos que fa- ele necessita para extrair algum sentido dos

çam parte da vida das crianças – o que aconte- conceitos científicos dominantes. No primei-

ce com o ar que é bombeado no pneu de uma ro modelo, o papel do livro didático seria for-

bicicleta e para onde vai a água quando as rou- necer os antecedentes científicos, e é nesse

pas molhadas são colocadas para secar em um ponto que o insumo de cientistas profissionais

varal (Budiansky, 2001). O problema dos exem- poderia ser importante. O livro didático tor-

plos citados é que o professor, e não o livro na-se uma referência e não um guia. Meu pro-

didático, é imprescindível para expor as evi- blema em considerar o livro didático um com-

dências e orientar os alunos na conquista dos plemento do modelo LEP reside no fato de que

objetivos. essa abordagem é um convite para que o livro



didático desempenhe um papel mais domi-



nante, levando, assim, os professores a utilizá-


Conclusão

lo excessivamente. O terceiro modelo poderia


Até o momento, o que se viu foi um qua- ser interpretado como um guia do professor,

dro bastante pessimista do papel do livro di- uma fonte de idéias, e não algo para ser colo-

dático: impreciso, irrealista, transmissivo, au- cado na frente dos alunos como um texto ofi-

toritário, capcioso. Mas não seria correto re- cial e definitivo.


nunciar a ele e sugerir que esse quadro seja É interessante observar que o Projeto 2061

universal ou, ainda, que essas características não detectou tantos problemas no que se re-

sejam comuns a todos os livros didáticos. Pro- fere aos livros didáticos para alunos acima de

fessores e alunos ainda necessitam de uma 16 anos. A necessidade de volumes mais con-

fonte de informações prontamente disponível cisos nessa etapa, com informações mais

e portátil. factuais, é questionável. Para crianças na faixa



Se, por um lado, há excelentes livros didá- etária de 12 a 16 anos, entretanto, poderia ha-

ticos para alunos, por outro, o problema é a uti- ver mais ênfase sobre o pensamento científi-

lização excessiva desses livros pelos professo- co, o entendimento da natureza da ciência,

res. Uma solução para corrigir as concepções suas limitações, a formação da base para

errôneas e as imprecisões contidas nos livros decisores potenciais, bem como para aqueles

alunos que pretendem se especializar na área


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dessa abordagem é o livro “Ciência para enten-


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tinuado devem corroborar uma relação de


KEARSEY, J.; TURNER, S. Evaluating textbooks: the role of


transformação entre o professor e o livro didá- genre analysis. Research in Science and Technological


tico, na qual o professor assumiria um papel


Education, 17 (1): 35-43, 1999.


mais autônomo. O professor, entretanto, ainda KOULAIDIS, V.; TSATSARONI, A. A pedagogical analysis



necessita de material de apoio e deve atender of science textbooks: how can we proceed?. Research

○ in Science Education , 26 (1): 55-71, 1996.
às exigências da escola, dos alunos e da comu- ○

MATTHEWS, M. Science teaching. New York: Routledge,


nidade, de forma que há uma oportunidade

1994.

para que professores e cientistas comecem a


M I L L A R , R . S c i e n c e e d u c a t i o n fo r d e m o c ra c y. I n :

produzir esse material para atender às necessi- LEVINSON, R.; THOMAS, J. Science today: Problem

dades locais e às preferências de aprendizagem. or crisis? London/New York: Routledge, 1997, p. 87-

O ambiente local, por exemplo, é um recurso


101.

científico importante, e o conhecimento sobre NIAZ, M. The oil drop experiment: a rational reconstruction

o mesmo poderia ser integrado a novos textos. of the Millikan-Ehrenhaft controversy and its implications

for chemistry textbooks. Journal of Research in Science


A diversidade de livros didáticos constitui uma

Teaching, 37 (5): 480-508, 2000.


opção e permite às escolas selecionar aqueles

RALOFF, J. Errant texts: why some schools may not want


que melhor atendam às suas necessidades.


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162
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

O que é um livro didático hoje?






Luz Philippi



Fundación Chile – Santiago – Chile






Um dispositivo de mudança nas práticas pe- crianças, jovens e adultos segundo a necessida- 163



dagógicas, um tradutor das propostas curricu- de ou o que precisava ser feito.



lares ( Johnsen, 1996).


Um transformador da relação pedagógica,


Idade Antiga


permitindo independência do estudante em


Na Idade Antiga, a educação continuou, por


relação ao professor. Uma perspectiva alterna-


um lado, ocorrendo como vinha ocorrendo ha-


tiva para se ter acesso aos conteúdos curricu-


via anos: por imitação, experiência e exercitação,
lares (uma interpretação e seleção dos autores)


até que se inventou a escrita. Qualquer forma de


(Apple, 1990; Bernstain, 1985).


escrita inventada reflete a necessidade de se re-

Um “[...] instrumento de poder. Orientados

○ gistrar a história oral. Para tanto, foram utiliza-
para espíritos jovens ainda manipuláveis e ne-

dos diversas formas e vários suportes (pedras,


cessariamente pouco críticos […] garantem em

pergaminhos, madeira, barro, peles). Podemos


relação à palavra do professor [...] poderosas


pensar que essa necessidade surgiu da consci-


ferramentas de unificação – e até de uniformi-


ência da morte que a espécie humana possui e,


zação – nacional, lingüística, cultural e ideoló-


diante desse fato inevitável, a necessidade de


gica” (Chopin, 1994).

registrar, transmitir, ensinar, educar é uma for-


Um “[...] instrumento barato e mais ampla-


ma garantida de criar a continuidade cultural


mente acessível para a transferência de conheci-


(Sünkel, 1981). Um exemplo disso foi a enorme


mentos e competências. Fator-chave no melho-


Biblioteca de Alexandria.
ramento da aprendizagem […]” (Unesco, 1995).

Os primeiros “livros didáticos” foram criados


Um material que não apenas concentra os


para recolher e registrar os ensinamentos dos


planos de estudo vigentes, mas também con-


grandes professores e passá-los aos estudantes,


segue, muitas vezes, melhorar a qualidade das

que hoje seriam os universitários ( Venegas,


aulas, graças à sua didática e à estrutura de or-


1993). Essa é a função que diferencia um texto


dem escolhida pelos autores (Bamberger e


qualquer de um livro didático. Seu objetivo im-


Boyer, 1998).

plícito e explícito é o de ensinar e não apenas


É, necessariamente, seleção e interpretação

registrar, e tudo o que se escreve e desenha nele


dos autores de temas determinados.


tem o mesmo objetivo (naquele tempo, eram



quase sempre exemplares únicos). Só os gran-


Quando os textos escolares


des professores tinham acesso a esses textos, e


se tornaram necessários? somente uma pequena elite de estudantes tinha



acesso à educação.

Breve visão histórica


Mais tarde, Sócrates introduziu uma noção



de ensino por meio do intercâmbio de idéias, que


Pré-História obrigou os estudantes a refletir e questionar, e



não apenas escutar, aceitar e repetir.


Na Pré-História, a educação, como a enten-



demos hoje, provavelmente ocorria por imita-


Idade Média

ção direta, pela manipulação de utensílios, pelo


exercício ou pelo costume. Ela estava muito re- Na Idade Média, os mosteiros ficaram encar-

lacionada à sobrevivência e a ações cotidianas regados de recompilar e reescrever os conheci-



necessárias. Dela, provavelmente participavam mentos adquiridos pelos homens, até então, para

conservá-los e transmiti-los à humanidade. No tindo que se tomasse distância em relação ao es-



final desse período, os professores das emergen- critor (o escrito é mais duradouro que o oral).



tes universidades utilizavam esses textos como A exclusividade do latim cedeu espaço ao uso



base para seus cursos, e os estudantes tomavam de idiomas locais, permitindo a instalação de um


notas em pergaminhos que passavam a ser seus processo de ensino padronizado. Como não po-



“livros”. “Leitura, repetição e discussão” era o lema dia deixar de ser, as metodologias de ensino



das universidades desse período (Venegas, 1993). mudaram. O ensino para a elite versus o ensino


Nas associações, por sua vez, os professores para as massas. A multiplicação de exemplares



ensinavam ofícios a seus discípulos pela imita- de textos idênticos, ao alcance dos estudantes,



ção, pela exercitação e pela repetição, até que os foi uma verdadeira revolução.



orientandos desenvolvessem a experiência ne- O objetivo principal foi a alfabetização e o en-


cessária. As crianças só recebiam a educação que sino de conteúdos específicos. Não se premiava a



suas famílias lhes pudessem passar. Um filho de criatividade ou a iniciativa pessoal (como ainda



cavalheiro aprendia as artes da cavalaria, e um acontece hoje em dia em muitos casos), e sim a


filho de camponês aprendia a semear e a colher. ○
exatidão. Atividades próprias dos postos de traba-
lho de professores começaram a ser exercitadas.

Renascimento Edifícios especiais foram construídos para esse fim,



coordenados por autoridades centrais. Os “profes-


No século XV, começaram a surgir as primei-


sores” formaram um corpo profissional de docen-


ras escolas para meninos e meninas, sob a forma


tes, de funcionários públicos (Brunner, 2000).

de instituições privadas dirigidas pela Igreja, cujo


O conhecimento era considerado limitado e


principal objetivo era formar bons cristãos. O la-


relativamente estável, e seus principais supor-


tim era a língua dessa educação reservada a uma


tes eram a palavra magistral e o texto escrito em

elite que, já um pouco maior, se reunia nas por-


preto-e-branco (que plasmava as “verdades” e a


tas das igrejas ou em praças públicas para escu-


informação existente, ou parte dela). As escolas


tar, dialogar e aprender (Brunner, 2000).


eram o lugar onde se tinha acesso ao conheci-


Persistia o sistema de educação metódica


mento, e sua eficácia de educar era aferida por

centrada na memorização e no método da repe-


meio de exames (o conhecimento era um corpo


tição e do diálogo. O professor era o principal in-


hierarquizado de conceitos, e a avaliação era fei-


formante. Ele “sabia”, tinha acesso ao conheci-


ta por meio de provas padronizadas). A educa-


mento disponível nos textos antigos e em ban-


ção era o meio principal para se ter acesso a tra-

cos de dados de registros. A palavra oral impera-


balhos remunerados.

va como principal transmissora do conhecimen-


Em meados do século XVII, Juan Amos


to. Existia uma “comunicação linear” da mente


Comenio, didata checo, escreveu e projetou o


do professor até a do estudante. Os textos ainda


primeiro livro didático em latim, 100% conce-

eram objetos de luxo, aos quais pouquíssimos


bido para ser utilizado na sala de aula: o Orbis


tinham acesso.

Pictus. O texto baseava-se em imagens, com


No final do Renascimento, a educação se


uma espécie de alfabeto para cada elemento


aproximou do conhecimento a partir da experi-


ilustrado. A idéia era promover uma instrução

ência sensorial, sem abrir mão da prática da


viva do latim. A introdução das imagens cons-


memorização.

tituía uma novidade, mas não era a primeira vez



que elas eram usadas. Quase sempre, os regis-


Revolução Industrial tros da história eram acompanhados de ilustra-



A invenção da imprensa (1453) e seu rápido ções de algum tipo, ainda que isoladas, princi-

desenvolvimento desencadearam uma “cultura palmente se o texto fosse didático.



do impresso”. O acesso ao “conhecimento” demo- Até o século XIX, foram usadas lousas em vez

de cadernos, e os textos escolares eram lidos e


cratizou-se. As palavras fixadas no papel geraram


respeito e uma certa objetividade, dando mais relidos até que seu conteúdo fosse memoriza-

tempo para a reflexão e a interpretação, permi- do. O número de atividades era muito limitado.

164
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

As novas tecnologias da informação e da co-


Século XX


municação do século XXI apresentam-se como



“processos a serem desenvolvidos” (o usuário
Década de 1980



pode assumir o controle e produzir novos bens,


O fortalecimento da educação baseou-se na serviços educacionais e aplicativos) e não como



compreensão da leitura. O que, quem e quando “ferramentas para serem aplicadas”. Isso acon-



foram perguntas centrais no ensino. A memó- tece num contexto de globalização que reorga-


ria ainda era muito importante, mas existiam niza o espaço e acelera a circulação e a comu- 165



outras didáticas e meios que acompanhavam o nicação de bens e serviços, pessoas, investi-



ensino e a aprendizagem. Nos textos escolares, mentos, idéias, valores e tecnologias, o que


o desenho, o projeto gráfico, as ilustrações e as


pressupõe uma maior compenetração inter-


cores tornaram-se mais importantes. Seus edi- cultural e um mercado global e permanente de



tores procuravam torná-los atraentes e bonitos. mensagens apoiadas em meios audiovisuais



As ilustrações, o projeto gráfico e as fotografias (Brunner, 2000).


reproduziam ou apoiavam a informação escri-


O conhecimento existente atualmente é ili-


ta ou, em alguns casos, substituíam-na. Presu- mitado e instável – expande-se, renova-se e es-



mia-se que o estudante podia raciocinar e re- pecializa-se diariamente. São fluxos de infor-

fletir sobre seu próprio processo de pensamen- mações que aumentam a cada hora. É neces-

to. Houve preocupação com a interpretação e o


sário dedicar mais tempo para processar infor-


entendimento dos estudantes (Philippi e mações do que para obtê-las. Essas novas con-

Muñoz, 2000). dições mudam as formas de produzir e utili-



zar os conhecimentos, que se tornaram aces-


Décadas de 1990/2000 síveis a um número crescente de pessoas, cri-



Atribuiu-se prioridade ao desenvolvimento ando-se, assim, uma gama impensada de di-



dos processos cognitivos e ao envolvimento versidades e combinações. Trata-se uma cul-



afetivo dos estudantes na aprendizagem. Partiu- tura plástica, em constante transformação.


Supera-se o espaço e comprime-se o tempo


se para o desenvolvimento de habilidades do


pensamento superior. O por quê e o como cres- (Castells). Tanto a escola como os locais de tra-

ceram em importância e foram plasmados em balho precisam aprender e ensinar num ambi-

novos materiais didáticos, nos quais o “visual” ente caracterizado pelo fluxo constante,

se tornou cada vez mais importante, bem como ininterrupto, de informações.



a interação com o estudante e dele com os co- A escola perde sua primazia como único ca-

nhecimentos, as descobertas e os processos nal de contato com o conhecimento e a infor-



cognitivos. A metodologia de ensino e os textos mação. Essa primazia passa a ser compartilhada

mudaram. Eles deveriam refletir uma intera- com muitos outros meios. A informação e a

tividade (relativa), oferecer atividades de refor- aprendizagem estão distribuídas. O contexto e



ço ao estudante e meios para ele exercitar o que onde encontrá-las se tornam mais importante do

aprendeu e, na maior medida possível, questio- que obtê-las. Os textos não são os únicos a man-

nar, para obrigá-lo a raciocinar por conta pró- ter o objetivo do ensino. Surgem novos suportes

pria etc. No final da década, fala-se de inteligên- com o mesmo fim.



cias múltiplas: o conhecimento é um produto Para que os jovens de hoje se desenvolvam



cultural que pode ser aprendido a partir de dife- competitivamente na sociedade que lhes cabe-

rentes inteligências, o que incide no tipo de rá construir, eles deverão aprender a viver na

metodologia escolhida para transmiti-lo e pro- mudança, a administrar a incerteza, a pensar em



porciona possibilidades de aproximação do co- sistemas, a experimentar, a desenvolver-se com



nhecimento a um número maior de estudantes. autonomia, a trabalhar em bases colaborativas,


O livro didático, a biblioteca, o laboratório e, a usar seus próprios critérios em decisões rápi-

em menor medida, os meios tecnológicos pas- das, a desenvolver e a aplicar seus valores. Eles

sam a ser os pilares centrais da educação. estão imersos em mundos de códigos de inter-

câmbio de informações que diferem substanti- Como devem ser os textos



vamente dos da geração anterior. Grandes volu-


escolares hoje, pensando no


mes de mensagens são transmitidos por video-


amanhã?


clipes, grafites, Internet (hipertexto, chat, correio


eletrônico), tevê a cabo, telefonia móvel, video-


Apesar da informação assinalada na seção


conferências, pôsteres, histórias em quadrinhos


anterior, nossos países latino-americanos aca-


etc. Palavra e imagem combinam-se fortemen-


bam de lançar novas reformas educacionais,
te. O zapping (navegação rápida) é a forma mais


que levam em consideração as novas tec-


freqüente de leitura atualmente, em diferentes


nologias a serviço da Educação. No entanto,


suportes, e a formação de redes ou comunida-


esses meios repetem ou acentuam as diferen-


des virtuais, para os que têm acesso à tecnologia


ças econômicas e de estratos sociais, embora o
necessária, é uma forma cada vez mais comum


acesso às informações na Internet seja mais


de agrupamento.


barato e democrático quando se dispõe dos

Os indivíduos devem se preparar para um


equipamentos adequados!
mundo que lhes obriga a usar suas habilida- ○

Estamos, sem dúvida alguma, diante de uma


des e seus produtos (bens e serviços) univer-

forte transição entre o que os mercados nacio-


salmente. No mundo atual, precisamos estar


nais e internacionais exigem para incorporar for-


preparados para ser permanentemente com-


ças de trabalho e nossos tradicionais métodos de


parados com nossos pares e cotejados contra


ensino, nos quais o docente continua sendo a fi-

padrões internacionais, para responder com


gura principal, a figura que tem o acesso ao co-


agilidade e solvência às demandas do merca-


nhecimento, que entrega gradualmente a seus


do, para nos manter atualizados, para compre-


estudantes. Se somarmos a isso o fato de que


ender as inter-relações com outros elementos,

existem diferentes idiomas dentro dos mesmos


para criar novas competências etc. (Hojman e


países, e muitas vezes problemas de acessibili-


Philippi, 2000).

dade, devemos pensar em termos de materiais



que possibilitem nossa adaptação a períodos de


Como se ensina nesse transição. (No que se refere aos textos escolares,

deveríamos traçar uma distinção entre o que é


contexto?

necessário nos primeiros quatro anos da educa-



A escola deve ensinar novas competências ção básica e no restante dos anos escolares. Os

argumentos apresentados adiante deixam de


e habilidades e conectar-se ao mundo tec-


nológico de nossos dias e às novas exigências lado esses quatro primeiros anos.)

do mundo do trabalho. Para tanto, e para for- Os textos ou os materiais didáticos para es-

mar estudantes que construam ativamente ses períodos de transição poderiam considerar,

pelo menos, os seguintes aspectos:


uma compreensão do mundo que os rodeia,


são necessários grupos docentes que aceitem • Ter flexibilidade suficiente para serem úteis às

uma mudança do papel de “entregadores” (ou realidades de diferentes regiões e às diferentes


realidades observadas no interior das salas de


administradores) da informação para o de


aula (estudantes superdotados, por exemplo).


facilitadores e guias para o conhecimento. Os


professores devem ser articuladores das habi- • Ater-se ao currículo nacional, mas tendo pre-

lidades e dos conhecimentos que os estudan- sente o currículo oculto da região destinatária.

tes têm de desenvolver. Devem suscitar a cu- • Apresentar, na maior medida possível, os con-

teúdos aplicados às realidades concretas dos


riosidade e estimular a capacidade de pesqui-


sa, valorizando diferenças individuais. Isso destinatários.



implica a necessidade de atualização perma- • Caracterizar-se pela amabilidade, para gerar



nente e ensinos mais flexíveis, apoiados em receptividade, e não rejeição.



materiais didáticos impressos, digitais ou vir- • Servir de apoio para uma aprendizagem autô-

tuais, com novas características. noma dos estudantes.



166
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

• Ser instrumento de trabalho e consulta, conside- tuação de trabalho. Dessa maneira, o docente te-



rando a falta de bibliotecas públicas atualizadas, ria a oportunidade de fazer uma seleção que não



laboratórios, textos nos lares, bibliotecas escola- esteja necessariamente correlacionada à ordem


res com suficiente número de exemplares etc.


escolhida pelo autor e possa ser facilmente


• Ter uma estrutura e uma proposta gráfica a ser- complementada por outros materiais elaborados



viço do pedagógico e referências para uma rá- ou escolhidos por ele, sejam materiais impressos



pida e adequada localização de trechos especí- ou digitais. Um texto não pode, por si só, satisfazer


ficos dentro do texto. a toda a demanda existente. 167



• Apresentar atividades diferenciadas por grau de



dificuldade e por trabalho individual ou grupal.
Como alcançar esses



• Oferecer diferentes tipos de auto-avaliação.


objetivos?


• Não ser fechados, e sim servir de plataforma para



a abertura de portas para outros conhecimen-


Políticas internacionais


tos ou para o aprofundamento dos conhecimen-


tos que apresentam (deveriam apresentar bibli- para livros didáticos



ografias impressas e digitais, por exemplo). Segundo Chopin, podemos distinguir pelo


• Velar pela qualidade e pela atualidade dos co- ○

menos quatro modalidades de políticas interna-
nhecimentos apresentados e pela profundida- cionais para a aquisição de livros didáticos:

de de seu tratamento, não pela quantidade. Edição do Estado: implica uma censura a priori

• Ter um texto, ou manual do professor, com da produção de livros didáticos, já que o único

material complementar, aprofundamento teó- livro permitido para uso por docentes é o livro

“oficial”. O Estado exerce um monopólio sobre


rico, diferentes metodologias, bibliografias etc.


Material para autocapacitação e atualização a concepção, a redação e, às vezes, a edição, a



permanentes. impressão e a distribuição dos materiais.



Produção privada com “autorização” estatal:


Sabe-se, principalmente em cursos superio-

o setor privado produz os livros, mas o poder


res nas escolas, que os livros didáticos entregues


político se reserva a prerrogativa de só permi-


pelo Estado ou comprados no mercado não sa-


tir sua utilização nas escolas mediante autori-


tisfazem plenamente a cada professor em sua for-


zação prévia.

ma de apresentar as matérias e na seleção feita



Produção livre: o mercado produz livros didá-


pelo autor, razão pela qual são subutilizados e

ticos livremente e os apresenta aos docentes


materiais valiosos são perdidos. Os livros didáti-


para que eles escolham. Os professores rece-


cos devem dar espaço para que os docentes in-


bem uma subvenção do Estado para comprá-

corporem sua valiosa experiência, materiais es-


los. O Estado, no entanto, aplica alguns meca-


colhidos e já testados, adequações às diferentes


nismos prévios de controle e avaliação e impõe


realidades de cada turma etc. Ainda não se pode normas mínimas. A possibilidade de comer-

pensar em textos absolutamente auto-suficientes cialização depende dessas avaliações e, por essa

para os estudantes, que dispensem a orientação,


razão, as empresas se adaptam a elas. Esse me-


pelo menos de vez em quando, do docente. canismo exige docentes com graus de forma-

Talvez uma das formas mais adequadas para ção e atualização adequados para a aplicação

alcançarmos os objetivos assinalados anterior- de critérios consistentes no momento da sele-


mente seja pensarmos em textos “modulares”, tex- ção, sem reproduzir velhos esquemas.

tos que tenham uma coluna vertebral sólida e mais Sistemas híbridos de produção: o mercado e o

tradicional nos conhecimentos apresentados (que Estado produzem livros didáticos que oferecem

até podem ser capítulos separados), e vários “fas- aos docentes. No entanto, todos passam por

cículos” que abordem diversos temas a partir de determinada avaliação estatal que os classifica

outras perspectivas e com diferentes alternativas e torna explícita a avaliação. Os encarregados



metodológicas, de maneira que o docente possa pela escolha conhecem a qualidade e o nível

do material que estão escolhendo.


escolher quais delas mais se adaptariam à sua si-



O Estado é responsável pela qualidade e


BAMBERGER, R. Review of the International Research


pela eqüidade da educação, principalmente Results on Evaluation and Development of Textbooks.



em nossos países. Seu dever, então, é velar Research Project of The Institute of Textbook Research


pela qualidade, pela adequação e pelo uso and Advancement of Learning. Wien, Áustria, 1999.


(Org.). Zur Gestaltung und Verwendung von


do que chega às mãos de docentes e estu-


Schulbüchern. Alemanha: OBV, Pädagogischer, 1998.
dantes, sobretudo, como já mencionado, se


BALLANCA, J.; CHAPMAN, C.; SWARTZ, E. Multiple


o livro em questão for o único material de


intelligences for multiple assessments. Palatine, IL: IRI/


apoio que o docente, o estudante e as famí- Skylight Publishing, 1994.


lias de ambos terão em suas mãos (ainda que


BERNSTEIN, B. Poder, educación y conciencia. Barcelona:


por um período de transição). Para conse- El Roure Ediciones, 1985.



guir que isso seja feito adequadamente e por BUZAN, T. Use both sides of your brain. New York: E. P. Dutton,


se tratar de um tema sensível e importante, 1983.



propomos a continuação de uma série de CAINE, R. N.; CAINE, G. Making connections: teaching and


perguntas que o Estado se deveria fazer, uma the human brain. Alexandr ia, VA: Association for



vez que decida adquirir livros didáticos. As Supervision and Curriculum Development, 1991.

○ CAMPBELL, L.; DICKINDON, L. Teaching and learning trough
respostas para essas perguntas serão anali- ○

multiple intelligence. Tucson: Zephyr Press, 1992.


sadas durante a apresentação a ser feita no

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de pesquisa, 2000. espanhola de curso mundial multilingüe a distância), 1995.


ROCKELL, E. El libro de texto en la sala de clases: palabra VENEGAS, M. C. El texto escolar: como aprovecharlo. Co-



escrita, interpretación oral. Cuadernos de Investigaciones lômbia: Cerlac, Ministério Nacional da Educação, 1993.








O Programa Nacional ○

do Livro Didático no Brasil






Nabiha Gebrim

SEF/MEC




A política do livro didático do Ministério da Em 1985, com o retorno do país ao sistema



Educação vem se desenvolvendo de forma contí- democrático, foi criado o Programa Nacional do

nua, desde 1938, quando foi institucionalizada. Livro Didático (PNLD), que estabelecia parte de

Consolidando-se, ao longo do tempo, a partir de suas bases atuais e adotava como principais di-

mudanças na concepção, na gestão dos programas retrizes: a escolha do livro pela escola, com a

e na forma de sua execução, a política do livro di- participação dos professores do ensino de pri-

dático estabeleceu-se como uma política de Esta- meiro grau mediante análise, seleção e indica-

do. Este texto tem por objetivo situar o desenvol- ção dos títulos; a universalização do atendimen-

vimento da política do livro didático no Brasil, ex- to a todos os alunos do Ensino Fundamental; e a

plorando, nos seus aspectos históricos, políticos e adoção de livros reutilizáveis. Apesar desses

operacionais, os principais avanços e limitações. avanços alcançados pelo PNLD, cerca de uma

Já o primeiro programa ministerial de livros década após sua criação o programa ainda en-

didáticos deliberava sobre a liberdade de escolha frentava algumas dificuldades, seja no campo da

por parte dos diretores das escolas primárias dos distribuição do livro didático, seja, sobretudo, no

campo da qualidade, notadamente relacionada


livros didáticos usados nas escolas, quer públicas


ou particulares, desde que constassem da “rela- ao conteúdo das obras. No que se refere à avalia-

ção oficial das obras de uso autorizado”. Nesse ção dessa qualidade, em 1993, foi instituído um

momento, a política do livro didático não se refe- Grupo de Trabalho encarregado de analisar os

conteúdos e os aspectos metodológicos de livros


ria à aquisição e à distribuição dos livros por par-


te do governo federal, como se concebe hoje essa adequados para as séries iniciais do Ensino Fun-

política. Foi apenas a partir da década de 1960 damental. Por esse grupo foram analisados os

que, progressivamente, a política passou a con- títulos mais solicitados pelos professores no ano

de 1991, nas áreas de Português, Matemática,


ceber a idéia da distribuição maciça – ainda que


não universalizada – de livros para os alunos. Estudos Sociais e Ciências, livros esses que


correspondiam a 94% das aquisições do gover- Os critérios estabelecidos para a avaliação



no federal naquele ano. têm por objetivo oferecer, para escolha dos pro-



O resultado das análises constituiu um mar- fessores, obras isentas de erros conceituais, in-



co na política do livro didático, já que a partir consistência metodológica e de abordagens pre-


daí a questão passou a ter uma relevância social judiciais ao exercício da cidadania. Além desses



suficiente para demandar uma atuação mais efe- critérios gerais, cada uma das áreas, de acordo



tiva do Estado, não mais apenas sobre sua aces- com suas particularidades, possui critérios es-


sibilidade e disponibilidade, mas também sobre pecíficos. Atendendo ainda a uma antiga reivin-



sua qualidade material, de conteúdo conceitual dicação dos professores, o MEC estabeleceu a



e pertinência social. Com base nesse trabalho, obrigatoriedade da inscrição de coleções com-



foi possível sistematizar os indicadores qualita- pletas para cada uma das áreas. Esse critério visa


tivos para subsidiar o início do intenso proces- manter uma coerência teórica e metodológica no



so de avaliação do livro didático, que se realiza- desenvolvimento dos conteúdos, evitando rup-



ria nessa gestão, a partir de 1995. turas e descontinuidades. Também a inscrição


No que diz respeito a essa gestão e à evolu- do Manual do Professor, como parte integrante

ção mais recente do PNLD, há que se destacar a da coleção, passou a ser obrigatória, devendo

ampliação do atendimento, a pontualidade na constituir um instrumento de auxílio em sala de



entrega dos livros no início do ano escolar e a in- aula, sugerindo ao docente atividades comple-

corporação de outras duas etapas, de caráter pe- mentares, indicando leituras suplementares e

dagógico, ao programa: o processo de avaliação discutindo os procedimentos de avaliação do



dos livros e, mais recentemente, a orientação dos conteúdo ministrado. A seguir, são apresentados,

professores para sua escolha e uso. É importante em linhas gerais, os critérios adotados pelo Mi-

salientar que, até então, a execução do PNLD, em nistério nesse processo:



âmbito federal, se limitava a duas etapas: a com- Tendo em vista o constante aperfeiçoamen-

pra e a distribuição de livros. to do material inscrito, a cada processo de ava-



Nosso modelo de avaliação teve início com liação, os critérios estabelecidos em edital são

a publicação de um edital de convocação que discutidos, reformulados e refinados, evitando,



disciplinava a inscrição das obras. Os livros di- assim, a aquisição de obras desatualizadas ou

dáticos de 1ª a 8ª séries e os dicioná-



rios distribuídos pelo MEC são inscri-


tos no PNLD por meio dos detento- CRITÉRIOS COMUNS



res do direito autoral, cabendo ao Mi-


CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS


nistério coordenar, periodicamente, o



processo de avaliação. As etapas da


avaliação até a confecção do Guia de


Incorreção dos conceitos Estrutura editorial

Informações desatualizadas

Escolha, que contém as resenhas dos


Aspectos gráfico-editoriais

livros considerados recomendados,


Incorreção e inconsistência

consistem em triagem e avaliação pe- metodológicas Aspectos visuais


dagógica. Uma vez aprovados na tria-



gem, etapa em que se avaliam as Prejuízo à construção Textos


da cidadania

obras quanto a seus aspectos físicos


Ilustrações

e à adequação às normas do edital, os


Discriminação

livros são submetidos a uma rigorosa Preconceito


Doutrinação religiosa

análise pedagógica. Os livros são en-



tregues aos avaliadores totalmente LIVRO DO PROFESSOR



descaracterizados, ou seja, sem nome


do autor, sem nome da editora, ou


Explicitação dos Coerência com o livro


Orientação ao professor

qualquer outra indicação que possa pressupostostos teóricos do aluno



identificá-los.

170
PAINEL 13
O livro escolar no contexto da política educacional

incompatíveis com os objetivos do ensi-


Quadro comparativo das obras avaliadas,


no das disciplinas. O Ministério da Edu-
por menção, em cada PNLD – 1 a a 4 a série



cação, ao aprimorar, refinar e tornar mais


Total Não-recomendados


rigorosos os critérios a cada nova avalia-
PNLD Recomendados


ção, busca também permitir e encorajar Livros inscritos Excluídos



editores e autores na reformulação e na


PNLD/1997 466 105 (22,53%) 361 (77,47%)


reapresentação de obras já avaliadas,


além da inscrição de novas obras. Uma PNLD/1998 454 167 (38,46%) 287 (61,54%) 171



vez avaliados os livros, a escolha dos pro-


PNLD/2001 569 321 (54,41%) 248 (43,59%)


fessores somente terá vigência até a rea-


PNLD/2004 Avaliação em curso


lização de um novo processo avaliativo,


disciplinado por novos critérios publica- Fonte: Comdipe/SEF/MEC



dos em edital, que deverão orientar nova



avaliação, escolha e distribuição.


Quadro comparativo das obras avaliadas,


Uma vez realizada a avaliação, é elabo-


rado o Guia da Escolha dos Livros. Esse por menção, em cada PNLD – 5 a a 8 a série



Guia é disponibilizado não apenas para as Total Não-recomendados

PNLD
Livros inscritos Recomendados

escolas públicas, como também para as Excluídos



particulares. Respeitando a autonomia dos


PNLD/1999

professores, o MEC oferece, por meio des- 438 218 (49,77%) 220 (50,23%)

se Guia, uma vasta lista de títulos para es- PNLD/2002 414 260 (62,50%) 154 (37,50%)

colha, classificando as obras aprovadas em


Fonte: Comdipe/SEF/MEC
RD (Recomendadas com Distinção), REC

(Recomendadas) e RR (Recomendadas com Res- Nota-se, ainda, pelos gráficos a seguir, uma

salvas). São consideradas obras REC aquelas que, diminuição das obras excluídas e o conseqüen-

conceitual e metodologicamente, preenchem os te aumento das obras recomendadas:


critérios de qualidade estabelecidos. En-



quadram-se na categoria RD as obras nas



quais se percebe um caráter inovador em Distribuição das obras avaliadas em cada PNLD –1 a a 4 a série

relação às demais obras apresentadas,


além de atenderem aos critérios de quali- 400


361

dade. Já as obras consideradas RR são


350 321

aquelas que vão exigir do professor mais


287

atenção para preencher lacunas. 300


Até o momento, foram realizadas cin-


250 248

co avaliações, tendo como resultados os



Guias de Livros Didáticos de 1ª a 4ª séries 200


167

dos anos de 1997, 1998 e 2001, e os Guias


de Livros Didáticos de 5ª a 8ª séries dos 150


105

anos de 1999 e 2002. Encontra-se atual-


100

mente em curso a avaliação dos livros di-


50

dáticos de 1ª a 4ª séries para o ano de 2004.


Como avanços alcançados, a partir de


0

1995, podemos citar a melhoria da qua- PNLD/1997 PNLD/1998 PNLD/2001



lidade dos livros, observada ao longo dos



processos de avaliação pedagógica, por Recomendados


meio do gradativo decréscimo no núme-


Não recomendados excluídos


ro de livros excluídos, conforme pode-



mos perceber nas tabelas a seguir: Fonte: Comdipe/SEF/MEC




Distribuição das obras avaliadas em cada PNLD Biblioteca da Escola (PNBE), vem sendo


desenvolvido de forma articulada com o



PNLD, visando ampliar a oferta de materi-


300


260 ais de leitura aos alunos do Ensino Funda-


mental.


250
220


218 Em razão dos avanços constatados, en-


200


quanto perspectiva política, um dos desa-


154


150 fios do PNLD é consolidar a avaliação dos


livros, o que constitui uma incontestável



100 conquista no campo da qualidade da edu-



cação. Para isso, é fundamental a aprova-
50


ção, no Congresso Nacional, do projeto de



0 lei em tramitação, que estabelece as novas


PNLD/1999 PNLD/2002

bases da política do livro escolar.



Uma outra vertente de atuação, tendo
Recomendados
em vista o aprimoramento do programa,

Excluídos diz respeito ao desenvolvimento, no âm-



bito das universidades, de estudos e pes-


Fonte: Comdipe/SEF/MEC

quisas que fornecerão subsídios constan-


Pode-se, por um lado, concluir que, como tes para a melhoria dos livros e da própria

resultado dessa política do MEC, o país conta política do livro didático. Atualmente, en-

hoje com uma nova geração de livros didáti- contra-se em fase de execução uma pesqui-

cos que guardam pouca semelhança com


sa sobre a escolha dos livros didáticos pelos


aquela existente no início do processo de ava- professores, encomendada pelo Ministério,



liação. Pelos quadros apresentados, é possível com cujos resultados se espera poder conhe-

verificar a melhoria progressiva das obras ins- cer melhor os mecanismos que pautam as

critas para avaliação. escolhas docentes para o aprimoramento de



A avaliação de livros didáticos, por outro critérios da avaliação e da apresentação dos



lado, permitiu aumentar a participação dos resultados da avaliação, buscando o estabe-



professores no processo de escolha dos livros, lecimento de padrões de entendimento co-


uma vez que as informações contidas no Guia mum do que seja o livro didático de quali-

do Livro Didático favoreceram a discussão so- dade, tanto para o Ministério quanto para os

bre os livros a serem adotados, com base na professores.



resenha elaborada por especialistas e nas ne- Outra perspectiva relevante dessa política

cessidades reais dos alunos e dos docentes. O que não pode ser desconsiderada é o fortale-

Guia, como instrumento de auxílio ao profes- cimento das ações permanentes de formação

sor, propiciou a reflexão e a discussão sobre o docente, tendo por eixo a escolha e o uso dos

processo educativo e, mais especificamente, livros didáticos, estabelecendo, a partir daí,


sobre o material didático a ser utilizado em novos padrões para a relação com o mercado

sala de aula. Visando estimular ainda mais essa editorial, como forma de neutralizar o assédio,

discussão, foram ainda desenvolvidas ações de por vezes intenso, do setor a escolas e profes-

formação docente voltadas para a orientação sores, o que induz muitas vezes à escolha de

dos professores na escolha e no uso do livro obras menos qualificadas.



didático, em uma ação conjunta entre o Minis- Sem dúvida, a política adotada em relação

tério e as Secretarias de Estaduais e Munici- ao livro didático, nos últimos anos, tem con-

pais de Educação. tribuído para a melhoria da qualidade do En-


Complementar à ação voltada especifica- sino Fundamental brasileiro e para a constru-



mente para os livros didáticos, um outro pro- ção da ética e da cidadania necessárias ao con-

grama do Ministério, o Programa Nacional da vívio social democrático.


172
P A I N E L 14

O REFLEXO DA AÇÃO
FORMADORA NO PROJETO
PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO –
EDUCAÇÃO INFANTIL
Sueli A. Campos Silva e Valéria P. Cortez Corrêa

Ana Maria Mello

Stefânia Padilha Costa

Olga Regina Siqueira e Silva

173
Incorporação de estratégias formativas




na prática da Educação Infantil





Valéria P. Cortez Corrêa e Sueli A. Campos Silva*



Creche – Associação Obra do Berço/SP









Associação Obra do Berço


Quanto à aprendizagem das crianças, as mu-



Fundada em dezembro de 1938, a Associação danças foram desde concepções de criança, até



Obra do Berço tinha a finalidade de confeccionar as ligadas ao desenvolvimento, ao ensino e à


aprendizagem. Temos como base para a atuação

enxovais e distribuí-los a recém-nascidos caren- ○

tes. Em março de 1981, recebeu da Prefeitura do com as crianças o Referencial Curricular Nacio-

Município de São Paulo um terreno onde, com nal de Educação Infantil.


Em relação à formação dos educadores, com-


ajuda de vários doadores, conseguiu construir a


partilhamos a visão de uma atuação reflexiva com


sede atual, que ficou pronta em 1984, quando


foram criados os clubes de mães, de gestantes, tematização da prática apoiada por conhecimen-

de crianças e o consultório odontológico. tos teóricos. Nossos objetivos com os educadores


têm sido:

Em razão da disponibilidade de espaço e da


• formar educadores autores de suas práticas e


grande procura, inauguramos, em 1987, a Pré-


Escola, que se transformou em creche em 1992. capazes de elaborar seus próprios planejamen-

tos de trabalho;

Desde 1993, a entidade vem atendendo a cri-



anças de 3 meses a 6 anos, em regime de creche, • auxiliar o desenvolvimento de competências dos


educadores que lhes possibilitem uma atitude


considerando a grande demanda dessa faixa


etária e a sua proposta de trabalho. crítica, reflexiva, avaliando os resultados do seu



Além do atendimento a crianças (creche) e trabalho no cotidiano da creche e as conse-


qüências desse trabalho no desenvolvimento e


gestantes, a entidade possui também atendimen-


na aprendizagem das crianças;


to a jovens (Pró-Jovem) e adolescentes (Escritó-


rio-Escola). • estimular o uso consciente de instrumentos



metodológicos: observação, registro diário, refle-


xão, planejamento e avaliação;


Introdução

• auxiliar na criação de expectativas positivas em



Esse relato tem como objetivo compartilhar relação às crianças, acreditando que todas po-

com outros profissionais o percurso e o processo dem ser bem-sucedidas, e transmitir essa con-

vicção aos educadores;


de formação dos coordenadores e educadores.


Durante três anos, todos os profissionais das cre-


• construir uma relação de respeito, confiança, co-


ches nas quais atuamos passaram por um pro- laboração e entusiasmo na equipe de trabalho.

cesso de formação em serviço, desenvolvido pelo



Crecheplan – Instituto Avisa lá. Atualmente, po-


demos observar uma prática mais consciente e,


Estratégias de formação

conseqüentemente, mais significativa em relação



tanto às aprendizagens das crianças como à for- São muitas e diversificadas as ações que de-

senvolvemos no dia-a-dia para possibilitar a


mação dos educadores.







* Coordenadoras das creches da Associação Obra do Berço/São Paulo.


174
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

continuidade da formação em serviço. Estas são to de orientação e planejamento de ativida-



as principais estratégias utilizadas: des dos projetos ou seqüências didáticas.



Observação em sala. Trata-se de instrumen-



to de exercício permanente para o aprendi-
Autoformação dos coordenadores


zado significativo, em que o coordenador



Reunião de supervisão com consultores. Tem observa o educador e também o grupo de



como objetivo ampliar o conhecimento dos crianças, para uma atuação mais direta na


coordenadores dentro de sua prática, orien- prática. São realizadas reuniões posteriores 174



tando-os e assessorando-os nas interven- para que os educadores troquem informa-



ções com a equipe de educadores. ções sobre a observação.



Reunião de gerenciamento. Seu objetivo é a tro- Colaboração nos registros. O registro é uma


ca de experiências entre os profissionais de forma de trabalhar a memória e a história in-



gerenciamento e coordenação. Nessas reuniões, dividual da atuação pedagógica. Nele trans-


parecem as prioridades, os observáveis, as


elaboramos estratégias de atuação com a equi-


pe, buscando a estruturação e a reestruturação dúvidas e as angústias do educador. É uma



do trabalho de forma integrada. forma de comunicação, em que se podem do-


cumentar as informações e, assim, possibili-

Reunião de coordenadores. Visa ao inter-


tar sua divulgação e troca entre as pessoas. O
câmbio entre as coordenadoras das três uni-

coordenador, ao ler, pode intervir, colaborar


dades, garantindo a troca de experiências, a


na busca de soluções, na reorganização da ro-

elaboração e a organização de temas para


tina e, assim, melhorar a qualidade do aten-


reuniões de estudo e intervenção nos gru-


dimento às crianças e suas famílias.


pos.

Atuação do coordenador pedagógico em


Estágios em escolas particulares. A finalida-


sala. A idéia é que o formador desenvolva

de do estágio é possibilitar ao coordenador


atividades nas salas das crianças para serem


pedagógico ampliar suas estratégias de atu-


observadas pelas educadoras e discutidas


ação por meio da observação. Essa prática


em reuniões. O formador pode ser também

permite a construção de novas intervenções


um bom modelo na atuação direta com as


com os educadores e colabora também para


crianças e, para o educador, é interessante


que a organização dos conteúdos das reuni- ter outras referências: como desenvolver di-

ões pedagógicas atenda melhor às necessi-


ferentes atividades, como se organizar para


dades do educador e colabore decisivamen-


uma roda de conversa, como contar histó-


te nas aprendizagens das crianças. rias etc.



Exposição, reflexão e construção da prática Reunião de pais. Uma das estratégias de



do coordenador pedagógico. Esse recurso aproximação das famílias com os educado-


tem como finalidade, por meio de exposição


res consiste em organizar reuniões para com-


e relatos sobre estratégias formativas, levar partilhar perspectivas quanto à melhor qua-

os profissionais da área a refletir sobre suas lidade de ensino, saúde e administração da


ações, buscando novas atitudes e práticas e


instituição educacional. Isso possibilita às


estabelecendo relações de suas experiências famílias e aos educadores buscarem, em con-



com as de outros profissionais. junto, caminhos melhores para as crianças.



Estágio para educadores em escolas parti-



culares. Esse estágio proporciona ao educa-


Estratégia de formação

dor a possibilidade de comparar, discutir,


com os educadores

avaliar e reformular sua prática. A partir dos



Reunião de planejamento. Seu objetivo con- estágios, os educadores se tornam mais ca-

pazes de elaborar ações estruturantes para


siste em organizar estratégias de trabalho


enfocando as diferentes áreas do conheci- o trabalho, como autores de suas práticas, e



mento, ou seja, os conteúdos que serão de- podem colaborar com seus pares, tornando-

se membros atuantes da equipe.


senvolvidos com as crianças. É um momen-



Integração de membros da equipe


turas. É uma forma de alimentação da prática


em diferentes espaços de formação pedagógica, que extrapola os muros da creche.



Reunião de estudos. Esse tipo de reunião cons-


Projeto. Quintal da integração. Esse projeto


consiste em encontros de estudos planejados titui espaço garantido para os diferentes pro-



pela equipe de coordenadoras e gerentes de ins- fissionais da creche trabalharem temas especí-


ficos ligados à sua profissão. Teoria e prática


tituições de educação: creche, Emei e Emef,


com propostas do interesse da equipe de pro- devem permear suas atuações vinculadas às



fissionais, fundamentando a prática, buscan- trocas de experiências da equipe, ampliando e


do, por meio da reflexão e avaliação dos temas aprofundando o conhecimento de todos.



específicos, estratégias comuns para as diferen- Participação em seminários, mostras de traba-



tes organizações. lho, cursos. As oportunidades de exposição dos



Passeios culturais. Os passeios culturais possibi- trabalhos efetuados são muito importantes. São


litam a ampliação do universo cultural e o conhe- momentos de sistematização da prática de ex-



cimento do patrimônio da nossa e de outras cul- plicar aos pares o que, como e por que fizeram.







Os fazeres na Educação Infantil




Creche Carochinha – Coseas/USP




Ribeirão Preto/SP




Ana Maria Mello



Creche Carochinha – USP/SP






A discussão sobre creches na Universidade A Creche Carochinha foi fundada em 1985


de São Paulo (USP) iniciou-se em 1965, sem e está vinculada a uma coordenadoria da uni-

muita repercussão. Em 1974, foi inaugurada a versidade, a Coseas, com outras três creches da

primeira creche da USP, em Piracicaba. Só em capital de São Paulo. Em Ribeirão Preto, há ape-

nas a nossa creche. Porém, desde 1987, traba-


1975, houve uma retomada das discussões, que


reorganizou a reivindicação por creches em ou- lhamos em conjunto com docentes da Facul-

tros campi. Marcada pela famosa “passeata dos dade de Filosofia, Ciências e Letras e do Depar-

bebês”, em frente ao prédio da Reitoria, em São tamento de Psicologia, onde posteriormente,


em 1991, fundamos o Centro Brasileiro de In-


Paulo, o movimento foi reativado, ocupou es-


paços importantes na imprensa interna e exter- vestigações sobre Desenvolvimento e Educação



na à USP e tornou-se o marco fundamental para Infantil (Cindedi).



acelerar o processo de construção de creches na A Creche Carochinha e o Cindedi têm traba-


lhado, nos últimos anos, construindo projetos


universidade.

O ápice das discussões tanto no campus de para o cuidado e a educação dos pequenos, co-

São Paulo, como nos campi de São Carlos e Ri- laborando em pesquisas e assessorando outras

beirão Preto, data de 1979/1980. Várias comis- redes públicas de creches e pré-escolas, de for-

sões foram montadas com representantes das ma a responder, pelo menos em parte, a esse tipo

entidades de classes e especialistas, que orga- de demanda.



nizaram projetos, com análise de custos, pla- A Creche Carochinha atende 150 crianças de

nilhas de recursos, como também reflexões so- 4 meses a 7 anos, filhas de funcionários, docen-

bre concepções de creche. tes e alunos do campus de Ribeirão Preto. Todas



176
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

5. Uma vez por ano há um encontro dos edu-


as famílias estão inseridas em mercado de tra-


balho estável. Setenta por cento vivem em casa cadores e pesquisadores no Cindedi, em



própria, nos conjuntos habitacionais da zona que todos têm oportunidade de apresen-


tar painéis e comunicações. Desde 1995,


periférica da cidade. O restante – docentes e alu-


nos – vive em áreas centrais da cidade. também a Divisão de Creches da USP –


Coseas organiza seminários das quatro cre-


Quanto à formação de educadores que tra-


ches ligadas a ela.


balham na creche, há diferentes níveis de forma-


6. Trinta por cento dos funcionários já ministram 176


ção prévia, como também há diferentes módulos


de formação continuada. Depois de 1989, a USP cursos e organizam oficinas para diversas re-


des públicas. Quarenta por cento participa-


organizou a carreira desses educadores, exigin-


ram, nos últimos quatro anos, de reuniões da


do o 2o Grau completo e definindo piso salarial e


SPB e Copedi. Em 1995, organizou-se um Cen-
carga horária. Após a edição da Lei de Diretrizes


tro de Referência de Criação do Educador


e Bases, em 1996, a universidade não traçou ne-


(Crece), cuja função principal é catalogar to-


nhuma política para aqueles funcionários sem a


das as idéias dos educadores para servir de re-


qualificação exigida pela lei. No caso de Ribei- ferência. O Crece funciona em uma sala da


rão Preto, dos 26 educadores, 14 têm Magistério

Creche Carochinha.

e/ou Pedagogia e 12 têm o 2o Grau completo.


Esse programa é desenvolvido predominan-
Recentemente, em parceria com a Secretaria de

temente no espaço da creche. Em algumas situa-


Educação do Município, 10 educadores partici-


ções utilizam-se salas de aulas da universidade.


param, formalmente, de um curso técnico que

Quanto ao trabalho de extensão à comuni-


habilita educadores em serviço.


dade e às demais instituições públicas, há qua-


Para os educadores da Creche Carochinha,


tro frentes de trabalho:


desde de 1994 há um programa de formação con-


• visitas das terças;

tinuada, que se configurou da seguinte forma:



1. Encontros bimestrais (6h): oficinas de produ- • orientações a técnicos e/ou coordenadores;



ção e apresentação pelos educadores de três • palestras, cursos e assessorias;


trabalhos relacionados com crianças de 4


• elaboração de artigos, folhetos, vídeos educa-


meses a 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 7 meses a


tivos e do jornal Batata Quente, coordenados


3 anos; e de 3 anos a 7 anos, e um trabalho – pelo Cindedi, por meio de projetos financiados

painel – apresentado pela equipe técnica


pela Fapesp e pelo CNPq.


(supervisores dos projetos). Os melhores tra-


balhos são publicados no jornal semestral



Batata Quente ou em folhetos educativos. Visitas das terças. Semanalmente, a creche re-

cebe a visita de técnicos e educadores de cre-


2. Encontros semestrais (18h): especialistas são


ches e pré-escolas de redes públicas de vários


convidados para trabalhar em cursos ou dar


municípios do Brasil. Nessa oportunidade, a


palestras sobre diversos temas referentes ao


creche apresenta a estruturação e organização

cuidado e à educação infantil coletiva; pas-


do seu espaço físico (que é ocupado por inú-


seios pedagógicos (cinemas, museus etc.); or-


meros objetos construídos pelos educadores,


ganização do planejamento, espaços e obje-

com aproveitamento de material reciclado –


tos para o semestre seguinte e avaliações dos


ver vídeo Fazendo arte na creche) e também


projetos e das concepções.


orienta quanto à concepção que define as di-

3. Supervisão: exercida pela equipe técnica da retrizes do trabalho, ao conteúdo dos proje-

creche (pedagogo, psicólogo, auxiliar de en- tos, à organização da rotina, à formação de


fermagem e nutrição), quinzenalmente, para pessoal etc. A Creche Carochinha, desde 1995,

duplas de educadores. fundou o Crece.



4. Grupos de estudos: reúnem-se uma vez por Orientações a técnicos e/ou coordenadores.

mês. Por semestre, foram organizados três Dada a inexistência de um currículo sistemá-

grupos de estudos com temas referentes aos tico e de curso específico para a formação de

três módulos. educadores que trabalhem com crianças, prin-




cipalmente menores de 3 anos, a creche tem Esse material é o resultado da sistematiza-



sido freqüentemente procurada por profissio- ção da formação dos educadores da creche,



nais da área, no sentido de responder a essa como também dos estudantes de graduação e


demanda. Assim, as orientações realizadas


pós-graduação ligados ao Cindedi – FFCL/RP.


têm sido no sentido de compartilhar as expe- O vídeo Fazendo arte na creche é a nossa pro-


riências, no que se refere tanto ao trabalho de-


dução mais recente e ilustra a participação dos


senvolvido diretamente com as crianças, como


educadores e técnicos como protagonistas e co-


também ao trabalho de formação dos funcio-
autores do processo de construção de conheci-


nários. Os temas trabalhados envolvem as di-


mento na creche. Esse trabalho apresenta a pro-


versas áreas de atuação das creches e pré-es-


dução dos educadores na organização dos ambi-


colas, em relação tanto ao cuidado quanto à


educação das crianças. entes. Destaca a cultura da infância. Os arranjos


espaciais e o seu uso pelas crianças são apresen-


Palestras, cursos e assessorias. Os membros


tados por um jornalista excêntrico, que utiliza a


da equipe técnica, como alguns educadores,

narrativa para contar histórias desse projeto.

têm cumprido o importante papel de divul- ○
No livro Os fazeres na Educação Infantil
gar conhecimentos técnicos-práticos por

(1998), o artigo “A formação nossa de cada dia”


meio de cursos, palestras e assessorias para


também conta, com mais detalhes, como a cons-


instituições da rede pública que trabalham


com crianças de 0 a 7 anos. Alguns técnicos trução da proposta pedagógica fez parte da for-

também têm participado, como assessores, mação dos educadores dessa creche. A proposta

de discussões sobre políticas para a Educa- pedagógica é apresentada por nós como algo que

ção Infantil, em conselhos, secretarias muni- muda conforme as possibilidades da instituição,



cipais e ministérios. o momento histórico, a população atendida e a


dinâmica das relações que ali ocorrem. A forma-


Elaboração de artigos, folhetos, vídeos e do jor-


ção que defendemos, portanto, acontece por


nal Batata Quente


meio de planejamento, ação, avaliação e replane-


Folhetos:

jamento.
a. Série Carochinha: Mordidas: agressividade

Atualmente, sabemos que não basta ter uma


ou aprendizagem?; Adaptação; Arroz, feijão,


estrutura de formação, organizada com reuniões


batata e macarrão…; Controle de esfíncter;


Vamos pra caminha: sono nas creches; Se- e estratégias. Essa estrutura é necessária para

xualidade na primeira infância; Bolinha de construir hábitos em relação ao estudo e refle-


xão sistemática sobre Educação Infantil. Porém,


sabão… O banho na creche.


nossa experiência tem demonstrado que conse-


b. Série Comunidade em Ação: Como mamar


sem ocasionar cáries. guimos resultados de qualidade nos programas



de capacitação, quando nos preocupamos com


Jornal Batata Quente:


a formação do cidadão e quando consideramos

É um órgão semestral elaborado por técni-


o contexto ideológico, histórico e cultural espe-


cos, educadores e funcionários da creche,


cífico em que o educador está inserido.


fundado em 1992.

Ana Paula Soares (Cindedi, 2001), em artigo


Os folhetos e alguns artigos do jornal foram


recente, apresentou nossa concepção sobre o tema:

reescritos para o nosso livro Os fazeres na



Educação Infantil, publicado, em 1998, pela


Temos assumido que o desenvolvimento humano


Editora Cortez.

só se dá por meio da apropriação da cultura, por-


Vídeos: tanto, a pessoa torna-se humana a partir de sua



Vida em grupo na Creche Carochinha; Quan- imersão em um mundo simbólico e de um pro-


do a criança começa a freqüentar a creche; cesso de contínua significação e ressignificação do



Letramento na creche; O fazer do bebê; O con- mundo, dos seus parceiros de interação e de si

to que as caixas contam; O lobo que virou bolo


mesma. A natureza humana é essencialmente his-


– práticas educativas alimentares na creche; tórica e cultural e, daí, tanto os pensamentos como

Fazendo arte na creche. as atitudes e sentimentos de uma pessoa têm uma



178
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

origem social. Assim, as questões relacionadas ao construímos nosso “jeitinho de fazer”, que sem-



humano, à sua constituição, ao seu desenvolvi- pre teve, tem e terá falhas, faltas, buracos, con-



mento e à sua profissionalização devem ser lidas forme descreve Adriano Gosuen, em seu artigo


em relação às vivências do indivíduo e ao seu mo-


bem humorado “Só que…”, o qual conclui nosso


mento de vida, dentro da realidade concreta em livro Os fazeres na Educação Infantil (1998: 187).



que está inserido.



Assim, ao organizarmos programas durante


178


esses dezesseis anos na Creche Carochinha, ou-
Bibliografia


vimos, discutimos diferenças, enfrentamos di-



vergências e oposições e, muitas vezes, altera- BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Diá-


rio Oficial. Poder Executivo, Brasília/DF, 23 dez. 1996.


mos percursos que acreditávamos construídos.


OLIVEIRA, M.R. Zilma et al. Creche: crianças, faz de conta e
Assim, vivemos intensamente nossas frustra-


cia. Petrópolis: Vozes, 1993.


ções, diante de dilemas muitas vezes não solu-


ROSSETTI-FERREIRA et al. (Orgs.). Os fazeres na Educa-


cionados naquele “dia de formação”. Enfim, ção Infantil. São Paulo: Cortez, 1998.







Relato de experiência:


o reflexo da ação formadora




no projeto pedagógico


da instituição


de Educação Infantil




Stefânia Padilha Costa



Escola Maria Salles Ferreira – SME – Belo Horizonte/MG






Sendo uma professora que está, no dia-a-dia, siderei fundamental trazer aqui a voz da profes-

em uma sala de aula com 20 crianças e sentindo sora. Não das milhares deste Brasil, porque não

o peso da responsabilidade de cuidar da forma- poderia. Cada uma é uma, com uma história

ção delas, inicio dizendo da minha alegria em muito singular, e esse é mais um princípio a ser

participar deste congresso. Alegria por entendê- pensado nas políticas de formação: não somos

lo como oportunidade de diálogo sobre um gran- uma massa homogênea. Como elemento desse

de desafio da educação deste país – a formação coletivo, dessa categoria, fiz a opção por perso-

dos professores –, que nos toca tão direta e pro- nificar ao máximo, contando uma experiência

fundamente. Assim, estar aqui, sendo considera- muito particular, mesmo correndo todos os ris-

cos de inadequação e/ou pobreza na exposição.


da interlocutora, nesse “pensar junto” a respeito


da minha formação, parece óbvio, mas sabemos, Tentarei desenhar, na cabeça de vocês, uma

todos, que é novidade. Stefânia professora. E, assim, discutir por que e



Nesse sentido, pensei muito sobre o que pri- por onde passam o meu sonho e as minhas ne-

cessidades relativas à formação continuada. São


vilegiar neste raro momento. Poderia tentar re-


petir aqui as discussões mais atuais sobre forma- inúmeras as marcas e os aspectos que precisa-

ção. Isso seria importante para minha defesa de vam ser trazidos à tona para desenhar a pessoa/

que também temos um saber que precisa ser con- professora que sou, mas tive de fazer opções e

privilegiar alguns aspectos. Aliás, essa tarefa per-


siderado, mas não foi essa a minha opção. Con-



certeza: “É isso que quero para a minha vida”, ou


manente de fazer opções, escolhendo, num con-


junto de importâncias, o que, no momento, é o seja, em tudo há um ar de “vocação”.



mais importante é o maior desafio da profissão. A professora mais próxima do nosso tempo,



Pretendo dividir minha abordagem em três minhas irmãs viveram: Dona Yara, Dona Sara,


aspectos: Dona Iraci. Penso que tinham um pouco mistu-



1. A percepção que tenho da trajetória da minha radas as características dos dois professores an-



profissão e quais traços dessa trajetória iden- teriores. Elas ainda contaram com status e reco-


tifico como constituindo a professora que sou. nhecimento social e foram a “segunda mãe” de



2. O meu ponto de vista sobre a articulação en- muitas crianças. Esse tempo, mesmo com seus



tre a velha discussão – compromisso político limites e equívocos, marcou, na minha opinião,



versus competência técnica – e a nova discus- um período em que o nosso papel era carregado


são – o professor como sujeito sociocultural, de respeito, que nos dava orgulho e compromis-



responsável por seu processo de formação, e so. Penso ser fundamental resgatar esse respeito,



a formação como direito. esse orgulho e esse compromisso pela profissão.

3. O cotidiano da pessoa Stefânia no papel de ○


Lembro que minhas irmãs levavam seus alunos
professora e a relação entre essa realidade e para passear na nossa casa e no sítio do meu pai.

os limites e as necessidades de um processo Eu também visitava suas salas de aula e, nas duas

de formação. situações, pude testemunhar uma relação de



A opção de personificar minha abordagem na afetividade e de severidade. Tanto a disciplina


como a aprendizagem de cada um dos alunos


pessoa que sou pretende realçar minha crença


em políticas de formação que nos considere eram levadas muito a sério, mas o mais visível era

como sujeitos concretos, temporais. No entan- o orgulho que se tinha da turma e da profissão.

Essa experiência familiar foi marcante e está


to, existe de minha parte a clareza de que somos


presente na professora que sou. Quero chamar a


habitados pelo outro. O outro de um tempo di-


ferente, o outro idealizado, o outro que a con- atenção para o fato de que minhas irmãs, duran-

venção aconselha, o outro com o qual convivo, te o exercício da profissão, não tiveram treina-

mentos, atualizações, nem o tempo pedagógico.


o outro que pesquisa e escreve sobre meu fazer,


A formação inicial era considerada suficiente


o outro e o outro. Parece, mesmo, que somos um


indivíduo habitado por um conjunto de outros. para 25 anos de serviço. No entanto, minhas ir-

Nesse primeiro ponto, quero remontar à tra- mãs, pelo menos, que eram três na mesma casa,

viviam conversando sobre o trabalho, planejan-


jetória da minha profissão, mesmo que de ma-


do e corrigindo atividades de maneira comenta-


neira bem recortada e superficial, para identifi-


car o que penso permanecer em mim desses da, o que certamente devia possibilitar reflexões

outros distantes no tempo. Do professor dos pri- e trocas entre elas. Quero destacar também que,

por vivenciar tudo isso e até ajudar nas corre-


meiros tempos, cuja origem esteve ligada às de-


ções das atividades, a minha formação profissio-


mandas particulares das famílias poderosas,


pouco sei e não poderia identificar traços de nal iniciou-se aos 8 ou 9 anos de idade.

identidade. Agora considero que nossa profissão vive


pelo menos três faces de uma mesma moeda.


Do professor já com um projeto de educa-


ção mais coletiva, relacionado com a Igreja, dan- Somos “as tias”, com todo o desprestígio social

do à nossa profissão características de dom, vo- desse título, aquela boazinha que faz as vonta-

cação, sacerdócio, penso que trago uma certa des, que pode ser útil para várias tarefas, mas é a

mãe quem decide as questões importantes.


vivência idealizada da profissão e, vira e mexe,


muita culpa. Culpa pela criança não atingir os Aquela que, não sendo a dona, a grande respon-

tais padrões desejados, culpa por uma interven- sável pela formação/educação da criança, não

ção desajeitada, culpa pelo tempo não render, define nada, mas ganha a recompensa da “flexi-

bilidade”. Não precisa de muito preparo, não pre-


culpa por não ter todas as soluções nas minhas


mãos, culpa por fazer greve, culpa pela criança cisa ser muito competente e ganha um título que

sair da escola. Com todo esse sofrimento, há uma carrega doses de afetividade. As “tias” são boazi-

180
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

nhas, como se o título desse, a priori e de graça, ca carregava significados diferenciados, em di-



uma relação afetiva que deveria ser construída ferentes concepções de cultura e, nesse sentido,



no dia-a-dia. Mas, junto com essa realidade, exis- o compromisso político é que deveria ser o



te outra. Mãe é uma só e “tias” podem ser mui- detonador de uma determinada competência


tas, e passamos a ser entendidas no plural. técnica e o seu horizonte. Depois veio o Der-



Talvez, como instinto de sobrevivência, hoje meval Saviani, elegendo-se para fazer a síntese



somos plural, tias ou mercenárias; somos plu- desse debate. Talvez não fosse bem isso o que os


ral, somos categoria, organizamo-nos em sindi- autores diziam, e com certeza eles diziam mui- 180



catos e tentamos fazer ouvir a nossa voz, os nos- tas outras coisas, mas não é meu objetivo deter-



sos direitos. Somos também objeto de pesquisa me nesse debate. Só pretendo chamar a atenção



e estudos de nós mesmas e de outros, preocu- para o fato de que, naquele momento, tomei a


pados com nossa identidade, e nos percebendo primeira posição com relação à minha profissão



como sujeitos sociais políticos. Um sujeito cons- e defendia, apaixonadamente, que primeiro vi-



tituído na relação com outros, fazendo e se fa- nha o compromisso político e, em nome dele, do



zendo na cultura. resto a gente corria atrás.


Neste tempo em que vivo, a professora que sou Hoje, revisitando esse momento, à luz das



tenta negar o papel de tia nas ações e atitudes in- discussões atuais sobre formação, principalmen-

dividuais, mas sei que a carrego comigo, principal- te as de autoria do professor António Nóvoa,

mente no olhar do outro sobre minha profissão. percebo que nem era um posicionamento bem

Com relação ao sujeito sociopolítico pertencente fundamentado, era quase visceral. Vivendo todo

a uma categoria, tento me colocar a serviço da aquele fervilhamento das greves de professores

construção dessa identidade numa constante e nas ruas, tive de jogar fora a imagem cor-de-rosa

doída articulação entre o individual e o coletivo. construída sobre o Magistério, perdida no jogo

Mas, com toda a certeza, participar da aber- das diferentes imagens que nos eram impostas:

tura política de nosso país em 1979, ir para as missão sublime; professora como um ser delica-

ruas abrindo a caixa-preta da educação e presen- do, frágil; espera-marido; opção segura para

ciar o surgimento de uma nova concepção de moça de família por ser tarefa fácil, de meio pe-

sindicato, mesmo ainda sendo uma aluna do ríodo, possibilitando a dedicação ao lar. Nas ruas,

Normal, foi e é uma marca determinante na pro- eu via companheiras fortes, determinadas, que

fessora que sou. Penso que nos anos de 1980, corriam por três turnos de trabalho, em sala de

escorregamos por uma etapa da história, e as aula. Eu não estava achando nada fácil ser pro-

mudanças ocorreram a mercê das ideologias e fessora. Alguma coisa estava errada comigo?

legislações. Começamos a nos descobrir como Mas, surpreendentemente, diante da clare-



sujeitos da história e das mudanças, negando za de que a minha formação inicial era insufici-

antigas imagens. ente para os desafios que enfrentava, de que a



Vou passar rapidamente pelo segundo aspec- imagem que tinha da profissão era irreal, não me

to só para pontuar que toda aquela discussão da senti sem chão debaixo dos pés, porque, junto

década de 1980, sobre competência técnica e com esse movimento de desconstrução, havia

compromisso político, também influenciou mi- também a construção de uma visão de mundo e,

nha formação. Penso que a importância maior aí, de um compromisso político que me faria

foi o fato de, pela primeira vez na minha vida, eu correr atrás do que me faltava.

estar diante de um debate, diante de pontos de Assim, a posição de que o compromisso po-

vista diferentes, e me sentir tentada a fazer, pela lítico era impulsionador para a competência téc-

primeira vez, a pergunta que não me abandonou nica foi a verdade do meu percurso pessoal. Era

mais: “E você, Stefânia, o que pensa sobre isso? uma identificação, mais que uma posição. Hoje,

Qual a sua opinião/posição?”. Lembro que poderia citar uma colega que, na minha opinião,

Guiomar Namo Mello defendia que a competên- percorreu um caminho inverso ao meu, mas a

cia técnica levaria ao compromisso político e conclusão é a mesma da década de 1980: o fun-

Paolo Nosella defendia que competência técni- damental é que compromisso político e compe-

tência técnica estejam presentes em cada ação Mas vocês já imaginaram o quanto o nosso



do professor. É nesse sentido que hoje me iden- corpo fica exposto, nessa profissão? Sabem o que



tifico, me posiciono em defesa e me transformo significa pegar piolho, custar a acabar com eles



com as contribuições de António Nóvoa e Inês e, no outro dia, aceitar aquele abraço, agarrado,


Teixeira: grudado no pescoço, da Aninha e até sentir a



“transfusão” de piolhos? Qual formação, ainda



Os professores exercem sua atividade e se mais a distância, daria conta do controle que


constituem, como tal, em contextos sociais e his- devo ter quando ganho aquele pisão na unha?



tóricos, dimensionados em estruturas, institui- Nas minhas reflexões, é dilema, é sofrimento



ções e processos resultantes das escolhas e con- pensar: “Efetivamente, eu os estou formando


tingências da ação humana [...]


para a iniciativa, para a independência, para a


Sujeitos socioculturais são, finalmente, seres
autonomia, quando organizo com eles todo o


de ação, realizando-se como seres livres e de vida


espaço da sala e a dinâmica do trabalho? Ou


ativa, inseridos no mundo por suas palavras e

quando, ao reorganizar as mesas para uma ati-

atos que são comunicação e revelação (Inês ○
vidade, uma criança cheia de iniciativa, queren-
Teixeira, 1996).

do ajudar, empurra a mesa e esmaga os meus



dedos e, com dor, recrimino: ‘Vê se não me aju-


Esta profissão precisa de se dizer e de se con-


tar: é uma maneira de a compreender em toda a da, se eu não pedir!’?”



sua complexidade humana e científica. É que ser Por isso, vira e mexe, nas reflexões coletivas

da escola, o desafio é especificar o que cada uma


professor obriga a opções constantes, que cruzam


a nossa maneira de ser com a nossa maneira de en- de nós entende como autonomia e como postu-

sinar, e que desvendam na nossa maneira de ensi- ras coerentes com tais concepções. Já, nas refle-

xões individuais, fiquei, por muito tempo, angus-


nar a nossa maneira de ser (António Nóvoa, 1992).


tiada, pensando que, como professora, vamos



Aceitei, entusiasmada, esse convite do Nóvoa ficando competentes em muitas coisas, mas a

e passo para o terceiro ponto da minha aborda- tolerância, com certeza, vai diminuindo. Até que

gem, descrevendo algumas características mi- resolvi que nada é dado e acabado, e estou

nhas que têm influência na minha atuação, o que priorizando e policiando o meu grau de tolerân-

tento fazer num exercício de articulação com a cia, na relação com as crianças, e a meta é per-

formação que se dá na escola. correr o caminho inverso. Ainda, na questão da


Começo com a opção por uma profissão que tolerância, existe um outro aspecto: como forta-

se pauta na relação de gente com gente. Tarefa lecer uma relação de encantamento com o dife-

complicadíssima! Basta pensar nas relações ma- rente, com o novo, se o que é padrão e o que não

rido/esposa e nas relações pais/filhos. Só que para traz estranhamento é tão cômodo e, aí, sedutor?

essa relação familiar ninguém estudou, ou apos- Como construir e manter uma postura de

tou num retorno. Nosso caso é ainda mais com- alteridade? Outra grande contribuição do cole-

plicado, porque essa relação se dá num lugar com tivo de uma escola pública é que é preciso sem-

uma função específica: educar/formar, e temos pre conviver e negociar nossas diferenças.

uma “formação” que presumiria uma aposta e, O tempo passa e envelhecemos. Vamos para

daí, uma responsabilidade em “acertar mais”. Essa a idade. Tenho 40 anos e minha relação é com

questão já nos coloca, nesse lugar, com o descon- crianças de 5 anos. Talvez, aqui, o Papai do Céu

forto do peso dessa responsabilidade. tenha falhado. Não guardamos, na memória, o


Então, vamos dizer desse corpo que carrega nosso ser criança e a experiência vivida não con-

essa responsabilidade. O meu corpo e a minha segue nos ajudar na relação com as crianças. Ali-

estatura são facilitadores da tarefa de professora ás, acho que elas são muito mais compreensi-

de Educação Infantil (talvez fosse complicado na vas, que têm uma fase que ainda não viveram,

relação com os “grandões”). Meu tamanho me do que nós, que já fomos crianças. Na Educação

aproxima das crianças e elas adoram dizer que Infantil, é fundamental perceber a perspectiva da

estão quase me pegando. criança, para ajudá-la no seu processo. Então, nas

182
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

reflexões do coletivo da escola, também é uma implica constantes trocas, negociações e cons-



luta definir até onde a interminável “contação” trução de acordos possíveis. Assim, o projeto



de caso das crianças nos ajuda a entendê-las, político-pedagógico vai se constituindo e o seu



como lidar com o tempo, sempre insuficiente registro vai tendo o lugar do vivido, e também


para tantas prioridades, e onde buscar os funda- das metas desejadas, dos acordos vislumbrados.



mentos teóricos que ajudariam a entender aque- Como podem perceber, são muitos os fato-



la atitude, tão específica da minha aluna. res que constituem o meu fazer, o fazer político-


Outro conflito que vivo é que a minha pes- pedagógico de cada escola. A tarefa de auto- 182



soa é autoritária, mas sofro ao pensar que a pro- conhecimento, ao construir identidades, reco-



fessora o seja. Convenhamos, posso não ser au- nhecer e desafiar limites, é muito complexa, mas



toritária como professora se a pessoa que sou é?! cada professor é quem deve assumi-la. Para pen-


Fico me enganando, pensando que, com as cri- sar qualquer processo de formação que consi-



anças, construo uma relação mais democrática derasse a professora que sou, de início precisa-



ou, pelo menos, autêntica. ria entender o significado do sacrifício dos meus



Ser mulher também marca muito minha re- pais, para garantir o diploma de professora para


lação com as crianças, é claro, mas tenho uma todas as suas oito filhas, e como esse fato e a ex-



colega cuja imparcialidade é flagrante demais celência do trabalho dessas minhas irmãs deter-

para com as meninas, e isso acaba por me aju- minam o valor que dou à minha profissão. As-

dar nas reflexões internas. sim, por maior que seja o compromisso político

No papel de informadora, tenho dificuldades e a competência técnica dos elaboradores de



porque é bastante frágil a minha própria forma- políticas de formação, acho impossível alcançar

ção, tenho defasagens grandes em várias áreas todas as nuances colocadas no fazer político-

do conhecimento, mas sou muito esforçada, cor- pedagógico de um professor.



ro atrás o tempo todo e penso que acabo cum- Nesse sentido, depois de aceitar o convite de

prindo o papel de sistematizadora do conheci- Nóvoa, também faço o meu convite, principal-

mento universal. Nisso também sou ajudada mente aos senhores, que têm o poder e a respon-

pelo coletivo da escola, pois essa questão é sem- sabilidade de elaborar políticas de formação,

pre discutida e valorizada por todos. para que também o aceitem.



Com relação à estética e à tecnologia, sou



analfabeta, mas a consciência disso me fez orga- Os professores têm de ser protagonistas ati-

nizar o trabalho deste ano, para investir nessa di-


vos nas diversas fases dos processos de forma-


ficuldade, e têm sido satisfatórias as possibilida- ção: na concepção e no acompanhamento, na



des que venho oferecendo às crianças na questão regulação e na avaliação. [...]



artística. Na escola, também têm sido muito pau- Toda ação encerra um projeto de ação. E de

tadas as dimensões estética e ecológica no nosso transformação. E não há projetos sem opções. As

trabalho, o que tem sido importante para mim. minhas passam pela valorização das pessoas e

E, só para não ficar um perfil muito ruim, dos grupos que têm lutado pela inovação no in-

terior das escolas e do sistema educativo (António


encerro dizendo que tenho um dinamismo e


uma habilidade de leitura das crianças e uma Nóvoa, 1992).



capacidade de devolução com intervenções di-



ferenciadas, que são interessantes. Isso faz com Minha identificação é tão grande, e penso

que a minha auto-estima como professora seja que nada mais precisa ser dito. É hora de ações

positiva – o que é fundamental para eu me aven- que concretizem a formação dentro dessa con-

turar, como dona do meu percurso, tanto ao fa- cepção, que pressuponham o professor como

zer como ao refletir e transformar esse fazer. sujeito de seu processo de formação e a escola

No coletivo da escola, cada uma de minhas como espaço privilegiado dessa formação.

colegas, ao se colocarem, também trazem a mar- Nesse ponto, é importante contar do meu

ca de suas histórias de vida, seus percursos pro- processo de formação continuada. Nos movi-

fissionais, suas características pessoais, o que mentos sociais e nas campanhas da minha cate-

goria, aprendi muito, mas vou dizer do meu pro- formação do professor e da escola. Houve muita



cesso de formação como ação da Secretaria Mu- angústia e muito choro nesse processo e faltou



nicipal de Educação de Belo Horizonte. uma leitura mais precisa dos diversos choros, e



Com certeza, a minha experiência tem sido os rótulos resistência e desejo de receita pronta


muito positiva. Foram muitas as oportunidades de não contribuíram em nada. O sentimento que



cursos, palestras, e seminários, promovidos pelo acabou se instaurando foi o da solidão.



Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Nesse processo, a formação precisava ganhar


Educação (Cape), que se constituíram em momen- a centralidade, mas não qualquer formação, e, sim,



tos ricos de aprofundamento ou de desequilíbrio. a defendida por António Nóvoa e Inês Teixeira. Se



No entanto, considero muito mais efetivas as dis- os esforços foram muitos, infelizmente ainda fo-



cussões realizadas na escola. Considero um privi- ram insuficientes. Apesar dessa constatação, escla-


légio a oportunidade de contar com a contribui- reço que também fui responsável pela formação



ção de vários profissionais, como Vitória Faria, Fá- dos professores, já que estava no Departamento



tima Sales, Inês Teixeira e outros, na discussão con- de Educação na época da implantação. Também


creta, palpável, de nossas dificuldades e descober- ○
destaco que fui e sou defensora dos princípios da
tas. Digo privilégio porque, contar com essas con- Escola Plural, mas continuo precisando de ajuda

tribuições, foi busca e conquista da minha escola para construí-los na prática.



e não de uma política da SMED, apesar de já ter Por fim, para terminar o que pretendia ser uma

conhecimento de algumas iniciativas, lá, nesse sen- contribuição, insisto: não podemos mais partici-

tido, o que é fundamental, porque, se é verdade par das discussões ou ações de formação como

que a escola é o espaço privilegiado de formação, pobre em festa de rico nem como um penduricalho

também é preciso reconhecer o quanto podem ser para compor um modismo politicamente correto.

“deformadores” o cotidiano e a estrutura de uma É no nosso hábitat que as discussões têm contex-

escola. Não porque somos bruxas malvadas, mal- to, cheiro, cor, sabor e até dor. Fora de lá é sempre

intencionadas ou incompetentes, mas porque a um “estar se expondo com recortes”, podendo



vontade de acertar não garante o acerto. Nesse sen- ocorrer constrangimentos, mal-entendidos, super-

tido, nossas reflexões devem ser acompanhadas, ficialidade, além de sentirmos nossa contribuição

problematizadas e enriquecidas pelo olhar e pelo como o prato menor do banquete.



saber do outro, compartilhando a responsabilida- Gostaria muito que essa questão do menor

de e a alegria de construir práticas mais significati- valor não fosse entendida como queixa, ou como

vas e humanizadoras. baixa estima, ou algo nessa linha. O que gostaria



Aqui sou obrigada a abrir um parêntese para de dizer é que seria desnecessária a nossa presen-

falar do Projeto Político-Pedagógico Escola Plu- ça nesta mesa, neste congresso, se todas as ou-

ral. Digo obrigada, porque inegavelmente tem tras falas já fossem impregnadas das angústias,

sido uma experiência doída. Muitos discordam, dos desafios e da caminhada das Stefânias, das

mas, de fato, na minha opinião, esse projeto tem Marias. Relatos não supostamente imaginados,

sido, claro que aliado a várias outras questões das nem pesquisados pontualmente, esporadicamen-

nossas condições de trabalho, motivo de adoeci- te e por amostragens. Ou seja, para mim, hoje, o

mento dos professores. prato principal, no banquete da formação conti-



Por quê? Esse projeto é ruim? Não, muito pelo nuada de professores, é a caminhada da profes-

contrário. Lendo suas diretrizes, a adesão e mes- sora Ana e de seus companheiros, naquela esco-

mo o entusiasmo são imediatos. Ele é todo bem la, lá nos cafundós do Amazonas. Como estão

construído e articulado, mas dar conta de toda a construindo suas identidades de professores de

sua aposta, na prática, é muito difícil. Talvez esse Educação Infantil do Amazonas? Como vem se

seja o motivo do adoecimento: “Quero tanto, por constituindo, no dia-a-dia, sua relação com seu

que não dou conta?” Por maiores que tenham sido aluno, ao cuidar de sua formação? E aí, mais que

os investimentos na capacitação do professor, fal- grandes banquetes esporádicos, haverá uma per-

tou, na minha opinião, o principal: uma relação, manente refeição de qualidade, com as delícias e

de fato, dialógica com o processo de construção/ a adequação da comida caseira.


184
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

Espero ter sido compreendida nas discussões Bibliografia



que trouxe, pois não gostaria, de maneira algu-


Se me fosse permitido, gostaria de transgredir


ma, de parecer deselegante, mas reforço a mi-


nesta bibliografia. Peço licença, primeiro, porque nada


nha alegria de ser considerada nesse diálogo, e, do que está dito no texto é originariamente meu. São


justamente, querendo legitimar esse convite,


muitos “outros” dizendo por intermédio de mim. Se-


considerei ser minha contribuição dizer que, se gundo, porque as contribuições dos teóricos nesse



é consenso uma nova visão de formação conti- meu pensar são frutos de palestras e/ou apostilas,


nuada, é preciso alterar a ordem das coisas. Es- dificultando a maneira convencional de se registrar 184



uma referência bibliográfica. Assim, só informo que o
pero estar dizendo com respeito e com cuidado,


texto é habitado por Guiomar Namo Mello, Paolo


mas é preciso dizer: chega de conversa, meus


Nosella, Der meval Saviani, Paulo Freire, Miguel


Senhores. É urgente que haja uma inversão real Arroyo, Sônia Kramer, Vitória Líbia Faria, Fátima


nas ações formadoras, considerando o nosso ser


Sales, Inês Teixeira, António Nóvoa et al. Também é


e o nosso saber, justamente para que ele não seja, habitado por muitos “outros” ilustres desconhecidos,



eternamente, um saber frágil, menor. que foram igualmente importantes.











O programa de formação


continuada de Educação Infantil:




Parâmetros em Ação




Olga Regina Siqueira e Silva



Escola Municipal Professora Emília Ramos – SME – Natal/RN






Conforme consta no documento Parâme- mudanças na prática docente, defendemos a



tros em Ação de Educação Infantil, o programa sua relevância, uma vez que possibilita a refle-

se destina a “apoiar o desenvolvimento de pro- xão na ação pedagógica e sobre ela.


Convém ressaltar que a aceitação do pro-


postas pedagógicas de qualidade, na perspec-


tiva de uma educação para a cidadania. Essa grama Parâmetros em Ação não se constitui em

meta exige impulsionar o desenvolvimento obrigatoriedade, mas adesão voluntária, o que



profissional dos professores no âmbito das Se- implica a questão da vontade política de cada

cretarias Municipais e Estaduais de Educação” Secretaria de Educação em comprometer-se



(Brasil, 1999: 7). com a formação de profissionais competentes



Pela afirmação anterior, entendemos que o e com a busca da eficácia no ensino.


Dentre as finalidades apresentadas pelo


processo de formação continuada dos profes-


sores constitui-se em necessidade emergente programa, destacaremos três, as quais estão



no atual contexto sociopolítico-educacional. mais diretamente relacionadas à temática aqui



Nesse sentido, a iniciativa de construção de um discutida, ou seja:


• contribuir para o debate e a reflexão sobre o


programa dessa natureza configura-se como


referência a ser utilizada como apoio às discus- papel da escola e do professor, na perspectiva

sões do fazer pedagógico, dentro das institui- do desenvolvimento de uma prática de trans-

formação da ação pedagógica;


ções escolares da rede pública. Embora enten-


• criar espaços de aprendizagem coletiva, in-


dendo que o programa, por si só, não assegura



centivando a prática de encontros, para estu- estudos, já encontravam o campo fértil para a



dar e trocar experiências, e o trabalho coletivo mobilização do pensamento acerca da prática



nas escolas; reflexiva e da busca de autoformação.



• identificar as idéias nucleares presentes nos A realização do trabalho citado, com a par-


referenciais curriculares e fazer as adaptações ticipação das professoras de Educação Infantil,



locais necessárias, atendendo às demandas teve início em 2000, cujo processo de imple-



identificadas no âmbito do estado/município mentação deu-se após a espera da contratação


ou da própria escola. das novas professoras concursadas para atuar



nesse segmento, pois de nada adiantaria dar


As finalidades anteriormente citadas com-


plementaram e/ou sedimentaram as ações início a um processo de formação continuada



formativas, que já vinham, de certa forma, sen- sem quadro permanente de professores.


Dessa forma, o início do Parâmetros em


do desenvolvidas no âmbito da Escola Munici-


pal Professora Emília Ramos. Ação ocorreu no momento da Semana Pedagó-



Antes de nos determos na descrição do “Re- gica, ao iniciar o ano letivo (fevereiro de 2000),

flexo da ação formadora no projeto pedagógico



evento promovido regularmente pela SME, em
que foram abordados os módulos Artes e Brin-

da instituição de Educação Infantil”, situaremos


o contexto em que se deu a realização do Pro- car. Desde o princípio, o programa conseguiu

grama de Formação Continuada para os profes- conquistar e envolver as professoras, pois a sis-

sores de Educação Infantil. temática desenvolvida pelas formadoras tratou


de aproximar e enfatizar a relação teoria-práti-



ca, enfocando não apenas a organização de ati-


O contexto do programa

vidades no espaço escolar, mas também a re-


flexão sobre os objetivos que as norteiam.


O programa Parâmetros em Ação sediado no


município de Natal teve início em 1999 e en-



volveu a participação de 32 municípios no re-


Os eixos norteadores

ferido pólo. A realização do Programa de For-


da formação

mação Continuada “Parâmetros em Ação de


Educação Infantil” foi possível por meio da


A formação de professores dá-se, normal-


formalização de parcerias estabelecidas entre


mente, em duas frentes: a formação inicial,


as Secretarias de Educação Municipais, o Sesi e que qualifica o professor para atuar nas fun-

o MEC, sob a coordenação da Professora ções docentes; e a formação continuada, que


Cristina Leandro.

potencializa a atualização/construção de co-


Inicialmente, o programa contou com uma


nhecimentos, de novas abordagens e novos


turma de aproximadamente 50 professoras, que paradigmas (Perrenoud, 2000). O programa



tinha o desafio de desenvolver competências de Parâmetros em Ação situa-se na segunda ca-


formadoras. O grupo tinha encontros mensais


tegoria de formação, uma vez que não tem


por módulos de estudo dos temas abordados, como objeto específico a qualificação para a

nos Referenciais de Educação Infantil, com a docência, mas o redimensionamento da ação



duração de quatro dias seguidos. Nos dois pri- pedagógica.


meiros, a formação se dava por meio de um es-


Do ponto de vista da formação que estáva-


pecialista local e, nos dois últimos, com a parti- mos iniciando, encaminhamos com êxito os

cipação de formadores da rede nacional do MEC. objetivos propostos pelo Parâmetros em Ação,

Uma característica singular do nosso grupo


dos quais destacamos:


de estudo era contar com a participação de 24


1. O investimento pessoal das professoras em


especialistas/formadores, que suscitavam a dis- sua própria formação, uma vez que conse-

cussão teórica, colocando em evidência os co- guimos conquistar o grupo e ganhar a confi-

nhecimentos do grupo sobre o tema a ser tra-


ança, a credibilidade, ou melhor, estabelece-


balhado, de modo que, quando as formadoras mos um vínculo recíproco a partir do mo-

da rede nacional assumiam a coordenação dos mento em que elas se sentiram valorizadas

186
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

e, tendo respeitado os seus saberes profis- A escola, fundada em outubro de 1988, ini-



sionais, buscaram a ampliação desse repertó- cialmente recebeu o nome de Centro Munici-



rio de saberes (Gauthier, 1998), que poderia pal de Educação Infantil Professora Emília Ra-


torná-las profissionais mais competentes.


mos (Cemeiper) por atender, exclusivamente,


a Pré-Escola (termo usado na época). Sua pro-


2. A valorização e a necessidade de um traba-


lho coletivo entre as professoras e demais posta pedagógica foi construída com a partici-



segmentos no espaço escolar, mais nota- pação de pais, professores e técnicos da Secre-


taria Municipal de Educação, e seguiu a uma 186


damente nas situações de planejamento para


o desenvolvimento de uma proposta peda- orientação teórica baseada nas idéias constru-



gógica que contemplasse as especificidades tivistas de Emília Ferreiro e Teberosky.



da Educação Infantil e da criança pequena No início da década de 1990, o Cemeiper


em sua cultura local. passou a atender as séries iniciais do 1º Grau,



3. A tematização da prática, que se iniciou a par- uma vez que os pais, acostumados com a parti-



tir das atividades desenvolvidas e das trocas cipação efetiva nas decisões escolares, começa-



de experiências favorecidas pelos relatos que ram a reivindicar a continuidade dos estudos


surgiam no grupo. A partir desses relatos e dis- de seus filhos numa escola que acreditava no



cussões, as professoras externavam suas con- potencial deles, respeitava o ritmo e a constru-

cepções, conceitos, práticas etc. e, assim, con- ção do conhecimento do alunado, de acordo

frontavam-nos com o que estava sendo pro-


com a abordagem construtivista, fundamenta-


posto nas atividades (a cada encontro os pro- da nos seguintes princípios norteadores da prá-

fessores avaliavam o produto do seu trabalho tica pedagógica:


de modo positivo).

1. Que a escola seja o lugar de vida e alegria para


todos que a freqüentam e que brincadeiras,


Até o momento, o Parâmetros em Ação de


Educação Infantil vem atendendo a, aproxima- festas, passeios, recreações, enfim outras for-

damente, 130 professoras de 40 escolas muni- mas de expressão e linguagem – não só a es-

crita – façam parte da rotina de nossa pro-


cipais, que se mantêm desenvolvendo a forma-


posta pedagógica.

ção continuada por meio da participação nos


encontros periódicos de estudos e no próprio 2. Que a Pré-Escola seja entendida como ambi-

local de trabalho. ente alfabetizador e facilitador da escolari-


zação efetiva das crianças das camadas po-



pulares.

O Parâmetros em Ação

3. Que o respeito às crianças, jovens e adultos


na Escola Municipal

se constitua em base do nosso trabalho, le-


vando em conta os conhecimentos por eles


Professora Emília Ramos


trazidos para a escola, seus interesses, suas



Cabe destacar, no desenrolar da formação formas e seus ritmos de aprendizagem.



promovida pelo Parâmetros em Ação, a histó- 4. Que o eixo da proposta pedagógica propicie

ria da Escola Municipal Professora Emília Ra-


à criança uma manipulação com escritas e


mos, situada na Avenida Central, S/N, no bair- leituras funcionais, que possibilite o enten-

ro Cidade Nova, Zona Oeste da cidade de Na- dimento da linguagem escrita, por meio de

atividades, como leitura e produção de tex-


tal/RN.

O bairro ao qual nos referimos é formado tos; leituras e escritas de nomes; estímulo à

por pessoas de poder aquisitivo baixo. Uma boa consciência dos sons e desenhos livres.

parte delas sobrevive de biscates, serviços do- 5. Que a avaliação seja entendida como um ele-

mésticos, construção civil e como operários, mento integrado entre a aprendizagem do


enquanto a outra parte se encontra fora do aluno e a atuação do professor no processo



mercado de trabalho. O bairro é caracterizado de construção do conhecimento.



como violento, pelas próprias condições exis- 6. Que a avaliação não seja apenas uma instân-

tenciais daquela comunidade. cia de julgamento de sucessos e fracassos do



aluno, do professor e da escola, mas compre- cando, por meio da aproximação entre pais,



endida como um conjunto de atuações que alunos e professores, e a promover a integra-



têm função de alimentar, sustentar, orientar ção entre poder público, comunidade, esco-


e ajustar a intervenção pedagógica e verifi- la e família.



car o grau de aprendizagem que foi atingido


pelo aluno, isto é, o quanto este se aproxima


Ao longo dos anos, a escola absorveu, entre


ou não da expectativa da aprendizagem que


suas ações, a prática do planejamento e do es-


se tem em determinados momentos da es-


tudo sistemático. Esse estudo propicia a ampli-
colaridade.


ação do conhecimento dos educadores, bem


7. Que o professor e a equipe técnica que fa-


como permite a troca de saberes, fator prepon-


zem a mediação entre o não-domínio das


derante para uma prática que visa à formação


ferramentas culturais e o processo do seu
de sujeitos autônomos e conscientes de sua ci-


domínio pelos alunos não possam prescin-


dadania.


dir da competência técnica (aqui entendi-

A premissa básica dos estudos do grupo es-

da em seu sentido amplo, tanto na sua di- ○

mensão teórica, domínio de conhecimen-



tava relacionada à aquisição da leitura e da es-
crita, muito embora fizessem parte dessa siste-

tos, como técnica, domínio das formas de


mática outros temas, como a Matemática, os


transmissão e assimilação dos conheci-


mentos). conhecimentos das Ciências Naturais e Sociais.



A partir da participação dos estudos prove-


8. Que os educadores tenham a clareza de

nientes do Parâmetros em Ação, houve um im-


que a competência se constrói e que, por-


pacto no âmbito das discussões outrora reali-


tanto, é provisória e deve ser sempre re-


feita, pois deve estar constantemente de- zadas, que levou o grupo a repensar suas ações

safiada pela prática do ensino e pela ne- referentes aos temas educar e cuidar, brincar,

movimento, artes e da própria concepção


cessidade de aprimorá-la sistematicamen-


te, aprofundando o domínio dos conteú- subjacente ao ensino da Matemática. Entretan-



dos relativos a cada área do conhecimen- to, o grande salto qualitativo ocorreu nas formas

to e das formas de seu encaminhamento


de intervenção realizadas pelos professores no


metodológico no ensino. processo ensino-aprendizagem, tendo em vista



9. Que a valorização dos educadores passe pela potencializar os avanços na aprendizagem dos

busca da competência e que se dê conteúdo alunos com relação à leitura e à escrita (antes os

às lutas dos profissionais da educação por professores só faziam identificar e, conseqüen-


melhores condições de trabalho e pelo apri- temente, classificar as crianças por níveis de re-

moramento profissional contínuo. presentação da escrita).



10. Que o estabelecimento de “vínculos afeti- Percebemos, ainda, que outro ponto pre-

vos” positivos entre professor/aluno possibi- cisava ser tratado como dinamizador do pro-

lite o exercício da auto-estima, como aspec- cesso de rever a prática, tematizando-a de for-

to fundamental para o sucesso escolar. ma mais estruturada: a nova abordagem so-



11. Que a gestão democrática seja uma luta bre o registro, o qual era visto na escola ape-

constante e compartilhada por todos os nas como documento que favorecia a avalia-

segmentos da escola, por meio da eleição ção dos alunos, portanto não contemplava a

direta dos dirigentes escolares, da dina- devida reflexão do professor sobre o seu fa-

mização do Conselho e da participação zer e sobre os modos de intervenção em sala


ativa dos pais e das comunidades nos des- de aula, para atender às necessidades de

tinos da escola. aprendizagem do aluno.



12. Que o Conselho da escola constitua-se em Os aspectos citados passaram a ter uma

fórum de debates, encaminhamentos e deli- outra dimensão na proposta da instituição, ou


berações das questões pedagógicas, adminis- seja, o registro atualmente apresenta-se como

trativas e financeiras da escola, de forma a excelente recurso didático tanto para avaliar,

colaborar na assistência e formação do edu- quanto para promover a reflexão e, especial-


188
PAINEL 14
O reflexo da ação formadora no projeto pedagógico – Educação Infantil

mente, para desenvolver a competência de


Bibliografia



“escritor”.



BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Atualmente, o grupo de professores procu-


Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a


ra consolidar o hábito de estudo a partir da


Educação Infantil. Brasília, 1998.
tematização da sua prática e toma as suas fra-


. Programa de desenvolvimento profissional


gilidades como instrumentos para minimização


continuado: Educação Infantil. Brasília, 1999.


de suas necessidades educativas. GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da Pedagogia: pes-


Pelo exposto, consideramos relevante o Pro- 188


quisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí:


grama Parâmetros em Ação para a melhoria da Unijuí, 1998.


PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde


qualidade do ensino, pelo fato de que ele vem


a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.


possibilitando a revisão dos conhecimentos per-
. 10 novas competências para ensinar. Porto


tinentes ao trabalho docente e potencializando


Alegre: Artmed, 2000.


o desenvolvimento de competências necessárias . Pedagogia diferenciada: das intenções à



ao ensino (Perrenoud, 1999, 2000a, 2000b). ação. Porto Alegre: Artmed, 2000.































































P A I N E L 15

EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO
NA AMAZÔNIA LEGAL
Francisca Bezerra da Silva

191
Programa de Desenvolvimento




Profissional Continuado –




Parâmetros em Ação






Francisca Bezerra da Silva


SEE/AC







Resumo Avaliação da SEE sobre



o programa


A apresentação do Programa de Desenvolvi-



mento Profissional Continuado – Parâmetros em

Ação, do Estado do Acre, contempla um pequeno Fatores que influenciaram a participação



histórico, que informa sobre a implantação e a exe-


dos professores no programa

cução do programa; a avaliação que a Secretaria



de Estado de Educação do Acre (SEE) faz do referi- • Havia cerca de 15 anos que a rede de ensino

pública do Acre não contava com um progra-


do programa, abordando as causas do envolvimen-


to dos professores no programa e as suas contri- ma de formação de professores que contives-



buições para o sistema público de ensino; os nú- se uma proposta clara e definida, exceto ações

isoladas e pontuais. No caso desse programa,


meros de professores participantes do programa;


a experiência das turmas multidisciplinares e as trata-se de ações continuadas e sistemáticas



prioridades de continuidade referentes à forma- de grande alcance, que atinge até os municí-

pios mais longínquos.


ção continuada de professores.


• O Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS)



vigente desde 1999 contempla a avaliação, na



qual se incluiu o item formação continuada.



• A proposta do programa reflete e questiona a


Histórico

atualidade educacional, bem como expressa



as angústias e as perguntas que os profissio-


O Programa de Desenvolvimento Profissio-


nais vêm colocando, de diferentes maneiras,


nal Continuado – Parâmetros em Ação, do Es-

sobre o que é ensinar e aprender, qual é o pa-


tado do Acre, iniciou suas atividades em agos-


pel da escola e do professor e sobre o mundo


to de 1999, na capital, Rio Branco, e nos seguin-


atual, com as estabilidades e instabilidades


tes municípios próximos: Acrelândia, Bujari,


que marcam este início de milênio. O espaço

Capixaba, Plácido de Castro, Porto Acre e Se-


do programa é formado, também, para am-


nador Guiomard. Em março do 2000, estendeu-


pliar as opções culturais do professor. Como


se aos demais municípios: Brasiléia, Assis Bra- exemplo, citamos o momento em que assisti-

sil, Epitaciolândia, Xapuri, Sena Madureira, mos ao filme O auto da compadecida, de Guel

Manuel Urbano, Santa Rosa, Cruzeiro do Sul,


Arraes, com os professores do interior, que se


Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Tarauacá, Feijó constituiu em objeto de reflexão, entreteni-

e Porto Walter. mento e descoberta (parte dos participantes


nunca tinha entrado num cinema).


Durante a execução dos dez módulos do


programa, ocorreu oscilação quanto à partici-



pação dos professores, especialmente do seg-


Contribuições do programa

mento de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamen-


para a rede de ensino

tal. Ao todo, participaram 4.835 professores.


Destes, 3.761 eram da 1ª à 8ª séries do Ensino O programa contribui da seguinte forma



Fundamental. para o ensino da rede pública:


192
PAINEL 15
Experiência de formação na Amazônia Legal

• promove a discussão coletiva, sensibiliza para os coordenadores de grupo utilizarem junto



o prazer de estudar e de refletir sobre a prática com os volumes I e II, próprios do programa.



pedagógica cotidiana;



• amplia a visão e o compromisso dos professores; Módulos multidisciplinares:



• ajuda a vencer resistências quanto à postura peda- I Módulo. Escola, adolescência e juventude: o



gógica e à concepção de mundo e da Educação; estabelecimento de uma relação mais har-


moniosa e significativa – 12 horas (conforme


• questiona a falta de coerência entre discurso 193


e prática; proposto nos Parâmetros em Ação).



II Módulo. Ética: raiz e fruto da vida social – 16 horas


• permite a constituição de um grupo de pro-


fessores, coordenadores pedagógicos e direto- (conforme proposto nos Parâmetros em Ação).



res, formadores compromissados com a for- III Módulo. Novos desafios para ensinar e


mação continuada e com a gestão escolar; aprender cada área nas séries finais do Ensi-



no Fundamental – 16 horas (o III e o V


• estimula o uso das novas tecnologias para as


práticas educativas; módulos transformaram-se em um curso de


40 horas por área).


• possibilita a ressignificação do planejamento

IV Módulo. Tratando de questões sociais em

e da avaliação da aprendizagem;


cada área, abordando conteúdo de forma sig-
• favorece o órgão gestor do sistema, a Secreta-

nificativa para o jovem – 16 horas (específi-


ria de Estado de Educação (SEE), na prática co, que se tornou multidisciplinar).


de um feedback constante, por meio do con-



tato com os professores, levantando questões, V Módulo. O que, por que e como ensinamos e

aprendemos em cada área – 24 horas (o III e


dúvidas e demandas.

o V módulos transformaram-se em um cur-



so de 40 horas por área).


Número de professores participantes do programa


VI Módulo. Que coisas nossos alunos já sabem:


evitando rupturas e dando continuidade ao


Segmento Total

processo de ensino e aprendizagem de cada



1ª a 8ª série do Ensino Fundamental 3.761 área nas séries finais do Ensino Fundamen-

tal –12 horas (específico que se tornou


Educação Infantil 860


multidisciplinar).

Educação de Jovens e Adultos (EJA) 214 VII Módulo. Passou a ser contemplado nos de-

Total geral 4.835 mais módulos.



VIII Módulo. Como avaliamos em nossa escola



e nas áreas das séries finais do Ensino Fun-


PCN em Ação:

damental:

experiência multidisciplinar • Avaliação em cada área – 8 horas (confor-



me proposto nos Parâmetros em Ação)


O modelo de organização proposto pelo


• Como avaliamos em nossa escola – 8 horas


PCN em Ação para professores de 5ª a 8ª série


do Ensino Fundamental adequou-se à realida- (específico, que se tornou multidisciplinar)



de da capital, Rio Branco, e do município de IX Módulo. Projetos de trabalho: dando vida aos

Cruzeiro do Sul. Nos municípios menores, o conteúdos das áreas finais do Ensino Funda-

mental – 16 horas (específico que se tornou


programa foi reorganizado para turmas multi-


disciplinares, pois esses municípios têm insu- multidisciplinar).



ficiência de professores para a formação de tur- X Módulo. Enfim: escola para quê e quais ca-

mas por disciplinas. pacidades esperamos que os alunos desen-


volvam? – 16 horas (conforme proposto nos


O trabalho com as referidas turmas exigiu


reorganização, também, do material. Para isso, Parâmetros em Ação).



a Secretaria elaborou um pequeno manual para TOTAL: 142 horas




Formação continuada: ente na Escola. Esse programa é uma priorida-



de que se justifica em função das especificidades


o que fazer após os módulos


da região. É comum as escolas promoverem


do PCN em Ação? ações de prevenção ao desmatamento, às quei-



madas, levantar questões a respeito do uso da


Durante o desenvolvimento dos módulos do


água, da poluição ambiental, do destino do lixo,


PCN em Ação, ficaram ressaltadas as principais entre outros. É o momento para subsidiar as re-



dificuldades e resistências da maioria dos pro- feridas ações. Também, esse programa está sen-


fessores. A partir de então, definiu-se a conti- do inserido nas licenciaturas que fazem parte



nuidade da formação continuada com as se- do convênio: Matemática, Letras, Geografia,



guintes ações: História, Biologia e Educação Física, no total de


1.854 participantes.


• Potencialização do espaço da formação ini-


cial. A SEE, em convênio com a Universidade • Aprofundamento da reflexão de avaliação.



Federal do Acre e em parceria com municípios,

• Aprofundamento dos estudos de Língua Por-
está promovendo cursos superiores para 4.658

○ tuguesa, Matemática e temas transversais.
professores. As reflexões pedagógicas, como

• Execução do Programa Ética e Cidadania no


são entendidas nos Parâmetros Curriculares


Nacionais, deverão se fazer presentes no inte- Convívio Escolar. A SEE entende que é a oca-

rior desses cursos. sião oportuna para a escola refletir sobre a co-

erência do seu discurso com as práticas e ro-


• Execução do Programa de Formação de Pro-


tinas presentes no dia-a-dia escolar e criar es-


fessores Alfabetizadores (PROFA). O PROFA


paços para reflexões que ajudem a gerenciar


está inserido nas turmas de Pedagogia e conta

e mediar conflitos.

com 2.700 professores, distribuídos em 55 tur-



mas no estado. Fora do curso de Pedagogia, • Execução do Programa PNLD em Ação.


funcionam quatro turmas com professores de


• Elaboração e/ou reelaboração das propostas


1a a 4a séries do Ensino Fundamental, de Edu- curriculares de 5ª a 8ª séries do Ensino Fun-



cação Infantil, coordenadores pedagógicos e damental (Português, Matemática, História,


uma turma com professores de zona rural.


Língua Estrangeira, Geografia, Ciência, Edu-


• Execução do Parâmetros em Ação – Meio Ambi- cação Física e Arte).







































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