do Brasil Urbano
/iflTROPOLOGifc S O C IA L
Hnthony Leeds e Elizabeth Leeds
ogia
Tradução de
M a r ia L a u r a V iv e iro s de C a s tr o
Revisão Técnica de
Apresentação de
T h a l e s de A zevedo
ZAHAR EDITORES
R IO D E JA N EIRO
Copyright © 1977 by Anthony Leeds and Elizabeth Leeds
capa de
J ane
1978
Im presso n o Brasil
índice
T h a l e s de A zev ed o
Introdução
A n t h o n y L eed s
na verdade, trata dos vários atores, seus recursos, suas jogadas po
líticas para obtenção de maiores recursos ou para restringirem uns
nos outros o acesso aos recursos. A utilidade do modelo é vista nos
últimos trabalhos.
O Capítulo III faz muitas coisas: articula nós sociais (ver
Leeds 1 9 6 7 ), que vão de indivíduos a sistemas de classes num
único quadro de análise; estabelece como os limites de classe são
gerados e mantidos numa dada sociedade e uma categoria de socie
dades e como as próprias classes são constituídas de unidades so
ciais menores; argumenta que os traços característicos encontrados
no Brasil são genéricos de um tipo de sociedade que representa
uma fase na evolução social geral —- posição que não mais sustento.
O aparato central de tomada de decisão e de organização do
sistema de classe e seus constituintes localizn-se nas cidades — o
locus concentrado da maioria dos recursos de poder. Assim, o tra
balho é também um estudo da natureza da sociedade urbana (ver
Leeds, 1 9 6 7 a ), Algumas considerações do Capítulo ÍII — parti
cularmente o caráter das panelinhas- e suas. funções.— junto com as
considerações do Capítulo II, levaram ao extenso trabalho de campo
sobre populações proletárias, especialmente aqueles segmentos lo
calizados nas favelas, com os quais o restante dos trabalhos se preo
cupa.
0 Capítulo IV é talvez o mais etnográfico dos trabalhos, mas
levanta ainda alguns problemas teóricos colocando em questão in
terpretações, modelos e teorias, especialmente a rejeição do concei
to e da existência de uma “cultura da pobreza” (m ais forte e siste
maticamente rejeitada em Leeds, 1 9 7 1 ); sua rejeição da conçep-
íção de “ imaturidade”, “passividade” , “ fatalismo”, “continuidade
tdos valores rurais” e coisas semelhantes que, como se argumenta,
jsSo interpretações amplamente etnocêntricas dos cientistas sociais
(de classe média urbana (especialmente norte-americanos) que nun-
ca participaram das estratégias e tomadas de decisão reais dos pro
letários nem avaliaram suas bases reais de julgamento nas situa
ções políticas e outras (v er E , Leeds, 1 9 7 2 ).
Capítulo V generaliza os achados do Capítulo IV relativos
às favelas c moradores das favelas para o proletariado urbano em
geral, mostrando como um processo de organização e ideologia de
fiasse é" formado em função das estratégias de vida e decisões to-
;mndas aob^os conjuntos de restrições estabelecidos contra eles pela
j“ classe superior” . Esta última também é discutida, remetendo ao
Capítulo II I em termos tanto de sua organização como de seu fra-
cionamcnto competitivo interno. As conseqüências em termos de
comportamento político para ambas as classes — em suas tentativas
I n tr o d u ç ã o 21
I
Bibliografia
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li
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In tro d u çã o
A Localidade
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Mead, 1942, 1955; Steward, org., 1956; Wagley, 1949; e muitos outros..
52 Ä S o cio lo g ia do B rasil U rba n o
Características da Localidade
L o c a l i d a d e s e Fontes d e Poder
0 Estado e as Localidades
neiro, como partes da área Sul de Copacabana, com cerca d e 3000 habi
tantes por hectare ( c e d u g , 1965:152, 153). O que s e aplica às favelas do
R io aplica-se também às barriadas de Lima (ver Mangin, 1967; Turner e
Mangin, 1963) e áreas ocupadas por posseiros em outras regiões da Amé
rica Latina.
44 A S o cio lo g ia do B ra sil U rban o
11 O cortiço já não existe no Rio, com poucas exceções. Era uma casa
de cômodos, construída por especuladores imobiliários para aluguéis de
baixo rendimento» numa dupla fileira com um conjunto banheiros em um
dos extremos ou no centro do pátio onde se encontravam também tor
neiras e tanques de lavar que serviam a todo o conjunto de quartos.
Grande parte da vida comunitária centrava-se nesses locais comuns da
casa de cômodos e em torno das torneiras e tanques. Os moradores do
cortiço parecem ter sido um dos focos a partir do qual as populações das
favelas começaram a se formar, por volta da passagem do século e pos
teriormente, na medida em que os cortiços decadentes eram gradualmen
te destruídos, sendo a maioria substituída por habitações de aluguel mais
elevado. Com relação à questão da urbanidade dos moradores da favela,
ver Leeds e Leeds, no prelo.
P o d er L o c a l e P o d er S ü p r a l o c a l 45
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52 A S o c io lo g ia d o B r a s il U rb a n o
A n t h o n y L e ed s
1. importação de pessoal;
2. criação interna de pessoal novo mais ou menos ao acaso,
especialmente por auto-instrução ou “ autodidatismo” , até
que o treinamento seja curricularizado;
3. a multiplicação das posições ocupadas por qualquer dado
indivíduo.
II
III
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*
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A
jutixlidata
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sT = semttrcinado
T = crcinado
T * utilização de treinamento para objetivos extrínsecos ao treinamento
] ~ ufjlização de rreinamento para objetivos intrínsecos ao treinamento
mudança idealizada, através do tempo, de distribuição
'apartir do autodidatismo com objetivos extrínsecos
em relação ao.treinamento com objetivos intrínsecos
C arreiras B rasileiras e E s t r u t u r a S o c ia l 65
ciai e política local e com aqueles que ocupassem posições nesta or
ganização. Destas pessoas, tentamos obter o ipaior número possível
de informações acerca das operações, sociais locais, através de casos
e relatos sobre o comportamento do pessoal em questão. Este tipo 4e
informação mostrou-se, com efeito, geralmente muito mais^rico, já
que, por motivos explicados mais adianle^muitas das operações e
ãto$_ pessoais tornavam-se conhecidos através dos vínculos mais ^al-
! tos, apesar de sua aparente privacidade — uma privacidade que é,
na verdade,_sempre potencialmente e propositalmente pública. 1
ATterçeira fonte^de informação foi o materialjgublicajp. Aqui
podem ser incluidos, certamente, estudos da organização econômica
e social brasileira. Todavia, mais úteis são itens como õs anais do
Congresso, em cujas discussões publicadas podem ser discernidos os
principais grupos de interesse do país; análises da organização bu
rocrática e política do país; estudos do comportamento eleitoral, e
assim por diante. De grande interesse também são livros com moti
vos inconfessos, como o elogio de Niemeyer a Juscelino Kubitschek
sob o pretexto de discussão de suas experíências~em Brasília, 7^_e rç^
vistas cujos artigos principais_são pagos por grupos de interesse.
1 r.: i~.~~ '
IV
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O Brasil e o Mito da Ruralidade Urbana: Experiência
Urbana, Trabalho e Valores rias “ Áreas Invadidas’*
do Rio de Janeiro e de Lima * 1
Introdução
a. conjunto conjunto
b. vila urbanizoción popular
c. cortiços caHejones
d. parques proletários vilas de emergencia
e. avenidas viviendas continuas
f. cabeças de p o rco , casas de
côm odos casa de vecindad
g. favelas de quintal corralones
h. favelas barriadas
i. áreas pobres propriamente
ditas (nenhum term o que
conheçam os) turgurios, barrios insalubres
a. N o Brasil, um “ projeto habitacional” independente do nível de renda
ou de estratificação; a maioria é ocupacionalmente especializada, justifi
cando-se portanto falar de conjuntos da “ classe trabalhadora1*, b. vilas da
classe trabalhadora, c . essencialmente, uma única construção de um ou
dois andares divididos em fileiras de apartamentos horizontalmente, em
volta de um pátio com prido que contém uma ou duas bicas, tanques para
lavar roupa e banheiros. Em São Paulo, o termo foi aplicado a casas
de côm odos, d. habitação governamental temporária para a classe traba
lhadora, feita de madeira; no R io, na verdade, habitação permanente.
Ainda não descobrimos termo equivalente para Lima. e. filas de casas.
/ . . . g. construções tipo favela autorizadas pefo proprietário no quintal ou
na frente da casa, para elevar sua renda. h. áreas invadidas por posseiros
i. N ão descobrimos nenhum termo para o R io — a área extensa de casas
outrora razoáveis que decaiu, existente em ruas oficiais e tendo oficialm ente
facilidades urbanas com o água, luz e esgotos.
? Para biografia sobre os vários países, ver Mangin (1967, p. 90, nota 2;
e T um er (1966e) Além disso, para a Colômbia, ver R euchel-D olm atoff
92 A S o c i o l o g i a d o B r a s il U r b a n o
(1953). Para o Brasil: Cate (1961, 1962, 1967), Estado de Minas Gerais
(3966), Goulart (1957), Magalhães (1939)., Medina (1964), Pendrell
(1967) e Silva (I9 6 0 ). Para El Salvador, existem materiais manuscritos
pelo Sr. Alistair W hite, da Cambridge University; para a Guatemala, R o
berts (1966, 1967); Para a Nicarágua, ver O. Toness (1967) e K. Toness.
O B rasil e o M ito da R uralidade U r b a n a 93
0 l\aseido na Cidade
Os dados para esta tabela foram calculados a partir dos dados forne
cidos nos Estudos Cariocas (Estado da Guanabara, 1965) N .Q 5, sobre
•"População por Naturalidade e Grupos de Idade” nas tabelas para a p o
pulação da favela e para o Estado da Guanabara com o um todo. N ão
há paginação.
96 A S o c i o l o g i a d o B e a s il U r b a n o
Nesta última conexão, deve ser observado que a área que com
preende os Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande
do Sul e Guanabara área que supre mais de 8,5% dos moradores
das favelas do Rio,14 é amplamente coextensiva à área do Primeiro
Exército brasileiro, cujo centro para treinamento militar é o Rio
de Janeiro. Todos os homens de 18 anos de idade estão sujeitos a
um ano de serviço militar, que, sendo no Rio, significa muitas coi
sas. Contribui para a migração para a metrópole; acultura numa
estrutura institucional maior cujo loeus central é não apenas a ci
dade, mas neste caso o cosmopolita e urbano Rio de Janeiro; des-
trdi o localismo e o regionalismo; geralmente ajuda a dar treina
mento especial para pessoas que depois voltam à vida civil e se tor
nam especialistas; e, ocasionalmente, dá a alguns, experiência in
ternacional.
Assim, nosso amigo Sócrates passara alguns meses em São Do
mingos no contingente do Exército brasileiro e algumas semanas
com um grupo do Exército no Vietnã, examinando as possibilidades
de participação brasileira. Sócrates era de uma pequena cidade do
Ceará onde sua família possuía um rancho de gado e tinha um ne
gócio (ilegal) de venda de água mineral. O próprio Sócrates havia
trabalhado no Jornal do Brasil como tipógrafo antes de voltar a ser
quitandeiro e vendedor de galinhas na favela porque podia ganhar
mais dinheiro com essa operação tanto lícita como ilícita ( ver Schultz,
1966).
Também encontramos pessoas que serviram na Marinha e na
Marinha Mercante. Alguns destes haviam visitado muitas partes
do mundo, e uma surpreendente proporção dos mais velhos estivera
na Itália com a Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mun-
A. Vontade
B. Fazer Economia
vendo, a longo prazo, mais segurança para eles e para ele na edu
cação. Então, mudou-se para uma favela para poder economizai
nos custos de aluguel, e alocar seus recursos no que ele julgava
mais importante. Será observado que nesta escolha há ao menos
uma análise e uma compreensão implícitas de como a sociedade da
cidade funciona, e nela, ele está tentando maximizar os ganhos para
sua família transgeneracionalmenle.
C. Pressão
D Marginalização
Valores Urbanos
Há, além disso alguns interesses que são servidos pela orga
nização, especialmente por organizações voluntárias. Assim, o fu
tebol, uma preocupação central de todos os brasileiros, gera muita
organização na favela. Uma favela do tamanho de Tuiuti tem trio
ou quatro clubes de futebol, cada um com seu equipamento pró
prio, seu uniforme único, geralmente cora uma sede, e com seu
calendário de jogos com times da mesma ou de outras favelas,
ou externos. Alguns dos clubes pertencem a federações de clubes.
Os membros são orgulhosos, não apenas do seu futebol, ma3 da
próprio qualidade de organização e direção.
O samba é um interesse tão difundido como o futebol c tem
uma gama e uma complexidade de organização que provavelmente
excedem em muito às do futebol. Moroceo relata isto (1966; cf.
Cate, 1962, 1963, 1964). Os interesses no samba tornaram-se for
malizados em escolas de samba, blocos e cordões, bem como em
clubes sociais, festas e assim por diante. As _egcolas_e blocos estão
complexamente ligados a importantes indústrias têxteis, de cerveja
e de bebidas não alcóolicas, ao amplo negócio do jogo do bicho, ao
comércio "turístico, ao Departamento de Turismo do Governo esta
dual, inêsmo a instituições de bem-estar social e escolas estaduais e
privadas, possivelmente também a rodas de prostituição, interesses
imobiliários e cultos afro-brasileiros. Para compreender as ramifi
cações dos grupos de samba, é preciso ter assistido às inúmeras
reuniões da diretoria de uma escola de samba, observado as brigas
internas pelo poder, observado os coups d’état que ocorrem, apren
dido as trapaças, observado a organização dos ensaios, o desfile
aiiual e as festas. É preciso ter, observado a escola desam ba re
presentada na Federação^ de Escolas de_ Samba e na suposta confe
deração, bem como suas manobras com os representantes do Es
tado. É preciso ter visto o súbito aparecimento e saída de candi
datos, deputados, funcionários estatais (corno Lutero Vargas, filho
de Getúlio, no Jacarezinho e na Mangueira, e o Governador Ne*
grão de Lima e a secretária da Secretaria de Serviços Sociais do
Estado da Guanabara, Hortência Abranches, também na Manguei
ra) em ensaios, cerimônias e festas das escolas de samba.
tíãcT é apenas o samba e a sua execução propriamente dita
que são _vflknâzfldos, jnas _a própria organização é, ao menos ver
balmente, concebida como uma coisa boa, algo que trará benefí
cios à favela eomo um todo, que da (através do samba, é verdade)
uma orientação moral para a juventude, fornece um lugar adequa
do para recreação, um ambiente familiar. Que isso não correspon
da exatamente à realidade é_ outra coisa. Estes são_ os valores aber
tamente expressos. Mesmo para interesses ocultos, tais como su
O B r a sil e o M rro da R u r a l id a d e U rbana 127
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A nthony L ee d s
148 A S o c io l o g ia do B r a s il U r b a n o
paia o Rio referente a este tipo,12 e não sei de nenhum para outros
países. Nem mesmo estou certo de que se pague aluguel, embora te
nha a impressão de que, oficialmente, o aluguel deve ser pago, mes
mo que, na prática, freqüentemente não o seja. Não vi nenhuma
estimativa do número de pessoas nos parques proletários. As unida
des habitacionais, como nas favelas, são ocupadas principalmente por
grupos familiares, mas entrar nelas é um problema complexo que
envolve a solicitação a burocratas ou instituições para a cessão de
uma unidade habitacional — um procedimento muito mais cons
trangedor do que entrar para uma favela, embora não se exija cnpi-
taL
Um quarto tipo chama-se, no Rio, conjunto, com termos equi
valentes em outros países. Há vários tipos de arranjos habitacionais
chamados conjuntos, mas o termo sempre se refere a um estabeleci
mento multiunitário de algum tipo. Restringi-lo-ei aqui a um único
edifício de muitos andares ou um conjunto de edifícios compostos de
múltiplas unidades alugáveis como as unidades vacinales de Lima
ou os famosos (ou infames) superhloques de Caracas — o equiva
lente dos altos projetos habitacionais urbanos norte-americanos cons
truídos pelas companhias de seguro. Ao outro sentido do termo con
junto —- tipo de habitação multiunitária, cada unidade ocupada por
uma única família — voltarei mais adiante (ver vila).
Os conjuntos no Rio, Lima, Caracas e outras cidades têm algu
mas características que os tornam particularmente interessantes e,
freqüentemente, levam à fusão como categoria para análise, embora
aqui, novamente, exista muito pouca literatura além do estudo finan
ciado pelo Banco Obrero de Venezuela (1 9 5 9 ). A primeira é que o
termo conjunto é sociologicamente bastante enganoso, porque o pes
soal morador é muito diverso no que se refere a qualquer categoria
sociológica padrão, como classe, estrato, grupo étnico, ou salário,
quando se observa o universo dos conjuntos. Os conjuntos, como tal,
podem abrigar qualquer tipo de categoria social e o termo factual
mente nada denota em termos sociológicos. Um estudo dos conjuntos
teria que diferenciá-los segundo categorias sociologicamente relevan
tes. Interessam aos objetivos deste estudo os conjuntos de baixo
nível dc renda do Rio, espalhados aqui e ali, basicamente na Zona
Norte, industrial, da cidade.
Uma característica importante dos conjuntos habitados por pes
soas de baixo nível de renda no Rio e, como eu vejo, em outros lu
gares, é a sua especialização ocupacional, porque cada um foi cons
truído separadamente por um órgão, sindicato, associação ou outro
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VI
Introdução
âos anos 60, com suas raízes no século passado, pode ser encon-
trãda átravés do exame de um certo conjunto de políticas, linhas
He pensamento e instituições através das quais essas políticas foram
implementadas ao longo dos últimos 80/90 anos.
Subjacente a essa continuidade nos anos 60 encontra-se uma
"estrutura societal brasileira cuja ordem básica foi mantida e irre
gularmente reforçada ao longo desse período, desde que a primeira
favela surge, por uma série de instituições variando em formas*
mas semelhantes em objetivos e efeitos.
Um de tais conjuntos de políticas é o que se refere à popu
lação urbana de baixo nível de renda, em grande parte, mas não
totalmente proletária, e especialmente, mas não exclusivamente,
àquele seu segmento que reside em áreas invadidas por posseiros»
ou favelas1. As favelas do Rio fornecem uma amostra especialmen
te interessante da população urbana de baixo nível de renda, não
apenas por causa de seu grande número, ampla variedade e grande
população, mas particularmente pelo fato de que elas se localizam
no que é, ainda hoje, o centro significativo da tomada de decisões
no Brasil, o Rio de Janeiro.
Neste estudo, mostramos que, nos anos 60, a política relativa
à favela, apesar de marcada por variações externas na forma, é
j essencialmente a continuação de uma política de controle, que re-|
monta, pelo menos, aos anos 30. Pqe_ vezes, esse controle reveste-
se de adornos mais populistas — por exemplo, na forma de. “ urba
nização”2 in loco das favelas, mas em outros momentos aparece
sob uma forma mais repressiva, como, por exemplo* a remoção to
stai das favelas e rigorosa supervisão administrativa das unidades
habitacionais governamentais de “ emergência” , chamadas “ parques
Jproletários” . À natureza da solução política particular varia direta
mente com relação à ideologia nacional reinante e à ordem polí
tica. Assim, quando um regime mais populista controla a comuni
dade política, então tende a surgir uma política relativa à favela
mais comprometida com soluções “ sociais” e “ humanas” , ao passo
que o regime militar e outros regimes elitistas tenderam a pro
duzir políticas mecânicas, administrativas e repressivas. Ambos os
conjuntos de política, todavia, podem ser vistos como objetivando
um controle governamental sobre as massas. Ainda_ mais,_ a polí
A “ Democracia” Pós-Vargas
( 20J R ios, 1961, A palavra “ mutirão” , de acordo com R ios, vem do Brasil
rural e significa solidariedade de vizinhança e ajuda mútua. E. Leeds assis
tiu a dois desses encontros em 1961. A ansiedade dos representantes (pre
sidentes) das associações das favelas em participar da organização de suas
próprias vidas e adquirir conhecim ento útil pra fazê-lo era notável. F oi,
obviamente, graças à dedicação de R ios e de alguns membros de sua
equipe que Leeds fez suas primeiras visitas às favelas, assistindo a reuniões
d& jim a associação de favela e ao mutirão em funcionamento.
30 C om o exem plo de tipos de problemas resolvidos, ver Ò Mutirão (B ole
tim Inform ativo do s e r fh a , n.° 1-4 de outubro, 1961. Era um boletim
informativo distribuído em todas as favelas para ampliar as comunicações.
F avelas e C o m u n id a d e P o l ít ic a 213
dores das favelas são engolfados por uma interminável onde de no
vos gastos, contra a qual a política salarial do Governo Federal,
junto com a correção monetária sobre as amortizações, torna impos
sível qualquer reação para uma grande parcela deles. Sua única
solução é o retorno a, ou a criação de, novas favelas em outro lu
gar. A situação é vividamente descrita num longo e detalhado ar
tigo do Correio da Manhã60 (2 1 /1 /1 9 7 1 ), que transcrevemos em
parte:
“ Nem mesmo na Catacumba tinham eles tantos problemas
Eram 2.230 famüias ocupando 98.000 metros quadrados do Morro
da Catacumba. Não pagavam aluguel, nem condomínio, nem taxas
(inúmeras taxas impostas pelo uso da terra e por serviços urba
nos), nem a água que carregavam em grandes latas (desde 1961,
havia sistemas de bombeamento no alto do morro — A .L.) nas cabe
ças. Também não pagavam condução. Muitos tinham três emprego&
e ainda estudavam à noite para poder melhorar de vida. Então surgiu
a g u i s a m e acabou com a favela, prometendo casas próprias para
aqueles que pudessem pagar mensalmente, cerca de 100 cruzeiros
durante 18 anos. E nos primeiros três meses, as .taxas seriam por
conta do Estado. Agora * passados quatro meses, a maioria nao con