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Henry R.

Lang

CANCIONEIRO D’EL REI DOM DENIS


E ESTUDOS DISPERSOS

Edição organizada por


Lênia Márcia Mongelli e Yara Frateschi Vieira

Niterói/RJ 2010

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Cortesia da Hispanic Society of America, Nova York, N.Y.

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S UMÁRIO

Apresentação – Maria do Amparo Tavares Maleval .............................................. 7


Introdução – Lênia Márcia Mongelli e Yara Frateschi Vieira .............................. 9
Apêndice – Correspondência de Henry R. Lang ................................................. 23

Cancioneiro d’el Rei Dom Denis


Prefácio ....................................................................................................................... 55
Introdução .................................................................................................................. 57
Índice alfabético das cantigas ................................................................................ 183
Relação da bibliografia utilizada, com as abreviaturas correspondentes ...... 187
Cantigas ..................................................................................................................... 193
Variantes do códice ................................................................................................. 301
Notas ......................................................................................................................... 307
Glossário ................................................................................................................... 343

Estudos
Sobre o Cancioneiro da Ajuda .............................................................................. 383
Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores
e troveiros ............................................................................................................ 455
O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola....................................... 483
Antigos cantares portugueses ................................................................................ 509
Acerca de caçafaton no Dicionário de Rima de Pero Guillén ............................ 529
Português chegar ........................................................................................................ 539
Rims equivocs e derivatius em português arcaico ................................................... 541
Português arcaico brou ............................................................................................ 547
Lições no Códice da Ajuda de antigos poemas portugueses ........................... 551
Marinhas em português arcaico ............................................................................ 557
O texto de um poema do rei D. Denis ................................................................ 569

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores


galaico-portugueses ............................................................................................ 593

Referências bibliográficas ....................................................................................... 609

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Introdução

A PRESENTAÇÃO

A coleção Estante Medieval se vê enriquecida sobremaneira com a


presente publicação da edição crítica do Cancioneiro d’el rei Dom Denis e
estudos dispersos do renomado filólogo Henry Roseman Lang. Constitui o
sexto número da coleção, que repete a façanha do segundo, no qual foram
reunidos, graças à dedicação da pesquisadora Yara Frateschi Vieira, a edi-
ção crítica das cantigas de D. Joan Garcia de Guilhade preparada por Oskar
Nobiling, bem como seus estudos dispersos. A especialista, agora em par-
ceria com a não menos dedicada investigadora Lênia Márcia Mongelli,
coloca ao nosso alcance o criterioso trabalho do romanista relativo à lírica
medieval galego-portuguesa.
Lang, nascido na Suíça em 1853, em 1890 concluiria o Doutorado
na Universidade de Estrasburgo, sendo a tese nada menos que a edição do
Cancioneiro dionisino aqui recolhida, fruto de paciente, minuciosa e esme-
rada pesquisa. Publicada pela primeira vez em 1892 e republicada dois
anos depois, mesmo sem alcançar a sempre fugidia perfeição – a crítica
especializada, reconhecendo-lhe embora o valor, apontou-lhe correções e
acréscimos necessários ao seu aprimoramento – permanece ainda hoje como
modelo de ecdótica, como preciosa fonte de conhecimento do texto e do
contexto trovadorescos e como primeira reflexão, com rigor científico, so-
bre um cancioneiro individual. Assim, de há muito que os filólogos e
medievalistas ansiavam pela reedição de tal obra, cuja importância reside
ainda no fato de recolher, por completo pela primeira vez, a vasta e original
produção poética do Rei Trovador, virtuosista nos vários gêneros cancioneiris
e também teorizador, em poesia, do seu fazer.
O erudito romanista radicou-se nos Estados Unidos, onde, na
Universidade de Yale, firmou-se de forma definitiva na vida acadêmica,
sendo-lhe inclusive atribuído o título de Professor Emérito após a aposen-
tadoria, em 1922. E até à aproximação da morte, em 1934, com 81 anos,
realizou uma ininterrupta e fecunda produção, da qual alguns exemplos –
os estudos dedicados à poesia trovadoresca ibérica – aqui se encontram
reunidos.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Em Apêndice, as organizadoras reúnem também cartas escritas ou


recebidas por Lang, que são mostras do diálogo mantido por ele com os
principais filólogos europeus de então, destinatários ou referidos nas
missivas. Nelas ficam claros, de um lado o seu caráter polemizador, irascí-
vel, sarcástico, mas também o profundo apreço dedicado a alguns poucos,
como a D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos; e, de outro, o seu empenho
constante em conseguir publicações portuguesas e em aprimorar-se na lín-
gua de Camões, bem como as dificuldades decorrentes da má atuação de
livreiros portugueses no tocante à aquisição de livros e revistas e, no âmbi-
to universitário, o desinteresse gritante pelos estudos filológicos nos Estados
Unidos do seu tempo e a consequente falta de interlocução local.
Enfim, se a matéria coligida na presente publicação prima pela
seriedade, esta também se comprova no cuidado que as organizadoras tive-
ram no processo de editoração. A começar pela tradução, ou sua revisão,
dos artigos escritos em alemão ou inglês, principalmente dificultada pelo
estilo do autor, ora por demais minucioso, ora lacunar. Como também pelo
trato dispensado às correções e aditamentos indicados a modo de errata na
edição utilizada, de 1894, agora incorporados ao texto – o que dá conta do
meticuloso trabalho a que procederam, visando o aprimoramento da obra
de Lang a partir das indicações do autor, escrupulosamente seguidas.
Às organizadoras temos, pois, que agradecer a inclusão em nossa
Estante de obra desse quilate, bem como à Xunta de Galicia, por subsidiar
publicações que tais, através de convênios de cooperação mantidos com a
UFF e a UERJ.

Maria do Amparo Tavares Maleval


Codiretora da Coleção Estante Medieval

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Introdução

I NTRODUÇÃO

“Os trabalhos de Lang são pois dum


altíssimo valor para quem queira inves-
tigar as antigas línguas e literaturas
portuguesa e espanhola. Pena é que
muitos estejam dispersos em revistas e
outras publicações de difícil e
dispendioso acesso. Seria óptimo que,
pelo menos no que respeita à filologia
portuguesa, os seus trabalhos avulsos
fôssem reünidos e traduzidos em volu-
me.”
R. L.1

Passados quase oitenta anos, eis que a sugestão de Rodrigues Lapa,


citada na epígrafe, tem agora a oportunidade de se concretizar. Com a cla-
reza e a objetividade que sempre moveram seus ideais científicos, Lapa viu
a importante contribuição dos trabalhos de Henry Roseman Lang ao me-
lhor conhecimento da poesia lírica galego-portuguesa e dos Cancioneiros
que a recolheram, bem como da literatura espanhola antiga em geral. Não
se pode perder de vista que a produção do crítico suíço se situa entre o
último quartel do século XIX e o segundo do século XX, portanto, naque-
les anos de intenso labor em torno da relativamente recém-descoberta lírica
trovadoresca2: se muitas coisas envelheceram ou foram revisadas, outras

1
M. Rodrigues Lapa, necrológio a “Henry R. Lang”, Boletim de Filologia, Lisboa, 1936, t. IV,
pp. 217-218 [reproduzido também em Cancioneiro Gallego-Castellano (1350-1450), collected
and edited by Henry R. Lang, text, notes and glossary, com notícias de Jakob Jud, M. Rodrigues
Lapa e J. Leite de Vasconcelos, e resenha crítica de C. Michaëlis de Vasconcelos, Rio de Janeiro,
Lucerna, 1991, p. 7]
2
Na “Resenha Bibliographica” que abre o vol. II da edição do Cancioneiro da Ajuda (reimpressão
da edição de Halle [1904], acrescentada de um prefácio de Ivo Castro e do glossário das cantigas
[Revista Lusitana, XXIII], Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990, p. 1), Carolina
Michaëlis de Vasconcelos fala da “fecunda revisão das litteraturas romanicas, iniciada no 1o

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

tantas se mantiveram no rigor de sua erudição e sem perder o sabor de


discussões travadas “no calor da hora”, quando a Filologia Românica as-
cendente se firmara como disciplina autônoma3 e quando filólogos trocavam
entre si cartas apaixonadas, às vezes em torno de minudências do texto
(não raro “ilegível”), em busca de sua melhor restituição. A par desse pre-
cioso testemunho, ainda é possível apreender o impacto da figura austera e
controversa de Lang quer sobre os pares, que o respeitavam, quer sobre os
alunos, que o temiam.
Henry Roseman Lang nasceu em 21 de setembro de 1853, em
Wartau, região de St. Gall, na Suíça. Filho de um pastor protestante, consta
que fez no país de origem seus primeiros estudos4, tendo cursado em Zuri-
que o ginásio 5 e, mais tarde, em 1890, defendido o Doutorado na
Universidade de Estrasburgo – então notável centro de estudos românicos
– sob orientação de Gustav Gröber. Em 1892, temo-lo instalado definitiva-
mente em New Haven, cidade americana à época com alguma presença da
cultura alemã, como Instrutor de Filologia Românica na Universidade de
Yale. Antes, de 1882 a 1886, já estivera na América, tendo circulado, se-
gundo cronologia não muito clara, por Charleston, New Bedford, Nashville,
encontrando-se, quando chegou o convite de Yale, aparentemente em
Cambridge, Mass., a serviço da Biblioteca da Universidade de Harvard6.
Em Yale, fez rápida carreira acadêmica: tendo passado de Instrutor a Assis-
tente em quatro anos7, chegou a “Full Professor” de Filologia Românica
em 1896 e, dez anos mais tarde, foi nomeado Professor de Línguas Româ-
nicas da Cátedra “Benjamin F. Barge”, na verdade o primeiro a ocupar esse
cargo; em 1922, ao se aposentar, torna-se Professor Emérito. De 1896 a
1898, viajou regularmente pela Europa (a última vez que o fez foi em 1932,
quando reviu a irmã, com quem, aliás, nunca perdera o contato), tendo
estado na Inglaterra, na Itália, na Espanha, em Portugal, perambulando por
teatros e museus, como bom amante das artes que era. Casou-se em 1901

quartel” do século XIX, na qual inclui a primeira edição do CA, feita por Lord Stuart (Paris, No
Paço de Sua Majestade Britânica, 1823).
3
Vid. Pascale Hummel, Histoire de l’histoire de la philologie. Étude d’un genre épistémologique
et bibliographique, Paris, Droz, 2000.
4
Agnes M. Brady, “Henry Roseman Lang”, Modern Language Journal, vol. 19, nº. 1, Oct. 1934, p. 43.
5
Informação dada por Rodrigues Lapa, no texto citado acima, nota 1. A ele devemos também a
notícia – não fornecida por qualquer outro dos biógrafos consultados – de que, uma vez na Amé-
rica, Lang foi “ajudante de farmácia, estudante de Direito e finalmente advogado em New Haven”.
Op. cit., p. 6.
6
Thomas G. Bergin, “Lang at Yale: fact and fable”, Romance Philology, vol. XXXV, nº. 1, August
1981, p. 27.
7
Ministrando também cursos de francês, italiano, latim vulgar, provençal e francês arcaico, embo-
ra seu interesse principal fossem as língua e literaturas ibéricas. Ibid., p. 30.

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Introdução

com Alice Hubbard Derby, mulher culta e sensível; nos 27 anos em que
estiveram casados, não tiveram filhos, levaram vida de certa forma discreta
e cercados de poucos porém fiéis amigos. Alice morreu em 1928 e Lang
registrou com zelo as saudades da falecida no seu “diário”, onde se leem
também suas impressões acerca do cotidiano em New Haven – entre os
colegas de Departamento, com os alunos, na rua, oferecendo de si mesmo
um perfil em nada destoante da imagem externa de severidade e intolerân-
cia, temperada pela ironia8. Manteve-se em vigorosa atividade até suas
últimas semanas, falecendo em New Haven a 25 de julho de 1934, aos 81
anos de idade.
Se esse retrato biográfico não colabora a favor de uma memória
pessoal simpática nem de um convívio prazeroso, a unanimidade é irrestri-
ta quando se trata da competência intelectual de Henry Lang, reconhecido
como scholar de elevado mérito e ampla erudição no âmbito dos estudos
literários e filológicos, principalmente de geografia ibérica. Dizem-no as
honrarias que recebeu e as agremiações que o acolheram entre seus associ-
ados: em 1908, foi como delegado americano a Saragoça, por ocasião das
comemorações do centenário da Guerra de Independência da Espanha; foi
membro da prestigiosa Hispanic Society of America9, da Academia de Ciên-
cias de Lisboa, da American Academy of Arts and Sciences, da Real
Academia Española (Madri), da Rèial Académia de Bones Lletres (Barce-
lona) e Cavaleiro da Ordem Portuguesa de Santiago10; dizem-no também
as ideias que compartilhou – em diálogos nem sempre pacíficos – com os
principais filólogos de seu tempo, quer peninsulares como F. Adolfo Coelho,
Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Teófilo Braga, José Joaquim Nunes,
José Leite de Vasconcelos, Gonçalves Viana, Manuel Rodrigues Lapa,
Menéndez Pidal, quer de outros países europeus como Ernesto Monaci e
Cesare de Lollis na Itália, Alfred Jeanroy na França, Wilhelm Meyer-Lübke
e Jules Cornu, companheiros de língua alemã11.

8
Além do Diário, onde Lang escreveu em 1927 que “os membros escolhidos no Departamento de
Línguas Românicas” eram “tão pobres quanto obscuros”, Thomas G. Bergin também recolheu
testemunhos orais em New Haven, como o de um ex-aluno que, referindo-se ao autoritarismo do
professor, disse jamais ter tido problemas com Lang, por “ter feito exatamente o que ele dizia
para fazer”; ou de outro, reprovado em um exame oral apenas por ter pronunciado erroneamente
o nome de Friedrich Diez. Op. cit., pp. 34-35
9
Para o histórico de sua passagem pela Instituição, vid. Charles B. Faulhaber, “Henry R. Lang and
the Hispanic Society of America”, Romance Philology, vol. XXXV, nº. 1, August 1981, pp. 183-
192.
10
J.D.M. Ford, “In Memoriam Henry Roseman Lang”, Hispanic Review, III, 1935, p. 70.
11
Convidamos o leitor a visitar as cartas trocadas com alguns desses colegas de geração, aqui
reunidas no Apêndice, menos pelo inegável atrativo da exposição de farpas de ambos os lados
(vid., por exemplo, a resposta de Ernesto Monaci, datada de Roma, 22.04.1899, ou a de Leite de

11

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Lang militou em várias áreas da Filologia Românica, interessando-


se pelo composto inseparável língua/literatura espanhola e catalã, portuguesa
e galego-portuguesa, provençal e francesa, de que resultaram edições críti-
cas, ensaios, resenhas e participações diversas em revistas especializadas12.
Uma vista d’olhos por essa extensa bibliografia revela, além do apurado
método comparativo de intervenção no texto (gramáticas “corrigidas” e poe-
mas “emendados”, às vezes com densas disquisições e “provas” aduzidas em
torno de uma única palavra), também o seu pendor natural para a teoria do
verso e a metrificação, defendendo que, de preferência aos “tratados de po-
ética” contemporâneos, deve-se sempre recorrer às próprias incidências
textuais em busca de respostas13, considerando-se os desvios operados pelos
artistas em relação às normas. Desse ângulo, o de seu cientificismo germânico,
são notáveis os trabalhos voltados para a versificação do Poema del Cid14,
polemizando longamente com Menéndez Pidal em defesa da prevalência do
octossílabo sobre outras medidas presentes na composição daquele poema.
No mesmo patamar da obsessiva minúcia avultam as pesquisas em torno do
Cancioneiro de Baena15, não só listando os tipos de rima que não coincidem
estritamente com os manuais do medievo, como oferecendo cuidadosas defi-
nições numa tentativa de precisar a terminologia da métrica e da retórica.
Suas recensões a obras do porte da Spanische Grammatik auf historischer
Grundlage, de Friedrich Hanssen (1857-1919)16, críticas destemidas e pon-
tuais, facultaram aos autores aprimorar seu produto, como, neste caso, a
reedição em espanhol da Gramática, de 191317.
Quanto aos estudos acerca de matéria em português e galego-por-
tuguês, nesta edição são apresentados ao leitor onze artigos, além da maciça

Vasconcelos, datada de Lisboa, 25.01.1910) e mais para conhecimento das concretas dificulda-
des de pesquisa na época, intensificadas no pré e no pós Primeira Guerra, quando se racionavam
recursos de toda ordem e livros circulavam com escassez, obrigando a empréstimos mútuos.
Tanto maiores os empecilhos, tanto maior a persistência com que procuravam contorná-los e
manter-se atualizados.
12
Cf. Benjamin M. Woodbridge, Jr., “An analytical bibliography of the writings of Henry Roseman
Lang”, Romance Philology, vol. XXXV, nº. 1, August, 1981, pp. 1-13.
13
Cf. a p. 62 de sua Introdução ao Cancioneiro.
14
Cf. principalmente “Notes on the Metre of the Poem of the Cid”, Romanic Review, V, 1914, pp.
1-30, 295-349; VIII (1917), 241-278, 401-433; IX (1918), 48-95; “Contributions to the Restoration
of the Poema del Cid”, Revue Hispanique, LXVI, 1926, pp. 1-510.
15
“Las formas estróficas y términos métricos del Cancionero de Baena”, em Estudios eruditos in
memoriam de Adolfo Bonilla y San Martín (1875-1926), I, Madrid, Imprenta Viuda e Hijos de
Jaime Ratés, 1927, pp. 485-523; “Observações às Rimas do Cancionero de Baena”, em Miscelâ-
nea de Estudos em honra de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Coimbra, 1933, pp. 476-492.
16
Halle, Max Niemeyer, 1910.
17
F. Jensen, verbete “Lang, Henry R.”, em G. Lanciani e G. Tavani, Dicionário da literatura medi-
eval galega e portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, pp. 379-380.

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Introdução

recensão à edição do Cancioneiro da Ajuda (1908) dada a lume por Caro-


lina Michaëlis de Vasconcelos em 1904 – comentário que Lang houve por
bem complementar em “Lições do Códice da Ajuda de poemas em antigo
português”, agora em 1927, oferecendo suas contribuições a outros que
não àquela filóloga, então já falecida. Como tais textos foram aqui ordena-
dos cronologicamente (à exceção da resenha a CA, que é de 1908),
visualiza-se a coerência com que o filólogo suíço perseguiu determinadas
ideias e defendeu seus pontos de vista ao longo dos pelo menos 40 anos
que antecederam sua morte, atento aos rumos do medievalismo ibérico. A
tônica dessas lições é o comparativismo: dos poetas peninsulares com os
franceses e provençais (por exemplo, “O descordo na antiga poesia portu-
guesa e espanhola”); dos cancioneiros entre si (CA, CV e CB), com vistas
a restituições fidedignas (por exemplo, “Rims equivocs e derivatius no an-
tigo português”); dos textos poéticos com outros de esferas diversas –
jurídicas, religiosas, filosóficas, históricas (por exemplo, “Acerca do
caçafaton no Dicionário de Rima de Pero Guillén”)18. O documento, literá-
rio ou não, é seu ponto de partida e de chegada. A paixão com que praticou
esta convicção ressuma de “O texto de um poema do rei D. Denis de Portu-
gal”, publicado em 1933, com as emendas feitas ao difícil e singular Pero
muito amo, muito nom desejo – na esteira de intervenções e notas ao mes-
mo poema por Oskar Nobiling e M. Rodrigues Lapa19, interlocutores
constantes.
Mas a investigação de maior vulto realizada por Lang e que o tor-
nou conhecido da comunidade romanística foi sua edição do Cancioneiro
d’el Rei Dom Denis de Portugal – quando menos pela feliz oportunidade
de publicá-lo na referida quadra histórica em que os Cancioneiros peninsu-
lares eram o assunto filológico do momento20: a partir do começo do século
XIX foram sendo sequencialmente redescobertos e editados o Cancioneiro
da Ajuda (1823), o Cancioneiro da Biblioteca Vaticana (1875) e o Cancio-
neiro Colocci-Brancuti, mais tarde Cancioneiro da Biblioteca Nacional
(1880), na mesma época que em França também recrudescia o interesse

18
Observe-se, neste artigo, como Lang alfineta o Sr. Oiva Joh. Tallgren, cujo tratado “acerca do z
e ç del antiguo castellano” ele comenta, pelo fato de aquele pesquisador ter consultado o Dicio-
nário da Academia de 1899 – “único lugar que lhe pareceu necessário para buscar informação a
respeito de uma palavra do século XV!” (Vid. p. 529)
19
Os estudos de ambos estão indicados no rodapé ao artigo citado.
20
Um bom indício deste senso de ocasião revelado por Lang é a publicação, em 1902, do Cancio-
neiro Gallego-Castellano, versando poemas datados entre 1350-1450, período intervalar após a
morte de Dom Dinis geralmente tido como poeticamente estéril, instante de lacuna a anteceder o
Humanismo.

13

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

pelo “provençalismo”21, com vivo intercâmbio entre Itália e Alemanha. O


livro de Lang resultou de sua tese de Doutorado, defendida em 1890 e
publicada pela primeira vez em 1892, com o título em português, Cancio-
neiro d’el Rei Dom Denis22; num exemplar existente na Biblioteca da
Universidade de Yale23, consta ainda o título português, que o autor alterou
do seu próprio punho para alemão. Já a edição de Halle de 1894 traz o
título alemão – Das Liederbuch des Königs Denis von Portugal – com que
a obra passou à tradição. Essa foi a que serviu de base à presente versão,
com opção pelo título português de 1892.
Ainda a favor dos ventos que sopravam para os lados de Lang há
dois pontos a ressaltar: em primeiro lugar, o fato de o filólogo ter escolhi-
do editar “poesia de rei”, no caso um patrono de toda uma geração de
poetas e ele mesmo um dos mais prolíferos versejadores do Ocidente
medieval; em segundo lugar, e a par disso, quando ainda não existiam
edições monográficas dos trovadores, Lang brindava os contemporâneos
não só com a primeira edição completa da produção de D. Dinis, reco-
lhendo o que andava disperso por publicações parciais e esparsas24, como
ainda apresentava uma edição crítica, empenhada em restituir os textos
pelo cotejo refinado e rigoroso de quanto documento lhe caísse em mãos25.
O estudo inaugural de Caetano Lopes de Moura sobre D. Dinis26, além de

21
Martín de Riquer, “Los Cancioneros”, em Los trovadores. Historia literaria y textos, Barcelona,
Ariel, 2001, vol. I, pp. 11-19.
22
Cancioneiro d’el Rei Dom Denis zum ersten Mal vollständig herausgegeben. Dissertation zur
Erlangung der Doctorwürde eingereicht bei der philosophischen Fakultät der Kaiser-Williams-
Universität. Strassburg. Von Henry R. Lang. Halle a.S.: Druck von Ehrhardt Karras, 1892. Ao
referir esta edição, Carolina Michaëlis comenta que Lang nela “offerecia apenas o texto restaura-
do do CV, seguido das variantes do CB, proporcionadas por E. Monaci, e de Notas completas.
Nellas trata de interpretar passagens difficeis. Aponta concordancias de pensamento e de
phraseologia entre D. Denis, os mais poetas gallaïco-portugueses e a lyrica dos troveiros do
Norte da França, e a dos trovadores provençaes. E resolve muitos problemas de syntaxe, estylo e
lingüistica”. E continua, agora sobre a segunda edição: “... addicionou um glossario conciso, mas
completo; e como Introducção um estudo precioso sobre a lyrica gallaïco-portuguesa”. Cancio-
neiro da Ajuda, op. cit., vol. II, p. 76. Assinale-se que esta cuidadosa revisão foi feita em apenas
dois anos, entre 1892 e 1894.
23
Aí se encontram custodiados os “Henry Roseman Lang Papers”; o referido exemplar tem a cota
BEIN Hea27 5a.
24
Vid. suas observações na Introdução ao Cancioneiro, p. 60.
25
Sem contar a dificuldade de acesso dos investigadores aos manuscritos, como atesta a beligeran-
te resposta de Monaci, na citada carta de 1899.
26
Cancioneiro d’el Rei D. Diniz, pela primeira vez impresso sobre o Manuscripto da Vaticana, com
algumas notas ilustrativas, e uma prefação historico-litteraria pelo Dr. Caetano Lopes de Moura,
Pariz, em casa de J. P. Aillaud, 1847. (Entre as pp. XXI e XXXIII de sua Introdução, Lopes de
Moura noticia fontes contendo poemas dionisinos).

14

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Introdução

não ser completo, foi duramente criticado por suas impropriedades e tibie-
za científica27.
Mas o Liederbuch caiu nas boas graças de todos e as recensões à
obra se sucederam, tão profícuas quanto a que o próprio Lang dedicou, em
1908, ao Cancioneiro da Ajuda editado por Carolina Michaëlis, trabalho aqui
incluído, após a eminente romanista ter examinado, em 1895, o Cancioneiro
d’el Rei Dom Denis de Portugal28. Em 1903 foi a vez de Oskar Nobiling, que
depois, em 1907, também se debruça sobre o Cancioneiro da Ajuda29; em
1934, Rodrigues Lapa, embora tratando de um único poema, teve os olhos
voltados para o Cancioneiro dionisino30, bem como J. J. Nunes31. Se em coro
os encômios enaltecem a edição, também são numerosas as sugestões de
correção e de aditamentos a ela (basta ver a extensão das recensões), pois,
como pondera Nunes, errare humanum est e, de seu ponto de vista, a condi-
ção de “estrangeiro” de Lang pode ter sido um empecilho para algumas das
emendas propostas ao Cancioneiro32. Nem sempre o irascível suíço acata
pacificamente estas intervenções, como se pode ver na carta a Dona Caroli-
na, datada de junho de 1920, em que, referindo-se à benevolência dela para
com as Lições de Philologia Portuguesa de Leite de Vasconcelos, diz que
este colega – ou amigo – “como um estudioso de gramática histórica do
Português, não mostrou até agora nem ciência nem consciência”, assim como
J. J. Nunes, que “tem feito algum bom trabalho, mas é evidentemente pouco
familiarizado com o alemão para usar com independência e com proveito as
publicações alemãs”. Sequer a reivindicada “familiaridade com o alemão” o
impede de partir para a revanche contra sua colega germanófona – tratada
sempre, porém, com afetuosa reverência – na recensão ao Cancioneiro da
Ajuda, cujas circunstâncias parecem ter magoado a editora, a julgar por sua
carta a Lang, datada de 15 março de 190833: Carolina intuiu que este se

27
J. J. Nunes denuncia a “incompetência” de Lopes de Moura: “Cancioneiro de D. Dinis”, em
Miscelânea de Estudos em honra de D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos, op. cit.,
pp. 200-206.
28
Vid. “Zum Liederbuch des Königs Denis von Portugal”, em Zeitschrift für romanische Philologie,
XIX, 1895, pp. 513-541; “Henry R. Lang: Das Liederbuch des Königs Denis von Portugal...”,
ibid., pp. 578-615.
29
Ambas as recensões estão publicadas em Oskar Nobiling, As cantigas de D. Joan Garcia de
Guilhade e estudos dispersos, ed. organizada por Yara Frateschi Vieira, Niterói, Eduff, 2007,
pp. 165-161 e 173-256, respectivamente.
30
M. Rodrigues Lapa, “Henry R. Lang, The text of a poem by King Denis of Portugal”, Boletim de
Filologia, II, 1934, pp. 181-184. [Repr. em Miscelânea de Língua e Literatura Portuguesa Me-
dieval, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1982, pp. 197-203]
31
Artigo citado acima, nota 27.
32
Ibid.
33
Vid. Apêndice. Cf. também “Explicação Previa” ao Glossário, p. VII. (Vol. I do Cancioneiro da
Ajuda, ed. 1990)

15

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ofendera com suas críticas à edição do Cancioneiro d’el Rei Dom Denis34.
Tal suspeita é compartilhada por Leite de Vasconcelos, na já mencionada
carta de 25 de janeiro de 191035.
Assentada a poeira, o Cancioneiro d’el Rei Dom Denis de Portugal
permanece como modelo de investigação paciente, incrivelmente detalhista,
rigorosa e muito técnica, mobilizando, ao mesmo tempo, um vasto cabedal
de referências e conhecimentos relativos ao seu contexto não só peninsular
como europeu. Além do usual aparato às cantigas, complementam-no as Notas
e o Glossário, apoiados ambos no mesmo critério de verificação do maior
número de ocorrências36 de um fenômeno linguístico ou métrico em docu-
mentação a mais variada possível, em verso e em prosa. Quanto à longa e
substanciosa Introdução, de feição histórico-literária, procurando enquadrar
os trovadores no seu meio, no seu tempo e nas fronteiras culturais e geográ-
ficas afins, se ela se distingue pela análise do panorama temático dos três
gêneros das cantigas (cantiga de amor, cantiga de amigo, cantiga de escár-
nio e maldizer) e, principalmente, dos seus recursos formais, mais instigante
se mostra ao abordar com paixão – às vezes excessiva37 – dois assuntos trazi-
dos à baila pelo Romantismo oitocentista e tornados centrais, no tocante à
poesia medieval, pelos críticos do fim do século: a questão das origens do
lirismo trovadoresco38 e sua natureza mais íntima, em tantos casos “híbrida”,
limítrofe entre o erudito e o popular. A intelectualidade francesa mergulhava
com afinco no enigma, e teses como a de Alfred Jeanroy, de 188939, refutada
por muitos40 e acatada por outros tantos, mobilizava eruditos como Gaston

34
Vid. nota 28.
35
Vid. Apêndice.
36
São “apenas seis ocorrências de cada palavra e cada acepção dela”, como Lang previne o leitor
na abertura do Glossário, parecendo-lhe ainda insatisfatória a escassez de testemunhos.
37
Com a argúcia nunca desmentida, Carolina Michaëlis, comentando o Cancioneiro, diz que Lang
“pondera repetidas vezes os prós e contras com escrupulo tal que chega a desconcertar o leitor
leigo, deixando-o a princípio em duvida sobre a sua verdadeira opinião”. Cancioneiro da Ajuda,
op. cit., vol. II, p. 76. Antes, em sua recensão de 1895, a filóloga já criticara, a propósito do
mesmo quesito estilístico: “Em suma, a argumentação move-se em perturbadoras linhas ondula-
das, que frequentemente se tornam um zigzag, para trás e para a frente; e na conclusão, algo soa
substancialmente distinto do que no começo”. (Vid. “Henry R. Lang: Das Liederbuch ..., op. cit.,
p. 579).
38
Cf. M. Rodrigues Lapa, Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade Média, Lisboa, ed.
do autor, 1929; para uma boa síntese do tema, cf., do mesmo autor, Lições de Literatura Portu-
guesa. Época medieval, Coimbra, Coimbra Editora, 1934 (vid. cap. II, “O problema das origens
líricas”).
39
Alfred Jeanroy, Les origines de la Poésie Lyrique en France au Moyen Age, 3ème édition, Paris,
Honoré Champion, 1925.
40
Na recensão ao Cancioneiro dionisino, e fustigando Lang, Carolina Michaëlis lembra “as idéias
ousadas, sedutoras e não baseadas em argumentos sólidos de Jeanroy” (op. cit., p. 579). O pró-
prio Lang, em carta a Leite de Vasconcelos, datada de 22.2.1927, mostra-se perplexo: “Vejo que

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Introdução

Paris e Joseph Bédier. Talvez as incertezas de Lang, as idas e vindas de sua


argumentação em torno desta matéria guardem as dúvidas românticas –
ainda vivíssimas – sobre o “poder criador” do povo, a força da tradição oral
e a inserção de ambos no meio culto. Se no século XXI as cantigas de
amigo continuam a intrigar pelo extraordinário apuro estético de sua “sin-
geleza” ou se as cantigas de amor peninsulares continuam a esbarrar no
cerceador fantasma do paradigma provençal, como esperar que o romanista
suíço pudesse apresentar, naquele contexto recuado, soluções seguras e
indiscutíveis? Contudo, quem ler com atenção o último parágrafo do item
II de sua Introdução, “O desenvolvimento da poesia galego-portuguesa”,
verá que as quatro propostas de pesquisa ali formuladas continuam no cen-
tro de interesse dos estudiosos de hoje, demonstrando o quanto Lang era
consciente da complexidade e da fertilidade das questões examinadas.

CRITÉRIOS DESTA EDIÇÃO


SELEÇÃO DOS TEXTOS
A extensão e a diversidade dos estudos publicados por Lang for-
çaram-nos a acolher neste volume apenas os trabalhos que versam sobre a
lírica galego-portuguesa: em primeiro lugar, naturalmente, a edição do
Cancioneiro d’el Rei Dom Denis, seguida da minuciosa recensão à edição
crítica do Cancioneiro da Ajuda, de Carolina Michaëlis de Vasconcelos;
completam o elenco os artigos que, embora de âmbito mais pontual, não
deixam de contribuir para o estudo daquela lírica.

TRADUÇÃO
Dos textos aqui constantes, alguns foram escritos em alemão, ou-
tros em inglês; apenas “A repetição de palavras rimantes na fiinda dos
trovadores galaico-portugueses”, contribuição de Lang para a Miscelânea
Scientífica e Literária Dedicada ao Doutor J. Leite de Vasconcellos, foi
escrita em português.

a 3a ed. das Origines de la poesie lyrique en France au moyen-âge de Jeanroy contem o idéntico,
literalmente identico capitulo sobre Portugal que a primeira edição de 1889, citando ainda,
por ex., o verbo cuorecer (em vez de guorecer ou guarecer) e derivando-o de coeur.” (Vid. Apên-
dice).

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Os textos em alemão foram traduzidos por Marcus Baccega em


primeira versão, a qual foi cuidadosamente revista e reformulada pelas
Organizadoras, atendendo à especificidade do assunto e da linguagem. Os
textos em inglês foram traduzidos por Yara Frateschi Vieira e revistos por
ambas as Organizadoras.
Não podemos dizer que a tradução tenha sido tarefa fácil; pelo
contrário, tanto no que diz respeito aos textos em alemão como em inglês,
a linguagem de Lang tende ora à excessiva minúcia, ao acúmulo de infor-
mações e, portanto, aos períodos extensos e pouco claros, ora, por outro
lado, supondo cumplicidade por parte do leitor, à não explicitação de dados
ou de partes do raciocínio, o que torna difícil acompanhar a argumentação.
Na medida do possível, tentamos ser fiéis ao texto e ao estilo languiano,
desde que isso não comprometesse a compreensão e a sintaxe portuguesa.
Algumas decisões tomadas no tocante a certos aspectos da tradu-
ção devem ser explicitadas: em primeiro lugar, o título dado à edição do
Cancioneiro de D. Denis. Embora a obra publicada em 1894, como já se
mencionou anteriormente, fosse intitulada Das Liederbuch des Königs Denis
von Portugal, decidimos manter a forma portuguesa anteposta por Lang à
dissertação de 1892: Cancioneiro d’el Rei Dom Denis.
Certas expressões empregadas por Lang também criaram dificul-
dades na tradução. Assim, os compostos por kunst- e volk-, como
kunstpoesie, kunstdichtung e volkspoesie, volkslyrik etc., que são de uso
frequentíssimo. Lang está ainda preocupado com a hipotética existência de
uma “poesia natural” (naturpoesie), por vezes identificada à poesia popu-
lar (volkspoesie) e oposta à kunstpoesie, ou seja, “poesia artística”, “poesia
culta”. Como esses compostos se tornam pesados em certos momentos, à
custa de repetidos, e uma vez que o seu uso não pertence à nossa tradição,
conservamos as formas “poesia culta” ou “poesia palaciana” ou “poesia
artística” somente naqueles casos em que no texto se explicita um confron-
to com a “poesia popular”; nos demais, usa-se o substantivo sem
qualificação: poesia, lírica, poeta etc. Outro termo que causa espécie é ba-
ladas (balladen), com o qual Lang denomina um subgrupo das cantigas de
amigo, ou seja, as cantigas de refrão com estrofes de 3 ou 4 versos, por
oposição às serranas, compostas em dísticos paralelísticos. Embora esse
uso tenha sido criticado por Carolina Michaëlis41, decidimos conservá-lo

41
Carolina Michaëlis critica o emprego do termo balada para as cantigas de refrão com estrofes de
3 ou 4 versos. Segundo a filóloga, seria melhor utilizar para elas o termo geral “cantigas de
refrão”; “bailada”, apenas para dísticos, com ou sem refrão, e “bailadas paralelísticas” ou
“encadeadas”, para as estrofes encadeadas. Cf. “Henry R. Lang: Das Liederbuch des Königs
Denis von Portugal. (...) Zeitschrift für romanische Philologie, op. cit., p. 611.

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Introdução

na forma aportuguesada mais próxima, balada, a fim de preservar a opção


terminológica do Autor42. Em geral, foi esse o nosso procedimento: man-
ter, tanto quanto possível, a forma escolhida por Lang. Problemas pontuais
são referidos em notas de rodapé, através de chamada pelo asterisco * e de
indicação (N. E.), para distingui-las das notas do Autor.

GRAFIA
Os nomes dos trovadores galego-portugueses e outros grafam-se
segundo a forma adotada por Lang. Nos demais casos de nomes próprios
ou topônimos, atualizou-se a grafia.

NUMERAÇÃO DOS VERSOS


No edição original do Cancioneiro de D. Denis, numeram-se à di-
reita as linhas ou versos de 1 a 2784, numeração essa que é utilizada, nas
notas e no glossário, para remissão a linhas específicas. A numeração à
esquerda, contudo, em vez de reiniciar a cada cantiga, fez-se tomando por
limites o começo e o fim da página impressa, sem correspondência com as
delimitações de cantiga. As notas do aparato crítico, colocadas ao pé da
página, referem-se a essa numeração. A numeração das variantes do códice
Colocci-Brancuti, porém, refere-se ao número do verso na cantiga, que não
está dado no original43. A fim de facilitar, portanto, a leitura do aparato
crítico e das variantes, alteramos a numeração à esquerda, adotando a das
linhas por cantiga. Modificou-se, consequentemente, a chamada aos ver-
sos correspondentes no aparato crítico.

CORREÇÕES E ADITAMENTOS
Ao fim da edição de 1894, encontra-se, como era usual, um con-
junto de “Correções e Aditamentos”, isto é, emendas ou acréscimos

42
Cf. também M. R. Lapa: “Lang designou o primeiro tipo destas cantigas pelo nome de baladas,
inspirado em Jeanroy, e ao segundo chamou serranas”. Lições de Literatura Portuguesa. Época
Medieval. 6ª. ed. revista. Coimbra: Coimbra Editora, 1966, p. 152.
43
Carolina Michaëlis criticou essa discrepância no seu comentário: cf. “Zum Liederbuch des Königs
Denis von Portugal”, op. cit., p. 520. Al3iás, no original, há vários momentos em que se nota
confusão na chamada a determinados versos, usando-se não a numeração da página impressa,
mas provavelmente uma numeração anterior por cantiga, como seria natural.

19

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

referentes à Introdução, ao texto das cantigas, às Notas e ao Glossário. Em


vez de reproduzir o anexo com a usual denominação de Errata, preferimos
fazer as correções indicadas e incluir os aditamentos no próprio texto, usando
o seguinte critério: quando se trata de corrigir um simples erro tipográfico,
fez-se a emenda, sem nenhuma nota. No caso de correções ao texto das
cantigas que implicavam mudança significativa, como por exemplo altera-
ção da grafia, inclusão de variante ou comentário, não se fez a correção,
mas acrescentou-se o texto respectivo dentro do aparato crítico, entre col-
chetes e com a indicação C.A., isto é, Correções e Aditamentos. Da mesma
forma, foram assim indicadas as modificações propostas para a Introdu-
ção, as Notas e o Glossário. Adotamos também o mesmo procedimento
quanto às “Correções” apostas à recensão “Sobre o Cancioneiro da Ajuda”,
que se referem quase exclusivamente à emenda de erros tipográficos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Como era usual na época, Lang indica as fontes de citações e re-
missões quase sempre abreviando ora nome de autor, título de obra, ora
omitindo a imprenta ou fornecendo apenas local ou data da edição. Na
medida do possível, procuramos recuperar esses dados, juntando-os todos
ao final, na “Referências bibliográficas”.

Agradecimentos
Este trabalho só pôde chegar a termo por ter contado com o apoio
de instituições e pessoas.
Devemos especial agradecimento aos Diretores da coleção “Es-
tante Medieval”, Maria do Amparo Tavares Maleval e Fernando Ozório
Rodrigues, que nos estimularam a empreendê-lo e foram sempre recepti-
vos às necessidades surgidas ao longo do caminho. Ao setor “Manuscripts
and Archives” da Biblioteca da Universidade de Yale, e especialmente à
Diretora de Serviços Públicos, Ms. Diane E. Kaplan, agradecemos que nos
tenham permitido a consulta a materiais constantes do acervo “Henry
Roseman Lang Papers”, bem como a reprodução da correspondência aqui
incluída; da mesma forma, ao nosso hospedeiro em New Haven, Prof. K.
David Jackson, que generosamente nos acompanhou e intermediou os es-
forços no sentido de conseguir reproduções e acesso a documentos e obras.
À Dra. Isabel João Ramires, do Serviço de Manuscritos e de Leitura de
Manuscritos e Reservados da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra,
devemos a gentileza com que pôs novamente à nossa disposição o acervo

20

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Introdução

de Carolina Michaëlis, facilitando a consulta e a reprodução das cartas


trocadas entre Lang e a filóloga. À Hispanic Society of America, o nosso
agradecimento pela autorização para reproduzir o quadro de José María
López Mezquita, “Doctor Henry Roseman Lang, 1931”, bem como o pron-
to envio da fotografia. A transcrição das cartas de Lang a Leite de
Vasconcelos não teria sido possível, se não tivéssemos contado com a amá-
vel aquiescência do Dr. Luís Raposo, Director do Museu Nacional de
Arqueologia, Lisboa, e a eficiência da Dra. Lívia Cristina Coito, Bibliote-
cária do mesmo Museu, autorizando o seu uso e fornecendo-nos com toda
a presteza as respectivas fotografias.
Diversos colegas e amigos acorreram prontamente com os seus
conhecimentos, sugestões e correções, quando a eles nos dirigimos, pedin-
do auxílio: Ataliba Teixeira de Castilho, Carlos Arthur Ribeiro do
Nascimento, Elsa Gonçalves, Erwin T. Rosenthal, Helmut Galle, Ivo Cas-
tro, Manuel Ferreiro, Maria Ana Ramos, Mário Eduardo Viaro, Rip Cohen,
Segismundo Spina. A todos eles, cuja competência e generosidade nos aju-
daram a resolver questões que nos tiraram por vezes horas de sono, o nosso
reconhecimento. Gratidão especial ao também colega Paulo Roberto Sodré,
que se encarregou do minucioso e delicado trabalho de digitalizar o texto
das cantigas, com o cuidado que sempre põe em tudo o que realiza. À
Selma Consoli, devemos a tranquilidade que nos deu a sua boa vontade e a
perícia para resolver problemas gráficos, na etapa final de preparação do
livro.

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A PÊNDICE
CORRESPONDÊNCIA DE H ENRY R. L ANG

A. CARTAS RECEBIDAS POR HENRY R. LANG1

1) Carta de Ernesto Monaci. [Dat. Roma, 22.4.1899]*

Roma, 22. IV. 992


Caro Senhor.
Julguei que a minha última resposta tivesse sido suficiente para a
sua carta de 7 do corrente. Agora vou dizer-lhe claramente. Não permito
que ninguém estude o Códice Colocci-Brancuti. O códice é de minha pro-
priedade exclusiva. Comprei-o para o meu próprio uso. Enviei-lhe uma vez
toda a colação do Canz. d’el rey Don Diniz3, e não vejo que isso lhe dê o

1
As três cartas (de Monaci, Carolina Michaëlis e José Leite de Vasconcelos) encontram-se nos
Henry Roseman Lang Papers. Manuscripts and Archives. Yale University Library. A retranscrição
de todas as cartas respeita a forma e a grafia do original.
* Considerando que as cartas neste Apêndice são inéditas, transcreve-se o original nas respectivas
notas.
2
My dear Sir. / I thought that my last answer would have been enough for your letter of the 7th.
inst. Now I will tell you pleinly. I do not permit anyone to study the Code Colocci-Brancuti. The
code is my absolute property. I have bought it for my own use. Once I have send you all the
collation of the Canz. d’el rey Don Diniz, and I do not see that, that gives you the right to insist
more. So I do not understand the closing words of your letter, which make appeal my “senso di
giustizia”. Yours sincerely, Ernesto Monaci.
3
O próprio Lang registrara o generoso gesto, no Prefácio ao Cancioneiro d’el rei Dom Denis:
“Devo enorme gratidão ao Professor Ernesto Monaci, em Roma, pela colação do códice Colocci-
Brancuti”. O fato de ter estado o códice em mãos de particulares até 1924, quando foi adquirido
pelo Estado Português, provocou sempre um certo desconforto entre os intelectuais. Carolina
Michaëlis, por exemplo, afirmava no volume II do Cancioneiro da Ajuda: “Infelizmente, até
hoje [Monaci] não pôde cumprir a promessa [o exame crítico das partes comuns a V e a B].
Auctoriza-nos porém a alentar a esperança que brevemente a realizará, o facto de haver adquiri-
do ha annos o precioso thesouro, e de não o facultar mais aos que desejariam vê-lo”. E em nota
acrescenta: “Em 1894 Monaci ainda extrahiu manu propria as variantes do CD, em favor de um
joven professor americano [= Lang]. Depois facultou-o a Cesare de Lollis”. (Canc. da Ajuda,
vol. II, p. 50 e nota 1)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

direito de insistir mais. Não entendo, portanto, as palavras finais da sua


carta, que fazem apelo ao meu “senso di giutizia”.
Sempre ao seu dispor,
Ernesto Monaci.

2) Carta de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. [Dat. Porto,


15.3.1908]

Porto, 15 de março de 19084.


Excelentíssimo Senhor e Amigo:
Que belo presente de aniversário me fez V.Exa.! – à velha avozinha,
a quem já dois turbulentos netinhos, Manuel e Ernesto, trouxeram os seus

4
Porto, 15 März 1908. / Hochverehrter Herr und Freund, / was für ein schönes Geburtstags-geschenk
haben Sie mir gemacht! – dem alternden Großmütterchen, dem soeben zwei kleine stürmische
Enkelknaben, Manuel und Ernesto, ihre Glückwünsche dargebracht haben! Ein Stein fällt mir
vom Herzen. Langezeit hatte ich – seit Gröber mir mitgeteilt, Sie würden den Cancioneiro
besprechen – jedes Heft erwartungsvoll geöffnet, um es enttäuscht wieder hinzulegen. – Als
gestern früh der Postbote XXXII/2 brachte, ließ ich es liegen, bis ich in der Abenddämmerung
die Feder aus der Hand legte – und am der Fenstertür meiner grünumlaubten Veranda den
Bindfaden löste, um Ordnung auf meinem Schreibtisch zu schaffen.// Da fiel mein Blick auf die
erste Seite u. dann aufs Titelblatt. Noch habe ich nichts gelesen, nur Seite eins überblickt (Abends
ging ich nach einem mühevollen Tagewerk zu Freunden, einer Verabredung gemäß, da ich bei
künstlichem Lichte Lesen u. Schreiben nach Möglichkeit unterlassen soll). Ich weiß, wie vielerlei
sich an meiner Arbeit aussetzen läßt – würde mich selber wahrscheinlich schärfer kritisieren, als
sonst irgend Jemand – u. hätte es längst öffentlich in der Selbstkritik getan, die dem 3 Bande
vorausgehen muß – als Übergangsstadium – da ich naturgemäß nach Vollendung von Band I-II
über vielerlei anders denke, als beim Beginn des Werkes – wenn mich daran nicht die Rücksicht
auf Ihre erwartete Besprechung u. die mir gleichfalls im Voraus gemeldete von Oskar Nobiling
gehindert hatte. Aber was tut das? Jeder der “strebend sich bemüht” muß mit jedem Schritte
vorwärts über sich selbst, wie er vordem war,// hinauskommen. Und so sehr ich jeden Fehler,
jeden Irrtum, jede Sorglosigkeit beklage – sowie die Widersprüche zwischen alten u.
vorgeschrittenen Ansichten – ich freue mich, wenn durch mich angeregt, Andre die Sache fördern.
Und zuckt auch mein allzuheißes, allzuempfindliches Herz leicht schmerzhaft zusammen, ich
habe Selbsterkenntniß u. Ehrlichkeit genug – um nicht zu zürnen, wenn mir meine Unzulänglichkeit
nach gewiesen wird. Dank, warmen Dank empfinde ich Ihnen gegenüber – u. daran wird sich
nichts ändern, was ich auch zu lesen bekommen werde. – Nun, (sobald ich den letzten Teil der
Romanzenstudien der Cultura Española eingehändigt haben werde) kann u. darf ich zu den so
lange unterbrochnen Cancioneiro-Studien (nebst Randglossen) zurückkehren – u. sie hoffentlich
zu Ende führen. Als Genugtuung für Sie – weil ich Ihnen durch mein kurzsichtiges Scharfsehen
von Einzelnheiten in Ihren kostbaren Studien wehe getan hatte, dem Anschein// nach, die Person
über der Sache vergessend – hatte ich mir völliges Schweigen u. Nicht-veröffentlichung meiner
Selbstkritik auferlegt, um Ihnen den Vorrang u. die Freude zu lassen, die altportugiesischen Studien
weit über den Punkt hinaus zu führen, an dem ich sie 1904 unterbrach. / Versöhnt Sie, und entsühnt
mich, dies Selbst bekenntniß einer 57 jährigen? Können Sie mir gegenüber wieder herzlich werden?
Sind die Wunden, die ich Ihnen, in Torheit, nicht aus Bosheit geschlagen, vernarbt? Tun sie nicht
mehr weh, wenn sie – wie von mir, mit dem sanften Finger wahrer Freundschaft u. Werschätzung
berührt werden? – Glauben Sie mir, ich habe mehr darunter gelitten als Sie selbst./ Nun aber Ihr
Aufsatz da ist, – da ich ihn als Beweis dafür auffassen daß Sie meine Hochachtung und

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Apêndice

parabéns! Um peso está-me a cair do coração. Já há tempo – desde que Gröber


me comunicou que V. Exa. iria resenhar o Cancioneiro – tenho aberto ansio-
samente cada número, para largá-lo novamente desapontada. – Assim que o
correio trouxe, ontem de manhã, o número XXXII/25, esperei até deixar de
lado a pena, no fim da tarde – e à porta da minha verdejante varanda desa-
marrei o barbante, pondo ordem na minha mesa de trabalho. //
Então caiu o meu olhar sobre a primeira página e depois sobre a
folha de rosto. Ainda não li nada, apenas passei os olhos na primeira página
(à noite, depois de uma tarde de trabalho intenso, fui à casa de amigos,
conforme combinado, pois devo, dentro do possível, abster-me de ler e
escrever à luz artificial). Sei quanto se pode criticar no meu trabalho – iria
provavelmente criticar-me a mim mesma mais severamente do que qual-
quer outra pessoa – e tê-lo-ia feito há tempos publicamente na autocrítica
que deve preceder ao terceiro volume – como uma transição – pois, natu-
ralmente, depois do término dos volumes I e II, sobre muitas coisas penso
de forma diversa do que pensava no começo do trabalho – se me não tives-
se impedido a consideração da sua esperada resenha e a de Oskar Nobiling6,
que me foi previamente anunciada também. Mas o que importa? Aquele
que “se esforça, ansioso”, deve a cada passo ultrapassar a si mesmo, para
adiante de onde estava.// E tanto quanto lamento cada falha, cada erro, cada
descuido – assim como o desacordo entre opiniões antigas e avançadas –
alegro-me quando, inspirada por mim, alguma outra pessoa faz progredir o
assunto. E, ainda que o meu coração impetuoso e muito sensível também
se constranja dolorosamente, tenho auto-consciência e honestidade sufi-
ciente para não me aborrecer, quando as minhas deficiências me são
apontadas. Obrigada, fico muito agradecida a V.Exa. – e o que quer que eu
tenha de ler, nada mudará. – Agora (assim que eu tiver entregado à Cultura
Española a última parte dos Estudos do Romanceiro7), posso e devo voltar

Freundschaft mit Hochachtung und Freundschaft erwidern? / Yours sincerely, / C a r o l i n a


Michaëlis de Vasconcellos
5
A resenha de Lang ao Cancioneiro da Ajuda, “Zum Cancioneiro da Ajuda”, foi publicada na
Zeitschrift für romanische Philologie, vol. XXXII (1908), pp. 129-160 e 290-399. (Vid. neste
volume, p. 383-384)
6
A resenha de Nobiling, “Zu Text und Interpretation des Cancioneiro da Ajuda”, saiu em
Romanische Forschungen, 23 (1907) pp. 339-385 e foi muito bem recebida por C.M. Cf. “Glos-
sário”, volume I do Cancioneiro da Ajuda (1990), pp. VI-VII. (Cf. Oskar Nobiling, As Cantigas
de D. Joan Garcia de Guilhade..., op. cit., pp. 173-218.)
7
Os “Estudos sôbre o Romanceiro peninsular, romances velhos em Portugal” foram publicados na
revista Cultura Española, Madrid, nos volumes VII, VIII, IX, X, XI e XIV, entre 1907 e 1909.
Em livro: Romances Velhos em Portugal publicados na Revista “Cultura Española” (Madrid,
1907-1909). 2ª. ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1934.

25

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

aos há tanto interrompidos estudos do Cancioneiro8 (ao lado das Glosas


Marginais9) – e levá-los, espero, até ao fim. Como reparação a V. Exa. –
pois eu, através da minha percepção míope dos detalhes nos seus valiosos
estudos, o feri, aparentemente,// esquecendo a pessoa por sobre os fatos10 –
impus-me silenciar por completo e não publicar a minha auto-crítica, para
deixar-lhe a precedência e a alegria, a fim de que levasse os estudos do
português arcaico bem adiante do ponto em que os interrompi em 1904.
Reconcilia-se e perdoa-me essa auto-confissão de uma pessoa de
57 anos? Pode V. Exa. ser novamente cordial comigo? Estão cicatrizadas as
feridas que eu, por tolice e não por malícia, lhe infligi? Não fazem elas
mais mal quando são tocadas – como são tocadas por mim, com o gentil
dedo da verdadeira amizade e estima? – Acredite-me, eu sofri mais com
isso do que V. Exa. mesmo.
Agora, porém, como o seu artigo está aí – devo entendê-lo como
prova de que V.Exa. retribui a minha alta consideração e amizade com alta
consideração e amizade?
Sinceramente,
Carolina Michaëlis de Vasconcellos.

3) Carta de José Leite de Vasconcelos. [Dat. Lisboa, Biblioteca


Nacional, 25.1.191011]

Lxa., B.Nal
25.I.910 Exmo. Sr. Lang:

Foi com grande atraso que li a Zr. 33-3, porque estive 4 meses fóra
de Lxa. Por outro lado, escrevo a V. E. só agora, porque tenho a vida muito
occupada.

8
Trata-se, naturalmente, dos dois volumes do Cancioneiro da Ajuda. Halle: Max Niemeyer, 1904.
9
As quinze Randglossen zum altportugiesischen Liederbuch (Glosas Marginais ao Cancioneiro
Medieval Português) foram publicadas na Zeitschrift für romanische Philologie, números XX,
XXV, XXVI, XXVII, XXVIII e XXIX, entre 1896 e 1905. (Vid. Y.F. Vieira et al., Glosas Margi-
nais ao Cancioneiro Medieval Português de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra, San-
tiago de Compostela, Campinas, 2004.)
10
Carolina Michaëlis refere-se à sua crítica à edição do Liederbuch des Königs Denis von Portugal
(Cancioneiro d’el rei Dom Denis), publicada na Zeitschrift für romanische Philologie, XIX (1895),
pp. 513-541 e 578-615.
11
No Epistolário de Leite de Vasconcelos, Museu Nacional de Arqueologia, consta o rascunho
dessa carta (MNA 10952 A); o texto é basicamente o mesmo, com pequenas variações de estilo e
dois períodos riscados que não foram incluídos na carta enviada.

26

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 26 29/4/2010, 11:13


Apêndice

Li com bastante surpresa o artigo de V. E. a p. 365 ss12. Não occulta


V. E. o seu aziume! E porquê? Porque V.E. é um melindrinho, um noli me
tangere, para quem todos devemos olhar sem pestanejar, ou ante quem to-
dos nos devemos curvar reverentes. É o caso: V. Ex. sentiu-se com a
innocentissima observação que lhe fiz na RL, VIII, 223 ss. 13, onde o trato
com toda a delicadeza, mas não se lembrou do que escrevi ibidem, IV, 280-
28114, nem de que sempre tenho procurado citá-lo, e com louvor, e de que o
tratei em Lisboa com a maior affabilidade. E por causa d’aquelle falso
resentimento veio agora descarregar a sua ira sobre o vol. VIII da RL! Ao
passo que não allude sequer á importancia philologica do Fabulario portu-
guês de Viena, nem á fadiga que me deu o texto, preocupam-no ninharias
orthographicas! Onde está o critico? onde o homem de sciencia? Novas
ninharias surgem a proposito dos Textos Archaicos, e dá-me pela cara com
um artigo de D. Carolina na Zs., artigo que eu proprio cito! Chama unschwer
á restituição de Storck, porque não foi V. Exa. que a fez; senão seria
“importantissima”! Sorrateiramente diz porém a pag. 368: “Im nº. 3 schlägt
L. drei Änderungen ... vor”15! Aqui o latet anguis de toda a critica; mas, em
quanto foi minucioso no fazer estendal de ninharias, aqui passou como
gato por brasas! Porque é que não expôs as emendas que lhe fiz? E porque
é que diz apenas “propõe”? Não concorda por ventura com o que eu disse?
Então refutasse16.
Costumando V. E. enviar-me os seus trabalhos, como eu a V. E. os
meus, eu estava effectivamente um pouco admirado de não haver recebido
nada ha muito, e não sabia porquê. Ao ver agora a critica, percebi tudo, e

12
Refere-se à resenha do número VIII da Revista Lusitana (1903-1905), publicada por Lang na
Zeitschrift für romanische Philologie, XXXIII:3 (1909) pp. 365-368.
13
José Leite publicara no mencionado número VIII da Revista Lusitana, pp. 223-225, o artigo
“Observações aos Old Portuguese Songs de H. Lang”, no qual propõe emendas a três cantigas ali
editadas. Lang com efeito critica na sua resenha especialmente os textos de Leite de Vasconce-
los, mas passa por alto as observações que este fizera ao seu artigo.
14
Trata-se do parecer favorável à candidatura de Lang a sócio da Academia Real das Ciências de
Lisboa, publicado entre os “Pareceres acerca da candidatura dos srs. drs. Hugo Schuchardt,
Henrique Lang e Julio Cornu a socios da Academia Real das Sciencias de Lisboa” na Revista
Lusitana IV (1896), pp. 280-281, assinados entre outros por Leite de Vasconcelos. Ali, a propó-
sito do Cancioneiro d’el Rei Dom Denis, diz o parecer: “O último trabalho, sobretudo, (...) mere-
ce em especial os nossos applausos, porque, sejão quaes forem as criticas miudas, susceptiveis
de se lhe fazerem, ministra, a par do texto critico, que ainda não tinhamos, das canções do nosso
rei-trovador, valiosos elementos para o conhecimento da litteratura portuguesa da Idade-média”.
Leite também não deixara de lançar uma farpazinha...
15
“No número 3 L.[eite] propõe três modificações”.
16
Entre “refutasse” e “costumando”, havia no rascunho o seguinte parágrafo riscado: “Quem é tão
melindroso como V. Exa. não deve estranhar que para o futuro eu evite o mais possível citá-lo,
pois não desejo expor-me a julgamentos que não são o que parecem”. [Vid. nota 52]

27

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 27 29/4/2010, 11:13


Apêndice

o maior interesse e proveito. Da Gloria d’Amor de Fra Rocaberti20 saiu ha


pouco uma edição a qual, se bem que não absolutamente definitiva, é bas-
tante superior às antecedentes. Como que este livro não está ao alcance de
todos, permittir-me-hei de lhe enviar um exemplar.
Tenho a honra de me subscrever
De Va. Exa.
admor. muito affo. e obrdo.
H. R. Lang.

3) [Fragmento s.d. 1919? (vid. nota 22). Timbre de Yale University,


Department of Romance Languages. Consta apenas a última página]21

(...) renunciou à cidadania prussiana, pois não conseguia mais pen-


sar em terminar a vida na sua pátria. Sua morte foi uma dura perda para
mim.
Recebi agora um jornal de Turim com a notícia de que se organiza-
rá, em homenagem a Farinelli, uma coletânea de alguns dos seus próprios
escritos (não de outros)22. Isso me alegra especialmente, pois Farinelli tem
estado muito infeliz nos últimos anos, e um pouco melancólico. A perda de
sua fortuna na Áustria (em Gmunden, próximo a Salzburgo), seus conflitos
políticos e literários na Itália, levaram-no até a procurar trabalho aqui na

20
The Gloria d’Amor di Fra Rocaberti. A Catalan Vision-Poem of the 15th century. Edited, with
Introduction, Notes and Glossary by H. C. Heaton. New York: Columbia University Press, 1916.
21
(...) preussisches bürgerrecht aufgegeben, weil er nicht mehr daran denken konnte, sein leben in
seiner heimat zu beschliessen. Sein tod ist ein schwerer verlust für mich. / Eben erhalte ich ein
zeitung aus Turin mit dem berichte, dass man Farinelli zu ehren einen sammelband einiger seiner
eigenen (nicht anderer) schriften veranstalten wird. Das freut mich besonders darum, weil Farinelli
in den lezten jahren sehr unglücklich gewesen ist, und etwas schwermütig. Der verlust seines
vermögens in Oesterreich (in Gmunden bei Salzburg), seine politischen und literarischen fehden
in Italien haben ihm dazu veranlasst, sogar hier drüben anstellung zu suchen. Sehr gerne gäbe ich
Ihm meine Stelle, da ich jetzt mit pension in den ruhestand treten kann: aber meine stelle wird
wohl nicht mehr besetzt werden, oder bloss teilweise, weil die universität sparen muss, wie alle
andern. Sogar wenn ich für ihn zurückträte, bekäme er die stelle doch nicht. Die zukunft ist so
ungewiss, so unsicher, die lebenskosten so hoch, und die notwendigkeit die saläre immer und
immer zu erhöhen, so gross, dass die universitäten sich gezwungen sehen, die zahl der professuren
so viel als möglich zu vermindern. / Ehe ich schliesse, nur noch die frage, ob Sie das exemplar
von H. C. Heaton’s ausgabe von Fra Rocaberti’s Gloria d’Amor (N.Y. 1916), welches ich Ihnen
vor etwa zwei Jahren schickte, ja erhalten haben. / Mit herzlichen Grüssen in vorzüglicher
Hochachtung, / Ihre sehr ergebener, / Henry R. Lang
22
Refere-se provavelmente ao volume L’opera di un Maestro. Quindici lezioni inedite e bibliogra-
fia degli scritti a stampa. Per il cinquantesimo corso di lezioni di Arturo Farinelli. Turim: Bocca,
1920. Se assim for, esta carta deve datar de 1919, uma vez que Lang consta entre os subscritores
do volume.

29

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 29 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

América. De muito bom grado eu lhe daria minha posição, pois agora pos-
so jubilar-me com pensão: mas minha posição não será mais ocupada, ou
apenas parcialmente, pois a universidade precisa economizar, como todas
as outras. Mesmo se eu renunciasse em prol dele, ele não receberia o posto.
O futuro é tão incerto, tão inseguro, o custo de vida tão alto, e tão grande a
necessidade de sempre se elevarem os salários23, que as universidades se
veem obrigadas a diminuir tanto quanto possível o número de professores.
Antes que finalize, apenas uma pergunta: recebeu V. Exa. o exem-
plar da edição de H.C. Heaton de Gloria d’Amor, de Fra Rocaberti (N.Y.
1916), que lhe enviei há cerca de dois anos?
Com cordiais saudações e elevado respeito,
Seu admirador afectuoso e obrigado,
Henry R. Lang

4) [Dat. New Haven, Conn., 2.6.1920]24


New Haven, Conn., 2 de junho de 1920.
Minha Senhora.

23
Essa circunstância é confirmada por Bergin, ao descrever a situação em Yale nos anos seguintes
à Primeira Guerra: “A new generation began to question the old conservative pattern; at the same
time financial problems assumed vexing proportions. ([o Reitor] Hadley in his last years was all
but obsessed by the need to raise faculty salaries.)” Cf. Bergin, op. cit., p. 34.
24
New Haven, Conn. June 2d, 1920. / Dear Madame: / I have just read your article in the 21st.
volume of de Revista Lusitana entitled: “Introdução a lições de Filologia Portuguesa”, and write
to congratulate you not only on the excellence of the article itself, which indeed was to be expected,
but on the fact, implied in such lectures, that the University of Coimbra, and Portugal, have
young men taking sufficient interest in such subjects as Philology to attend such lectures on
them. I hope your audience is large. If not, you may take some comfort in the fact, if this be a
comfort, that in the oldest and largest universities of this country, with its more than 100,000.000
inhabitants, only about 12 students, men and women, attend a course in Anglo-Saxon or any
philological course in English, yearly, and even that unwillingly. In Romance philology, the
number of students is usually about six, and most of these abandon their candidacy for the doctor’s
degree, or fail in it, because of their unwillingness to do thorough philological work. Conversation
in Spanish and Portuguese, // especially in what is supposed to be South American Spanish and
Portuguese, is all that is really wanted now. Still, I have kept on offering courses in the older
periods of Spanish and Portuguese language and literature. / In your Introdução I notice that you
recommend Leite’s Lições de Philologia Portuguesa. I have no doubt that it is “politic” to do so,
but few will agree with the statement itself. Leite de Vasconcellos has unquestionably done good
work in the collection of dialectological data, and in the foundation of a national collection of
Lusitanian archaelogy, but as a student of Portuguese historical grammar has not so far shown
either science or conscience. I myself have long since ceased to trust his statements, and there is
much the same feeling elsewhere. Mr. J. J. Nunes has done some good work, but he is evidently
too little familiar with German to use German publications independently and with profit. / I am
reading all kinds of books and articles written in Portuguese so as to retain my command of the

30

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 30 29/4/2010, 11:13


Apêndice

Acabo de ler o seu artigo no volume XXI da Revista Lusitana,


intitulado: “Introdução a lições de Filologia portuguesa”, e escrevo para
cumprimentá-la não só pela excelência do artigo em si, que certamente era
de esperar, mas pelo fato, implícito nessas lições, de que a Universidade de
Coimbra e Portugal têm jovens suficientemente interessados em assuntos
tais como Filologia para assistir a aulas que a eles se dedicam. Espero que
tenha uma numerosa audiência. Caso contrário, V. Exa. pode encontrar al-
gum consolo no fato – se isso for um consolo – de que nas universidades
mais antigas e maiores deste país, com os seus mais que 100.000.000 de
habitantes, apenas cerca de 12 alunos, homens e mulheres, assistem a um
curso de Filologia Anglo-Saxônica ou a qualquer curso filológico em In-
glês, e mesmo assim de má vontade. Em Filologia Românica, o número de
estudantes é geralmente cerca de seis, e desses, a maior parte abandona a
sua candidatura ao grau de doutor, ou são reprovados nele, por causa da sua
pouca propensão para realizar um trabalho filológico integral. A única coi-
sa que realmente se deseja agora é conversação em espanhol e português,
// especialmente no que se supõe ser espanhol e português da América do
Sul. Apesar disso, tenho continuado a oferecer cursos nos períodos anterio-
res, de língua e literatura espanhola e portuguesa.
Na sua Introdução, vejo que V. Exa. recomenda as Lições de
Philologia portuguesa de Leite25. Não duvido de que seja “político” fazê-
lo, mas poucas pessoas estarão de acordo com essa declaração. Leite de
Vasconcelos fez, incontestavelmente, um bom trabalho no levantamento
de dados dialetológicos e na fundação de uma Coleção nacional de Arque-
ologia Lusitana, mas como um estudioso de gramática histórica do Português
não mostrou até agora nem ciência nem consciência26. Eu mesmo já há
algum tempo deixei de confiar nas suas afirmações, e há bastante do mes-

language – what little I ever had! to some extent. It is no easy task, nor are all the books attractive.
I wish I could spend a half a year or more in Portugal to renew my interest in the country. When
I read a Portuguese novel, it still seems to me here and there as though I actually heard the people
speak. And when I go over an old Portuguese// parallelistic song, as Ai ondas, ai ondas do mar de
Vigo, Se sabedes novas do meu amigo: I remember with particular pleasure a short visit to Vigo
in 1905. During the latter part of the war, a former pupil of mine was naval attaché of our legation
at Lisbon, and sent me many interesting reports from old Lusitania. At my suggestion, he took
lessons in Portuguese, but now he allows his attainments in that subject to fall into oblivion. /But
I must close. With best wishes for your health, and for the continued enjoyment and success of
your teaching at Coimbra, I am / with best regards /Sincerely yours / Henry R. Lang
25
Lições de Philologia Portuguesa. Lisboa: 1911. (2ª. ed. Lisboa: Officinas graficas da Biblioteca
Nacional, 1926. 3ª ed., comemorativa do centenário do nascimento do autor, enriquecida com
notas do autor, prefaciada e anotada por Serafim da Silva Neto. Rio de Janeiro: Livros de Portu-
gal, 1959.)
26
Na carta original, C. M. sublinhou “politic” e “collection of dialectological data”, e sublinhou e
colocou entre parênteses “but ... conscience”.

31

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 31 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

mo sentimento em outras partes. O Sr. J.J. Nunes tem feito algum bom
trabalho, mas é evidentemente pouco familiarizado com o alemão para usar
com independência e com proveito as publicações alemãs.
Estou lendo todo tipo de livros e artigos em português, de forma a
reter, até certo ponto, o meu domínio da língua – o pouco que jamais tive!
Não é uma tarefa fácil, nem são todos os livros atraentes. Gostaria de poder
passar meio ano ou mais em Portugal, para renovar o meu interesse pelo
país. Quando leio um romance português, ainda me parece realmente ouvir
aqui e ali as pessoas falando. E quando leio alguma //cantiga paralelística
em português arcaico, como Ai ondas, ai ondas do mar de Vigo, Se sabedes
novas do meu amigo? lembra-me com especial prazer uma curta visita a
Vigo em 1905. Durante a última parte da guerra, um antigo aluno meu era
attaché naval da nossa legação em Lisboa e mandou-me vários relatos in-
teressantes da velha Lusitânia. Por minha sugestão, ele tomou lições de
português, porém agora deixa os seus conhecimentos nesse campo cairem
em esquecimento.
Mas, devo concluir. Com os melhores votos para a sua saúde e o
contínuo desfrute e sucesso do seu ensino em Coimbra, fico
seu admirador
muito afectuoso e obrigado
Henry R. Lang

5) [Dat. New Haven, Conn., 17.7.1920. Timbre Yale University,


Department of Romance Languages]
New Haven, Conn., 17 de julho de 192027

27
Highly esteemed Madam: / I find that the last number of the Romania just arrived contains my
little article on the estribote etc. sent to that journal more than four years ago. It is a restatement
of the article in the Renier-volume, with the addition of the texts involved, and a few notes
written in great haste in compliance with a request from Jeanroy to contribute a short article to
the Romania, of which he had charge during the war, in order to fill up space. It is therefore
simply a stop-gap, put together very reluctantly, all the more so as I had no idea when it would
ever be published, if at all. I had to leave out several notes, as one on the trobadores d’Orzelhon,
which I hope to use at some future occasion. I should feel greatly indebted to you for any criticism
of my views or my treatment of the texts, especially of my note on paragogic e. I have no reprints
of my article as yet, and do not know even whether I am to have any or not, though I asked for
twenty-five, offering to pay if necessary. If I receive some, I shall of course not fail to send you
one. / Does the University of Coimbra publish any programmes of its courses, and of its regulations,
and may these be otained by purchase? / Your contribution to Gröber’s Grundriss on Portugiesische
Literatur, impresses me as one of the best treatments of such a subject as often as I consult it. It is
admirable in every respect. But I must close as one of my students // is coming to consult with me
about points in the Siete Partidas, of which he is preparing a complete lexicon. / Believe me,
with high regard, / Very sincerely yours, / Henry R. Lang.

32

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 32 29/4/2010, 11:13


Apêndice

Excelentíssima Senhora:
Vejo que o último número da Romania, recém-chegado, contém o
meu artiguinho sobre o estribote etc., enviado à revista há mais de quatro
anos28. É uma nova versão do artigo que saiu no volume de Renier29, com
acréscimo dos textos envolvidos e algumas poucas notas escritas às pres-
sas, aquiescendo a um pedido de Jeanroy para enviar um artigo curto à
Romania, da qual se encarregara durante a guerra, a fim de preencher espa-
ço. É, portanto, apenas algo improvisado, reunido com grande relutância,
ainda mais que eu não tinha ideia de quando seria publicado, se é que o
seria. Tive de omitir várias notas, como uma sobre os trovadores d’Orzelhon,
que espero usar em alguma ocasião futura. Ficar-lhe-ia muito agradecido
por qualquer crítica das minhas opiniões ou do meu tratamento dos textos,
especialmente da minha nota sobre o e paragógico30. Não tenho ainda sepa-
ratas do artigo, e não sei nem mesmo se vou tê-las, embora tenha solicitado
vinte e cinco, oferecendo-me para pagar, se necessário. Se receber alguma,
naturalmente não deixarei de enviar uma a V.Exa.
A Universidade de Coimbra publica programas dos seus cursos e
dos seus regulamentos, e podem eles ser comprados?
A sua contribuição ao Grundriss de Gröber31, sobre a Literatura Por-
tuguesa, impressiona-me como um dos melhores tratamentos desse assunto,
sempre que o consulto. É admirável em todos os aspectos. Mas devo con-
cluir, pois um dos meus alunos // está vindo para consultar-me sobre questões
nas Siete Partidas32, das quais está preparando um léxico completo.
Creia-me, com a maior consideração,
De Va. Exa. admirador afectuoso e obrigado,
Henry R. Lang

6) [Dat. 25.8.1922. Timbre do Hotel Le Marquis, 12-14-16 East


31st. Street, New York]

28
“The Spanish estribote, estrambote and Related Poetic Forms”, em Romania XIV (1918-1919),
pp. 397-421.
29
“The Original Meaning of the Metrical Terms estribot, strambotto, estribote, estrambote”, em
Scritti varii di erudizione e di critica in onore di Rodolfo Renier. Turim: Fratelli Bocca Editori,
1912, pp. 613-621.
30
Sublinhado por C.M.V.
31
“Geschichte der portugiesischen Literatur” von Carolina Michaëlis de Vasconcellos und Th. Braga,
em G. Gröber (ed.), Grundriss der romanischen Philologie. Estrasburgo, 1892-1893. Vol. IIb,
pp. 129-382.
32
Las Siete Partidas del Rey don Alfonso el Sabio. Madrid: Imprenta Real, 1807. Não conseguimos
encontrar referência a um léxico das Siete Partidas que pudesse ser de autoria de um aluno de
Lang.

33

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 33 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

25 de agosto de 192233
Excelentíssima Senhora Doutora,
Acabo de receber aqui, para onde me foram enviadas a partir de
New Haven, as separatas dos seus trabalhos, com cujo envio teve V.Exa. a
bondade de me considerar. Receba o meu mais cordial agradecimento não
apenas pela amabilidade, mas também pela honra que eles me trazem. Dois
deles, Uriel da Costa34 e A Intercultura de Ricardo Jorge35, eu talvez jamais
chegasse a ver, se alguma vez os viesse a conhecer pelo nome, sem a sua
gentil atenção. Não é fácil receber livros portugueses. Também a Revista
lusitana é dificilmente acessível. Tenho de lutar por todo tomo, embora o
meu livreiro aqui em Nova York, uma conceituada casa alemã, faça o me-
lhor que pode. Dá-me grande alegria saber que o seu glossario36 foi
publicado; logo após o meu retorno a New Haven, vou lê-lo cuidadosa-
mente. Espero que em breve saia a prometida gramática37. Aqui se começa,

33
Hochverehrte Frau Doctor: / Soeben erhalte ich hir, wohin sie mir von New Haven nachgeschickt
wurden, die sonderabzüge Ihrer schriften, mit deren Zusendung Sie die güte hatten mich zu bedenken.
Empfangen Sie meinen herzlichsten dank nicht nur für Ihre liebenswünschigkeit, sondern auch für
die beehrung welche diese Schriften mir bringen. Zwei davon, Uriel da Costa und Ricardo Jorge’s
A Intercultura hätte ich vielleicht nie zu sehen bekommen, wenn ürberhaupt dem namen nach
kennengelernt, ohne Ihre Gütige aufmerksamkeit. Es ist nicht leicht portugiesische bücher zu
bekommen. Auch die Revista lusitana ist schwer erreichbar. Um jeden band muss ich kämpfen
obgleich meine buchhändler hier in New York, ein bewährtes deutsches haus, ihr bester tun. Dass
Ihr glossario erschienen ist, bereitet mir grosse freude; nach meiner rückkehr nach New Haven
wurde ich es sogleich sorgfältig durchgehen. Hoffentlich wird die versprochene grammatik bald
erscheinen. Hier fängt man allmählich an etwas interesse am Portugiesischen zu nehmen, aber
mehr aus industriellen denn aus literarischen gründen, und man denkt deshalb eher aus Brasilianische.
Wenn ich das sprechen höre, so ist mir fast als ob ich Portugiesische rede überhaupt nie gehört hatte
und ich habe wenig lust mich im mündlichen ausdruck zu versuchen. / Ich bin jetzt pensioniert, und
sehe froh nicht mehr im getriebe unserer universitäten zu sein, an denen das literarische studium
mehr und mehr hintengesetzt und als etwas unnützes verschmäht wird. Nur selten finden sich jetzt
noch studenten die Lateinisch getrieben haben, vom Griechischen gar nicht zu sprechen. Unsere
ganze gesittung scheint ins rückgang begriffen zu sein; die unwissenden massen geben den ton an,
und die gebildeten sind die verschwindende und versteckende mindesheit – apparent rari nautes in
gurgite vasto3. Unsere sogennante zivilization hat die werkzeuge zu ihrer eigenen zerstörung
geschmiedet, und das nennt sich nun “fortschritt”. / Doch Sie werden sagen: Cur me querelis exanimas
tuis?4, und ich will schliessen mit nochmaligem herzlichen dank für Ihr gaben, und mit den besten
wünschen für Ihre gesundheit und schaffenskraft. / Mit bewunderung und vorzügliches hochachtung
/ Ihr ergebenster / Henry R. Lang
34
Uriel da Costa, notas relativas à sua vida e às suas obras. Coimbra: Imprensa da Universidade,
1922. (Publicado pelo) Instituto de Estudos históricos e filosóficos.
35
Ricardo Jorge. A Intercultura de Portugal e Espanha ..., com um prefácio (pp. XIII-XXIV) da
Professora D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos. Porto: (Araujo e Sobrinhos, 1921).
36
O “Glossário do Cancioneiro da Ajuda” saiu na Revista Lusitana XXIII (1920), pp. 1-95.
37
Refere-se à declaração de C.M., na “Adverténcia Preliminar” ao volume I do CA, de que contava
publicar um terceiro volume, contendo, além do Glossário, uma gramática e investigações sobre
as poesias (conteúdo e forma, metrificação e linguagem). Cf. CA, vol. I, p. VII. Como se sabe,
apenas o Glossário foi publicado.

34

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 34 29/4/2010, 11:13


Apêndice

gradativamente, a tomar algum interesse pelo português, porém mais por


razões de indústria que literárias, e por isso pensa-se antes no brasileiro.
Quando o ouço falar, é quase como se nunca tivesse ouvido a fala portu-
guesa e tenho pouca vontade de me ocupar com a expressão oral.
Agora estou jubilado38 e muito feliz de não mais me achar nas
engrenagens de nossas universidades, nas quais o estudo literário é cada
vez mais deixado para trás e desdenhado como algo inútil. Só raramente se
encontram ainda estudantes que estudaram latim, para não falar do grego.
Nossa civilização inteira parece estar empenhada em retroceder; as massas
ignorantes dão o tom, e os cultos são a minoria evanescente e oculta –
apparent rari nautes in gurgite vasto39. Nossa assim denominada civiliza-
ção forjou as ferramentas para a sua própria destruição, e chama-se a isso
“progresso”.
Todavia, dirá V. Exa.: Cur me querellis examinas tuis?40, e quero
finalizar com o meu mais uma vez cordial agradecimento por seus presen-
tes, e com os melhores votos de saúde e produtividade.
Com admiração e elevado respeito, de V. Exa. admirador afectuoso
e obrigado,
Henry R. Lang

II. A José Leite de Vasconcelos41

1) MNA 10937 – Cartão de visita s.d.


Impresso no meio: Mr. Henry Rosemann Lang
Manuscrito: Cordiaes parabens para o anno bom.

2) MNA 10938 – [Carta, dat. Bedford, Mass., 22.11.1888]42


Exmo. Snr.

38
Lang aposentou-se na Universidade de Yale em 1922, tornando-se em seguida “Professor
Emeritus”. Cf. T. G. Bergin, “Lang at Yale: Fact and Fable”, op. cit., p. 28, e J.D.M. Ford,
“In Memoriam Henry R. Lang (1853-1934)”, op. cit., p. 70.
39
Virgílio, Eneida, I. 118: “Veem-se poucos que sobrenadam no vasto pélago”.
40
Horácio, Ode 2, XVII, Ad Maecenatem. “Por que me afliges com os teus lamentos?”
41
Estas cartas encontram-se no Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, e estão arroladas no
Epistolário de José Leite de Vasconcelos. Suplemento no. 1, O Arqueólogo Português. Lisboa,
1999, no item 1700, nº. 10937 a 10952 + A. A transcrição reproduz a forma e a grafia do original.
42
Leite de Vasconcelos reproduziu, na Revista Lusitana I:4, pp. 378-9, a parte desta carta que se
refere aos elementos ingleses apontados por Henry Lang.

35

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 35 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Não tendo recebido fasciculos alguns da Revista lusitana, de que sou


assignante, desde o 3º., tomo a liberdade de pedir a V. Exa. o favor de me
informar o mais cedo que lhe seja conveniente se se tem já publicado o
quarto fasciculo do primeiro tomo desta revista á cual já deve tanto o estu-
do da lingua portuguesa e dos seus dialectos. Existe nesta cidade uma colonia
açoriana de uns 5000 individuos, sobre cuja lingua, que se vae misturando
cada vez mais com o ingles, estou preparando um estudo tão completo
quanto me permittam os meus escasos conhecimentos e as difficuldades
que encontro na situação isoladissima onde me acho de obter alguns traba-
lhos dos mais indispensaveis a este ramo de estudos. Suppondo que V. Exa.
se interessa pelo desenvolvimento do falar portugues deste logar, vou dar-
lhe aqui uma pequena amostra de elementos ingleses assimilados // pelos
nossos colonos açorianos:

bordar = hospedar
bordo (bordar) = hospede
bins = feijões
chape (shop) = loja. Ouve-se já nos Açores por influencia dos ingleses.
carpete = tapete
chulipe = dormindo; p. ex. o bêbê (es)tá chulipe.
espalhagrace (sparrow-grass) = asparagus.
estima = vapor; navio; estimas = steamers.
frio = constipação; ter um frio = estar constipado;
tomar um frio = constipar-se.
gairete (garret) = airiques
misa = meeting (reunião)
nevere minde = não importa
dar notas (give notice) = dar parte
offas (office) = escritório
olhar = parecer: Diz-se, p. ex.: Esta gravata olha bem = this neck-tie looks
well.
papel = jornal
salreis (celery) = aipo

V. Exa. terá já observado que nos casos taes como os de frio, dar
notas, olhar ha o que Hermann Paul, Principien der Sprachgeschichte, cha-
ma alteração “der innern Sprachform”. Da-se tambem o caso, embora seja
muito mais raro, de o ingles ser alterado na boca dos açorianos por influen-

36

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 36 29/4/2010, 11:13


Apêndice

cia portuguesa. Assim, p. ex., ouví a uma velha dizer: I had cabbages (cou-
ves) for dinner.
Desejando a Revista lusitana uma longa vida cheia de pros-
peridade, tenho a honra de assinar-me
De V. Exa.
muito respeitoso servidor
Henry R. Lang
New Bedford, Mass. U.S.A.
aos 22 de novembro 1888

3) MNA 10939 – [Carta, dat. Estrasburgo, 13.1.1890]


Strassburg, 13 de janeiro de 1890.
Junkerstrasse 3.
Exmo. Snr.:
Recebi ha quinze dias o seu amavel bilhete postal que muito lhe
agradeço. Em quanto aos artigos publicados na Zeitschrift de Gröber que
V. Exa. deseja, sinto muito não poder enviar-lhe os exemplares d’elles, sen-
do o caso que os editores me deram apenas uma meia duzia de extractos em
vez dos doze que me pertenciam. Com o maior prazer, porem, hei-de en-
viar a V. Exa. um artigo que deve de sair a luz em breve na mesma revista,
assim como exemplares d’umas contribuições para o folklore açoriano cu-
jos mss. já se acham em poder do redactor, o snr. Gröber. Foi-me ha pouco
communicado uma versão michaelense do conto de: É a fé que nos salva
etc. que vou publicar com mais alguns materiaes da tradição portugueza
(açoriana) que colligi antes de partir para Europa. Talvez que V. Exa.
me permita publicar tal contribuição no proximo fasciculo da Revista lusi-
tana43.
A proposito da revista seja dito de passagem que não tem chegado
ainda o tanto desejado e esperado 4º. fasciculo. Não posso crer que os edi-
tores jamais o enviaram a mim; nem // que lhes foi recambiado por se
ignorar a minha morada. Na meia duzia de correspondencias, entre cartas e
bilhetes postaes, que eu escrevi aos editores nos ultimos tres mezes, sem-
pre lhes indiquei claramente o meu nome e endereço, e aqui é bem conhecida
a minha morada. Seja isso como fôr, é cousa esquisitissima que os snres
Lopes et Cia. nunca se dignaram, em todo esse tempo, nem de accusar a
recepção do dinheiro que lhes enviei por um vale de correo aos 16 de outu-

43
“Tradições populares açorianas” foi com efeito publicado na RL II (1890-2) pp. 46-55.

37

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 37 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

bro do anno passado, nem de responder as repetidas perguntas que lhes fui
dirigindo acerca do mesmo assumpto. Nem uma palavra! O que estes se-
nhores tencionam fazer? É o que não sei dizer! Observando um silencio
rhetorico, preferem, ao que parece, ficar-se com a revista mais o dinheiro!
Nunca na minha vida tenho sido tratado de similhante maneira.
Penhora-me muito e muito a amabilidade com que V. Exa. me
offerece o uso d’um gabinete na Bibliotheca Nacional. Seria talvez possivel
usar eu, durante a minha estada em Lisboa, dos Cancioneiros da Vaticana,
Colocci-Brancuti e da Ajuda (edição de C. Michaëlis44)? Interessa-me sa-
ber isso porque estou trabalhando n’uma edição das poesias de D. Dinis45,
edição que me importa terminar antes de regressar para os Estados Unidos
da America em septembro. Desejava muito que houvesse em Lisboa quem
me ensinasse a phonetica, de maneira que eu pudesse passar lá a maior
parte do tempo que ainda me resta em Europa. O snr. R. Gonçalves Vianna,
que é tão excellente glottologo e phoneticista, não ensina a phonetica em
Lisboa? Espero que V. Exa. me disculpará se lhe rogo o obsequio de me dar
algumas informações sobre estas cousas que muito me interessam.
Desejando que V. Exa. fique exempto da influenza, de que são raras
aqui as familias não affligidas,
tenho a honra de me subscrever
de V. Exa.
mto. atto. vendor.
Henry R. Lang.

4) MNA 10940 – [Carta, dat. Estrasburgo, 26.1.1890]


Strassburg, 26 de jan. de 1890.
Junkerstrasse 3.
Exmo. Snr.
Tendo que mandar, d’oje em quinze dias, reservar um camarote
n’um vapor allemão que vae dar á vela de Anvers para Lisboa no 1 de
março, espero que V. Exa. não me accuse de importuno se tomo a liberdade
de lhe lembrar as informações que lhe pedi na minha ultima carta (escrita
ha cousa de quinze dias), e que me são indispensaveis para me resolver a
tomar as minhas disposições para a viajem. Rogo-lhe portanto o obsequio

44
Lang julgava que já tivesse sido publicada a edição do CA, pois vinha anunciada em vários
catálogos. Vid. abaixo bilhete-postal MNA 10941, de 7.2.1890.
45
Lang optou, na tese e na publicação de 1894, pela grafia “Denis”, que C. Michaëlis comentou na
recensão ao livro. Cf. “Henry Lang: Das Liederbuch des Königs Denis von Portugal”, op. cit.,
p. 578, nota 1.

38

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 38 29/4/2010, 11:13


Apêndice

de me dizer 1) se o snr. Gonçalves Vianna dá cursos de phonetica em Lis-


boa, e se me será possivel tomar um tal curso durante a minha estada n’essa
cidade nos mezes de março – junho, (no qual caso eu arranjaria aqui para
uma ausencia de quatro mezes), e 2) se eu poderei usar, por dous mezes
pelo menos, dos cancioneiros da Vaticana, de Colocci-Brancuti e da Ajuda
(ed. de Car. Mich.) para poder terminar o trabalho começado aqui, ou se
seria melhor tratar de obte-los emprestados da bibliotheca de Strassburg e
leva-los commigo. Devendo, infelizmente, voltar para os Estados Unidos
em septembro, tenho que tirar o maior proveito // possivel do breve espaço
de tempo que ainda me resta; e como fui frustrado aqui nas esperanças de
estudar a phonetica n’este inverno, hei de procurar outro meio de conseguir
este meu objecto.
Dá-me muita pena o tratamento affrontoso que o porvo portugues
sofreu e está ainda sofrendo do governo ingles, tratamento que tem causa-
do indignação quasi unanime fóra da Inglaterra. Talvez que John Bull tenha
que pagar caramente, um dia, a sua inclinação de “bully” outras nações.
Resta-me ainda pedir perdão a V. Exa. do incommodo que lhe dei
na minha ultima carta tornando a falar no assumpto do 4. fasciculo da Re-
vista lusitana; foi um accesso de máo humor que me levou a esta falta de
consideração.
Tenho a honra de me assignar
De V. Exa.
mto. attto. vendor.
Henry R. Lang.

5) MNA 10941 – [Bilhete postal, dat. Estrasburgo, 7.2.1890]


Strassburg, 7 de fevr. de 1890.
Junkerstrasse 3.
Exmo. Snr.
Agradeço-lhe muito e muito a sua amavel carta do 1 d’este mez.
Vou partir com o vapor allemão “Kronprinz Friedrich Wilhelm” que no 1
de Março vae dar à vela d’ Anvers a Lisboa. Estou com muito desejo de ver
a boa terra lusitana. Não sou “duro ingles”, mas sim suisso “americaniza-
do”, o que, porem, não vem a dizer aquillo de: Inglese italianizzato è diavolo
incarnato. – Aprecio sinceramente a amavel offerta do Snr. Gonçalves Vianna
de me dar as explicações phon. desejadas; não sabendo, porem, como pa-
gar devidamente um tal serviço, receio abusar demais da bondade do
eminente glottologo. Então V. E. publicou a minha carta na sua Revista! É
o que me explica uma observação que me fez n’uma carta sua o snr. H.

39

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 39 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Schuchardt, referindo-se a um artigo meu na Revista lusitana de que eu


“quedé en ayunas”. Ainda não tem vindo o “malfadado” 4º. fasc. da sua
Revista, mas em breve poderei ve-lo a Lisboa. A edição do canc. da Ajuda
por C. Mich. de V. figura em muitos catalogos; a firma Niemeyer em Halle
me disse, ha pouco, que nunca foi publicado. Acabo de receber um traba-
lho sobre a phonetica da Euphrosyna e Santa Maria Egipciaca, que vou
estudar “rompendo a força do liquido estanho”.
De Va. Exa.
mto. attto. vendor.
Henry R. Lang.

6) MNA 10942 – [Carta, dat. New Bedford, 30.1.1891]


New Bedford, Mass. 30 de jan. de 1891
Meu caro Amigo e Snr. Leite de Vasconcellos.
Recebi ha pouco o jornal lisboense “O Dia” de 24 de dezembro do
anno passado, em que, num artigo intitulado “Os portuguezes de New
Bedford”, o meu bom amigo falla com sympathia do meu estudo sobre a
lingua portugueza, sympathia que muito me penhora e que lhe agradeço
sinceramente. Quasi ao mesmo tempo recebi uma carta, em que um tal Snr.
José Maria da Silva Cardoso, do Real Collegio Militar em Lisboa, me en-
via as suas cordiaes saudações pelos meus estudos sobre a lingua portugueza,
“que muitos dos seus filhos desprezam com ingrato desdem”.
No ultimo numero da Zeitschrift de Gröber (XV 1-2) acha-se uma
noticia do primeiro volume da Revista lusitana por W. Meyer-Lübke. Não
sabendo que a Revista estava para receber essa attenção na referida
Zeitschrift, escrevi ha pouco a Gröber offerecendo-lhe noticias regulares
// da Revista lusitana, offerta que o Gröber acceitou em carta ha pouco
d’elle recebida. Ainda não recebi o meu numero do 1º. fasc. do 2º. vol. da
Revista lusitana, nem resposta alguma. É o mesmo jogo do que o anno
passado. A casa de Lopes e Ca., cuja existência eu devo considerar como
uma vergonha para Portugal, pois não tem consciencia alguma, ficar-se-ha,
como d’antes, com o referido numero mais a importancia de 500 reis. Eu
vou agora mandar vir a Revista lusitana por uma casa americana, sem me
importar mais com os snres. Lopes e Ca., mas não faltarei de acautelar o
público contra a referida casa, tanto deshonrada. Livreiros d’estes não ha
em outros paizes!
Desejava muito que o meu bom amigo me desse parte, de vez em
quando, de todas as novas publicações de valor que dizem respeito à lingua
e litteratura portugueza, ou à historia política ou social do pais. É tão facil

40

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 40 29/4/2010, 11:13


Apêndice

saber o que se publica, d’anno para anno, n’outros paizes, fóra da peninsula
hispanica!
Não sei se já lhe disse que no dezembro passado fui elegido no
conselho d’inspecção do ensino da philologia romanica na Universidade
de Harvard, eleição que por aqui se considera como bastante honrosa. Terei
que examinar o estudo do referido ensino e fazer um relatorio ao conselho
administrativo da universidade. Tratarei de introduzir no curso de linguas
romanicas o estudo do portugues, que agora não é ensinado, que eu saiba,
senão na nossa instituição (The Swain Free School).
Recebi, ha pouco, uma amabilissima carta do nosso amigo o Snr.
Adolpho Coelho que tambem me enviou algums escritos seus. Vou respon-
der em breve.
No numero XV 3-4 da Zeitschrift de Gröber (que vae sahir á luz
em Julho d’este anno) vou publicar algumas contribuições para a crítica e a
restituição do texto da Demanda do Santo Graall (edição do ms. de Vienna
por Reinhardstöttner).
Em breve vamos ter aqui a representação, pelo elenco social lusi-
tano, d’uma comedia portugueza, intitulada “O padre”, e estou preparando
uma leitura para os nossos colonos açorianos em que tratarei de lhes inspi-
rar e fortalecer o amor e o culto da sua bella lingua que muitos começam a
desprezar e tratam de esquecer. // Basta porem.
Com muitas saudades para os nossos amigos, e para “o patrio Tejo”,
peço-lhe me creia sempre
o seu collega e amo. dedicado
Henry R. Lang

7) MNA 10943 – [Bilhete postal, dat. New Haven, 18.12.1894]


New Haven, Conn. 18th Dec. de 1894
Meu caro amigo:
Acabo de receber o no. das Novidades de 30 de Novembro, no
qual acho o annuncio do meu livro que o meu amigo teve a fineza de fazer
á Academia. Agradeço-lhe de todo coração a honra que me faz com o dito
annuncio que de certo é mais lisonjeador do que eu mereço.
Sinto muito ainda não ter podido enviar-lhe o exemplar do meu
livro que lhe vou dedicar. O editor Niemeyer tem a fineza de me fazer
esperar. No caso de o meu amigo já possuir exemplar seu, peço-lhe da-lo á
bibliotheca e acceitar o que lhe vou presentear. Enviarei tambem exempla-
res aos Snrs. Gonçalves Vianna, Coelho e a D. Carolina Michaelis. Aqui
não se fará caso do meu livro, por causa de o assumpto delle ser muito

41

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 41 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

remoto aos interesses e conhecimentos mesmo de gente literaria, a menos


que se não torne conhecido por elogios estrangeiros. Desejando-lhe boas
festas, sempre o seu
Henry R. Lang

8) MNA 10944 – [Bilhete postal, dat. New Haven, 24.6.1902]


New Haven, Conn. 24 de Junho de 1902
Caro Snr. Leite:
Enviei-lhe o outro dia um exemplar do meu Cancioneiro Gallego-
Castelhano46, e espero que chegasse em boa condição. Oxalá que o livro
fosse melhor; infelizmente era necessario escrevê-lo com muita pressa.
Recibi, ja ha mais de um mes, a segunda parte dos seus Estudos de philol.
mirandesa que muito lhe agradeço, assumindo que é o Snr. Leite que m’o
enviou, o que non sei por certo por não conter o livro a acostumada dedica-
ção.
Sempre ás suas ordens
H.R. Lang

9) MNA 10945 – [Bilhete postal, dat. New Haven, 22.9.1902]


New Haven, Conn. 22 Sept. 1902
244 Yale Station
Caro amigo e Senhor:
Agradeço-lhe muito o envio dos quatro trabalhos seus que muito
me interessam. Creio que o Senhor Leite possua todos os meus trabalhos,
de pouquissimo valor sem excepção, por escassos que sejam em numero.
Sempre as suas ordens,
H. R. Lang

10) MNA 10946 – [Carta, dat. New Haven, 5.5.1906]


New Haven, Conn. 5 de Maio de 1906
Caro amigo:
Haverá já uns cinco ou seis mezes que lhe escreví agradecendo-lhe os exem-
plares dos artigos com que me contemplou, e pedindo-lhe ademais, em
favor do meu collega o Dr. Cork, professor de philologia ingleza nesta
universidade, informações sobre o lugar galego “Namancos” que se men-

46
Publicado em Nova York: Charles Scribner’s Sons; London: Edward Arnold, 1902.

42

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 42 29/4/2010, 11:13


Apêndice

ciona na obra do poeta ingles Milton47. Não tendo até hoje recebido respos-
ta á minha carta, espero que o meu amigo me perdoe a repetição das
perguntas que n’ella lhe dirigi: 1) Qual é a primeira vez que Namancos
apparece nos mapas e qual a data do mappa de Galicia de Ojea? D’onde se
publicou este mappa antes de sua incorporação no mappa de Ortelius, e
qual é a data do primeiro mappa de Ortelius que continha o de Ojea?
2) qual é a mais antiga menção de Namancos na historia? Existem todavia
ruinas do lugar, e figura este talvez na historia militar? 3) Qual a posição de
Namancos na historia ecclesiastica? Haverá todavia igrejas ou outros
edificios ecclesiasticos? 4) Quaes são, se as ha, as publicações accessiveis
que contenham informações sobre Namancos? Madoz, Dicc. geog. VIII,
101 (s.v. Finisterra) diz que: “La iglesia parr. (Sta. Maria) es única,
y pertenece al arciprestazco de Namancos”. Sei que o lugar se encontra em
varios mappas antigos (e.g. Mercator 1613, Blaew 1635 etc., Jansson
1657-8, DeWit 1746 e outros). A historia de Galicia por Murguia, que te-
nho tratado de obter repetidas vezes, não é accesivel, etc. Muito lhe
agradecerei portanto qualquer informação sobre o assumpto que tenha a
bondade de me procurar.//
Envio-lhe com este correio o programma de estudos universitarios
para o anno que vem e em breve espero poder enviar-lhe o programma da
escola para o serviço consular que estamos estabelecendo aqui e no qual o
ensino da lingua portuguesa ocupará um posto permanente.
No decurso do estio o meu amigo verá em Lisboa um jovem erudi-
to americano, o Dr. Baur, que deseja fazer estudos de archeologia e que lhe
apresentará lembranças da minha parte.
Como está o nosso amigo Snr. Gonçalves Vianna? Já ha muito
tempo, creio que desde o estio passado, que não tenho noticias suas. Espe-
ro que esté melhor e que haja ja sahido o livro que trazia entre mãos.
Sempre ás suas ordens,
H. R. Lang

10) MNA 10947 – [Bilhete postal, dat. 7.6.1906]


Meu caro amigo:
Sinto muito que o meu amigo não haja recebido a minha carta do
inverno passado na qual lhe agradecí o envio dos opusculos seus e, alem do
pedido que lhe dirigí em favor do collega Cork, lhe falei tambem nas

47
John Milton, Lycidas: “Where the great Vision of the guarded Mount / Looks towards Namancos
and Bayona’s hold”. Paradise Lost. Chiswick: Whittingham, 1829, p. 148.

43

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 43 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

correcções que o meu amigo fez no texto das Albas. Não se pode dudar que
auelo48 represente a voz aumento49 no sentido que o Snor Leite propõe ...
Em quanto a Namancos, vou escrever ao Snr. Andrés Martinez Salazar a
Coruña... O Snr. Leite tem demasiada bondade em felicitar-me pelo meu
portugues. Não tendo pessoa com que falar portugues aqui, torna-se-me
dificillimo de mais a mais expressar-me neste idioma, tanto mais que até
agora não tenho tido nem siquer a opportunidade de ensinar a lingua mo-
derna. Enviar-lhe-ei com este correio o Bulletin universitario annunciando
a escola para o serviço consular.
Esperando que o meu amigo goze de uma boa saude, peço-lhe me
creia
Sempre ás suas ordens
H.R. Lang
New Haven, Conn. 7 de Junho de 1906.

11) MNA 10948 – [Carta, 2 p., dat. Lisboa, 24.5.1925]


Lisboa, 24 de Maio de 1925
mo.
Ex Sr. José Leite de Vasconcellos:
Meu prezado amigo: Sinto muito não ter podido vê-lo outra
vez antes de partir de Lisboa. A terça-feira passada quando esperava visitar
o Museu Etnologico fui infelizmente detido pela visita de uns amigos nos-
sos da America e nos dias seguintes apenas consegui consultar alguns
manuscriptos nas bibliotecas, sendo muito occupado com a solicitude por
minha mulher que não se dá bem com o tempo frio por que passamos. É
por isso que não posso prolongar, como desejaria, a minha demora em
Lisboa e no resto de Portugal.
Um dos maiores desenganos desta viajem é o não ter podido assis-
tir a um baile popular dos que Da. Carolina tão bem descreveu no artigo
sobre os romances publicado na Revista lusitana (II) e que tão importantes
são para os que desejarem compreender o processo de transmissão das tra-
dições e poesias genuinamente populares. Desejava que a magistral
exposição de Da. Carolina, ou outra equivalente, se publicasse de novo numa
Revista scientifica porque agora, assim como eu o fiz notar repetidamente
na “Romanic Review” (V, VIII – IX) os críticos quasi todos a desconhecem
ou ignoram.

48
Sic. Leite grifou a palavra e corrigiu-a para “aueto”.
49
Grifada, provavelmente por Leite.

44

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Apêndice

Escrevem-me de Madrid que a preparação dos volumes de home-


nagem para o Sr. Bonilla y San Martin progride muito lentamente e que o
Sr. Bonilla se acha actualmente // na Havana em missão diplomática. Pare-
ce-me portanto que V. Exa. tem bastante tempo para contribuir à homenagem.
Sinto muito não poder ver o Museu que V. Exa. creou com tanto
saber e energia. Desejava obter um catálogo ou descripção do Museu. Den-
tro de oito [?] dias mais ou menos pensamos, minha mulher e eu, estar em
Madrid onde espero que o tempo esteja menos frio. O meu endereço em
Madrid será “Consulado de los Estados Unidos de América”, ou (endereço
geral durante a viagem em Europa) Messieurs Morgan, Harjes et Cie.,
14 Place Vendôme, Paris, France”.
Augurando-lhe melhoramento da sua saude e conservação da sua for-
ça para a continuação dos seus valiosos estudos e trabalhos, rogo-lhe me creia
De V. Exa.
cro. amo. mto. ven.or
H.R. Lang

12) MNA 10949 – [Carta, dat. New Haven, 1.3.1926]


New Haven, Conn. 1º. de Março de 1926
Exmo. Sr. Dr. José Leite de Vasconcellos:
Tendo tentado em vão desde o meu regresso a New Haven em
novembro, de obter os volumes XXIII – XXIV, que creio são os ultimos
publicados, da Revista lusitana, e a terceira edição dos seus Textos arcai-
cos, ficar-lhe-ia muito obrigado se tivesse a bondade de fazer com que me
enviem estas publicações, indicando-me ao mesmo tempo o preço d’ellas.
A colonia portuguesa (pela maior parte açoreana) do Estado de
Connecticut, á qual pouco ha tive a honra de dirigir algumas palavras, é
agora bastante grande para necessitar um consulado particular, em vez de
estar sob a direcção do consul do Estado de Massachusetts.
Ha um ano agora que tomei passagem para Lisboa e desejava que
pudesse fazer o mesmo nestes dias e permanecer em Lisboa mais tempo do
que no ano pasado quando a enfermedade da minha mulher me obrigou a
partir para o Norte.
Agradecendo-lhe desde já todo o serviço que puder dispensar-me,
e esperando que a sua saude se tenha melhorado, peço-lhe me creia com
toda a consideração
De V. Exa.
cro. amo. mto. ven.or
H.R. Lang

45

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

13) MNA 10950 – [Carta, dat. New Haven, 1.11.1926]50


New Haven, Conn. 1 de Novembro de 1926
Sr. José Leite de Vasconcellos,
Lisboa.
Caro Sr. Leite de Vasconcellos:
Com referência ao seu bilhete postal que acabo de receber, e que é
uma fonte de grande surpresa e mágoa para mim, deixe-me dizer logo que
nunca recebi de nenhum livreiro ou qualquer outra pessoa em Portugal o
23º. e 24º. volumes da Revista lusitana nem a 3ª. edição dos Textos Arcai-
cos, nem tampouco algum aviso ou conta para esses volumes. Também não
recebi nenhuma resposta de V. Exa. à minha carta de março último. Não
tinha, portanto, nenhuma razão para pensar que tais livros me tivessem
sido enviados. Ficaria feliz de tê-los e de pagar por eles imediatamente,
como faço com todos os livros e publicações recebidos do estrangeiro. Nem
a Biblioteca da Universidade de Yale nem a de Harvard têm os últimos
números da Revista lusitana, // embora ambas as instituições sejam há muito
tempo assinantes dessa Revista. Nem a Lusitania nem os Anais de Arqueo-
logia, embora repetidamente encomendados, foram recebidos, nem as
encomendas mereceram qualquer tipo de notícia. É por esse tipo de livrei-
ros que Portugal é conhecido. A culpa é inteiramente deles, e de mais
ninguém, se não têm negócios no estrangeiro.

50
Escrita em inglês: New Haven, Conn. November 1st. 1926./ Mr. José Leite de Vasconcellos/
Lisbon. / Dear Mr. Leite de Vasconcellos: / With reference to your postal card just received,
which is a source of great surprise and chagrin to me, let me say at once that I have never received
from any bookseller or any other person in Portugal the 23d. and 24th. volumes of the Revista
lusitana nor the 3d. edition of the Textos arcaicos, nor yet any announcement or bill for these
volumes. Nor have I ever received any reply from you to my letter of last March. I have therefore
had no reason to think that any such books were sent to me. I should have been glad to get them
and to pay for them at once, as I do with all books and other publications received from abroad.
If the books in question were ever sent to me, it must have been with an incorrect or incomplete
address, as so often happens with Peninsular booksellers. It is quite as probable, however, that
they were never sent. Neither the University Library of Yale nor that of Harvard has the last
numbers of the Revista lusitana, // though both institutions have long been subscribers for this
Review. Neither the Lusitania nor the Anais de Arqueologia, though ordered repeatedly, have
ever been received nor have the orders been favored with any sort of notice. That is the kind of
booksellers for which Portugal is known. It is their fault entirely, and nobody else’s, if they have
no business abroad./ You are no doubt justified in saying : “a mim falta-me tempo para me ocupar
dos assuntos destes”, but you are not the only one to be otherwise occupied, and there was a time
when you, like others, said that you would be glad to assist in obtaining books from Portugal.
Evidently those are “tempos que já lá vão”./ Trusting that you are well, and with best regards to
our colleagues Drs. Nunes and Rodrigues, I remain/ Sincerely yours / H.R. Lang / P.S. I should
have been very glad to send you a copy of my study on the Poem of the Cid if you had found time
for a few words in reply to my letter of last Spring.

46

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 46 29/4/2010, 11:13


Apêndice

V. Exa. tem certamente razão em dizer: “a mim falta-me tempo


para me ocupar de assuntos destes”, mas V. Exa. não é o único a estar ocu-
pado com outras coisas, e houve um tempo em que dizia, juntamente com
outros, que teria prazer em ajudar a obter livros de Portugal. Evidentemen-
te, esses são “tempos que já lá vão”.
Esperando que V. Exa. esteja bem, e com cumprimentos aos nossos
colegas, Drs. Nunes e Rodrigues, despeço-me
Ás suas ordens,
H. R. Lang.
P. S. Eu teria tido muito prazer em lhe enviar uma cópia do meu
estudo sobre o Poema do Cid, se V. Exa. tivesse achado tempo para umas
poucas palavras em resposta à minha carta da primavera passada.

14) MNA 10951 – [Carta, dat. New Haven, 3.12.1926]51


New Haven, Conn. 3 de Dezembro de 1926
Caro Sr. Leite de Vasconcellos:
Agradeço-lhe sinceramente o bilhete postal de 21 do mês passado
e as suas explanações. A única razão pela qual apelei a V. Exa. em relação
àqueles livros é que os meus esforços para consegui-los de livreiros lisboe-
tas foram, como de costume, baldados. Quando estive em Lisboa, uma
livraria à Rua do Alecrim assegurou-me reiteradamente o fornecimento de

51
Escrita em inglês: New Haven, Conn. Dec. 3d. 1926 / Dear Mr. Leite de Vasconcellos: / Let me
thank you sincerely for your postal card of the 21st. of last month and its explanations. The only
reason why I appealed to you for those books is that my efforts to get them from Lisbon booksellers
have, as usual, been in vain. When I was in Lisbon, I obtained the repeated promise of a bookseller
on the Rua do Alecrim to furnish me certain books of which I then gave the titles. I told them how
I would pay, I gave them my business card and exact address, and all seemed satisfactory. But –
nothing has been heard of them since. They are all content, it seems, “comendo sardinhas e olhando
para o ceu”. I understand perfectly well that you are very busy and have demands upon your time
from all sides. So have many others, and so have I. I am asked, for instance, just now, to find a
purchaser, or the money for the purchase of the private library of the late Dr. Bonilla y San Martin
of Madrid, and the other day I was asked // by some of our Portuguese fellow-citizens here to
intercede in behalf of a Portuguese from Braga who is in jail. My former student and good friend
Dr. Joseph Dunn of the Catholic University of Washington wishes me to read the proof of his
grammar of the Portuguese language, some 500 pages for him, and so it goes on. / Yes, I should like
to return to Lisbon, but I do not see when I can, as my wife is very ill. I feel, however, very much
like that Italian opera singer who bade adieu to a Lisbon audience with the verses: / Em vista de
tanto agrado / Vou aprender português, / Para saber cantar o fado / Quando vier outra vez. / I am
sorry I can’t promise a contribution to the Revista, because I have promised to much to other
reviews, and to memorial volumes. I hope to publish in the near future an article on points of
contact or correspondences of thought beween Old Portuguese and Provençal troubadours, I have
many notes on the subject. / I shall send you a copy of my contr. on the Cid-text after Christmas. –
I am going to ask our Portuguese consul, Dr. Rendeiro, to get vols. XXIII, XXIV, XXV of the
Revista lusitana for me. / With best wishes for the New Year / Sincerely Yours, H.R. Lang.

47

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

certos livros, cujos títulos lhes dei então. Disse-lhes como iria pagar, dei-lhes
o meu cartão de visita e endereço completo, e tudo parecia satisfatório. Mas
– nenhuma palavra deles desde então. Estão todos contentes, assim parece,
“comendo sardinhas e olhando para o céu”. Entendo perfeitamente que
V. Exa. esteja muito ocupado e que tem solicitações ao seu tempo de todos os
lados. Assim também o têm muitos outros; assim também eu. Pedem-me
justamente agora, por exemplo, para encontrar um comprador, ou o dinheiro
para a compra, da biblioteca particular do falecido Dr. Bonilla y San Martin
de Madrid e no outro dia fui solicitado // pelos nossos colegas cidadãos por-
tugueses a interceder a favor de um português de Braga que está na prisão.
Meu ex-aluno e bom amigo, Dr. Joseph Dunn, da Universidade Católica de
Washington, quer que eu lhe leia as provas da sua gramática da língua portu-
guesa, mais ou menos 500 páginas, e assim por diante.
Sim, eu gostaria de voltar a Lisboa, mas não sei quando poderei,
pois a minha mulher está bastante doente. Sinto-me, porém, como aquele
cantor de ópera italiano que se despediu de uma audiência lisboeta com os
versos:
Em vista de tanto agrado
Vou aprender português,
Para saber cantar o fado
Quando vier outra vez.
Sinto não poder prometer uma contribuição à Revista lusitana,
porque prometi muito a outras revistas e volumes in memoriam. Espero
publicar no futuro próximo um artigo sobre pontos de contacto ou corres-
pondências de pensamento entre os antigos trovadores portugueses e
provençais; tenho muitas notas sobre o assunto.
Enviar-lhe-ei uma cópia da minha contribuição acerca do texto do
Cid depois do Natal. – Vou pedir ao nosso cônsul português, Dr. Rendeiro,
que me consiga os vols. XXIII, XXIV, XXV da Revista lusitana.
Com os melhores votos para o Ano Novo,
Sempre às suas ordens,
H. R. Lang

15) MNA 10952 + – [Bilhete postal dat. New Haven, 22.2.1927]52


Exmo. Am. e S.

52
Junto a esse bilhete postal, estão anexadas, sob o número 10952 A, duas folhas contendo o rascu-
nho da carta enviada por Leite de Vasconcelos a Henry Lang em 25.1.1910, aqui reproduzida em
A, nº. 3.

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Apêndice

Os dous volumes da Revista lusitana mais o exemplar da 3ª ed. dos


seus Textos Archaicos chegaram no mes passado, e espero que os Sres.
José dos Santos e Ca. hajam recebido o cheque que lhes enviei pouco de-
pois. Desejo sempre possuir, ou pelo menos poder estudar, o que se publica
em Portugal sobre a literatura e lingüistica do pais. – Vejo que a 3ª. ed. das
Origines de la poesie lyrique en France au moyen-âge de Jeanroy contem o
idéntico, literalmente identico capitulo sobre Portugal que a primeira edi-
ção de 1889, citando ainda, por ex., o verbo cuorecer (em vez de guorecer
ou guarecer) e derivando-o de coeur. No seu ultimo bilhete postal diz V.
Exa., falando da oferta do meu trabalho sobre o texto do Poema del Cid
(“Contributions” etc.): “Agradecerei sine conditione”. Confesso não per-
ceber muito bem as palavras que V. Exa. sublinhou ... Ultimamente se ha
publicado aqui uma “Portuguese Grammar” escrita pelo Dr. J. de Siqueira
Coutinho, mas lançada pelos Srs. Hills (California) e Ford (Cambridge), os
quaes não conhecem a língua*. Sempre seu devoto
H. R. Lang

* [Na margem vertical direita está]: Gente que prefere a reputação à qualidade. É o triumpho da
notoriedade.

49

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CANCIONEIRO D’EL REI DOM DENIS
Pela primeira vez editado integralmente,
com introdução, notas e glossário
por Henry R. Lang

Halle A. S.
Max Niemeyer
1894

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Dedicado ao Professor Doutor Gustav Gröber,
com reconhecimento e admiração

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P REFÁCIO

No presente trabalho faz-se, pela primeira vez, a tentativa de pu-


blicar uma coletânea de cantigas em português arcaico, dos séculos XIII e
XIV, em texto criticamente estabelecido, elucidando-o historica e objetiva-
mente em todos os aspectos. O texto e suas notas foram retomados sem
alteração nesta edição mais ampla, a partir de uma dissertação anterior.
Atribua-se a essa circunstância a permanência de alguns equívocos e lacu-
nas, dos quais me conscientizei no decorrer do trabalho. Tanto quanto
possível, eles foram corrigidos na introdução ou na errata. Pelo mesmo
motivo manteve-se também, dentre outras coisas, a ordenação tradicional
das cantigas, conquanto por exemplo as pastorelas, em sentido estrito, de-
vessem vir na sequência às cantigas d’amigo. A apresentação em separado
das lições do códice CB ao final do texto deve-se ao fato de que elas só me
chegaram bom tempo depois da redação desta parte do trabalho.
Na medida em que me esteve disponível, a bibliografia relevante
foi cuidadosamente aproveitada. O belo trabalho sobre a lírica em portu-
guês arcaico, com que a Senhora Vasconcelos contribuiu ao Grundriss de
Gröber, apareceu somente quando a maior parte de minha introdução já
estava na tipografia. Por isso já não pôde ser aproveitada a secção especial-
mente importante do citado artigo sobre o tempo, lugar e modo das primeiras
relações entre portugueses e trovadores provençais. A propósito, causa-me
grande satisfação ter concordado com a erudita romanista na avaliação de
tantas questões.
Estou bem ciente de que minha edição da lírica dionisina ainda
não é de modo algum definitiva e padece de muitas imperfeições. Porém,
talvez ela possa aspirar ao mérito de ter suavizado o caminho de algum
futuro editor de cantigas portuguesas antigas e de ter tornado mais próxima
a resolução da tarefa.
Por fim, dirijo meu mais sincero agradecimento ao Professor Dou-
tor G. Gröber, em Estrasburgo, que não só me incentivou para este trabalho,
como ainda me apoiou até o final, com palavras e obras. Devo enorme
gratidão ao Professor Ernesto Monaci, em Roma, pela colação do códice

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Colocci-Brancuti, e ao Professor F. A. Coelho, em Lisboa, pelo


encorajamento e por informação prestada com indiscutível gentileza. Fi-
nalmente, é para mim prazerosa obrigação agradecer à exemplar
administração da Biblioteca da Universidade de Harvard pela presteza com
que colocou à minha disposição, quando necessárias, várias obras indis-
pensáveis.
New Haven, Conn., maio de 1894.

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Introdução

I NTRODUÇÃO

I. MODELOS* E EDIÇÕES
O texto de nossa coletânea baseia-se nas seguintes edições diplo-
máticas do Cancioneiro da Vaticana (ms. nº. 4803 da Biblioteca Vaticana)
e do Cancioneiro Colocci-Brancuti, publicadas por E. Monaci:
1. Il canzoniere portoghese della biblioteca vaticana, messo a
stampa da Ernesto Monaci. Con una prefazione, con facsimili e con altre
illustrazioni. Halle a S. Max Niemeyer editore. 1875 (= vol. I das
Communicazioni dalle biblioteche di Roma e da altre biblioteche, per lo
studio delle lingue e delle letterature romanze, a cura di Ernesto Monaci).
Este Cancioneiro, onde se acha a maior parte das cantigas de nossa coletâ-
nea, nº. I – CXXIII (= V. 80 – 208, pela contagem de Monaci), está contido
no códice 4803 da Biblioteca Vaticana, cuja redação, de acordo com Monaci,
prefazione, p. VII, é do final do século XV ou início do século XVI e deriva
de duas mãos, das quais a primeira copiou os poemas e anotações a eles
subsequentes, e a outra, a maioria dos nomes dos autores, as numerações e
várias glosas marginais. A edição diplomática de Monaci é enriquecida de
um prefácio valioso, no qual se dá informação sobre o próprio códice, suas
particularidades, a bibliografia e o processo seguido na impressão, com um
índice dos numerosos erros ortográficos, das abreviaturas e, finalmente, a
indicação das lições, notas críticas etc.
2. Il canzoniere portoghese Colocci-Brancuti, pubblicato nelle parti
che completano il codice vaticano 4803 da Enrico Molteni. Halle a. S. Max
Niemeyer editore. 1880 (= vol. II das Communicazioni etc.). Este códice,
que se encontra em poder do conde Brancuti em Roma, é um grande volu-

* Aqui, como em diversas passagens, o termo corresponde a vorlage. Considerando que Lang
utiliza este último vocábulo para se referir tanto aos textos manuscritos como às edições diplo-
máticas que serviram de base a uma edição crítica, sua ou de outrem, optamos pela tradução
“modelo”, em vez de outras possíveis (“original”, “manuscrito”, “antecedente”), por julgarmos
que daria conta dos usos apontados, sem criar desnecessária ambiguidade. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

me em papel e consiste atualmente, conforme a avvertenza de Monaci à edi-


ção, p. VIII, de 355 folhas numeradas por Molteni, que apresentam lacunas
aqui e ali. No texto, distinguem-se três escritas distintas e alternadas, todas as
três italianas e também pertencentes ao fim do século XV ou início do XVI.
A isso se junta ainda a numeração por Angelo Colocci, que também comple-
ta, com frequência, os nomes dos autores e acrescenta notas esclarecedoras.
O Cancioneiro Colocci-Brancuti começa com os fragmentos de um tratado
poético, a que Colocci acrescentou, no fólio 3, quase uma coluna e meia,
provavelmente com o auxílio de um terceiro códice, que não nos foi conser-
vado, do qual se serviu também para o manuscrito da Vaticana. O códice
Colocci-Brancuti contém, sob os números 497-606, todos os poemas do rei
D. Denis que se encontram no códice da Vaticana, com exceção do V. 188
(pela contagem de Monaci), mas ainda, além disso, sob os números 1533-
1542, dez cantigas satíricas que faltam no códice da Vaticana.
De edições anteriores desta coletânea portuguesa de cantigas ou,
pelo menos, de partes isoladas da mesma, serão aqui citadas e recenseadas
apenas aquelas que, no todo ou em parte, se referem aos poemas do rei D.
Denis, enquanto para as outras se remete ao apêndice bibliográfico.
Em primeiro lugar deve-se citar: Cancioneiro d’El-Rei D. Diniz,
pela primeira vez impresso sobre o manuscripto da Vaticana, com algumas
notas illustrativas, e uma prefação historico-litteraria pelo Dr. Caetano Lopes
de Moura. Pariz. Em casa de J.P. Aillaud. 1847. A edição de Moura, anteci-
pando-se a uma projetada por F. Wolf, já foi devidamente resenhada na
excelente e memorável obra de F. Diez, Ueber die erste portug. Kunst- und
Hofpoesie, pp. 135-8. Ela compreende, como o título indica, as poesias de
D. Denis contidas no códice 4803 da Vaticana, com exceção porém de
V. 208, composição que Moura tacitamente omitiu talvez por causa do tex-
to bastante danificado, e de algumas passagens em outros poemas que tam-
bém foram por ele postos de lado. São as seguintes: V. 191, 11; 200, 12-16;
207, 13-18. Moura não separou os poemas como tais, mas contentou-se em
alinhar estrofe a estrofe. Muitas vezes, as estrofes também não estão corre-
tamente divididas, mesmo onde a rima não permite qualquer dúvida quan-
to a isso; assim, por exemplo, V. 111, 120, 130. Também deixou de emendar
falhas métricas, mesmo quando a correção se mostrava fácil. Moura subs-
tituiu formas próprias do português arcaico, como por exemplo perço
(V. 199, 2), pelo português moderno, e assim por diante. Por meritória que
tenha sido a edição de Moura em alguns aspectos, ela não pode valer como
restituição confiável do modelo manuscrito.
A edição já comentada, bem como o trabalho de Bellermann, sur-
gido sete anos antes, Ueber die alten Liederbücher der Portugiesen, e as

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 58 29/4/2010, 11:13


Introdução

Trovas e Cantares de Varnhagen, de 1849, provocaram o aparecimento da


conhecida obra de Diez: Ueber die erste portugiesische Kunst- und
Hofpoesie, Bonn, edição de Eduard Weber, 1863, na qual a origem, a es-
sência e a forma das cantigas em português arcaico foram, pela primeira
vez, minuciosamente elucidadas sob todos os ângulos, tanto quanto o per-
mitiram, ao menos, os materiais que estavam à disposição do mestre de
filologia românica. O trabalho de Diez deve, portanto, ser aqui citado, pois
contém na íntegra, segundo o texto de Moura, onze cantigas do rei D. Denis,
em parte acompanhadas de traduções. Essas cantigas são V. 87, 92, 95, 98,
123, 127, 146, 170, 176, 194, 206.
Finalmente, os poemas do rei D. Denis contidos na Vaticana fo-
ram publicados na seguinte obra: Cancioneiro da Vaticana, edição critica
restituida sobre o texto de Halle; acompanhada de um glossario e de uma
introdução sobre os trovadores e cancioneiros portuguezes. Por Theophilo
Braga. Lisboa, 1877. Apesar de estarem disponíveis para este editor os
trabalhos de Moura, de Diez, com o valioso capítulo gramatical (Kunst-
und Hofpoesie, pp. 109-120), a Teoria da Conjugação de Coelho e, espe-
cialmente, o belo manuscrito do assim chamado Cancioneiro da Ajuda em
Lisboa e outros meios para o conhecimento da língua, seu tratamento do
texto denuncia extrema arbitrariedade, tanto em relação à língua, quanto à
métrica e ao sentido, como fica claro nos seguintes exemplos, que pode-
riam ser facilmente multiplicados: em V. 80, 17, Braga lê, ao invés de m’en
chal, que ocorre ainda cerca de três vezes no Cancioneiro da Vaticana,
mech’ al, sem nos dizer o que entende por isso; em V. 81, 17, teor ao invés
de loor, como ocorre, por exemplo, em V. 122 e outras vezes. As formas da
primeira pessoa do singular do pretérito perfeito ouvi, soubi são lidas ge-
ralmente como ouv’i, soub’i; come do português arcaico torna-se como ou
com’é, e do perfeito analógico seve (por exemplo, V. 160, 13, 14) = foi,
Braga constitui s’eve, sem indicar o que entendia por essa forma impossí-
vel. Em V. 161, 5 etc., corrige a lição correta poss’avedes pelo descabido
press’avedes, e assim por diante. Para uma crítica adicional do método de
Braga, remete-se a Epifânio Dias, “Beiträge zu einer kritischen Ausgabe
des vatikanischen portugiesischen Liederbuchs” (GZ. XI, pp. 42-55).
Cantigas do rei D. Denis foram ainda incluídas, em forma im-
pressa, nas seguintes obras: Canti antichi portoghesi, tratti dal codice
vaticano 4803 con traduzione e note a cura di Ernesto Monaci. Imola,
Galeati, 1873 (Contém V. 137, 171, 173).
Hundert altportugiesische Lieder. Zum ersten Mal deutsch von
Wilhelm Storck. Paderborn e Münster. F. Schöningh, 1885. Estão aí trans-
critas as seguintes cantigas: V. 102, 159, 168-173, 162, 195, 203, acompa-
nhadas de notas para emenda do texto português.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

A presente edição contém, pois, pela primeira vez, todas as com-


posições poéticas do rei D. Denis até agora conhecidas, ou seja, não apenas
as 128 cantigas da Vaticana já publicadas anteriormente por outros edito-
res, mas também os dez poemas que se encontram no códice
Colocci-Brancuti e que até agora não apareceram em outro lugar. Essas
138 composições dividem-se, conforme o conteúdo, em três grupos, dos
quais os dois primeiros estão incluídos nos manuscritos da Vaticana e
Colocci-Brancuti, e o terceiro, apenas no último. O primeiro grupo não tem
qualquer título no manuscrito transmitido, mas como compreende as canti-
gas amorosas, elas receberam o rótulo cantigas d’amor, em consonância
ao cap. IV do fragmento de um tratado poético contido no manuscrito CB.
Esta secção abrange os nºs. I-LXXVI de nossa coletânea (= V. 80-155, com
exclusão do 116 e acréscimo do 208), portanto 76 cantigas, já que V. 116 é
apenas uma variante do nº. XCV (= V. 174) e, pelo assunto, pertence ao
segundo grupo. Às seguintes composições, nº. LXXVII-CXVIII (= V. 156-
208), antecede o cabeçalho: Em esta folha se começam as cantigas d’amigo
que o mui respeitabre Dom Denis, rei de Portugal, fez. Dentre essas canti-
gas d’amigo, que formam o segundo grupo, não se deve contar a bastante
deteriorada cantiga V. 208, excluída por Moura, a qual recebe o título Se-
nhor no códice CB, pois pertence antes ao primeiro grupo e,
consequentemente, foi colocada em nossa coletânea ao final das cantigas
d’amor, com o número LXXVI. Temos no segundo grupo, portanto, 52
cantigas de amigo ou cantigas de mulher. Finalmente, a terceira secção das
poesias dionisinas que chegaram a nós compreende os dez números,
CXXIX-CXXXVIII (= CB. 407-415, pela numeração de Monaci), e con-
siste de cantigas satíricas, as cantigas d’escarneo e de maldizer.

II. O DESENVOLVIMENTO DA POESIA GALEGO-PORTUGUESA


Ernesto Monaci abre sua edição do tratado de métrica portuguesa,
incluído no Cancioneiro Colocci-Brancuti1, com as seguintes palavras: “La
primitiva lirica del Portogallo ci vien rappresentata siccome una figliazio-
ne della lirica provenzale, e infatti basta di dare uno sguardo alla
nomenclatura che fu adattata ai suoi diversi generi, perchè la cosa debba
parere più che verosimile. É peraltro vera? Se ne potrà dubitare, almeno
fino a tanto che la Poetica storica portoghese non sia stata rifatta sopra
documenti autentici. Questi documenti sono, oltre alle note che accompag-

1
Il trattato di poetica portoghese, esistente nel canzoniere Colocci-Brancuti in Miscellanea di
Filol. e Ling., pp. 417-423.

60

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Introdução

nano molte composizioni nel Canzoniere Vaticano e nel Canzoniere


Colocci-Brancuti, 1º la nota Lettera del marchese di Santillana al connesta-
bile di Portogallo, edita la prima volta dal Sanchez nel vol. I delle Poesias
Castellanas anteriores al siglo XV; 2º il trattato anonimo che si legge a
capo del codice Colocci-Brancuti e che fu pubblicato dal povero Molteni
nel vol. II delle mie Communicazioni. Di questi il secondo è certamente il
più importante, siccome il più antico e il più ricco di nozioni tecniche”.
O erudito italiano, que tão meritoriamente contribuiu para o co-
nhecimento da literatura portuguesa, não explicita por que e até que ponto
coloca em dúvida a autenticidade da tese comum, até então partilhada prin-
cipalmente por Bellermann (Die alten Liederbücher, p. 8), Wolf (Studien,
pp. 696-8) e Diez (KuHp, pp. 26-7), e por ele mesmo muitas vezes defendi-
da (por exemplo, Canz. Vat. “Prefazione”, p. I, CAP. p. VII), de que a lírica
culta galego-portuguesa se desenvolveu segundo o modelo da provençal, e
não numa base própria, nacional, nem indica se, em sua opinião, a cantiga
francesa teria tido influência determinante no desenvolvimento da portu-
guesa.
Portanto é necessário, antes de tudo, examinar o valor dos três
documentos invocados por Monaci para a solução de nossa questão.
Inicialmente, no que se refere ao primeiro documento, isto é, as
notas a determinados poemas, possuem-nas apenas 72 dos quase 2450 poe-
mas incluídos em ambos os cancioneiros da Vaticana e Colocci-Brancuti.
Dessas setenta e duas rubricas, duas, V. 1043 e V. 1062, indicam-nos como
cantigas artísticas2 que se tornaram célebres, foram imitadas pelos poetas
ou utilizadas como refrões. Quatro outras rubricas, para os lais CB. 1, 2, 3,
5, referem-se a sagas bretãs e revelam, assim, a influência da literatura
francesa setentrional. Sobre o surgimento da poesia palaciana como tal,
elas não nos dão realmente qualquer informação. As demais notas ou co-
municam um gênero de cantigas, como por exemplo V. 156, V. 653, V. 937,
ou nos informam – o que é, de longe, a maioria – a ocasião em que se
produziu um poema. Mostram-nos que, como de resto era de esperar e
como mais tarde se repetiu na lírica castelhana, a antiga cantiga de escárnio
e maldizer portuguesa extraiu sua matéria da vida nacional, da realidade
comum; mas não nos dizem nada sobre a influência ou as influências que,
afinal, fizeram surgir e formaram a cantiga palaciana.

2
Que a referida cantiga de vilão V. 1043 não deve ser considerada cantiga popular, como quer
Monaci, Canz. Vat., p. 439, ensina-nos precisamente o tratado métrico (CB. p. 3, 3. 50-51), em
que se diz: “Outrossy outras cantigas fazen os Trobadores...A que chaman de vilaas”. Cf. Jeanroy,
Origines, pp. 329-330.

61

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Também o tratado métrico, embora seja tão valioso para nós em


vários sentidos, dificilmente poderia reivindicar a importância que Monaci
lhe atribui. Em primeiro lugar ele é, como se sabe, apenas um fragmento,
cujo texto, além disso, está muito deteriorado, frequentemente incompre-
ensível. Dos seis capítulos em que se divide, segundo Monaci (loc. cit.,
p. 418), faltam por inteiro os dois primeiros, e do terceiro, os três primeiros
parágrafos. Já por isso a explicação sobre a métrica no português arcaico
que extraímos deste tratado é bastante limitada. Tomamos conhecimento
de alguns termos que não encontramos em outra parte, como por exemplo
rifaoelha, palavra que parece designar uma espécie de cantiga satírica, jo-
guete derteiro, também um nome para a cantiga satírica, dobre, mordobre e
seguir; descobrimos que se fazia diferença entre cantigas de meestria e de
rrefram. Os demais tipos de composição aqui mencionados, como cantiga
d’amor e d’amigo, d’escarnho e de maldizer, cantares de meestria e tenções,
conhecemos tão bem, se não melhor, por meio dos próprios cancioneiros,
que além disso nos dão a conhecer um considerável número de gêneros de
cantigas que não figuram no tratado. Pense-se apenas no pranto (V. 573,
574), no panegírico (V. 572), na cantiga mariana (CB. 359), no partimen
(V. 826), no lais (CB. 1, 3, 5), no descordo (V. 963, CB. 109), nas diversas
espécies de cantigas de mulher, como por exemplo a pastorela (XXIII, LVII,
V. 454, 689), a alba (V. 242, 782), dentre outras. Nem são designados pelo
nome os metros do verso artístico ou do popular, e justamente sobre eles nos
seriam de especial valia os testemunhos do tratado anônimo. Em segundo
lugar, aquilo que realmente nos é informado não é nem tão essencial nem tão
confiável quanto o conhecimento que podemos obter a partir dos próprios
poemas. Da rima ficamos sabendo (CB. p. 5, cap. 1) apenas que é feminina
(rrima longa) ou masculina (breve) e que, tal como entre os provençais, to-
das as estrofes de um poema deveriam ter o mesmo gênero de rima na mes-
ma posição de verso. Justamente dessa regra, porém, desviaram-se os poetas
portugueses com muita frequência, como por exemplo D. Denis (XII, XXXVI,
LIV, LXXVI, LXXXIII, LXXXIV, LXXXVI, CI). Mas o que para nós é
particularmente importante, o conhecimento dos sistemas de rimas e seu
emprego em diversos tipos de poemas, procuramos em vão nesse tratado.
Nada ficamos sabendo do cultivo artístico da arte comun (a redondilha), que
o Marquês de Santillana (Obras, p. 12) atribui à poesia galego-portuguesa,
nem de artifícios de rima como o mansobre3 e o lexapren (p. ex. V. 568),

3
Cf. Wolf, Studien, pp. 210-211. [Como C.M. de Vasconcelos (Grundriss II, p. 196) observou, a
forma espanhola mansobre provavelmente nada mais é do que uma leitura equivocada de mordobre.
(C. e A.)]

62

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Introdução

cujos nomes os castelhanos, conforme o testemunho do Marquês, teriam


tomado emprestado dos portugueses. Em alguns pontos nosso tratado co-
incide com a poética catalã do Gay Saber, assim por exemplo nas palauras
perdudas (CB. p. 5, cap. II), que correspondem aos bordons estramps ou
perduts dos catalães4.
O emprego de talho (CB. p. 3, l. 54 e p. 5, l. 152) para a denomina-
ção da forma estrófica revela, como observou P. Meyer (Romania XV,
pp. 461-2), a familiaridade do autor anônimo com a terminologia da métri-
ca francesa. Chabaneau5 já havia chamado a atenção para a concordância
de nossa poética com as Leys d’amors na proibição do cacenphaton e do
hiato. Se mesmo essa coincidência não for prova suficiente de eventuais
relações entre ambos, sem dúvida merece atenção o fato de que a interdi-
ção do hiato em nosso tratado está em evidente contradição com a prática
observada na poesia do português arcaico, segundo a qual o hiato é a re-
gra6. Assim, temos aqui uma clara demonstração da não confiabilidade das
informações desse tratado sobre a métrica do português arcaico. É muito
de lamentar que nos falte a definição de cantiga d’amigo e que nada saiba-
mos sobre a forma popular desses mesmos poemas, caracterizados pelo
paralelismo de pensamento e expressão. No parágrafo que nos foi conser-
vado (CB. p. 3, l. 5-12) consta, com relação à forma dialógica destas cantigas:
“Sabede que, se eles falam na primeira cobra et elas na outra, [he cantiga]
d’amor, porque se move a razom dele, come vos ante dissemos; et se elas7
falam na primeira cobra, he outrossy d’amigo; et se ambos falam em huma
cobra outrossy he segundo qual deles fala na cobra primeiro”. Mas esta
distinção é simplesmente arbitrária e não deve ser considerada fundamen-
tal, pois os diálogos de amor, em que entra em cena primeiro o amado,
pertencem realmente, por sua essência, ao gênero da cantiga de mulher, da
qual eles constituem variedade escassamente representada8. Assim, várias
vezes encontramos também diálogos sob a rubrica cantigas d’amigo, nos
quais o amado, ou, em outras ocasiões, uma personagem masculina apare-
ce falando em primeiro lugar, como por exemplo XCVII e V. 728. Um
diálogo bem semelhante a esses encontra-se no nº. 104 dos Carmina Burana.
Considerando-se que esse tratado métrico, em seus trechos legí-
veis, nos dá nenhuma ou apenas uma muito diminuta explicação sobre os
princípios essenciais da métrica do português arcaico e os diferentes gêne-

4
Bartsch, Jahrb. 2, 287.
5
Origine et établissement des jeux floraux, par Ch. Chabaneau. Toulouse: Privat, 1885.
6
Cf. Diez, KuHp., pp. 51-4; C. Michaëlis de V., Sá de Miranda, p. CXVIII.
7
CB. eles.
8
As únicas cantigas deste tipo são T. e C. 279; V. 30-31, 40; CB. 7, 314, 317.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ros de cantigas, e que essa explicação nem sempre é confiável, pode-se


bem supor que as partes dadas por perdidas também não teriam sido de
grande valor para nosso conhecimento do assunto. As regras que o tratado
contém não serviram como norma à poesia portuguesa, mas, ao contrário,
foram confeccionadas simplesmente em conformidade a uma fração restri-
ta das poesias que nos foram transmitidas9. Por conseguinte, também o
tratado, em que se veem coincidências com a terminologia francesa e catalã,
foi escrito somente por volta do final do século XIV, como as obras simila-
res dos catalães. Por todos esses motivos, ele não tem nenhum peso para
decidir a questão se a antiga lírica portuguesa seria dependente ou não da
provençal.
Resta ainda o terceiro documento citado por Monaci. É a carta
célebre, que acompanhou, em 1449, o envio das obras poéticas do Marquês
de Santillana ao Condestabre de Portugal, e à qual devemos, aliás, as pri-
meiras notícias acerca das poesias do rei D. Denis, bem como da lírica
portuguesa10. Uma vez que o Marquês de Santillana nasceu no final do
século XIV (1398), estava ainda suficientemente próximo no tempo à poe-
sia galego-portuguesa para conhecer suas tradições literárias e relações a
partir de fontes fidedignas. Pois assim como essa poesia começou antes
dos mais antigos documentos que chegaram até nós, tampouco terá ela
expirado imediatamente após a conclusão dos cancioneiros. Do avô do
marquês, morto em 1385 na Batalha de Aljubarrota, Pero Gonçalez de
Mendoza, cuja atividade poética ainda incide no reinado de Henrique II
(1369-1379), portanto apenas 15 anos após a morte de D. Pedro, Conde de
Barcelos (1354), conservou-se uma poesia galega em medida e estilo
provençal (CBaena I, 250). Igualmente, ainda na segunda metade do sécu-
lo XIV, cultivavam a cantiga de amor em língua galega Villasandino
(CBaena I, 20-30), o Arcediago de Toro (ibid. II, 9), e o galego Macias, el
Namorado (ibid. 3, 5), que o marquês menciona de forma elogiosa (Obras,
pp. 14-15). Assim, como de resto se mostrará adiante, pode-se atribuir a
suas afirmações um elevado grau de credibilidade. O que se segue são,
pois, as declarações do ilustre estadista e poeta espanhol, referentes ao de-
senvolvimento da lírica em português arcaico e invocadas como testemunho
para a dependência dela em relação à provençal:

9
Cf. P. Meyer, Romania XV, p. 461.
10
Obras, p. 12. “Acuérdome, Señor muy manifico, seyendo yo em edat non provecta, mas assaz
pequeño moço en poder de mi abuela doña Mençia de Çisneros, entre otros libros aver visto un
grand volumen de cantigas, serranas é deçires portugueses é gallegos, de los quales la mayor
parte eran del rey don Donis de Portugal (creo, Señor, fué vuestro bisabuelo); cuyas obras aquellos
que las leían, loavan de invençiones sotiles, é de graçiosas é dulces palavras”.

64

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Introdução

1 “Mediocre (grado) usaron aquellos que en vulgar escrivieron,


asy como Guydo Janunçello, bolonés, é Arnaldo Daniel,
proençal. É como quier que destos yo non he visto obra alguna;
pero quieren algunos aver ellos seydo los primeros que
escrivieron terçio rimo é sonetos en romançe... Despues de
Guydo é Arnaldo Daniel, Dante escrivió en terçio rimo elegan-
temente las sus tres comedias ‘Infierno, Purgatorio, Parayso’;
Miçer Francisco Petrarca sus ‘Triumphos’;... Estos é muchos
otros escrivieron en otra forma de metros en lengua itálica,
que sonetos é canciones se llaman.
Extendieronse creo d’aquellas tierras é comarcas de los
lemosines estas artes á los gallicos é á esta postrimera é
ocçidental parte, que es la nuestra España, donde assaz pru-
dente é fermosamente se han usado. Los gállicos é françeses
escrivieron en diversas maneras rimos é versos, que en el cuento
de los piés ó bordones discrepan; pero el pesso é cuento de las
sillabas del terçio rimo, é de los sonetos é de las canciones
morales, eguales son de las baladas; aunque en algunas, asy de
las unas como de las otras, hay algaunos piés truncados que
nosotros llamamos medios piés, é los lemosis, françeses é aun
catalanes, biocs” (Obras, pp. 7-8).
Aqui, pois, o Marquês descreve-nos como a lírica palaciana, a par-
tir do limosino, se difundiu pelo sul da França e Espanha. Que por Espanha
ele entendia não apenas a região oriental, occitânica, deduz-se do fato de
justapor aos catalães nosotros, portanto, os poetas galego-castelhanos de
seu tempo. Essa passagem é mencionada também por Diez (KuHp.,
pp. 26-7), como testemunho para a dependência da lírica galega em relação
à provençal. Após enumerar e comentar alguns poetas franceses, dando
preferência aos italianos, continua o Marquês:
2. “Los catalanes, valencianos, é aun algunos del reyno de Ara-
gon fueron é son grandes officiales desta arte. Escrivieron pri-
meramente en trovas rimadas, que son piés ó bordones largos
de síllabas, é algunos consonavan é otros non. Despues desto
usaron el deçir en coplas de diez sillabas á la manera de los
lemosis” (Obras, p. 10).
Com desta arte, é óbvia a referência à acima mencionada escola
italiana florescente no leste da Espanha ao tempo do Marquês. Por trovas
rimadas (que, segundo uma variante, talvez fosse melhor ler novas rima-
das), devemos entender as novas rimadas não estróficas das Leys d’amors,
desde cedo empregadas pelos catalães. A esta poesia seguiu-se, conforme

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

afirmação do Marquês, a composição lírica que se servia da estrofe artísti-


ca de dez sílabas. Nosso informante explica este verso pela origem limosina.
A citada passagem é, por isso, frequentemente invocada, especial-
mente por Wolf (Studien, p. 696) e Diez (loc. cit., p. 27), como testemunho
de que também a formação da lírica portuguesa antiga, que do mesmo modo
se serviu, em grande parte, de decassílabos jâmbicos, deve ser atribuída à
influência da poesia dos troubadours provençais.
Após a citação de alguns dos mais famosos poetas catalães, pros-
segue o marquês:
3. “Entre nosotros usóse primeramente el metro en asaz formas:
assy como el Libro de Alixandre, Los votos Del Pavon, é aun el
libro Del Archipreste de Hita. Aun desta guissa escrivió Pero
Lopez de Ayala, el viejo, un libro que fiço de las Maneras del
Palacio, é llamaronlo Rimos”.
Esta descrição está inteiramente de acordo com o que agora sabe-
mos das origens da poesia castelhana11. Quando o marquês fala de assaz
formas, é para referir, como Wolf12, cantigas líricas como as do Arcipreste
de Hita e do por ele influenciado Ayala, pois os poemas da antiga poesia
castelhana são redigidos em estrofes alexandrinas de rima única. Voltare-
mos mais tarde ao fato de que a evolução desta poesia, assentada em modelos
e fontes francesas, cujos produtos particularmente mais antigos pertencem
ao reino de Leão, coincide temporalmente com a formação da lírica palaciana
nos vizinhos Galiza e Portugal.
Voltando-se para a descrição desta última, diz o Marquês:
4. “É despues fallaron esta arte que mayor se llama, é el arte
comun, creo, en los reynos de Galliçia é Portugal, donde non
es de dubdar que el exerçiçio destas sçiençias mas que en
ningunas otras regiones é provinçias de España se acostumbró;
en tanto grado que non ha mucho tiempo qualesquier deçidores
é trovadores destas partes, agora fuessen castellanos, andaluçes
ó de la Extremadura, todas sus obras componian en lengua
gallega ó portuguesa. É aun destos es çierto resçevimos los
nombres del arte, asy como maestria mayor é menor,
encadenados, lexapren é mansobre” (Obras, pp. 11-12).
A isto seguem-se as palavras citadas na nota 10, nas quais o Mar-
quês lembra o rei D. Denis e outros poetas portugueses, e a enumeração
dos líricos galego-castelhanos posteriores.

11
Vid., para esta passagem, Wolf, Studien, p. 151.
12
Ibid.

66

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Introdução

Sobre o começo da citação acima, observa Wolf (Studien, p. 193):


“Quando, porém, o Marquês...diz acreditar (creo) que a arte mayor e a arte
comun foram inventadas nos reinos de Galiza e Portugal (fallaron), talvez
ele tenha total razão quanto à formação estrófica das redondilhas e quanto
aos versos de arte mayor (pelo desdobramento dos versos de redondilla
menor)”. Todavia, este último metro encontra-se também, com hemistí-
quios masculinos, na lírica provençal, segundo, por exemplo, Bartsch,
Chrest.4 243 e MG. nº. 408, e igualmente na francesa (cf. Tobler, Franz.
Versbau, p. 75); portanto, não se deve sua gênese à lírica em português
arcaico. Nesta, o verso, em concordância com a ainda maior quantidade de
finais de palavra femininos do português arcaico, compõe-se de dois
hemístíquios femininos e é encontrado não raramente; assim, por exemplo,
V. 281, 326, 462 etc., em nossa coletânea CXXVII13. A mesma estrutura
tem o verso em Sá de Miranda14. Porém, é inteiramente correta a seguinte
observação do Marquês, de que a lírica palaciana foi mais cultivada (mas
se acostumbró) na Galiza e em Portugal que na restante Espanha, e de que,
por isso, também os primeiros poetas líricos naturais de Castela, da
Extremadura e da Andaluzia teriam redigido suas composições no dialeto
galego-português15, afirmação confirmada pela existência de uma quanti-
dade de poetas espanhóis anteriores e contemporâneos a Afonso o Sábio
(1252-1284), que se encontram nos antigos cancioneiros portugueses16. Com
isto concorda, enfim, declaração ulterior do marquês, de que os castelhanos
teriam recebido dos poetas líricos galego-portugueses expressões artísticas
como maestria mayor é menor, lexapren17 e outras. O lexapren, por exemplo,
que sabidamente consiste na repetição do último verso de uma estrofe como
verso inicial da estrofe seguinte, encontra-se não raramente na lírica culta
do português arcaico; assim V. 430, 546, 568, 1182, 1198, e é empregado
ainda hoje com muita frequência também na lírica popular18.
É de se observar, agora, que o parágrafo inteiro em que o Marquês
trata da poesia galego-portuguesa refere-se apenas ao período tardio da
mesma, no qual, como na lírica castelhana, as medidas por ele salientadas

13
De outro tipo é a cantiga aqui numerada XCVII, em Diez, KuHp p. 44.
14
Cf. C. Michaëlis de V., p. CVIII, CXIII e 864-865.
15
Cf. Wolf, Studien, pp. 82, 190, 696-697.
16
A esses pertencem, além do próprio Afonso X, Pero da Ponte, Gil Perez Conde, D. Gomez Garcia,
abade de Valladolid, Pero Garcia Burgalez e Pedramigo de Sevilha.
17
Cf. Wolf, Studien, pp. 210-211.
18
Cf. C. Michaëlis de V., Revista lusit. II 221: “São quatro coplas soltas, ligadas unicamente pelo
artifício do leixaprem, o qual é tão frequente nos desafios do nosso povo que a sua origem popu-
lar me parece incontestavel”. – A propósito, esse tipo de ligação estrófica é conhecido da antiga
poesia dos troubadours (Diez, PT. p. 99) e da Flors del gay saber (Wolf, Studien, p. 261).

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

do verso de arte comun e arte mayor alcançaram particular desenvolvi-


mento, enquanto nenhuma menção se faz aos versos e formas estróficas
predominantes nos cancioneiros em português arcaico. Se isso, como sali-
enta Wolf (Studien, p. 713), certamente se pode explicar pelo fato de que,
segundo sua própria declaração19, ele não conheceu a obra dos poetas gale-
go-portugueses a partir de leitura própria, mas por relatos de outros, e se
ainda se pode supor, com Wolf (ibid.), que o Marquês, ao contrário, não
teria deixado de mencionar a frequente utilização dos decassílabos na anti-
ga lírica portuguesa e, como acontecia entre os catalães, remeter ao exemplo
da poesia limosina, tais considerações não alteram em nada o fato de que
ele não conheceu as obras da poesia palaciana em português arcaico do
século XIII e primeira metade do XIV, de que nada nos informa sobre suas
origens e relações literárias, e de que sua apresentação da poesia em Espanha
absolutamente nada contém para podermos concluir, com alguma seguran-
ça, se teria ou não explicado o decassílabo galego-português, da mesma
forma que o catalão, pela origem limosina. Galiza e Portugal relaciona-
vam-se com a Provença em circunstância essencialmente diferente da
Catalunha, que linguística e literariamente era apenas uma continuação da
Provença20.
Por valioso que seja, em mais de um aspecto, o célebre escrito do
Marquês de Santillana para nosso conhecimento da mais antiga literatura
espanhola e como notícia mais remota por nós conhecida da primeira poe-
sia palaciana portuguesa, podemos convocá-lo tão pouco quanto os dois
outros documentos citados por Monaci, como testemunho definitivo para
solucionar a questão se a poesia galego-portuguesa se formou principal-
mente sob influência da provençal ou não.
Outros documentos autênticos sobre o assunto, como os acima tra-
tados, não há. Resta-nos, assim, para responder à questão da origem da
primeira poesia palaciana portuguesa, investigar – pelo menos tanto quan-
to o possibilitam os infelizmente limitados recursos e conhecimentos
disponíveis – 1º que relações intelectuais Galiza e Portugal mantinham com
o estrangeiro, nomeadamente a França, antes e durante os séculos XII e
XIII; 2º o que sabemos da permanência de poetas provençais e franceses
nas cortes dos príncipes espanhóis e portugueses, e até que ponto isso es-
clarece a introdução da lírica palaciana em Portugal; 3º a que período
pertencem suas obras; mas, principalmente, 4º em que medida a produção

19
Cf. os trechos acima citados (nota 10) e Obras, p. 13: En este reyno de Castilla dixo bien el rey
don Alfonsso el sabio, é yo vi quien vió deçires suyos.
20
Cf. G. Paris, Journal des Savants, 1889, p. 542.

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Introdução

dessa escola, indiscutivelmente o mais antigo e genuino documento que


possuímos sobre essa poesia, atesta influência estrangeira no conteúdo e na
forma, e até que ponto suas origens são autóctones.

1. AS RELAÇÕES DE PORTUGAL COM A FRANÇA


No noroeste da Espanha, o domínio mouro perdurou somente até
751, quando os Berberes foram expulsos do país21. Para defender-se com
sucesso de novos ataques do Islão, Afonso II das Astúrias (791 – 824) co-
locou-se sob a proteção de Carlos Magno, que desde 778 tinha apoiado os
cristãos no nordeste da Espanha, e recebeu da Aquitânia reforço contra os
mouros. Tanto quanto na Catalunha22, também no reino das Astúrias devem
ter-se estabelecido os chefes militares francos e provençais com suas tro-
pas. Sem dúvida, já desde o final do século VIII o noroeste da Espanha
estava em estreita ligação com a França e possivelmente muitas vezes rece-
beu dali estímulo intelectual. Porém, é especialmente significativo que
Santiago, a cidade mais importante da Galiza, já no século X, mas sobretu-
do no século XI, desde Bermudo III (1027 a 1037), se tornara, depois de
Roma, o local de peregrinação mais visitado da Europa23, onde se encon-
travam todos os elementos da cavalaria e da arte do Ocidente cristão. Sob o
governo de Raimundo de Borgonha, que em 1090 recebeu de Afonso VI de
Castela o condado da Galiza, Santiago cresceu consideravelmente. Porém,
essa cidade deve sua fama e prosperidade, em especial, à solicitude de Afon-
so VI, que, por exemplo, aboliu o tributo que os peregrinos tinham de pagar
em Valcárcel e que expunha a cidade à arbitrariedade dos funcionários pú-
blicos (Esp. Sagr. XXXV, p. 106), bem como à benevolência que Guido,
irmão de Raimundo, lhe dedicou enquanto Papa Calixto II. É compreensí-
vel que, nessas circunstâncias, colonos e peregrinos estrangeiros fossem
principalmente franceses, e isso esclarece, entre outras coisas, que a princi-
pal rua de Santiago se chame ainda hoje calle del Franco24, e que a rua dos
peregrinos fosse conhecida pelo nome caminho francês 25.
Nas peregrinações ao santuário do apóstolo, cantavam-se canti-
gas religiosas, geralmente compostas em latim, como por exemplo a de
Aimeric Picaudi, do Poitou, que nos foi transmitida em manuscrito do

21
Dozy, Recherches I, pp. 129-132.
22
Zurita, Anales de la corona de Aragon, l. I, c. 2.
23
Dozy, ibid., p. 109.
24
Helfferich, p. 38.
25
V. 278, cf. Puimaigre, La cour litt. I, p. 35.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

século XIII26. O exemplo da poesia religiosa em latim médio, bem como as


representações religioso-dramáticas e danças, apresentadas pelos fiéis no
local de peregrinação, propiciaram, desde cedo, que a linguagem vernácula
fosse utilizada na composição de poesias religiosas27. É o que talvez indi-
que a cantiga que nos foi transmitida na obra do clérigo leonês Gonçalo de
Berceo, um canto de judeus que vigiavam o túmulo do Redentor28. Ao lado
do dialeto galego, também a cantiga popular local deve ter sido favorecida
por essas e similares influências. Dessa última, como facilmente se com-
preende, não nos restou nenhum testemunho; contudo, as cantigas de
romaria, encontradas entre as cantigas d’amigo do Cancioneiro da Vaticana
e que nos exibem as donzelas dançando e cantando junto ao santuário de
um santo29, podem ser consideradas, ao menos, como eco de costumes e
canções há muito tempo comuns na Galiza e nas Astúrias. Tanto em rela-
ção ao espírito como à forma, segundo veremos posteriormente, elas estão
estreitamente aparentadas à cantiga que as mulheres asturianas ainda hoje
cantam na danza prima, uma espécie de dança pantomímica que acontece
em peregrinações e ocasiões festivas congêneres30.
Não menos pujante que na Galiza deve ter sido a influência da
França no desenvolvimento social e intelectual de Portugal, que devia sua
libertação dos mouros e elevação a Estado autônomo especialmente à es-
pada de Dom Henrique de Borgonha, um primo mais jovem de Raimundo,
que em 1094 se tornara genro de Afonso VI e Conde de Portugal. Até onde
sabemos, Henrique fundou duas colônias francesas, uma delas, denomina-
da Vila de Francos31, ainda antes de 1094, no Alto Minho, e a outra em
Guimarães, sua capital, antes de 109632. Sob seu filho Afonso Henriques
(1112 – 1185), que colocou o jovem Reino de Portugal sob proteção da
abadia de Claraval, estabeleceu-se, especialmente depois da tomada de Lis-
boa (1147), um número considerável de colônias estrangeiras em Portugal,
como as francesas em Vilaverde, doada a D. Alardo (1160)33, Lourinhã, a
D. Jordan34, Alenquer e Santarém35, Lisboa, a D. Ligel36, francesas do norte

26
Hist. litt. XXI, 293.
27
Cf. Schack, Geschichte der dram. Kunst in Spanien I, p. 110.
28
Schack, ibid.; Rivad[eneyra]., 57, pp. 137-8.
29
V. 336, 858, 889.
30
Durán, Rom. gen.2 I, p. LXIII ss.; Amador de los Rios, Jahrb. III, pp. 289-290.
31
Helfferich, p. 42.
32
Ibid., p. 43; PMH. LC. I, pp. 350-1.
33
Mon. lusit. III, p. 237.
34
PMH. LC. I, pp. 447-450.
35
Helfferich, p. 67.
36
Mon. lusit. III, p. 236.

70

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Introdução

e do sul em Atouguia (Atouguia Francorum, Gallecorum), a D. Guilherme


de Cornibus (1058)37. O filho de Afonso Henriques, Sancho I (1185 – 1211),
segundo rei de Portugal, usou a política de povoar o país por meio de colô-
nias estrangeiras. Ele enviou agentes à França e a Flandres a fim de incitar
à imigração a Portugal38. Em 1195, a localidade de Pontével foi presentea-
da às colônias francesas Lourinhã e Vilaverde, uma prova do rápido aumento
da população estrangeira. Justamente nessa época, foram fundadas as no-
vas colônias Vila-Franca (mais tarde denominada Azambuja), Sesimbra,
Lezírias e Montalvo de Sor39. A seguir, vieram as ordens militares dos
Templários, dos Cavaleiros Hospitalários, as ordens de Calatrava, de San-
tiago e a ordem portuguesa de Avis, fundada já por Afonso Henriques, às
quais foram alocadas grandes propriedades, sobretudo no Alentejo, para
povoamento e construção. No ano de 1200, a Ordem de Calatrava fundou a
localidade de Benavente, e, no ano seguinte, a colônia francesa de Sesimbra
tinha crescido tanto, que recebeu foros municipais40.
Através dessas e de numerosas outras, principalmente colônias fran-
cesas, que, ao contrário do município41 livre existente na Península Hispânica
desde o domínio dos romanos, estavam sujeitas ao seu senhor, o qual rece-
bera da coroa a terra como feudo42, e eram administradas segundo as leis
em vigor na sua pátria, penetraram em Portugal não apenas os costumes e
as ideias da sociedade feudal, mas também o Direito francês43.
Considerando-se, além disso, que já Fernando o Grande pagara
tributo anual ao mosteiro de Cluny na Borgonha44; que desde aquela época
o alto clero da terra era descendente de franceses ou então se tinha educado
na França; que Bernardo de Cluny, arcebispo de Toledo desde 1091, impu-
sera ao Concílio de Leão de 1091 a decisão de que, doravante, a escrita
francesa fosse usada em todos os documentos no lugar da gótica; que ele
tornou efetiva, além disso, a extinção da liturgia moçárabe exigida pelo
papa Gregório VI45; que o clero francês estava na chefia dos mosteiros, os

37
PMH. LC., pp. 450-452; Script. I, p. 380.
38
Hercul. II, pp. 88-89.
39
Ibid., pp.89-90.
40
Ibid., pp. 92-95.
41
Hercul. II, p. 11.
42
Assim, por exemplo, em 1158 Afonso Henriques cedeu Atouguia em feudo ao já mencionado
Guilherme de Cornibus. Ainda no século seguinte, um sucessor desse vassalo se dizia alcaide
pela graça de Deus. Hercul. IV, p. 450.
43
Isso se depreende, por exemplo, de uma carta de doação do rei Afonso Henriques, em que se recor-
dam expressamente as leges Francorum e seu vigor legislativo. Vid. Helfferich, p. 43, 48, 55.
44
Hercul. I, p. 104.
45
Lafuente, Hist. gen. de España V, pp. 308-9.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

quais, como por exemplo o célebre mosteiro de Alcobaça fundado em 1148,


permaneceram por muito tempo os únicos viveiros de cultura religiosa no
país; finalmente que, através dos pesados compromissos ligando a coroa
portuguesa, desde 1143, ao trono papal46, a igreja romana em Portugal al-
cançou um poder que jamais possuiu em parte alguma, então não será de
admirar que, enquanto o contato próximo com a muito superior cultura
francesa refinava os costumes e elevava consideravelmente a educação in-
telectual, também sob a pressão dessas relações devessem alterar-se ou
esfumar-se alguns traços da nacionalidade portuguesa ainda em constru-
ção47, e que a livre expansão do espírito popular fosse em alguns aspectos
igualmente perturbada48.

2. OS TROVADORES NA ESPANHA
Na virada do século XI, a lírica limosina chegara à plena floração.
Pode-se supor, por isso, que já com Henrique de Borgonha e os cavaleiros
que o acompanharam na luta contra os mouros, cantores do sul da França
deslocaram-se através dos Pirineus e executaram49 suas cantigas nas es-
plêndidas festas, torneios e outros jogos cavaleirescos, dos quais
encontramos frequentes referências a partir de 110750. Porém, só a partir do
segundo quartel do século XII temos notícias certas sobre a permanência
de poetas provençais na Espanha. A cantiga de Marcabrun Emperaire per
vostre pretz deve ter sido composta antes de 1135, pois nela Afonso VII de
Leão51 ainda é tratado como rei. Um outro poema, Pax in nomine Domini,
parece ter surgido não muito tempo após 1137, sem dúvida na Espanha52, e
da mesma forma Emperaire per mi mezeis, entre 1137 e 1147, na corte de
Afonso VII de Leão53. Pelo fato de Marcabrun, na última cantiga mencio-
nada, conclamar os cavaleiros a derramarem54 seu sangue também por

46
Hercul. I, pp. 338-348, 516-525.
47
Cf. Helfferich, p. 55.
48
Isso é indicado na circunstância, entre outras, de que Portugal é o único país de língua românica
em que pôde penetrar a substituição, ordenada pelo papa Silvestre, dos nomes pagãos da semana
por feria, como por exemplo lunes (Vat. 1132, 5) por segunda feira. Cf. Coelho, Questões,
p. 141.
49
Sobre o surgimento de jograis e jogralesas na Catalunha no século XII, vid. Milá y Font., Trob.,
pp. 257-8; Wolf, Proben, pp. 35-6.
50
Cf. Schack, ibid. I, p.110.
51
Não Afonso VIII, como está em P. Meyer, Rom. VI, p. 123 e 129.
52
Cf. P. Meyer, ibid., pp. 123-4.
53
Ibid., p. 124.
54
Choix IV, p. 120: “Ab lavador de Portugal E del rei navar atretal Ab sol que Barselona i se vir,
Ves Toleta l’emperial Segur poirem cridar reial E paiana gen desconfir”.

72

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Introdução

Portugal, e em uma outra, enviar55 suas saudações aos portugueses, pode-


se supor que ele também tenha permanecido junto a Afonso Henriques.
Junto a Afonso II de Aragão (1162 – 1196), cuja irmã, D. Dulce, se casou
com Sancho I de Portugal (1185 – 1211), estiveram Peire Rogier, Peire
Ramon, Peire Vidal, Cadenet, Elias de Barjols, Guiraut Cabrera, entre ou-
tros; junto a seu sucessor, Pedro II (1196 – 1213), encontramos Raimon de
Miraval, Aimeric de Pegulhan, Uc de S. Circq, Guiraut de Borneil, entre
outros;56 com Afonso VIII de Castela (1158 – 1214) permaneceram Peire
Rogier, Guiraut de Borneil, Aimeric de Pegulhan, Ramon Vidal57; junto a
Afonso IX de Leão (1188 – 1230) estiveram Uc de S. Circq, Guilherme
Ademar, Peire Vidal e Elias Cairel58.
Também do norte da França, onde a lírica palaciana tinha sido
introduzida desde a cruzada de 114759, trouvères vieram a Portugal no últi-
mo quartel do século XII. No ano de 1177, o conde Felipe de Flandres, um
dos cavaleiros mais célebres de sua época e zeloso patrono da lírica culta,
visitou, em sua segunda viagem à Palestina, a corte do rei Afonso Henriques
e casou-se, em 1181, com sua filha Teresa, que, como condessa de Flandres,
adotou o nome Matilde60.
Se ainda, como se infere do acima exposto, nos faltam quase total-
mente testemunhos seguros da permanência de poetas provençais em
Portugal no século XII; se também não nos foi transmitido qualquer vestí-
gio de experiência poética em galego-português; e se, além disso, as relações
sociais do país ainda mergulhado em contínuas batalhas com os estados
vizinhos cristãos e mouros eram altamente desfavoráveis ao cultivo da po-
esia palaciana – situação existente, aliás, em todos os reinos cristãos da
Espanha – então certamente não há dúvidas de que tanto a cultura francesa
transmitida por meio da dinastia de Borgonha e numerosas colônias, como
também o exemplo de muitos poetas provençais nas cortes da Espanha,
sobretudo no reino de Leão, tão estreitamente ligado à Galiza e a Portugal,
tinham de suscitar, já no decorrer do próprio século XII, o fomento da lírica
culta e assim elevar o idioma galego-português à elegância da expressão
lírica, com a qual ele aparece já no primeiro quartel do século seguinte.
Esta suposição não é de rejeitar, uma vez que, conforme salientamos acima
e mostraremos posteriormente com mais detalhes, a Galiza tinha, muito

55
Rom. VI, p. 123: En Castella et en Portugal Non trametrai autras salutz Mas Dieus vos sal.
56
Milá y Font., pp. 135-152.
57
Ibid., pp. 116-133.
58
Ibid., pp. 153-4.
59
Jeanroy, De Nostrat., p. 10.
60
Hercul, I, p. 454.

73

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

tempo antes do início da primitiva poesia culta, uma lírica popular enraizada
na tradição autóctone, cujo desenvolvimento pode ter sido multiplamente
estimulado pelos peregrinos que afluíam em massa a Santiago. A esta tradi-
ção popular anterior dever-se-ia portanto atribuir a existência de alguns
traços arcaicos na lírica palaciana portuguesa, como por exemplo a pura
forma monológica das albas61, ao lado de formas artísticas desenvolvidas
mais tarde, de preferência a imputá-la a uma consciente e muito tardia imi-
tação pelos poetas, como o quer Jeanroy em sua tão erudita quanto engenhosa
obra sobre a origem da lírica francesa na Idade Média62.
Quando a poesia dos trovadores provençais, no decorrer do século
XII, se tornou conhecida e estimulou a imitação também na parte ocidental
da Península, sob diversos aspectos desnacionalizada pelo domínio e pela
cultura estrangeiros, somente o florescimento dessa lírica popular galega e
o consequente desenvolvimento precoce do dialeto galego para a expres-
são lírica possibilitaram que os poetas criassem suas cantigas não no idioma
provençal, como na Catalunha e no norte da Itália, mas em seu próprio
idioma, o galego-português. Além disso, apenas assim se esclarece o fato,
muitas vezes discutido e importante para a história da literatura espanhola,
de que também os poetas castelhanos dos séculos XIII e XIV que se ensai-
aram na lírica culta, inclusive o trovador genovês Bonifaci Calvo, então na
corte de Afonso, o Sábio, se servissem do galego-português, enquanto a
poesia épica de Castela, florescente no início do século XIII, empregava o
dialeto castelhano e o leonês, e Afonso X, que escreveu suas lendas marianas
e cantigas de amor em dialeto galego63, cultivava o castelhano na sua prosa.

3. A ÉPOCA DOS POETAS PALACIANOS PORTUGUESES E SUAS OBRAS


Por falta de notícias biográficas e outras informações, a determi-
nação da época em que os diversos poetas líricos portugueses viveram e
compuseram é difícil e incerta para a maior parte deles e para muitos, tal-
vez impossível. Por isso, devemos limitar-nos nesse ponto a uma tentativa,
sobretudo porque não temos acesso a muitas das principais fontes64.

61
V. 242, 771, 772, 782.
62
Jeanroy, Origines, p. 338: “Une imitation réfléchie et assez tardive de thèmes qui avaient continué
jusque-là à vivre en France”.
63
O manuscrito CB (nº. 363), contudo, transmitiu-nos uma estrofe sua em língua castelhana e está
igualmente em castelhano a cantiga defeituosamente conservada V. 209, de Afonso XI –
Cf., para o mencionado acima, Wolf, Studien, pp. 82-3 e Milá y Font., pp. 493-4.
64
Entre outros, não nos foi possível, apesar de repetidas tentativas, obter o trabalho de Braga sobre
os Trovadores galecio-portuguezes. A introdução de Braga à sua edição do Canc. Vat. infeliz-
mente não é confiável.

74

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Introdução

A mais antiga cantiga datável em estilo culto que nos foi transmi-
tida (V. 937), um sirventês sobre Sancho VI de Navarra, parece ter sido
composta um pouco depois de 121465. Como sabemos, porém, que seu autor,
Joam Soarez de Pavha, nasceu não muito depois da batalha de Ourique
(1139), portanto à volta de 114066; como, além disso, ele não pode ter devi-
do sua fama de trobador67 à única cantiga que nos foi transmitida e composta
em sua velhice; e como uma poesia de forma alguma começa somente com
o mais antigo documento que chegou até nós, então podemos muito bem
situar a origem da lírica galego-portuguesa ainda no último quartel do sé-
culo XII, portanto após 1175. A Joam Soarez de Pavha segue Don Gil
Sanches, falecido em 1236, filho natural de Sancho I e irmão de Rodrigo
Sanches, morto em 1245 na conhecida lide do Porto68. Dele possuímos
uma cantiga de amor, CB. 22, marcada por tom animado e realista. Nos
reinados de Afonso II (1211 – 1223)69 e Sancho II (1223 a 1245), já encon-
tramos uma grande quantidade de poetas, dos quais alguns ainda podem
remontar à época de Sancho I. Ali temos Vaasco Gil70, Abril Perez († 1245)71,
por diversas vezes mordomo-mor no tempo de Sancho II, de quem nos foi
transmitido, em V. 663, um jocs enamoratz com Bernaldo de Bonaval; o

65
Cf. Lollis, p. 37.
66
PMH. Script. I 336: “E esta D. Orraca Meendez ..., quando soube que seu marido fora morto na
batalha que ellrey D. Affonso o primeyro rey de Portugal, ouue com os mouros no campo
d’Ourique, nom leixou porem de casar com D. Soeiro Mouro. Este D. Soeiro Mouro ... fez em
ella Johan Soarez o trobador”. Cf. ibid., p. 297: “E dona Maria Annes, neta de D. Soeiro Meendez
o gordo de gaamça, foi casada com Joam Soarez de Panha o trobador”. – [Como C. M. de
Vasconcelos (Grundriss II, 187, nº. 4) observa, deve-se ler Pavha, i. e., Pávia, em vez de Joham
Soares de Panha. Quando porém a ilustre romanista afirma que não se lê nunca Panha nem Pauha,
está totalmente equivocada. Pauha era, como também diz o Prof. Coelho, uma grafia comum para
Pavia, e encontra-se por exemplo em PMH. Scrip. I, 201, 297, 371. Compare-se V. 17, 16 ouuha
para oùvi a; 370, 11 seruha para sérvia etc.; a forma errônea Panha ocorre, por exemplo, em PMH.
Script. 297 e Mon. Lusit. IV, 336 d, onde se lê: Payva ou Panha (da mesma forma no Índice), e
onde, em outra passagem, se declaram ambas as formas como de igual uso. (C. e A.)]
67
Cf. ibid.
68
Mon. lusit. IV, p. 63; Hercul., II, p. 378.
69
Em consequência da política egoísta de Afonso II, seus irmãos D. Pedro e D. Fernando e também
vários magnatas do reino abrigaram-se em cortes estrangeiras. D. Pedro e Gonçalo Mendes de
Sousa, chefe da mais poderosa família de Portugal naquele tempo, refugiaram-se, em 1211, na
corte de Afonso IX de Leão, de onde D. Pedro, por volta de 1230, foi para a corte de Aragão
(Hercul., II, p. 365). No ano de 1217, Martim Sanches, filho natural de Sancho I, entra como
rico-homem a serviço do rei de Leão (Hercul., ibid., p. 215). Aqui, esses portugueses devem ter-
se encontrado com trovadores provençais. Gonçalo Mendes regressou a Portugal em 1219 (Hercul,
ibid., p. 141, 153-4). Do seu irmão D. Garcia Mendes (Hercul, ibid., pp. 212-6) procede a cantiga
CB. 347 [sic, por 346], em que se faz referência à casa ancestral da família Sousa. – D. Fernando
fugiu para sua tia, a Condessa Matilde (Teresa) de Flandres e casou-se com Joana de Flandres,
filha de Balduíno IX. (Hercul., ibid., pp. 142-3).
70
Mon. lusit. IV, p. 335; Hercul. II, p. 342, 473.
71
Hercul. II, p. 264, 275, 370.

75

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

assim denominado Bernaldo, um dos mais importantes poetas dessa escola


com relação ao número de suas cantigas, devia ser já bastante idoso por
volta do ano de 125072. De acordo com uma cantiga de Afonso, o Sábio
(V. 70), Pero da Ponte deve ter aprendido com ele a arte da poesia. Devem
ser também incluídos nesse período Paay Soarez de Taveroos e seu irmão
Pero Velho, segundo CB. 114, coetâneos de Rodrigo Gomez de Trastamara73;
o conde D. Gonçalo Garcia, de acordo com CB. 347, era contemporâneo
de Rodrigo Sanches74. Além disso, à época de Sancho II pertencem Joam
Martins, mencionado como trobador no Livro velho75; Martin Alvitez, prior
em Alenquer, mencionado por Afonso, o Sábio76; Sueir’ Eanes77, de quem
não conhecemos nenhuma cantiga, e Joham Garcia78. Dos jograis Martim
Moxa79 e Affonso Gomes de Sarria80, o primeiro poderia pertencer a um
período ainda anterior. Pela quantidade e importância de suas cantigas so-
bressaem, a partir desse período e pertencendo também ao seguinte, Affons’
Eanes de Cotom e Pero da Ponte, jogral, um pouco mais jovem, sendo que
os dois, já na corte de Fernando III de Castela, devem ter poetado entre
1230 e 125281. Que o mesmo Fernando III foi também protetor da poesia é

72
Cf. V. 1086, 1175 e Lollis, p. 41. A leitura de Braga da rubrica de V. 653, pela qual B. de B. seria
denominado o primeiro trovador, não é segura.
73
Este tinha recebido, ainda antes de 1230, o condado de Trastâmara de Martim Sanches, o rico-
homem do rei de Leão (Afonso IX). Mon. Lusit. IV, p. 149.
74
Mon. Lusit. IV, pp. 289-290. Porém, ele pertenceu especialrmente à corte de Afonso III (vid. ibid.,
p. 352) e alcançou ainda a época do rei Denis (PMH. Script., I, p. 358).
75
PMH. Script I, p. 170; Mon. lusit. IV, p. 430.
76
CM. 316, 3-4: “En aquesta vila de Alanquer ouue Un crerigo trobador Que sas cantigas fazia
D’escarno mais ca d’amor .... Et demais, sen tod’ aquesto, Mui privad’ era del rei Don Sancho en
aquel tempo”.
77
Cf. V. 1117, 1170, 1179, 1184. Segundo Lollis (p. 59), ele ainda vivia em 1269. [A suposição de que
Sueir’Eanes ainda vivia em 1269 é injustificada, pois como observa C. M. de Vasconcelos (Grundriss
II, p. 194, nº. 1), nem todas as cantigas de Ultramar se referem a essa data. Pelo mesmo motivo,
deve retificar-se a nota 87, referente a Martim Soares. (C. e A.)]
78
Um irmão de D. Gonçalo (Mon. lusit. IV, p. 351). Ele aparece como testemunha em um documento
de 1239 (Hercul., II, p. 472). [O trovador, chamado aqui e na p. 81 Joam Garcia, é talvez (com
exceção do autor de V. 431-2, que traz a alcunha sobrinho), de acordo com V. 354, 358, 1022, 1024,
o mesmo que D. Joham de Guylhade. Cf. C. M. de Vasconcelos, Grundriss II, p. 159 e 192, nº. 1.
(C. e A.)]
79
Affonso Gomez, V. 470, caçoa de sua idade avançada.
80
Sua cantiga de censura (V. 471) à devassidão de sua época coaduna-se muito bem com as condições
anárquicas de Portugal nos últimos anos do reinado de Sancho II. Cf. Hercul, II, pp. 333-4 e
474-8.
81
Em V. 68, Afonso X declara desejar vingar o poeta Affons’ Eanes de Cotom, morto há muito tempo,
pelo furto literário que Pero da Ponte teria cometido contra ele. – V. 573 é um planh de Pero da
Ponte por Beatriz da Suábia († 1236), e em V. 574 esse poeta refere-se à morte de Fernando e à
ascensão ao trono de Afonso X (1252). Cf. Lollis, pp. 41-43. Se D. Garcia Martins, que compõe
com Pero da Ponte V. 1186, é o mesmo comendador de Leça vivendo em tempo de Afonso III
(Mon. lusit. IV, pp. 428-9), então Pero da Ponte deveria estar poeticamente ativo ainda após 1252.

76

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Introdução

confirmado por seu filho Afonso X82, bem como por uma passagem do
provençal Elias Cairel83, se Schultz (GZ. VII, p. 210) a relaciona correta-
mente a ele. Em contrapartida, como se sabe, Sordel, que deve ter
permanecido em sua corte entre 1237 e 1241 (cf. Schultz, ibid., 207-210),
manifesta-se com bastante amargura acerca dele em sua famosa cantiga
sobre Blacatz84. – Finalmente, pertencem ainda à época de Sancho II Stevam
Reymondo85 e o expressamente exaltado como melhor trobador Martim
Soares86, que também alcança ainda o período seguinte87.
Já nesse período, que compreende a primeira metade do século
XIII, encontramos cultivados todos os principais gêneros líricos, a cantiga
de amor propriamente dita, as variadas formas da cantiga d’amigo, o poe-
ma de escárnio e de maldizer, a tenção, a cantiga de louvor e o pranto.
Porém, tratamento muito mais fervoroso recebe a poesia portu-
guesa durante o reinado de Afonso III (1247-1279), irmão e sucessor de
Sancho.
Mesmo que Afonso não tenha ido à França já no ano de 1229,
quando criança, por ocasião do casamento de sua irmã Leonora com
Waldemar da Dinamarca, mas apenas em 1238, ano em que se casou com
Matilde, condessa de Bolonha88, com certeza uma permanência de sete anos
na esplêndida corte de sua tia, a rainha-mãe Blanca de Castela, foi mais que
suficiente para dar ao seu espírito e às suas tendências uma direção decidi-
damente francesa. O contato com a vida intelectual e social dos círculos
cortesãos franceses deve ter tido poderosa influência também sobre os

82
Memorias de San Fernando. Madrid 1800. Fol. p. 220, do Setenario (citado apud Wolf, Studien,
p. 188): “Pagábase de omes de corte que sabian bien de trobar et cantar, et de juglares que sopiesen
bien tocar estrumentos ...”
83
MG. nº. 186: “Al rey prezan de Leon suy uiatz Quar ioys e chan e cortezial platz Ni anc no fetz
contra valor trauersa”.
84
MW. II, p. 249.
85
Caso ele seja idêntico ao referido em um documento por Hercul. II, p. 475.
86
Sobre ele, a rubrica a CB. 116 traz-nos a seguinte informação valiosa: “Este Martim Soarez foy
de Riba de Limha em Portugal e trobou melhor ca todolos que trobaram et assy foy julgado
antr’os outros trobadores”. – A cantiga que se segue é uma tenzone com o Paay Soarez acima
citado. – CB. 147 (cf. 146) refere-se ao rapto de Elvira, filha de Joam Peres da Maia, praticado
por Roy Gomez de Briteyros, partidário de Afonso III. Deve ter acontecido, portanto, anos antes
de 1244, pois Roy Gomez juntara-se, nessa época, a Afonso, o conde de Bolonha, na França. Vid.
Hercul. II, p. 370.
87
Em CB. 115, ele zombava de Sueir’ Eanes devido à malograda cruzada de 1269. Cf. Lollis,
pp. 54-5. Por conseguinte, sua atividade poética deve ter-se prolongado pelo menos até 1270.
Portanto, dificilmente poderia ser o mesmo Martinus Sueriz que muitas vezes aparece como
testemunha em documentos da época de Afonso II. Cf. PMH. Inquis. (Af. II 1220), p. 46: “De
Terra de Aguiar de Ripa de Limia: Suerius Petri Abbas, Petrus Arias ..... Martinus Sueriz .... jurati
dixerunt”; cf. ibid., p. 48, 192, 193.
88
Hercul. II, p. 367.

77

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

magnatas portugueses que se aliaram ao partido do conde da Bolonha e co-


assinaram o juramente por ele prestado em Paris. Esses portugueses eram
Gomes Viegas, Pedro Ourigues da Nobrega, seu filho João Pires d’Avoym,
mais tarde influente chanceler de Afonso III, Estevam Annes de Valladares
e Ruy Gomes de Briteyros89, dos quais os três últimos nos são conhecidos
como poetas palacianos.
Com o retorno do conde de Bolonha a Portugal e sua ascensão ao
trono como Afonso III, no ano de 1247, começa o período de esplendor da
lírica portuguesa. Favorecida pela confortável vida da corte, que se tornou
possível em decorrência de maior segurança das relações políticas e sociais
de Portugal, formou-se uma sociedade de poetas que permaneceu durante
o reinado dos dois monarcas seguintes e cujas obras, ao lado daquelas da
época anterior, nos foram parcialmente conservadas em três cancioneiros
manuscritos.
A corte régia mantinha três jograis assalariados90 e, assim como
em outros lugares, também entre os magnatas portugueses tornara-se hábi-
to ter os próprios menestreis91 e até mesmo aceitar a recomendação de alguns
vindo de fora92.
Gil Perez Conde diz-nos o que se exigia de um jogral, CB. 388, 1-6:
Jograr, tres cousas auedes mester
para cantar de que se paguen en:
e doayr’ e voz e aprenderdes ben
que de vosso non podedes auer,
nen enprestado nen en don poder
non a dar uo-l’ ome nen molher.

Muitas vezes são censurados por sua apresentação incorreta93 e por


isso intimados a desistir94. Ou são acusados de fazer passar cantigas dos
trobadores por próprias, como é o caso, por exemplo, de Afonso X para com
Pero da Ponte (V. 68) e de Joam Soarez para com Lourenço (V. 1022).

89
Ibid., II, pp. 387-8.
90
PMH. LC. I, p. 199: “El Rey aia trez jograres em sa casa e nom mais, e o jogral que veher de
cavalo d’outra terra ou segrel, delhe el Rey ataa cem [marauedis?] .... ao que chus der, e nom
mais se lho dar quiser”.
91
Em V. 1105, por exemplo, o jogral Lourenço queixa-se de Joham Garcia pelos escassos recursos
que dele recebe.
92
Como Guiraut de Borneil envia ao rei Pedro II de Aragão seu jogral Perrin (Milá y Font., p. 135),
assim Sordel manda ao trovador Joam Soares Coelho o jogral Picandon, que ficou famoso por
sua arte de cantar e pelo conhecimento de muitas cantigas. V. 1021, 26–28: “Ca eu sey canções
muytas e canto bem, E guardome de todo falimen, E cantarey cada que me mandardes”.
93
Vid. V. 971, 1010, 1117.
94
Vid., por exemplo, V. 971, 1106.

78

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Introdução

Nas cantigas marianas de Afonso, o Sábio, encontram-se numero-


sas referências à vida agitada dos jograis naquele tempo, que nos informam
como eles migravam de corte a corte, de igreja a igreja, cantando e decla-
mando, e executando na viola cantigas profanas ou religiosas pelo seu
sustento95.
Entre os divertimentos da corte, parece ter havido também tribu-
nais de arbitragem96. Assim, em uma canção do galego Joham Ayras,
V. 553, o rei de Castela é convocado a arbitrar entre ele e sua senhora, caso
contrário ele deveria apelar ao rei de Portugal97. Igualmente, fazia-se julga-
mento sobre o mérito poético dos trobadores, como podemos observar em
uma cantiga satírica de Joam Soarez Coelho, V. 1023:
Don Buyturom, o que a uos deu
sobrelos trobadores a iulgar
ou non sabia que x’era trobar
ou sabia como uos trobey eu98.

Nas passagens referidas, não se encontra qualquer testemunho sobre


as cortes de amor, cuja ocorrência entre os portugueses Braga quer deduzir de
algumas cantigas99, como por exemplo V. 597, se é que, de resto, se poderia
sustentar a probabilidade de existência de semelhante instituição100.
Já foi apontada a forte influência que a cultura e a literatura france-
sas devem ter exercido na poesia palaciana no reinado de Afonso III.
Voltaremos a isso mais adiante.
A influência da lírica provençal, que desde meados do século XIII
estava em declínio e que, fora de Provença, procurou e encontrou incentivo
principalmente na Itália e na Espanha101, partia nesse período especialmen-
te da corte de Afonso, o Sábio, onde poetas portugueses se encontravam
com provençais. Entre os primeiros estavam Affons’ Eanes de Cotom

95
CM. 8 epígrafe: “Esta é como Sancta Maria fez en Rocamador decender hua candea na uiola
d’un jograr que cantaua ant’ela; 2ª estrofe: Un jograr, de que seu nome Era Pedro de Sigrar, Que
mui ben cantar sabia, E mellor uiolar, Et en todalas eigreias Da Uirgen que non a par Un seu lais
sempre dizia”. – 238, 2: “E d’esto vos direy ora Una vingança que fez Jhesu Christo en Guima-
rães D’un jograr mao rafez” etc. Cf. ibid., 194, 1 e 259. Cf., sobre a movimentação dos jograis
nos séculos XIII e XIV, Rom. VIII, pp. 352-3.
96
Cf. P. Meyer, Les derniers troub., pp. 68-71.
97
Cf. vv. 15–23: “Senhor, por Sancta Maria, Mandad’ ante vos chamar Ela e mim algun dia, Mandade
nos razoar. Se s’ela de min queixar De nulha ren que dissesse En sa prison quer’ entrar. Se me
justiça non val Ante rey tan justiceyro, Ir-m’ey ao de Portugal”. Cf. V. 1186.
98
Cf. ainda V. 1184, 9-11.
99
Em sua edição do Canc. Vat., p. LX.
100
Crescini, Per gli studi romanzi, pp. 81-120, defende a probabilidade das cortes de amor.
101
Cf. P. Meyer, Les derniers troub., pp. 33-5.

79

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

(cf. V. 68), Gil Perez Conde (CB. 405), Gonçal’ Eanes do Vinhal (V. 1008),
Joam Vaasquez (CB. 423), Pero Gomes Barroso (V. 1057), Pay Gomes
Charinho (V. 1159), Joham Ayras de Santiago (V. 553), Pero da Ponte
(V. 68, 70 e outros), Pedramigo de Sevilha (CB. 423), Joham Baveca
(V. 827) e Pero Mafaldo102; entre os últimos, Bertran de Lamanon, Folquet
de Lunel, Arnault Plagues, Bertran Carbonel, Guiraut Riquier e o genovês
Bonifaci Calvo103.
Os portugueses devem ter conhecido também a lírica italiana da
época. Bonifaci Calvo fez incursões na cantiga de amor galego-portuguesa
(CB. 341, 342). Pode-se deduzir daí que ele tenha permanecido por mais
tempo na corte de Afonso, o Sábio, talvez até mesmo em Portugal104. Além
disso, já no tempo de Afonso Henriques este país encontrava-se em ativa
relação com a cúria romana, e a juventude ambiciosa frequentava escolas
estrangeiras, como a Universidade de Bolonha105. Mas, principalmente os
conflitos de Sancho II e Afonso III com o clero provocaram idas e vindas
de legados papais, agentes portugueses eclesiásticos e régios entre Portu-
gal e Itália106. Se se considera que os clérigos também participavam da
poesia culta, então se pode supor que igualmente por essa via teriam che-
gado a Portugal formas da lírica italiana107.
Além da corte castelhana, também a de Aragão ofereceu mais um
asilo aos últimos trovadores. Com Jaime I (1213 a 1276) permaneceram,
entre outros, Bertran de Born (o mais jovem), Aimeric de Belenoi, Peire
Cardinal, Nat de Mons, Arnaut Plagues, Elias Cairel e Guiraut Riquier, este
último por volta de 1270, provavelmente, portanto, a caminho de Castela108.

102
Em uma cantiga satírica desse poeta sobre Pero d’Ambroa, CB. 387, apontam-se, como também
pensa Lollis p. 55, as medidas que Afonso X deve ter tomado em consequência da conhecida
súplica de Guiraut Riquier (1274) contra o uso indevido do título trobador. Cf. ainda Joam Soarez
Coelho, V. 1024.
103
Cf. Encyclop. Britannica9, art. Provençal, p. 874.
104
Segundo O. Schultz (GZ. VII 225-6), ele veio à Espanha provavelmente com Nicolò Calvo, o
enviado de Gênova a Fernando de Castela em 1251. De qualquer forma, por volta de meados de
1253 ele estava na corte castelhana. Em 1261, Nicolò Calvo foi enviado pela sua cidade natal a
Afonso X.
105
Assim Julião, chanceler de Sancho I, obteve em Bolonha o título de mestre. Hercul., II, p. 124.
106
Assim Pedro Julião, antes arcediago de Vermuim, retorna à pátria em 1275 como arcebispo de
Braga, após permanência de longos anos na Itália, onde, com o nome de Pedro Hispano, gozou
fama de grande erudição. (Hercul. III, p. 124). Outros exemplos ibid. 121, 140, 145, 148.
107
A graciosa cantiga do clérigo Roy Fernandiz, em V. 488: “Quand’eu ueio las ondas E las muy altas
ribas, Logo me ueen ondas Al cor pola uelyda. Maldicto se al mare Que mi faz tanto male ...”
lembra, com seu refrão, naturalmente, as palavras: “L’onda del mare mi fa gran male”, que
Boccaccio, Decam., Giorn. V cita como início de uma canção popular italiana, de que não conhe-
cemos o resto.
108
Cf. Milá y Font., pp. 169-196.

80

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Introdução

Junto a Pedro III (1276 a 1285) estiveram Paulet de Marseilla, Folquet de


Lunel, Paul Lanfranc de Pistoja e Guiraut Riquier, este desde 1281109.
Não temos nenhum testemunho da visita de qualquer desses poe-
tas a Portugal; entretanto, como veremos mais tarde, parece que um deles
foi imitado por um português.
Finalmente, deve-se lembrar aqui, ainda, o exemplo evidente de
um dos mais famosos trouvères, Theobald IV de Navarra (1234 a 1253),
cuja corte, entretanto, não foi brilhante110.
Pertencem à época de Afonso III principalmente os seguintes
poetas111: Affonso Lopes de Bayam112; Vaasco Gil113; Joam Soarez Coelho114;
Joam Lobeyra115; os três irmãos, Gonçalo Garcia116, Joam Garcia117 e Fernam
Garcia Esgaravunha118; Fernam Fernandez Cogominho119, todos pertencen-
tes às mais influentes famílias do reino; Ayras Veaz120; Vaasco Perez Pardal121;
Affonso Meendez de Beesteyrus122; Fernam Velho123; Stevam Fajam124; Roy
Paez de Ribela125; Roy Quemado126; Joam de Guylhade127; e os jograis Diego

109
Ibid., pp. 241-244.
110
Cf. P. Meyer, Les derniers troub., pp. 33-5.
111
Alguns deles já foram mencionados acima, pp. 67 78 e 80, e não serão repetidos aqui.
112
Mon. lusit. IV, pp. 352, 455-6, 469 etc.
113
Ibid., p. 335.
114
Ibid., 353, 499. Em V. 1014-5, ele satiriza Estevam da Guarda; em 1023, Ayras Perez Buyturom;
portanto, ele compunha ainda no tempo de Denis. Cf. Lollis, p. 39.
115
Mon. lusit. IV, p. 496, 499; ainda no tempo de Denis, ibid. V, p. 104.
116
Ibid., pp. 351-2. Cf. acima p. 76.
117
Cf. acima p. 76 e Mon. lusit. IV, p. 330, 350.
118
Mon. lusit. IV, pp. 306, 346, 350 ss. – PMH. Script. I, p. 192: “D. Garcia Meendez fez o conde
D. Gonçalo Garcia e D. Meen Garcia e D. Joam Garcia o Pinto e D. Fernam Garcia Esgaravunha
o que trobou bem”. Cf. ibid., p. 290.
119
Segundo Mon. lusit. IV, p. 492, ele morreu na batalha de Chinchela, ocorrida em torno de 1280.
Seu irmão Nuno F. C. era almirante no tempo de Denis.
120
Se Braga, em sua edição, p. LVI, o identifica corretamente com D. Ayres, bispo de Lisboa, morto
em 1259. Mon. lusit. IV, p. 348.
121
Cf. Lollis, p. 57.
122
Em CB. 431, satirizou o mesmo D. Joham, que em V. 69 serve de alvo a Afonso, o Sábio, e em
V. 1055, a Pero Barroso.
123
Em CB. 377, refere-se a Maria Perez, como Pero da Ponte em V. 1176 e Joam Vasques em CB. 419.
124
Em CB. 434, ataca Fernam Dias como traidor de Sancho II, também em V. 1088, 1090, 1183.
Cf. Lollis, p. 39.
125
Satirizou, em V. 1026, Fernand’ Escalho, como o fazem Pero d’Ambroa, em V. 1135, e Pero
Garcia Burgalez, em V. 984-6.
126
Em CB. 249, ele refere, ao já muitas vezes acima mencionado D. Joam Garcia, sua amada Dona
Guyomar Affonso Gata, que, segundo PMH. Script. I, pp. 162 e 323, viveu no tempo de Afonso
III. – Conforme V. 996-7, ele ainda alcançou o reinado de D. Denis.
127
Em CB. 374, dirige-se a Lourenço e é satirizado, com este e com Joam Garcia, em V. 1022, por
Joam Soares Coelho.

81

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Pezelho128, Lourenço129 e Martim130. Devem ter pertencido ainda a esse


período também Fernam Gonçalvez de Seavra, mencionado pelo Marquês
de Santillana (Obras, p. 10) ao lado de Vaasco Perez, os clérigos Ayras
Nunes e Ruy Fernandes, Nuno Fernandez Torneol, Joham Zorro, Pero
Meogo, Martim Codax, entre outros, sobre os quais não temos nenhuma
informação131.
Ainda mais favoráveis que durante o reinado de Afonso III, firma-
ram-se as condições para o cultivo da lírica, bem como da literatura,
principalmente no reinado do seu filho e sucessor Denis (1279 – 1325),
cujos círculos palacianos, em virtude do estado de organização e da cres-
cente prosperidade de que Portugal então desfrutava, puderam dedicar-se,
muito mais que antes, à sociabilidade mais refinada e ao entretenimento
intelectual. Como se sabe, Afonso III tinha confiado a educação intelectual
do príncipe herdeiro a um francês, o douto Aimeric d’Ebrard de Cahors,
que em 1279 se tornou bispo de Coimbra132. Por intermédio dele, Denis
tomaria conhecimento da literatura provençal, mas principalmente da lite-
ratura do norte francês, cuja presença se tornou mais e mais importante
também no sul da França desde meados do século XIII133. Além de Aimeric
d’Ebrard, deve ter exercido influência sobre as inclinações culturais do rei
o erudito português Domingo Anes Jardo, bispo de Évora e chanceler-mor
real134, mais tarde bispo de Lisboa (desde 1291)135, que realizara sua forma-
ção intelectual na França e obtivera em Paris o grau de doutor em direito
canônico136. Sobretudo, porém, o jovem monarca deve ter sido estimulado
a seguir o brilhante exemplo de seu avô, Afonso, o Sábio, que foi não ape-
nas um grande protetor dos trovadores e ele próprio um excelente poeta,
como também conquistou, através do fomento das ciências e do desenvol-
vimento da prosa castelhana, elevados benefícios para a literatura de seu
país. Assim, pode-se supor que foi principalmente seguindo o procedimen-

128
Em V. 1124, refere-se à traição dos castelos a favor de Afonso III.
129
Em V. 1035, tencionou com Joham Vasquez. Cf. nota 127.
130
Satirizado, em V. 1101-2, por Joham de Guylhade.
131
A alusão a serviços de campo em Sevilha, em uma cantiga do clérigo Ruy Fernandes (V. 520),
ainda não prova, como crê Braga, p. LXXVI, que esse poeta pertença à época de Afonso IV, pois
tal alusão pode referir-se também ao cerco da mesma cidade em 1247-8, no qual tomaram parte
muitos portugueses. Mon. lusit. IV, pp. 326-336.
132
Cf. Schaefer, Geschichte von Portugal I, p. 299. Conforme Moura, p. XV, seu pai era Guillaume
d’Ebrard, senhor de S. Sulpice em Quercy. Aimeric morreu ali no ano de 1295 (Mon. lusit. V,
p. 235).
133
Cf. P. Meyer, Flamenca, p. XXVII.
134
Mon. lusit. V, pp. 83, 144.
135
Ibid., 209. Cf. a rubrica a V. 1043.
136
Moura, p. XV.

82

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 82 29/4/2010, 11:13


Introdução

to deste último, que fundara a Universidade de Salamanca em 1254, que


Denis criou em Lisboa, no ano de 1290, uma escola superior portuguesa,
cujos professores deveriam obter sua formação profissional em Paris137.
Além disso, se estiver correta a informação de seu famoso cronista Duarte
Nunes de Leão de que ele, fora as canções de amor profanas, teria compos-
to também poemas espirituais em honra da Virgem Maria 138, então
igualmente neste caso ele deve ter seguido o exemplo do rei de Castela,
que renunciou a servir o amor mundano para se dedicar, dali em diante, ao
louvor da Santa Virgem139. Assim como o castelhano por meio de Afonso,

137
Mon. lusit. V, pp. 163-166. – Porém, já em 1284 Domingos Jardo tinha criado cátedras de juris-
prudência, teologia, gramática, lógica e medicina, além de seis bolsas de estudos para estudantes
pobres, no hospital Santo Elói, fundado por ele em Lisboa. Ibid., pp. 96-7.
138
Crônica d’El Rei D. Diniz (Lisboa, 1600, fol. 133-134): “.... (el Rey) grande trovador ...... segun-
do vimos per hum cancioneiro seu, que em Roma se achou, em tempo del rei Dom João III, et per
outro que sta na Torre do tombo, de louuores da Virgem nossa senhora”. (Citado apud Wolf,
Studien, p. 699). [Quando C. M. de Vasconcelos (Grundriss, p. 178) diz acerca de Denis: “Em
sua visita à corte do avô (1269), que o sagrou cavaleiro, o jovem certamente não deixou de ouvir
os provençais presentes, Bonifacio Calvo, Bertolomé Zorgi e Guiraut Riquier, e de obter os ma-
nuscritos de suas cantigas e de outras mais antigas”, tal hipótese é falsa. Em primeiro lugar,
Denis, pelo que se sabe (cf. Mon. Lusit. IV, p. 421; Schäfer I, p. 298), nasceu em 9 de outubro de
1261, não 1259, como declara a autora um pouco antes. Em segundo lugar, a mencionada visita
a seu avô, como claramente decorre do tratado entre este último e Afonso III de Portugal, ocorreu
no ano de 1267, ao invés de 1269 (cf. Mon. Lusit. IV, pp. 443-6; Schäfer I, pp. 215-6). Denis
tinha, na época, no máximo 7 anos de idade. Em terceiro lugar, tanto quanto se sabe, nenhum dos
trovadores evocados esteve na corte em 1267 ou 1269. Em uma cantiga datada de 1269 (MW. IV,
nº. XVI), Guiraut Riquier enuncia a intenção de ir ter com Afonso X, mas ainda se encontra na
Catalunha em 1270 (cf. MW. IV, nº. LIV; Milá y Fontanals, Trobad. p. 187, 221-2). Não se aceita
que Bonifacio Calvo tenha estado em Castela em 1266 ou mais tarde, e a Senhora Vasconcelos
não aporta qualquer prova para tanto; o seu sirventês contra os genoveses (Choix IV, 226) teste-
munha, ao contrário, que ele estava de volta a Gênova pelo menos desde 1266 (cf. Diez, PT2,
p. 397, 400; Schulz, GZ. VII, pp. 225-6). – Finalmente, no que concerne a Bertolomeu Zorgi,
como é sabido, enlanguescia na prisão, em Gênova, nos anos 1266 a 1272 (cf. Schultz, ibid.,
pp. 227-8), e até agora ninguém comprovou que jamais tenha estado em Castela. (C. e A.)]
139
CM. Prólogo, p. XXXV: ....................... e ar
querrei me leixar de trobar des i
por outra dona, e cuid’ a cobrar
por esta quant’ en as outras perdi.

Casos semelhantes de arrependimento e conversão eram, como se sabe, comuns na Idade Média.
É conhecida a mudança de rumo ocorrida na atividade poética de Guittone d’Arezzo (cf. Gaspary,
Storia della letteratura ital. I, pp. 76-7). Também aos trovadores galego-portugueses não parece
ter sido estranha essa manifestação do culto mariano. Assim temos por exemplo, em CM. 316,
do já mencionado trovador Martin Alvitez, prior de Alenquer no tempo de Sancho II:
Et diss’ el: Sennor, eu fol
Fui de que trobei por outra
Donna, ca nihua prol
Non ouu’ y a mia coita;
..................
Mais por ti direi de grado

83

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 83 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

da mesma forma através de Denis firmou-se pela primeira vez o cultivo


consciente do português e sua utilização como língua de chancelaria e de
literatura140. Foi significativo para a orientação intelectual do rei e impor-
tante para o futuro desenvolvimento social de seu país que ele criasse na
universidade uma cátedra de Direito romano, cuja introdução na adminis-
tração e na vida civil favoreceu a todos141. Para mostrar como Denis
acompanhou o espírito da sua época também em relação à religião, poder-
se-ia mencionar aqui que, mesmo não tendo empreendido ele próprio uma
cruzada à Terra Santa, dispôs uma em seu testamento (1299), para salvação
de sua alma142.
No ano de 1282, Denis casou-se com Isabel, filha de Pedro o Gran-
de, de Aragão, e Constança de Nápoles, neta de Frederico II. Nem na
comitiva da jovem rainha, cujo espírito tinha tomado um decidido rumo
ascético, nem nas festividades do casamento em Trancoso é mencionada a
presença de trovadores ou jograis143. Apesar disso, pode-se supor que, atra-
vés desse enlace, tenha recebido algum impulso o movimento literário entre
a corte poética portuguesa e a de Aragão, onde a lírica culta, na época,
ainda era cultivada por trovadores provençais e italianos. Em um pranto e
cantiga de louvor sobre a morte do nosso rei, o jogral leonês Joham atesta-
nos que os trovadores e jograis que viviam na Espanha encontraram
hospitaleira acolhida na corte portuguesa.

V. 708 8-14: Os trobadores que poys ficaron


e-no seu reino et no de Leon,
no de Castela et no d’Aragon,
nunca poys de sa morte trobaron.
Et dos iograres uos quero dizer:
Nunca cobraron panos nen auer,
et o seu ben muito deseyaron.

Quanto ben dizer poder,


Et des aqui adeante
Quero ia por ti trobar.
Cf., ainda, ibid., 348 e 363.
140
Mon. lusit. V, p.7; F. A. Coelho, Língua portug., p.131.
141
Schäfer, Geschichte v. P. II, p. 84.
142
Mon. lusit. V, p. 330: “Item mando a huu caualeiro que va por mim a Terra Santa d’ultra mar, e
que este hi dous annos servindo a Deus por minha alma, tres mil libras, se a cruzada for”. – Uma
série de cantigas satíricas faz referência a tais peregrinações, por ex., V. 1057, 1066, 1197.
143
Cf. Mon. lusit. V, pp. 65-70.

84

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Introdução

No ano de 1297, D. Pedro de Aragão, meio-irmão da rainha Isabel,


veio a Portugal a convite de seu cunhado real e ali se estabeleceu144. A ele
se refere, então, uma polida cantiga d’escárnio (V. 1147), que, segundo a
rubrica a ela aposta145, procede de seu mordomo na corte, e cuja primeira
estrofe diz:

Dom Pedro est cunhado del rei,


que chegou ora aqui d’Aragom,
com hu espeto grande de leitom;
e pera que uo-lo perlongarei,
d’eu por uassalo, de si a senhor,146
faz sempre nojo, nom uistes mayor.

Porém, para nós são particularmente valiosos os vv. 13–15 dessa


cantiga:

Muy ledo seend’ hu cantára seos lays,


a sa lidiça pouco lhi durou,
e o espet’ en sas mãos filhou ...

De acordo com isso, D. Pedro teria também composto e cantado


lais, e seria o único trobador aragonês de cuja permanência em Portugal
nos chegou um testemunho.
Pertencem ao círculo cortesão dionisino, além do próprio rei,
os seguintes poetas, que, tanto quanto possível, podem ser arrolados
em ordem cronológica 147 : Joham Perez d’Avoym 148 ; Joam Soares

144
Mon. lusit. V, p. 261 ss.
145
“Esta cantiga foi feita a Dom Pedro d’Aragom per hu caualeiro seu moordomo que feriu endoado...”
Sobre o autor dessa cantiga, Fernam Rodrigues Redondo, vid. abaixo. – A identificação, por
Braga, desse D. Pedro d’Aragão (em sua edição, p. LIII e LXXIII) com o irmão de Afonso II,
D. Pedro (neto de Afonso II de Aragão), já é refutada pela aposição, à rubrica, d’Aragon, que não
se aplicaria a um filho de rei português, além de estar em total contradição aos fatos históricos.
Cf. acima nota 69, bem como Mon. lusit. IV, pp. 61, 146, 334-5 e Hercul. II, pp. 355, 365-6.
146
Esse verso parece ter sido um refrão corrente na tradição poética. Ele é encontrado novamente
em uma cantiga d’amigo de Rodrigu’ Eanes de Vasconcellos, CB. 313: D’eu por uassal’ e uos por
senhor, De nos qual sofrer mays coyta d’amor.
147
Segundo Braga (ibid., p. XLIII), poderia ser incluído aqui também Joam Martins, referido no
reinado de Sancho II. Porém, não pudemos encontrar os trechos citados por Braga em Mon. lusit.
V, pp. 185, 372, pelos quais Joam Martins, ainda em 1288, seria denominado trovadore. De
qualquer forma, ele não deve mais ter poetado em época tão tardia. [Um João Martins trovador
é mencionado, na Mon. Lusit. V, p. 125, como testemunha, em um documento do ano de 1287 e,
ibid., p. 229, em uma doação do ano de 1295. (C. e A.)]
148
† 1287. Mon. lusit. V, p.124.

85

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Coelho149; Gonçal’ Eanes do Vinhal150; Pedramigo de Sevilha151; Joam Ayras


de Santiago152; Roy Queymado153; Joam Lobeyra154; Joham Velho de Pedro
Gaez155; Ayras Perez Veiturom156; os dois irmãos Pero Annes Marinho e Martim
Annes Marinho157; Affonso Soarez158; Pero Mendez de Fonseca159; Vasco
Martins Pimentel160; Ruy Martins do Casal161; Martim Perez de Alvim162;
Rodrigu’ Eanes Redondo163; Fernam Rodrigues Redondo164; Stevam Fernandes
Bareto165; os dois filhos naturais do rei, D. Affonso Sanches de Albuquerque166
e D. Pedro, Conde de Barcelos167; Vaasco Martins168; Estevam da Guarda,
chanceler do rei169; Joham Eanes; Joham da Gaya170; Ruy Gonçalvez171; Mem
Rodriguez Tenoyro172; Joham Fernandez Dardeleyro173 e os jograis Martim

149
Em V. 1015, ele dirige-se a Estevam da Guarda e, em 1023, a Ayras Perez Veiturom. Cf. Lollis,
p. 43.
150
Alcança, com V. 999, 1289. Cf. Lollis, p. 36.
151
Em V. 1194, dirige-se a Estevam da Guarda. Cf. Lollis, p. 38.
152
Em V. 1078, ele satiriza D. Pero Nunez, que poderia ser identificado com o abade de Alcobaça
daquela época. Cf. Mon. lusit. VI, p. 42.
153
Conforme V. 995, onde ele alude à cegueira de Estevam da Guarda.
154
Mon. lusit. V, p. 104, VI, pp. 139-140.
155
Se esse é o Joam Velho que, segundo Mon. lusit. V, pp. 35, 58, no ano de 1280 é encarregado de
uma embaixada para Aragão.
156
Em V. 1085, dirige-se a Estevam da Guarda.
157
PMH. Script. I, p. 383.
158
Parece satirizar Pero Annes Marinho em 1155-6.
159
Aparece como testemunha em uma compra de 1289. Mon. lusit. V, p. 144.
160
Meirinho de Portugal; em 1283, morreu num encontro em Córdova. Mon. lusit. V, p. 85.
161
Testemunha em documentos de 1289 e 1295. Mon. lusit. V, pp. 144, 229.
162
Conselheiro do rei e desde 1309 vassalo do infante D. Afonso. Mon. lusit. VI, p. 137.
163
Irmão de Joam Annes Redondo, que em 1278 entrou como vassalo na corte do infante D. Denis.
Mon. lusit. V, p. 35.
164
Desde 1316, sucessor de Joam Simhon como meirinho-mor de Portugal. Ibid., VI, p. 235. Vid.
acima p. 85.
165
Em V. 1144, alerta um cavaleiro sobre Fernam Dade, um rico-homem de Santarém, que aparece
como testemunha em 1295. Mon. lusit. V, p. 229.
166
Mon. lusit. V, pp.174-5.
167
Ibid., pp. 176-184. – Não nos chegaram quaisquer cantigas de Afonso IV.
168
Em V. 27, tenciona com D. Affonso Sanchez e parece ter sido, de acordo com alusões deste, um
poeta já mais idoso. Um Vasco Martins, Comendador do Crato (1279) e lugar-tenente do grão
Comendador (1297), é mencionado em Mon. lusit. V, pp. 46-7.
169
Mon. lusit. VI, pp. 430-1. Com V. 927, ele entra bastante pela época de Afonso IV adentro.
170
Conforme V. 917. – PMH. Script. I, p. 272: “Este Johane Anes da Gaya foy casado com dona ...
e fez em ella Estevam Anes que foy creligo: este Esteuam Anes ouue huum filho que ouue nome
Joham da Gaya que foy muy boo trobador e mui saboroso”.
171
Mencionado em V. 917.
172
Em V. 1083-4, satiriza Estevam da Guarda. Provavelmente o castelhano do mesmo nome, que
em 1360 foi extraditado por Pedro I, em cuja corte buscou refúgio, para a de Pedro, o Cruel, com
outros dois fugitivos. Schäfer, ibid. I, p. 407.
173
Seu poema, V. 933, parece referir-se à fuga de um dos assassinos de Inês de Castro. Cf. Braga,
p. LXXVIII.

86

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Introdução

Vaasquez174, Juyão175 e Joam, morador em Leom176. A atividade poética dos


11 últimos inscreve-se, na maior parte, na época de Afonso IV (1325-1357).

4. COMPOSIÇÕES DA ANTIGA LÍRICA PORTUGUESA


A. O CONTEÚDO
As obras dessa poesia dividem-se, essencialmente, em cantigas de
amor (cantigas d’amor e d’amigo) e em cantigas de escárnio e de maldizer
(cantigas d’escarnho e de maldizer).
Voltamo-nos, por enquanto, para a cantiga de amor (cantiga d’amor)
e, em seguida, para a cantiga feminina (cantiga d’amigo), embora esta úl-
tima compartilhe com a primeira, pelo menos na grande maioria dos casos,
a mesma estrutura métrica e contenha, em certa medida, os mesmos ele-
mentos corteses; no entanto, por causa de seu caráter de outra forma distinto,
necessita consideração especial.
Não existiram em Portugal as circunstâncias sob as quais, de iní-
cio no sul e um pouco mais tarde no norte da França, se tinha desenvolvido,
a partir da lírica popular, a poesia culta medieval, com sua característica
concepção convencional do amor. Aqui, conforme se mostrou acima, a ca-
valaria feudal nunca pôde criar raízes, menos ainda atingir o florescimento
e a forma que alcançara já por volta do final do século XI no sul da França.
Assim pois, também em Portugal a mulher não podia conseguir a livre e
preeminente posição que lhe tinha sido atribuída na sociedade cavaleiresca
da França e que lhe assegurava, além do nível intelectual, uma influência
tão decisiva no controle da relação social entre os dois sexos, no aperfeiço-
amento do serviço prestado à mulher e, ligado a ele, da concepção do amor
como uma arte e uma virtude177.
Por essa carência de uma base nacional correspondente, bem como,
em parte, pela formação intelectual muito inferior dos portugueses, expli-
ca-se, sobretudo, que faltem à sua lírica, ao menos até o ponto em que a
conhecemos, os essenciais traços tradicionais, estilísticos e corteses que
distinguem particularmente a canção provençal e que se reencontram tam-
bém, embora em menor proporção, nos franceses, catalães e italianos.

174
Segundo V. 929, 931, 1042.
175
Em V. 14, tenciona com Mem Rodriguez Tenoyro.
176
V. 708. Com 707, chega até os últimos anos de Afonso IV.
177
Sobre o desenvolvimento do amor cortês e a influência da mulher sobre ele cf. Diez, PT.2; Wolf,
Kleinere Schriften, em Stengel, Ausgaben LXXXVII, pp. 35-39; principalmente, porém, G. Pa-
ris, Rom. XII, pp. 518-524; Jeanroy, De Nostrat., pp.46-51; e Langlois, Origines et sources du
Roman de la Rose, pp. 1-5.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

A esses traços, que devem ser aqui mencionados brevemente, per-


tence, em primeiro lugar, a celebração da primavera, com a qual, via de
regra, se inicia o gênero da canção de amor dos troubadours. Esse introito
natural procede, como mostrou G. Paris178, da cantiga de amor popular e
está ligada, de modo muito íntimo, ao costume, transmitido pelo paganis-
mo, das festas de maio, que eram acompanhadas de danças e canções.
Ainda hoje se encontra em Portugal o hábito da festa de maio179, e
não faltam testemunhos de que ali existiu também na Idade Média180, o
que, aliás, é igualmente provável. Por isso, é bem significativo que a canti-
ga de amor portuguesa não conheça o introito natural, enquanto ele se mostra,
mesmo que de outra forma, na cantiga d’amigo181.
Quando não se entendia mais esse motivo tradicional do introito
primaveril, começou-se, primeiro na Provença, depois também em outros
lugares, a censurá-lo, do que surgiu, portanto, um novo estereótipo de iní-
cio de cantiga182. Protesto semelhante comporta também, como caso único
entre os portugueses, uma poesia do rei Denis (XLVII) que talvez tivesse
em mente uma das numerosas expressões francesas desse tipo, como por
exemplo aquela de Eustache de Reims (citada por Mätzner p. 113):

Cil qui chantent de fleur ne de verdure


Ne sentent pas la doleur que je sent.
Ains sont amanz ansi com d’aventure.183

Um segundo traço tradicional de que carecem os portugueses é o


papel importante que o conceito de alegria, celebrado nas canções de maio,
desempenha na poesia trovadoresca, na qual joi (gaug, jai) adquiriu signi-
ficado equivalente não só de amor, mas também, de certo modo, de canção

178
Origines, pp. 12-15, 48-59; cf. também Jeanroy, Origines, p. 389 ss. Remeta-se a esses trabalhos,
bem como a Langlois, loc. cit., pp. 7-10, para informação da bibliografia relevante.
179
Coelho, Revista d’ethnologia, pp. 63-4. – Cf. também Caro, Dias geniales (conforme Rom. XIII,
p. 462).
180
A isso se refere uma vez o refrão de V. 1055 (cf. V. 79): “Por non chegar endoado Damos lhi nos
unha maya Das que fezemos no mayo”; além disso, mencionem-se a Cantiga das Maias de
Afonso, o Sábio, em CM. p. 599, caso não seja inspirada em G. de Coinci (cf. Bartsch, Altfrz.
Romanzen, p. XIII), e a linda descrição da primavera no Livro de Alexandre de Berceo, copl.
1788-1792, onde se mencionam as danças femininas. Sobre o costume das expedições militares
em maio, cf. Hercul. IV, p. 327 e C. Michaëlis, em Revista lusit. II, p. 227, nota.
181
Mas encontra-se pelo menos uma cantiga, V. 456, que se dedica à festa da primavera. Cf., ainda,
B. de Ventad., MG, p. 123.
182
Cf. G. Paris, Origines, p. 59 e Jeanroy, Origines, p. 390.
183
Exemplos provençais em Diez, PT.2, p. 135. Cf., ainda, Mätzner XX, Thibaut de Ch., Tarbé 30,
20; Gace Brulé, Archiv XLIII, p. 266 e em Fath, p. 86.

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Introdução

de júbilo, de poesia184. A isso liga-se, ademais, a concepção de juventude


(jove, jovent) que se tornou característica, entre os provençais, como pra-
zer da juventude185.
Finalmente, de acordo com G. Paris186, entre os traços tradicionais
ainda poderiam ser aqui citadas, como características da poesia amorosa
provençal, a concepção e a exaltação do amor como sentimento incompatí-
vel com o casamento187. A lírica portuguesa nada sabe desse antagonismo
entre o casamento e o amor. Por isso, então, também neste caso a dissi-
mulação do amor e da amada é somente uma expressão vazia188; por isso
falta o envoi e o senhal, e a figura do lausengier, do lisonjeador e do
caluniador (pg. maldizente V. 635) é apenas um pálido reflexo do modelo.
No mundo cavaleiresco do sul da França, principalmente sob a
influência do serviço da mulher, o conceito de honra ganhou tal importân-
cia, que constitui, por assim dizer, conforme Settegast ressalta189, a alma da
poesia trovadoresca. Essa estreita relação do conceito de honra com o de
alegria e o de amor, que D. de Pradas (Choix III, 415) expressa nas pala-
vras: Quar non es joys, si non l’adutz honors, Ni es honors, si non l’adutz
amors190, é também estranha à lírica portuguesa.
Do acima exposto observa-se que os poetas portugueses não se
apossaram do espírito da poesia trovadoresca e de modo algum imitaram o
conteúdo profundo da cantiga de amor191.
Acresce que, em Portugal, a lírica provençal foi imitada em seu
desenvolvimento posterior, quando aquela imagem idealizada do amor como
uma força de que emana todo bem, toda a virtude cavaleiresca, já havia
tomado o lugar de uma sua concepção mais sensual, que muitas vezes se
deixa entrever ainda nos trovadores mais antigos192. A imagem tardia, pura-
mente abstrata do amor também é, pois, a que se reflete na cantiga de amor
portuguesa, aliás com traços bastante apagados.

184
Cf. Settegast, Joi in der Sprache der Troubadours, pp. 126, 136 (em Berichten der Königl. sächs.
Gesellsch. der Wissensch., Philol.-Hist. Classe 1888, pp. 99-154); G. Paris, Origines, p. 59.
185
Settegast, ibid., p. 136; G. Paris, ibid.
186
Ibid., pp. 51-2, 58.
187
Os poetas portugueses chamam frequentemente de donzela a senhora do seu coração, como por
exemplo em V. 17, ou falam do receio de que ela quisesse casar-se com outro, como um refrão de
V. 47. Cf., ainda, V. 535. Ao contrário, duas cantigas d’amigo, CIX e V. 618.
188
Não raramente, mulheres nobres são mencionadas pelo nome como amadas dos poetas, como
T. e C. (g) p. 305, a filha de Paay Moniz (vid. PMH. Script. I, pp. 354-5), e CB. 249 (refrão)
D. Guyomar Affonso Gata (vid. PMH. Script. I, pp. 146, 162, 323).
189
Die Ehre in den Liedern der Troubadours. Leipzig 1887, p. 21.
190
Cf., ainda, A. de Sarlat (Choix III, p. 386) e Blacasset (ibid., p. 460).
191
Jeanroy diz, Origines, p. 312: ... “les Portugais n’ont jamais cultivé la chanson métaphysique”.
192
Cf. A. Thomas, Francesco da Barberino, pp. 53-54; Jeanroy, De Nostrat., 78.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Dois poemas são dedicados à sua doutrina, dos quais um do nosso


rei (LXXVI), infelizmente transmitido de forma bastante defeituosa193. Deve
ter-lhe servido de base a seguinte passagem em um sirventês de Guilhem
de Montagnagout (Archiv XXXIV, 200-1)194:
Mas eu non teing que sia enamoratz
Cel qad amor uai ab galiamen,
Car non ama ni deu esser amatz
Cel que sidonz prec de nuill faillimen;
Camans non deu uoler per nuill talen
Faich qasidonz tornes adesonranssa,
Camors non es res mas aisso cauanssa
So que ama eil uol ben leialmen
E qin qier als lo nom damor desmen.

Pero anc mi non sobret uoluntatz


Tant qieu uolgues nuill faich descouinen
Dela bella a cui me sui donatz,
Nim tenria nuill plazer per plazen
De ren calieis tornes auilimen
Nim poiria perren dar benanansa
De so calieis tornes amalestansa.
Car fis amics deu gardar perun cen
Mais sidonz qel sieu enantimen.195

Em nenhum lugar irrompe, do frio invólucro dessa convencional teo-


ria do amor, tornada ainda mais estreita em solo estrangeiro, um sentimento
mais caloroso de nossos poetas, de cuja vida, muitas vezes tão turbulenta, con-
vulsionada por paixão selvagem, nos dão testemunho tão eloquente as cantigas
d’escarnho e de maldizer, os nobiliários e a história. Isso mostra o quanto essa
canção de amor era só um exercício artístico, um jogo cortesão196.
Se a poesia portuguesa, pelos motivos já apresentados, sofria de
uma grande pobreza de ideias e de monotonia, deviam essas carências, de
modo ainda mais significativo, ser ressaltadas através de uma outra cir-
cunstância extremamente importante. Referimo-nos à contínua repetição
193
Vid. a nota correspondente a ele e cf., ainda, T. e C. 22.
194
Podem ter sido do conhecimento do poeta outras expressões desse assunto, como por exemplo,
as citadas por Matfre Ermengaut no Breviari d’amor. Essa obra não nos foi disponibilizada. – Cf.
Crescini, Per gli studi romanzi, p. 91. – Algo similar encontra-se em Mätzner XXVII, XXXI,
Val. I, p. 303, Nannucci I, pp. 51-2.
195
Esses últimos versos lembram particularmente a cantiga de Joham Ayras, V. 541: “Ca desque eu
no mund’ andey por seu Amey sa prol muyto mays ca de mim”.
196
Sobre a falsidade desse amor, cheio de sofrimentos mortais e renúncia de si mesmo, alguns
poetas também fizeram troça, como por exemplo Pero Garcia Burgales, V. 988: “Roy Queymado

90

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Introdução

do mesmo pensamento, que, como afirma Diez (KuHp., p. 74), “se estende
não apenas através de séries inteiras de cantigas, mas também ocorre em
uma única e mesma cantiga, de modo que um conceito expresso na primei-
ra estrofe retorna, nas seguintes, pela repetição do significado ou até das
mesmas palavras.” Essa característica não se restringe, então, às obras de
certos poetas, como por exemplo as do nosso rei, ou, principalmente, ape-
nas à pedante cantiga de amor com refrão, afastada da realidade, mas é um
traço distintivo de quase todas as formas dessa poesia, das cantigas de
maestria como das de refram, mesmo do diálogo e da espécie mais lúdica
da cantiga satírica197. Em uma palavra, esta é a norma da poesia em portu-
guês arcaico, da qual fogem mais ou menos apenas uns poucos gêneros,
como por exemplo, a cantiga de louvor e o pranto, a tenção e o sirventês,
cujo objeto pressupõe certo avanço do pensamento198.
Ora, por conveniente que esse estilo possa ter sido para a maioria
dos nossos poetas, cuja diversa aptidão intelectual e individualidade se dá
a conhecer, aliás, modestamente, ainda assim ele certamente não se pode
explicar pela falta de versatilidade e zelo artístico199. É um traço que nitida-
mente distingue essa lírica da provençal, da francesa e da italiana e que,
como tentaremos mostrar adiante, tem sua razão na forma.
Como se sabe, a tradução propriamente dita era alheia aos poetas
medievais. Porém, mesmo uma reprodução apenas aproximada da sequência
de ideias de um original estrangeiro possivelmente não teria sido fácil aos
portugueses, por causa da mencionada estrutura de seus poemas. Geral-
mente, eles se contentavam em rechear sua estrofe com um ou vários
lugares-comuns e, muitas vezes, em aproveitá-la somente como introdução
ao refrão, que em muitos casos é o suporte do pensamento.
Até que ponto Denis se apropriou e fez uso das ideias e dos tor-
neios da lírica estrangeira, ou até onde ele ao menos com ela coincidiu, será
indicado a seguir200.

morreu com amor En seus cantares, par Sancta Maria, Por hunha dona que gram ben queria. E
por se meter por mays trobador, Por que lh’ ela non quis ben fazer, Feze s’el en seus cantares
morrer; Mais resurgiu depoys ao tercer dia”. – Joham de Guylhade, em V. 359, com sua ironia
própria, faz uma de suas heroínas perguntar: a que bem os amantes se referiam, quando pediam
mais do que uma cinta?
197
Cf., por exemplo, XCVII, XCVIII, C, CI, V. 606, 988, 1022.
198
Constituem exceção relativamente poucos poemas redigidos em versos longos, como por exem-
plo, LXXVI, V. 541, T. e C. 286, em que há mais possibilidade de desenvolver o pensamento.
199
Também o poeta provençal Bonifaci Calvo, de Gênova, em suas cantigas galego-portugueses,
CB. 341-2, não discrepa desse sistema.
200
Com isso não se quer dizer, naturalmente, que em cada ocasião as passagens aqui mencionadas
tenham servido de modelo ao poeta. – Jeanroy, Origines, pp. 316-320, chamou a atenção para
numerosas imitações por parte dos poetas portugueses.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Primeiramente alguns exemplos, que não se conformam facilmen-


te com os outros.
Denis quer renunciar ao trovar e exilar-se do lugar onde habita a
amada (II).
Quenes de Bethune, Scheler I, p. 12:

Bien me deusse targier


De chansons faire et de mos et de chans,
Quant me convient eslongier
De la meillour de toutes les vaillans.201

No excerto português, não conhecemos a causa.


O rei defende-se da acusação de que ele não compõe por amor,
mas por gosto da arte (XIII)202.
Gautier de Dargies, Archiv XLIII, p. 247:

Maint fois mait lon demandeit


Se sen meruillaient la gens.
Se iai damerous cuer chanteit.
.................................................
or saichiez bien ien dirai ueriteit.
………………………………
Kaincor nai pais sens tresfin cuer chanteit.203

“Apenas quem conhece o amor sabe o que sofro” é o tema de XL.


Cf. LXXII.
Thumas Heriers, Mätzner, XXXVI,1-4:

Nus ne set les maus damours


Sil ne les a ensaies,
Ne nus nen doit estre lies
Sil nen suefre les doulours.

Amor (Minne) é personificado como força que instila amor, dife-


rente de o amor, o sentimento mesmo.

201
Cf. B. de Ventad., MW. I, 33 e R. de Berbezill, Archiv XXXV, p. 434. – O mesmo início de
cantiga, como em Denis, encontra-se ainda em V. 1060, 1131 e CB. 42.
202
Cf. V. 457, CB. 62.
203
Cf. Gace Brulé, Mätzner II; Duc de Braibant, ibid., VI; Gillebert de Berneville, Scheler I, pp. 64,
100. Q. de Bethune, ibid. 17, ao contrário, confessa que compõe sem amor.

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Introdução

O poeta queixa-se de que Amor lhe infundiu amor por uma dama
que dele não se quer compadecer (LXVII)204 e amaldiçoa esse poder (LXIII).
B. de Ventad., MW I, 38:

Ab amor m’er a contendre,


Qu’ieu no m’en puesc mais tener,
Qu’en tal luec m’a fach entendre,
Don ja nulh joi non esper.

Jehans Erars, Mätzner XXXIV, 37-45:

Amours, kestes vous en moi quise,


Se ne me voles conforter?
Par vous ai faite ceste enquise
Si vous en doi ocoisonner
E demander
La mort kai prise etc.205

Em má hora conheceu ele Amor (LXIII).

P. de Capduelh, MW. I, 349:

Mas mal vi s’amistansa,


Qu’anc non aic benansa,
No me tornes pueis a dan.

O mesmo diz o poeta também de sua amada (X, XXVII, XLI, XLIV,
LIV, LXVIII, LXXI).

P. Vidal, Bartsch XLIV:

Mala vi sa gran beutat


E sa cortezia206

Em nosso poeta, não está clara a expressão da ideia de que o amor


vem do olhar e penetra o coração207.

204
Cf. Jakes de Cison, Mätzner IX, 21-6.
205
Cf. A. de Pegulh., MG., 740; um exemplo ital. em Propugnatore XI, p. 228.
206
Cf. Mätzner XXI e p. 211.
207
Cf. Uc Brunet, Choix III, p. 315; A. de Pegulh., MG., 737. – Martim Soares chega mais perto,
CB. 124.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Os olhos carregam a culpa por sua coita amorosa (XXV).


R. de Salas, Choix V, p. 394:

E donc mei olh cum la pogron vezer,


Car nai perdut d’els e de mi poder!

O amor acontece à primeira vista (XVII, XLV, XLVI, XLVIII, LIII,


LXVIII).
D. de Pradas, MG., 108:

Amada lai pus anc la vi,


e non aten nulh guizardo.208

Daquela superioridade da dona ou senhor (para o rei, também dama)


sobre seu admirador, que na poesia irmã encontra sua expressão em dizeres
como amar altament, haut amer, penser en haut lieu, altamente amare209,
não falam os portugueses. Porém, elogiam sua senhora, de acordo com o
modelo geral, como a mais primorosa de todas as mulheres (II, VII, XVI,
XXXVI, XXXIX, XLIII, XLIV, LXXIII), em quem Deus nada colocou de
ruim (XI, XXXI) e que não se pode louvar o suficiente (II, XLIII)210.
A. de Marv., P. O. 18:

Ensenhamen e beutatz
plazers ab gen parlar;
gent acoillir et honrar,
cortez’ ab gaia semblansa.

A . de Pegulh., MG. 604:

Anc dieus non fetz sa par ni autretau.

G. Riquier, MW. IV, 104:

Tant gent es de tot be complida.

G. d’Espinau, Archiv XLI, 360:

208
Cf. A. de Marv., Choix III, p. 201; Folquet de Romans, Lex. Rom. I, p. 490; Raous de Soissons,
Mätzner X. – É conhecido o provérbio grego: ™k tou g¦r eˆsoran g…gnet’ ¢nqrèpoij ™rvn.
[O amor nasce da contemplação com admiração. (N.E.)]
209
Vide Mätzner, 169 e 177.
210
Em T. e C. 222, diz-nos um poeta que ele ama todas as mulheres por amor de sua senhora.

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Introdução

La muelz uaillans del mont et la plus gente


E elle ait tout en li sen et savoir.

B. de Vent., Choix III, 44:

E si lauzar la volria,
Ges tan dire no poiria
De ben que mais no sia ver.211

Em traços ainda mais gerais do que sua perfeição é descrita a bele-


za da amada. Os poetas dizem que seu sorriso é mais encantador (melhor)
que o de todas as outras (XLIII)212, mas nunca mencionam sua boca atraen-
te (XXVIII, XLIII, LXXI). Entre os provençais e franceses, o retrato da
dama não é tão inanimado e vazio como aqui. É como se se tivesse seguido
ao pé da letra o conhecido preceito de um poeta provençal213:
A. de Marv., Choix III, 213:

D’aisso sai grat als autres trobadors


que quascus pliu en sos digz et afia
que sa domna es la genser que sia.

O rei não chegou a uma comparação metafórica, e também entre


os demais poetas de sua escola encontram-se apenas dois exemplos de tipo
inteiramente comum214.
Um apreciado lugar-comum da lírica românica era a declaração de
que a amada era digna de um rei (XVI) e, igualmente a afirmação, comple-
tamente inócua especialmente para nosso poeta, de que ele não trocaria
pelo trono real a felicidade de estar junto à sua senhora (LVI)215.
B. de Born, Choix III, 138:

E car es tan sobr’autras sobeirana


vostra valors, e plus au,
c’onrada n’er la corona romana
si’l vostre cap s’i enclau.

211
Cf. Conde de Poitou, Choix III, 3; A. de Marv., ibid., 200, 212.
212
Comp. a segunda estrofe desta cantiga com a segunda de T. e C. 16.
213
Totalmente sozinho fica o judeu Vidal (V. 1138): “Moyr’eu e fazo dereyto Por hu a dona
d’Elvas...Des que lh’eu ui o peyto Branco, dix’aas seruas A mha coita non a par”. – As mulheres
de Elvas eram famosas por sua beleza (Hercul. II, p. 273).
214
CB. 114 e 293.
215
Vid. nota a esta cantiga e cf., ainda, CB. 121.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

P. de Capd., MG., 1035:

Que neis no vuelh esser reis poderos


de tot lo mon per tal que sieus no fos,
ni que de lieis servir cor mi sofranha.

Dentre as qualidades essenciais de uma mulher, a lírica medieval


contava a clemência, a compaixão (merce)216. Segundo os trovadores, dig-
nificava-a conceder piedade ao humilde suplicante, enquanto recusá-la
equivalia a reduzir a própria honra217. Assim pois, nosso poeta volta-se
para o senso de justiça (mesura) de sua senhora (XII, LXXIII) e explica
que maior severidade da sua parte causaria a perda de seu bom nome (III,
IV, XLII, LI; LXXII perder mesura), mas ela poderia reparar o dano por
meio da compaixão (LXII cobrar conhocer)218.
B. de Vent., MG., 208:

E si muer, car mos cors ama


Vos, ves cui res no m defen
Tem que faissatz falhimen.

Guiraudo lo Ros, Choix III, 7:

Quar pretz dechai lai on sofrainh merces.

P. Vidal, ibid., 319:

Si m’aiut dieus, peccat fai criminal


ma belha domna, quar no m socor.219

Em concordância com isto está a opinião frequentemente expressa


de que a amada, por meio da morte de seu fiel admirador, sofre uma perda
maior do que ele mesmo. A este assunto, o rei dedicou um poema (I)220.

216
Assim, diz R. de Berbezill, Archiv. XXXV, p. 434: “Lai on beutatz e jovens e valors Es, que noi
falh mas un pauc de merce, Que noi sion assemblat tuich li be”. Cf. G. Faidit, MG., 125.
217
Cf., por exemplo, P. de Capd., Choix III, p. 173, e Settegast, Ehre, pp. 25-7. – Em CB. 48, um
poeta diz-se abandonado por sua dama.
218
Para este significado de conhocer, vid. nota à passagem. – Em XXXI, admira-se o rei de que
tanto mal lhe venha da mulher em quem Deus nada de mal colocou. Cf. CB. 318.
219
Cf. A. de Marv., Choix III, 213; P. de Capd., MW. I, 346; Peyrol, Choix III, 276; A. de Sescas,
Milá y Font., 424.
220
Cf. G. Faidit, MG., 125. – O mesmo tema trata CB. 334; V. 577, 14-15 diz: “Prazmada vos en
veeredes Se moyro em vossa prizom”.

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Introdução

Blacatz, MW. II, 136:

Per vos, domna, morrai,


Quar me trobatz verai,
Vos en prendetz lo dan,
E non es benestan,
Qu’om eis los sieus aucia.

G. de Dargies, Mätzner I, 28-31:

Ja par vous niert mais conquise


La perte que vous feres
De moi, sen itele guise
Muir et vous le consentes.221

G. Faidit diz-nos o que compete a um verdadeiro amante, MG., 439:

Amar, e cellar e sofrir.

Sobretudo, ele deve ser fiel (III, XXXII, LXVI, LXVIII, LXIX).
P. Vidal, MG., 44:

Quen mi non troba nuillas ochaisos


mas quar li soi fizels et amoros.

G. Montagnag., Archiv XXXIII, 298:

Car anc iorn vas leys no faili.

F. de Perpignan, Choix V, 153:

Que pos vis vostras faissos


non aic poder que partis
mon cor ni mos pens de vos
per negun’autra que vis.222

221
Cf. ainda ibid., pp. 108-9.
222
Cf. Beatrice de Dia, MW. I, 86; Peyrol, ibid. II, 27; A. de Marv., Bartsch, Chrest.4 95; G. Faidit,
MG., 31; Quvelier, Mätzner XXXII.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mesmo à distância, seu coração está junto da amada (XIX223,


XXVII). O verso inicial de XIX lembra
P. Rogier, Lex. Rom. I, 328:

Mas si be m’estau luenh de vos,


Lo cor e’l sen vos ai trames,
Si qu’aissi no suy on tu m ves.

Gace, Wackern., 50 (refrão):

Sens cuer seux elle lait mamie.


Sens cuer seux dous ait osoi.224

Enquanto viver, ele há de amá-la (III).


G. Faidit, MG. 128:

Cui am e amarai
Tan quan vivrai.225

É indispensável, além disso, a ocultação do amor (XI, XXXIV,


XXXV, XXXVII, LXXXVII, XCV).
P. Rogier, Choix III, 33:

Sos drutz suy, et ab lieys domney,


Totz cubertz e celatz e quetz.

Baudoin de Condé (Scheler) 2991 (refrão):

Ja par moi n’iert noumée


Cele cui j’ai amée.226

A isso refere-se também, talvez, LXXIV, onde o poeta culpa a si


mesmo por ter perdido o favor de sua dama. Em que consistiu seu delito,

223
Cf., para o refrão da cantiga V 900, citada na nota a XIX, a seguinte passagem em A. de Marv.,
Choix III, 201: “Per que sai be qu’es falhimen Lo repropchiers c’om dire sol, Que huelhs no vezo
cors ne dol”.
224
Cf. ainda Raynaud, Motets II, 87 e Mätzner 132.
225
Cf. Guilhem de la Tor, MG., 652.
226
Cf. V. 279, CB. 332, 337 e, para esta última, Uc Brunet, Choix III, 317, e principalmente Thibaut,
Tarbé 45.

98

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Introdução

não ficamos sabendo. A ideia lembra, porém, algo da seguinte passagem


extraída de Jeanroy, De Nostrat., p. 82:

Qui qu’en ait le tort eü


dame, je me claing vaincu,
mes cuers vos remaigne,
pitié vos en preigne,
que maint home ont deceü
losengier et confondu.

Um sinal infalível de verdadeiro amor é o temor da amada (V, XXX,


XXXVII).
B. de Vent., Choix III, 42:

Mas greu viretz fin’amansa


Ses paor e ses doptansa.

G. Riquier, MW. IV, 14:

Quar fin’amors non es ses gran temensa.227

O poeta não ousa confessar-lhe seu amor (V, VIII, XXI, XXX,
LIX).
A. Daniel, MW. II, 75:

Qu’ades ses lieis dic a lieis cochos motz,


Pois, quan la vei, no sai, tant l’am, que dire.228

Apenas quando a beleza dela lhe rouba os sentidos, ele revela sua
paixão (XXXVII).
A perda da razão (XXV, XXVII, XXXVI, LXI; perder o sen,
ensandecer) é um efeito do amor que em nenhuma das poesias irmãs teve
expressão tão típica como entre nossos portugueses. É um traço caracterís-
tico deles229.

227
Cf. Flamenca, 4105.
228
Cf. CB. 282; A. de Marv., Choix III, 199; G. Faidit, Bartsch, Chrest.4 144; Thibaut, Tarbé 80, 54.
229
Aqui não procede o que diz P. Raimon de Tol., Choix III, 128: “Que lai on amors s’enten val
foudatz en luec de sen”. Cf. Flamenca, 5265 e a nota do editor. – Binet, em Le style de la lyrique
courtoise, pp. 102-3, não cita a manifestação da paixão acima mencionada.

99

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Granet, MG. 543:


E si pequi ni pert del tot mon sen,
per sa beutat tan play qui lam faissona,
mal fara dieus saquist tort nom perdona.

Com muita frequência, porém, são indicados outros sinais exterio-


res da coita amorosa.
O amante perde a fala (XCIX).
Flamenca 2355:
Vers es qu’Amors homen cega
E l’auzir el parlar li tol.230

Seus olhos e a cor pálida denunciam-no (XCV, XCIX).


B. de Vent., Choix III, 45:

Quant ieu la vey, be m’es parven


Als huels, al vis, a la color,
Qu’eissamen trembli de paor
Cum fa la fuelha contra’l ven.

Raous de Soisons, Mätzner X, 10-11:

Fait mon vis taindre et palir


Sa douce regardeure.231

O sofrimento amoroso rouba a paz e o sono (L, LXIII, LXXV,


XCVII, CXXIII).
B. de Vent., Choix III, 48:

Las! mos cors no dorm ni pauza,


Ni poc en un loc estar,
Ni ges non o puesc durar,
Si sa dolor no m suauza232.

230
Cf. CB. 66.
231
Cf. G. de Cabest., Choix III, 110; A. de Marv., ibid., 203 e Mätzner 164.
232
Brincando, assim começa uma cantiga de P. Cardenal, Choix III, 438: “Ar mi puesc ieu lauzar
d’amor Que no me tolh manjar ni dormir”. Encontramos o primeiro desses versos como início da
cantiga de Martim Moxa, V. 476, que também imitou o poeta provençal, no conteúdo e na forma,
em V. 481. Cf. Choix IV, 350.

100

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 100 29/4/2010, 11:13


Introdução

Aquele efeito do amor, pelo qual o poeta se vê envolto em um


estranho conflito de sensações, e que era tema caro aos outros trovadores
românicos233, não o descreveram os portugueses.
O poeta jura não poder viver sem a contemplação de sua senhora,
pois nenhuma outra pode fazê-lo feliz (XXIX, XXXV, XXXIX, LX, LXV).
Cf. a passagem citada na nota a XXIX.
Uc de S. Circ, MG. 75:

S’ella nom val, ja autra no m’aiut


Ni me uoilla nim fassa bel semblan;
Car s’il nom val, autre joi non deman.

Ele implora compaixão (XXVIII, XXXVI, XLI, LIV, LXXIII), para


conhecer alguma vez o que seja o prazer do amor, depois de ter padecido
por tanto tempo a dor de amar (LXXII).
A. de Marv., Choix III, 223:

E puois no me puesc de vos amar suffrir,


Per merce us prec e per humilitat
Qu’ab vos trobes qualaquom pietat.

P. de Molaines, Mätzer IV, 37-40:

Pour dieu vos proi, se vous vient a plaisir,


Que vostre amour fine me fust dounee,
Ken la meillour doit bien estre trouvee
La grant pities dont mercis doit venir.234

Às vezes ele deseja que Deus queira impor à amada uma parcela
do sofrimento amoroso que suporta por causa dela, para que saiba o que
padece e dele finalmente se apiade (LXII).
Peyrol, MW. II, 19:

D’altre trabalh prec deu que lam defenda


Mais un sol jorn volgra qu’ela sentis
Lo mal qu’eu trai per lei sers e matis.

233
Cf., acerca do tratamento poético que os franceses deram a esse estado d’alma designado bestourné:
P. Meyer, Rom. XIX, pp. 7-11.
234
Cf. A. de Pegulh., MG., 83; A. de Marv., MW. I 174; Hist. Litt. XXIX 489 (refrão): “Dame, je
muir, merci demant, Allegiez les maux que je pour vous sent”.

101

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

A. de Sescas, Milá y Font., 422-3:

Dona, et ieu no puesc sofrir


Ges lo fai ses la vostr’ ajuda.
..............................................
E Dieus do m vezer loc e temps
Que portatz vostra part del fais.235

Se ela não lhe quer bem, então pede-lhe que lhe permita amá-la ou,
ao menos, vê-la (XII, LVIII, LXXXVI).
A. de Marv., MW. I 175:

Per Deu e per merce vos clam


Que no us sia greu car vos am.236

Se a amada não se compadece dele, pede a morte (LXI, LXXV),


pois prefere morrer a sofrer por mais tempo (II, V, X, XIV, XXX, XLVI, L,
LIV, LIX, LXVII). Compare-se aos versos 1360-1366 de LXVII a seguinte
passagem em A. de Marv., MW. I, 151:

Peritz soi si non venc al port;


Qu’el loncs espers e’l greus sospirs
E’l trop velhar e’l pouc dormirs
E’l deziriers de vezer vos
Mi tenon si ’l cor angoissos,
Cen vetz prec dieu la nueg e’l jor
Que me do la mort o vostr’amor.

Peyrol, MG. 264:

Qu’assai ual mais morir al mon semblan


Que toz temps uiure a pena et a affan.237

Porém, mesmo a morte lhe é doce, se a ela agradar (LI).


Blacasset, MG. 151:

235
O tratamento mais detalhado desta ideia, em Flamenca 4614-4632, não deve ter sido desconhe-
cido de nosso rei. Cf., ainda, um exemplo italiano em Val. I, 464.
236
Cf. Folquet de Marselha, Choix III, 149; Affonso Fernandez, V. 15.
237
Cf. A. de Sescas, Milá y Font., 423: “Un repropchier ai auzir dir: Piegiers es sofrir que morirs”.
– Outra opinião têm Joham Soayrez Somesso, CB. 86, Pay Gomes Charinho, V. 393 e Joham de
Guylhade, V. 36; a este último, compare-se Thibaut, Tarbé 23, 15.

102

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Introdução

Sius platz, dompna, que fin’amors m’aucia


Vos desiran, ja nous cuidetz, quem sia
Enois en re, ans, sius es plazers grans,
Serai totz temps de ma mort desirans.

Val. II, 7:

Sed eo prendesse morte


A vostro grado, me ne piaceria.238

Em outra ocasião, diz-nos o poeta que persistirá em sua aflição


amorosa (LIII).
Peyrol. MW. II, 16:

E pois no il platz qu’ieu n’aia autra merce,


A sufrir m’er lo trebail en que me te.

Thumas Heriers, Mätzner XXXVI, 9-13:


Et pour cou veil jou tous jours
Amer et estre envoisies
Pour celi dont ja aidies
Ne serai fors que de plours
Et de grans maus soustenir.239

Mas a amada é irredutível (IX, XII, XX, XXIV, XXXII, XLVIII,


LIII, LVIII240, LXIV). À sua beleza não se associa a compaixão, mas a
crueldade (LXV).
B. de Vent., Choix III, 53:

Quan mir vostras faissos


E’ls belhs huels amoros,
Be m meravilh de vos
Cum etz de brau respos.

Thumas Heriers, Mätzner XXXVI, 23-4:

238
Cf. B. de Vent., MG., 144; G. Faidit, MG., 125; F. de Romans, Lex. Rom. I, 491; Val. II, 152.
239
Cf. CB. 97; Jakes de Cison, Mätzner IX.
240
Cf., para a expressão da segunda estrofe, V. 499: “Ca de vos nom atend’eu al que mi façades se
nom mal”.

103

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mais en vous sest endormie


Pities et mercis faillie.241

Assim, nada resta ao poeta senão a morte (XVII, XLVI). Compa-


re-se, ao refrão da primeira cantiga, A. de Marv., Nannucci I, 82:242

E si per mi no us venz
Merces e chausimenz,
Tem que m’er a morir.

Motet, Rom. VII, 100:

Mais, se je n’ai vostre aïe


Vostre amor, vostre confort,
Puciele sans ami, vos m’avez mort.

Por vezes, no entanto, ele crê não esperar em vão por clemência e
fala de sua alegria por isso (LVIII).
Algo semelhante encontra-se em Jehans Li Petis, Mätzner XVII,
25-32:

Cest mes confors ke bien sai kil na mie


Cuer sans pitie en ma dame au cors gent,
Pour cou i mis moi tout a une fie
Sans parcon faire a nul autre errement:
Car je sai bien que, sele puet veir
Kamis verais soie pour li servir
Tout a son gre, que tele est sa vaillance
Que le creant arai de ma fiance.243

Nada de análogo, de outras literaturas, podemos trazer para as ideias


de quatro cantigas de nosso rei, em uma das quais (IV) pergunta à sua dama
como ela espera justifìcar-se perante o tribunal de Deus pela crueldade
com que retribui seu fiel amor, enquanto, em duas outras (VII, LII), consi-
dera a desesperança de seu amor um castigo de Deus e, na quarta (XXXIII*),

241
Para o que indica LXV, a antítese entre beleza e compaixão, tão frequentemente enunciada por
provençais e franceses, cf. ainda G. Faidit, Choix III, 209; J. de Grieviler, Mätzner XXVII;
Carasaus, ibid. XXXV e pp. 252-3.
242
Não nos foi possível encontrar essa passagem.
243
Gaspary, Die sizil. Dichterschule 53-4, cita, porém, trechos provençais e italianos em que se fala
de uma graça realmente concedida.
* No texto, por engano, está XXXII, que não corresponde nem à paráfrase nem ao que se afirma
no parágrafo seguinte. (N.E.)

104

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 104 29/4/2010, 11:13


Introdução

explica que não sabe como deve desculpar-se perante sua senhora, por ain-
da não ter obedecido à ordem de visitá-la.
Tanto o conteúdo como a linguagem deste último poema são bem
do tipo da cantiga d’ amigo.
Em ligação ao conjunto precedente, ainda podem ser citadas as
principais formas de expressão, retiradas do feudalismo, encontradas em
nosso poeta.
O poeta considera-se vassalo (homem), servo (servidor) de sua
amada (I, LIV, LXIII, LXXVI).
Uc. de S. Circ, MW. II, 155:

Sos amic e sos servire


E sos homs suy e seray.

Nossa relação com Deus é igualmente vista como vassalagem (I)244.


Daí valer o amor também como um serviço (I, III, XVI, LV).
Q. de Bethune, Mätzner V, 2-3:

La meillour
Ki onques fust amee ne servie.245

O amante deve à sua senhora fidelidade vassálica (I, XCVIII ho-


mem leal, III servir e seer leal).
Cholars li Bout., Mätzner XXIII, 29:

Por vos servir et amer loiaument.

A um servidor convém a humildade (CXXVI). Cf. V. 559.


A. de Marv., Choix III, 225:

A guiza de fin amador,


Ab franc cor humil e verai.

244
Cf. a nota ao v. 28 desta cantiga; Jeanroy, De Nostrat. 110; Settegast, Ehre, pp. 42-43.
245
A usual relação entre servir et honrar dos provençais (cf. Settegast, ibid., p. 27), que também se
encontra entre os franceses (por exemplo em Thibaut, Tarbé 66, 45), não ocorre nos portugueses.

105

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Adan de Givenci, Mätzner XXI, 34-35:

En soupirant se met a vostre pie


Mes cuers ki veut que vers vous mumilie.246

O amante está inteiramente em poder (poder, prizom) de sua se-


nhora. Ela pode salvá-lo ou matá-lo (LIII, LIX, LXXV)247.
Folquet de Romans, Lex. Rom. I, 490:

Qu’en vos es ma mortz e ma via.

Guiraut de Borneil, Nannucci I, 40:

C’aucir me pot e guarir.248

Thibaut, Tarbé 33,32:

Moi et ma vie
Tient en sa baillie
La meillour qui soit.249

Renunciar ao amor diz-se quitar-se, partir-se d’amor (XXXII,


LXVI).
G. Faidit, P. O. 103:
E non ai cor que recreja
Ja del seu servir.

Gace, Wackern. XXX:


iai por poene ne por dolor.
ke il me couigne endureir.
ne recrorai ne nuit ne ior.
de li ameir per marme.

Val. II, 442:

Che di voi, bella, amando


Lo meo cor non ricrede.

246
Cf. B. de Vent, Choix III, 46. Nada se encontra em nossa lírica correspondente a franc, que os
provençais tantas vezes associam a humil. Cf. G. de Dargies, Mätzner I: “Humilites et franchise”.
247
Cf. CB. 88, 294 en seu poder entrar = servi-la, ama-la.
248
Não conseguimos encontrar esta passagem em G. de Borneil.
249
Cf. Augier, Choix III, 105.

106

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Introdução

Diez (KuHp. 80) censura, nesta poesia, “a ausência de todo e qual-


quer ornato poético, de que se ressentem ambos os poetas (i.e., as Trovas e
Denis), e provavelmente todos”. “A poesia”, continua, “pouco se distancia,
aqui, da prosa rimada”. Este juízo foi inteiramente justificado pelo testemu-
nho de obras que se tornaram conhecidas desde a época de Diez.
Aquele estoque de imagens e símiles que os poetas da Provença, da
França e da Itália extraíram da erótica e da mitologia dos antigos, das sagas
medievais, dos bestiários etc., e ao qual cada um recorria segundo a necessi-
dade, não parece ter sido utilizado em Portugal250. Tampouco se demonstra
nessa lírica um conhecimento de Ovídio. Somente a familiaridade com a
saga bretã, por meio da literatura francesa setentrional, é testemunhada pelos
cancioneiros.
Mas, como seria de esperar, os portugueses criaram tão poucas ima-
gens a partir de recursos próprios, quanto seus companheiros de além-Pirineus.
Assim, faltam-lhes quase inteiramente expressões metafóricas251.
O único caso de uma comparação em nosso rei é XXXVI, em que
ele coloca o amor por sua senhora acima daquele de Floris por Blancaflor, de
Tristão por Isolda252.
Outras expressões figuradas, como lume destes olhos meos (XII),
coita do meu coraçom (VI, XV), meu bem (XLI) para a amada, pertencem,
entre outras, à linguagem cotidiana, conforme se mostra nas notas253.
Quão pouco a linguagem dos poetas se distinguia da do povo vê-se,
entre outras coisas, pelo modo como, nas cantigas de amor, se invocava o
demônio para confirmação do que fora dito. Assim faz Denis em VIII,
LXXXV.
Predomina nas cantigas de amor essencialmente a mesma lingua-
gem e o mesmo estilo que voltamos a encontrar na cantiga d’ amigo.

250
Aqui ainda se poderia pensar em algumas expressões correntes da lírica medieval que não se
encontram entre os portugueses. A elas pertencem o conort d’el selvatge (por exemplo, em R. de
Beljoc, Choix V, 500), a fórmula apreciada ni cors pensar ni boca dir (por exemplo, Flamenca
5960; vid. nota do editor à passagem), além disso a relação aliterativa beltatz e bontatz
(cf. Mätzner 216), a igualmente assonante cor e cors (ibid., 141-2), cuja restituição por beldade
e bondade, cor e corpo se encontraria facilmente etc.
251
Cf. Diez, ibid., 80.
252
Além das comparações referidas na nota a esta passagem e na nota 214, apenas mais uma é
conhecida da cantiga de amor portuguesa. O doente de amor é comparado a um cervo ferido.
V. 1138: A por que ey mort’ a prender Come cervo lançado; V. 741: “Tal vay o meu amigo Com
amor que lh’eu dey Come cervo ferido”. Cf., ainda, ibid., 447. – De modo similar, G. d’ Espinau,
Archiv. XLIII, 368, aplica a si a imagem de um cervo que definha de sede.
253
Cf., por exemplo, em cantiga popular de hoje: “Coitadinho do meu bem que anda por terras
alheias”. Revista lusit. II, p. 9.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Denis destaca-se entre seus contemporâneos não apenas pelo nú-


mero, mas também pela variedade de conteúdo de suas cantigas de amor,
porém está aquém de muitos predecessores, como por exemplo Joham Ayras
de Santiago, Pero Garcia Burgalez, em frescor e originalidade de concep-
ção. Não há como decidir se as não raras coincidências de expressão e
pensamento, que se percebem entre algumas de suas cantigas e as de seus
antecessores254, se explicam por imitação em relação a estes ou por utiliza-
ção de uma fonte comum. A última hipótese poderia ser aceita em LXXVI
e V. 541255.
Do que se disse até aqui, resulta que a cantiga de amor galego-
portuguesa, por mais que mostre vestígios evidentes de modelos estrangei-
ros, de estruturas sociais e espirituais, gestadas em outro contexto, sob as
quais esta lírica se desenvolveu, manteve uma característica realmente ori-
ginal em relação a seu conteúdo, o que lhe confere uma posição especial,
embora não muito vantajosa, na poesia amorosa românica.
Passamos agora ao conteúdo da cantiga d’ amigo.
Cabe a Jeanroy o mérito de ter pela primeira vez examinado criti-
camente o conteúdo e a forma desse gênero e de tê-lo comparado a
composições aparentadas nas literaturas irmãs256. Remetemos aqui a seus
argumentos e restringimo-nos, a seguir, a uma breve caracterização das
cantigas que nos foram transmitidas, baseando-nos nomeadamente na poe-
sia dionisina, bem como a uma análise da questão se ela provém da canção
popular autóctone ou, como para Jeanroy é provável, se não certo257, da
influência e da imitação de formas poéticas francesas.
As cantigas de amigo dividem-se pela forma em dois grupos, as bala-
das*, quase sempre de três estrofes com refrão, e as cantigas mais raras, cujas
estrofes de dois versos, de número indeterminado, são encadeadas ou
entrecruzadas por meio da repetição do segundo verso de cada duas estrofes
como primeiro da seguinte. Para ser breve, denominamos, a seguir, o primeiro
grupo como baladas, o segundo, como serranas258 ou cantigas encadeadas.

254
Vid. nota aos referidos poemas.
255
Cf., acima, p. 90.
256
Origines, pp. 128-175; 308-338; 401-426.
257
Ibid., por exemplo, pp. 125, 334, 338.
* Vid. p. 18. (N.E.)
258
Quanto ao uso destas expressões para estas cantigas, baseamo-nos na autoridade do Marquês de
Santillana, que diz, em Obras 12: “Acuerdo-me...aver visto un grand volumen de cantigas, serra-
nas, é deçires portugueses é gallegos” etc., bem como no testemunho de Gil Vicente (II 443) que
faz anteceder a duas de tais cantigas a orientação: “Canta Lopo e baila, arremedando os da Serra”
– Quando Jeanroy (310) diz que a serrana é um tipo poético espanhol realmente não popular,
imitado diretamente da poesia francesa, trata-se de afirmação para a qual ele não trouxe uma

108

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Introdução

Em consequência de suas fórmulas tradicionais e de sua forma


restrita, que quase não admite uma evolução do pensamento, as últimas
absorvem muito menos elementos estrangeiros que as primeiras; sobretu-
do, elas não são, tanto quanto aquelas, utilizadas como material permeável
a toda espécie de tratamentos estranhos ao tema tradicional, e portanto con-
servaram mais pura sua feição primitiva. Feita esta restrição, concordamos
com Jeanroy259, quando opina que não há nenhuma distinção essencial en-
tre os dois grupos quanto ao conteúdo. Por isso, examina-los-emos em
conjunto, a seguir.
À parte o fato de que o tratado métrico (CB. p. 3, linhas 1-12) não
as distingue, ambas espécies foram compostas pelos mesmos poetas, os
quais às vezes se introduzem em ambas260; encontramos nelas essencial-
mente a mesma linguagem e o mesmo assunto; e, finalmente, não raro se
percebe em ambas uma concordância de conteúdo em vários poemas su-
cessivos, o que não pode ser casual261.
Já disso resulta que tais cantigas são poemas cultos no sentido ple-
no da palavra. Que não procedem de mulheres, testemunham-nos fartamente
as próprias cantigas. Pedramigo de Sevilha, por exemplo em V. 819, faz
uma jovem dizer que queria aprender uma cantiga d’ amigo composta por
seu amigo262, e em numerosas outras cantigas, as heroínas vangloriam-se
das cantigas de maestria ou d’amor que seus admiradores, os trobadores,
teriam composto para elas263. Outras evidências do caráter realmente culto
dessas cantigas surgirão, por si mesmas, no decorrer das explicações se-
guintes.
A cantiga d’ amigo é um tipo de cantiga de mulher que chegou a
um notável desenvolvimento na lírica românica antiga264, cuja forma mais

única prova, nem pode trazer. Pois o fato por ele mencionado, de que o Arcipreste de Hita seguiu
modelo francês em suas serranilhas, não prova em absoluto que esse gênero, com seu nome
completamente nacional, seja de origem francesa!
259
Ibid., p. 312 – Mais tarde falaremos do parentesco próximo da cantiga de amor com a cantiga
d’ amigo.
260
Joham de Guylhade nomeia-se quatro vezes (V. 343, 346, 369, 371), B. de Bonaval, uma vez, em
uma balada (V. 730) e em duas serranas (V. 731-2), Martin Codax, em uma balada (V. 882).
Cf. Jeanroy, p. 317.
261
É o caso, ao menos, de V. 252-6 (baladas), 859-860, 878-9 (serranas) e 890 (balada). Cf. Jeanroy,
p. 315. – Muitos poetas têm temas determinados, nos quais realmente se comprazem, tratados
quase com exclusividade, como, por exemplo, Joham de Zorro a partida do amigo com a frota
régia (V. 753-760), Martin Codax a fala da moça às ondas do mar (V. 884, 886, 888, 890), Pero
Meogo o motivo do cervo (V. 789-797).
262
Cf. V. 830.
263
Assim, por exemplo, LXXXV, V. 409, 597, 779, 821, 840, 866-8.
264
Vid. Jeanroy, pp. 151-8; G. Paris, Origines, 18.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

primitiva é um monólogo265, no qual uma donzela dá expressão aos senti-


mentos que desperta nela o conflito entre o impulso do coração e a coerção
das circunstâncias.
Em lugar dessa pura forma monológica original, encontramos, nos
poemas nomeados como cantigas d’ amigo de nossos cancioneiros, em
regra diálogos, nos quais a bela se dirige a seu amigo, porém ainda com
mais frequência à mãe ou a uma amiga confidente, ou mesmo é interpelada
por esses, ainda que seja sempre o ponto central da ação266.
Nesses diálogos amiúde graciosos e dramaticamente vivazes, des-
creve-se um estado de espírito qualquer, ou uma situação, com frequência
não mais que insinuada, em que os amantes se veem colocados, sem que
saibamos algo sobre a solução deste enredo. Esta ausência de aconteci-
mentos, de um desfecho efetivo, que Diez já destacou (KuHp. 97-8), é um
traço característico da cantiga d’amigo, por meio do qual já se distingue,
inequivocamente, de espécies poéticas similares na lírica francesa.
Ao contrário dessa, bem como da lírica italiana, é muito mais ca-
racterístico da lírica feminina do português arcaico que nela tipicamente a
donzela esteja ainda sob a guarda da mãe, enquanto o tema da casada infe-
liz é tratado apenas em duas cantigas, que provavelmente se baseiam em
direta imitação estrangeira.
Uma delas do nosso rei (CIX)267, na qual a mulher, falando com
seu amante, se queixa do marido ciumento e amaldiçoa aquele que lha deu.
Esta última ideia, expressa no refrão, lembra claramente refrões franceses,
como por exemplo:

Bartsch, Altfrz. Rom. 87:

Honis soit qui a vilain me fist doner.

e ibid. 89:

Mes peres ne fu pas cortois


Quant vilain me dona mari

Em perfeita concordância com o espírito original da cantiga femi-


nina, também entre os portugueses a donzela aparece em geral como alguém

265
Cf. Jeanroy, ibid.
266
Exceções são, por exemplo, as albas a serem mencionadas mais tarde, V. 242, 771-2, 782.
267
Vid. nota a essa cantiga.

110

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Introdução

dominado por apaixonado e fiel amor, enquanto o amigo, em total contras-


te ao papel que lhe é atribuído na cantiga de amor palaciana, se mostra tíbio
e inconstante. Ela suspira por um amado e queixa-se não raras vezes de
que, a despeito de sua beleza, não encontra nenhum268. Porém, uma vez
satisfeito o desejo de seu coração, então, como Jeanroy acertadamente ob-
serva269, “mescla-se à sua alegria, por isso, um certo assombro, como se ela
atribuísse a posse do amado a uma sorte repentina, para a qual nenhuma
longa duração seria de esperar”.
Assim, segundo nosso rei (LXXVII), uma bela assegura a seu amigo
ter sentido tristeza maior que a dele por causa do malogro de seu encon-
tro270, e alega, como prova infalível de seu amor mais caloroso, o fato de
que seu sofrimento não se deixa controlar como o dele. Esta derradeira
ideia é recorrente na lírica culta.
R. de Miraval, Lex. Rom. IV, 201:

Om que s sap amezurar


Non es pueys adregz amoros.

Le Vidam de Chartres, Mätzner III, 14:

Ken bien amer ne doit avoir mesure.271

Ela declara ao amado que sua única felicidade é vê-lo (CXXIII).


Pede ajuda a Deus para seu amigo e para si mesma (CV)272. A demonstra-
ção dessa ideia lembra um refrão em W. de Bethune, Mätzner XLI, 34-6:

Sire dieus, que devenrons nous?


Je ne puis endurer sans vous,
Et sans moi comment dures vous?

Ela alegra-se pelo reencontro (LXXXIV, LXXXIX) e quer recom-


pensar o seu amor (CXIV); vai ao encontro combinado com o amigo (CXIII)
e está preparada para segui-lo, pois isso o contenta muito (CXXIV).

268
Assim, por exemplo, V. 344. – Cf. Jeanroy, pp. 158-9.
269
Ibid. – Cf. V. 814.
270
Cf., por exemplo, ainda V. 40 e 815, em que o amor da donzela nos é descrito como maior que o
do amigo.
271
Assim também os italianos, por exemplo, em Val. I, 196.
272
Muito semelhante é CB. 313.

111

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mas como variante do tema tradicional, nossos poetas não raro


apresentam belas que querem ser amadas de acordo com o modelo cortês e
representam o papel da cruel “coquete”.
Assim, em nosso texto (CVII), uma delas diz-se livre de seu ami-
go, porque ele mostrou não ser versado em amor (sabedor d’amor)273. Uma
outra (CXV) não se considera obrigada a agradecer a seu amigo pelo amor
que ele lhe oferece, mas apenas a Deus, que a fez tão atraente274. Uma outra
(CVIII)275 queixa-se à mãe de que seu admirador a tenha visitado, apesar da
sua expressa proibição, ou gaba-se à amiga (CXXVI) por tê-lo despachado
sem uma boa palavra e atribui o desgosto do amigo (CIV) à circunstância
de ele não esperar dela nenhuma compaixão. Em outra ocasião (LXXXIII),
nosso rei deixa sua heroína caprichosamente explicar que ela quer entreter
o amigo, sem lhe dar muita esperança, nem deixá-lo totalmente desespera-
do276. Como senhora inexorável, conhecemo-la ainda a partir de uma
mensagem da sua confidente (LXXXII), que lhe comunica que, por sua
crueldade, ela trouxe a morte para tão perto do amigo, que não está mais
em seu poder salvá-lo277. Esta última ideia, exposta no refrão, é familiar à
teoria do amor cortês.
Cadenet, MG. 99:

Eu dic e sai, que mais valria,


Que dompnal sieu acorregues enan
La mort que pois; car, sitot a talan
De revenir, pois non a ges poder.

Val. I, 118:

Che l’uom, da poi ch’è morto,


Non vale alcuna gioia dimostrare,
Che ritornare il possa nel suo stato.

273
Em que consiste esse saber ensina-nos a própria heroína de uma cantiga d’ amigo (V. 836): “E
quen molher de coraçon quer ben A meu cuydar punha de s’encobrir E cata temp’ e sazon pera hir
Hu ela est e a uos non auen” etc.
274
Igualmente em V. 335.
275
Em V. 790 (serrana), a dama zanga-se com seu cortejador, porque ele lhe pediu uma entrevista.
276
Cf., para tanto, a nota e a seguinte passagem do Clef d’amour (editado por Doutrepont) 2773-6:
“Fai lui joie et paour ensemble, Si que son cuer fremisse et tremble Et que ne sache par ton dit Se
c’est pramesse ou escondit”.
277
Cf., ainda, V. 231, em que a donzela explica que não quer ser amada; 244 (serrana), em que ela se
gaba de ter sempre causado sofrimento a seu amigo, 337 e outras.

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Introdução

Uma vez (XCV), o amigo é elogiado pela confidente, porque ele,


aliás como convém, procura ocultar seu amor, mas no rosto o revela278. A
mesma ideia é tratada, de modo bem semelhante, em uma cantiga de amor
de nosso poeta (XXXVII) e lembra ditos de poetas provençais, como por
exemplo de Folquet de Marselha, MW. I, 329:

Per so nous aus mon cor mostrar ni dire,


Mas a l’esgart podetz mon cor devire.279

Não estaria, por outro lado, em total desacordo com o espírito po-
pular, como acredita Jeanroy (314), quando a donzela se irrita pelo fato de
alguém por toda parte se vangloriar de seu amor (LXXXV, CXXV)280. No
mínimo isso ocorre também na lírica popular atual, como na seguinte qua-
dra açoriana, GZ. XVI, 429, nº. 111:

Você se anda gavando


Pela rua da cidade,
Que o meu coração qu’é seu,
Quem lhe deu a liberdade?

As donzelas procuram encontrar seu amigo na fonte (V. 789, 790,


795), no riacho (XCIII)281, onde elas lavam roupa ou molham os cabelos,
no baile (CXVI)282, ou, finalmente, e esse é um traço característico da can-
tiga feminina portuguesa, na ermida dos santos, onde executam danças para
agradar o amado283. Como desculpa para sua longa demora, dizem que os
cervos sedentos turvaram a água (por exemplo, V. 797)284, ou que a roupa
lavada fora arrebatada pelo vento (XCIII). Assunto e expressão desta can-
tiga lembram o seguinte fragmento de um poema francês, no qual o motivo,
porém, é desenhado de forma mais nítida.
Bartsch, Altfrz. Rom. 221:

278
Em V. 600, diz-nos uma bela que seu amigo, por medo, não ousa confessar-lhe seu amor.
279
Cf. A. de Pegulh., MG., 1002.
280
Ainda, igualmente, V. 354, 616, 778.
281
Para outros exemplos, vid. nota a esta cantiga.
282
Cf. V. 464, 796.
283
V. 848. – Este motivo deu ensejo a uma espécie muito numerosa entre as cantigas d’ amigo, que
se poderiam denominar cantigas de peregrino. Para outros exemplos, vid. Jeanroy 163 ss.
284
Talvez com acerto, Jeanroy (p. 162) relaciona a este motivo o refrão de uma cantiga francesa do
século XVII, em Weckerlin, L’ancienne chanson populaire en France, 187: “J’ai vu le cerf du
bois sailly E boire á la fontaine”. – Em uma cantiga popular provençal, em D. Arbaud, II, 111,
diz-se: “M’en vois à l’eau; la fontaine est troublée, Le rossignol lui a sa queue baignée”.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Manberjon s’est main levee,


dioree buer i ving;
a la fontaine est alee:
or en ai dol.
diex diex! or demeure
Mauberjons a l’eve trop.

À aspiração e ao desejo da donzela enamorada contrapõem-se agora


circunstâncias desfavoráveis.
Antes de mais nada, a mãe não está de acordo com a relação amorosa
de sua filha. Ela proíbe os amantes de se verem e se falarem (LXXIX, CXII,
CXXI)285. Compare-se o conteúdo de CXII ao seguinte refrão francês.
Bartsch, Altfrz. Rom. 105:

Sire, je n’os faire ami


por ma meire Perenelle,
ke sovent me bat le dos.
se j’oussexe ameir, j’amaixe.286

É mero capricho poético que a mãe favoreça a relação amorosa


(LXXXVI, CX)287.
A filha rebela-se contra essa coerção. Ela declara querer ver e falar
com seu amigo, apesar da proibição da mãe (CVI)288, e convida-o até a
fugir com ela (CXI).
Muito mais poderosa que o veto da mãe, uma outra circunstância
intervém no destino da moça enamorada: a separação do amigo289. Causa
dessa separação na cantiga d’ amigo é, em geral, a convocação do amigo a
serviço do rei (LXXVIII), para lutar contra os mouros290 ou outros inimi-
gos291. Esse é um motivo verdadeiramente popular de nossas cantigas,
extraído da vida portuguesa292.

285
Na primeira cantiga, esse motivo está pelo menos suposto.
286
Cf. ibid., p. 188.
287
Cf. V. 417, 464, e ainda para outros papéis da mãe, vid. Jeanroy, pp. 314-15.
288
Cf. V. 858 e Jeanroy, pp. 160, 183-5.
289
O tema da separação dos amantes é a base de uma subespécie fundamental de cantiga de mulher,
muito representada, a cantiga da separação, a que se alia também a alba, na forma arcaica de
monólogo já cultivada pelos portugueses. Vid. G. Paris, Origines, p. 34 ss.
290
V. 6, V. 765-766.
291
Assim em V. 401, 420, 876.
292
Não se compreende como Jeanroy, de uma característica tão singela e natural, possa dizer: “ce
trait y est sans doute emprunté à la réalité ou à la poésie française où il se retrouve souvent”.

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Introdução

Em uma cantiga do nosso rei (C), no entanto, o amigo exila-se da


vizinhança de sua senhora (senhor), como se pode pelo menos supor, para
não dar aos invejosos qualquer ocasião de boato maldoso. Eis um tema
caro aos poetas corteses293.
Muitas vezes nossas heroínas se queixam amargamente de que o
amigo se tenha afastado contra seu desejo e vontade (CXXVII)294. Encan-
tadora é a cantiga (XCIV), em que a donzela encoraja o amigo a selar seu
cavalo e partir dali295.
O afastamento do amado deixa-a inconsolável. Não pode viver sem
ele (CXVII) e pede-lhe para vir para perto (CII). Está desconsolada por não
poder vê-lo (CXVII, CXX, CXXVIII). Ele está na hoste e ela reclama notí-
cias suas (LXXVIII, LXXX). Delicada e íntima é a cantiga em que ela se
dirige às flores do pinheiro, pedindo notícias dele (XCII)296. Também na atu-
al lírica popular da Espanha é cultivada essa relação de familiaridade com o
pinheiro, como na seguinte quadra, em Lafuente II, 289:

Yo me arrimé à un pino verde,


Por ver si me consolaba,
Y el pino, como era verde,
De verme llorar, lloraba.

Se o amado demora muito tempo, então ela receia que esteja morto
(LXXVIII), ou isso desperta dúvidas sobre sua fidelidade (LXXXI, XCVIII).
Um traço realmente popular da cantiga d’ amigo, temos de reco-
nhecê-lo, é que aqui a infidelidade do amado é em geral imputada à sua
longa ausência297.
O amigo não cumpre o prazo prometido, e a moça abandonada
sente-se próxima da morte por causa da dor (XC, XCI)298. A expressão do

293
Exemplos franceses em Jeanroy, De Nostrat., p. 22.
294
Jeanroy oferece numerosos exemplos, p. 169.
295
Cantigas franceses e italianas de conteúdo semelhante em Jeanroy, p. 208.
296
Ou às ondas do mar, V. 884, 890. Muito semelhante na atual cantiga popular italiana, por exem-
plo em Tigri I, 134:
O fiumi che all’ingiù forte correte,
Perchè all’insu una volta non tornate?
Ibid. II, 175:
O acqua, che ne vai per la corrente,
Fammi rifar la pace col mi amante:
Chè quando mi lassò, gli ero innocente.
297
Cf. Jeanroy, pp. 173-4, 211.
298
Vid. Jeanroy, pp. 174-5.

115

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

sofrimento amoroso nessas cantigas pode-se comparar a refrões franceses,


como por exemplo Bartsch, Altfrz. Rom. 144:

Aimi, aimi, aimi, deus!


amoretes m’ocient.

Ibid. 172:

Dieus! amors m’ont navrei a mort.

A ideia, bem como em parte a expressão de XCI, lembram um


motet de Adam de la Halle, onde se diz299:

Mais coment serai sans ti, Dieus?


Chainturele, mar vos vi!
Au deschaindre m’ochies.

Mas a semelhança das duas cantigas não é suficientemente grande


para, conforme quer Jeanroy (316), aceitar uma imitação direta por parte
de Denis.
Finalmente, nessa mesma cantiga ainda é digno de nota que a ama-
da, como é comum na cantiga d’ amigo, dê provas de amor inteiramente à
maneira cortesã300. Em V. 507, também um poema de forma popular, trata-
se de um anel.
A amada declara a seu amigo que descobriu sua infidelidade e sabe
que ele já fez o mesmo a uma outra (CXIX). Como consequência de sua
traição, ela renega toda crença na fidelidade masculina (CIII). Este pensa-
mento, contido no refrão, retorna com frequência nos portugueses,
justamente nos refrães. Pertence, portanto, provavelmente à tradição poéti-
ca. Encontra-se em uma pastorela de nossa coletânea (LVII), bem como em
uma de Joham d’Aboym (V. 278):

Nunca molher crea per amigo


poys ss’o meu foy e non falou migo.

Igualmente V. 843.

299
De Coussemaker, Oeuvres complètes du trouvère Adam de la Halle. Paris, 1872, p. 258.
300
Vid. nota a XCI e Jeanroy, Origines, pp. 316-7.

116

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Introdução

Nunca jamays per amor creerey


poys que me mentiu o que namorey.301

Por certo, ocorre também na lírica de outros povos, como no se-


guinte refrão francês (Histoire litt. XXIX, 481):

Honnie soit qui croit villain


Pour dire: Belle, trop vous ain!

Ser Giovanni, Carducci 195:

Or io mi trovo da lui ingannata,


Che se n’è ito, ed hammi abbandonata.
Adunque è folle chi più a nessun crede.

Não está muito claro o motivo básico de uma outra cantiga de nosso
rei (LXXXVII), na qual a moça desculpa uma não especificada ofensa de seu
amigo com a suposição de que ele agiu por cautela (per encoberta).
Ao lado do amigo e da mãe, que também aparecem falando na cantiga
de mulher francesa, na cantiga d’ amigo, ainda a amiga-confidente da donzela
é uma figura estereotipada. Como mensageira da amada (CXXI) ou do amigo
(XCIX), ela ora o defende da acusação de infidelidade (XCVIII), ora apresenta
à amada o seu anseio, o sofrimento que lhe oprime o coração (LXXXIII*,
CXXII), ou alerta esta acerca de uma rival (LXXXVIII), que lhe roubaria o
coração do amigo (CXVIII)302.
Em relação ao papel desempenhado nessas cantigas pela confidente,
além da mãe, bem como à ausência do amigo, que na maioria das vezes é
apenas apostrofado e referido, e raramente toma parte no diálogo, pode-se di-
zer que a cantiga d’ amigo descreve, quase exclusivamente, cenas de mulheres,
em cujo centro está sempre a donzela enamorada. Também nisso os portugue-
ses mantiveram o caráter arcaico deste gênero.
Já vimos acima que nossos poetas se permitiram toda sorte de liberda-
de com o tema tradicional desse tipo de poesia.

301
Cf. ainda V. 276 e 418.
* LXXXVIII? (N.E.)
302
Jeanroy, p. 167, refere outros papeis a ela atribuídos pelos poetas, como por exemplo o de rival
secreta (V. 375, 407).

117

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Não poucas de nossas cantigas parecem ser, na essência, nada mais


que variações das cantigas d’ amor, uma espécie de contraponto feminino
delas303.
Assim, LXXXVI, da mesma forma como XII, LVIII, contém o
pedido à donzela para que ao menos possa permitir ao amigo amá-la.
Em uma outra cantiga (XCVI), a amiga pergunta-se como seu
amado ousaria olhá-la novamente nos olhos, depois de ter ficado tanto tempo
afastado dela. A cantiga XXXIII trata da mesma ideia, com um refrão de
sentido inteiramente semelhante.
Ora o poeta implora mesura e mercee à amada, aqui como amiúde
chamada senhor (XCVII, XCIX), exatamente como na lírica amorosa palaciana,
apenas apenas ocorrendo, nesse caso, em diálogo dramaticamente mais vivo.
Compare-se, à ideia e ao tom da última cantiga, especialmente XXVIII.
Um outro diálogo (CI) contém um esclarecimento amoroso para a
dama (senhor) e é aparentado, pelo conteúdo e pela forma, a um diálogo de
Estevam Froyam, V. 40, que está entre as cantigas d’amor304.
Além disso, também nesse ponto se denuncia a presunçosa cons-
ciência artística de nossos poetas, que, como ocorreu igualmente em outros
lugares305, utilizaram, de vez em quando, a forma da cantiga de mulher
como veículo para todo tipo de reflexão moralizante. Assim, por exemplo,
Joham de Guylhade (V. 370)306, que gosta de tratar suas heroínas com um
irônico sorriso de superioridade, coloca na boca de uma delas um lamento
sobre a decadência da poesia e do amor em Portugal, mas, ao fim, fá-la
prometer à amiga tempos melhores e maldizer aqueles que não amam307.
Tais queixas eram sabidamente comuns entre provençais e france-
308
ses . Em Thibaut de Champagne (Tarbé 98), diz-se por exemplo:

303
A rigor, ocorre a situação inversa na maioria dos casos.
304
Diálogos como esse, XCVII e outros, pertencem, aliás, a um e outro gênero, e constituem, de
certa forma, o elo entre a cantiga d’amor e sua irmã mais velha, a cantiga d’amigo. – Também
nas cantigas femininas servir vale como sinônimo de amar, como por exemplo CXXI, V. 355,
401 (serrana).
305
Cf. Jeanroy, pp. 96-100. – Em John Gower (Stengel, Ausgaben LXV, 14-15) encontramos, por
exemplo, nos números XLI e XLII, cantigas de mulher nas quais se lamenta o falso amante. –
Esse tema era conhecidamente um lugar-comum da lírica cortês. Cf. B. de Ventad., Bartsch,
Chrest.4, 61; G. Faidit, Choix III, p. 297; D. de Pradas, P. O. 86; Quenes de Bethune, Scheler I,
19; G. de Berneville, Mätzner XXXI; Mathieu de Gand, Scheler I, 131; Archiv XXXIV, 357;
Joham Baveca V. 699.
306
É notável o poeta ter-se servido, mesmo aqui, da forma de maestria, ao invés da forma de refram.
307
Cf. V. 344.
308
Vid. Diez, P.T.2, pp. 55-8. – Cf. G. de Borneil, MW. I, 206: “Planhion en un tropel Tres tozas en
chantan, La desmezur’ e’l dan Qu’an pres joys e solatz”; Quenes de Bethune, Scheler I, 18.

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Introdução

Philippe, je vous demant


Ce qu’est devenue amors.
En cest païs ne aillors
Ne fait nus d’amer semblant.
Trop me mervoil durement.
Quant ele demeure ainsi.

A maldição expressa na fiinda dos desemparados d’amor está bem


no espírito da lírica palaciana e lembra os refrões franceses, como por exem-
plo Bartsch, Altfrz. Rom. 200:

Margueron, honie soit


qui de bien amer recroit.309

Em continuação à cantiga d’amigo, há que se falar aqui, finalmen-


te, da pastorela, gênero de poesia que pertence também à cantiga feminina310,
tendo derivado do monólogo de uma pastora. Também desta espécie a líri-
ca portuguesa, além das formas artísticas clássicas, mais evoluídas, dos
provençais, que descrevem a relação amorosa entre um cavaleiro e uma
pastora, conservou principalmente um tipo mais antigo, mais simples, em
que o poeta põe em cena uma pastora cantando refrões amorosos ou lamen-
tando sua dor de amar311.
Bem no estilo palaciano é a pastorela de Pedramigo de Sevilha,
V. 689312, enquanto as graciosas composições de Joham d’Aboym, V. 278,
de Lourenço Jograr, V. 866-7313 e de Ayras Nunes, V. 454, simplesmente
nos fazem assistir a cantos de pastoras.
A esse último tipo pertence uma delicada cantiga de nosso rei (XXIII),
em que se apresenta uma pastora queixando-se de sua dor amorosa314.
De encantadora graça e frescor é, além disso, uma segunda pastorela
de Denis (LVII), também composta em estilo arcaico, em que uma pastora,
ora falando consigo mesma, ora familiarmente com seu papagaio, lamenta
o que será dela, deslealmente abandonada, e recebe deste confidente e men-
sageiro do amor uma alegre notícia.

309
Outros exemplos em Jeanroy, pp. 394-5 e G. Paris, Origines, p. 55.
310
Vid. G. Paris, Origines, p. 17.
311
Cf. Jeanroy, pp. 129-134.
312
A sequência de pensamento, bem como o desfecho dessa cantiga, mostram grande semelhança
com uma pastorela em Bartsch, Altfrz. Rom., 166-7, só que esta é mais circunstanciada.
313
Cf., para o começo de V. 278 e 867, a passagem em G. de Borneil citada na nota 308.
314
É semelhante V. 866, em que o refrão contém também o monólogo.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Define-se como traço arcaico nesse poema, antes de tudo, a con-


versa da donzela enamorada com um pássaro como emissário amoroso,
motivo caro à poesia popular. Usualmente, representam-se o estorninho e
especialmente o rouxinol como sacerdotes do amor315. O rei pode ter ex-
traído das Novas del papagai, de Arnaut de Carcasses, a ideia de atribuir ao
papagaio esta função316.
Quão familiar e também quão arcaico é o traço que vemos quando
a donzela, da mesma forma que em XXIII, subjugada pela dor amorosa,
afunda nas flores e como que se queixa a elas do seu sofrimento! Também
na atual lírica popular ainda se encontra esta delicada relação, como na
seguinte quadra açoriana (GZ. XVI 425, no. 66):

Meu amor, faz-te doente,


Deita-te en cama de flores;
Logo serás visitado
Dos teus primeiros amores.317

De caráter inteiramente palaciano é a terceira pastorela de nossa


coletânea (LXX). Em um belo jardim, o poeta ouve uma graciosa pastora
cantar uma cantiga do seu amado. Ele oferece-lhe seu amor, mas é laconi-
camente recusado. Por seu desenvolvimento e desfecho, bem como em
alguns detalhes, essa pastorela lembra uma francesa, em Bartsch, Altfrz.
Rom., 140-41318.
Com a exposição feita até aqui esclarece-se, esperamos que de modo
satisfatório, que as formas que nos foram transmitidas da cantiga de mu-
lher portuguesa, por mais que tenham conservado traços antigos e por mais
que sejam relativamente isentas de elementos cortesãos, se comparadas a
formas poéticas similares dos franceses e italianos, trazem em si, apesar
disso e por toda parte, mesmo na assim denominada serrana, formalmente
mais próxima da cantiga popular, os vestígios inconfundíveis do trabalho
artístico de livre adaptação realizado pelos poetas. Por isso, podemos con-
cordar apenas muito parcialmente com Monaci, quando diz, no prefácio
aos seus doze Canti antichi portoghesi, pp. VIII–X, com referência a essas

315
O estorninho aparece no refrão de uma pastora de Ayras Nunes, V. 454; o rouxinol, por exemplo
no Romance del Prisionero (Duran, Rom. esp.2 II, 449), em que também outros pássaros são
referidos. Cf. ainda C. Baena II, 259. – Outros numerosos comprovantes do assunto encontram-
se em Jeanroy, Origines, p. 133, G. Paris, Origines, pp. 13-14, Grimm, Kl. Schriften IV, p. 432.
316
Bartsch, Chrest.4, 253-260.
317
Similar encontra-se, por exemplo, em canção popular sérvia. Vid. Grimm, loc. cit.
318
Para os versos 1439-1445, compare-se ainda Bartsch, Altfrz Rom. 127, v. 30-44.

120

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 120 29/4/2010, 11:13


Introdução

cantigas: “Tali canti, sia pure in una forma più rude ed agreste, dovettero
necessariamente preesistere a quel periodo in cui dominò la scuola dei
trovatori; e una conferma di ciò l’abbiamo nei frequenti arcaismi che vi
s’incontrano, arcaismi le cui vestigia scompaiono nelle poesie portoghesi
del secolo XIII foggiate alla provenzale. Essi, como già osservò il Diez, ci
attestano che i portoghesi, accanto alla poesia artistica d’imitazione straniera,
una altra n’ebbero del tutto indigena e veramente originale. I trovatori del
ciclo dionisiaco la conobbero dalla bocca del popolo, dal popolo la
raccolsero, ritoccandola coi magisteri dell’ arte, e fors’ anche seppero
finamente imitarla come opina T. Braga. Cosi è pervenuta fino a noi, e
letteraria per certo è la forma che ce la conservò”.
Uma vez que, neste caso, não se faz diferença entre os poemas de
caráter inteiramente palaciano, como por exemplo a pastourelle acima ci-
tada de Pedramigo de Sevilha (= nº. XII de CAP.), e as pastorelas mais
arcaicas, como V. 866 (= nº. IX), V. 278 (nº. X), nem entre as cantigas
d’amigo em forma de balada, como V. 462 (nº. III), V. 488 (nº. IV), as
quais, conforme vimos, muitas vezes tratam de imagens da lírica convenci-
onal, e aquelas com paralelismo típico, como XCII e XCIV de nossa
coletânea (nº. I, II), V. 759 (nº. VIII) etc., temos de concluir que o erudito
italiano queria ver sua tese, acima exposta, aplicada a todas essas distintas
formas. Nessa generalização, parece-nos totalmente inconsistente a supo-
sição de que essas cantigas se distinguiriam das autênticas cantigas populares
somente pelo fato de que estas últimas se apresentariam in uma forma più
rude ed agreste319; mas, mesmo com referência às serranas, essa interpreta-
ção da relação de nossas cantigas cultas com a lírica popular antiga
aplicar-se-ia apenas à menor parte dos casos. Elas seriam com maior ou
menor liberdade imitadas daquelas, mas dificilmente teriam sido ouvidas
da própria boca do povo.
Como se explica, então, que a cantiga de mulher galego-portugue-
sa, ao lado de uma série de formas mais tarde desenvolvidas da lírica culta,
como por exemplo as pastorelas LXX de Denis e V. 689, mostre, no fundo,
um caráter muito mais antigo, muito mais puro de concepções palacianas
do que as formas poéticas similares dos franceses e italianos320?

319
Compare-se ao refrão de V. 462 e 761 (= nº. III de CAP.): “E quen for velida come nos, velidas,
Se amigo amar . . . . Verrá baylar” e a V. 888 (serrana) “Quantas sabedes amar amigo, Treydes
comig’ a lo mar de Vigo” etc., refrões franceses como Motets I, 151: “Tuit cil qui sunt enamourat
Vignent dançar, li autre non”; Ch de St.-Gilles: “Espringuiez et balez liement Vos qui ames par
amors léaument”. Cf. Jeanroy, pp. 394-5; G. Paris, Origines, p. 51.
320
Esse importante traço da lírica culta portuguesa é admitido com frequência por Jeanroy. Cf., em
particular, pp. 156-7, 173, 334-5, 417, 444.

121

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Jeanroy, que se ocupa dessa questão, apresenta (pp. 335-6), para


solucioná-la, as duas suposições seguintes que, na sua opinião, são as úni-
cas aparentemente admitidas: “Faut-il admettre que la poésie française et
provençale a passé en Portugal de très bonne heure, au moment où elle était
encore purement populaire, et que c’est à une seconde infiltration que
seraient dues la pastourelle et les autres formes récentes? Ou bien faut-il
penser que notre poésie n’y a été transportée qu’assez tard, peu de temps
avant l’époque à laquelle appartiennent les textes conservés, mais que les
poètes de cette époque se sont pris d’affection pour certaines formes qui,
en France, commençaient à vieillir, et qu’ils ont fait refleurir en les
transplantant dans un sol vierge?”
A primeira suposição é rejeitada pelo erudito crítico (pp. 337-8),
porque não se encontra, antes do segundo terço do século XIII, nenhum sinal
de poesia lírica em Portugal; porque, além disso, a balada, a forma com mais
frequência empregada pelos portugueses, teria sido especialmente cultivada
justamente daquela época em diante na França setentrional e, naturalmente
por isso, acreditar-se-ia que os portugueses teriam emprestado da antiga po-
esia do norte francês suas cantigas compostas em registro popular. Por esses
motivos, Jeanroy decide a favor da segunda suposição, segundo a qual a
balada e as formas arcaicas da cantiga d’amigo teriam sido trazidas da Fran-
ça para Portugal pela primeira vez por meio de Afonso (III), conde de Bolonha,
e de seus seguidores; e a nossa lírica culta não teria começado, portanto,
como o próprio Jeanroy dissera anteriormente, no segundo terço, mas na
segunda metade do século XIII (aproximadamente desde 1245).
Porém, o equívoco dessa datação revela-se a partir do que foi co-
mentado acima, no capítulo II321. Ali se destacou que Joham Soarez de
Pavha, autor de uma cantiga situada pouco depois de 1214, nascera no ano
de 1140, e que certamente deveu sua fama de trobador a cantigas anterio-
res que não nos foram conservadas. Ali se enfatizou, além disso, que já na
época de Afonso II e Sancho II havia um número considerável de poetas
que representaram todas as formas de nossa lírica culta, como por exemplo
Gil Sanchez, CB. 22, Pero Velho de Taveroos, CB. 120 (cantigas de amor
com paralelismo típico), Bernal de Bonaval, entre outros. Deste último te-
mos, como se sabe, em V. 663, um jocs enamoratz com Abril Perez, de

321
Esses e outros equívocos do criterioso e perspicaz professor de Toulouse são com certeza atribuí-
dos, na maior parte, à lamentável circunstância de que ele se serviu da edição de Braga do Can-
cioneiro da Vaticana, nada confiável em todos os aspectos. Assim, Jeanroy encontra no texto de
Braga (V. 312) o verbo couorecer, erro ortográfico do copista por guarecer ou gorecer (vid. GZ.
XVI, pp. 219-220), e erroneamente deriva esta palavra, totalmente sem sentido, do francês
cuer – coração.

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Introdução

idade avançada em 1245. Mas, justamente por essa época, também B. de


Bonaval já era bastante idoso. Portanto, a composição desse jogo amoroso
deve remontar a muito tempo antes. Por outro lado, o nosso Bernaldo não
terá aprendido, já senil, os seus poemas de amor em forma de balada
(V. 656-662) e suas cantigas de mulher (V. 726-733) de Afonso III e de
seus partidários, que retornam da França em 1245. Também descobrimos,
a partir de uma cantiga de Afonso, o Sábio (V. 70), que o jogral Pero da
Ponte, cuja mais antiga cantiga datável (V. 573) é do ano de 1236 e cuja
atividade poética não se estende muito além de 1250, aprendeu sua arte de
Bernal de Bonaval, e não dos provençais:

Vos nom trobades come proënçal,


mais come Bernaldo de Bonaval.

Acresce – sem mencionar, por enquanto, outras considerações – a


circunstância fundamental, já enfatizada anteriormente, de que a perfeição
formal e a desenvoltura com que a língua galego-portuguesa, mesmo nas
poesias mais antigas que nos foram conservadas, se presta à expressão de
variados quadros típicos, frequentemente tão graciosos e vivos, só se es-
clarece por sua formação poética em tempo muito anterior ao período
literário. Esse momento parece ter escapado completamente a Jeanroy.
Além disso, não está de modo algum determinado, como Jeanroy
supõe sem mais, que a forma portuguesa da balada teria sido emprestada
da poesia francesa. Em primeiro lugar, conforme diz P. Meyer322, o paren-
tesco das duas formas pode ser esclarecido a partir de um tipo comum a
vários povos românicos. Em segundo lugar, a balada portuguesa caracteri-
za-se por um traço antigo, já mencionado anteriormente, a típica repetição
do mesmo pensamento e da mesma expressão em cada estrofe, o que não é
encontrado nos poemas provençais e franceses dessa espécie e não poderia
pertencer à nossa poesia por acaso.
Finalmente, não é provável, como opina várias vezes Jeanroy323,
que os poetas portugueses tenham emprestado da lírica francesa as suas
formas antigas somente numa época em que, na França, elas já estavam
quase fora de moda e em extinção, a fim de fazê-las desabrochar novamen-
te no solo virgem da Lusitânia. Uma tal paixão sentimental por antiguidades,
principalmente estrangeiras, conforme é sabido, era totalmente estranha ao
espírito da Idade Média, para o qual justamente a nova moda valia como

322
Rom. II, p. 265.
323
Vid. a passagem acima referida e p. XV, 125, 338.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

único modelo digno de ser imitado. Assim, pois, também os magnatas por-
tugueses na corte da rainha-mãe Blanca de Castela ter-se-ão empenhado
em apropriar-se não dos ultrapassados gêneros de cantigas, mas do mais
recente gosto que ali imperava.
Quem, portanto, quiser atribuir à cantiga de mulher galego-portu-
guesa uma origem inteiramente estrangeira, apesar de seu distinto caráter
arcaico, deve supor que da França ela se tenha infiltrado na Galiza e em
Portugal com os dois condes borgonheses Raimundo e Henrique, se não já
antes, e aqui, talvez por meio de jograis estrangeiros e galegos, tenha expe-
rimentado desenvolvimento próprio e conservado certos traços locais,
enquanto o tipo de pastorela palaciana e outras formas mais novas devem
naturalmente ser atribuídas às posteriores relações literárias da lírica culta.
De fato, conforme já foi observado na primeira parte desta Introdu-
ção, seria um milagre se a poderosa influência da França sobre a vida
intelectual portuguesa, causada pelas peregrinações a Santiago e pela dinas-
tia borgonhesa, não tivesse atuado também, estimulando-o e enriquecendo-o,
sobre o desenvolvimento da poesia popular local, à qual o próprio Jeanroy
parece conceder uma certa existência, ainda que anêmica e sem força324. Des-
se modo, poder-se-ia esclarecer, por exemplo, o aparecimento das albas
monológicas325 e das pastorelas antigas, também próximas do monólogo326,
no Cancioneiro da Vaticana. Na verdade, não seria nada improvável que, no
essencial, a lírica culta a nós transmitida se baseasse inteiramente em um
remoto empréstimo do país vizinho, rico em cultura e em cantigas.
Todavia, esta última hipótese não nos parece a correta.
Apesar de algumas surpreendentes coincidências entre a cantiga
feminina galego-portuguesa e a francesa, em primeiro lugar não se tem o
direito, sem motivos irrefutáveis, de explicar aquela como uma simples
imitação desta327; e tais motivos ainda não foram apresentados por nin-
guém. Mas em seguida se pergunta se essa semelhança, a um exame mais
preciso, se mostra tão grande, de forma a demonstrar a substancial igualda-
de do caráter e da origem da cantiga d’amigo e das formas da cantiga de
mulher em francês antigo que nos foram conservadas ou conhecidas a par-
tir dos refrões.

324
Vid. pp. 326-7.
325
V. 244, 771-2, 782. – Contudo, a alba em Portugal devia ser tão antiga como na Itália. Cf., a
propósito, Crescini, Per gli studi romanzi, pp. 163-8.
326
G. Paris parece ser de outra opinião, quando diz (Origines, p. 27): “Je suis bien d’avis, avec
M. Jeanroy, qu’il faut leur chercher un point de départ unique, car on n’invente pas deux fois une
forme aussi spéciale (qui, sauf quelques vagues imitations italiennes et les productions allemandes,
postérieures et bien transformées, de l’école de Nithard, ne se retrouve pas à l’étranger)”.
327
Jeanroy, 230, 231 (nota), 327, 338 e passim.

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Introdução

A cantiga feminina francesa caracteriza-se, na maior parte, pelo


típico introito primaveril, que a liga às cantigas de roda, de que era acom-
panhada a festa das maias328. Na cantiga d’amigo, falta inteiramente esse
tipo de introito natural329, embora, conforme já apontado anteriormente
(p. 88), a festa das maias fosse costumeira também no Portugal antigo330. A
ausência desse importante traço tradicional na de outro modo tão arcaica
cantiga d’amigo, bem como na cantiga de amor, talvez não se esclareça
pela imitação imperfeita de cantigas estrangeiras, mas sim apenas pelo fato
de que nosso gênero de cantigas não se associou, como as francesas, às
festas de maio. Por isso, também nela não predomina o mesmo tom alegre,
frequentemente travesso, próprio das cantigas comemorativas da volúpia
de maio da poesia francesa331. A cantiga d’amigo deve ter um outro ponto
de partida.
Em relação a isso, deve-se observar, ademais (cf. acima, p. 110),
que enquanto as muitíssimo mais numerosas, se não talvez também mais
antigas, cantigas de mulher francesas tratam do tema convencional da mu-
lher que se rebela contra a coação de se casar por dever e enquanto esse é
também o caso na lírica culta italiana332, na cantiga d’amigo é típico apenas
a donzela sob a guarda da mãe. Este traço popular antigo é ainda mais
notável para a história da evolução de nossa espécie poética333, uma vez
que ele aí se conservou, apesar da poderosa influência da vida palaciana

328
Vid. G. Paris, Origines 3, 12-15, 41-49. – Da mesma forma na cantiga feminina italiana, por
exemplo, Nannucci I, 198, e na alemã. Cf. Zeitschrift für deutsches Altert. XXIX, p. 193 etc.
329
Nas duas cantigas V. 462 e 761 (atribuídas a autores distintos, mas quase literalmente idênticas),
que parecem constituir uma exceção, pode-se supor, conforme foi mostrado na nota 319 acima,
uma imitação direta de modelos franceses. – Como único exemplo adicional, poder-se-ia consi-
derar a referência ao tempo da primavera em uma pastorela de nosso rei (LVII).
330
Como testemunho antigo disso, a seguinte resolução de um concílio em Braga, no primeiro de
maio de 958, é citada por J. Leite de Vasconcelos, em Tradições pop. de Portugal, p. 104: “Non
liceat iniquas observationes agere kalendarum, et otiis vacare gentilibus; neque lauro, aut viriditate
cingere domos. Omnis haec observatio paganismi est” (Collect. Concil. Hispan. Madrid 1603,
cap. 73). Conforme Milá y Fontanals, La poesia popular gallega (em Rom. VI, pp. 47-75), a festa
das maias ainda se manteve na Galiza. O nº. 131 da mesma obra é uma espécie de cantiga religi-
osa de maio que, com sua referência à Santa Virgem, lembra de modo significativo a cantiga de
maio anteriormente referida de Afonso, o Sábio, CM., p. 599.
331
G. Paris diz o seguinte da alba, Origines, p. 34: “Ce n’est, à vrai dire, qu’une variante d’un genre
plus étendu et plus réprésenté, qu’on peut appeler la ‘chanson de séparation’, qui exprime la
douleur de deux amants obligés de se quitter. On voit tout de suite que ces chansons, par leur
charactère même, ne peuvent guère avoir, comme les autres, leur origine dans des fêtes publiques
et des réunions joyeuses. Elles sont, en outre, beaucoup plus personnelles”.
332
Jeanroy, pp. 151-8; G. Paris, pp. 51-56.
333
Isso é admitido também por Jeanroy, quando diz, aliás em total desacordo com suas outras decla-
rações sobre a relação de dependência da lírica culta portuguesa com a poesia popular (p. 153):
“Dans les pays où la poésie populaire s’est trouvée plus à l’abri des influences littéraires, les
chansons de mal mariées sont rares . . .” Não vale isso kat’ ™xoch/n [em especial] para Portugal,

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

francesa e provençal sobre os costumes e ideias da nobreza portuguesa


desde o final do século XI, e mesmo, conforme vimos acima (p. 87), trans-
mitiu-se à cantiga d’amor, a qual, já por isso, se diferencia com nitidez das
cantigas amorosas das demais líricas cultas românicas334.
Mais acima (p. 110), já se indicou um outro traço essencial da
cantiga d’amigo, que consiste em descrever atmosferas e situações nas
quais a amada se vê colocada, faltando-lhe porém acontecimentos, um des-
fecho propriamente dito. Isso vale tanto para as cantigas encadeadas,
extremamente concisas em função de sua estrutura, como também para as
baladas, sendo que estas, na verdade, oferecem mais espaço, porém não
consentem nenhum desenvolvimento efetivo do pensamento, por causa de
sua típica repetição de conteúdo e expressão. Assim, mesmo no vivo diálo-
go dramático (vid. acima nota 197), a segunda e a terceira estrofes nada
trazem que já não tenha sido dito na primeira, a não ser uma por vezes
bastante sutil alteração de expressão.
Como isso é totalmente diferente na cantiga feminina lírico-dra-
mática da antiga poesia francesa335! Nas chansons à personnages336, o
pensamento caminha de estrofe a estrofe e é conduzido a um objetivo. Com-
pare-se qualquer cantiga de amigo de nossa coletânea com os poemas
similares nºs. XV-XVIII no apêndice de Jeanroy, ou V. 227 e 327, em que
uma donzela se arrepende de ter recusado firmemente seu amado e de o ter
perdido, e com os nºs. XXI e XXII em Jeanroy, em que o mesmo arrependi-
mento se manifesta337, porém a abandonada encerra sua queixa com o
propósito de corresponder ao desejo do amigo tão logo ele volte para ela.
Já nisso assenta uma significativa diferença, ligada à forma da cantiga
d’amigo, entre esta e a cantiga de amigo francesa.
E mais ainda. Nas excelentes comparações que várias vezes reali-
zou entre o conteúdo da lírica francesa e o das poesias irmãs338, Jeanroy

de cuja lírica se diz mais adiante, p. 158: “Dans la poésie portugaise . . . nous ne trouvons plus
aucune trace de l’amour illégitime; toutes les femmes mises en scène sont des jeunes filles”.
334
Torna-se pouco provável, especialmente considerando as cantigas d’escarnho e de maldizer que
nos foram transmitidas, que os portugueses tivessem tomado emprestado ou imitado dos france-
ses esse tema, como pensa Jeanroy, por especial interesse em sua antiguidade, de preferência ao
então muito mais apreciado tema da mulher infiel ao marido.
335
Os portugueses nada têm de semelhante que se equipare às chansons de toile. Contudo, uma
graciosa cantiga de Estevam Coelho (V. 321) lembra-as, pelo menos na medida em que nela uma
jovem está sentada junto à roca e, cantando, entrega-se ao trabalho.
336
G. Paris, Origines, p. 8 ss.
337
O refrão de V. 227: “E mha soberbha mho tolheu, que fiz o que m’el defendeu, . . .” lembra
bastante, como Jeanroy (320) já destacou, um verso do nº. XXII: “Lasse, com mar fui ains de
mere nee! Par mon orguel ai mon ami perdu!”
338
Vid. pp. 216, 282, 321, 335.

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Introdução

salientou energicamente quão mais agudas e precisas se desenham na pri-


meira as variadas circunstâncias amorosas, quão mais ricas elas são em
detalhes do que, por exemplo, na cantiga d’amigo. Na primeira, diz ele, a
donzela exige não apenas poder amar, o que não se pode impedir, mas quer
também casar-se. Se ela se une ao amigo apesar da objeção dos pais, não se
nos omitem as consequências desse passo, e não é raro ouvirmos também o
comovente lamento em que se exala a dor de um coração enganado e parti-
do. Em contrapartida, a cantiga de amigo em português arcaico descreveria
apenas estados de espírito e situações bastante genéricos. A donzela anseia
somente por ver e falar com o amigo, lamentando sobretudo que isso não
seja concedido a ele. Tratar-se-ia aqui, portanto, apenas de um amor bas-
tante indefinido, de certa forma vago339.
Jeanroy conclui, a partir daí, que as cantigas francesas por ele uti-
lizadas para comparação – e na medida em que pertencem, sobretudo,
à lírica francesa arcaica, têm um caráter essencialmente convencional,
palaciano – revelam-se, através de seu traçado mais preciso, de suas rela-
ções mais exatas, como bastante mais próximas da realidade do que as
cantigas d’amigo, as quais parecem muito mais mero eco de uma poesia
popular do que aquelas340.
De fato, mal se pode negar que a esfera de emoções e experiências
em que se movimenta, na realidade, o destino amoroso de uma bela aldeã,
não se reflete nem total nem fielmente em nossas cantigas. Sem dúvida,
aqui se percebem, ocasionalmente, referências a acontecimentos reais, como
as graves consequências da relação amorosa, porém estão indicadas so-
mente em um leve ou simbólico traço341, enquanto na cantiga popular os
detalhes dúbios de modo algum são disfarçados. Também a lírica popular
portuguesa atual conhece diálogos entre mãe e filha construídos inteira-
mente à semelhança daqueles dos nossos cancioneiros e nos quais a mãe
desempenha o mesmo papel tradicional. Porém, com que desejos outros a
jovem se apresenta diante da mãe nesta poesia popular, com que precisão
estão aqui indicadas as relações, com que rapidez avança a conversa! Con-
fira-se apenas a seguinte estrofe, extraída da musa popular açoriana:

339
Vid., em particular, pp. 321-2.
340
Ibid.
341
Assim, por exemplo, V. 796, onde, aliás, a conexão entre o refrão e o tema principal não está bem
clara: “Fostes, filha, e-no baylar, E ronpestes hi o brial Poys o namorado y uen Esta fonte seguide a
ben Poys o namorado y uen”. – Jeanroy, que (p. 205) oferece quadros semelhantes na moderna canção
popular da França, traduz brial incorretamente como manto, ao invés de saia, pois naquela época
brial significava, como ainda hoje, uma saia feminina de seda. Cf. V. 947: “Que lhi no ianeyro talhou
Brial e lho manto leuou”. – Também no francês antigo blialt já refere, entre outros, uma roupa interior
de seda, como, por exemplo, na Rolandslied 303: “E est remes en sun blialt de palie”.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Minha mãe, quero-me casar.


– O filha, diz-me com quem.
– Minha mãe, c’um sapateiro.
– O filha, não casas bem.
– Minha mãe, elle faz sapatos.
– Oh filha, botas também.342

Tais cantigas, que ao mesmo tempo desmentem a opinião de Jeanroy


de que a atual canção popular portuguesa não poderia equiparar-se às for-
mas lírico-dramáticas do Cancioneiro da Vaticana343, devem ter existido
também na antiga Galiza e em Portugal.
Ora, deve então o traço da cantiga d’amigo há pouco tratado, o
caráter geral em que se movem as circunstâncias amorosas aqui envolvi-
das, ser por isso visto, com Jeanroy344, como uma prova de que esse tipo de
poesia não teria origem nacional, mas teria sido essencialmente trazido da
França? Pode-se explicá-lo como consequência de uma simples imitação,
sobretudo uma imitação que, de acordo com a opinião do mesmo erudito,
teria começado apenas um pouco antes do aparecimento das primeiras can-
tigas cultas portuguesas conservadas?
Nesse caso, tal traço apresentar-se-ia nos nossos trobadores, con-
forme sua idade e talento individual, em graus diversos. Dever-se-ia en-
contrar, nas obras dos poetas mais antigos, um parentesco mais estreito
com a característica essencial do suposto original francês do que nas dos
poetas mais tardios345. No entanto, isso não acontece. Ao contrário, predo-
mina constantemente a mesma simplicidade da língua e do estilo, a mesma
unidade de pensamento em cada poema, a mesma pureza de tudo que é
obsceno ou, de outra forma, escandaloso. A imprecisão em que se movi-
menta a esperança, o anseio e a queixa da donzela apaixonada é absoluta-

342
GZ XVI, 431. – Ali se esclarece ainda o jogo de palavras existente em botas. – Cf. uma cantiga
similar em J. Leite de Vasconcelos, Poesia amorosa. Lisboa, 1890, p. 51.
343
Vid. p. 322.
344
pp. 216, 322.
345
O próprio Jeanroy admite, nas seguintes palavras (p. 282), que a cantiga d’amigo não é culpada
da nebulosidade de traços que, realmente, deveria existir como indício de imitação de modelos
estrangeiros: “Que l’on compare, à ce point de vue, la poésie allemande et la poésie portugaise,
par exemple, on sera frappé de la différence. Ici tout est déterminé; ce sont deux amants qui
échangent leurs vœux, un jeune homme qui part pour l’armée, une fille qui gémit d’être abandonnée
ou jure de se venger; une situation suffit à une pièce; les contours sont nets, les lignes arrêtées. Là
au contraire, si, à l’origine, les thèmes ont quelque précision, ils la perdent de plus en plus; nous
ne savons, par exemple, si la femme qui parle est réellement abandonnée pour une autre ou si elle
craint seulement de l’être . . . Ailleurs, comme si un seul thème ne fournissait pas assez de
matière, plusieurs sont confondus dans la même pièce”.

128

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Introdução

mente a mesma em todos os poetas346. Ela encerra-se em certas expressões


correntes, as quais, como por exemplo as justamente tão corriqueiras veer
e fallar, são tão típicas nesse gênero de cantigas como o paralelismo de
pensamento e de expressão, a cujas tradicionais fórmulas de assonância e
rima elas de fato pertencem. Através dessa expressão estereotipada, a re-
presentação do amor conserva algo de amarrado, de convencional, lem-
brando de certa forma o idealismo abstrato da cantiga de amor que, contudo,
tem outra origem.
Esse tipo, em igual medida comum a todos os poetas cultos gale-
go-portugueses, não se encontra nas cantigas francesas que Jeanroy
consultou para comparação com a cantiga d’amigo, nem mesmo no rondet,
cuja estrutura é análoga, e que gozava de grande popularidade desde o final
do século XII347 e cuja forma mais antiga, mais popular, poder-se-ia esperar
que tivesse sido já antes comunicada aos portugueses.
Disso resulta, portanto, mais uma vez, que esses tipos de poesia
não têm parentesco próximo com nossas cantigas e não lhes podem ter
servido de modelo.
Porém, enquanto na antiga poesia francesa não se detecta qual-
quer gênero a partir do qual se possam derivar os traços característicos da
cantiga de amigo galego-portuguesa, não é infundada a suposição de que
ela se tenha desenvolvido essencialmente a partir de uma lírica popular
autóctone.
Sem dúvida, é praticamente impossível querer elevar essa hipóte-
se a certeza total. Para isso nos falta, em primeiro lugar, o conhecimento
mais preciso das relações sociais e dos costumes do noroeste da Espanha, e
particularmente da Galiza, sob os quais poderia ter surgido tal poesia
popular, precedendo o período literário. Em segundo lugar, faltam-nos in-
teiramente, por motivos aliás facilmente compreensíveis, provas dessas re-
lações que ao mesmo tempo nos permitissem uma visão do estado
pré-literário do dialeto galego348. Em terceiro lugar, parece-nos, porém, que
a existência de uma cantiga popular em galego arcaico não é atestada por
nenhum relato ou mesmo por indícios daquela época. Pelo menos, tais in-
dicações não se encontram nem no galego Sarmiento, que pesquisou a his-
tória da poesia galega com meticulosidade e competência raras no século

346
Não se fala aqui, obviamente, das variações do tema tradicional pelos poetas cultos.
347
Jeanroy, p. 407.
348
O documento mais antigo de que temos conhecimento nesse dialeto data do ano de 1207, prove-
niente de Lugo (España Sagr. XLI, p.356); um pouco mais antigos são dois documentos portu-
gueses anteriores que nos chegaram, do tempo de Sancho I, um deles de 1192. Vid. Coelho,
Língua portug., pp. 128-131.

129

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

passado349, nem em Wolf350, Milá y Fontanals351, Monaci352, Braga353, J. Leite


de Vasconcelos354 entre outros, que se ocuparam com as fontes da lírica
culta galego-portuguesa ou, como Durán355 e Amador de los Rios356, com a
origem das danças e cantigas astúricas. Que uma utilização atenta, porém,
das obras históricas pertinentes e de outros documentos, como por exemplo
as resoluções conciliares, os estatutos episcopais etc., facilmente acessí-
veis à maioria dos pesquisadores citados, não teria sido infrutífera, poderia
ficar claro das indicações seguintes, aliás muito escassas, sobre o assunto,
que colhemos nas poucas fontes colocadas à nossa disposição.
Como é sabido, o rito oriental da igreja greco-siríaca foi introduzi-
do na Península Hispânica por intermédio dos Visigodos357. Em virtude dos
dramáticos costumes associados a esse rito e nos quais o povo tinha partici-
pação ativa, logo se impuseram também divertimentos mundanos, como
cantos profanos, danças e mascaradas no culto divino358. Assim, pode ser que
o exemplo da poesia religiosa médio-latina popular tenha precocemente esti-
mulado a utilização da língua vulgar para cantigas religiosas e, aliás, favorecido
com isso seu desenvolvimento para fins poéticos359. Testemunhos da existên-
cia de tais cantigas eclesiais populares foram-nos transmitidos diretamente
da antiga Galiza, na qual computamos também a província do Minho360.
Concil. bracharense, a. d. 563361: “Item placuit ut extra psalmos,
vel canonicarum scripturarum novi et veteris testamenti, nihil poetice
compositum in ecclesia psallatur”.

349
Obras posthumas Del Rmo. P. M. Fr. Martin Sarmiento, vol. I. Memorias para la historia de la
poesia. Madrid, MDCCLXXV, pp. 148-252.
350
Studien, p. 690 ss.; Proben, p. 24 ss.
351
Trovadores, pp. 521-536; Poesia popular gallega, em Rom. VI, pp. 47-75.
352
CAP, pp. IX–XII.
353
Cancioneiro da Vaticana; Poesia popular da Galliza em Rivista di filol. rom. II (1875),
pp. 129-143.
354
Antiga poesia pop. portug. em Annuario I, Porto, 1882, pp. 19-24.
355
Romanc. Gen.2 I, p. LXVI.
356
Die Romanzen Asturiens em Jahrbuch 3, pp. 268-296.
357
Schack, Geschichte der dram. Lit. in Spanien I, pp. 74-5.
358
Schack, ibid. – Concil. Tolet. a. d. 589: Exterminanda omnino est irreligiosa consuetudo quam
vulgus per sanctorum solemnitates agere consuevit; ut populi, qui debent officia divina attendere,
saltationibus et turpibus invigilent canticis. Sacrorum Conciliorum Collectio. Ed. P. J. D. Mansi.
Florentiae 1759-1798. vol. IX, p. 999.
359
Schack, loc. cit., p. 110.
360
Vid. Ptolemaei Geogr. I. II, 6; Strabonis Geogr. I. III, 3, 3 e 7; Plinii Hist. Nat. I. IV, 21-22;
Hercul. III, 189.
361
Sacr. Concil. collectionis vol. IX, p. 778.

130

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Introdução

Concil. lucense, a. d. 572362: “Non oportet psalmos compositos et


vulgares in ecclesia dicere”. –
A espetáculos mundanos parece referir-se a seguinte decisão do
mesmo concílio363: “Non liceat sacerdotibus vel clericis aliqua spectacula
in nuptiis vel conviviis spectare”.
Também a resolução a seguir, do concílio toledano do ano de 589364,
refere-se à Galiza: “Nam funebre carmen quod vulgo defunctis cantari solet,
omnino prohibemus”.
Não raramente a Historia Compostellana faz referência à arte do
canto e da representação dos galegos. Assim está em um relato do ano de
1110365: “Omnis Compostellanorum turba cum timpanis et citharis et diversis
musicarum instrumentis cantantes . . . ei (sc. episcopo) obviam exivit; . . .
cetera denique adolescentum multitudo cum hymnis atque dulcifluis
harmoniae melodiis ejus optatae praesentiae congaudentes, usque ad
Compostellanam Ecclesiam cum eo cantando perveniunt.
Deinde Missa ex more solemniter celebrata, Regem Novum
[Adefonsum VII] deducens ad Palatium suum, Episcopus omnes Gallaetiae
Proceres ad regale invitavit convivium, in quo . . . omnibus diversis ferculis
accurate saciatis, dies illa in hymnis jubilationis & canticorum canticis
peracta pertransiit”366.
A constante justaposição Clerus et populus assinala o íntimo laço
que une a população de Santiago e outras comunidades galegas à Igreja:
“Ipse etiam Episcopus nudis pedibus psallendo cum canonicis ingreditur
Compostellam. O quantum tripudium Cleri et populi367. Coadunatis denique
Clero et populo in unum consulitur . . . Quis Clerum ac populum in moerore
et angustia fuisse nesciat?”368
Sobre o costume das mulheres galegas de executar danças de roda
testemunha o seguinte relato, do ano de 1116: “Regi puero [Adefonso VII]
ingredienti Civitatem occurrit universus populus Civitatis [Compostellanae]
cum summa laetitia, et eum salutantes ex consuetudine Gallaeciae ipsius
adventui congratulantur, utpote Domini sui: . . . Tunc cursus alipedum
equorum, phalanges armatorum peditum, choreas psallentium mulierum
videre satis jucundum erat”369.

362
Ibid., p. 857.
363
Ibid., p. 855.
364
Ibid., p. 995.
365
España Sagrada, vol. XX, p.112; cf. ibid., p. 121.
366
Loc. cit., p. 121.
367
Loc. cit., p. 224.
368
Loc. cit., p. 330 et passim.
369
Loc. cit., p. 211. Cf., ainda, ibid., pp. 112, 121 e XXI, p. 377.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Por escassas e genéricas que sejam estas informações, de colorido


um tanto retórico, elas assinalam, de modo evidente, como, principalmente
sob a influência das peregrinações já antes apontada (pp. 69-70), se elevara
a vida religiosa e espiritual da população livre e em vários aspectos favore-
cida de Santiago, e rapidamente propiciara o desenvolvimento da poesia
galega.
O florescimento do teatro religioso e profano, testemunhado por
uma conhecida lei de Afonso, o Sábio, nas Siete Partidas (I. tit. VI, ley 34),
redigidas entre 1252 e 1257, mostra que já no século XII representações
dramáticas variadas devem ter atingido um desenvolvimento notável370.
Pertencem a essas formas, por exemplo, os simulacros entre moros y
cristianos, comemorados na Espanha até há pouco tempo e ainda conser-
vados nos Açores sob a denominação mouriscadas371.
É provável que já cedo uma poesia religiosa em língua galega te-
nha sido produzida por influência do canto clerical médio-latino de caráter
popular. É ela a premissa necessária ao cancioneiro religioso composto em
língua galega por Afonso, o Sábio, reunindo mais de quatrocentas cantigas.
Tanto suas cantigas de louvor à Virgem Santa como seus romances religio-
sos baseiam-se de fato, apesar das fontes parcialmente estrangeiras destes
últimos, essencialmente no alicerce de uma poesia galega autóctone. So-
mente a partir disso se explica por que Afonso compôs essas cantigas
religiosas no dialeto galego, e não, como Berceo suas lendas, em dialeto
leonês, e por que ele pôde ordenar, em seu testamento, que essas cantigas
versadas em língua galega fossem conservadas na igreja onde seria enter-
rado, ou na Catedral de Sevilha ou na Igreja de Santa Maria em Múrcia e
cantadas nas festas de Maria372. Nos romances espirituais do rei castelhano
mostra-se, até onde sabemos pela primeira vez, a decomposição, caracte-
rística da cantiga popular lírico-épica da Península Hispânica, do tetrâmetro
trocaico em dois hemistíquios, dos quais somente o segundo está ligado
pela rima373.Também na poesia culta galego-portuguesa encontram-se al-
guns exemplos dessa forma (V. 782, 785, 808), nos quais, tanto quanto nos
poemas afonsinos, ocorre alteração de rima de estrofe para estrofe. Nas
cantigas de louvor à Santa Virgem, Afonso X também se serviu da forma
com paralelismo típico e encadeamento de estrofes (por exemplo, nº. 160),
exatamente como faz também nas cantigas de maldizer e de escárnio (por

370
Schack, loc. cit., pp. 112-116.
371
Cf. Braga, Revista lusit. I, pp. 22-23.
372
Cf. Sarmiento, loc. cit., p. 273; CM vol. I, Introducción, p. 17.
373
Wolf, Studien, pp. 436-7.

132

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Introdução

exemplo, V. 79, CB. 370), totalmente impregnadas de conteúdo nacional.


Também em Gil Vicente aparecem cantigas religiosas nessa forma (por
exemplo, I, 183).
Além disso, ocorre ainda a significativa circunstância de que as
miniaturas que acompanham as cantigas religiosas de Afonso, o Sábio tes-
temunham, embora influenciadas pela arte francesa, o cultivo de uma pintura
religiosa na Espanha, perfeitamente original em sua concepção e execu-
ção, cujo requinte artístico pressupõe evolução mais prolongada374.
Do que foi dito até aqui, pode-se concluir que na Galiza, no decor-
rer do século XII, já se tinha formado uma poesia religiosa em linguagem
popular, reconhecida como modelo em toda a parte ocidental da Península.
Já por isso, dificilmente se pode duvidar de que, simultaneamente, também
a lírica popular profana da Galiza tivesse alcançado aquela vitalidade e
técnica que possibilitaram o seu desenvolvimento autônomo, mais rico, em
uma poesia culta nacional, tão logo surgiram condições adequadas para tal.
Voltando às nossas cantigas d’amigo, já Diez (KuHp., p. 99), mais
tarde F. A. Coelho (Bibliografia crítica, p. 318)375, Braga (Canc. Vat.
p. LXIV e ss.) e J. Leite de Vasconcelos (Annuario, 1882, pp. 19-20) cha-
maram atenção para o fato de que as mesmas se encontravam também em
Gil Vicente, o que confirma a opinião segundo a qual os trovadores dos
séculos XIII e XIV compunham a partir de uma tradição autóctone antiga.
De fato, em seu Auto Pastoril da Serra da Estrela, Gil Vicente
introduz a seguinte graciosa cantiga (II, 443-4), com a rubrica: Canta Lopo
e baila, arremedando os da Serra376:

Hum amigo que eu havia,


mançanas d’ouro m’envia,
garrido amor.

Hum amigo que eu amava,


mançanas d’ouro me manda,
garrido amor.

374
Em uma das suas cantigas (CM. 377), Afonso refere elogiosamente um de seus pintores, Pedro
Lorenzo, preferido a todos os outros. – Sobre essa arte espanhola, diz P. Meyer, loc. cit.,
Introducción, p. 47: “Les miniatures des Cantigas attestent l’influence de l’art français, mais on
ne peut aller plus loin. Les figures orientales, qui sont très bien traitées (cantiga CLXIX), indiquent
que l’artiste était capable d’une conception originale, car assurément ces figures ne sont pas
imitées d’un modèle français”.
375
Citado por J. Leite de Vasconcelos, Annuario, p. 19.
376
Logo em seguida canta o mesmo Lopo, exortado a cantar à maneira de Sandoal (localidade
pertencente ao bispado da Guarda), uma cantiga de construção bem semelhante à balada do
português arcaico. Cf. J. Leite de V., Revista lusit. I, p. 242.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Da mesma forma, II, 425: Vem Felipa, pastora da Serra, cantando:

A mi seguem dous açores,


hum delles morirá d’amores.

Dous açores que eu havia


aqui andão nesta bailia.
Hum delles morirá d’amores.

Dous açores que eu amava,


aqui andão nesta bailada,
hum delles morirá d’amores.377

Aqui, não se pode negar a total concordância de tom e teor com os


poemas encadeados dos trovadores378. Mas, para entrar nos traços particu-
lares, é antes de tudo à língua que concerne especialmente nossa questão
sobre a origem destas cantigas.
Como Monaci já destacou na passagem acima citada (p. 120-121),
distinguem-se as cantigas femininas dos velhos cancioneiros, nomeada-
mente aquelas com paralelismo típico, por uma quantidade de formas e
expressões arcaicas que não ocorrem nas outras espécies poéticas.
Àquelas pertencem, em primeiro lugar, os imperativos treyde,
treydes379 (vid. nota a XCIV) e as típicas fórmulas de assonância em -ia:
aa, -io: ao e yr: ar, como por exemplo velida: louçana, amigas: irmanas,
rio: alto ou vado (vid. nota a XCIII), virgo: a d’algo (V. 507, 759), sirgo:?
(V. 505), loyr: baylar (V. 796), dentre outras.
Essas fórmulas de assonância e os arcaísmos conservados por meio
delas voltam a ser encontradas em Gil Vicente.

II, 481-2 A riberas de aquel vado


A riberas de aquel rio.

III, 271 De ribas de um rio


De ribas de um alto.

I, 83-4, onde são omitidas as assonâncias em ao.

377
Complementada conforme CXVI de nossa coletânea.
378
Também o admite Jeanroy, que considerou aqui, igualmente, todas as formas líricas como em-
prestadas da poesia francesa (pp. 330-334).
379
Cf. Afonso X, CM. 216, 4; 277, 4; 325, 9.

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Introdução

Por las riberas del rio


limones coge la virgo.
Limones cogia la virgo
para dar al su amigo.
Para dar al su amigo
en un sombrero de sirgo.

Finalmente, encontramos as mesmas séries de assonância e fór-


mulas similares na atual lírica popular de Portugal. Na localidade de
Rebordainhos (concelho de Moncorvo), J. Leite de Vasconcelos, pesquisa-
dor de tão grande mérito para o nosso conhecimento da linguagem popular
portuguesa, coletou quatro cantigas bem no estilo daquelas dos séculos
XIII e XV, cantadas pelas mulheres no tempo da colheita e em ocasiões
semelhantes. Reproduzimos aqui parte de uma delas380:

Na ribeirinha, ribeira
naquella ribeira,
(idem)
Anda lá um peixinho vivo,
naquella ribeira.
(repetir os dois primeiros versos)
Anda lá um peixinho bravo
naquella ribeira.
(idem)
Vamo-lo caçar, meu amigo,
Or’ lá na ribeira.
(idem)
Vamo-lo caçar, meu amado,
Or’ lá na ribeira.
(idem)
Comeremo-lo cosido,
or’ lá na ribeira.
(idem)
Comeremo-lo assado,
or’ lá na ribeira.
Etc...

De mesmo modo, em dois romances muito apreciados nas Astúrias


de hoje, sendo de um deles conhecido apenas o seguinte curto fragmento381:

380
Annuario das tradições populares portuguezas, 1883, pp. 19-24.
381
Durán, Romanc. Gen.2 I, p. LXVI; Wolf, Studien, p. 740.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ay Juana, cuerpo garrido!


Ay Juana, cuerpo galano!
Donde le dejas á tu buen amigo?
Donde le dejas á tu buen amado?
– Muerto le dejo á la orilla del rio,
Déjole muerto á la orilla del vado.
– Cuanto me das, y volvertele he vivo?
Cuanto me das, y volvertele he sano?
– Doyte las armas, y doyte el rocino,
Doyte las armas y doyte el caballo.

O segundo é cantado pelas mulheres na danza prima, uma antiga


dança pantomímica dos asturianos, geralmente realizada nas peregrinações
ou em ocasiões semelhantes382. Das várias versões que existem desses ro-
mances383, prefiro seguir aqui a de Wolf (loc.cit.), em extrato:
Ay un galan de esta villa,
ay un galan de esta casa;
ay él por aquí venia,
ay él por aquí llegaba.
– Ay diga lo que él queria,
ay diga lo que él buscaba.
– Ay busco la blanca niña,
ay busco la niña blanca.
La que el cabello tejia,
La que el cabello trenzaba.
.........................................
Ay que no la hay en esta villa,
ay que no la hay en esta casa,
si no era una mi prima,
si no era una mi hermana,
ay del marido pedida,
ay del marido velada.
..........................................
Ay que su amigo la cita,
ay que su amigo l’aguarda,
ay él que le dió la cinta,
ay el que le dió la saya.
.......................................

382
Cf. Durán, loc .cit.; A. de los Rios, Jahrb. 3, p. 274: “Cantados en efecto al compás de la danza
prima, cuya antigüedad se remonta à los más lejanos siglos, y cuya índole guerrera revelan toda-
via las enhiestas pértigas de que aparecen armados lon danzadores, y el belicoso grito de Ijujú...”
383
Cf. ibid., p. 289.

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Introdução

Ya su buen amor venia


ya su buen amor llegaba,
por donde ora el sol salia,
por donde ora el sol rayaba,
y celos le despedia,
y celos le desmandaba.
..................................
Ay lave la mi camisa,
ay lave la mi delgada
ay tendíla só la oliva,
ay tendíla só la malva.384

Em segundo lugar, pertencem a tais formas arcaicas palavras não


raras nas cantigas de amigo, como manhana (por exemplo, V. 242), avelana,
avelaneyra, louçana, irmana (V. 462), sano (XCII), dentre outras, ainda
com o n preservado, ao passo que na língua daquele tempo estas termina-
ções, embora ainda fossem dissilábicas, em geral já eram escritas – ao, aa,
oa, etc.Tais formas arcaicas385 encontram-se em Gil Vicente, em cuja lín-
gua literária essas terminações eram monossílabas e, de novo, precisamente
nas cantigas d’amigo, como por exemplo mançana na cantiga citada acima
(p. 133). Igualmente, exceto em alguns dialetos386, elas ainda se conservam
em poemas encadeados e em outras cantigas populares atuais387.
Do que foi acima mencionado, resulta a permanência da tradição
linguística desde o século XIII até nossos dias. Isso já é suficiente para
dizer que as cantigas d’amigo de nossos cancioneiros, nos quais e somente
através dos quais esses momentos linguísticos nos foram preservados, en-
raizaram-se na canção popular autóctone da Galiza e de Portugal.
Prova-o, além disso, a circunstância de que tanto as respectivas
cantigas encadeadas e baladas em Gil Vicente, como também os cantos da
atual musa popular recolhidos por J. Leite de Vasconcelos possuem o mes-
mo caráter lírico-dramático que é um distintivo essencial das cantigas
femininas em português arcaico.
Finalmente, também o conteúdo. Em Gil Vicente (II, 445, 481; III,
271), como ainda hoje (vid. acima p. 127), a mãe desempenha o mesmo
papel que nas poesias dos trovadores. Naquele autor (I, 81, 83), tanto quan-
to nas atuais cantigas encadeadas, o amor é descrito nas mesmas fórmulas

384
Os últimos quatro versos segundo a versão de A. de los Rios, loc.cit.
385
Cf. J. Leite de V., Revista lusit. I, 241-2.
386
Vid. nota a XXXVI.
387
J. Leite de V., Annuario, p. 21; Dialect. algarv., p. 15.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

típicas, como nas cantigas d’amigo do século XIII388. Ainda nele, tanto
quanto na canção popular atual, reencontramos os mesmos antigos usos e
concepções que se nos deparam nas cantigas femininas galego-portugue-
sas e que nos são conhecidos, através de outros documentos, como
testemunho da tradição portuguesa. Poucos exemplos devem aqui bastar.
Em V. 505, queixa-se uma donzela abandonada:

Par Deus, coytada vivo


poys nom vem meu amigo.
Poys nom vem, que farey?
Meus cabellos, com sirgo
eu nom vos liarey.389

Aqui temos referência a um símbolo extraído do direito germânico,


segundo o qual a recém-casada não deixa mais os cabelos soltos, mas co-
lhe-os em nó e prende-os atrás390 .
Em uma cantiga popular de Gil Vicente (I, 82), diz-se:

En Sevilla quedan presos


por cordon de mis cabellos
los mis amores.

Também no cancioneiro popular atual ainda sobrevive esse símbo-


lo jurídico, como por exemplo na seguinte quadra em Braga, Cantos popul.
açorianos, 387:

Hei-de atar o meu cabello,


E virá-lo para traz,
Com uma fitinha vermelha
Que me deu o meu rapaz.391

388
No que respeita a fallar, de que aqui tantas vezes se trata, deve-se observar que esta palavra,
inclusive na linguagem popular de hoje, significa “ter relação amorosa” (cf. Revista lusit. II,
p. 257), sentido que também lhe era próprio em tempo mais recuado. Assim está, por exemplo,
no romance de Sylvana (Hardung, Romanc. I, p. 139): “Eu não sou D. Sylvana, Sou a mãi que a
paria; Emquanto fallei comtigo, Oh D. Pedro de Castilla, Eu era mulher honrada, Não era mulher
vadia”. – Cf. ibid., p. 135; Braga, Cantos pop. açorian., pp. 194, 198. – V. 782: “Aquestas noytes
tan longas...Porque as [Deus] non fazia No tempo que meu amigo Soya falar comigo”
(cf. V. 415). No Minho e no Douro, os enamorados chamam-se conversados e a relação amorosa,
conversa (J. Leite de V., Trad. popul. de Portugal, pp. 211-212). Entre as mulheres açorianas,
conhecer tem o conceito próximo de “ter relação ilícita” (Revista lusit. II, p. 53).
389
Cf. ainda V. 794, 981.
390
Grimm, Deutsche Rechtsaltertümer, p. 443.
391
Cf., ainda, Braga, Cancioneiro pop., p. 86; Revista lusit. II, 6, nº. 3. – Exemplos do cancioneiro
popular alemão, por exemplo, em Tobler, Schweiz. Volkslieder I, p. 143.

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Introdução

O cervo, que atua tantas vezes nas cantigas d’amigo, aparece em


um refrão também com sentido simbólico de “amado”:

V. 796: Poys o namorado y uen


esta fonte seguide a ben,
poys o namorado y uen.
Poylo ceruo y uen
etc.

Em Gil Vicente (II, 425), assinala-se o mesmo da cantiga citada


acima (p. 134), no caso com o açor.
Em uma outra cantiga de Gil Vicente (I, 83-4), citada na p. 134-
135, uma donzela colhe limões como presente de amor para seu amigo.
Também na tradição atual, que conhece vários desses penhores
amorosos392, o limão vale como símbolo de amor. Assim no conhecido di-
tado: Quem dá o limão, dá o coração; e em cantigas como a seguinte:

Tomai lá este limão,


Não digais quem vo-lo deu.
Guardai-o bem guardadinho,
Que atraz do limão vou eu.393

Em uma já mencionada cantiga de nosso rei (XCII; vid. respectiva


nota), uma donzela pede às flores do pinho notícia do amado. Ainda hoje,
na véspera de São João, costuma-se fazer tal consulta à herva pinheira394.
Particularmente importantes, em relação a seu caráter tradicio-
nal, são aquelas cantigas d’amigo nas quais se descreve como as donzelas
peregrinam ao santuário de um santo, para lá dançar395e encontrar o
amigo, ou para suplicar ao santo ajuda em seu infortúnio amoroso396.
Esses poemas, cujo número chega aproximadamente a 50, e que podem
receber o nome de cantigas de peregrino397, são característicos da canti-

392
J. Leite de V., Trad. pop., pp. 215-7.
393
Lang, Trad. pop. açorian., em GZ. XIII, p. 417.
394
Cf., a respeito do culto às árvores e outros, em Portugal, F. A. Coelho, em Ethnol., pp. 74-82;
J. Leite de V., Trad. pop., pp. 66-8, 111-112.
395
Cf., por exemplo, V. 341-2, 336, 734-750, 857-860.
396
Por exemplo, V. 429, 806, 880.
397
Não sabemos onde se encontra o nome cantos de ledino, que, segundo Braga (Rivista di Filol.
romanza, 1873, p. 143), deve ter-se atribuído a cantigas semelhantes no século XVI e com o qual
Monaci editou uma coletânea (Halle 1875). A correção desse nome não parece isenta de qualquer
dúvida, e poder-se-ia ser tentado a considerá-lo, conforme também disse o senhor J. Leite de
Vasconcelos, como mera leitura equivocada de cantos dele dino (= d’ele digno). [Nas obras de
Cristóvão Falcão, recentemente publicadas por Epifânio Dias, onde se encontram estas palavras,

139

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ga feminina portuguesa e podem ser vistos como um traço seu realmen-


te nacional398.
Conservou-se, nas obras de Gil Vicente, uma cantiga de peregrino
do século XVI (II, 452):

El mozo y la moza
Van en romaria:
Tómales la noche
Naquella montina:
Cuitado
Quien me ahora ca mi sayo.

Tomales la noche
Naquella montina,
La moza cantaba,
El mozo decia:
Cuitado etc.

Existem ainda hoje costumes muito semelhantes. Além de São João


e São Gonçalo, também Santo Antônio é invocado como santo protetor
pelas donzelas399, como por exemplo na seguinte cantiga, cuja estrutura,
como se vê, é estreitamente aparentada à de nossas cantigas d’amigo:

Santo Antonio, quero-te eu adorar,


Pois os meus amores querem-me deixar;
Santo Antonio, d’aqui desta villa,
Pois os meus amores querem-me deixar,
Santo Antonio d’aqui desta praça,
Santo Antonio, quero-te eu adorar,
Pois os meus amores querem-me deixar.
(repete-se)

trata-se, de fato, de acordo com duas variantes (A e C), de: Cantar cantou d’elle dino, o que
também corresponde, totalmente, ao sentido da passagem. Com isso, o nome canto de ledino é
posto de lado de uma vez por todas. Cf. o editor sobra esta passagem, ibid., p. 102. (C. e A.)]
398
Novamente, é digno de nota, nessas cantigas, que cada poeta tenha tratado de um determinado
local de peregrinação, talvez aquele de sua terra natal: S. Cecília V. 876-881, S. Clemenço 806-
808, S. Fagundo 1090-91, S. Leuter 857-860, S. Maria das Leiras 341-2, de Leça 891-2, do Lago
893 (Fernam do Lago), S. Momede 873-5, S. Servando 734-750 (Joham Servando). Cf, porém,
Santiago 265, 429, S. Simon 336, 438, de diferentes autores.
399
Annuario 26-7: “O caracter mais interessante do santo, segundo a voz do povo, é, porém, outro;
consiste nas suas relações evidentes com os vestigios de antigos cultos phallicos, como succede
tambem com as tradições de São João e de São Gonsalo. Santo Antonio quebra as bilhas ás
raparigas e, depois de as ralar muito, concerta-as”. – Cf. Braga, Cancion. pop., pp. 158-160.

140

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Introdução

Quer que lhe pintem a sua ermida,


Pois os meus amores querem-me deixar,
Quer que lhe pintem a sua oraga,
Pois os meus amores querem-me deixar.
Com ua pinturinha mui linda,
Santo Antonio, quero-te eu adorar,
Pois os meus amores querem-me deixar,
Cum ua pinturinha mui clara,
Pois os meus amores querem-me deixar.400

Se o santo não atende o pedido implorado, então é punido401. As-


sim se canta, por exemplo, no Algarve:

Santo Antonio é o santo


Que mais pancadas deve levar,
Por não fazer o milagre
P’ra as raparigas casar.402

De forma similar, em uma cantiga d’amigo de Nuno Treez, uma


donzela ameaça querer queimar a São Clemenço apenas velas comuns, ao
invés das preciosas luminárias de altar, pois ele não lhe trouxe de volta o
amigo.

V. 807: Ca se el m’adussesse
O que me faz penad’andar,
Nunca tantos estadaes403
arderam ant’o seu altar.
Nem mh’aduz meu amigo,
pero lho rogu’e lho digo.
.........................................
Porend’ arderá, vos digo,
ant’el lume de bogia.

400
Annuario, p. 23. – Cf. as coplas galegas em Rom. VI, pp. 62-4. Um entrelaçamento bastante
parecido do refrão na estrofe já se encontra em Afonso X, por exemplo, CM. 143, 279, 308.
401
Cf. ibid.: “Elle é advogado dos casamentos das raparigas, e quando não se digna protege-las,
mettem-no num poço ou partem-no em pedaços” (Lisboa). Vê-se o mesmo costume no Algarve
etc. – J. Leite de Vasconcelos, Trad. Pop. 67, introduz passagens das Constituições dos bispados,
como por exemplo: “Nem levem as Imagens dalguns santos acerca d’agoa, fingindo que os que-
rem lançar em ella: e tomando fiadores: que se até certo tempo ho dicto santo lhes nom der agoa
ou outra cousa que pedem que lançaram a dicta imagem na agoa”.
402
Annuario 27, onde há ainda mais exemplos.
403
Não estandal, como Monaci quer ler em Canc. Vat. 437. A palavra estadal = cirio, hacha, lumbrera
encontra-se amiúde nos poetas do século XIII. Cf., por exemplo, Afonso X, CM. 8, 114, 229 e,
outras vezes, Berceo, S. Dom. de Silos, p. 353, S. Millan, p. 361.

141

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Das semelhanças anteriormente mencionadas, resulta que a canti-


ga feminina galego-portuguesa tem em comum com a lírica popular moderna
as mesmas tradições, e que por isso, de maneira geral, liga-se inteiramente
às crenças herdadas e aos costumes religiosos e morais a elas ligados dos
habitantes da Galiza e de Portugal. A tais hábitos rituais, em cuja essência
não pretendemos penetrar, poderia estar parcialmente relacionada a repre-
sentação formulaica e simbólica em que se movimenta o amor na espécie
de poesia em questão404. Se, em consequência desse traço característico, as
cantigas d’amigo que chegaram até nós não reproduzem um quadro fiel da
realidade imediata, se elas, de certo modo, a dissimulam, isso nada prova
contra sua origem popular, e tampouco é possível concluir daí que elas
tenham imitado essencialmente uma poesia estrangeira. Que o cultivo da
poesia popular pelas mulheres principalmente na Galiza, e portanto tam-
bém no Minho, etnologicamente aparentado, era natural, atesta-o o erudito
Sarmiento já no século passado, ao dizer (loc. cit., p. 538): “Además de
esto, he observado que en Galicia las mugeres no solo son Poetisas, sino
tambien Músicas naturales. Generalmente hablando, así en Castilla, como
en Portugal, y en otras Provincias, los hombres son los que componen las
coplas, é inventan los tonos, ó ayres; y así se vé que en este género de
coplas populares, hablan los hombres con las mugeres, ó para amarlas, ó
para satyrisarlas. En Galicia es al contrario. En la mayor parte de las coplas
Gallegas, hablan las mugeres con los hombres; y es porque ellas son las
que componen las coplas, sin artificio alguno; y ellas mismas inventan los
tonos, ó ayres á que las han de cantar, sin tener idea del Arte Músico”.
Resumindo essas considerações sobre o conteúdo das cantigas
d’amigo e acrescentando que, segundo o julgamento do profundo conhece-
dor da poesia popular hispânica, M. Milá y Fontanals, a Galiza atual, apesar
da forte influência de Castela, ainda possui uma poesia nacional própria405,
cujas formas são visivelmente semelhantes, em parte, às cantigas cultas do
século XIII compostas em tom popular406, julgamo-nos autorizados a con-
cluir que a cantiga feminina galego-portuguesa tradicional que chegou até
nós baseia-se fundamentalmente numa lírica popular autóctone antiga e
que, conforme destacou Monaci407, apenas desse modo se pode explicar
sua existência e seu fértil desenvolvimento nos cancioneiros antigos.

404
Figurada, por exemplo, é a expressão para as perigosas consequências de um baile, V. 796: “Fostes,
filha, e-no baylar E ronpestes hy o brial”. Cf. em Jeanroy (p. 205) exemplos das modernas canti-
gas populares francesas.
405
La poesia popular gallega, em Rom. VI, p. 56.
406
Ibid., pp. 51, 56.
407
CAP., p. X.

142

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Introdução

Passemos agora à discussão das cantigas d’escarnho e de mal-


dizer.
Segundo a Poética portuguesa antiga, essas cantigas – que podem
ser tanto de maestria quanto de refram – diferenciam-se umas das outras
pelo fato de que as cantigas d’escarnho possuem duplo sentido, o que pode
dificultar seu entendimento, e as cantigas de maldizer, ao contrário, falam
de modo inequívoco408.
Além disso, são mencionados ainda dois tipos aparentados de can-
tigas satíricas, o joguete derteiro409 e a rifaoelha410, dos quais, contudo, se
diz na Poética: “Non som cousas em que sabedoria nem outro bem aia”. –
Aí reside o motivo de não os encontrarmos nos cancioneiros.
Esses nomes, bem como o número considerável e a variedade de
cantigas de escárnio e cantigas de maldizer a nós transmitidas nos cancio-
neiros, as quais têm conteúdo inteiramente nacional, mostram que cedo a
cantiga satírica já se havia desenvolvido na Galiza e em Portugal, ao lado
da cantiga de amor.
O indiscutível pendor dos galegos e portugueses para a troça e
para a sátira é-nos comprovado na época antiga e na atual. Nos antigos
livros de leis e nos nobiliários menciona-se frequentemente a apostyla de
maldizer. Assim, por exemplo, Ineditos V, 389: “De custume [é] que ennas
demandas das feridas que pode o demandado pedir jura de malicia, dizen-
do que lho demanda maliciosamente, e por apostilla, e devem juygar que
lo jure sem cruz”411. – PMH. Script. I, 227: “E nos fezemos muyto em noso
tempo pera saber a uerdade deste feyto se pasara asi como aqui he escrito.
E achamos per fidalgos asi como per D. Fernando de Crasto ... que esto
fora apostyla de maldizer”412.
O emprego de nomes injuriosos deve ter sido oficialmente proibi-
do. Assim se diz, por exemplo, nos Foros da Guarda (Ineditos V, 435):

408
CB. cap. V-VI. – Em determinada passagem das Siete Partidas, mencionada por Milá y Fontanals,
Trob., p. 542, temos: “… Cantigas ó rimos ó deytados malos de los que han sabor de infamar.
Esto fazen á las vegadas paladinamente ó á las vegadas encubiertamente, echando aquellos escri-
tos malos en las casas de los grandes señores, ó en las eglesias ó en las plaças comunales de las
villas, porque cada uno los pueda leer ... non sea osado de cantar cantigas ni decir rimas ni
dictados que fuesen fechos por deshonra”. Aqui, contudo, as palavras paladinamente e
encubiertamente referem-se provavelmente apenas ao uso secreto ou aberto que se fazia destas
cantigas, não ao seu conteúdo.
409
Deve-se talvez ler d’arteiro. Cf. Elucidário s. v. arteiro.
410
Nada de melhor temos a oferecer em lugar dessa leitura nitidamente errônea de Monaci para a
risaoelha do texto.
411
Cf. PMH. LC. I, p. 214.
412
Cf. ibid., pp. 284 e 341: “matoua por maldizer”.

143

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Todo vizinho ou vizinha que dixer mal a seu vizinho, ou a sa vizinha, falsso,
ou aleyvoso, ou o nome castellao, ou puta, ou cegoonha, ou mulher boa...
peyte ao ome 5 m ...
Os galegos e portugueses tinham um olhar aguçado para peculiari-
dades pessoais, que se dão a conhecer, como nos romanos antigos413, dentre
outras coisas, nos numerosos sobrenomes encontrados nos documentos.
Assim, por exemplo, PMH. Script I, 165: Fernão Rodrigues Cabeça de
vaca; Dona Gontinha Soares Carnesmás; 211: Ayras Perez que chamarom
por sobrenome Ferpas de Burel; 287: D. Affonso Ramires Gramdeamor;
333: Affonso Rodrigues o escaldado porque tinha poucas barbas, e muitos
outros. Também ainda hoje o povo prefere usar alcunhas precisas em vez
do nome de família414.
A sobrevivência dessa veia satírica entre os atuais habitantes da
Galiza e de Portugal expressa-se nos gêneros líricos dos desafios e arrufos
e é reconhecida por M. Milá y Fontanals, quando diz sobre o caráter gale-
go: “Algo muelle, pero apacible y bondadoso, sin que deje de ofrecer, acaso
más de lo que se creyera, propensiones satíricas”415. As estrofes de caráter
satírico são denominadas pelos galegos tiradillas para escarnir ou sim-
plesmente tiradillas416.
Pode-se aplicar com total exatidão às cantigas d’escarnho e de
maldizer de nossos cancioneiros a excelente caracterização que Wolf
(Studien, p. 201) deu do gênero de poesia análogo da lírica culta castelhana
do século XV: “É de supor que entre os cortesãos não faltasse médisance,
sob o vatum irritabile genus, nem a inveja e os atritos pessoais, e por isso a
rubrica cantiga insultuosa não é a menos adequada. Todavia, é igualmente
natural que neste gênero, que faz da revelação de deficiências pessoais, do
flagelo da realidade ordinária o alvo de sua zombaria rancorosa e deleite
maldoso, e que somente numa cultura muitíssimo avançada não desce ao
pasquim e à obscenidade, se mostrem a rudeza e a brutalidade daquela
época no mais intenso contraste com o idealismo convencional”.
Entre os poetas galego-portugueses destacam-se principalmente
Afonso o Sábio, Martin Soarez, Joham Soarez Coelho, Gil Perez Conde,
Affons’Eanes do Cotom, Joham Vasquez e Estevam da Guarda, pelo nú-
mero e relevância de suas cantigas de maldizer e escárnio, nas quais se nos

413
Cf. Teuffel, Geschichte der lat. Litt., p.3.
414
Cf. J. Leite de V., Revista lusit. I, p. 147; Lang, GZ. XIII, pp. 427-8.
415
Rom. VI, p. 56. Cf. J. Leite de V., Trad. pop., p. 248; Revista lusit. I, pp. 176-7; Braga, Canc.
pop., p. 34.
416
Rom. VI, p. 48.

144

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 144 29/4/2010, 11:13


Introdução

revela um quadro tão vivo das relações sociais e dos costumes no oeste da
Península Hispânica.
As cantigas do rei Denis diferenciam-se das desses poetas em mais
de um aspecto. Enquanto, por exemplo, o erudito soberano castelhano ora
se dirige com malicioso escárnio contra um companheiro de arte (por exem-
plo, V.70), ora descarrega sua cólera sobre um vassalo infiel, como na
ricamente colorida e vigorosa cantiga V.79, ou, segundo o costume da épo-
ca, também traz o escandaloso para ser censurado, no trono de Portugal o
seu neto parece ter julgado abaixo da sua dignidade colocar sua musa a
serviço de contendas apaixonadas e difamatórias ou de reflexões licencio-
sas. Denis absolutamente não se ocupa de assuntos mais sérios, de
acontecimentos mais importantes ou de circunstâncias de sua época e de
seu país. Em seus poemas ele zomba, de forma inocente e às vezes polida,
de defeitos pessoais alheios e outros males. Das pessoas que nos apresenta,
conhecemos apenas uma, seu fiel meirinho-mor e favorito Joham Simhom.
Por causa de suas expressões ambíguas, ambas as cantigas CXXXVI e
CXXXVII devem ser designadas como cantigas d’escarnho.
O prenome Melion, que aparece em dois poemas (CXXIX e
CXXX), o rei deve tê-lo retirado de saga bretã417. Considerando-se que as
frequentes alusões (mencionadas na nota a XXXVI) dos trovadores à ma-
téria bretã, especialmente os cinco lais 418 que abrem o códice
Colocci-Brancuti, com suas rubricas explicativas, e a cantiga Leonoreta
Fin Roseta de Joham Lobeira, CB. 230419, que se encontra também no
Amadis de Gaula, pressupõem uma significativa familiaridade da socieda-
de portuguesa do século XIII com as antigas adaptações francesas de sagas
bretãs, não é de admirar que, já naquela época, aflorasse o costume de se
utilizarem nomes bretões como nomes de batismo, um costume que gozou
de grande popularidade em Portugal no século XV420 e que pode ser visto
na Itália já no século XII421.
O pouco que, além disso, conseguimos averiguar sobre o conteúdo
dessas cantigas está indicado nas notas. Por causa da total escassez de rela-
ções mais minuciosas que caracteriza as cantigas satíricas de nosso rei,

417
Cf. o lai épico de Melion, GZ. VI, p. 94.
418
Digna de nota é a concordância dos versos iniciais do primeiro lai (CB. 1): “Amor, des que m’a
vos cheguey Bem me posso de vos loar” e de V. 476 “Amor, de vos bem me posso loar De qual
senhor mi fazedes amar ...” com o início de uma cantiga de P. Cardinal (Choix III, p. 438): “Ar mi
puesc eu lauzar d’amor”.
419
Vid. C Michaëlis de V., GZ. IV, pp. 347-351.
420
Cf. Braga, Curso de Historia da Litt. port., p. 145.
421
Rajna, Rom. XVII, pp. 161-185.

145

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

pode-se determinar a data da sua composição com tão pouca precisão como
a das cantigas de amor. Conforme indicado na nota a CXXXIV, pode-se
supor, considerando-se as palavras en cas d’el rei, que esta, bem como a
cantiga seguinte, tenham surgido nos anos 1277-1279, quando o infante
Denis mantinha corte própria422. CXXXVIII não pode ser posterior a 1316,
uma vez que Joham Simhom morreu nesse ano423.

B. A FORMA
No início desta introdução (pp. 62-64), já se tratou da importância e
da provável data da poética portuguesa antiga, que abre o cancioneiro Colocci-
Brancuti. Como fonte mais substancial e mais confiável para nosso
conhecimento da terminologia, mas principalmente da doutrina do verso, da
estrofe e da rima da lírica galego-portuguesa, devem ser consideradas, na
verdade, as obras dessa mesma escola. Em alguns casos, também fornecem
preciosa informação as rubricas e as explicações acrescidas a certos poemas
e, sobre a música, especialmente as vinhetas do manuscrito da Ajuda424.
Aqui salientamos, na medida em que não o fizemos antes, genera-
lidades, e reservamos para as respectivas secções a referência a detalhes
específicos.
Aquele que, nobre ou não, era um poeta culto bem formado, isto é,
que sabia poetar e compor cantigas com perfeição e, por isso, vivia como
poeta independente, chamava-se trobador425. O escudeiro que perambulava
a cavalo426, que compunha cantigas do tipo artístico como o trovador427 ou
que também se ocupava da profissão de menestrel (jograria)428, mas que
exercia sua arte como profissão e aceitava presentes429, era denominado se-
grel430. Segundo a resposta, atribuída a Afonso o Sábio, à conhecida súplica
de Guiraut Riquier sobre o fato de os poetas cultos na Espanha portarem o
nome segriers431, é evidente que essa expressão, apenas por efeito da influência

422
Mon. lusit. V, p. 25.
423
Ibid., VI, p. 235.
424
Compare-se a isto o que diz Carolina Michaëlis de Vasconcelos, em seu admirável trabalho re-
centemente publicado (Grundriss II, 129 ss.) sobre a literatura portuguesa.
425
Cf. V. 68, 70, 965, 1010-16, 1020-22, 1024, 1032, 1034, 1092, 1104, 1184.
426
V. 556 e nota 90.
427
V. 1021: “Como segrel que diga mui ben ues En canções e cobras e serventes”.
428
CB. 116 23, 387, 388.
429
Cf. nota 3 e CB. 387.
430
Cf. ainda V. 663, 1086, 1175.
431
Na assim denominada Declaratio de Afonso o Sábio para G. Riquier (Diez. PT.2 p. 303), temos:
“E ditz als trobadors Segriers per totas cortz”.

146

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Introdução

provençal perdeu seu conceito nobre, sendo suplantada pelo termo trobador.
Quem fazia da arte poética uma profissão, principalmente declamando as
cantigas dos trovadores, ou na comitiva destes ou na corte dos fidalgos, em
troca de recompensa, era um jograr432. O segrel e o jograr coincidiam433 pelo
fato de ambos serem poetas profissionais assalariados. Compor ou encon-
trar uma cantiga chama-se trobar (por exemplo, V. 1022, T. e C. 240); compor
a melodia, fazer o som ou ensoar (por exemplo, V. 1160, 1170); fazer ten-
ções, entençar (V. 1010, 1104); compor uma cantiga à maneira de uma
outra, seguir (V. 1007, 1033, CB. p. 5, c. 9); cantar, cantar e dizer (por
exemplo, V. 321, CB. 13, 116). A canção é cantiga434 ou, como no proven-
çal, cantar; uma vez cada, encontramos canção (V. 1021), troba (V. 387,
rubrica) e trobar (V. 917); a melodia chama-se som (por exemplo, 949,
965, 971, 1007). Sobre a divisão das cantigas em cantigas de maestria e
cantigas de refram (CB. p. 3, c. 5), fala-se mais adiante. Ao lado das can-
tigas d’amor e das cantigas d’amigo, bem como das cantigas de escárnio e
das cantigas de maldizer, de que já falamos anteriormente, figuram ainda,
como tipos especiais de poesia, a cantiga de vilão (V. 1043, CB. p. 3, c. 8);
o seguir (CB. p. 4, c. 9); a tenção, tençom (CB. p. 3, c. 7) ou entençom
(V. 1021-2); o serventes (V.1021); o descordo435; o lais (V.1147, CB.1-5);
uma gesta de maldizer (V.1080) e muitos outros, para os quais não se trans-
mitiu nenhum nome. A estrofe é denominada cobra (por exemplo, V. 1170)
ou talho (CB. p. 4, c. 9); o verso, palavra (ibid.), uma vez também ves
(V. 1021) e vesso (V. 1088)436. O estribilho chama-se refram (CB. p. 3,
c. 5); a coda, fiinda (ibid., p. 4, c. 3). A lírica culta portuguesa não conhece
o envoi dos trovadores provençais. O caderno de cantigas denominava-se
caderno (V. 1116). O principal instrumento de que os cantores se serviam

432
Cf. V. 691-700, 1021, 1105-7, 1117, 1179, CB. 387-8. – As Siete Partidas (VII. Part. tit. 6, lei 4)
distinguem entre juglares, como bufões vulgares, e honrados menestréis, dizendo-se destes últi-
mos: Mas los que tañeren estrumentos ó cantaren por facer solaz á si mesmos, ó dar solaz á los
reyes ó á los otros señores, no serian por ende enfamados.
433
Esses nomes também aparecem frequentemente como sinônimos, por exemplo, CB. 116, 387-8.
– Em Gonçalo de Berceo, joglar é ainda sinônimo de trobador; cf. San. Dom. 318, 775; Loores
de Berceo 23; Libro de Alex. 1.
434
Milá y Fontanals (Romania VI, p. 57) já apontou que cantiga, como vocábulo autóctone, tem no
galego a tônica na penúltima sílaba. Em nossos cancioneiros, não dispomos de nenhuma passa-
gem em que esta acentuação seja comprovada pela rima, mas sim nas obras de Gil Vicente (por
exemplo II, 52, III, 240) e no Canc. Res. (por exemplo I, 22, 54), em que a palavra rima com
fadiga, diga. – Cf. C. M. de Vasconcelos, loc. cit., p. 195.
435
V. 481, 963, CB. 109, 362. – C. M. de Vasconcelos cita reiteradamente descort como expressão
portuguesa e refere, para isso, CB. 109. Entretanto, o que realmente se diz ali é: “e meu descor da
cabarei”. Deve-se ler, portanto, descordo, conforme já haviam dito os italianos (assim, por exem-
plo, Gaspary, Storia della Lett. ital. I, 58); descort não seria, aliás, uma forma portuguesa.
436
Em Afonso X, CM. 284, 288, ao contrário, vesso significa uma cantiga, como em provençal.
Cf. Diez, PT.2 89-94.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

era a giga [Geige], citola ou citolom (V. 971-3, 1104-7), tocar a giga era
citolar (ibid.). Além disso, menciona-se ainda em nossos cancioneiros
somente uma espécie de tamborim, o adufe (V. 883 o adufe tanger, so-
nar)437.
Trataremos primeiramente do verso.
O trocaico de cinco sílabas ou verso redondilho menor, como já ob-
servou Diez (KuHp. 38), apenas raramente se acha utilizado na cantiga culta.
Denis vale-se dele no refrão de um poema em estilo culto, LVI;
nas Trovas, ele comparece à página 393, ligado a decassílabos jâmbicos; e
também Afonso o Sábio, em suas cantigas marianas, mistura-o a versos
mais longos, como por exemplo em CM. 9, ao decassílabo trocaico. Além
disso, Denis usa-o apenas em CXVI, uma cantiga de caráter popular.
Ao contrário, o verso de sete sílabas ou redondilho maior é geralmente
o metro preferido da poesia hispânica, também da cantiga culta. Ele aparece
frequentemente inclusive na lírica francesa do norte e do sul. Denis utiliza-o
em 19 poemas, dos quais três com terminação exclusivamente masculina.
Não raro, ocorre nos cancioneiros um verso feminino de dez síla-
bas, com o acento na nona, o qual se mistura facilmente com decassílabos
jâmbicos de terminação masculina438. O acento interno está geralmente so-
bre a quarta sílaba, mas recai muitas vezes sobre a terceira ou a quinta.
Nosso rei empregou esse verso em sete cantigas (XXVI, LVI,
LXXXV, CIII, CIX, CXIX, CXXXVIII). Diez tratou-o (KuHp., pp. 47-49),
embora com reservas, como decassílabo trocaico. Todavia, ele deve ser
considerado antes como eneassílabo trocaico, pelas seguintes razões:
Ao lado do verso com terminação feminina, encontramos nos can-
cioneiros também um com rima masculina, como por exemplo V. 229:

Nunca lh’o pósso tanto dizer


que o comígo possa fazer
estar...

ou V. 317:

Poys que vos eu quero mui gran ben,


amigu’ e quéro por vos fazer
quanto me vós rogades dizer.

437
Com relação a outros instrumentos desenhados nas vinhetas do manuscrito da Ajuda, vid. C. M.
de Vasconcelos, loc. cit., p. 202.
438
T. e C. 77, 78, 119, 120, 180, 184, 219; CB. 319, 389, 391; V. 262, 264, 269, 323, 325, 354, 363,
377, 402, 407, 416, 429, 435, 452, 489 etc.

148

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Introdução

Também Afonso o Sábio, nas cantigas marianas, utiliza o verso


eneassílabo tanto masculino quanto feminino, misturando-o, do mesmo
modo, a decassílabos jâmbicos masculinos e tratando-o exatamente como
nosso rei e seus colegas de arte.
O masculino aparece, por exemplo, em CM. 97:

D’est’un mirágre vos contarey


que en Canéte, per com’ achey
a Uirgen pór un ome d’un Rey
fez, que mezcráran com’ apres’ ey...

ou ibid. 15, misturado com versos femininos:

E de lle seéren ben mandados


esto dereít’ e razon aduz;
pois que por éles encravelados
ouue seu Fill’ os nembros na cruz.
............................
Porend’ estan sémpr’ apparellados
de fazer quánto ll’en prazer for.439

Na maioria desses versos, como se observa, a pausa aparece de-


pois da quarta sílaba acentuada, apenas algumas vezes depois da quinta
sílaba acentuada, e não há nenhum motivo para considerar os versos
eneassílabos femininos de modo diverso dos masculinos.
A lírica provençal utilizava, se bem que não frequentemente, um
verso eneassílabo construído de forma bastante semelhante, do qual Bartsch
compilou exemplos (GZ. III, 377-8). Assim, por exemplo, masculinos:

Mayres de dieu, los mieus precz enten


et am to filh tu donam defen
del fals enemic que no m’engane
ni per son baral m’arma no pane.

ou femininos:

Toz soi sieus q’aissi foss ella mia


q’aissi conquer amichx bon’amia.
lass ar crei qel deszirs (l. deziriers) m’ancia.

439
Cf. ainda CM. 109, 120, 255.

149

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 149 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Bem mais frequente, contudo, é o verso eneassílabo na lírica fran-


cesa antiga, onde aparece especialmente no romance. Aqui, aliás, esse tipo
de verso tem a cesura na maioria das vezes depois da quinta sílaba acen-
tuada440, embora se encontrem também numerosos exemplos nos quais essa
regra não é observada e o acento interno, ao contrário, cai sobre a terceira e
sexta sílabas, ou, como Jeanroy demonstrou, por exemplo, em Blondel de
Nesle, é completamente obliterado (Origines, p. 354)441.
Versos franceses com acento na terceira e sexta sílabas estão, por
exemplo, em Bartsch, Altfranz. Rom. I, 65, 46:

mais ades loiaument amerai.

Renart le Nouvel 6378 (var.):

Et doucours et pities ne m’oublie.

Comparem-se a esses, por exemplo, os seguintes versos de Denis:


1098, 1105, 1113, 2411, 2418, 2770.
Sem cesura clara ou acento interno são versos como o seguinte,
provençal (Bartsch, GZ. III, p. 378):

Qu’ainch puois no fui ses joi noit ne dia

ou francês (Bartsch, Altfrz. Rom. I, 65, 46):

Je ne sai dont li maus vient que j’ai.

Blondel de Nesle (Jeanroy, Origines, p. 354):

Loyal amant as conquis en moi.


Que je te perds pour ma bonne foi.

Exemplos desse tipo não são frequentes em Denis. A maioria de


seus eneassílabos possui uma certa cadência anapéstica, tal como encon-
tramos de novo nos eneassílabos femininos da poesia popular galega atual,
que Milá y Fontanals (Romania VI, p. 66) designa com o nome decasílabo
anapéstico442:

440
Cf. Bartsch. loc. cit., p. 380.
441
Cf. Bartsch, loc. cit.
442
Ibid., p. 50, Milá y Fontanals refere-se a um artigo na Revista historica latina II, 182, onde ele
atesta a existência de um hendecassílabo e de um decassílabo (respectivamente, decassílabo e

150

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 150 29/4/2010, 11:13


Introdução

Cabaleiro que vas de cabalo


Malo fogo te salte n’o rabo.
Tres de riba, tres de baixo
Inda cais do cabalo abaixo.

De acordo com isso, pode-se talvez aceitar que a lírica culta portu-
guesa derivou seu eneassílabo da cantiga popular.
Não tão frequente em nossos cancioneiros, mas igualmente apre-
ciado, é o decassílabo com a quinta sílaba acentuada, o assim denominado
verso de arte mayor, cujos hemistíquios, conforme sejam masculinos ou
femininos, têm cinco ou seis sílabas.
Bom exemplo disso oferece V. 321, uma cantiga de tom popular:

Sedia la fremosa, seu fuso torcendo,


sa voz manselinha fremoso dizendo
cantigas d’amigo.
..............................
Par dês de cruz, dona, sey eu que avedes
amor mui coitado, que tan ben dizedes
cantigas d’amigo.443

Também Afonso o Sábio se serviu frequentemente desse tipo de


444
verso . Em Denis, ele aparece apenas em dois poemas, nos quais não se
verifica, contudo, a total homogeneidade dos hemistíquios que encontra-
mos no exemplo citado acima. Em LXXVI, uma cantiga de maestria, o
texto é muito defeituoso para que se possa avaliar integralmente a estrutura
do verso. Os versos da primeira estrofe compõem-se parte de hemistíquios
femininos, parte de femininos e masculinos; os quatro primeiros versos da
segunda estrofe compõem-se de hemistíquios masculinos e femininos, os
três últimos, de femininos; na terceira estrofe, as rimas, com exceção de
dois versos, são masculinas e a cesura, feminina, exceto no quinto e no
sétimo versos. A fiinda tem cesura feminina e final masculino.
O segundo poema, CXXVII, já foi mencionado por Diez (KuHp.,
p. 45) como constituído por decassílabos trocaicos. Aqui, o primeiro
hemistíquio é geralmente feminino, o segundo, masculino. Irregularmente
construídos são o primeiro e o quarto versos da segunda estrofe, nos quais

eneassílado) de movimento anapéstico na lírica popular galega. Sobre isso, cf. Romania IV,
p. 508.
443
Da mesma forma são construídos V. 722, 741, 742, 902.
444
Por exemplo, CM. 9, 65, 79, 82, 114, 145 etc.

151

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 151 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

a cesura é completamente negligenciada. Além disso, encontram-se ainda


versos de arte mayor, com hemistíquios masculinos, no refrão de CIX,
misturados a eneassílabos femininos445.
Milá y Fontanals traz exemplos dessa espécie de verso também da
lírica popular galega, como por exemplo na quadra seguinte, onde, do mes-
mo modo, alterna com eneassílabos femininos:

Lagartiño vai o foradiño


Que ven tua nai co’a cunca de viño,
Lagartiño vai o portelo
Que ven tua nai co’a cunca d’o grelo.

Como se sabe, também a lírica francesa do norte e do sul empre-


gou o decassílabo trocaico446.
De outro tipo é o decassílabo feminino com ritmo decrescente, que
Denis utilizou na graciosa cantiga popular XCII. No que se refere à sua
cadência, ele pode ser comparado, como já o fez Milá y Fontanals (Romania
VI, p. 50), aos versos que este erudito denominou endecasílabos anapésticos,
os quais ainda hoje aparecem em uso na lírica popular galega e asturiana,
devendo ser bastante antigos. Assim, por exemplo, na munhiñeira seguinte
(Romania VI, p. 65):

Cando te vexo n’a beira d’o rio


Queda o meu corpo tembrando de frio,
Cando te vexo do monte n’altura
A todo o mon corpo lle da calentura.

ou nos versos de um romance asturiano, já citados à p. 133, como por


exemplo:
¿Donde le dejas á tu buen amigo?
¿Donde le dejas á tu buen amado? etc.

Versos semelhantes aparecem ainda mais frequentemente nos tro-


vadores portugueses, como na linda pastorela de Ayras Nunes, V. 454:
Pela ribeyra do rio cantando
ia la virgo d’amor. Quen amores
ha etc.

445
Na lírica francesa também ocorre tal alternância de ambos os tipos de versos. Cf. Bartsch, Altfrz.
Rom. II, p. 62 e GZ. III, p. 371.
446
Cf. Bartsch, GZ. II, p.196, III, pp. 368-377; Stengel, Grundriss II, p. 36.

152

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 152 29/4/2010, 11:13


Introdução

Esse tipo de verso derivou, portanto, da poesia popular autóctone.


Como hendecassílabo trocaico poderia ser considerado o verso
utilizado por Denis em XCVII, embora só raramente ele obedeça a um
requisito essencial dessa espécie de verso, usual na lírica culta francesa447,
a acentuação da sétima sílaba. No poema de nosso rei, o acento interno
recai, em geral, sobre a quarta ou quinta sílaba, e apenas no primeiro verso
nitidamente sobre a sétima sílaba.
Totalmente semelhante é o hendecassílabo construído por Afonso
o Sábio em uma cantiga mariana, CM. 74, de que se mostra aqui a primeira
estrofe:

E d’est’ un miragre vos quero contar


de como Santa Maria quis guardar
un seu pintor que punnaua de pintar
ela muy fremoss’ a todo seu poder448.

Também provençais e franceses, em formas tardias desse verso,


transferiram o acento interno para a quinta sílaba449. Com essa espécie,
portanto, poderia coincidir nosso hendecassílabo português. Um verso
hendecassílabo feminino com cesura regular exata depois da quinta sílaba
foi utilizado em uma cantiga popular de Nuno Porco, V. 719.
Dentre os metros jâmbicos, o tetrassílabo aparece apenas espora-
dicamente, como em CXIII (feminino), no refrão, e em CXXIV (masculino),
igualmente em verso usado como refrão. Outros poetas também o usam, e
Afonso X emprega-o, do mesmo modo, apenas com versos mais longos450,
como já ocorria, ainda, na lírica provençal e francesa451.
Como já destacou Diez (KuHp., pp. 38-9), o verso jâmbico mais
curto, de que geralmente se serviram os portugueses, é o hexassílabo.
Denis compôs oito cantigas nessa medida, das quais uma (X) com
rimas masculinas, quatro (LXXXIX, XCIV, CII, CXX) com rimas femini-
nas, CXXXVII com rimas misturadas, CXXII com dois heptassílabos
masculinos em cada estrofe, CXXIV com um heptassílabo masculino em
cada estrofe. Além disso, encontram-se versos hexassílabos também em
LIV, XCIII, CXVII.

447
Cf. Jeanroy, Origines, pp. 343-9; Stengel, loc. cit.
448
Cf. ainda CM. 21, 63, 86, 123, 131, 132, 138, 186, 209, 267 etc.
449
Stengel, loc. cit., p. 47.
450
Cf. CB. 51; CM. 139, 180, 255.
451
Stengel, loc. cit., pp. 33-4.

153

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Bem mais comum do que o citado é o octossílabo, empregado qua-


se exclusivamente na poesia narrativa e didática do norte e do sul franceses.
Denis vale-se dele em 39 cantigas, das quais apenas duas com ter-
minação feminina.
Em sua forma mais antiga esse verso acentua, conforme observa
Stengel (Grundriss II, 43-45), além da oitava, quase como regra também a
quarta sílaba, que pode ser seguida por uma sílaba átona de final da pala-
vra, contada como quinta sílaba. Em Denis, uma grande quantidade de versos
é desse tipo. Entre os primeiros 300 versos de oito sílabas, não menos do
que 100 acentuam a quarta sílaba de final da palavra, como por exemplo 8,
19, 25, 26, 27, 88, 89, 91, 105, 108, 119, 123, 157, 158 etc., e mais que uma
décima parte permite seguir, à quarta acentuada, uma quinta sílaba átona
de final da palavra, como por exemplo 82, 87, 93, 159, 163, 179, 251, 309,
311, 312, 371, 378, 385, 476, 483, 497 etc.
Além disso, em aproximadamente 40 de 300 octossílabos, não
raro a quarta sílaba acentuada também é substituída por uma átona de final
de palavra. Assim, por exemplo, 2, 5, 6, 7, 12, 85, 94, 97, 101, 115, 120,
164, 248, 249, 252 etc.
Opõe-se a essas formas antigas do octossílabo um número real-
mente grande de formas posteriores, em que o acento cai na terceira em vez
de na quarta sílaba, mas esta não está no final da palavra, e sim, ou é uma
palavra átona ou se encontra numa sílaba inicial ou medial átona; exem-
plos do primeiro caso: 84, 92, 98, 99, 111, 121, 161, 167, 168, 250, 319,
370; exemplos do último: 1, 11, 22, 83, 90, 103, 110, 113, 118, 262, 316,
322, 466 etc.
O verso preferido da lírica galego-portuguesa é indiscutivelmente
o decassílabo. Ele foi empregado em todos os tipos de poema, mas princi-
palmente, como observou Diez (KuHp., p. 89), “onde era necessário
empreender vôo um pouco mais alto ou fazer reflexões mais sérias”. Esse
verso encontra-se em 53 poemas de nosso rei.
No decassílabo jâmbico dos provençais e dos franceses, a cesura
aparece via de regra depois da quarta sílaba acentuada. Geralmente isso
vale como norma também para os portugueses, embora frequentemente se
desviem dela. Entre os primeiros 400 decassílabos de nosso poeta, mais de
uma quarta parte acentua a quarta sílaba, à qual se segue ainda, frequente-
mente, uma quinta sílaba átona do verso, valendo como final de palavra,
como por exemplo 32, 33, 37, 38, 39, 41, 43, 44, 45, 47, 56, 69 etc.
Com frequência, o acento interno de palavra encontra-se na sexta
sílaba, em aproximadamente 30 de 400 decassílabos. Assim, por exemplo,
48, 57, 80, 125, 126, 135, 149, 152, 205, 206, 272, 294, 354, 436, 536 etc.

154

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 154 29/4/2010, 11:13


Introdução

Também aqui, às vezes, à sílaba acentuada segue-se uma átona de final de


palavra, contada no verso. A denominada cesura épica não se encontra,
portanto, nos casos mencionados até aqui.
Ao contrário, CXI talvez possa ser visto como um poema no qual
a cesura é basicamente usada após a sexta sílaba acentuada, a cesura arcai-
ca, conforme Stengel (loc. cit., p. 53) chamou esta forma. Em quase todos
os versos desse poema segue-se, à sexta sílaba acentuada, uma sílaba átona
de final de palavra, com uma pausa sintática nitidamente marcada. Em três
versos, essa sílaba átona é a conjunção e e pertence sintaticamente ao se-
gundo hemistíquio. Se não a contarmos, então temos, consistentemente,
um decassílabo com cesura épica depois da sexta sílaba acentuada, ao qual
se contrapõe apenas o segundo verso do refrão com acento na quinta síla-
ba, igualmente de final da palavra.
Diez (KuHp., p. 40) considera nosso verso, de fato, como uma
abreviação do verso longo formado por dois hexassílabos jâmbicos, que
temos em XCI; contudo, decassílabos assim construídos encontram-se na
poesia antiga do sul e do norte francês, como por exemplo no poema
provençal de Girart de Roussillon e em dois romances franceses antigos,
em Bartsch, I, 5 e 16452.
Em vez do decassílabo com acento interno permanente na quarta
ou sexta sílaba, a lírica do norte e do sul francês permite também uma
forma na qual estas sílabas são átonas; por isso o acento recai sobre a ter-
ceira ou quinta sílaba e surge a assim denominada cesura lírica. Ela é co-
nhecida também dos portugueses. Dos primeiros 400 decassílabos de nosso
rei, mais ou menos uma décima parte mostra essa forma; com o acento na
terceira sílaba, por exemplo, 46, 63, 66, 67, 76, 148, 202, 204, 210, 215,
288, 305, 409, 414 etc.; na quinta, por exemplo, 49, 146, 214, 268, 269,
510, 530, 549, 579, 599, 608, 616, 622 etc.
Não raro, contudo, os poetas portugueses negligenciaram o acen-
to fixo no interior do verso e trataram apenas de satisfazer o número de
sílabas requerido para o verso453. Em Denis, isso aconteceu em aproxima-
damente uma décima parte entre os primeiros 400 decassílabos, como por
exemplo 30, 34, 35, 40, 42, 52, 53, 61, 63, 74 etc.
Como o nosso rei, assim também tratou Afonso o Sábio esse ver-
so em suas cantigas marianas454.

452
Sobre isso, cf. também Stengel, loc. cit.
453
Cf. Diez, Altrom. Sprachdenkmale, p. 103 e KuHp., p. 40.
454
CM. 22, 52, 58, 61 etc.

155

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Finalmente, além do decassílabo, a lírica culta galego-portugue-


sa ainda utilizou, embora não tão frequentemente, o dodecassílabo.
Esse verso longo consiste de dois hemistíquios iguais com termi-
nação masculina ou feminina, que permanecem inalterados em toda a es-
trofe. Encontramos o verso com ambos os hemistíquios em terminação
feminina numa cantiga popular de Denis, XCI, além de, por exemplo,
CB. 112, 329, V. 711, 726, 744, igualmente em poemas de forma popular,
T. e C. 4 etc455. Afonso o Sábio também o utilizou nesse formato, como por
exemplo CM. 23 e p. 582, nº. V.
Nos poemas mencionados, a cesura feminina é totalmente conser-
vada; não ocorre a alternância de cesura masculina e feminina que
encontramos nos dodecassílabos ou alexandrinos dos provençais456. Por
isso, pareceu mais correto também a Diez (KuHp. pp. 41-2) não considerar
esse verso português como imitação do alexandrino provençal, mas antes
como uma composição independente, de dois hexassílabos jâmbicos. A fa-
vor desta hipótese, aliás, temos também o fato de que a lírica culta provençal
utilizou muito raramente o alexandrino457 e, conforme já observado, o ver-
so português aparece especialmente em cantigas de cunho popular.
Diferente das estruturas apontadas até aqui é o tipo de verso utili-
zado em uma outra cantiga do nosso rei (CXVII), igualmente uma cantiga
de amigo.
O único dodecassílabo da espécie acima mencionada é o 2376,
cujo primeiro hemistíquio é masculino, o segundo, feminino. Também
dodecassílabos, porém com acento interno na quarta e oitava, em vez de na
sexta sílaba, são 2371, 2382, 2383. Nos versos 2369, 2374, 2375, 2377,
2380, 2381, o primeiro hemistíquio é um hexassílabo feminino, o segundo,
do mesmo modo feminino, tem o acento na quinta sílaba, parecendo, por-
tanto, reduzido de uma sílaba458. No verso 2370, o acento interno recai
sobre a sétima sílaba, a que se segue também um hemistíquio feminino
com acento na quinta sílaba. Além disso, cada estrofe tem um par de rimas
de hexassílabos femininos. Resta ainda o 2386, um verso com pausa de-
pois da sétima sílaba acentuada e um hemistíquio feminino com acento na
quarta sílaba. Emende-se tod’ ome para todo ome, então resulta um
dodecassílabo com a quarta e a oitava sílabas acentuadas.

455
Um dos poetas mais antigos, Rodrigu’ Eanes de Vasconcellos, emprega-o uma vez com cesura
masculina (CB. 278), outra vez com cesura feminina, mas rima masculina (CB. 314). Cf. V. 692.
456
Cf., por exemplo, a cantiga de Sordel sobre Blacatz, MW. II, 248.
457
Cf. Stengel, loc. cit., p. 31.
458
Cf. Diez, KuHp., p. 42.

156

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 156 29/4/2010, 11:13


Introdução

A presença de cinco inquestionáveis dodecassílabos neste poema


e de dois hemistíquios hexassílabos femininos em cada estrofe sugere, como
nos parece, que Denis também teve a intenção de construir dodecassílabos
nos versos longos restantes. De fato, eles podem ser igualmente reconheci-
dos como tal, desde que a sílaba átona do primeiro hemistíquio seja contada
como primeira sílaba do segundo. A isso nos autoriza o comportamento
idêntico deste verso em poemas de outros trovadores.
Assim, por exemplo, em uma cantiga do velho segrel Bernaldo de
Bonaval, V. 657, cujas duas últimas estrofes seguem:

Essa que vos fezestes melhor parecer


de quantas sey, ay dês! fazede-mha veer.

Ay dês que mha fezestes mais ca mim amar,


mostrade-mha hu possa com ela falar.

Versos assim construídos são especialmente preferidos por


Afonso o Sábio. CM. 73, 1:

E d’est’ un miragre fremoso vos direi


que aueo na Clusa, com’ escrit’ achei,
que fez Santa Maria; e creo e sei
que mostrou outros muitos en aquel logar.

ou 110,1:

¿E como pode per língua seer loada


a que fez porque Deus a ssa carne sagrada
quis fillar et ser ome, per que foi mostrada
sa dëidad’ en carne uista et oyda?459

A poesia francesa antiga também construía dodecassílabos nos quais


a sílaba átona do final da palavra do primeiro hemistíquio devia ser conta-
da como primeira sílaba do segundo hemistíquio. Tais versos foram
comprovados por Mussafia em dois poemas de Philippe de Beaumanoir,
nos quais justamente o verso dodecassílabo aparece também com acento
principal na oitava e na décima-segunda sílabas460. Denis pode ter utilizado
tais versos franceses como modelo para os seus próprios.

459
Cf. ainda ibid., pp. 93, 141.
460
Romania XV, pp. 423-430.

157

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Além dos tipos de versos de que tratamos acima, empregados mais


ou menos frequentemente por Denis e seus contemporâneos, a lírica gale-
go-portuguesa oferece-nos ainda dois de dezesseis sílabas, dos quais apenas
um exemplo de cada nos foi transmitido.
Diez (KuHp., 43) já chamou a atenção para um dos versos de
dezesseis sílabas, um composto de dois octossílabos jâmbicos com termi-
nação masculina, T. e C. 175. Este verso é frequente nos refrões da lírica
francesa antiga e aparece também em outros tipos de poesia461.
O outro verso de dezesseis sílabas, utilizado por Afonso X em uma
extensa lenda mariana (CM. 5), decompõe-se em dois hemistíquios mas-
culinos de dez e seis sílabas.
A lírica provençal e francesa da primeira metade do século XII
serviu-se frequentemente de uma forma do verso trocaico de catorze síla-
bas, já apreciada pela poesia popular latina do século anterior, na qual o
primeiro hemistíquio se divide em duas partes rimadas, permanecendo o
segundo, no entanto, inalterado. Atribui-se, como se sabe, a origem da es-
trofe em rima caudada [schweifreimstrophe*] a essa divisão de cada dois
versos longos em dois membros mais curtos e um mais longo462. Conside-
rando-se, agora, o uso relativamente frequente que a lírica galego-portuguesa
fez da maioria dos tipos de verso da poesia do norte e do sul da França e,
além disso, que o verso de catorze sílabas trocaico é o mais popular justa-
mente na Península Hispânica, então deve parecer significativo, para a idade
e a estreiteza de relação desta escola com a transpirenaica, que ela não
tenha acolhido essa espécie de verso mais antigo.
Na contagem das sílabas, já tratada em detalhe por Diez (KuHp.,
pp. 51-54), o trovador português baseou-se inteiramente nas normas da
linguagem coloquial463.
Duas vogais que se encontram no interior da mesma palavra, espe-
cialmente através da perda de consoantes tão comum em português, valem
como duas sílabas.
aa: guaanhades, aa ( = a la), por exemplo CM. 146; ãa: sãas; ae:
escaecer, traedor; áe: quaes, proençaes; aé: maestre, caer; ai: sairei, traiçom;
aí: sair; áo: mao, ao, aos ( = a lo etc.); ão: mão, vão, loução, entre outras;
ea: lealdade; eá: leal, creades, semeastes, adeante (cf. CM. 297); ee: creerei,
veerei 589, veerá 2617; ée: mercée; eé: creer, teer, seer; ee: beençom; ei:

461
Cf. Jeanroy, Origines, pp. 357-8.
* Trata-se de uma estrofe antiga, utilizada principalmente para poesia religiosa, de forma aabccb,
rimando versos menores colocados em seguida a versos longos. (N.E.)
462
Cf. ibid., pp. 369-376; Du Méril, Poésies pop. lat., pp. 131-3; Stengel, loc. cit., p. 72.
463
Cf. C. Michaëlis de Vasconcelos, Sá de Mir., p. CXXI.

158

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 158 29/4/2010, 11:13


Introdução

treiçom; éo: créo, feo, veo; ia: enviaria; ía: dia, bailia, avia, averiades, guisar-
lh’ia; iá: criar, fiar, tosquiar (cf. trosquïar, CM. 147); ié: liero; ií: riir, viir,
tiinha 1556; ió: Melion; oa: perdoará 75; óa: doa, boa; oá: doado, Joam,
loar; oe: proençaes; óe: soen; oé: doer, doente, poer; oi: soidade; ói: doi
1747; oí: oi, oir, oide; óo: doo; oó: loor, coor (V.1161); õo: sõo, boom; úa:
crua, duas, mua, rua, ua; uá: muacha; uí: juiz, juízo.

A par disso, porém, encontram-se casos em que duas vogais na


posição citada ou se uniram em ditongo, como em tréide (trahite)464, vai
( = vadit, vade)465 ou, quando iguais, contraíram-se em um som e, por de-
corrência, valem apenas como uma sílaba. Esta aparece, nomeadamente,
em ambos os verbos seer e veer, particularmente em suas formas com desi-
nências acentuadas. Frequentemente, em nossos textos o monossilabismo
já é expresso ortograficamente466. São exemplos seeredes, veerei 559, 564,
569, 2480, 2486, 2492, veerám 687.
Monossílabos são ainda as junções eu, como nos pronomes eu,
meu, teu, seu, e em deus, vergeu, entre outros; mia (mas também minha) no
manuscrito da Ajuda, para cuja forma os outros textos escrevem mha; e io
(iu) como desinência verbal em espediu, oiu, riio etc.
Encontrando-se duas ou mais vogais no final e no meio de duas
palavras ou como classes de palavra independentes, são então contadas,
em regra, as sílabas correspondentes, sem considerar se a primeira é acen-
tuada ou não. Casos de mais de duas vogais são, por exemplo, os seguintes:

110 se o eu a vos nom disser.


640 seu mandado oi e a nom vi.
1441 mi praz de o oir sol.

Como o hiato devia ser evitado, na maioria das vezes os poetas


suprimem totalmente a vogal final467. Se essa vogal for um e ou i átono,
então sua supressão é muitas vezes assinalada em nosso texto, com exce-
ção do antigo manuscrito da Ajuda, por um h, que também vale como
apóstrofo468. Assim, por exemplo, mh = me 1, 40, 417, 438, 481, 488, 556,
753, 873, 1128, 1158, 1273 etc.

464
Assim em toda parte: cf. por exemplo V. 266, 343, 751, 878, 886, 888, 891, 1062; CM. 279 e trei 325.
465
CM. 158.
466
Assim, por exemplo, vedes em vez de veedes 354, 1644, 2282. Vid., a propósito, o glossário.
467
Mesmo na pausa, como por exemplo V. 2000.
468
Cf. por exemplo V. 825 comha = come  a; 1117: xha errou = xi  a errou. [É mais correto considerar
o h de mha, mho por mi a, mi o etc., como sinal de e, i semiconsonantal, como em cambhar,
dormho, sabha, etc., correspondendo a mia, mio no manuscrito da Ajuda. (C. e A.)]

159

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 159 29/4/2010, 11:13



Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ao contrário, bem menos frequentemente ocorre a fusão de duas


vogais em uma sílaba. A este respeito, nossa coletânea oferece os seguintes
casos:

36 que  a; 70 o  er; 351 porque  a; 380 dê  o; 481 e  o; 530 soia  aver; 630
pudi  o; 680 se  aos; 706 amo,  esto; 718 muito  a; 905 ja  em; 941 quiji  a;
1102 (refrão) nem  ifante469; 1140 e  a; 1152 olho  e veelo-  edes; 1308
no  ano; 1343 que  el; 1418 Oi  oj’eu; 1470 pero  em; 1493 sempre  a; 1523
tiro  eu; 1550 d’ela,  e; 1553 que  a; 1562 servio,  o; 1580 amigo,  acá; 1607
visse  os; 1637 que  alá; 1691 ca  o; 1705 E  assi; 1708 que  a; 1725 que  eu;
1771 que  a; 1834 si  é; 1837 mentio  a; 1870 (1873, 5, 8) que  é; 1948
se  encobra; 1975 (refrão) E  avede; 1991 u  os; 2054 ca  assi; 2081 (refrão)
amigo,  u; 2129 d’esta,  u; 2139 que  end’o; 2151 amigo,  e; 2158 ele  é;
2172 posso  a; 2178 posso  u; 2247 ledo  e; 2281 ia,  amigo; 2282, 2288
se  eu; 2290 que  end’a; 2358 (2361, 3, 6) que  eu; 2420 que  o; 2448 lo  ei;
2456 lhi  assi; 2495 e  assaz; 2504 (refrão) e  o; 2511 e  o; 2607
ome  infernal; 2613 muito  é; 2627 da  era; 2640 se  ouver; 2651 ora  aqui;
2672 d’ela  encavalgado; 2692 disse  unha; 2677 migo  o; 2711
trobára  ali; 2722 disse:  Ir-me; 2729 ventura  ajades; 2740 e  o; 2741
come  era.

Finalmente, no que concerne à segmentação sintática dos versos


mais longos, ela deixa entrever, em vários casos, as circunstâncias origi-
nais. Como já era de esperar, especialmente as imitações de formas poéticas
populares mantiveram, via de regra, a coincidência mais precisa da pausa
métrica e sintática, em parte até mesmo a autonomia da parte do verso e do
verso todo. Isso vale também para cantigas de teor palaciano, revestidas
em forma popular, como por exemplo em XVIII, e para poemas mais cul-
tos, como por exemplo CXI, CXII, CXXVIII, cujos versos, através de sua
evidente cesura, se decompõem claramente em dois membros.
Por sua vez, fora dos casos especiais mencionados até aqui, ao
menos no que se refere à pausa métrica interna, observou-se adequada-
mente a segmentação sintática. Entre os primeiros 600 decassílabos jâmbicos
de nossa coletânea, em dois terços é esse o caso. Exemplos disso são 32,
38, 41, 44, 45, 59, 60, 63, 65, 68, 78, 128, 136, 142, 143, 144, 146, 147,
152, 155, 156, 273, 286, 289, 291, 294, 419, 420, 423, 542, 560, 561, 584,
594, 615, 653, 755 etc.

469
Sobre a queda, em voga em português, de uma nasal final antes de uma vogal seguinte, cf. C. M.
de Vasconcelos, Sá de Mir., p. CXXI. – Em nossos textos encontram-se lado a lado ome e omem,
mi e mim, entre outros.

160

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 160 29/4/2010, 11:13


Introdução

Já consideravelmente mais livre é o tratamento sintático em casos


como os seguintes, dos quais existem aproximadamente 100 dentre 600
decassílabos: 29, 47, 49, 53, 61, 266, 274, 281, 284, 287, 412, 535, 544,
556, 566, 578, 591, 600, 612, 633, 647, 696, 711, 749 etc.
Finalmente, em outra centena de decassílabos, ou a pausa rítmica é
indicada sintaticamente apenas de forma fraca ou mesmo totalmente
obliterada. Casos desse tipo são, por exemplo, 34, 35, 58, 62, 73, 79, 127,
137, 145, 151, 201, 203, 220, 280, 299, 408, 515, 524, 531, 552, 562, 596,
616, 663, 691, 751 etc.
Na antiga lírica francesa, mas especialmente na provençal, como
se sabe, o relevo da pausa métrica por uma pausa sintática correspondente
foi frequentemente negligenciado470.
Os portugueses, contudo, consideraram em geral a terminação do
verso na relação sintática muito menos cuidadosamente do que a pausa
interna. Não apenas o verso não constitui aqui, na maior parte dos casos,
um todo sintático independente, mas também, com exceção das formas
populares e dos poemas cultos que as reconstituem, a pausa de sentido é
frequentemente mais fraca no final do verso do que no seu interior ou no
final do segmento seguinte do verso, como por exemplo 39-40, 53-4, 55-6,
71-2, 79-81, 124-5, 425-6, 536-7, 627-8, 642-3 etc.
Um tipo apreciado de enjambement é, como na lírica francesa471,
principalmente aquele em que as partes da oração que se estendem ao ver-
so seguinte concluem, simultaneamente, o primeiro segmento das mesmas.
Este é o caso, por exemplo, das passagens a seguir: 33-4, 37-9, 44-5, 56-7,
59-60, 62-3, 66-7, 75-6, 77-8, 127-8, 135-6, 138-9, 142-3, 154-5, 418-9,
429-30, 525-6, 535-6, 541-2, 579-80, 586-7, 594-5, 623-4, 656-7.
Mas o salto frequentemente perfaz apenas uma ou duas sílabas, de
modo que resulta em uma pausa sintática no interior do segmento seguinte
de verso, como por exemplo 126-7, 525-6, 527-8, 543-4, 568-9, 597-8,
600-601, 615-6, 750-1.
Ainda mais do que nos casos acima mencionados, a clareza da
terminação do verso fica prejudicada para a audição quando partes da ora-
ção, ligadas por estreito vínculo sintático, como por exemplo substantivo e
atributo ou preposição, são separadas uma da outra pelo final do verso,
muitas vezes resultando disso uma palavra sintaticamente átona no lugar
da rima. Casos assim são indicados em nota a I, 3-4.

470
Cf. Stengel, loc. cit., pp. 54-6.
471
Cf. Tobler, Vom franz. Versbau, p. 20.

161

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Sabe-se que, entre os provençais, é vista como lícita a extensão de


um verso para o seguinte472.
A assonância, que foi praticamente abandonada na poesia
provençal e que também na francesa deu lugar à rima ainda no decorrer do
século XII473, foi conservada pelos poetas galego-portugueses na maioria
de suas imitações de formas populares.
Sobre isto já antes se apontou, à p. 134 ss., que, juntamente com as
séries constantes de assonâncias i-o, a-o e i-a, a-a nessas cantigas, transmi-
tiu-se uma quantidade de expressões arcaicas, de outro modo não mais
encontradas, que indicam a elevada idade desta poesia.
Das oito cantigas de espécie popular de nosso rei, cinco utilizam a
assonância474. Ela aparece apenas esporadicamente na cantiga culta. Em
Denis 910-11 amor-frol, e 2095-6 creades-mandardes; além disso, ainda
V. 470 perca-herva-Eva, 1098 erva-leva e 1181 taful-algur.
A rima é masculina ou feminina (rima breve, longa na terminolo-
gia da Poética portuguesa, CB. p. 5, c. 2). Como já salientado por Carolina
Michaëlis de Vasconcelos (Sá de Mir., p. CXXIV), a rima masculina pre-
domina de longe na antiga lírica portuguesa. Dos 6131 versos do manuscrito
da Ajuda, 5509 têm rima masculina e 622, feminina. Dos 2783 versos de
nossa coletânea, há, incluindo as assonâncias, 1950 masculinos, 833 femi-
ninos, ou, excluindo as 66 assonâncias, 767 versos têm rima feminina. Nas
cantigas de caráter popular de Denis, bem como na de seus contemporâ-
neos, predomina sem dúvida a terminação feminina.
Dentre os tipos especiais de rimas, a antiga Poética portuguesa
(CB. p. 5, c. 5) menciona o dobre, que consiste na repetição de uma deter-
minada palavra em cada estrofe, duas ou mais vezes, na mesma posição do
verso. Essa espécie de rima, correspondente à rims equivocs dos provençais,
é frequentemente encontrada em nossos textos475. Em Denis, aparece em
VI, IX, XIX, XXIII, XXXI, LX, LXIV, LXVI, LXXII, LXXVII, CVI,
CXXV, e no refrão de X, XXV e XLVIII476.
Se, igualmente, a mesma palavra se repete, mas sob formas dife-
rentes, sobretudo nas formas temporais de um verbo, em determinadas
posições de cada estrofe, isto se chama mordobre. Esse artifício é, portan-

472
Cf. Stengel, loc. cit., pp. 59-60.
473
Cf. Stengel, loc. cit., p. 62.
474
A rima é utilizada em LXXXIX, XC e CXIII, com exceção de 2303. Da linguagem jurídica
também foram conservadas fórmulas assonantes e rimantes, como por exemplo “ollo ou geollo
ou nembro alguu” (Foros de Gravão, em Ineditos V, p. 391).
475
Por exemplo, V. 33, 566, 827; CB. 22, 130, 177.
476
Como casos raros podem constar ainda senhor – nostro senhor, XIV e XVI.

162

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 162 29/4/2010, 11:13


Introdução

to, a assim chamada rima gramatical, rims derivatius dos provençais477.


Em Denis, o mordobre aparece apenas esporadicamente, como em XX,
onde se pode considerar assim desejei, desejarei na primeira estrofe; em
LXXVI, desejo, deseja na primeira e poderia, podesse na segunda estrofe.
Ao contrário, mais regularmente ele comparece em outros poetas de nossa
lírica culta478, aqui ainda uma vez extensivo ao interior do verso479. Os líri-
cos portugueses, assim como os franceses480, receberam dos provençais a
inspiração para tais jogos.
A rima rica, propriamente, não foi utilizada em nossa lírica481, nem
tampouco uma outra variante dela, a rims cars ou rima difícil da poesia
trovadoresca, cujo manejo habilidoso por parte de alguns dos poetas
provençais mais ilustres valia como especial preeminência e tinha também
elevada estima no estrangeiro482.
Diez (KuHp., p. 55) já havia chamado a atenção para a ocorrência
de alguns casos de rimas compostas483 e rimas quebradas484 entre os portu-
gueses. Denis não utilizou esses tipos de rima.
A rima interna, relativamente rara na lírica francesa do sul e do
norte, mas empregada fundamentalmente ali por poetas mais antigos em
versos mais longos485, aparece apenas aqui e acolá em nossos cancionei-
ros486. Denis utiliza-a duas vezes no refrão: simples em 639, dobrada em
896; por fim, ainda em 2774.
De acordo com o tratado de métrica (CB. p. 5, c. 2), era regra tanto
entre os portugueses como entre os provençais que em todas as estrofes de
um poema as rimas deveriam ser do mesmo tipo na mesma posição. Essa
regra foi infringida com bastante frequência pelos poetas. Entre os 32 poe-
mas de nosso rei, nos quais se misturam rimas masculinas e femininas, não

477
Cf. Bartsch, Jahrb. I, 190 s.; Stengel, loc. cit., p. 70.
478
V. 567, CB. 185, 208; T. e C., p. 299; em CB. 10, o jogo só acontece na primeira estrofe; na
segunda, encontra-se apenas o dobre “sabor – sabor”.
479
CB. 231: Nom pode deus pero pod’ en poder. – Cf. Stengel, loc. cit., p. 71.
480
Cf. P. Meyer, Romania XIX, p. 20 e Stengel , loc. cit., p. 67.
481
Cf. Diez, KuHp., p. 55; Stengel, loc. cit., p. 68.
482
Cf. Stengel, loc. cit., p. 67. – Ao contrário, esse tipo de rima aparece sabidamente mais tarde na
lírica castelhana, que também já havia caído em outras artificialidades rebuscadas, como por
exemplo na linguagem obscura. Cf. Wolf, Studien, p. 210 s.
483
V. 280 sanhuda : perdud’a; 395 vi-a : averria; T. e C. 119 vi-as : dias. Mais frequentemente em
Afonso X, por exemplo CM. 21, 100, 115, 139.
484
T. e C. 95, 133, 179, 206. – Delas fez uso muito mais livre Afonso X, que às vezes até passou por
alto o acento, como por exemplo CM. 139: “d’esta que seia Por nos et ueia – Mola a faz”. Cf.
ibid., 44, 51.
485
Cf. Jeanroy, Origines, p. 357 s.; Stengel, loc. cit., p. 68.
486
V. 33, 921; CB. 130, T. e C. 175, 225.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

menos do que 11 fogem à regra (XII, XXVI, LIV, LXXV, LXXVI, LXXXIII,
LXXXIV, LXXXVI, CI, CXXXIII, CXXXVIII)487.
Entre as diferentes formas de distribuição das rimas de que se ser-
viu Denis, mencione-se primeiramente a rima variada.
Ela pode consistir na mudança de rima em cada estrofe, correspon-
dendo às rims singulars dos provençais. De 138 poemas do rei, 104, portanto
a grande maioria, pertencem a este caso. Dentre eles, em compensação, ape-
nas três ocorrem (XVIII, XX, XLVI) nos quais cada estrofe tem só uma
única rima (como na cobla continuada das Leys d’amors)488; no restante,
cada estrofe tem mais de uma rima. Uma forma preferida de rimas variadas
entre os provençais era aquela em que a cada duas estrofes entravam novas
rimas (coblas doblas). Isso não se encontra em nosso poeta, cujas cantigas
muito raramente têm mais do que três estrofes, com frequência apenas duas.
Num poema, LXXV, a sequência de rimas da segunda estrofe difere daquela
da primeira, mas esta retorna na terceira. Mais frequentemente, como na líri-
ca provençal489, uma rima percorre mais de uma ou todas as estrofes, enquanto
as restantes rimas variam. Em XXXV, a rima permanece no segundo e tercei-
ro versos de cada estrofe (cf. T. e C. 8). Em CV é mantida a rima do primeiro
e do quarto versos também na segunda estrofe; em CVI, aparece a rima do
segundo e do terceiro versos da primeira estrofe no primeiro e no quarto
versos da segunda; em CXXVII, permanece a rima do terceiro e do quinto
versos. Em CIX, CXIX, CXXVIII, CXXXIII, CXXXVI e CXXXVII, uma
rima ligada ao refrão percorre todas as estrofes.
Oposta às rimas variadas está a disposição em que todas as estro-
fes de um poema têm as mesmas rimas, de modo semelhante às coblas
unissonans dos provençais. Esta forma foi totalmente utilizada por Denis
apenas em 19 cantigas (I-V, XXX, XXXII, XXXVIII, XL, XLIII-V, XLVII,
L, LI, LVI, LXII, LXVIII, XCV, XCVIII). Em outros poemas, há desvios.
Em XXXVII, só os três primeiros versos têm a mesma rima em todas as
estrofes; em LIV, a rima do quinto e do sexto versos é substituída por uma
nova nas estrofes seguintes; em CXII, a rima do terceiro, do quarto e do
quinto versos é nova; em CXIV, em todas as três estrofes, o primeiro, o
terceiro e o sexto versos têm uma rima comum, os outros divergem; em
CXXXII, aparecem rimas novas no quarto e no quinto versos de cada es-
trofe; finalmente, em LX a rima do quarto, do quinto e do sexto versos
(ccc) é completamente abandonada na terceira estrofe e substituída por bbb.
– Na lírica provençal, a disposição das rimas introduzida na primeira estro-

487
Cf. Diez, KuHp., pp. 56-7.
488
Cf. T. e C., p. 48, CB. 177.
489
Cf. Bartsch, Jahrb. I, p. 173.

164

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 164 29/4/2010, 11:13


Introdução

fe é frequentemente alterada na segunda, mas a terceira retoma a ordem da


primeira, na quarta volta-se à da segunda estrofe. Essa variante não é co-
nhecida de nosso poeta490.
Em sua decidida preferência pela rima variada, o rei Denis diferen-
cia-se completamente dos provençais, nos quais, em geral, a rima é conservada
em todas as estrofes da cantiga e comumente só muda em estrofes
monórrimas491. Também para os líricos franceses essa forma parece ter sido a
mais corriqueira. Dentre as 65 composições publicadas por Scheler no pri-
meiro volume de seu Trouvères belges, 32 pertencem às coblas unissonans,
25 às coblas doblas e somente 8 às rims singulars; dentre as 46 cantigas
publicadas por Mätzner, 34 são do primeiro tipo e apenas uma do último;
dentre os 76 poemas do rei de Navarra, entretanto, segundo Diez (KuHp., p.
58), apenas 16 são coblas unissonans. A esse respeito, os mais antigos líricos
galego-portugueses parecem ter estado mais próximos do modelo provençal
do que o rei Denis, embora também entre eles a rima variada esteja fortemen-
te representada. Dentre as 100 cantigas dos poetas pré-afonsinos Joam Soares
Somesso, Martim Soares e Pero Garcia Burgales, publicadas no cancioneiro
CB, encontram-se 20 com rimas variadas de estrofe para estrofe, 24 coblas
doblas e 24 coblas unissonans; dentre as 52 cantigas de Pero da Ponte, 23
têm rims singulars, 18, coblas unissonans e 6, coblas doblas.
Abstraindo a sequência de rimas que abrange um poema inteiro, o
encadeamento das estrofes faz-se também por outros meios.
Uma única rima cruza toda a cantiga, como no exemplo de Guiraut
Riquier (MW. IV, no. 23), em que amés aparece no quarto verso de cada
estrofe. Em Denis, CXII, pode-se ver bem-quem como um caso deste tipo;
além disso, ele encontra-se ainda, por exemplo, em T. e C. 78, 129, 223492.
Segundo o tratado métrico (CB. p. 4, c. 2), em Portugal valia como
prova de superioridade artística incluir na cantiga um verso que não rimas-
se com os outros. Esses versos denominavam-se palavras perdudas. Parece
ter havido três tipos deles. O primeiro consistia em colocar um verso de
moor maestria no começo, no meio ou no fim de cada estrofe, mas sempre na
mesma posição. No segundo tipo, cada estrofe poderia conter um verso ou
também mais palavras rimantes avulsas, rimando apenas nas estrofes seguin-
tes493; e no terceiro, uma palavra perduda poderia igualmente constar duas
vezes em cada estrofe. Portanto, a palavra perduda corresponde tanto às

490
Cf. Diez, KuHp., p. 59.
491
Cf. Bartsch, Jahrb. I, pp. 172 e 174.
492
Vid. Diez, KuHp., p. 60.
493
Com Monaci (Miscell. p. 421), assim se poderia interpretar a seguinte passagem: “Ou er pode
meter senhas palavras en cada cobra que rrimem huas outras”.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

rimas dissolutas dos provençais ou aos körner dos mestres-cantores494, quanto


também às rims estramps495 ou versos livres. Como verdadeiro korn, ela
aparece em Denis, no começo da estrofe em XXXVII, no meio em V e no
final em CXII496. Como verso livre ou branco, ela não consta em sua obra497,
mas frequentemente na de seus companheiros mais antigos498.
Uma outra espécie de encadeamento das estrofes consistia em fa-
zer da última palavra rimante* de uma estrofe a primeira da seguinte.
Estrofes assim ligadas, denominadas coblas capcaudadas nas Leys d’amors,
não aparecem em nossa coletânea499.
Entretanto, muitas vezes o rei Denis liga suas estrofes de um modo
que lembra as coblas capfinidas das Leys d’amors500. Pois ele recolhe a
última palavra rimante, ou também outras palavras finais de uma estrofe,
em forma parcialmente modificada, no primeiro verso da estrofe seguinte.
IV, 1-2 na mha morte, 2-3 perdom, perdoará; XLII, 1-2 loor ou prez;
CXXVII defendi, Defendi. Aqui seriam de considerar, também, as seguin-
tes ligações com o refrão: LXIX valer, valerdes; CV moirades, morremos;
CXXXIII levou, levar, levou501.
Uma outra forma da cobla capfinida, que consiste em repetir com-
pletamente o último verso de uma estrofe como verso inicial da seguinte502,
não foi empregada por nosso poeta, mas por outros líricos portugueses,
sobretudo mais antigos503. Ela deriva da poesia popular, pois coincide es-
sencialmente com a espécie de estrofe encadeada peculiar às formas
populares da poesia galego-portuguesa antiga e moderna504, e, como já vi-

494
Cf. Bartsch, Jahrb. I, 175-6. [A referida citação diz: “... as chamadas ‘körner’, isto é, palavras
rimantes que se ligam não na mesma estrofe, mas apenas na seguinte; uma expressão que, pela
conveniência e brevidade, tomo aqui da terminologia dos Mestres Cantores”. ( N.E.)]
495
Vid. acima, p. 63.
496
Cf. V. 53, 654, CB. 100, 136, T. e C. 68, 72, 75, 100, 178.
497
Cf. Stengel, loc. cit., p. 83. – O verso 1569 de nossa coletânea é único, verso final de tipo refrânico;
1519 é provavelmente defeituoso e talvez se deva emendar para: e poi-lo assi passei.
498
Por exemplo, V. 695, 699, CB. 164, 170, T. e C. 149, 181.
* No artigo “A repetição de palavras rimantes...” [neste volume, pp. 593-607], essa é a forma
portuguesa utilizada por Lang, correspondendo a Reimwort ou rhyme-word. (N.E.)
499
O exemplo que Diez (loc. cit., p. 61) cita de T. e C. (114 = V. 568) encaixa-se melhor nas coblas
capfinidas.
500
Vid. Bartsch, loc. cit., pp. 178-180.
501
Cf. ainda CB. 42, V. 568, 1176, T. e C. 257.
502
Cf. Bartsch, loc. cit., p. 181.
503
Assim, por exemplo, V. 568, 1182, 1198. Às vezes, o fraseado altera-se um pouco, como V. 430
7-8 “Poy-lo meu coraçom migo nom levar – Poi-lo meu coraçom vosco ficar”; 546 7-8 “Ca o
nom posso comigo poer – Ca se eu migo podesse poer”, dentre outros. Para exemplos franceses,
cf. Mätzner, IX e pp. 159-160.
504
Especialmente nos muito apreciados e muito antigos cantos de repto, desafios e despiques.
Cf. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Grundriss II, p. 147.

166

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Introdução

mos acima (p. 67), com o nome de lexa-pren, “deixa-prende”, foi transferida
da lírica culta galego-portuguesa para a castelhana.
A redonda (canso redonda) não foi cultivada por Denis, e também
por outros portugueses, somente se por ela se entenderem as estrofes inici-
adas e terminadas com o mesmo verso505; mas não as estrofes encadeadas
de tipo mais artístico e raro, das quais se valeram, por exemplo, Folquet de
Marseilla (Archiv. XXXV, 386) e Guiraut Riquier (MW. IV, no. 35) – neste
último com o nome canso redonda et encadenada – nas quais as rimas de
tal modo variam de estrofe para estrofe, que periodicamente se repete a
ordem da primeira estrofe506.
Por último, refira-se um tipo de encadeamento de estrofe total-
mente distinto dos mencionados até aqui, aquele que não se realizava por
meio da rima, mas sim por meio da ligação de orações. Constituía um
gênero de cantiga próprio da lírica galego-portuguesa e recebeu o nome
específico de atafiinda, cultivada com evidente fervor. De acordo com a
regra dada na Poética (CB. p. 4, c. 3), denominavam-se esses poemas
atafiindas, porque não é a última palavra de uma estrofe, mas a primeira
(ou as primeiras) da seguinte que conclui o sentido e conduz a cantiga,
desse modo, até sua fiinda, onde, finalmente, a ideia do todo encontra sua
total completude. Em nossos cancioneiros, atafiindas são, em primeiro
lugar, aqueles poemas em que o verso final de uma estrofe ou do refrão
não termina sintaticamente aí, mas apenas no início da estrofe seguinte e
na fiinda, como em IX, X, XXXIX, CV, CVIII507. Exemplos desse tipo
são frequentes também em outros trovadores508. Em segundo lugar, per-
tencem a essa espécie as numerosas cantigas cujas estrofes são encadeadas
umas às outras por meio de conjunções iniciais, como ca (XXXVIII, XLIII,
L etc.), e (I, V, XI etc.), ou (VI), pois (LVIII, CXXIV), quando (LXXI),
que (LXVI), dentre outras509. Um tipo poético semelhante não é conhecido
da lírica provençal e francesa, na qual a extensão sintática de uma estrofe
no início da seguinte só aparece em poucos poemas, na maioria das vezes
apresentados sem música510. Portanto, nisso os portugueses seguiram seus
próprios caminhos, como o nome aliás já indica. Caso as atafiindas se
destinassem ao canto, provavelmente a melodia, tanto quanto o texto,
encontraria sua conclusão apenas no fim do poema.

505
Por exemplo, V. 650, 852, 1182, 1198.
506
Cf. Bartsch, loc. cit., p. 186; P. Meyer, Rom. XIX, p. 19.
507
Cf. nota a I, 3-4.
508
V. 2, 12, 50, 52, 393; CB. 23, 24, 91, 95 etc.
509
V. 3, 5, 16, 18, 30 etc. – Cf. C. Michaëlis de Vasconcelos, Grundriss II, p. 195.
510
Cf. Appel, GZ. XI, p. 219; Stengel, loc. cit., pp. 86-7.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

No que diz respeito à construção da estrofe, deve-se observar ini-


cialmente que o acervo completo das cantigas galego-portuguesas divide-se
em dois grandes grupos principais (cf. a Poética, CB. p. 3 c. 5), as cantigas
sem refrão ou cantigas de mestria (cantigas de maestria) e as cantigas de
refrão (cantigas de refram).
Como o próprio nome diz e segundo nos atesta nosso rei (XLIII),
as cantigas de maestria, que representam apenas um terço do todo, são as
mais artísticas, imitadas da canso provençal. Elas compreendem, por isso,
principalmente as cantigas de amor e as cantigas de maldizer e escárnio
mais sérias, mas encontram-se também empregadas em outros gêneros,
como na cantiga d’amigo511. Das 41 cantigas de maestria do rei Denis, 5
são cantigas de mulher (XCVIII, C, CXII, CXVII, CXXVII) e 5, cantigas
de escárnio. O número de estrofes é bem menor do que entre os provençais
e os franceses, geralmente 3 ou 4512. Nos poetas mais antigos, como por
exemplo Martim Soares, as cantigas de maestria com 4 estrofes ainda são
bastante frequentes; Denis tem apenas 4 poemas de 4 estrofes; a maioria é
de três, e há mesmo 4 de apenas duas estrofes. As estrofes são muito mais
curtas do que na lírica francesa do sul e do norte. Apenas raramente se
encontram algumas de dez ou oito versos; geralmente, têm sete ou seis. Do
mesmo modo, o número de rimas na estrofe é bem menor. Como já na
lírica culta francesa513, também aqui a estrofe de 7 ou 8 versos raramente
tem mais do que três rimas diferentes, em geral apenas duas, e a de 10
versos, dificilmente mais do que quatro. Em poetas mais antigos, como por
exemplo novamente em Martim Soares, encontram-se com mais frequência
estrofes de 8 e 9 versos (CB. 119, 135), bem como de 7 versos (V. 965)
com 4 rimas, aqui aliás com uma palavra perduda; em Denis, encontram-
se 4 rimas apenas em uma estrofe de 10 versos (LXVII) e em uma de 7
versos (V), porém igualmente com uma palavra perduda; em contraparti-
da, em uma estrofe de 8 versos (LVII), só três. Fora disso, o rei utiliza
apenas estrofes de 7 ou 6 versos com três ou duas rimas.
Os sistemas de rimas de que se valeu nosso poeta em suas cantigas
de maestria são os seguintes514:

511
Por exemplo, V. 370. Cf. C. M. de Vasconcelos, loc. cit.
512
A Poética (CB. p. 4, c. 1) fala, em verdade, de 4, 5 ou 6 estrofes, mas estas cifras procedem
apenas em relação às cantigas populares. Em Pero da Ponte, V. 1170, encontra-se, contudo: “E no
mundo non sey eu trobador De que s’ome mays dev’ a se temer De x’el mui maas tres cobras
fazer Ou quatro a quem lhi maa barva fôr”.
513
Cf. P Meyer, Rom. XIX, 13.
514
Para comparação, foram consultados poemas de alguns dos mais importantes poetas mais anti-
gos, como Paay Soares de Taveroos, Joam Soares Somesso, Martim Soares, Affons’ Eannes de
Cotom, Pero da Ponte e Pero Garcia Burgales.

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Introdução

aaabab VIII, LXIII, CXXXVIII515.


aaabba CXVII. Cf. V. 966.
aabab CXXVII.
aabb LI.
aabbbc CXII.
ababba II, CXIV.
ababcca LXII516.
ababccb III, XXX, LIV (com exceção da primeira estrofe:
ababbbb), LXX, LXXII, LXXVI517.
abbaab LXVI.
abbaabccdd LXVII.
abbaacac LVII.
abbacac XXXII518.
abbacca I, IV, VI, VII, XL, XLII-XLIV, L, LIII, LV, LXVIII,
XCVIII, CXXIX, CXXX, CXXXI519.
abbaccb LXV520.
abbcca XLVII, CXXXII521.
abbccca LX.
abbcdda V.

No que diz respeito ao sistema da tripartição, que na lírica provençal


e francesa também se estende à organização de todo o poema, só em pequeno
número se realizou regularmente em nossas cantigas. Em Denis, a tripartição
da estrofe encontra-se apenas em 33 das 41 cantigas de maestria, sem contar
a fiinda522. Aqui, com efeito, uma rima da fiinda [Abgesang], muitas vezes
até mesmo todas, é sempre tomada das duas partes anteriores [Stollen].
Entre os líricos franceses, como se sabe, considerava-se indispen-
sável procurar para cada cantiga uma outra forma estrófica, de modo que,
dentre as cerca de 60 cantigas do rei de Navarra, mal se encontram duas
construídas em total semelhança523. Não se observa tal empenho de diver-

515
Cf. Jeanroy, Origines, p. 399 s., Stengel, loc. cit., § 188. – V. 74.
516
V. 472, 475, 502, 572, 661, 971-3, 1165; CB. 90, 118, 128, 145 etc.
517
V. 504, 663, 970, 975, 976, 1113, 1167; CB. 82, 85, 86, 88-9, 92, 94, 116, 129, 132, 137 etc.
518
V. 567, 1163.
519
V. 558, 574, 576, 907, 978, 1111, 1117, 1120, 1164, 1170, 1172, 1174, 1175, 1183, 1187;
CB. 124-6, 137-8, 146; 13 de 24 cantigas de Joam Soares Somesso, 11 de 36 de Pero Garcia.
520
CB. 127, 136; 7 cantigas de Joam Soares Somesso e 2 de Pero Garcia.
521
V. 1119, 1160; CB. 121, 134, 262.
522
Cf. a esse respeito Diez, KuHp., pp. 63-4 e C. M. de Vasconcelos, loc. cit., p. 196.
523
Cf. G. Paris, La littérature française, § 125.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 169 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

sificação entre os portugueses, embora não se possa negar que Denis, ape-
sar da concisão e simplicidade de suas estrofes, tenha trazido para elas uma
variedade não desprezível. Aqui, a influência de trovadores e trouvères
pode ser comprovada com escassa certeza, por incontestável que seja a
frequente concordância mais ou menos exata com as formas estróficas de-
les. Como Diez assinalou (KuHp., p. 67), era mais fácil inventar tais
modificações da forma do que procurá-las.
As cantigas de refram constituem dois terços do conjunto das can-
tigas e compreendem principalmente as cantigas femininas e as mais jocosas
cantigas satíricas, mas também uma parte considerável das cantigas de
amor – em Denis, por exemplo, 44 de 75 cantigas d’amor. As cantigas de
refrão dividem-se em baladas e poemas encadeados com estrofes de dois ver-
sos.
A balada consiste em uma cantiga geralmente de três, às vezes
também de quatro ou de duas estrofes, às quais segue sempre um refrão.
Como mostra o rol dos sistemas de rima disposto mais adiante, um grande
número dessas estrofes revela o traço arcaico da rima única, especialmente
as de três versos. Em muitas, entretanto, buscou-se uma variedade mais
elaborada das formas de rima. Nas estrofes de 5 e 7 versos, um verso, em
geral o último, serve comumente para rimar com o refrão.
Via de regra, o refrão é constituído de um ou dois versos, mas
também, com frequência, de três ou quatro, apenas raramente de uma única
interjeição ou um vocativo (XVIII, XXIII). Em consonância com sua fina-
lidade original, a repetição do texto da estrofe pelo coro524, o refrão fornece,
na maioria das vezes, a ideia fundamental da cantiga – também nesse as-
pecto um traço do arcaísmo da lírica galego-portuguesa. Por isso, não
raramente os refrões são orações independentes ou introduzidos como
pequeninas cantigas autônomas, como por exemplo XCVII, XCIX, dentre
outros. Conforme veremos adiante, na maioria das cantigas o refrão tem
suas próprias rimas, como na forma francesa mais antiga da balada525, e
frequentemente ele se diferencia da estrofe também no metro, na medida
em que nessa poesia, em geral, são misturados metros diferentes em um
poema (XX, XXVIII, LVI526, LXXVII, LXXXVI, XC, XCI, XCII, CI, CXIII,
CXXXVI). Contudo, às vezes o refrão perde sua autonomia, ou porque
rima com a estrofe e, consequentemente, é alterado no seu fraseado, como
por exemplo XXV, LIX, CXXXVII, ou mesmo, em certo sentido, funde-se
à estrofe, como é provavelmente o caso de CIX, CXIX.

524
Cf. Stengel, loc. cit., § 174.
525
Cf. Jeanroy, Origines, p. 403.
526
Cf. Martim Soares, CB. 149.

170

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Introdução

Seguem-se as formas de rima utilizadas por nosso poeta em suas


cantigas de refrão:
aaaB XVIII, XLVI.
aaaBaaB XX.
aaabaB XVI, XCIX, CXXV, CXXXIII527.
aaaBaB CXX, CXXIII, CXXVIII. Cf. V. 411.
aaabAB LXXIII, CXXXVII.
aaabBB CXI.
aaB LXXXIX, XC, CXIII528.
aaBaB CIX, CXIX, CXXIV. Cf. CB. 152.
aabAB LIX.
abababC XXIII.
abababcDDC XVII.
ababbA XXXVIII.
ababC LXXX.
ababCC XXVII, LXXIV, LXXIX, XCVII, CXXI.
ababcDc CXXII. Cf. T. e C. 116.
abbaaCC LXIX, LXXVII, CXXVI.
abbaaCCD XII.
abbaC XXI, XXVIII, XXIX.
abbaCAC XXV.
abbaCC X, XI, XIII-XV, XIX, XXII, XXVI, XXXI,
XXXIII-XXXVI, XXXIX, XLI,
XLVIII, XLXIX, LII, LVIII, LXI, LXIV, LXXI,
LXXV, LXXVIII, LXXXI-
LXXXVIII, XCV, XCVI, C, CI, CIII-CVIII,
CX, CXV, CXVIII, CXXXIV,
CXXXV529.
abbacCA XLV.
abbaCCCA LVI.
abbcbC CXXXVI.
abbccB XXXVII.

Segundo a Poética (CB. p. 5, c. 4), tanto a cantiga de maestria


quanto a cantiga de refrão podem encerrar-se com a chamada fiinda, apên-
dice de um a quatro versos cuja finalidade é a conclusão do pensamento.

527
V. 419, 577, 974, 1112, 1161, 1190; CB. 207, 248.
528
V. 657, 659, 660, 719, dentre outros.
529
V. 420-422, 474, 477, 569, 656, 662, 727; CB. 122, 253, 255, 256, 258, 260 etc.

171

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Com isso, portanto, a tornada dos provençais foi imitada apenas na for-
ma530, como também o envoi dos líricos franceses raramente era mais do
que mera forma531. Como está prescrito na Poética, a fiinda rima, desde que
os poetas dela se utilizem, com a última estrofe da cantiga de maestria ou
com o refrão da balada. Em Denis, ela aparece apenas em 48 poemas, e só
quatro vezes na cantiga de maestria532. Nestas, em CXIV e em CXXXII ela
repete as duas últimas rimas da última estrofe, e em XLIV, as três últimas,
enquanto em LXXVI a primeira fiinda de três versos possui duas rimas
próprias e uma palavra rimante retirada da estrofe anterior (b)533, e a últi-
ma, de um verso, tem de novo sua própria rima. Portanto, o sistema de
rimas de ambas é: ddbe. – Nas baladas, a fiinda rima, geralmente, com o
refrão. São exceções, em Denis, apenas IX, X, onde o primeiro verso das
fiindas de dois ou três versos rima com a da última estrofe, os outros versos
com o refrão, e CXXXIV, em que a fiinda é constituída por uma quadra de
caráter popular com rimas próprias (ddee)534. Não raro, o poeta repete a
palavra rimante na fiinda, até mesmo o fraseado dos versos do refrão. De
um verso são X, XI, XII, XIX, XXXI, LII, CV; de dois, XXIV, XXVI,
XLVIII, LXXXV, CIII, CIV, CXXI535.
Conforme assinalou Diez (loc. cit., p. 67), da grande simplicidade
de nossa poesia dá mostras o fato de que aqui não se misturam muito as
espécies de versos, principalmente curtos com longos, diferentemente da
lírica francesa do norte e do sul. Decassílabos jâmbicos e eneassílabos tro-
caicos mesclam-se em XXVI, CIII, CIX, CXXXIII, CXXXV, CXXXVIII;
octossílabos jâmbicos e versos redondilhos maiores em LXII, LXXV, LX-
XIX, LXXX, LXXXIV, LXXXVII; hexassílabos, octossílabos e decassíla-
bos jâmbicos em LIV.
O segundo tipo de cantigas de refrão são (vid. acima, p. 108 ss.)
imitações artísticas de cantigas populares autóctones, executadas por dois

530
Cf. Diez, KuHp., p. 71 s.
531
Cf. Jeanroy, De Nostrat., p. 7.
532
Nos poetas mais antigos, a fiinda é bastante rara. Dentre as 200 primeiras cantigas do cancionei-
ro CB de Molteni, ela aparece apenas 14 vezes.
533
Cf. a nota referente a LXXVI, 1560. Nesta repetição, à maneira de refrão, de uma palavra rimante
da última estrofe na fiinda, Denis seguiria exatamente um uso da lírica provençal, já predomi-
nante nos tempos mais antigos. Cf. Stengel, loc. cit., § 186. Casos semelhantes podem ser encon-
trados em V. 537, 541, 545, 556, 598, 605; CB. 244. Porém, em CB. 242, 243, V. 622, isto ocorre
juntamente com o dobre.
534
Na verdade, ela coincide quase literalmente com a última estrofe de uma balada de Estevam
Travanca (V. 324), com quem Denis tem em comum também o refrão da cantiga.
535
Este é muito frequentemente o caso em relação a Joham Ayres de Santiago, um antecessor do rei,
com quem este também em outros lugares está em consonância. (Comp. as notas e ainda, por
exemplo, CXV com V. 614.) Assim também, por exemplo, V. 530, 533, 535, 594-7, 607, 614,
616, 617, 621-4 etc.

172

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Introdução

coros em cantos alternados536, e cuja característica básica se mostra na estrutura


paralelística das estrofes537. Neste paralelismo, que é a alma da cantiga popular,
podem distinguir-se três níveis de desenvolvimento, segundo Jeanroy538.
Originalmente, o tema do primeiro coro, de início constituído tal-
vez por um único verso539, era repetido pelo segundo sem qualquer alteração.
O paralelismo, portanto, era completo.
Dessa forma, que ainda se encontra nas cantigas populares france-
sas540, conservou-se inequívoco vestígio em uma bela cantiga de amor de Gil
Sanchez (vid. acima, p. 75), CB. 22. Segue aqui a primeira estrofe:

Tu que ora vees de Montemayor!


Tu que ora vees de Montemayor!
Digasme mandado de mha senhor!
Digasme mandado de mha senhor!
Ca se eu seu mandado non vyr,
trist’ e coytado
serey e gram pecado etc.

536
Em uma cantiga mariana construída neste estilo (I, 183), Gil Vicente faz cantar dois coros, e da
mesma forma se executavam os romances danzaprima asturianos, como já mencionado antes
(pp. 136-137).
537
Cf. C. M. de Vasconcelos, Grundriss II, pp. 150-154. – Contra a escolha do termo serrana para
designar as cantigas de estrofes paralelísticas, a ilustre romanista fez valer, com razão, a
ambiguidade deste nome.
538
Origines, p. 415 s.
539
Cf. Stengel, loc. cit., p. 78. Realmente, consiste de apenas um verso o tema cantado no romance
danza-prima das Astúrias, referido na nota 536, bem como na bailada [Tanzlied] asturiana citada
à p. 135-136; finalmente, em uma quantidade de reminiscências dos paralelismos típicos encon-
trados nos romances peninsulares, como por exemplo o Romanceiro português (edit. por J. Leite
de Vasconcelos, Porto 1886) III, pp. 5-8:
Por sua bocca dizia,
por sua bocca falava;
esta agua benta fica,
esta agua fica sagrada.
Cf.Revista lusit. II, p. 215.
Braga, CAA. p. 188:
Caçador que ia a caça,
caçador que a caça ia.

Primavera I, 95: Ven acá tu, hijo mio,


Ven acá tu, hijo amado.

Ibid. 150: Ayudeos Dios, hijos mios,


Guardeos Dios, hijos amados.

Ibid. 248: Ay Narcisa de mi vida!


Ay Narcisa de mi alma!
540
Cf. Jeanroy, Origines, p. 416.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

No segundo nível, ambos os textos, constituídos em geral de dois


versos, separam-se um do outro pela assonância ou rima associada (fre-
quentemente em i-o : a-o ou i-a : a-a). Essa é a forma característica das
antigas cantigas populares portuguesas, das quais o Cancioneiro da Vaticana
nos transmitiu mais de 50 reproduções541. O desenvolvimento das estrofes
realiza-se, e simultaneamente se encadeiam os diferentes pares de estrofes
uns com os outros, através da repetição do segundo verso da primeira es-
trofe como primeiro da terceira, o segundo verso da segunda estrofe como
primeiro da quarta, e assim por diante. Surge, portanto, nas estrofes de dois
versos incluindo o refrão (g) (aqui geralmente de um verso), a seguinte
ordem (cf. XCI): aa1gbb1ga1a2gb1b2ga2a3gb2b3g.
Finalmente, como terceiro nível do paralelismo deve-se assinalar
aquele em que cada vez mais se diverge da repetição exata do tema também
antes da palavra rimante e em que se canta para a mesma melodia um texto
modificado, como por exemplo no rondet francês antigo542.
A antiga cantiga de refrão portuguesa de três ou quatro estrofes é
aparentada a esse tipo de estrutura paralelística das estrofes, no mais míni-
mo detalhe. Mostrou-se antes (p. 106 s.) que ambos os tipos tratam basica-
mente do mesmo objeto, são principalmente cantigas femininas, e que sua
língua e estilo são no fundo os mesmos. A singeleza e a ausência de artifí-
cio da cantiga paralelística marcam, em grande parte, também a estrutura
da balada, e o que é característica essencial da primeira, a repetição de
mesma ideia e expressão de estrofe para estrofe, é-o também da segunda.
Esse é particularmente o caso dos não raros poemas com estrofes de dois
ou três versos, como por exemplo o XVIII de nossa coletânea, ou da canti-
ga seguinte, de um dos mais antigos poetas conhecidos, Paay Soares de
Taveroos, CB. 120:

A ren do mundo que melhor queria


nunca meu ben quis dar, Sancta Maria;
mais quant’ end’ eu no coraçon temia,
Ei, ei, ei, senhor, agora vi
de vos quant’ eu sempre temi.

541
Cf. C. M. de Vasconcelos, loc. cit., 151. Não está claro como a douta autora distingue na cantiga
V. 507 um tema de três versos. Apenas se acrescentássemos o refrão E chor’ eu bela poderíamos
falar aqui de três versos; neste caso, de modo algum haveria, aliás, temas de dois versos, o que,
contudo, é estabelecido como regra pela própria Senhora Vasconcelos.
542
Jeanroy, Origines 416.

174

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 174 29/4/2010, 11:13


Introdução

A ren do mundo que eu mais amava


e mais servia, nen mais desejava,
Nostro senhor, quant’ eu receava,
Ei, ei, ei etc543.

Em outras cantigas desse tipo encontramos pares de estrofes para-


lelas com o mesmo verso inicial e repetição mais ou menos exata de mesmas
ideia e expressão em cada estrofe, como por exemplo em Denis CXXXVI,
onde a coerência insuficiente mostra que falta uma estrofe544.
Em geral, conforme já ressaltado por Paul Meyer (Rom. II, p. 265)
e Jeanroy (Origines, p. 403), a estrutura da balada galego-portuguesa coin-
cide com a da balada provençal e a da balete francesa. Mas isto ainda não
comprova que ela seja mera imitação dessa última, da mesma forma que
tampouco se podem considerar as cantigas com típico paralelismo das es-
trofes como imitação de um gênero estrangeiro, porque formas semelhantes
se encontram também na lírica francesa dos séculos XIV e XV (vid. acima,
p. 123 s.)545. A concordância formal de tais espécies de poesia explica-se,
antes, pelo fato de elas se terem desenvolvido a partir de uma forma primi-
tiva comum a vários povos românicos546. Que a antiga balada portuguesa
seja de origem nacional e tenha gozado de importante cultivo já antes do
início da lírica culta nossa conhecida, talvez com a participação de canto-
res populares vagantes, é testemunhado também, além do que se disse acima
(p. 73)547, pelo fato de que dois terços das cantigas que chegaram até nós
são cantigas de refrão; de que mesmo a cantiga de amor palaciana é com-
posta predominantemente nessa forma e envolta na mesma linguagem
simples; e de que – isso tem bastante peso – o típico retorno do mesmo
pensamento e expressão em cada estrofe nas cantigas de refrão comuni-
cou-se à maioria das cantigas de maestria, imitadas do provençal548.

543
Assim V. 657, 659, 660; CB. 50, 51, 106, 113, 249, 250; T. e C. 36, 122, 125, 138.
544
Cf. V. 488, 825, 866-7, 949, 950, dentre outros.
545
Dão exemplos A. Stickney, Rom. VIII, pp. 73-92 e G. Paris, Chansons du XV siècle; por exem-
plo, nºs. VIII, LXXVIII, LXXXI. Cf., além disso, Carducci, Cantilene e Ballate, nº. XLVI.
546
Cf. P. Meyer, Rom. II, p. 265.
547
Cf. C. M. de Vasconcelos, loc. cit., p. 180.
548
Já por isso não parece certo que a Senhora Vasconcelos (loc. cit., p. 195) considere as cantigas de
maestria como as mais antigas cantigas artísticas. Além disso, justamente alguns dos mais anti-
gos poetas corteses por nós conhecidos, como Paay Soares de Taveroos e seu irmão Pero Velho,
D. Gil Sanchez, Bernaldo de Bonaval, Rodrigu’ Eanes de Vasconcellos, entre outros, compuse-
ram suas cantigas de amor em forma de balada. Vid. CB. 22, 112, 113, 120, 312; V. 657, 659, 660
dentre outros. – Tampouco nos parece haver uma razão suficiente para a reiterada afirmação
(ibid., pp. 152 e 180) de que os tipos populares, apenas com Denis e através dele, se tenham
tornado dignos da corte. Em primeiro lugar, parece pouco provável que justamente a espécie de
poesia popular que deu a toda a poesia culta sua marca singular tenha sido cultivada na corte

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Esse característico traço da repetição, que justamente a separa niti-


damente do gênero francês similar, por certo compartilha-o a cantiga feminina
galego-portuguesa com a poesia amorosa de outros povos em parte não rela-
cionados, conforme pretendemos apontar na conclusão desta pesquisa.
Surpreendente é, sobretudo, sua semelhança com o gênero chinês Hing, so-
bre o qual Wilhelm Scherer549, a partir da tradução latina de Schi-king pelo
jesuíta Lacharme, informa o seguinte: “Frequentemente de três estrofes, em
que uma e mesma ideia se realiza pela decomposição em três momentos
semelhantes, até sinônimos, o mesmo pensamento apresenta-se em três va-
riações, como também o conhecemos de canções europeias (igualmente em
Daumer 2, 48. 49).” A isso acrescente-se, aqui, o seguinte exemplo:

In vallibus planta Toui aruit et iam sine succo facta est.


Mulier (a viro suo) divellitur et discedens suspirat, heu! suspirat,
quod hominum aetatem usque eo infelicem vivat.

In vallibus planta Toui aret sine humore. Mulier discedit et


dissociatur, altaque ex imo pectore suspiria trahit; alta suspiria
trahit, quod hominum aetatem boni omnis expertem vivat.

In vallibus planta Toui humefacta, macra tamen et sine succo.


Mullier divellitur, et discedens gemit et lamentatur. Gemit illa
et lamentatur; sed quid prosunt suspiria?550

5. CONCLUSÃO
Da análise anterior resulta indubitável, como nos parece, que a
lírica palaciana galego-portuguesa dos séculos XIII e XIV deve o impulso
e o modelo para seu desenvolvimento literário principalmente aos provençais
e, em parte, também aos franceses. Provam-no os diferentes gêneros poéti-

somente no terceiro período desta escola, depois de um lapso de tempo de aproximadamente 80


anos. Em segundo lugar, poetas comprovadamente antigos, pré-afonsinos, cultivaram realmente
esse gênero, tanto nas cantigas de amor quanto nas femininas. Assim os irmãos antes menciona-
dos, Paay Soares e Pero Velho, Pedrannes Solaz (V. 824-5) e Bernal de Bonaval (V. 657 etc.; 726,
728, 731); além desses, vários poetas do segundo período, sobretudo Afonso X em suas cantigas
marianas (CM. 160, 250), também Affonso Lopez de Bayam (V. 342), Joam Soares Coelho
(V. 281, 290-2), Paay Gomes Charinho (V. 401, 429) e outros mais, que não podemos datar com
precisão.
549
Anzeiger für deutsches Altertum, 1876, p. 201.
550
Cf. ainda, ibid., p. 203, uma alba. – Esses poemas também têm interesse por ser típico neles, bem
como na lírica moderna de Portugal e de outros países europeus, a antítese de imagem da nature-
za e imagem da alma.

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Introdução

cos do sul e do norte da França, cultivados por ela: a cantiga cortês de


amor, a tenção, o sirventês, o descort, o lai, a pastorela palaciana e uma
gesta de maldizer composta no estilo da chanson de geste. Prova-o a imita-
ção do sistema estrófico provençal e da artificiosidade das rimas, o
desenvolvimento de uma cantiga de maestria em oposição à cantiga de refrão
autóctone, a adoção formal da tornada, a predominância dos decassílabos
jâmbicos, dentre muitas outras coisas. Provam-no, além disso, as não raras
coincidências de conteúdo da poesia portuguesa com a provençal e a fran-
cesa. Se tais ecos não se mostram mais numerosos551, então é de considerar
que conhecemos apenas uma pequena parte, uma seleta das obras da lírica
provençal e francesa552 e, além disso, que na estreiteza e monotonia do
círculo de ideias em que essa poesia afinal se move, não é possível deter-
minar exatamente a procedência de algumas concepções notoriamente
imitadas. Por fim, provam-no ainda as várias referências ao exemplo dos
provençais, que encontramos em Afonso o Sábio, Joam Soares Coelho e no
rei Denis. (V. 70, 1021, XLIII, XLVII).
Todavia, essa influência formal e conceitual da lírica francesa do
sul e do norte sobre a galego-portuguesa foi e permaneceu bastante epidér-
mica. Esta última não se apropriou, conforme se pôde mostrar no decorrer
da análise, dos traços mais essenciais, mais profundos do seu modelo, nem
na forma, nem no conteúdo e estilo. Uma razão disso, tanto quanto sabe-
mos (vid. acima, p. 73 s.), é que foram os menestréis franceses, e não os
trovadores provençais, que estiveram na corte portuguesa553. Estes, contu-
do, frequentavam as cortes vizinhas de Leão e Castela, e foi aí que os
magnatas portugueses, na maioria das vezes procurando abrigo como refu-
giados, entraram em contato com a poesia culta provençal554. Significativo
desse contato com provençais em solo estrangeiro é particularmente um
poema escrito em língua provençal – único exemplo do gênero – por Gar-
cia Mendes d’Eixo, irmão do anteriormente referido Gonçalo Mendes
(p. 75), em que esse magnata português exprime sua saudade do lar ances-
tral de sua família (Sousa)555. O relacionamento entre trovadores portugueses
e provençais não foi, portanto, duradouro nem íntimo nem, por isso, pró-
prio para trazer aos portugueses um sólido domínio da arte poética e do

551
Esperamos publicar em breve, em um artigo especial, algumas dessas concordâncias, além da-
quelas já mencionadas na introdução.
552
Cf. P. Meyer, Les derniers troubadours, p. 5.
553
Cf. C. M de Vasconcelos, loc. cit., p. 172; especialmente na nota 5, documento citado de 1193,
segundo o qual já Sancho I gratificara jograis franceses.
554
Cf. acima, nota 69, e C.M. de Vasconcelos, loc. cit.
555
Cf. mesma autora, ibid., p.176.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ideário estrangeiros. Acrescente-se ainda, como segunda razão, que, con-


forme já assinalou Diez (KuHp., p. 73) e foi mostrado acima (p. 85 s.), não
perduraram em Portugal as circunstâncias peculiares sob as quais se desen-
volvera a poesia trovadoresca e, por isso, muitos elementos essenciais dela
não encontraram suporte na vida da sociedade portuguesa. E prosseguindo
com as bastante distintas condições intelectuais e sociais de Portugal, deve-
se mencionar, finalmente, o florescimento de uma lírica popular autóctone
como terceira razão para a considerável autonomia da lírica palaciana local
em face da influência da poesia provençal e francesa. Somente sobre a
ampla base de tal lírica e graças ao talento poético, bem como ao tempera-
mento sentimental dos galegos e portugueses556, que os tornou especialmente
sensíveis à cantiga de amor, a lírica galego-portuguesa pôde tão rapida-
mente se desenvolver com a riqueza e encantadora originalidade que lhe
conferem uma posição realmente autônoma na poesia da Idade Média557. O
verdadeiro benefício que os provençais alcançaram em relação a Portugal
consistiu em que, através de seu exemplo, abriram o caminho na literatura
para esta lírica popular e assim a trouxeram à luz.

III. TRATAMENTO DO TEXTO


No que diz respeito ao tratamento do texto em nossa edição, assi-
nale-se o seguinte:
A ortografia e as abreviações, os erros de grafia e outros equívocos
são da mesma natureza em ambos os códices, os quais, conforme mencio-
nado à p. 58, datam do final do século XV ou início do XVI. Que os copis-
tas eram italianos depreende-se também, abstraindo dos vários erros que só
se explicam pelo desconhecimento de uma língua estrangeira, de que fre-
quentemente encontramos formas italianas como che ao invés de que
(V. 193, 2), sapendo ao invés de sabendo (V. 136, 9), pagato ao invés de
pagado (V. 417, 18), dentre outras. Conforme expôs Monaci, pref.

556
Do poeta Pero Rodriguez de Palmeira, cujas cantigas não possuímos, diz-se em PMH. Script. I,
355: “D. Maria Paaez, filha de Paay Soares de Valladares, a por que morreu Pero Rodriguez de
Palmeira d´amor”. – Segundo o Marquês de Santillana (Obras, p.12), Joam Soares de Pavha tam-
bém teria morrido por tormento de amor. O galego Macias tinha sabidamente a alcunha el namora-
do. – Referências espanholas a esse traço do caráter português encontram-se, por exemplo, em
Lope de Veja, Dorotea (Rivad. 34, 43 c): “Tengo los ojos niños y portuguesa el alma”;
V. Espinel, Obregon (Rivad. 18, 428a): “Comencé á ... enamorar cuantas encontraba: de manera
que no habia portugues más azucarado que yo”; Alcalá, Donado Hablador (ibid. 557b): “Mostréme
el rato que con mi viuda estuve más eloquente que el griego Demóstenes, más amoroso que Macias,
y más derretido que un portugues”. – Cf. ainda C. M. de Vasconcelos, GZ. XVI, p. 397 s.
557
Cf. P. Meyer, Rom. I, p. 121.

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Introdução

p. XIII-XIV, o copista italiano tratava seu modelo com grande fidelidade.


Em sua cópia encontramos particularidades ortográficas, como por exemplo
o i frequentemente sem pingo, o y tão frequentemente com ele, o que não se
explica pelas formas de grafia italianas da época, mas pelas hispânicas dos
séculos XIII-XV. Daí também os numerosos equívocos na escrita de formas
estranhas aos copistas italianos, como por exemplo a confusão entre r de
haste longa e p (V. 116, 9 po ao invés de re), o frequente deslocamento do til,
como em boã em vez de boa, também sua frequente omissão, como em des-
sandecer em vez de dessandecer (V. 119, 9), maiude em vez de maiude
(= m’ ajud’ em, V. 147, 10) etc. Explicam-se antes pelo desconhecimento da
língua os casos em que dois versos são escritos juntos em uma linha ou em
que um verso aparece dividido em duas linhas, uma vez que no modelo, os
versos são escritos juntos como em prosa e separados apenas através de pon-
tos ou barras; os numerosos casos em que palavras diversas são fundidas em
um complexo ou, ao contrário, uma palavra é seccionada, ou onde uma abre-
viatura é desenvolvida incorretamente, como por exemplo ðs, que ora apare-
ce como des onde deveria ser deus (por exemplo V. 571, 8, em rima com
meus), ora como deus onde seria necessário des (por exemplo V 109, 6). Se a
grafia des por deus em posição proclítica reproduzisse um fenômeno fonéti-
co, então perceberíamos aí, talvez, a influência do sul na língua de nossos
poetas, já que ocorre ainda hoje, no dialeto do Alentejo, ao menos a conden-
sação de eu para ê em posição proclítica, diante de palavras iniciadas por
consoantes (vid. J. Leite de Vasconcelos, Subdial. alemtej. 4-5, Dial. algar-
vios 9). Para a língua arcaica, há testemunho desse fenômeno na Demanda
do Santo Graal558. Uma vez que, porém, ainda não é possível afirmar deta-
lhadamente qual a relação entre a língua dos poetas cultos e os dialetos, pare-
ceu mais correto incluir no texto, via de regra, a forma deus. Era natural,
também, que o copista trocasse uma expressão frequentemente repetida por
um sinônimo igualmente recorrente, como por exemplo em V. 206, 9 omite-
se nom sei, pois as palavras que seja de mi chamam à memória a expressão
quase literalmente igual e sinônima que será de mi. A essas causas de corrup-
ção do texto, que residem na má interpretação dos caracteres e no desconhe-
cimento do Português, acresce ainda a circunstância de que o texto do mode-
lo já estava bastante degradado, sobretudo lacunoso. Cf. Monaci, pref., p. XIV.
Mesmo que, no geral, as cantigas do rei Denis estejam mais bem
transmitidas do que as outras, por outro lado dificulta a reconstituição dos
textos, neste caso, a circunstância de que eles existem só parcialmente em
mais de um manuscrito, isto é, apenas V. 80-208, que, com exceção de 188,

558
Vid. GZ. XVI, p. 219.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

são reencontrados no códice CB sob número 497-606, enquanto os núme-


ros CXXIX-CXXXVIII de nossa edição se conservaram apenas no códice
CB, nos números 1533-1542. Além disso, temos V. 174 em uma segunda
versão em V. 116, o que possibilita o restabelecimento do texto.
Sempre que se pôde preservar a versão transmitida, ou que não se
propôs em troca alguma emenda segura, ela foi mantida. As razões para
oportunas correções ou acréscimos são indicadas ou abaixo do texto ou,
quando pareceu necessário apresentar provas, nas notas. Uma vez que, con-
forme já observado antes, o copista confundiu as abreviaturas e outros
caracteres ininteligíveis a ele, estes casos foram referidos, onde foi neces-
sário apontar abaixo do texto a lição transmitida. De resto, remeta-se aqui à
lista de erros e abreviaturas na edição diplomática do manuscrito da Vaticana
por Monaci. Palavras escritas juntas foram registradas entre as variantes,
apenas onde sua separação não parecia inteiramente natural.
Finalmente, no que diz respeito à ortografia, pareceu conveniente,
sobretudo para mais fácil utilização do glossário, aplicar as tendências fo-
néticas já reveladas na ortografia dos cancioneiros antigos559. De acordo
com isso, o y sempre foi substituído pelo i equivalente; o h caiu onde tinha
apenas valor etimológico, conservado só no pronome átono mh = me antes
de vogais, onde notoriamente está no lugar do apóstrofo560, e em formas
como cambhar, servha = cambiar, servia etc. As consoantes duplas são
simplificadas, com exceção de s. O n final é substituído por m, assim bem,
rem etc. Eno (por exemplo 1884 etc.), bastante recorrente, foi por isso es-
crito e-no, pois vem de em-lo por em-no, e a preposição perdeu sua nasal
antes da nasal seguinte. Casos semelhantes são comigo = commigo (fre-
quente em nosso texto), no mais = nom mais (por exemplo Camões, Lusíad.
III, 67, X, I45), nemigalha = nem migalha (por exemplo PMH. LC. I, 328),
no menos = nom menos (por exemplo Canc. Res. II, 247, 247) entre ou-
tros561. O g de trager, trage etc. (por exemplo 1428) foi tratado sempre
como marca de uma palatal, já que a opinião apresentada por J. Leite de
Vasconcelos (Revista Lusit. II, pp. 270-1), de que traguer teria sido pro-
nunciado com oclusiva gutural sonora, parece totalmente insustentável.
Algumas formas modernas, como quizestes em vez de quisestes, poude em
vez de pode, que se imiscuíram no manuscrito, encontram-se emendadas
entre as “correções e aditamentos”*.

559
Cf. C. M. de Vasconcelos, Sá de Mir., p. CV.
560
Cf. E. Dias, GZ. XI, p. 42.
561
Cf. Revista lusit. I, p. 179.
* Quanto às “correções e aditamentos”, vid. o que se diz dos critérios adotados nesta edição,
pp. 19-20. (N.E.)

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Introdução

CANCIONEIRO D’EL REI DOM DENIS

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ÍNDICE ALFABÉTICO DAS CANTIGAS

CXIX Ai fals’ amigu’ e sem lealdade ........................................... 285


XCII Ai flores, ai flores do verde pino ....................................... 264
XLI Ai senhor fremosa, por Deus ............................................. 224
XCIV Amad’ e meu amigo ........................................................... 266
XXVII A mha senhor que eu por mal de mi .................................. 213
LXXXIV Amiga, bom grad’ aja Deus ............................................... 258
XCVIII Amiga, faço-me maravilhada. ........................................... 269
LXXVIII Amiga, muit’ a gram sazom ............................................... 254
CXXII Amiga, quem vos ama ....................................................... 287
LXXXVIII Amiga, sei eu bem d’unha molher .................................... 261
CVII Amigo fals’ e desleal! ........................................................ 276
CXXIII Amigo, pois vós nom vi ..................................................... 288
C Amigo, queredes vos ir? ................................................. ...271
LXIII Amor, em que grave dia vos vi .......................................... 241
LXVII Amor fez a mim amar. ....................................................... 243
LIV Assi me trax coitado .......................................................... 234
XXIX A tal estado mh adusse, senhor .......................................... 214
LXXVII Bem entendi, meu amigo ................................................... 253
LXXXIX Bom dia vi, amigo .............................................................. 262
CXIV Chegou-mh’, amiga, recado............................................... 281
LXXXII Chegou-m’ or’ aqui recado ................................................ 257
CXVII Coitada viv’, amigo, por que vós nom vejo ...................... 284
VII Como me Deus aguisou que vivesse. ................................ 197
XCVI Com’ ousará parecer ante mi ............................................. 268
IX Da mha senhor que eu servi ............................................... 199
CXXXII De Joam Bol’ and’ eu maravilhado ................................... 295
LIII De mi fazerdes vós, senhor ................................................ 233
LXIX De mi valerdes seria, senhor .............................................. 246

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CXV De morrerdes por mi gram dereit’ é .................................. 282


XLIX De muitas coitas, senhor, que levei ................................... 229
XCI De que morredes, filha, a do corpo velido? ...................... 263
CXXXVIII Deus, com’ ora perdeu Joam Simhom! ............................. 290
CXXXVI Disse-m’ oj’ um cavalheiro ................................................ 298
CI Dizede, por Deus, amigo: .................................................. 272
LXXX Dos que ora som na oste .................................................... 255
X Em gram coita, senhor ....................................................... 200
XCVII Em grave dia, senhor, que vos oi ....................................... 267
CXXVI Falou-m’ oj’ o meu amigo. ................................................. 290
CXI Gram temp’ a, meu amigo, que nom quis Deus ................ 279
XV Grave vos é de que vos ei amor ......................................... 204
CXXXIII Joam Bol’ anda mal desbaratado ....................................... 296
CXXXI Joam Bolo jouv’ em unha pousada .................................... 294
XCIII Levantou-s’ a velida ........................................................... 265
CXVI Mha madre velida! ............................................................. 283
XLIV Mesura seria, senhor .......................................................... 226
CV Meu amigo, nom poss’ eu guarecer ................................... 275
CVIII Meu amigo vem oj’ aqui .................................................... 277
CXX Meu amig’, u eu sejo ......................................................... 286
CXXXVII Mui melhor ca m’eu governo ............................................ 299
XC Nom chegou, madr’, o meu amigo .................................... 263
LX Nom me podedes vós, senhor ............................................ 238
CII Nom poss’ eu, meu amigo. ................................................ 272
XXXIII Nom sei como me salv’ a mha senhor ............................... 217
CXXVIII Nom sei oj’, amigo, quem padecesse ................................ 291
XXVI Nostro senhor, ajades bom grado ...................................... 212
L Nostro senhor, se averei guisado ....................................... 230
VIII Nunca Deus fez tal coita qual eu ei ................................... 198
LIX Nunca vos ousei a dizer ..................................................... 238
LV O gram viç’ e o gram sabor ............................................... 234
II O mais quer’ eu ja leixá-lo trobar ...................................... 194
LXX Oi oj’ eu cantar d’amor. ..................................................... 247
LXXXIII O meu amig’, amiga, non quer’ eu .................................... 257
CIV O meu amigo a de mal assaz ............................................. 274
XXX O que vos nunca cuidei a dizer .......................................... 215
XXXVII Ora, senhor, nom poss’ eu já .............................................. 221

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Índice alfabético das cantigas

XXIV Ora vejo bem, mha senhor ................................................. 211


CXXIX Ou é Melion Garcia queixoso ............................................ 293
CXVIII O voss’ amig’, ai amiga ..................................................... 284
XCIX O voss’ amig’, amiga, vi andar .......................................... 270
XCV O voss’ amigo tam de coraçom ......................................... 267
CXIII Pera veer meu amigo .......................................................... 281
XL Pero eu dizer quizesse ........................................................ 223
LXXVI Pero muito amo, muito nom desejo ................................... 251
XIX Pero que eu mui long’ estou .............................................. 207
LXXXVII Pesar mi fez meu amigo ..................................................... 260
LXI Pois ante vós estou aqui ..................................................... 239
XII Pois mha ventura tal é ja .................................................... 201
CXXIV Pois que diz meu amigo ..................................................... 289
XXVIII Pois que vos Deus, amigo, quer guisar ............................. 214
XVI Pois que vos Deus fez, mha senhor ................................... 204
CXXV Por Deus, amiga, pes-vos do gram mal ............................. 289
CIII Por Deus, amigo, quem cuidaria ....................................... 273
CXXI Por Deus, punhade de veerdes meu ................................... 287
LXXIV Por Deus, senhor, pois per vós nom ficou ......................... 250
I Praz-mh a mi, Senhor, de moirer ....................................... 193
XLVIII Preguntar-vos quero por Deus ........................................... 229
XLVII Proençaes soen mui bem trobar. ........................................ 228
LXVIII Punh’ eu, senhor, quanto poss’ em quitar .......................... 245
LXXI Quand’ eu bem meto femença ........................................... 248
XXII Quant’ a, senhor, que m’ eu de vós parti ........................... 209
V Quant’ eu, fremosa mha senhor ......................................... 196
CVI Que coita ouvestes, madr’ e senhor ................................... 276
XLV Que estranho que mh é, senhor ......................................... 227
LII Que grave coita, senhor, é .................................................. 232
XXXI Que mui gram prazer que eu ei, senhor............................. 216
LXXXI Que muit’ a ja que nom vejo .............................................. 256
XXV Quem vos mui bem visse, senhor ...................................... 211
LXIV Que prazer avedes, senhor ................................................. 241
IV Que razom cuidades vós, mha senhor ............................... 195
XLIII Quer’ eu em maneira de proençal ...................................... 225
XXXIX Que soidade de mha senhor ei ........................................... 222
LXXIX Que trist’ oj’ é meu amigo ................................................. 254

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CIX Quisera vosco falar de grado ............................................. 278


XXXIV Quix bem, amigos, e quer’ e querrei ................................. 218
LXXXVI Roga-m’ oje, filha, o voss’ amigo ...................................... 259
XXI Se eu podess’ ora meu coraçom ......................................... 208
XX Sempr’ eu, mha senhor, desejei ......................................... 208
LXXII Senhor, aquel que sempre sofre mal .................................. 248
XLVI Senhor’, cuitad’ é o meu coraçom ..................................... 227
XVII Senhor, desquando vos vi .................................................. 205
XIII Senhor, dizem vos por meu mal ........................................ 202
LXXIII Senhor, em tam grave dia .................................................. 249
LXXV Senhor, eu vivo coitada ...................................................... 249
XXXVI Senhor fremosa, e de mui loução ...................................... 220
XXXII Senhor fremosa, nom poss’ eu osmar ................................ 217
LVIII Senhor fremosa, pois no coraçom ..................................... 237
XLII Senhor fremosa, por qual vos Deus fez ............................. 224
LXVI Senhor fremosa, vejo-vos queixar ..................................... 243
XXXV Senhor, nom vos pes se me guisar Deus ........................... 219
XXXVIII Senhor, oj’ ouvess’ eu vagar .............................................. 221
LI Senhor, pois me nom queredes .......................................... 231
XI Senhor, pois que m’ agora Deus guisou ............................ 200
LXV Senhor, que bem parecedes! .............................................. 242
LVI Senhor, que de grad’ oj’ eu querria .................................... 235
LXII Senhor, que mal vos nembrades ........................................ 240
III Se oj’ em vós a nenhum mal, senhor ................................. 195
XIV Tam muito mal mi fazedes, senhor .................................... 203
CXXX Tant’ é Melion pecador ...................................................... 294
XVIII Um tal ome sei eu, ai bem talhada .................................... 206
LVII Unha pastor bem talhada ................................................... 236
XXIII Unha pastor se queixava .................................................... 210
CXXXIV U n’outro dia Dom Joam ................................................... 297
CXXXV U n’outro dia seve Dom Joam ........................................... 298
CXXVII Vai-s’ o meu amig’ alhur sem mi morar ............................ 291
CXII Valer-vos-ia, amigo, se oj’ ................................................. 280
CX Vi-vos, madre, com meu amig’ aqui ................................. 279
VI Vós mi defendestes, senhor ............................................... 197
LXXXV Vós que vos em vossos cantares meu ............................... 259

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Relação da bibliografia utilizada, com as abreviaturas correspondentes

RELAÇÃO DA BIBLIOGRAFIA UTILIZADA , COM AS


ABREVIATURAS CORRESPONDENTES

A. e C. = Le Antiche Rime volgari pubblicate per cura di A. D’Ancona e D.


Comparetti. Bologna, 1873-1886.

Archiv = Archiv für das Studium der neuern Sprachen und Literaturen. Editado
por L. Herrig. Braunschweig.

Bartsch, Altfrz. Rom. = Altfranzösische Romanzen und Pastourellen. Editado por


K. Bartsch. Leipzig, 1870.

Bellermann = Die alten Liederbücher der Portugiesen. De Christian Bellermann.


Berlim, Dümmler, 1840.

Canc. = Cancioneiro de trovas antigas colligidas de um grande cancioneiro da


Bibliotheca do Vaticano ... Vienna, typographia da Corte, 1870; ed. 2ª e mais
correcta, 1872.

Canc. da Vat. = Cancioneiro da Vaticana, edição critica restituida sobre o texto de


Halle; acompanhada de um glossario e de uma introdução sobre os Trovadores e
Cancioneiros portuguezes. Por Th. Braga. Lisboa, 1875.

Canc. Res. = Cancioneiro Geral. Altportugiesische Liedersammlung des Edeln


Garcia de Resende. Nova edição de E. H. von Kausler. Stuttgart, 1846-1852.

Cantos de ledino = Cantos de ledino, tratti dal grande canzoniere portoghese della
Biblioteca Vaticana, per Ernesto Monaci. Halle, 1875.

Cant. pop. açor. = Cantos populares do Archipelago açoriano, publicados e


annotados por Theophilo Braga. Porto, 1869.

CAP. = Canti antichi portoghesi tratti dal codice vaticano 4803 con traduzione e
note a cura di Ernesto Monaci. Imola, Galeati, 1873.

CB. = Il Canzoniere portoghese Colocci-Brancuti, pubblicato nelle parti che


completano il codice Vaticano 4803, da Enrico Molteni. Halle a/S., Max Niemeyer
editore, 1880.

187

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 187 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CBaena = El Cancionero de Juan Alfonso de Baena. Publicado por F. Michel.


Leipzig, 1860.

Choix = Choix des Poésies originaires des Troubadours. Par M. Raynouard. Paris,
1818.

Chrestom. = Chrestomathia historica da lingua portugueza, por F.A. Coelho, em:


Grande Diccionario portuguez, pelo Dr. Frei Domingos Vieira. Porto, 1871. Vol. II.

CM = Cantigas de Santa Maria, de Don Alfonso el Sabio. Las publica la Real


Academia Española. Madrid, 1889.

De nostrat. = De nostratibus medii aevi poetis qui primum lyrica Aquitaniae carmina
imitati sint. Thesim...proponebat A. Jeanroy. Paris, Librairie Hachette, 1889.

Dial. algarv. = Dialectos algarvios. Contribuições para o estudo da dialectologia


portugueza. Por J. Leite de Vasconcellos. Póvoa de Varzim, 1886.

Dial. beir. = Dialectos beirões. Pelo mesmo. Porto, 1884.

Dial. extrem. = Dialectos extremenhos. Pelo mesmo. Porto, 1885.

Dial interamn. = Dialectos interamnenses. Pelo mesmo. Porto, 1885-6.

Dial mirand. = O dialecto mirandez. Pelo mesmo. Porto, 1882.

Dozy, Recherches = Recherches sur l’histoire politique et littéraire de l’Espagne


pendant le moyen-âge. Par R. Dozy. Leyden, 1881.

Eluc. = Elucidario das palavras, termos, e frases que em Portugal antiguamente se


usárão... por Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo. Lisboa MDCCXCVIII –
MDCCXCIX.

Endovellico = O deus lusitano Endovellico. Noticia succincta por J. Leite de


Vasconcellos. (Extraído do jornal “O Dia”. Lisboa, 1890).

Esp. Sagr. = España sagrada. Theatro geographico-historico de la Iglesia de


España... Por el R.P. M. Fr. Henrique Florez ... Madrid, 1754.

Flamenca = Le roman de Flamenca, publié ... par P. Meyer. Paris, 1865.

Gil Vic. = Obras de Gil Vicente. Nova edição por J. V. Barreto Feio e T. G. Monteiro.
Hamburgo, 1834.

G. Paris, Origines = Les Origines de la poésie lyrique en France au moyen-âge.


Par G. Paris. Paris, 1892.

188

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 188 29/4/2010, 11:13


Relação da bibliografia utilizada, com as abreviaturas correspondentes

Grundriss = Grundriss der romanischen Philologie. Editado por G. Gröber.


Strassburg, 1888-1893.

GZ. = Zeitschrift für romanische Philologie, editada por G. Gröber. Halle.

Helfferich = Fueros francos. Les communes françaises en Espagne et en Portugal


pendant le moyen-âge. Etude historique... par Ch. H. Helfferich et G. de Clermont.
Berlin, 1860.

Hercul. = A. Herculano, Historia de Portugal desde o começo da monarchia até o


fim do reinado de Affonso III. Lisboa, 1863.

Hist. litt. = Histoire littéraire de la France, par des religieux bénédictins de la


congrégation de Saint-Maur, continuée par des membres de l’Institut. Paris, 1733-
1888.

H. Romanc. = Romanceiro portuguez. Coordinado... por V. E. Hardung. Leipzig,


1877.

Ineditos = Collecção de Ineditos de historia portuguesa, publicados de ordem da


Academia Real de Sciencias de Lisboa. 1824.

Jahrbuch = Jahrbuch für romanische und englische Literatur. Editado por A. Ebert.
Leipzig.

KuHp. = Ueber die erste portugiesische Kunst- und Hofpoesie. Por Friedrich Diez.
Bonn, 1863.

Lollis = Cantigas de amor e de maldizer di Alfonso el Sabio, Re di Castiglia.


Studio di Cesare de Lollis. Studj di filol. romanza, II, pp. 31-66.

M. = Cancioneiro d’El-Rei D. Diniz, pela primeira vez impresso sobre o


manuscripto da Vaticana ... pelo Dr. Caetano Lopes de Moura. Pariz, 1847.

Mätzner = Altfranzösische Lieder. Emendadas e anotadas por E. Mätzner. Berlin,


1853.

MG. = Gedichte der Troubadours... Editados por C.A.F. Mahn. Berlin, 1856-1873.

Milá y F. = De los trovadores en España. Estudio por D. Manuel Milá y Fontanals.


Barcelona, 1861.

Misc. F. e L. = Miscellanea di Filologia e Linguistica in memoria di Napoleone


Caix e Ugo Angelo Canello. Firenze, 1886.

189

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 189 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mon. lusit. = Monarchia lusitana... que contem a historia do reyno de Portugal,


escrita pelo Dr. Fr. Antonio Brandão. Lisboa, 1650.

MW. = Die Werke der Troubadours. Edição de C.A.F. Mahn. Berlin, 1846-1885.

Obras = Obras de D. Iñigo Lopez de Mendoza, Marques de Santillana, compila-


das ... por D. José Amador de los Rios. Madrid, 1852.

Origines = Les origines de la poésie lyrique en France au moyen-âge. Etudes de


littérature française et comparée ... par A. Jeanroy. Paris, 1889.

PMH. = Portugaliae Monumenta historica a saeculo octavo post Christum usque


ad quintum decimum jussu Academiae Scientiarum Olisiponensis. Olispone
MDCCCLVI – MDCCCLXXXI. (LC = Leges et Consuetudines; Script. =
Scriptores; Inquis. = Inquisitiones).

PO. = Le Parnasse Occitanien, ou Choix de poésies originales des troubadours.


Toulouse, 1819.

Primavera = Primavera y Flor de Romances ... publicada por D.F.J. Wolf y D.C,
Hofmann. Berlin, 1856.

PT. = Die Poesie der Troubadours. Por F. Diez. Zwickau, 1826.

Revista lusit. = Revista lusitana. Archivo de estudos philologicos e ethnologicos


relativos a Portugal. Dirigido por J. Leite de Vasconcellos. Porto, 1887-1893.

RG.4 = Grammatik der romanischen Sprachen. Por Friedrich Diez. Quarta Edição.
Bonn, 1876.

Rom. = Romania. Recueil trimestriel ... publié par P. Meyer et G. Paris. Paris.

Sá de Mir. = Poesias de F. de Sá de Miranda, publicadas por Carolina Michaëlis de


Vasconcellos. Halle, Max Niemeyer, 1885.

Santo Graal = Historia dos cavalleiros da Mesa Redonda e da demanda do santo


Graal. Publicada por Karl von Reinhardstöttner. Primeiro Tomo. Berlin, 1887.

Scheler = Trouvères belges du XIIe. au XIVe. siècle p. p. A. Scheler. Bruxelles,


1876.

Sold. Pínd. = Fortuna varia del Soldado Píndaro, por D. Gonzalo de Céspedes y
Meneses, em: Rivadeneyra, Biblioteca de autores españoles. Vol. XVIII.

St. = Hundert altportugiesische Lieder. Zum ersten Male deutsch von W. Storck.
Paderborn und Münster, 1885.

190

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 190 29/4/2010, 11:13


Relação da bibliografia utilizada, com as abreviaturas correspondentes

Studien = Studien zur Geschichte der spanischen und portugiesischen


Nationalliteratur. Por F. Wolf. Berlin, 1859.

Subdial. alemt. = Subdialecto alemtejano. Estudo glottologico por J. Leite de


Vasconcellos. Elvas, 1883.

Tarbé = Chansons de Thibaut IV., comte de Champagne et de Brie, p.p. P. Tarbé.


Reims, 1851.

T. e C. = Trovas e Cantares de um codice do XIV seculo ... Por F. A. de Varnhagen.


Madrid, 1849.

Tigri = Canti popolari toscani raccolti e annotati da Giuseppe Tigri. 2ª ediz. Firenze,
1860.

Ulysippo = Comedia Ulysippo, de Jorge Ferreira de Vasconcellos. 3ª ed. Fielmen-


te copiada por B. J. de Sousa Farinha. Lisboa, 1872.

V. = Il Canzoniere portoghese della Biblioteca vaticana, messo a stampa da Ernesto


Monaci ... Halle a/S. Max Niemeyer editore, 1875.

Val. = Valeriani e Lampredi, Poeti del Primo Secolo della Lingua italiana. Firenze,
1816.

Verm. Beitr. = Vermischte Beiträge zur fränzösischen Grammatik ... por Adolf
Tobler. Leipzig, 1886.

WA. = Archiv für lateinische Lexicographie und Grammatik ... editado por E.
Wölfflin. Leipzig.

Wackern. = Altfranzösische Lieder und Leiche. Editado por W. Wackernagel. Basel,


1846.

Zeitsch. f. d. A. = Zeitschrift für deutsches Alterthum und deutsche Litteratur ...


Editada por F. Wolf e M. Haupt. Berlin, 1857 e seguintes.

191

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 191 29/4/2010, 11:13


CANTIGAS D’ AMOR

I (80)
cf. M. p. 1.
Praz-mh a mi, senhor, de moirer,
e praz-m’ ende por vosso mal,
ca sei que sentiredes qual
mingua vos pois ei-de fazer;
ca nom perde pouco senhor 5
quando perde tal servidor
qual perdedes em me perder.

E com mha mort’ ei eu prazer


porque sei que vos farei tal
mingua qual fez omen leal 10
o mais que podia seer,
a quem ama, pois morto fôr;
e fostes-vos mui sabedor
d’eu por vós a tal mort’ aver

E pero que ei de sofrer 15


a morte mui descomunal,
com mha mort’ oi mais nom m’em cal;
por quanto vos quero dizer:
ca meu serviç’ e meu amor
será-vos d’escusar peior 20
que a mim d’escusar viver.

E certo podedes saber


que pero s’o meu tempo sal
per morte, nom a ja i al,
que me nom quer’ end’eu doer, 25

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 193 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

porque a vós farei maior


mingua que fez nostro senhor
de vassal’ a senhor prender.

I* (80) 8 pzer 10 ql fezome 17 me chal 18 pr qntouos qro diz 23 sso
28 deuassala.

II (81)
cf. M. p. 3.
O mais quer’ eu ja leixá-lo trobar
e quero-me desemparar d’amor, 30
e quer’ ir algunha terra buscar
u nunca possa seer sabedor
5 ela de mi nem eu de mha senhor,
pois que lh’e d’eu viver aqui pesar.

Mais Deus! que grave cousa d’endurar 35


que a mim será ir-me d’u ela fôr;
ca sei mui bem que nunca poss’ achar
10 nenhua cousa ond’ aja sabor,
se nom da morte; mais ar ei pavor
de mh a nom querer Deus tam cedo dar. 40

Mais se fez Deus a tam gram coita par


come a de que serei sofredor,
15 quando m’agora ouver d’alongar
d’aquesta terra u est a melhor
de quantas som, e de cujo loor 45
nom se póde per dizer acabar.

II (81) 6 quelhe 7 ds q gue 12 ðs 13 ðs ata 15 qua domagora 16 da qsta


teira 17 leor 18 –pdizer a cabar

* No original, Lang coloca o aparato crítico no fim da página, abrangendo às vezes mais de uma
cantiga; aqui, preferimos pô-lo depois de cada cantiga, adaptando para tanto a numeração das
chamadas. Quando há dúvida quanto à exatidão da referência de Lang, fez-se uma tentativa de
correção, seguida de interrogação e entre colchetes, p. ex. [22?]. Nos casos de óbvio equívoco,
corrigiu-se simplesmente a numeração na chamada. Para as correções e aditamentos da edição de
1894, vid. pp. 19-20. (N.E.)

194

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 194 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

III (82)
cf. M. p. 5.
Se oj’ em vós a nenhum mal, senhor,
mal mi venha d’ aquel que pód’ e val,
se nom que matades mi, pecador,
que vos servi sempr’ e vos fui leal 50
5 e serei ja sempr’ em quant’ eu viver;
e, senhor, nom vos venh’ esto dizer
polo meu, mais porqu’ a vós está mal.

Ca par Deus, mal vos per está, senhor,


desi é cousa mui descomunal 55
10 de matardes mim, que merecedor
nunca vos foi de mort’; e pois que al
de mal nunca Deus em vós quis poer,
por Deus, senhor, nom queirades fazer
em mim agora que vos estê mal. 60

III (82) 1 oienuos 2 da quel que podeual 7 qa 8 ðs 10 que heu m’ecedor
12 ðs 13 ðs. [ 2 que ] V che 9 leia-se des i em lugar de desi 12 quis ]
V. qis (C. e A.)]

IV (83)
cf. M. p. 6.
Que razom cuidades vós, mha senhor,
dar a Deus, quand’ ant’ el fordes, por mi
que matades, que vos nom mereci
outro mal se nom que vos ei amor,
5 aquel maior que vo-l’ eu poss’ aver; 65
ou que salva lhi cuidades fazer
da mha morte, pois per vós morto fôr?

Ca na mha morte nom a i razom


bõa que ant’ el possades mostrar;
10 desi nom o er podedes enganar, 70
ca el sabe bem quam de coraçom
vos eu am’ e que nunca vos errei;
e porem, quem tal feito faz, bem sei
que em Deus nunca pód’ achar perdom.

195

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

15 Ca de pram Deus nom vos perdoará 75


a mha morte, ca el sabe mui bem
ca sempre foi meu saber e meu sem
em vós servir; er sabe mui bem ja
que nunca vos mereci por que tal
20 morte por vós ouvesse; porem mal 80
vos será quand’ ant’ el formos alá.

IV (83) 4 se non se 12 queuo leu 13 salualhi cuy dades 8 Sem i o verso


teria uma sílaba a menos. 12 ame nucaos euey. A métrica e a construção
requerem que. 14, 15 ðs 18 ex sabe – ja é requerido pela rima. 19 meçi
20 ouue sse. [ 20 leia-se ouvess’; e em lugar de ouvesse (C. e A.)]

V (84)
cf. M. p. 80.
Quant’ eu, fremosa mha senhor,
de vós receei aveer,
muit’ er sei que nom ei poder
de m’agora guardar que nom 85
5 vos veja: mais tal confort’ ei
que aquel dia morrerei
e perderei coitas d’amor.

E como quer que eu maior


pesar nom podesse veer 90
10 de que entom verei, prazer
ei ende, se Deus mi perdom;
porque por morte perderei
aquel dia coita que ei
qual nunca fez nostro senhor. 95

15 E pero ei tam gram pavor


d’aquel dia grave veer
qual vos sol nom posso dizer,
confort’ ei no meu coraçom,
porque por morte sairei 100
20 aquel dia do mal que ei
peior do que Deus fez peior.

196

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Cantigas d’amor

V (84) 4 demagura 5 vos é requerido pelo sentido e pela métrica.


6 monerey 11, 21 ðs 14 ql 16 da ql 20 aql 21 da, sem sentido.

VI (85)
cf. M. p. 9.
Vós mi defendestes, senhor,
que nunca vos dissesse rem
de quanto mal mi por vós vem; 105
mais fazede-me sabedor,
5 por Deus, senhor, a quem direi
quam muito mal eu ja levei
por vós, se nom a vós, senhor.

Ou a quem direi o meu mal 110


se o eu a vós nom disser,
10 pois calar-me nom m’é mester
e dizer-vo-lo nom m’er val?
e pois tanto mal sofr’ assi,
se comvosco nom falar i, 115
per quem saberedes meu mal?

15 Ou a quem direi o pesar


que mi vós fazedes sofrer,
se o a vós nom fôr dizer,
que podedes conselho dar? 120
e porem, se Deus vos perdom,
20 coita d’este meu coraçom,
a quem direi o meu pesar?

VI (85) 5 q eu 5 O verso tem duas sílabas a menos. 19 ðs.

VII (86)
cf. M. p. 11.
Como me Deus aguisou que vivesse
em gram coita, senhor, desque vos vi! 125
ca logo m’el guisou que vos oi
falar, desi quis que er conhocesse
5 o vosso bem a que el nom fez par;
e tod’ aquesto m’el foi aguisar
ental que eu nunca coita perdesse. 130

197

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E tod’ est’ el quis que eu padecesse


por muito mal que me lh’eu mereci,
10 e de tal guisa se vingou de mi;
e com tod’ esto nom quis que morresse,
porque era meu bem de nom durar 135
em tam gram coita nem tam gram pesar;
mais quis que tod’ este mal eu sofresse.

15 Assi nom er quis que m’eu percebesse


de tam gram meu mal, nem o entendi,
ante quis el que por viver assi, 140
e que gram coita nom mi falecesse,
que vos viss’eu, u m’el fez desejar
20 des entom morte que mi nom quer dar,
mais que vivendo peior attendesse.

VII (86) 6 codaque stomel 9 melheu m’ eci 11 mouesse 13 ne enta dá


uma sílaba a mais.

VIII (87)
cf. M. p. 12.
Nunca Deus fez tal coita qual eu ei 145
com a rem do mundo que mais amei,
des que a vi, e am’ e amarei.
N’outro dia, quando a fui veer,
5 o demo lev’ a rem que lh’eu falei
de quanto lh’ante cuidára dizer. 150

Mais tanto que me d’ant’ ela quitei


do que ante cuidára me nembrei,
que nulha cousa ende nom minguei;
10 mais quand’ er quix tornar pola veer
a lh’o dizer, e me bem esforçei, 155
de lh’o contar sol nom ouvi poder.

VIII (87) 3 e des quea ui e a me amarey. É desnecessário o e no início do


verso. 5 leua 8 cuydaua. Comp. 6. 10 qnder qix.

198

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Cantigas d’amor

IX (88)
cf. M. p. 13.
Da mha senhor que eu servi
sempr’ e que mais ca mi amei,
veed’, amigos, que tort’ ei
que nunca tam gram torto vi; 160
5 ca pero a sempre servi
grand’ é o mal que mha senhor
mi quer, mais quero-lh’eu maior

Mal que posso; sei per gram bem


lhi querer mais c’a mim nem al, 165
10 e se aquest’ é querer mal,
est’ é o que a mim avem;
ca pero lhi quero tal bem
grand’ é o mal que mha senhor
mi quer, mais quero-lh’eu maior 170

15 Mal que posso; se per servir


e pela mais ca mim amar,
se est’é mal, a meu cuidar
este mal nom poss’ eu partir;
ca pero que a fui servir 175
20 grand’ é o mal que mha senhor
mi quer, mais quero-lh’eu maior

Mal que poss’; e pero nozir


nom mi devia desamor,
c’al que no bem nom a melhor. 180

IX (88) 6 prande omal 9 esse aqste qrer 10 este oq 13 Grande omal falta
o restante do refrão. 18 parar 19 servir Grande falta o restante.

199

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 199 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

X (89)
cf. M. p. 15.
Em gram coita, senhor,
que peior que mort’ é,
vivo per bõa fe,
e polo voss’ amor
5 esta coita sofr’ eu 185
por vós, senhor, que eu

Vi polo meu gram mal;


e melhor mi será
de moirer por vós ja,
10 e pois me Deus nom val, 190
esta coita sofr’ eu
por vós, senhor, que eu

Polo meu gram mal vi;


e mais mi val morrer
15 ca tal coita sofrer, 195
pois por meu mal assi
esta coita sofr’ eu
por vós, senhor, que eu

Vi por gram mal de mi,


20 pois tam coitad’ and’ eu. 200

X (89) 4 e 5 estão em uma linha. 10 eporsme – ðs cf. GZ XI, 47 – Esta,


falta o restante do refrão, como em 18. 20 coyta dandeu.

XI (90)
cf. M. p. 16.
Senhor, pois que m’agora Deus guisou
que vos vejo e vos posso falar,
quero-vo-la mha fazenda mostrar
que vejades como de vós estou:
5 Vem mi gram mal de vós, ai mha senhor, 205
em que nunca pos mal nostro senhor.

200

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 200 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

E senhor, gradesc’ a Deus este bem


que mi fez em mi vós fazer veer,
e mha fazenda vos quero dizer
10 que vejades que mi de vós avem: 210
Vem mi gram mal de vós, ai mha senhor,
em que nunca pos mal nostro senhor.

E nom sei quando vos ar veerei


e porem vos quero dizer aqui
15 mha fazenda que vos sempr’ encobri, 215
que vejades o que eu de vós ei:
Vem mi gram mal de vós, ai mha senhor,
em que nunca pos mal nostro senhor.

Ca nom pos em vós mal nostro senhor,


20 se nom quant’a mim fazedes, senhor. 220

XI (90) 5 lhenmi 7 gradescaðs 10 auen. Vemj falta o restante do refrão.


15 sempucobri 17 Vemi gran mal falta o restante.

XII (91)
cf. M. p. 18.
Pois mha ventura tal é ja
que sodes tam poderosa
de mim, mha senhor fremosa,
por mesura que em vós a,
5 e por bem que vos estará, 225
pois de vós nom ei nenhum bem,
de vós amar nom vos pes em,
senhor.

E pois por bem nom teedes


10 que eu aja de vós grado 230
por quant’ afam ei levado
por vós; ca assi queredes,
mha senhor, fe que devedes,
pois de vós nom ei nenhum bem,
15 de vós amar nom vos pes em, 235
senhor.

201

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 201 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E lume d’estes olhos meus,


pois m’assi desemparades
e que me grado nom dades
20 como dam outras aos seus, 240
mha senhor, polo amor de Deus,
pois de vós nom ei nenhum bem,
de vós amar nom vos pes em,
senhor.

25 E eu nom perderei o sem, 245


e vós nom perdedes i rem,
senhor.

XII (91) 1 tale 7 n. v. p. e. senhor. Comp. 27 [26-7?]. 12 cassy q redes,


não satisfaz à métrica. 14 ben. hu ben falta o restante do refrão, como
depois de 24 [22?] 18 de senparades 21 ðs 26 ren senhor. Comp. 7.

XIII (92)
cf. M. p. 19, Diez p. 75.
Senhor, dizem vos por meu mal
que nom trobo com voss’ amor,
mais ca m’ei de trobar sabor; 250
e nom mi valha Deus nem al
5 se eu trobo por m’em pagar,
mais faz-me voss’ amor trobar.

E essa que vos vai dizer


que trobo porque me pagu’ em, 255
e nom por vós que quero bem,
10 mente; ca nom veja prazer,
se eu trobo por m’em pagar,
mais faz-me voss’ amor trobar.

E pero quem vos diz que nom 260


trobo por vós que sempr’ amei,
15 mais por gram sabor que m’ end’ ei,
mente; ca Deus nom mi perdom,
se eu trobo por m’ em pagar,
mais faz-me voss’ amor trobar. 265

202

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 202 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XIII (92) 3 camey 5, 11 meu pagar Comp. 8. 11 pagar e falta o restante


do refrão. 14 senp mey 15 o gm sabor 16 ðs 17 falta o restante do
refrão depois de por.

XIV (93)
cf. M. p. 20.
Tam muito mal mi fazedes, senhor,
e tanta coita e afam levar
e tanto me vejo coitad’ andar,
que nunca mi valha nostro senhor
5 se ant’ eu ja nom queria morrer 270
e se mi nom fosse maior prazer.

Em tam gram coita viv’, a gram sazom,


por vós, senhor, e levo tanto mal
que vos nom posso nem sei dizer qual;
10 e por aquesto Deus nom mi perdom 275
se ant’ eu ja nom queria morrer
e se mi nom fosse maior prazer.

Tam muit’ é o mal que mi por vós vem,


e tanta coita lev’ e tant’ afam,
15 que morrerei com tanto mal de pram, 280
mais pero, senhor, Deus nom mi dê bem,
se ant’ eu ja nom queria morrer
e se mi nom fosse maior prazer.

Ca mais meu bem é de morte sofrer,


20 ante ca sempr’ em tal coita viver. 285

XIV (93) 2 ea fan 3 coy tandar contrário ao sentido e à métrica. 10 ðs


12, 18 faltam. 16 deuos não dá nenhum sentido. Comp. 4 e 10. 20 semp
tal.

203

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 203 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XV (94)
cf. M. p. 22.
Grave vos é de que vos ei amor,
e par Deus aquesto vej’ eu mui bem,
mais empero direi vos ua rem,
per boa fe, fremosa mha senhor:
5 se vos grav’ é de vos eu bem querer 290
grav’ est a mi, mais nom poss’ al fazer.

Grave vos é, bem vej’ eu qu’ é assi,


de que vos amo mais ca mim nem al
e que est’é mha mort’ e meu gram mal;
10 mais par Deus, senhor, que por meu mal vi, 295
se vos grav’ é de vos eu bem querer,
grav’ est a mi, mais non poss’ al fazer.

Grave vos est, assi Deus mi perdom,


que nom poderia mais, per bõa fe,
15 de que vos am’, e sei que assi é; 300
mais par Deus, coita do meu coraçom,
se vos grav’ é de vos eu bem querer,
grav’ est a mi, mais non poss’ al fazer.

Pero mais grave dev’ a mim de seer


20 quant’ é morte mais grave ca viver. 305

XV (94) 2 ueieu 6 grauest – ñ possal f. 9 eqste gm mha morte m. m.


10, 13, 16 ðs 10 prmeu mol 11 gue 12 e 17 faltam 14 pod’ia 15 ame sei
19 deuiamj 20 quan te

XVI (95)
cf. M. p. 24; Diez pp. 86-7.
Pois que vos Deus fez, mha senhor,
fazer do bem sempr’ o melhor,
e vós em fez tam sabedor,
unha verdade vos direi,
5 se mi valha nostro senhor: 310
erades bõa pera rei.

204

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 204 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

E pois sabedes entender


sempr’ o melhor e escolher,
verdade vos quero dizer,
10 senhor, que servh’ e servirei: 315
pois vos Deus atal foi fazer,
erades bõa pera rei.

E pois vos Deus nunca fez par


de bom sem nem de bem falar,
15 nem fará ja, a meu cuidar, 320
mha senhor, por quanto bem ei,
se o Deus quizesse guisar,
erades bõa pera rei.

XVI (95) 2 de ben 8 semp° melhor 10 Suhe 11 ðs a tal. Erades falta o


restante do refrão. 13 (dez) ðs nuca 16 e quato, emendado por Moura.
17 ðs. [ 17 leia-se quisesse em lugar de quizesse (C. e A.)]

XVII (96)
cf. M. p. 25.
Senhor, desquando vos vi
e que fui vosco falar, 325
sabed’ agora per mi
que tanto fui desejar
5 vosso bem; e pois é si,
que pouco posso durar,
e moiro-m’ assi de chão, 330
porque mi fazedes mal
e de vós nom ar ei al,
10 mha morte tenho na mão.

Ca tam muito desejei


aver bem de vós, senhor, 335
que verdade vos direi,
se Deus mi dê voss’ amor:
15 por quant’ oj’ eu creer sei,
com cuidad’ e com pavor
meu coraçom nom é são; 340
porque mi fazedes mal,

205

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 205 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

e de vós nom ar ei al,


20 mha morte tenho na mão.

E venho vo-lo dizer,


senhor do meu coraçom, 345
que possades entender
como prendi ocajom,
25 quando vos eu fui veer;
e por aquesta razom
moir’ assi servind’ em vão; 350
porque a mim fazedes mal
e de vós nom ar ei al,
30 mha morte tenho na mão.

XVII (96) 5 e llj Moura assy 7 chao 14 ðs 15 quato ieu 19 e 20 faltam


25 o verso tem uma sílaba a menos. 27 Suindenuao 28 mal ede falta o
restante.

XVIII (97)
cf. M. p. 27.
Um tal ome sei eu, ai bem talhada,
que por vós tem a sa morte chegada; 355
veedes quem é, seed’ em nembrada:
eu, mha dona.

5 Um tal ome sei eu que perto sente


de si a morte chegada certamente;
veedes quem é, venha-vos em mente: 360
eu, mha dona.

Um tal ome sei eu, aquest’ oide,


10 que por vós morre, vo-lo em partide;
veedes quem é, nom xe vos obride:
eu, mha dona. 365

XVIII (97) 2 tena che gada 3 uedes queme e seeden etc., emendado
conforme 7 e 11, em que falta e. Comp. E. Dias, GZ. XI, 47. 5 sey q pco
sente; em virtude da métrica, deve-se acrescentar eu, de acordo com 1.
6 dessy morte certamente, fica com três sílabas a menos. 7 uededes 9 sey

206

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 206 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

aqstoyde, comp. 1 e 5. 10 o sentido e a métrica requerem em 11 uedes


q e Comp. a 3. [ 3 (7, 11) leia-se vedes quem é, e etc. em lugar de veedes
quem é, etc. 5 leia-se preto em lugar de perto 6 leia-se De si chegad’
a morte certamente (C. e A.)]

XIX (98)
cf. M. p. 28; Diez p. 90.
Pero que eu mui long’ estou
da mha senhor e do seu bem,
nunca me dê Deus o seu bem,
pero que m’eu tam long’ estou,
5 se nom é o coraçom meu 370
mais preto d’ela que o seu.

E pero long’ estou d’ali


d’u agora é mha senhor,
nom aja bem da mha senhor,
10 pero m’eu long’ estou d’ali, 375
se nom é o coraçom meu
mais preto d’ela que o seu.

E pero longe do logar


estou, que nom poss’ al fazer,
15 Deus nom mi dê o seu bemfazer, 380
pero long’ estou do logar,
se nom é o coraçom meu
mais preto d’ela que o seu.

C’a vezes tem em al o seu,


20 e sempre sigo tem o meu. 385

XIX (98) 3 me deos Comp. 15. 4 pero meu la long estou lo mhe stou Em
virtude da métrica, deve-se acrescentar que, comp. 1. 6 predo 11 falta
meu 12 falta 13, 16 logr 14 esto 15 ðs 18 falta 19 ca

207

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 207 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XX (99)
cf. M. p. 30.
Sempr’ eu, mha senhor, desejei,
mais que al, e desejarei
vosso bem que mui servid’ ei,
mais nom com asperança
5 d’aver de vós bem; ca bem sei 390
que nunca de vós averei
se nom mal e viltança.

Desej’ eu mui mais d’outra rem


o que mi pequena prol tem,
10 ca desej’ aver vosso bem, 395
mais nom com asperança
que aja do mal que mi vem
por vós nem galardom porem
se nom mal e viltança.

15 Desej’ eu com mui gram razom 400


vosso bem, se Deus mi perdom,
mui mais de quantas cousas som,
mais nom com asperança
que sol coid’ e-no coraçom
20 aver de vós por galardom 405
se nom mal e viltança.

XX (99) 1 de seiey 4 asperanca 6 a uerey 8 De seieu 9 pl 10 deseiau’


11 asp ‘
– ança q 19 sel coide.

XXI (100)
cf. M. p. 31.
Se eu podess’ ora meu coraçom,
senhor, forçar a poder-vos dizer
quanta coita mi fazedes sofrer
por vós, cuid’ eu, assi Deus mi perdom, 410
5 que averiades doo de mi.

Ca, senhor, pero me fazedes mal


e mi nunca quizestes fazer bem,

208

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 208 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

se soubessedes quanto mal mi vem


por vós, cuid’ eu, par Deus que pód’ e val, 415
10 que averiades doo de mi.

E pero mh avedes gram desamor,


se soubessedes quanto mal levei
e quanta coita, des que vos amei,
por vós, cuid’ eu, per bõa fe, senhor, 420
15 que averiades doo de mi;

E mal seria, se nom foss’ assi.

XXI (100) 2 epoderuos para a correção, comp. E. Dias, loc. cit. 7 qi


sestes 9 parðs 10 auiades 14 cydeu 15 au’ iades; demj

XXII (101)
cf. M. p. 33; Diez p. 137.
Quant’ a, senhor, que m’ eu de vós parti,
atam muit’ a que nunca vi prazer
nem pesar, e quero-vos eu dizer 425
como prazer nem pesar nom er vi:
5 perdi o sem, e nom poss’ estremar
o bem do mal nem prazer do pesar.

E des que m’ eu, senhor, per bõa fe,


de vós parti, creed’ agora bem 430
que nom vi prazer nem pesar de rem,
10 e aquesto direi-vos eu por que:
perdi o sem e nom poss’ estremar
o bem do mal nem prazer do pesar.

Ca, mha senhor, bem des aquela vez 435


que m’ eu de vós parti, no coraçom
15 nunca ar ouv’ eu pesar des entom
nem prazer, e direi-vos que mh o fez:
perdi o sem, e nom poss’ estremar
o bem do mal nem prazer do pesar. 440

209

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 209 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XXII (101) 1 quanda – meude 4 nen er – vi é requerido tanto pela rima


como pelo sentido. l0 eu é requerido pela métrica; comp. 3. q. Perdi o
sen falta o restante do refrão. 16 praz 17 eno posse stremar . obe do mal
falta o restante.

XXIII (102)
cf. M. p. 34; St. nº. 90.
Unha pastor se queixava
muit’ estando noutro dia,
e sigo medes falava,
e chorava e dizia,
5 com amor que a forçava: 445
par Deus, vi t’ em grave dia,
ai amor!

Ela s’ estava queixando


come molher com gram coita,
10 e que a pesar des quando 450
nacéra, nom fôra doita;
porem dezia chorando:
tu nom es se nom mha coita,
ai amor!

15 Coitas lhe davam amores 455


que nom lh’ eram se nom morte;
e deitou-s’ antr’ uas flores
e disse com coita forte:
mal ti venha per u fôres,
20 ca nom es se nom mha morte, 460
ai amor!

XXIII (102) 1 quei uana 6 uiten – Ay amor 8 se staua qirando 9 come (r)
13 raha coyta 16 lhera 17 edeytoussan cru–has 19 malti venga –pu.
[ 2 Vírgula depois de muit’ (C. e A.)]

210

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 210 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XXIV (103)
cf. M. p. 35.
Ora vejo bem, mha senhor,
que mi nom tem nenhunha prol
d’ e-no coraçom cuidar sol
de vós, se nom que o peior 465
5 que mi vós poderdes fazer
faredes a vosso poder.

Ca nom atend’ eu de vós al,


nem er passa per coraçom,
se nostro senhor mi perdom, 470
10 se nom que aquel maior mal
que mi vós poderdes fazer,
faredes a vosso poder.

E sol nom met’ eu em cuidar


de nunca de vós aver bem, 475
15 ca sõo certo d’ ua rem:
que o mais mal e mais pesar
que mi vós poderdes fazer,
faredes a vosso poder.

Ca Deus vos deu end’ o poder 480


20 e o coraçom de mh o fazer.

XXIV (103) 8 coraço 12, 18 faltam. 19 ðs uos (deos) deu

XXV (104)
cf. M. p. 37.
Quem vos mui bem visse, senhor,
com quaes olhos vos eu vi,
mui pequena sazom a i,
guisar-lh’ ia nostro senhor 485
5 que vivess’ em mui gram pesar,
guisando-lh’ o nostro senhor
como mh a mi o foi guisar.

211

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 211 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E quem vos bem com estes meus


olhos visse, creede bem, 490
10 que se nom perdess’ ant’ o sem,
que bem lhi guisaria Deus
que vivess’ em mui gram pesar,
se lh’ o assi guisasse Deus
como mh a mi o foi guisar. 495

15 E senhor, quem algua vez


com quaes olhos vos catei
vos catasse, por quant’ eu sei,
guisar-lh’ ia quem vós tal fez
que vivess’ em mui gram pesar, 500
20 guisando-lh’ o quem vós tal fez,
como mh a mi o foi guisar.

XXV (104) 7 a métrica e a construção requerem o. 10 perdessanto


14, 21 a métrica e a construção requerem o. 11, 13 ðs 16 q es
19 e 20 faltam.

XXVI (105)
cf. M. p. 38.
Nostro senhor, ajades bom grado
por quanto m’ oje mha senhor falou;
e tod’ esto foi porque se cuidou 505
que andava d’ outra namorado;
5 ca sei eu bem que mi nom falára
se de qual bem lh’ eu quero cuidára.

Porque mi falou oj’ este dia,


ajades bom grado, nostro senhor; 510
e tod’ esto foi porque mha senhor
10 cuidou que eu por outra moiria;
ca sei eu bem que mi nom falára,
se de qual bem lh’ eu quero cuidára.

Por quanto m’ oje falou, aja Deus 515


bom grado, mais d’ esto nom fôra rem,

212

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 212 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

15 se nom porque mha senhor cuidou bem


que d’ outra eram os desejos meus;
ca sei eu bem que mi nom falára,
se de qual bem lh’ eu quero cuidára. 520

Ca tal é que ante se matára


20 ca mi falar se o sol cuidára.

XXVI (105) 3 ecodesto – quesse Seguem-se ao verso 5 os vv. 6 e 7 de


V. 104: (se de qual pesar guysandolo nro senhor || como m hami foy guysar)
6 benlheu – cydara Após esta primeira estrofe, seguem-se os vv. 8-10 de
V. 104 entre parênteses (E queuos be co estes meos || olhos uisse creede
ben || q seno perdessanto sen) 7 oiesta 9 pr qm ha 10 moiria . Ca sey.
falta o restante do refrão. 13 por q não satisfaz à métrica; comp. 2; ðs
19 antesse c.

XXVII (106)
cf. M. p. 40.
A mha senhor que eu por mal de mi
vi, e por mal d’ aquestes olhos meus
e por que muitas vezes maldezi 525
mi e o mund’ e muitas vezes Deus,
5 des que a nom vi, nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A que mi faz querer mal mi medes


e quanto amigo soia aver, 530
e desasperar de Deus, que mi pes,
10 pero mi tod’ este mal faz sofrer,
des que a nom vi, nom ar vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A por que mi quer este coraçom 535


sair de seu logar, e por que ja
15 moir’ e perdi o sem e a razom,
pero m’ este mal fez e mais fará,
des que a nom vi, nom ar vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar. 540

213

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 213 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

– ar – ðs 12 falta. 17 desqa no


XXVII (106) 8 amigos vid. nota. 9 edesp
falta o restante do refrão.

XXVIII (107)
cf. M. p. 41.
Pois que vos Deus, amigo, quer guisar
d’ irdes a terra d’ u é mha senhor,
rogo-vos ora que por qual amor
vos ei, lhi queirades tanto rogar
5 que se doia ja do meu mal. 545

E d’ irdes i tenh’ eu que mi fará


Deus gram bem, poi-la podedes veer;
e amigo, punhad’ em lhi dizer,
pois tanto mal sofro, gram sazom a,
10 que se doia ja do meu mal. 550

E pois que vos Deus aguisa d’ ir i,


tenh’ eu que mi fez el i mui gram bem,
e pois sabedo-lo mal que mi vem,
pedide-lhi vós mercee por mi
15 que se doia ja do meu mal. 555

XXVIII (107) 7 des 8 punha delhi 10 de sse 11 des 13 sabeddo vid.


nota. 14 O verso tem uma sílaba a menos; mi . (Quem) falta o restante.
[ 13 leia-se sabede em lugar de sabedo (C. e A.)]

XXIX (108)
cf. M. p. 42.
A tal estado mh adusse, senhor,
o vosso bem e vosso parecer
que nom vejo de mi nem d’ al prazer,
nem veerei ja, em quant’ eu vivo fôr,
5 u nom vir vós que eu por meu mal vi. 560

E queria mha mort’ e nom mi vem,


senhor, por que tamanh’ é o meu mal
que nom vejo prazer de mim nem d’ al,

214

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 214 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

nem veerei ja, esto creede bem,


10 u nom vir vós que eu por meu mal vi. 565

E pois meu feito, senhor, assi é,


querria ja mha morte, pois que nom
vejo de mi nem d’ al nulha sazom
prazer, nem veerei ja per bona fe,
15 u nom vir vós que eu por meu mal vi. 570

Pois nom avedes mercee de mi.

XXIX (108) 7 ta manhe 12 qiria – morte poys 15 vir falta. [14 vírgula
depois de ja (C. e A.)]

XXX (109)
cf. M. p. 44.
O que vos nunca cuidei a dizer,
com gram coita, senhor, vo-lo direi,
porque me vejo ja por vós morrer;
ca sabedes que nunca vos falei 575
5 de como me matava voss’ amor:
ca sabedes bem que d’ outra senhor
que eu nom avia pavor nem ei.

E todo aquesto mi fez fazer


o mui gram medo que eu de vós ei, 580
10 e desi por vos dar a entender
que por outra morria de que ei,
bem sabedes, mui pequeno pavor;
e des oi mais, fremosa mha senhor,
se me matardes, bem vo-lo busquei. 585

15 E creede que averei prazer


de me matardes, pois eu certo sei
que esso pouco que ei de viver,
que nenhum prazer nunca veerei;
e porque sõo d’ esto sabedor, 590
20 se mi quizerdes dar morte, senhor,
por gram mercee vo-lo eu terrei.

215

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 215 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XXX (109) 4 labedes 6 sabe deos 7 miuos chamey, não tem sentido;
para a correção, comp. v. 12. 8 todaqsto, não satisfaz à métrica. 13 de soy
15 creedes qauey 16 uiue 21 uolo terrey, não satisfaz à medida das sílabas.

XXXI (110)
cf. M. p. 45.
Que mui gram prazer que eu ei, senhor,
quand’ em vós cuid’, e nom cuid’ e-no mal
que mi fazedes! mais direi-vos qual 595
tenh’ eu por gram maravilha, senhor,
5 de mi viir de vós mal, u Deus nom
pos mal, de quantas e-no mundo som.

E senhor fremosa, quando cuid’eu


em vós e nom e-no mal que mi vem 600
por vós, tod’ aquel temp’ eu ei de bem;
10 mais por gram maravilha per tenh’eu
de mi viir de vós mal, u Deus nom
pos mal, de quantas e-no mundo som.

Ca, senhor, mui gram prazer mi per é 605


quand’em vós cuid’ e nom ei de cuidar
15 em quanto mal mi fazedes levar;
mais gram maravilha tenh’ eu que é
de mi viir de vós mal, u Deus nom
pos mal, de quantas e-no mundo som. 610

Ca par Deus, semelha mui sem razom


20 d’aver eu mal d’u o Deus nom pos, nom.

XXXI (110) 2 quandeu; nom cuydo no 5 nur 6 quantos 10 tenheu. De mã


falta o restante do refrão. 14 qnden 18 mjr – mal o restante falta. 19 ðs
duu ðs.

216

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 216 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XXXII (111)
cf. M. p. 47.
Senhor fremosa, nom poss’ eu osmar
que est aquel em que vos mereci
tam muito mal quam muito vós a mi 615
fazedes; e venho vos perguntar
5 o por que é, ca nom poss’ entender,
se Deus me leixe de vós bem achar,
em que vo-l’ eu podesse merecer.

Se é, senhor, porque vos sei amar 620


mui mais que os meus olhos, nem ca mi
10 e assi foi sempre des que vos vi;
pero sabedes que ei gram pesar
de vós amar, mais nom poss’al fazer;
e porem vós, a quem Deus nom fez par, 625
nom me devedes i culpa põer.

15 Ca sabedes que se m’ end’ eu quitar


podéra des quant’ a que vos servi,
mui de grado o fezéra logu’ i ;
mais nunca pudi o coraçom forçar 630
que vos gram bem nom ouvess’ a querer,
20 e porem nom dev’ eu a lazerar,
senhor, nem devo porend’ a morrer.

XXXII (111) 8 Se he sen’ 9 mã 12 de uor 13 ðs 14 pcer 15 sabe ðs


16 poða des quanta 17 ofez’a 18 forcar 19 ouua ssa qrer 20 alaz’rar
21 seno’ damorrer.

XXXIII (112)
cf. M. p. 48.
Nom sei como me salv’ a mha senhor,
se me Deus ant’ os seus olhos levar, 635
ca par Deus, nom ei como m’a salvar
que me nom julgue por seu traedor,
5 pois camanho temp’ a que guareci,
seu mandado oi e a nom vi.

217

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 217 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E sei eu mui bem no meu coraçom 640


o que mha senhor fremosa fará,
depois que ant’ ela fôr; julgar-m’a
10 por seu traedor com mui gram razom,
pois camanho temp’ a que guareci,
seu mandado oi e a nom vi. 645

E pois tamanho foi o erro meu


que lhi fiz torto tam descomunal,
15 se mh a sa mui gram mesura nom val,
julgar-m’a porem por traedor seu,
pois camanho temp’ a que guareci, 650
seu mandado oi e a nom vi.

E se o juizo passar assi,


20 ai eu cativ’, e que será de mi!

XXXIII (112) 1 salua mha 4 iulge 6 hir e a non uyr, é contrário à rima
e ao sentido. 12 falta. 15 o verso tem uma sílaba a menos. 17 tamanho.
guareci e falta o restante do refrão. 19 Falta ao verso uma sílaba; para
a correção, comp. o início da fiinda em V. 167, 182, 185, 190 etc.
20 catiue q – mj. [ 15 leia-se se me a sa g. m. n. v. (C. e A.)]

XXXIV (113)
cf. M. p. 49.
Quix bem, amigos, e quer’ e querrei
ua molher que me quis e quer mal 655
e querrá; mais nom vos direi eu qual
est a molher; mais tanto vos direi:
5 quix bem e quer’ e querrei tal molher
que me quis mal sempr’ e querrá e quer.

Quix e querrei e quero mui gram bem 660


a quem mi quis mal e quer e querrá,
mais nunca omem per mi saberá
10 quem é; pero direi-vos ua rem:
quix bem e quer’ e querrei tal molher
que me quis mal sempr’ e querrá e quer. 665

218

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 218 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

Quix e querrei e quero bem querer


a quem me quis e quer, per bõa fe,
15 mal, e querrá; mais nom direi quem é;
mais pero tanto vos quero dizer:
quix bem e quer’ e querrei tal molher 670
que me quis mal sempr’ e querrá e quer.

XXXIV (113) 4 A métrica e o sentido requerem é ou est; comp. E. Dias,


loc. cit. 5 q.b. e que e etc. 9 hom – sab’a 12, 18 faltam. [ 2 leia-se unha
em lugar de ua (C. e A.)]

XXXV (114)
cf. M. p. 50.
Senhor, nom vos pes se me guisar Deus
algunha vez de vos poder veer,
ca bem creede que outro prazer
nunca d’al verám estes olhos meus, 675
5 se nom se mi vós fezessedes bem,
o que nunca será per nulha rem.

E nom vos pes de vos veer, ca tam


cuitad’ ando que querria morrer,
se aos meus olhos podedes creer 680
10 que outro prazer nunca d’al verám,
se nom se mi vós fezessedes bem,
o que nunca será per nulha rem.

E se vós vir, pois que ja morr’ assi,


nom devedes ende pesar aver; 685
15 mais dos meos olhos vos poss’ eu dizer
que nom verám prazer d’al nem de mi,
se nom se mi vós fezessedes bem,
o que nunca será per nulha rem;

Ca d’ eu falar em mi fazerdes bem 690


20 como falo, faç’ i mingua de sem.

XXXV (114) 2 se uos 4 d’ al complentado a partir dos vv. 10 e 16; 8 cata


cuytadando q qrria morro || (q qrria) 12 falta 15 mays meos olhos; a

219

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 219 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

construção, bem como a métrica, requerem dos. Comp. 9. 16 ueera


17 Falta o restante depois de vos. 19 fazedes. [ 16 leia-se veeram em
lugar de veram (C. e A.)]

XXXVI (115)
cf. M. p. 52.
Senhor fremosa e de mui loução
coraçom, e querede vos doer
de mi, pecador, que vos sei querer
melhor ca mi; pero sõo certão 695
5 que mi queredes peior d’ outra rem,
pero, senhor, quero-vos eu tal bem

Qual maior poss’, e o mais encoberto


que eu poss’; e sei de Brancafrol
que lhi nom ouve Flores tal amor 700
10 qual vos eu ei; e pero sõo certo
que mi queredes peior d’ outra rem,
pero, senhor, quero-vos eu tal bem

Qual maior poss’; e o mui namorado


Tristam sei bem que nom amou Iseu 705
15 quant’ eu vos amo, esto certo sei eu;
e con tod’ esto sei, mao pecado,
que mi queredes peior d’ outra rem;
pero, senhor, quero-vos eu tal bem

Qual maior poss’, e tod’ aquest’ avem 710


20 a mim, coitad’ e que perdi o sem.

XXXVI (115) 1 do; louçao 3 sey que rei 8 possessey de bracha frol
9 flores 10 certao, não rima com encoberto. 12, 18 faltam 14 trista
19 Qal – todaqstaue. [ 8 tem uma sílaba a menos. Talvez: posso; e sei etc.
(C. e A.)]

220

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 220 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XXXVII (117)
cf. M. p. 55.
Ora, senhor, nom poss’ eu ja
por nenhuma guisa sofrer
que me nom ajam d’ entender
o que eu muito receei; 715
5 ca m’entenderám que vos sei,
Senhor, melhor ca mi querer.

Esto receei eu muito a;


mais esse vosso parecer
me faz assi o sem perder 720
10 que des oi mais, pero m’ é greu,
entenderám que vos sei eu
Senhor, melhor ca mi querer.

Vós veed’ em como será;


ca par Deus, nom ei ja poder 725
15 que em mim nom possa veer
quem quer que me vir des aqui
que vós sei eu, por mal de mi,
Senhor, melhor ca mim querer.

XXXVII (117) 4 oque en 7 recehei. 10 –pome 14 ðs.

XXXVIII (118)
cf. M. p. 56.
Senhor, oj’ ouvess’ eu vagar 730
e Deus me dess’ end’ o poder,
que vos eu podesse contar
o gram mal que mi faz sofrer
5 esse vosso bom parecer,
Senhor, a que el nom fez par. 735

Ca se vos podess’ i falar,


cuidaria muit’ a perder
da gram coita e do pesar
10 com que m’ oj’ eu vejo morrer;

221

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 221 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ca me nom pód’ escaecer 740


esta coita que nom a par.

Ca me vós fez Deus tant’ amar,


er fez vos tam muito valer,
15 que nom poss’ oj’ em mi osmar,
senhor, como possa viver, 745
pois me nom queredes tolher
esta coita que nom a par.

XXXVIII (118) 1 oiuuesseu 10 moieu 11 pode scaecer 13 ðs


15 possoiemj.

XXXIX (119)
cf. M. p. 58.
Que soidade de mha senhor ei
quando me nembra d’ ela qual a vi,
e que me nembra que bem a oi 750
falar; e por quanto bem d’ ela sei,
5 rogu’ eu a Deus que end’ a o poder,
que mh a leixe, se lhi prouguer, veer

Cedo; ca pero mi nunca faz bem,


se a nom vir, nom me posso guardar 755
d’ ensandecer ou morrer com pesar;
10 e porque ela tod’ em poder tem,
rogu’ eu a Deus que end’ a o poder
que mh a leixe, se lhi prouguer, veer

Cedo; ca tal a fez nostro senhor, 760


de quantas outras no mundo som
15 nom lhi fez par, a la minha fe, nom;
e poi-la fez das melhores melhor,
rogu’ eu a Deus que end’ a o poder,
que mh a leixe, se lhi prouguer, veer 765

Cedo; ca tal a quizo Deus fazer,


20 que se a nom vir, nom posso viver.

222

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 222 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XXXIX (119) 2 de la qual a mi 9 dessandecer 11 des 17 ðs 19 qis, não


satisfaz à métrica; ðs. [13 leia-se senhor: 14 tem uma sílaba a menos.
Talvez e-no em lugar de no 19 leia-se quiso em lugar de quizo (C. e A.)]

XL (120)
cf. M. p. 59.
Pero eu dizer quizesse,
creo que nom saberia
dizer, nem er poderia, 770
per poder que eu ouvesse,
5 a coita que o coitado
sofre que é namorado;
nem er sei quem m’ o crevesse.

Se nom aquel a quem desse 775


amor coita todavia,
10 qual a mim dá noit’ e dia.
Este, cuido, que tevesse
que digu’ eu muit’ aguisado;
ca outr’ omem nom é nado 780
que esto creer podesse.

15 E porem quem bem soubesse


esta coita, bem diria
e sol nom duvidaria,
que coita que Deus fezesse 785
nem outro mal aficado
20 nom fez tal, nem é pensado
d’omem que lhi par pozesse.

XL (120) 8 a ql aq 10 ql 16 diua 18 ðs. [ 8 leia-se que em lugar de quem
21 leia-se posesse em lugar de pozesse (C. e A.)]

223

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 223 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XLI (121)
cf. M. p. 61.
Ai senhor fremosa, por Deus,
e por quam boa vos el fez, 790
doede-vos algunha vez
de mim e d’ estes olhos meus
5 que vos virom por mal de si,
quando vos virom, e por mi.

E porque vos fez Deus melhor 795


de quantas fez, e mais valer,
querede-vos de mim doer
10 e d’estes meos olhos, senhor,
que vos virom por mal de si,
quando vos virom, e por mi. 800

E porque o al nom é rem,


se nom o bem que vos Deus deu,
15 querede-vos doer do meu
mal e dos meus olhos, meu bem,
que vos virom por mal de si, 805
quando vos virom, e por mi.

XLI (121) 5 uirou 6 mã 7 ðs 8 des quantas 12, 18 faltam 14 ðs.

XLII (122)
cf. M. p. 62.
Senhor fremosa, por qual vos Deus fez
e por quanto bem em vós quis poer,
se m’ agora quizessedes dizer
o que vos ja perguntei outra vez, 810
5 tenho que mi fariades gram bem
de mi dizerdes quanto mal mi vem
por vós, se vos est’ é loor ou prez.

Ca se vos fosse ou prez ou loor


de me matardes seria razom, 815
10 e nom diria eu porende nom;
mais d’atanto seede sabedor

224

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 224 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

que nenhum prez nem loor nom vos é;


ant’ errades muito, per bõa fe,
de me matardes, fremosa senhor. 820

15 E sabem quantos sabem vós e mi


que nunca cousa come vós amei;
desi sabem que nunca vos errei,
e er sabem que sempre vos servi
o melhor que pud’ e soubi cuidar; 825
20 e porem fazedes de me matar
mal, pois vo-l’eu, senhor, nom mereci.

XLII (122) 8 Ca seuos fosse || ou prez ou leor 10 p’en ð 11 da tato 14 fremosa


mha senhor, dá uma sílaba a mais. 18 O primeiro hemistíquio tem uma
sílaba a menos. [ 3 leia-se quisessedes em lugar de quizessedes (C. e A.)]

XLIII (123)
cf. M. p. 64; Diez p. 88.
Quer’ eu em maneira de proençal
fazer agora um cantar d’amor,
e querrei muit’ i loar mha senhor 830
a que prez nem fremosura nom fal,
5 nem bondade; e mais vos direi em:
tanto a fez Deus comprida de bem
que mais que todas las do mundo val.

Ca mha senhor quizo Deus fazer tal, 835


quando a fez, que a fez sabedor
10 de todo bem e de mui gram valor,
e com tod’ esto é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bom sem,
e desi nom lhi fez pouco de bem 840
quando nom quis que lh’ outra foss’ igual.

15 Ca em mha senhor nunca Deus pos mal,


mais pos i prez e beldad’ e loor
e falar mui bem, e riir melhor
que outra molher; desi é leal 845
muit’, e por esto nom sei oj’ eu quem

225

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 225 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

20 possa compridamente no seu bem


falar, ca nom a, tra-lo seu bem, al.

XLIII (123) 8 ðs 11 todeste m. e., não satisfaz à métrica. [ 8 leia-se quiso


em lugar de quizo (C. e A.)]

XLIV (124)
cf. M. p. 65.
Mesura seria, senhor,
de vós amercear de mi, 850
que vós em grave dia vi,
e em mui grave voss’ amor,
5 tam grave, que nom ei poder
d’ aquesta coita mais sofrer
de que, muit’ a, fui sofredor. 855

Pero sabe nostro senhor


que nunca vo-l’eu mereci,
10 mais sabe bem que vós servi,
des que vos vi, sempr’ o melhor
que nunca eu pudi fazer; 860
porem querede vos doer
de mim, coitado pecador.

15 Mais Deus que de tod’ é senhor,


me queira poer conselh’ i,
ca se meu feito vai assi, 865
e m’el nom fôr ajudador
contra vós que el fez valer
20 mais de quantas fezo nacer,
moir’ eu, mais nom merecedor.

Pero se eu ei de morrer 870


sem vo-lo nunca merecer,
nom vos vej’ i prez nem loor.

XLIV (124) 4 uossam’ 6 sof. 12 q nuca p. f, não satisfaz à métrica.


15 ðs 16 con selhi 18 auidador.

226

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 226 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XLV (125)
cf. M. p. 67.
Que estranho que mh é, senhor,
e que gram coita d’ endurar,
quando cuid’em mi, de nembrar 875
de quanto mal fui sofredor
5 des aquel dia que vos vi;
e tod’ este mal eu sofri
por vós e polo voss’ amor.

Ca des aquel tempo, senhor, 880


que vos vi e oi falar,
10 nom perdi coitas e pesar,
nem mal nom podia maior,
e aquesto passou assi:
e tod’ este mal sofri 885
por vós e polo voss’ amor.

15 E porem seria, senhor,


gram bem de vos amercear
de mim que ei coita sem par,
de qual vós sodes sabedor 890
que passou e passa per mi
20 e tod’ este mal sofri
por vós e polo voss’ amor.

XLV (125) 6 codeste 12 assy || e tode. Falta o restante do refrão. 18 de ql


19 mj || E tode. Falta o restante.

XLVI (126)
cf. M. p. 68.
Senhor’, cuitad’ é o meu coraçom
por vós, e moiro, se Deus mi perdom, 895
por que sabede que des que entom
vos vi, desi
5 nunca coita perdi.

227

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 227 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Tanto me coita e trax mal amor


que me mata, seed’ em sabedor; 900
e tod’ aquesto é des que, senhor,
vos vi, desi
10 nunca coita perdi.

Ca de me matar amor nom m’ é greu,


atanto mal sofro ja em poder seu; 905
e tod’ aquest’ é, senhor, des quand’ eu
vos vi, desi
15 nunca coita perdi.

XLVI (126) 3 entou 6 tarix. Cf. E. Dias, loc. cit.; 9 Vuos mi. falta o
restante. 11-12 Ca de me matr amor || no me geu etanto mal sofro ia
enpoder seu; 12 para atanto, em lugar de etanto, comp. E. Dias, loc. cit.
13-14: vos uj. desi nuca. [ 1 Eliminar apóstrofo depois de senhor 4-5 etc.
devem ser lidos como um verso 9 Vos vi ] V. vos ui (C. e A.)]

XLVII (127)
cf. M. p. 70; Diez, pp. 83-4.
Proençaes soen mui bem trobar
e dizem eles que é com amor; 910
mais os que trobam no tempo da frol
e nom em outro, sei eu bem que nom
5 am tam gram coita no seu coraçom
qual m’ eu por mha senhor vejo levar.

Pero que trobam e sabem loar 915


sas senhores o mais e o melhor
que eles pódem, sõo sabedor
10 que os que trobam quand’ a frol sazom
a, e nom ante, se Deus mi perdom,
nom am tal coita qual eu ei sem par. 920

Ca os que trobam e que s’ alegrar


vam e-no tempo que tem a color
15 a frol comsigu’ e tanto que se fôr
aquel tempo, logu’ em trobar razom
nom am, nem vivem em qual perdiçom 925
oj’ eu vivo, que pois m’ a de matar.

228

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 228 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

XLVII (127) 8 may eo 11 ðs 13-14 qssalegrar ua || eno t. q. etc.


17 uine ql.

XLVIII (128)
cf. M. p. 71.
Preguntar-vos quero por Deus,
senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bom prez,
que pecados forom os meus 930
5 que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.

Pero sempre vos soub’ amar


des aquel dia que vos vi,
mais que os meus olhos em mi, 935
10 e assi o quis Deus guisar
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.

Des que vos vi, sempr’ o maior


bem que vos podia querer, 940
15 vos quiji a todo meu poder;
e pero quis nostro senhor
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.

Mais, senhor, a vida com bem 945


20 se cobraria bem por bem.

XLVIII (128) 4 forom 9 mã 10 ðs 11 ceuestes.

XLIX (129)
cf. M. p. 73.
De muitas coitas, senhor, que levei
des que vos soubi mui gram bem querer,
par Deus, nom poss’ oj’ eu mi escolher
end’ a maior; mais per quant’ eu passei 950
5 de mal em mal, e peior de peior,
nom sei qual é maior coita, senhor.

229

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 229 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Tantas coitas levei e padeci


des que vos vi, que nom poss’ oj’ osmar
end’ a maior, tantas forom sem par; 955
10 mais de tod’ esto que passou por mi
de mal em mal, e peior de peior,
nom sei qual é maior coita, senhor.

Tantas coitas passei dela sazom


que vos eu vi, senhor, per bona fe, 960
15 que nom poss’ osmar a maior qual é;
mais das que passei, se Deus mi perdom,
de mal em mal, e peior de peior,
nom sei qual é maior coita, senhor.

XLIX (129) 3 escolher || (mi escolher) 5 demal eu m. 8 posso iosmar


9 forom seu par 10 mã. De mal. O restante falta. 14 O verso tem duas
sílabas a menos. 16 da que; comp. 13. ðs mi perdo. De mal en. O restante
falta.
L (130)
cf. M. p. 74.
Nostro senhor, se averei guisado 965
de mha senhor mui fremosa veer,
que mi nunca fezo nenhum prazer
e de que nunca cuid’ aver bom grado,
5 pero filhar-lh’ ia por galardom
de a veer, se soubesse que nom 970
lh’ era tam grave, Deus foss’ em loado.

Ca mui gram temp’ a que ando coitado


se eu podesse pola ir veer,
10 ca depois nom me pód’ escaecer
qual eu a vi, u ouvi Deus irado; 975
ca verdadeira mente des entom
nom trago mig’ aqueste coraçom,
nem er sei de mim parte nem mandado.

15 Ca me tem seu amor tam aficado


des que se nom guisou de a veer, 980

230

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 230 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

que nom ei em mim força nem poder,


nem dormho rem nem ei em mim recado;
e porque viv’ em tam gram perdiçom,
20 que mi dê morte, peç’ a Deus perdom,
e perderei meu mal e meu cuidado. 985

L (130) 1 guydado 3-4 quemi nunca fez prazer || ne hun ede que nuca
cuydauer || ne bo grado 3 falta uma sílaba 7 dividido em lhera tan graue
|| deos fossen loado 10 podescae cer 11 ql eu ui; o sentido, bem como a
métrica, requerem a; ðs 12 desenco 14 demã per te 20 peca ðs
21 perdey, corrigido por Moura.

LI (131)
cf. M. p. 76.
Senhor, pois me nom queredes
fazer bem, nem o teedes
por guisado,
Deus seja porem loado;

5 Mais pois vós mui bem sabedes 990


o torto que mi fazedes,
gram pecado
avedes de mi, coitado.

E pois que vos nom doedes


10 de mim, e sol nom avedes 995
em cuidado,
em grave dia fui nado;

Mais par Deus, senhor, seeredes


de mim pecador, ca vedes
15 mui doado 1000
moir’, e de vós nom ei grado.

E pois mentes nom metedes


no meu mal, nem corregedes
o estado
20 a que m’ avedes chegado, 1005

231

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 231 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

De me matardes faredes
meu bem, pois m’ assi tragedes
estranhado
do bem que ei desejado.

25 E senhor, sol nom pensedes 1010


que, pero mi morte dedes,
aguardo
ond’ eu seja mais pagado.

LI (131) 1 queredos 4 seia 13 ðs 19 o esta da 27-28 formam uma linha;


aguado é um erro de impressão por aguado vid. nota. 28 seya.

LII (132)
cf. M. p. 78.
Que grave coita, senhor, é
a quen a sempr’ e desejar 1015
o vosso bem, que nom a par,
com’ eu faç’; e per bõa fe,
5 se eu a Deus mal mereci,
bem se vinga per vós em mi.

Tal coita mi dá voss’ amor 1020


e faz-me levar tanto mal,
que esto m’ é coita mortal
10 de sofrer; e porem, senhor,
se eu a Deus mal mereci,
bem se vinga per vós em mi. 1025

Tal coita sofr’, a gram sazom,


e tanto mal e tant’ afam
15 que par de morte m’ é de pram;
e senhor, por esta razom,
se eu a Deus mal mereci, 1030
bem se vinga por vós em mi.

E quer-se Deus vingar assi,


20 como lhi praz, per vós em mi.

232

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 232 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

LII (132) 2 a quen sempra deseiar vid. nota. 7 deuossamor, o subjuntivo


seria incorreto aqui. 11-12 seu eu aðs. 17-18 se eu aðs mal 19 ðs 20 pz
mj [ 2 leia-se a desejar em lugar de e desejar (C. e A.)]

LIII (133)
cf. M. p. 79.
De mi fazerdes vós, senhor,
bem ou mal, tod’ est’ em vós é, 1035
e sofrer m’ é, per bõa fe,
o mal; ca o bem, sabedor
5 sõo, que o nom ei d’ aver;
mais que gram coit’ a de sofrer
quem é coitado pecador! 1040

Ca no mal, senhor, viv’ oj’ eu


que de vós ei; mais nulha rem
10 nom atendo de vosso bem,
e cuido sempre no mal meu
que pass’ e que ei de passar 1045
com aver sempr’ a desejar
o mui gram bem que vos Deus deu.

15 E pois que eu, senhor, sofri


e sofro por vós tanto mal,
e que de vós nom attend’ al, 1050
em que grave dia naci
que eu de vós por galardom
20 nom ei d’ aver se coita nom,
que sempr’ ouvi des que vos vi.

LIII (133) 3 e sofrer me 6 coyta de s. 7 que me 8 uquo ieu 13 senp2


deseiar; comp. a LII 2 14 ðs 21 semp –uuj. [ 18 ponto de exclamação
depois de naci (C. e A.)]

233

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 233 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

LIV (134)
cf. M. p. 81.
Assi me trax coitado 1055
e aficad’ amor,
e tam atormentado,
que se nostro senhor
5 a ma senhor nom met’ em cor
que se de mi doa d’amor, 1060
nunca averei prazer e sabor.

Ca viv’ em tal cuidado


come quem sofredor
10 é de mal aficado
que nom póde maior, 1065
se mi nom val a que em forte
ponto vi; ca ja da morte
ei mui gram prazer e nenhum pavor.

15 E faço mui guisado,


pois sõo servidor 1070
da que mi nom dá grado,
querendo-lh’ eu melhor
ca mim nem al; porem, entom
20 conort’ eu nom ei ja se nom
da mort’, ende sõo desejador. 1075

LIV (134) 5 me tencor 8 ca arerey 12-14 separação de verso: for || te . ...


damor || tey praz ene hu pauor. Para a emenda, vid. nota. 18 mœlhor
19 Faltam duas sílabas e a rima para nom.

LV (135)
cf. M. p. 83.
O gram viç’ e o gram sabor
e o gram comforto que ei,
é porque bem entender sei
que o gram bem da mha senhor
5 nom querrá Deus que err’ em mi, 1080
que a sempr’ amei e servi
e lhi quero ca mim melhor.

234

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 234 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

Esto me faz alegr’ andar


e mi dá confort’ e prazer,
10 cuidand’ em como poss’ aver 1085
bem d’ aquela que nom a par,
e Deus que lhi fez tanto bem,
nom querrá que o seu bom sem
err’ em mim, quant’ é meu cuidar.

15 E porend’ ei no coraçom 1090


mui gram prazer; ca tal a fez
Deus que lhi deu sem com bom prez
sobre quantas no mundo som,
que nom querrá que o bom sem
20 err’ em mim, mais dar-mh-a, cuid’ em, 1095
d’ ela bem e bom galardom.

LV (135) 9 coforte praz 11 da qla 12 ðs 14 euemj 16 ca é requerido pelo


sentido e pela métrica. 17 ðs seu co.

LVI (136)
cf. M. p. 84.
Senhor, que de grad’ oj’ eu querria,
se a Deus e a vós aprouguesse,
que u vós estades, estevesse
com vós, que por esto me terria 1100
5 por tam bem andante
que por rei nem ifante
des ali adeante
nom me cambharia.

E sabendo que vos prazeria 1105


10 que u vós morassedes, morasse,
e que vós eu viss’ e vós falasse,
terria-me, senhor, todavia
por tam bem andante
que por rei nem ifante 1110
15 des ali adeante
nom me cambharia.

235

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 235 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ca, senhor, em gram bem viveria,


se u vós vivessedes, vivesse,
e sol que de vós est’ entendesse, 1115
20 terria-me, e razom faria
por tam bem andante
que per rei nem ifante
des ali adeante
nom me cambharia. 1120

LVI (136) 1 grado ieu 2 prouguesse. Falta uma sílaba ao verso. 9 sapendo
14-16 faltam. 20 terrya me r. f. emendado por E. Dias, loc. cit., p. 48
22-24 faltam.

LVII (137)
cf. M. p. 86; CAP. nº. X.
Unha pastor bem talhada
cuidava em seu amigo,
e estava, bem vos digo,
per quant’ eu vi, mui coitada;
5 e diss’: oi mais nom é nada 1125
de fiar per namorado
nunca molher namorada,
pois que mh o meu a errado.

Ela tragia na mão


10 um papagai mui fremoso, 1130
cantando mui saboroso,
ca entrava o verão;
e diss’: “Amigo loução,
que faria per amores,
15 pois m’ errastes tam em vão?” 1135
E caeu antr’ unhas flores.

Unha gram peça do dia


jouv’ ali, que nom falava,
e a vezes acordava
20 e a vezes esmorecia; 1140
e diss’: “Ai Santa Maria!
que será de mim agora?”

236

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 236 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

E o papagai dizia:
“Bem, por quant’ eu sei, senhora”.

25 “Se me queres dar guarida”, 1145


diss’ a pastor, “di verdade,
papagai, por caridade,
ca morte m’ é esta vida”.
Diss’ el: “Senhora comprida
30 de bem, e nom vos queixedes, 1150
ca o que vos a servida,
erged’ olho e vee-lo-edes.

LVII (137) 3 Emenda de Diez, loc. cit., p. 137. 12 en traua 16 ca eu an


trun has 18 iouuali 29 senhor c.; comp. 24.

LVIII (138)
cf. M. p. 88.
Senhor fremosa, pois no coraçom
nunca pozestes de mi fazer bem,
nem mi dar grado do mal que mi vem 1155
por vós, siquer teede por razom,
5 senhor fremosa, de vos nom pesar
de vós veer, se mh o Deus aguisar.

Pois vos nunca no coraçom entrou


de mi fazerdes, senhor, se nom mal, 1160
nem ar atendo jamais de vós al,
10 teede por bem, pois assi passou,
senhor fremosa, de vos nom pesar
de vós veer, se mh o Deus aguisar.

Pois que vos nunca doestes de mi, 1165


er sabedes quanta coita passei
15 por vós, e quanto mal lev’ e levei,
teede por bem, pois que est assi,
senhor fremosa, de vos nom pesar
de vós veer, se mh o Deus aguisar. 1170

237

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 237 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E assi me poderedes guardar,


20 senhor fremosa, sem vos mal estar.

LVIII (138) 6 guisar. O verso tem uma sílaba a menos. 12 falta.


17-18 de – aguisar falta. 20 Faltam três sílabas ao verso. [ 2 leia-se
posestes em lugar de pozestes 8 leia-se mim em lugar de mi (C. e A.)]

LIX (139)
cf. M. p. 89.
Nunca vos ousei a dizer
o gram bem que vos sei querer,
senhor d’ este meu coraçom; 1175
mais áque m’em vossa prizom,
5 de que vos praz de mi fazer.

Nunca vos dixi nulha rem


de quanto mal mi por vós vem,
senhor d’ este meu coraçom; 1180
mais áque m’em vossa prizom
10 de mi fazerdes mal ou bem.

Nunca vos ousei a contar


mal que mi fazedes levar,
senhor d’ este meu coraçom; 1185
mais áque m’em vossa prizom
15 de me guarir ou me matar.

E senhor, coita e al nom


me forçou de vos ir falar.

LIX (139) 4 aquemen. 9 aqme ... p’son 11 acotar [ 4 (9, 14) leia-se
prisom em lugar de prizom (C. e A.)]

LX (140)
cf. M. p. 90.
Nom me podedes vós, senhor, 1190
partir d’ este meu coraçom
graves coitas; mas sei que nom
mi poderiades tolher,

238

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 238 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

5 per bona fe, nenhum prazer;


ca nunca o eu pud’ aver 1195
des que vos eu nom vi, senhor.

Podedes mi partir gram mal,


e graves coitas que eu ei
10 por vós, mha senhor; mas bem sei
que me nom podedes por rem 1200
tolher prazer nem nenhum bem,
pois end’ eu nada nom ouv’ em,
des que vos vi, se nom mal.

15 Graves coitas e grand’ afam


mi podedes, se vós prouguer, 1205
partir mui bem, senhor, mais er
sei que nom podedes tolher,
e que em mi nom a prazer
20 des que vós nom pudi veer,
mais grave coit’ e grand’ afam. 1210

LX (140) 2 patir 6 padauer 17 parar 21 ga coitegn dafan comp. 3, 9,


15. [ 14 tem uma sílaba a menos. Talvez: Des que vos eu vi (C. e A.)]

LXI (141)
cf. M. p. 92.
Pois ante vós estou aqui,
senhor d’ este meu coraçom,
por Deus, teede por razom,
por quanto mal por vós sofri,
5 de vos querer de mi doer 1215
ou de me leixardes morrer.

E pois do mal que eu levei


muit’ a, vós sodes sabedor,
teede ja por bem, senhor,
10 por Deus, pois tanto mal passei, 1220
de vos querer de mi doer
ou de me leixardes morrer.

239

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 239 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E pois que viv’ em coita tal


por que o dormir e o sem
15 perdi, teede ja por bem, 1225
senhor, pois tant’ é o meu mal,
de vos querer de mi doer
ou de me quererdes valer.

LXI (141) 3 raçom 10 ðs 13 coyta coyta.

LXII (142)
cf. M. p. 94.
Senhor, que mal vos nembrades
de quanto mal por vós levei 1230
e levo, bem o creades
que par Deus ja poder nom ei
5 de tam grave coita sofrer;
mais Deus vos leixe part’ aver
da mui gram coita que mi dades. 1235

E se Deus quer que ajades


parte da mha coita, bem sei,
10 pero m’ ora desamades
logu’ entom amado serei
de vós, e podedes saber 1240
qual coita é de padecer
aquesta de que me matades.

15 E senhor, certa sejades


que des entom nom temerei
coita que mi dar possades, 1245
e tod’ o meu sem cobrarei
que mi vós fazedes perder;
20 e vós cobrades conhocer
tanto que m’ algum bem façades.

LXII (142) 3 bene creades 8 Esse des 9 perte 13 radeçer 16 de senco


no tem’ey 18 etodameu 19 fezedes.

240

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 240 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

LXIII (143)
cf. M. p. 95.
Amor, em que grave dia vos vi, 1250
pois a que tam muit’ a que eu servi,
ja mais nunca se quis doer de mi;
e pois me tod’ este mal por vós vem,
5 mha senhor aja bem, pois est assi,
e vós ajades mal e nunca bem. 1255

Em grave dia que vos vi, amor,


pois a de que sempre foi servidor,
me fez e faz cada dia peior;
10 e pois ei por vós tal coita mortal,
faça Deus sempre bem a mha senhor, 1260
e vós, amor, ajades todo mal.

Pois da mais fremosa de quantas som


ja mais nom pud’ aver se coita nom,
15 e por vós viv’ eu em tal perdiçom
que nunca dormem estes olhos meus, 1265
mha senhor aja bem por tal razom,
e vós, amor, ajades mal de Deus.

LXIII (143) 2 Para a emenda, comp. 8 e E. Dias, loc. cit. 11 ðs


14 Emendado de acordo com E. Dias, loc. cit. 18 aiade ... ðs.

LXIV (144)
cf. M. p. 97.
Que prazer avedes, senhor,
de mi fazerdes mal por bem,
que vos quij’ e quer’? e porem 1270
peç’ eu tant’ a nostro senhor,
5 que vos mud’ esse coraçom
que mh avedes tam sem razom.

Prazer avedes do meu mal


pero vos amo mais ca mi; 1275
e porem peç’ a Deus assi,

241

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 241 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

10 que sabe quant’ é o meu mal,


que vos mud’ esse coraçom
que mh avedes tam sem razom.

Muito vos praz do mal que ei, 1280


lume d’ aquestes olhos meus;
15 e por esto peç’ eu a Deus,
que sab’ a coita que eu ei,
que vos mud’ esse coraçom
que mh avedes tam sem razom. 1285

E se vo-lo mudar, entom


20 poss’ eu viver, e se nom, nom.

LXIV (144) 4 peceu 9 ðs 12 e 18 faltam. 15 ðs 20 Tanto a construção


como a métrica requerem e. [ 3 ponto de exclamação em lugar de
interrogação. (C. e A.)]

LXV (145)
cf. M. p. 98.
Senhor, que bem parecedes!
se mi contra vós valvesse
Deus que vos fez, e quizesse 1290
do mal que mi fazedes
5 mi fezessedes enmenda;
e vedes, senhor, quejenda
que vos viss’, e vos prouguesse.

Bem parecedes, sem falha, 1295


que nunca vio omem tanto,
10 por meu mal e meu quebranto;
mais, senhor, que Deus vos valha,
por quanto mal ei levado
por vós, aja em por grado 1300
veer-vos, siquer ja quanto.

15 Da vossa gram fremosura,


ond’ eu, senhor, atendia

242

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 242 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

gram bem e grand’ alegria


mi vem gram mal sem mesura; 1305
e pois ei coita sobeja,
20 praza-vos ja que vos veja
no ano ua vez d’um dia.

LXV (145) 5 fazessedes 6 queianda, não rima. 11 ðs 12 qua te


20 pzuos. O sentido requer o subjuntivo. [ 4 tem uma sílaba a menos. Talvez:
vos fazedes etc. 9 leia-se viu em lugar de vio (C. e A.)]

LXVI (146)
cf. M. p. 100; Diez p. 76.
Senhor fremosa, vejo-vos queixar
por que vos am’, e no meu coraçom 1310
ei mui gram pesar, se Deus mi perdom,
porque vej’ end’ a vós aver pesar,
5 e queria-m’ em de grado quitar,
mais nom posso forçar o coraçom,

Que mi forçou meu saber e meu sem; 1315


desi meteu-me no vosso poder,
e do pesar que vos eu vej’ aver,
10 par Deus, senhor, a mim pesa muit’ em;
e partir-m’ ia de vós querer bem,
mais tolhe-m’ end’ o coraçom poder, 1320

Que me forçou de tal guisa, senhor,


que sem nem força nom ei ja de mi;
15 e do pesar que vós tomades i,
tom’ eu pesar que nom posso maior,
e queria nom vos aver amor, 1325
mais o coraçom póde mais ca mi.

LXVI (146) 2-3 meu || coraçom etc. 4 uei en da uos 5 queriamen 10 par
ðs. 13 forçon 14 demã 17 eqria 18 camã.

243

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 243 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

LXVII (147)
cf. M. p. 101.
Amor fez a mim amar,
gram temp’ a, unha molher
que meu mal quis sempr’ e quer,
e me quis e quer matar; 1330
5 e bem o pód’ acabar
pois end’ o poder ouver.
Mais Deus que sab’ a sobeja
coita que m’ ela dá, veja
como vivo tam coitado; 1335
10 el mi ponha i recado.

Tal molher mi fez amor


amar, que bem des entom
nom mi deu se coita nom,
e do mal sempr’ o peior. 1340
15 Porend’ a nostro senhor
rogu’ eu mui de coraçom
que el m’ ajud’ em atam forte
coita que par m’ é de morte,
e ao gram mal sobejo 1345
20 com que m’ oj’ eu morrer vejo.

A mim fez gram bem querer


amor ua molher tal
que sempre quis o meu mal
e a que praz d’eu morrer. 1350
25 E pois que o quer fazer,
nom poss’ eu fazer i al;
mais Deus que sab’ o gram torto
que mi tem, mi dê conorto
a este mal sem mesura 1355
30 que tanto comigo dura.

Amor fez a mim gram bem


querer tal molher ond’ ei
sempre mal e averei;
ca em tal coita me tem 1360

244

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 244 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

35 que nom ei força nem sem;


porem rogu’ e rogarei
a Deus que sabe que vivo
em tal mal e tam esquivo,
que mi queira dar guarida 1365
40 de mort’, ou dê melhor vida.

LXVII (147) 4 qis 6 oer 8 mela da veia 15 pore da 17 q el maiude ata


forte 20 moieu 21 Amj fez 27 ðs 35 ey eu força, dá uma sílaba a mais.
37 ðs 39 qra 40 demortou demelhor uida.

LXVIII (148)
cf. M. p. 104.
Punh’ eu, senhor, quanto poss’ em quitar
d’ em vós cuidar este meu coraçom
que cuida sempr’ em qual vos vi; mais nom
poss’ eu per rem nem mi nem el forçar 1370
5 que nom cuide sempr’ em qual vos eu vi;
e por esto nom sei oj’ eu de mi
que faça, nem me sei conselh’ i dar.

Nom pudi nunca partir de chorar


estes meus olhos bem dela sazom 1375
10 que vos virom, senhor; ca des entom
quis Deus assi que vo-lhi foi mostrar,
que nom podess’ o coraçom desi
partir d’ em vós cuidar, e viv’ assi
sofrendo coita tal que nom a par. 1380

15 E mha senhor, u sempr’ ei de cuidar


no maior bem dos que no mundo som,
qual est o vosso, ei gram razom,
pois nom poss’ end’ o coraçom tirar,
de viver em camanho mal vivi 1385
20 des que vos eu por meu mal conhoçi,
e d’ aver sempr’ a mort’ a desejar.

LXVIII (148) 1 posseu quytar (repetido, entre parênteses, na linha seguinte).


2 deu vos 11 ðs 19 camah – o.

245

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 245 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

LXIX (149)
cf. M. p. 106.
De mi valerdes seria, senhor,
mesura por quant’ a que vós servi;
mais pois vos praz de nom seer assi, 1390
e do mal ei de vós sempr’ o peior,
5 veed’ ora se seria melhor,
como vos praz de me leixar morrer
de vós prazer de mi querer valer.

De mi valerdes, senhor, nulha rem 1395


nom errades, pois vos sei tant’ amar
10 como vos am’; e pois vos é pesar,
e sofr’ eu mal de que moir’; e porem
veed’ agora se seria bem,
como vos praz de mi leixar morrer 1400
de vós prazer de mi querer valer.

15 De mi valerdes era mui mester


por que perço quanto vos eu direi,
o corp’ e Deus, e nunca vos errei,
e pero praz-vos do meu mal; mais er 1405
veede se é bem, se vós prouguer,
20 como vos praz de me leixar morrer,
de vós prazer de mi querer valer.

De mi valerdes, Deus nom mi perdom,


se vós perdedes do vosso bom prez, 1410
pois vós tant’ am’; e por Deus que vos fez
25 valer mais de quantas no mundo som,
veed’ agora se nom é razom,
como vos praz de me leixar morrer,
de vós prazer de mi querer valer. 1415

E pois, senhor, em vós é o poder,


30 par Deus, quered’ o melhor escolher.

LXIX (149) 6 mouer 13 Falta o restante do refrão depois de lei. 16 vos


direy; falta uma sílaba. 17 ðs ... euey 19 ueedes 22 ðs 20-21 comouos praz

246

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 246 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

demi ua 24 ðs 26 vedagora se é razon; das duas sílabas ausentes, completa-


se nom a partir de CCB. 30 ðs. [ 13 leia-se me em lugar de mi (C. e A.)]

LXX (150)
cf. M. p. 108; Canc. I.
Oi oj’ eu cantar d’amor
em um fremoso virgeu,
unha fremosa pastor 1420
que ao parecer seu
5 jamais nunca lhi par vi;
e porem dixi-lh’ assi:
“Senhor, por vosso vou eu”.

Tornou sanhuda entom, 1425


quando m’ est’ oiu dizer,
10 e diss’: “Ide-vos, varom!
quem vos foi aqui trajer
para m’ irdes destorvar
d’ u dig’ aqueste cantar, 1430
que fez quem sei bem querer?”

15 “Pois que me mandades ir”,


dixi-lh’ eu, “Senhor, ir-m’ ei;
mais ja vos ei-de servir
sempr’ e por voss’ andarei; 1435
ca voss’ amor me forçou
20 assi que por vosso vou,
cujo sempr’ eu ja serei.”

Diz’ ela: “Nom vos tem prol


esso que dizedes, nem 1440
mi praz de o oir sol;
25 ant’ ei noj’ e pesar em,
ca meu coraçom nom é,
nem será, per bõa fe,
se nom do que quero bem.” 1445

“Nem o meu”, dixi-lh’ eu ja,


30 “senhor, nom se partirá

247

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 247 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

de vós, por cujo s’el tem.”


“O meu”, diss’ ela, “será
u foi sempr’ e u está, 1450
e de vós nom curo rem.”

LXX (150) 1 Vy. Canc. oy 3-4 em uma linha. 6 epor endrei llassy
10 edissideuos uaro 14 quem fez 25 an tey noie pesar en 27 fe (se)
28 se no no qro ben; Canc. se non do que quer’ eu ben 30 –p1tira 33 semp
hu. [ 22 leia-se Dix’ em lugar de Diz’ (C. e A.)]

LXXI (151)
cf. M. p. 110.
Quand’ eu bem meto femença
em qual vos vej’ e vos vi,
des que vos eu conhoci,
Deus que nom mente, mi mença, 1455
5 senhor, se oj’ eu sei bem
que semelh’ o voss’ em rem.

Quand’ eu a beldade vossa


vejo, que vi por meu mal,
Deus que a coitados val, 1460
10 a mim nunca valer possa,
senhor, se oj’ eu sei bem,
que semelh’ o voss’ em rem.

E quem o assi nom tem,


nom vos vio, ou nom a sem. 1465

LXXI (151) 1 meco 4 mença 6 uosseu 9 ðs 12 falta.

LXXII (152)
cf. M. p. 111.
Senhor, aquel que sempre sofre mal,
mentre mal a nom sabe que é bem,
e o que sofre bem sempr’, outro tal
do mal nom póde saber nulha rem;
5 pero em querede, pois que eu, senhor, 1470

248

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 248 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

por vós fui sempre de mal sofredor,


que algum tempo sabha que é bem.

Ca o bem, senhor, nom poss’ eu saber,


se nom per vós, por que eu o mal sei;
10 desi o mal nom o posso perder 1475
se per vós nom; e poi-lo bem nom sei,
quered’ ora, senhor, vel por Deus ja,
que em vós pos quanto bem no mund’ a,
que o bem sabha, pois que o nom sei.

15 Ca se nom souber algua sazom, 1480


o bem por vós, por que eu mal sofri,
nom tenh’ eu ja i se morte nom,
e vós perdedes mesura em mi;
porem querede, por Deus que vos deu
20 tam muito bem, que por vós sabha eu 1485
o bem, senhor, por quanto mal sofri.

LXXII (152) 12 uel por ðs senhor ia 14 O sentido, bem como a métrica, requerem
a complementação de o; 17 O primeiro hemistíquio tem uma sílaba a menos;
talvez se deva acrescentar er antes de tenh’ eu. 19 ðs.

LXXIII (153)
cf. M. p. 113.
Senhor, em tam grave dia
vos vi que nom poderia
mais; e por Santa Maria,
que vos fex tam mesurada, 1490
5 doede-vos algum dia
de mi, senhor bem talhada.

Pois sempre a em vós mesura


e todo bem e cordura,
que Deus fez em vós feitura 1495
10 qual nom fez em molher nada,
doede-vos por mesura
de mim, senhor bem talhada.

249

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 249 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E por Deus, senhor, tomade


mesura por gram bondade 1500
15 que vós el deu, e catade
qual vida vivo coitada,
e algum doo tomade
de mi, senhor bem talhada.

LXXIII (153) 5 do edeuos 9, 13 ðs

LXXIV (154)
cf. M. p. 114.
Por Deus, senhor, pois per vós nom ficou 1505
de mi fazer bem, e ficou per mi,
teede por bem, pois assi passou,
em galardom de quanto vós servi,
5 de mi teer puridade, senhor,
e eu a vós, ca est’ é o melhor. 1510

Nom ficou per vós de mi fazer bem,


e de Deus ajades bom galardom,
mais a mha mingua foi grande; porem
10 por mercee teede por razom
de me teer puridade, senhor, 1515
e eu a vós, ca est’ é o melhor.

Sempre vos d’ esto bom grado darei,


mais eu minguei em loor e em prez,
15 como Deus quis; e pois assi passou,
praza-vos, senhor, por qual vos el fez, 1520
de me teer puridade, senhor,
e eu a vós, ca est’ é o melhor.

Ca nom tiro eu nem vós prez nem loor


20 d’ aqueste preito, se sabudo fôr.

LXXIV (154) 4 eu galardo 8 ðs 9 g ade 11 poridade 12 falta


13 semprouos 15 ðs ... mays assy passou; ao invés de mays, deve-se ler, de
acordo com o sentido e a métrica, e pois, comp. 3. 17 poridade 18 falta
20 pyto.

250

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 250 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

LXXV (155)
cf. M. p. 115.
Senhor, eu vivo coitada 1525
vida des quando vós nom vi;
mais pois vós queredes assi,
por Deus, senhor bem talhada,
5 querede-vos de mim doer
ou ar leixade m’ ir morrer. 1530

Por Deus, mha senhor fremosa,


vós sodes tam poderosa
de mim que meu mal e meu bem
10 em vós é todo; e porem
querede-vos de mim doer 1535
ou ar leixade m’ ir morrer.

Eu vivo por vós tal vida


que nunca estes olhos meus
15 dormem, mha senhor; e por Deus,
que vos fez de bem comprida, 1540
querede-vos de mim doer
ou ar leixade m’ ir morrer.

Ca, senhor, todo m’ é prazer


20 quant’ i vós quizerdes fazer.

LXXV (155) 6 mouer 7-8 por des, m. s. f. || Vos. s. t. p. 10 en uo e podo


pr en 11 Após de, falta o restante do refrão. 15 ðs 16 cpida 18 falta 20
qntj.

LXXVI (208)
Pero muito amo, muito nom desejo 1545
aver da que amo e quero gram bem,
porque eu conheço mui entom e vejo
que de aver muito a mim nom me vem
5 tam grande folgança que maior nom seja
o seu dano d’ ela; e quem tal bem deseja, 1550
o bem de sa dama em mui pouco tem.

251

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 251 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mais o que nom é e seer poderia,


se fosse assi que a ela veesse
10 bem do meu bem, eu desejaria
aver o maior que aver podesse; 1555
ca pois a nos ambos hi bisuha proveito
tal bem desejado, faria dereito,
e sandeu seria quem o nom fezesse.

15 E quem d’ outra guisa tal bem


nom é namorado, mais é sfrom, 1560
que sempre trabalh’i per cedo cobrar
da que nom servio, o moor galardom;
d’ahi e de tal amor amo mais de cento,
20 e nom amo ua de que me atento
de seer servidor de boom coraçom. 1565

Que pois me eu chamo e sõo servidor,


gram treiçom seria se minha senhor
por meu bem ouvesse mal, ou semrazom.
25 E quantos bem amam, assi o dirám.

LXXVI (208) 1... no desi auer da q amo 2 e quero ... conheco 3 muy eto
et ueios que de auer mui to 4 amy no me uera a tam g nde folga ça
5 que mayo’ no seya o seu dano dela 6 qm ... dama 7 em muy pouco te
8 Mas oq nom he 9 et seer podria se fosse al sy 10 que aella deesse bem
do meu bem 11 eu desesaria auer o mayor q 12 auer ..., ambos 13 hi
bisuha proueico tall bem deseiado 14 ffarya deseyto et sandeu seria
15 qm o nom fezesse 16 E qm doutra guisa 17 tall ... namorado 18 mas
he from q semp trahalli 19 por eedo cobrar 20 doq no suiyo amoor
21 gallar da hi et de tall amor 22 amo mays de cento 23 et no amo hua de
que me atento 24 de ... coraço 25 et soo 26 seruidor gram treito’ sia
27 se in susa senhor por meu ben 28 ouuesse ... rraazo.

252

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 252 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

CANTIGAS D’ AMIGO
Em esta folha adeante se começam as cantigas d’amigo que o mui respeitabre
Dom Denis, rei de Portugal, fez.

LXXVII (156)
cf. M. p. 118.
Bem entendi, meu amigo, 1570
que mui gram pesar ouvestes
quando falar nom podestes
vós noutro dia comigo;
5 mais certo seed’, amigo,
que nom fui o vosso pesar 1575
que s’ao meu podess’ iguar.

Mui bem soub’ eu por verdade


que erades tam cuitado
10 que nom avia recado;
mais, amigo, acá tornade, 1580
sabede bem por verdade,
que nom fui o vosso pesar
que s’ao meu podess’ iguar.

15 Bem soub’, amigo, por certo


que o pesar d’aquel dia 1585
vosso, que par nom avia;
mais pero foi encoberto,
e porem seede certo
20 que nom foi o vosso pesar
que s’ao meu podess’ iguar. 1590

Ca o meu nom se pód’ osmar


nem eu nom o pudi negar.

253

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 253 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

LXXVII (156) 6 uesar 8 erates 13 pesar e falta o restante do refrão


19 certo 21 falta.

LXXVIII (157)
cf. M. p. 120.
Amiga, muit’ a gram sazom
que se foi d’ aqui com el rei
meu amigo; mais ja cuidei 1595
mil vezes no meu coraçom
5 que algur morreu com pesar,
pois nom tornou migo falar.

Porque tarda tam muito lá,


e nunca me tornou veer, 1600
amiga, s’ i veja prazer,
10 mais de mil vezes cuidei ja
que algur morreu com pesar,
pois nom tornou migo falar.

Amiga, o coraçom seu 1605


era de tornar ced’ aqui
15 u visse os meos olhos em mi;
e porem mil vezes cuid’ eu
que algur morreu com pesar,
pois nom tornou migo falar. 1610

LXXVIII (157) 5 o aie algur moneu 9 si ueia 10 mal uezes 12 falta.


14 cedaqi 15 mj 18 falta.

LXXIX (158)
cf. M. p. 121.
Que trist’ oj’ é meu amigo,
amiga, no seu coraçom!
ca nom póde falar migo
nem veer-me. Faz gram razom
5 meu amigo de trist’ andar, 1615
pois m’ el nom vir, e lh’eu nembrar.

254

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 254 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

Trist’ anda, se Deus mi valha,


ca me nom vio, e dereit’ é;
e por esto faz sem falha
10 mui gram razom, per bõa fe, 1620
meu amigo de trist’ andar,
pois m’ el nom vir, e ll’ eu nembrar.

D’andar triste faz guisado,


ca o nom vi, nem vio el mi,
15 nem ar oiu meu mandado, 1625
e porem faz gram dereit’ i
meu amigo de trist’ andar,
pois m’el nom vir, e lh’eu nembrar.

Mais Deus, como póde durar


20 que ja nom morreu com pesar! 1630

LXXIX (158) 1 tristoie 6 nembr’ 7 ðs 8 e deyte 12, 18 faltam


16 deyti 19 ðs 20 moireu.

LXXX (159)
cf. M. p. 122; St. nº. 36.
Dos que ora som na oste,
amiga, querria saber
se se verrám tard’ ou toste;
por quanto vos quero dizer:
5 porque é lá meu amigo. 1635

Querria saber mandado


dos que alá som, ca o nom sei,
amiga, par Deus, de grado;
por quanto vos ora direi:
10 porque é lá meu amigo. 1640

255

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 255 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E queredes que vos diga?


Se Deus bom mandado mi dê,
querria saber, amiga,
d’ eles novas; vedes porque:
15 porque é lá meu amigo. 1645

Ca por al nom vo-lo digo.

LXXX (159) 1 Des comp. 7 e 14 2 e 6 queiria 3 sesse 8 ðs 12 ðs


13 qria.

LXXXI (160)
cf. M. p. 124.
Que muit’ a ja que nom vejo
mandado do meu amigo;
pero, amiga, pos migo
bem aqui u mh ora sejo 1650
5 que logo m’ enviaria
mandad’ ou s’ar tornaria.

Muito mi tarda, sem falha,


que nom vejo seu mandado;
pero ouve m’ el jurado 1655
10 bem aqui, se Deus mi valha,
que logo m’ enviaria
mandad’ ou s’ar tornaria.

E que vos verdade diga:


el seve muito chorando, 1660
15 er seve por mi jurando
u m’ agora sej’, amiga,
que logo m’ enviaria
mandad’ ou s’ar tornaria.

Mais pois nom vem, nem envia 1665


20 mandad’, é mort’ ou mentia.

LXXXI (160) 1 muytaia 5 loco men uyaria 10 ðs 11 me inuiaria


12 falta 16 seia migo 18 manda; falta o restante.

256

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 256 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

LXXXII (161)
cf. M. p. 125.
Chegou-m’ or’ aqui recado,
amiga, do voss’ amigo;
e aquel que falou migo
diz-mi que é tam cuitado 1670
5 que per quanta poss’ avedes
ja o guarir nom podedes.

Diz que oje tercer dia


bem lhi partirades morte,
mais ouv’ el coita tam forte 1675
10 e tam coitad’ er jazia
que per quanta poss’ avedes
ja o guarir nom podedes.

Com mal que lhi vós fezestes


jurou-mh, amiga fremosa, 1680
15 que pero vós poderosa
fostes d’el quanto quizestes,
que per quanta poss’ avedes
ja o guarir nom podedes.

E gram preda per fazedes, 1685


20 u tal amigo perdedes.

LXXXII (161) 5, 11, 17 possauedes 8 pertirades 12, 18 faltam.


[ 16 leia-se quisestes em lugar de quizestes (C. e A.)]

LXXXIII (162)
cf. M. p. 127.
O meu amig’, amiga, non quer’ eu
que aja gram pesar nem gram plazer,
e quer’ eu este preit’ assi trager
cama ereuo tado no feyto seu 1690
5 ca o nom quero guarir nen o matar,
nem o quero de mi desasperar

257

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 257 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ca se lh’ eu amor mostrasse, bem sei


que lhi seria end’ atam gram bem,
que lh’ averiam d’ entender porem 1695
10 qual bem mi quer; e porem esto farei,
ca o nom quero guarir nem o matar
nem o quero de mi desasperar.

E se lhi mostrass’ algum desamor,


nom se podia guardar de morte, 1700
15 tant’ averia em coita forte;
mais por eu nom errar end’ o melhor,
ca o nom quero guarir nem o matar,
nem o quero de mi desasperar.

E assi se póde seu tempo passar, 1705


20 quando com prazer, quando com pesar.

LXXXIII (162) 1 q reu 5 ao 6 quero ... desaspar 9 lhauiam, emendado por


Monaci 11 ao no quero guarir; falta o restante. 16 vid. nota. 19 ao no quero.
Falta o restante do refrão. [ 16 leia-se quer’ em lugar de por (C. e A.)]

LXXXIV (163)
cf. M. p. 128.
Amiga, bom grad’ aja Deus
do meu amigo que a mi vem;
mais podedes creer mui bem
quando o vir dos olhos meus 1710
5 que poss’ aquel dia veer
que nunca vi maior prazer.

Aja Deus ende bom grado,


porque o fez viir aqui;
mais podedes creer por mi, 1715
10 quand’ eu vir o namorado
que poss’ aquel dia veer
que nunca vi maior prazer.

LXXXIV (163) 1 e 2 em uma linha. 4 uindos 7 aia des em ð 9 mã


12 falta. [ 8 leia-se faz em lugar de fez (C. e A.)]

258

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 258 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

LXXXV (164)
cf. M. p. 129.
Vós que vos em vossos cantares meu
amigo chamades, creede bem 1720
que nom dou eu por tal enfinta rem;
e por aquesto, senhor, vós mand’ eu,
5 que bem quanto quizerdes des aqui
fazer, façades enfinta de mi.

Ca demo lev’ essa rem que eu der por 1725


tal enfinta fazer ou mentir al
de mi, ca me nom monta bem nem mal;
10 e por aquesto vos mand’ eu, senhor,
que bem quanto quizerdes des aqui
fazer, façades enfinta de mi. 1730

Ca mi nom tolh’ a mi rem, nem mi dá,


de s’ enfinger de mi mui sem razom
15 ao que eu nunca fiz se mal nom;
e porem, senhor, vos mand’ ora ja,
que bem quanto quizerdes des aqui 1735
fazer, façades enfinta de mi.

E estade com’ estades de mi


20 e enfingede-vos bem des aqui.

LXXXV (164) 5 uiserdes 7 leuessa 8 por enfinta etc. Como rima de


senhor, por pertence ao final de 7 e tal é requerido pelo sentido, bem como
pela métrica: comp. 3. 11 que ben; falta o restante do refrão. 14 dessen
finger 18 falta 19 A métrica requer E estade. [ 5 etc. leia-se quiserdes em
lugar de quizerdes 9 leia-se mim em lugar de mi (C. e A.)]

LXXXVI (165)
cf. M. p. 131.
Roga-m’ oje, filha, o voss’ amigo
muit’ aficado que vos rogasse 1740
que de vos amar nom vos pesasse;
e porem vos rogu’ e vos castigo

259

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 259 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

5 que vós nom pes de vos el bem querer


mais nom vos mand’ i, filha, mais fazer.

El me estava em vós falando, 1745


e m’esto que vos digo rogava;
doe-me d’el, tam muito chorava,
10 e porem, filha, vos rogu’ e mando
que vós nom pes de vós el bem querer,
mais nom vos mand’ i, filha, mais fazer. 1750

Ca de vos el amar de coraçom,


nom vej’ eu rem que vós i perçades,
15 sem i mais aver, mais guaanhades,
e por esto, pola mha beençom,
que vós nom pes de vós el bem querer, 1755
mais nom vos mand’ i, filha, mais fazer.

LXXXVI (165) 2 rogasie 7 Eu, perturba o sentido; mestaua 9 doyme


10 A métrica requer mais uma sílaba; comp. 4 11-12 que uos no, falta o
restante 14 re de q etc. de é desnecessário; comp. Diez, loc. cit., p. 49;
perzades 15 guaahades 16 beenzon 18 falta. [ 9 leia-se doi em lugar de
doe (C. e A.)]

LXXXVII (166)
cf. M. p. 132.
Pesar mi fez meu amigo,
amiga, mais sei eu que nom
cuidou el no seu coraçom
de mi pesar; ca vos digo 1760
5 que ant’ el querria morrer
c’a mi sol um pesar fazer.

Nom cuidou que mi pesasse


do que fez, ca sei eu mui bem
que do que foi, nom fôra rem; 1765
10 porem sei, se em cuidasse,
que ant’ el querria morrer
c’a mi sol um pesar fazer.

Feze-o por encoberta;


ca sei que se fôra matar 1770

260

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 260 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

15 ante que a mi fazer pesar;


e por esto sõo certa
que ant’ el querria morrer
c’a mi sol um pesar fazer.

Ca de morrer ou de viver 1775


20 sab’ el ca x’é no meu poder.

LXXXVII (166) 5 queria 10 se eu cuydasse; eu perturba o sentido


11-12 que antel; falta o restante 16 soo çerca 17 que antel querria mo.
18 falta 20 caxe no. [ 15 leia-se mim em lugar de mi (C. e A.)]

LXXXVIII (167)
cf. M. p. 134.
Amiga, sei eu bem d’ unha molher
que se trabalha de vosco buscar
mal a voss’ amigo polo matar;
mais tod’ aquest’, amiga, ela quer 1780
5 porque nunca com el poude poer
que o podesse por amig’ aver.

E busca-lhi com vosco quanto mal


ela mais póde, aquesto sei eu;
e tod’ aquest’ ela faz polo seu 1785
10 e por este preito, e nom por al,
porque nunca com el poude poer
que o podesse por amig’ aver.

Ela trabalha-se, a gram sazom,


de lhi fazer o vosso desamor 1790
15 aver, e a ende mui gram sabor;
e tod’ est’, amiga, nom é se nom
porque nunca com el poude poer
que o podesse por amig’ aver.

E por esto faz ela seu poder 1795


20 para faze-lo com vosco perder.

LXXXVIII (167) 1 Amigas, comp. 4, 16 8 aquesto se er 10 este pyte nom


por al, não satisfaz à métrica 11-12 por que nunca; falta o restante.

261

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 261 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

13 E la trabalhasse 14 deli 17 por q, falta o restante. [ 5 leia-se pode em


lugar de poude (C. e A.)]

LXXXIX (168)
cf. M. p. 135; St. nº. 86.
Bom dia vi, amigo,
pois seu mandad’ ei migo,
louçana.

Bom dia vi, amado, 1800


5 pois migu’ ei seu mandado,
louçana.

Pois seu mandad’ ei migo,


rogu’ eu a Deus e digo:
louçana. 1805

10 Pois migu’ ei seu mandado,


rogu’ eu a Deus de grado,
louçana.

Rogu’ eu a Deus e digo,


por aquel meu amigo, 1810
15 louçana.

Rogu’ eu a Deus de grado


por aquel meu amado,
louçana.

Por aquel meu amigo 1815


20 que o veja comigo,
louçana;

Por aquel namorado


que fosse ja chegado,
louçana. 1820

LXXXIX (168) 3 loucana 8 ðs 10 migo ey 11 ðs 13 ðs


16-17 acrescentado por St. loc. cit. 22 St. supõe meu amado; comp. 4.

262

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 262 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

XC (169)
cf. M. p. 136; St. nº. 89.
Nom chegou, madr’, o meu amigo,
e oj’ est o prazo saido,
Ai madre, moiro d’amor!

Nom chegou, madr’, o meu amado,


5 e oj’ est o prazo passado. 1825
Ai madre, moiro d’amor!

E oj’ est o prazo saido,


por que mentio o desmentido.
Ai madre, moiro d’amor!

10 E oj’ est o prazo passado, 1830


por que mentio o perjurado.
Ai madre, moiro d’amor!

Por que mentio o desmentido,


pesa-mi, pois per si é falido.
15 Ai madre, moiro d’amor! 1835

Por que mentio o perjurado,


pesa-mi, pois mentio a seu grado.
Ai madre, moiro d’amor!

XC (169) 2 oiest 5 oiesto 10 eo oiesto 11 me tiuo 13 E por que etc., dá


uma sílaba a mais; comp. 16. 16 –p seu grado, infringe a métrica; St. loc.
cit. de grado; vid. nota. 18 falta.

XCI (170)
cf. M. p. 138; Diez p. 98-99; St. nº. 88.
De que morredes, filha, a do corpo velido?
Madre, moiro d’amores que mi deu meu amigo. 1840
Alva e vai liero.

De que morredes, filha, a do corpo louçano?


5 Madre, moiro d’amores que me deu meu amado.
Alva e vai liero.

263

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 263 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Madre, moiro d’ amores que mi deu meu amigo, 1845


quando vej’ esta cinta que por seu amor cingo.
Alva e vai liero.

10 Madre, moiro d’amores qui mi deu meu amado,


quando vej’ esta cinta que por seu amor trago.
Alva e vai liero. 1850

Quando vej’ esta cinta que por seu amor cingo,


e me nembra, fremosa, como falou commigo.
15 Alva e vai liero.

Quando vej’ esta cinta que por seu amor trago,


e me nembra, fremosa, como falámos ambos. 1855
Alva e vai liero.

XCI (170) 3 alua euay liero. 6 alua. Da mesma forma 9, 12, 15, 18
4 Do que etc. 5 damores quemi etc. 8 quando ueesta çinta etc.
11, 13 çinta. q 14 fremosa como.

XCII (171)
cf. M. p. 139; St. nº. 6.
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai f(o)lores do verde ramo, 1860


5 se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,


aquel que mentiu do que pos commigo?
Ai Deus, e u é? 1865

10 Se sabedes novas do meu amado,


aquel que mentiu do que mh a jurado,
Ai Deus, e u é?

Vós preguntades polo voss’ amigo?


E eu bem vos digo que é san’ e vivo. 1870
15 Ai Deus, e u é?

264

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 264 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

Vós preguntades polo voss’ amado?


E eu bem vos digo que é viv’ e sano.
Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é san’ e vivo, 1875


20 e será vosc’ ant’ o prazo saido.
Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é viv’ e sano,


e será vosc’ ant’ o prazo passado.
Ai Deus, e u é? 1880

XCII (171) 1 flores. do etc. 6 ay des; da mesma forma 12, 18, 21, 24.
8 está trocado com 11 no manuscrito 13-15 acrescentado por St., loc. cit.
16 (= 12 no manuscrito) vos me dá uma sílaba a mais. 20 uos co anto etc.
23 uos canto. [ 13, 16 leia-se Vos me preguntades (C. e A.)]

XCIII (172)
cf. M. p. 142; St. nº. 5.
Levantou-s’ a velida,
levantou-s’ alva,
e vai lavar camisas
e-no alto.
5 Vai-las lavar alva. 1885

Levantou-s’ a louçana,
levantou-s’ alva,
e vai lavar delgadas
e-no alto.
10 Vai-las lavar alva. 1890

E vai lavar camisas,


levantou-s’ alva;
o vento lh’ as desvia
e-no alto.
15 Vai-las lavar alva. 1895

E vai lavar delgadas,


levantou-s’ alva;
o vento lh’ as levava

265

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 265 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

e-no alto.
20 Vai-las lavar alva. 1900

O vento lh’ as desvia,


levantou-s’ alva;
meteu-s’ alva em ira
e-no alto.
25 Vai-las lavar alva. 1905

O vento lh’ as levava;


levantou-s’ alva;
meteu-s’ alva em sanha,
e-no alto.
30 Vai-las lavar alva. 1910

XCIII (172) 8 delgadis eno alto 10, 20, 25, 30, falta alua 11 e 12 estão em
uma linha: Voy lauar camisas leuatoussalua Em 11, e foi acrescentado, de
acordo com 3, 8, 16. 22 leuanto ussalua 23 mete ussalua en hira.

XCIV (173)
cf. M. p. 144; St. nº. 28; CAP. II.

Amad’ e meu amigo,


valha Deus!
vede-la frol do pinho
e guisade d’andar.

5 Amigu’ e meu amado, 1915


valha Deus!
vede-la frol do ramo
e guisade d’andar.

Vede-la frol do pinho,


10 valha Deus! 1920
selad’ o baiosinho
e guisade d’andar.

Vede-la frol do ramo,


valha Deus!

266

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 266 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

15 selad’ o bel cavalo, 1925


e guisade d’andar.

Selad’ o baiosinho,
valha Deus!
treide-vos, ai amigo,
20 e guisade d’andar. 1930

Selad’ o bel cavalo,


valha Deus!
treide-vos, ai amado,
e guisade d’andar.

XCIV (173) 1 amigue meu amigo ualha deos; o refrão ualha deos sempre
no final da primeira linha de cada estrofe. 6 ualha de; 10, 14, 18 ðs.
11 selado hayo rinho (vid. Coelho, em Monaci, p. 431) 12, 16 falta dandar
13 de 17 salado bayorão 21-24 acrescentado por St., loc. cit.

XCV (174)
A mesma V. 116; cf. M. p. 146.
O voss’ amigo tam de coraçom 1935
pom el em vós seus olhos e tam bem,
par Deus, amiga, que nom sei eu quem
o verá que nom entenda que nom
5 pód’ el poder aver d’aver prazer
de nulha rem, se nom de vós veer. 1940

E quem bem vir com’ el seus olhos pom


em vós, amiga, quand’ ante vós vem,
se xi nom fôr mui minguado de sem,
10 entender póde mui bem d’el que nom
pód’ el poder aver d’aver prazer 1945
de nulha rem, se nom de vós veer.

E quand’ el vem u vós sodes, razom


quer el catar que se encobra, e tem
15 que s’ encobre; pero nom lhi val rem,
ca nos seus olhos entendem que nom 1950
pód’ el poder aver d’ aver prazer
de nulha rem, se nom de vós veer.

267

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 267 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XCV (174) V. 116 O uos q migo 2 de era 3 V. 116 r miqa 4 V. 116 ueia
q nom en teda q no podel 5 podel ... dauer] V. 116 poder ... prazer
6 prazer ... ueer Em V. 116, a terceira estrofe encontra-se antes da segunda.
7 V. 116 E que le uiuer como el etc. 8 V. 116 arae uos ue 9 se no for co
muy qm meng desem 10 poder del mui be] V. 116 podel pode’ au; falta o
restante. 12 falta. 13 V. 116 quando el ... sodes (neos) 14 qr el catã
q sencobra eten] V. 116 qr el catar q sencobra ere 15 V. 116 ual po 16 co
uos seos olhos entender q no) V. 116 tanos fros olhos entede q no podel
poder 17-18 V. 116 10 Após poder, falta o restante do refrão.

XCVI (175)
cf. M. p. 147.
Com’ ousará parecer ante mi
o meu amig’, ai amiga, por Deus,
e com’ ousará catar estes meus 1955
olhos se o Deus trouxer per aqui?
5 pois tam muit’ a que nom veo veer
mi e meus olhos e meu parecer.

Amiga, ou como s’ atreverá


de m’ousar sol dos seus olhos catar, 1960
se os meus olhos vir um pouc’ alçar,
10 ou no coraçom como o porrá?
pois tam muit’ a que nom veo veer
mi e meus olhos e meu parecer.

Ca sei que nom terrá el por razom 1965


como quer que m’aja mui grand’ amor,
15 de m’ ousar veer nem chamar senhor,
nem sol nom o porrá no coraçom,
pois tam muit’ a que nom veo veer
mi e meus olhos e meu parecer. 1970

XCVI (175) 2 ðs está no início do terceiro verso. 5, 11, 17 queuos ueo


ueer; o sentido requer nom – 7 com ossa t’uera 12 falta 16 nouo
17 falta ueer 18 falta.

268

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 268 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

XCVII (176)
cf. M. p. 148; Diez p. 44.
Em grave dia, senhor, que vos oi
falar, e vos virom estes olhos meus! –
– Dized’, amigo, que poss’ eu fazer i
em aqueste feito, se vos valha Deus? –
5 E avede mesura contra mi, senhor! – 1975
– Farei, amigo, fazend’ eu o melhor.

U vos em tal ponto eu oi falar,


senhor, que nom pudi depois bem aver. –
– Amigo, quero-vos ora perguntar
10 que me digades o que poss’ i fazer. – 1980
E avede mesura contra mi, senhor! –
– Farei, amigo, fazend’ eu o melhor. –

Desque vos vi e vos oi falar, nom


vi prazer, senhor, nem dormi nem folguei. –
15 – Amigo, dizede, se Deus vos perdom, 1985
o que eu i faça, ca eu nom o sei. –
E avede mesura contra mi, senhor! –
– Farei, amigo, fazend’ eu o melhor.

XCVII (176) 3 hi fazer 5 earedes. 11, 17 earedes 12 falta 13 O sentido


e a rima requerem nom 15 dizedes ðs etc. 17 falta senhor 18 falta.
[ 10 leia-se mi em lugar de me (C. e A.)]

XCVIII (177)
cf. M. p. 150.
Amiga, faço-me maravilhada
como póde meu amigo viver 1990
u os meus olhos nom o pódem veer,
ou como pód’ alá fazer tardada;
5 ca nunca tam gram maravilha vi,
poder meu amigo viver sem mi,
e par Deus, é cousa mui desguisada. – 1995

Amiga, estade ora calada


um pouco, e leixad’ a mim dizer

269

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 269 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

10 per quant’ eu sei cert’ e poss’ entender.


Nunca no mundo foi molher amada
come vós de voss’ amigu’; e assi, 2000
se el tarda, sol nom é culpad’ i,
se nom, eu quer’ em ficar por culpada. –

15 Ai amiga, eu ando tam coitada


que sol nom poss’ em mi tomar prazer
cuidand’ em como se póde fazer 2005
que nom é ja comigo de tornada;
e par Deus, porque o nom vej’ aqui
20 que é morto gram sospeita tom’ i;
e se mort’ é, mal dia eu fui nada. –

Amiga fremosa e mesurada, 2010


nom vos digu’ eu que nom póde seer
voss’ amigo, pois om’ é, de morrer;
25 mais par Deus, nom sejades sospeitada
d’ outro mal d’ el, ca des quand’ eu naci,
nunca d’ outr’ ome tam leal oi 2015
falar, e quem end’ al diz, nom diz nada.

XCVIII (177) 3 O sentido e a métrica requerem o 8 estadora 14 qre


17 cuidandeu 19 ðs 20 i é requerido pela rima 21 esse morte 25 ðs.

XCIX (178)
cf. M. p. 152.
O voss’ amig’, amiga, vi andar
tam coitado que nunca lhi vi par,
que adur mi podia ja falar;
pero quando me viu, disse-mh assi: 2020
5 Ai senhor! id a mha senhor rogar,
por Deus, que aja mercee de mi.

El andava trist’ e mui sem sabor,


como quem é tam coitado d’amor,
e perdud’ a o sem e a color; 2025
10 pero quando mi viu, disse-mh assi:

270

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 270 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

Ai senhor! ide rogar mha senhor,


por Deus, que aja mercee de mi.

El, amiga, achei eu andar tal


come morto, ca é descomunal 2030
15 o mal que sofr’ e a coita mortal;
pero quando me viu, disse-mh assi:
Senhor, rogad’ a senhor do meu mal,
por Deus, que mercee aja de mi.

XCIX (178) 9 eperdudo o sen etc.; a emenda é de Monaci, p. 431;


10 dissemhassy está sozinho na linha seguinte. 12 pr ðs 18 pr des

C (179)
cf. M. p. 153.
Amigo, queredes vos ir? – 2035
– Si, mha senhor, ca nom poss’ al
fazer, ca seria meu mal
e vosso; por end’ a partir
5 mi convem d’aqueste logar;
mais que gram coita d’endurar 2040
me será, pois me sem vós vir!

Amigu’, e de mim que será? –


Bem, senhor bõa e de prez;
10 e pois m’eu fôr d’ aquesta vez,
o vosso mui bem se passará; 2045
mais morte m’ é de m’ alongar
de vós e ir-m’ alhur morar.
Mais pois é vós ua vez ja,

15 Amigu’, eu sem vós morrerei. –


Nom o queirades esso, senhor; 2050
mais pois u vós fôrdes, nom fôr,
o que morrerá, eu serei;
mais quer’ eu ant’ o meu passar,
20 ca assi do voss’ aventurar,
ca eu sem vós de morrer ei! – 2055

271

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 271 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Queredes-mh, amigo, matar? –


Nom, mha senhor, mais por guardar
vós, mato mi que mh o busquei.

C (179) 1 querdes 5 loguar 14 euos hua uezia 16 nono qrraðs esso


senhor; o verso tem uma sílaba a mais 20 uossauent’ ar 23 maye.

CI (180)
cf. M. p. 155.
Dizede, por Deus, amigo:
tamanho bem me queredes 2060
como vós a mi dizedes? –
Si, senhor, e mais vos digo:
5 nom cuido que oj’ ome quer
tam gram bem no mund’ a molher. –

Nom creo que tamanho bem 2065


mi vós podessedes querer,
camanh’ a mi ides dizer. –
10 Si, senhor, e mais direi em:
nom cuido que oj’ ome quer
tam gram bem no mund’ a molher. 2070

Amigu’, eu nom vos creerei,


s’é que dev’ a nostro senhor
15 que m’ avedes tam grand’ amor. –
Si, senhor, e mais vos direi:
nom cuido que oj’ ome quer 2075
tam gram bem no mund’ a molher. –

CI (180) 5 oiome 6 mu nda 11 oiome 12 falta 14 se q deua 15 gram


amor 17 oio me 18 falta.

CII (181)
cf. M. p. 156.
Nom poss’ eu, meu amigo,
com vossa soidade
viver, bem vo-lo digo;
e por esto morade, 2080

272

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 272 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

5 amigo, u mi possades
falar, e me vejades.

Nom poss’ u vós nom vejo


viver, bem o creede,
tam muito vós desejo; 2085
10 e por esto vivede,
amigo, u mi possades
falar, e me vejades.

Naci em forte ponto;


e, amigo, partide 2090
15 o meu gram mal sem conto;
e por esto guaride,
amigo, u mi possades
falar, e me vejades.

Guarrei, bem o creades, 2095


20 senhor, u me mandardes.

CII (181) 8 uiu’ 10 uyuede ami. Falta o restante do refrão. 16 guaride


amigo. Falta o restante. 20 mandar ðs.

CIII (182)
cf. M. p. 158.
Por Deus, amigo, quem cuidaria
que vos nunca ouvessedes poder
de tam longo tempo sem mi viver!
E des oi mais, par Santa Maria, 2100
5 nunca molher deve, bem vos digo,
muit’ a creer perjuras d’ amigo.

Dissestes-mh u vos de mim quitastes:


“log’ aqui serei com vosco, senhor”,
e jurastes-mi polo meu amor; 2105
10 e des oi mais, pois vos perjurastes,
nunca molher deve, bem vos digo,
muit’ a creer perjuras d’ amigo.

Jurastes-m’ entom muit’ aficado


que logo logo, sem outro tardar, 2110

273

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 273 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

15 vós queriades para mi tornar;


e des oi mais, ai meu perjurado,
nunca molher deve, bem vos digo,
muit’ a creer perjuras d’ amigo.

E assi farei eu, bem vos digo, 2115


20 pois que vos perjurastes, amigo.

CIII (182) 11 falta uos digo 12 falta 18 falta 20 pr quato uos possastes
comigo – A correção é de E. Dias, loc. cit.

CIV (183)
cf. M. p. 159.
O meu amigo a de mal assaz,
tant’, amiga, que muito mal per é,
que no mal nom a mais, per bõa fe;
e tod’ aquesto vedes que lh’o faz: 2120
5 porque nom cuida de mi bem aver,
viv’ em coita, coitado por morrer.

Tanto mal sofre, se Deus mi perdom,


que ja eu, amiga, d’ el doo ei,
e per quanto de sa fazenda sei, 2125
10 tod’ este mal é por esta razom:
porque nom cuida de mi bem aver,
viv’ em coita, coitado por morrer.

Morrerá d’ esta u nom pod’ aver al;


que toma em si tamanho pesar 2130
15 que se nom póde de morte guardar;
e amiga, vem-lhi tod’ este mal
porque nom cuida de mi bem aver,
viv’ em coita, coitado por morrer.

Ca se cuidasse de mi bem aver, 2135


20 ant’ el queria viver ca morrer.

CIV (183) 6 uyuer coita 7 sofro 9 dessa fazenda. 12, 18 faltam 19 falta
ben aver

274

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 274 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

CV (184)
cf. M. p. 161.
Meu amigo, nom poss’ eu guarecer
sem vós, nem vós sem mi; e que será
de vós? Mais al Deus que end’ o poder a
lhi rogu’ eu que el querrá escolher 2140
5 por vós, amigo, e desi por mi
que nom moirades vós, nem eu assi

Como morremos; ca nom a mester


de tal vida avermos de passar;
ca mais nos valrria de nos matar; 2145
10 mais Deus escolha se a el prouguer,
por vós, amigo, e desi por mi
que nom moirades vós, nem eu assi

Como morremos; ca e-na maior


coita do mund’ ou e-na mais mortal 2150
15 vivemos, amigo, e no maior mal;
mais Deus escolha come bom senhor
por vós, amigo, e desi por mi
que nom moirades vós, nem eu assi

Como morremos; ca, per bõa fe, 2155


20 mui gram temp’ a que este mal passou
per nós e passa, e muito durou;
mais Deus escolha come quem ele é,
por vós, amigo, e desi por mi,
que nom moirades vós, nem eu assi 2160

25 Como morremos; e Deus ponha i


conselh’, amigo, a vós e a mi.

CV (184) 4 quera 9 ualiria deuos 10 ðs 11 amigue desy; comp. 5, 17


12, 18 faltam 14 mundo uena 15 amiga 16 ðs 17 falta por mi 22, 25 ðs
23 amigue desy 26 mã. [ 11 leia-se mim em lugar de mi (C. e A.)*]

* Provável equívoco na indicação do verso a ser alterado, uma vez que a variante “mã” só aparece
em CV no v. 2162 (= 26), com aliás consta no aparato à cantiga. (N.E.)

275

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 275 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CVI (185)
cf. M. p. 163.
Que coita ouvestes, madr’ e senhor,
de me guardar que nom possa veer
meu amigu’ e meu bem e meu prazer! 2165
Mais se eu posso, par nostro senhor,
5 que o veja e lhi possa falar,
guisar-lh’ o-ei, e pes a quem pesar.

Vós fezestes todo vosso poder,


madr’ e senhor, de me guardar que nom 2170
visse meu amigu’ e meu coraçom;
10 mais se eu posso a todo meu poder
que o veja e lhi possa falar,
guisar-lh’ o-ei, e pes a quem pesar.

Mha morte quizestes, madre, nom al, 2175


quand’ aguisastes que per nulha rem
15 eu nom viss’ o meu amigu’ e meu bem;
mais se eu posso u nom pód’ aver al,
que o veja e lhi possa falar,
guisar-lh’ o-ei, e pes a quem pesar. 2180

E se eu, madr’, esto poss’ acabar,


20 o al passe como poder passar.

CVI (185) 5 falhar 6 guisarlhey; faltam, assim, o objeto e uma sílaba ao


verso. 12, 18 faltam 14 quantaguisastes 19 madestro.

CVII (186)
cf. M. p. 165.
Amigo fals’ e desleal!
que prol a de vos trabalhar
d’em a mha mercee cobrar? 2185
ca tanto o trouxestes mal
5 que nom ei de vos bem fazer
pero m’ eu quizesse poder.

276

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 276 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

Vós trouxestes o preit’ assi


come quem nom é sabedor 2190
de bem nem de prez nem d’amor;
10 e porem creede por mi
que nom ei de vos bem fazer
pero m’ eu quizesse poder.

Vós caestes em tal cajom 2195


que sol conselho nom vos sei;
15 ca ja vos eu desemparei
em guisa, se Deus mi perdom,
que nom ei de vos bem fazer,
pero m’ eu quizesse poder. 2200

CVII (186) 1 amigue falsse desleal 3 dena etc. 10 mã 12, 18 faltam


13 Para a complementação, comp. 7 15 caiauos 16 ðs 17 que no.

CVIII (187)
cf. M. p. 166.
Meu amigo vem oj’ aqui
e diz que quer migo falar,
e sab’ el que mi faz pesar,
madre, pois que lh’eu defendi
5 que nom fosse per nulha rem 2205
per u eu foss’; e ora vem

Aqui; e foi pecado seu


de sol poner no coraçom,
madre, passar mha defensom;
10 ca sab’ el que lhi mandei eu 2210
que nom fosse per nulha rem
per u eu foss’; e ora vem

Aqui u eu com el falei


per ante vós, madr’ e senhor.
15 E oi mais perde meu amor, 2215
pois lh’eu defendi e mandei
que nom fosse per nulha rem
per u eu foss’; e ora vem

277

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 277 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Aqui, madr’, e pois fez mal sem,


20 dereit’ é que perca meu bem. 2220

CVIII (187) 12, 18 faltam 20 deyte q –pca etc.

CIX (188)
cf. M. p. 168.
Quisera vosco falar de grado,
ai meu amigu’ e meu namorado,
mais nom ous’ oj’ eu comvosc’ a falar,
ca ei mui gram medo do irado;
5 irad’ aja Deus quem me lhi foi dar. 2225

Em cuidados de mil guisas travo


por vós dizer o com que m’agravo;
mais nom ous’ oj’ eu comvosc’ a falar,
ca ei mui gram medo do mal bravo;
10 mal brav’ aja Deus quem me lhi foi dar. 2230

Gram pesar ei, amigo, sofrudo


por vós dizer meu mal ascondudo;
mais nom ous’ oj’ eu comvosc’ a falar,
ca ei mui gram medo do sanhudo;
15 sanhud’ aja Deus quem me lhi foi dar. 2235

Senhor do meu coraçom, cativo


sodes em eu viver com que vivo;
mais nom ous’ oj’ eu comvosc’ a falar,
ca ei mui gram medo do esquivo;
20 esquiv’ aja Deus quem me lhi foi dar. 2240

CIX (188) 3, 8 ouso ieu con uos cafalar 4 medodo hirado 5 hiradaia
7 o co q maguo 10 brauaia ðs 17 sodes emeu etc. 19 esqiuo 20 esqiua
ia ðs.

278

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 278 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

CX (189)
cf. M. p. 169.
Vi-vos, madre, com meu amig’ aqui
oje falar, e ouv’ em gram prazer,
porque o vi de cabo vós erger
led’, e tenho que mi faz Deus bem i;
5 ca pois que s’el ledo partiu d’aquem, 2245
nom póde seer se nom por meu bem.

Ergeu-se ledo e riio ja, o que


mui gram temp’ a que el nom fez,
mais pois ja esto passou esta vez,
10 fiqu’ end’ eu leda, se Deus bem mi dê; 2250
ca pois que s’el ledo partiu d’aquem,
nom póde seer se nom por meu bem.

El pos os olhos nos meus entom,


quando vistes que xi vos espediu,
15 e tornou contra vós led’ e riio, 2255
e porend’ ei prazer no coraçom,
ca pois que s’el ledo partiu d’aquem,
nom póde seer se nom por meu bem.

E pero m’eu da fala nom sei rem,


20 de quant’ eu vi, madr’, ei gram prazer em. 2260

CX (189) 5 daqueu. 7 rijo ia que 8 o q mui qm etc. 10 fiqndeu ... ðs
12, 18 faltam 14 qxiuos 15 torno 20 pazer. [ 13 leia-se os meus* olhos
em lugar de os olhos (C. e A.)]

CXI (190)
cf. M. p. 171.
Gram temp’ a, meu amigo, que nom quis Deus
que vós veer podesse dos olhos meus,
e nom pom com tod’ esto em mi os seus
olhos mha madr’, amigu’; e pois est assi,

* Provável equívoco por “seus”. (N.E.)

279

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 279 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

5 guisade de nos irmos, por Deus, d’aqui 2265


e faça mha madr’ o que poder desi.

Nom vos vi, a gram tempo, nem se guisou,


ca o partiu mha madre a quem pesou
d’ aqueste preit’ e pesa; e mi guardou
10 que vós nom viss’, amigu’; e pois est assi, 2270
guisade de nos irmos, por Deus, d’aqui,
e faça mha madr’ o que poder desi.

Que vós nom vi a muito, e nulha rem


nom vi des aquel tempo de nenhum bem;
15 ca o partiu mha madre, e fez porem 2275
que vós nom viss’, amigu’; e pois est assi,
guisade de nos irmos, por Deus, d’aqui
e faça mha madr’ o que poder desi.

E se o nom guisardes mui ced’ assi,


20 matades vós, amigu’, e matades mi. 2280

CXI (190) 1 qs 5 dauos humos 8 madra q; o verso tem uma sílaba a
menos 9 da qste pyte 11 guisade. 12 falta 15 madre fez etc. O verso tem
uma sílaba a menos. 17 ðs 18 falta. 19 A métrica e a construção
requerem aqui o 20 mã. [ 8 leia-se que em lugar de quem 9 leia-se mim
em lugar de mi (C. e A.)]

CXII (191)
cf. M. p. 173.
Valer-vos-ia, amigo, se oj’
eu ousasse, mais vedes quem
mh o tolhe d’aquest’, e nom al,
mha madr’ é que vos a mortal
5 desamor; e com este mal 2285
de morrer nom mi pesaria.

Valer-vos-ia, Deus, meu bem,


se eu ousasse, mais vedes quem
me tolhe de vos nom valer;
10 mha madr’ é que end’ a o poder 2290
e vos sabe gram mal querer;
e porem mha morte querria.

280

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 280 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

CXII (191) 1 Valeruos hya amigo se oieu ousasse 2 mays uedes que mho
tolhe da queste no al; 6 pesa; comp. 12 querria 7 ðs 10 que endo poder
12 qria.

CXIII (192)
cf. M. p. 173; St. nº. 87.
Pera veer meu amigo
que talhou preito comigo,
alá vou, madre. 2295

Pera veer meu amado


5 que mig’ a preito talhado,
alá vou, madre.

Que talhou preito comigo;


é por esto que vos digo: 2300
alá vou, madre.

10 Que mig’ a preito talhado;


é por esto que vos falo:
alá vou, madre.

CXIII (192) 5 qmiga pyto talhado 6 Segue-se a este verso: (que miga pyto
talhado) 7 pito 8-9 estão em uma linha.

CXIV (193)
cf. M. p. 175.
Chegou-mh’, amiga, recado 2305
d’aquel que quero gram bem;
que pois que viu meu mandado,
quanto póde viir, vem;
5 e and’ eu leda porem,
e faço muit’ aguisado. 2310

El vem por chegar coitado,


ca sofre gram mal d’ amor;
e anda muit’ alongado
10 d’aver prazer nem sabor,

281

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 281 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

se nom ali u eu fôr, 2315


u é todo seu cuidado.

Por quanto mal a levado,


amiga, razom farei
15 de lhi dar end’ algum grado;
pois vem como lh’eu mandei; 2320
e logu’ el será, bem sei,
do mal guarid’ e cobrado.

E das coitas que lh’ eu dei


20 des que foi meu namorado.

CXIV (193) 2 da ql che 4 uur uen 6 fazo 7 El ne 9 et anda etc. 10 dau’
praz’ 11 en for 15 en dalgu 16 ne comolheu. [ 18 Eliminar o ponto
depois de cobrado (C. e A.)]

CXV (194)
De morrerdes por mi gram dereit’ é, 2325
amigo, ca tanto paresqu’ eu bem,
que d’esto mal grad’ ajades vos em,
e Deus bom grado; ca per bõa fe,
5 nom é sem guisa de por mi morrer
quem mui bem vir este meu parecer. 2330

De morrerdes por mi nom vos dev’ eu


bom grado poer, ca esto fará quem quer
que bem cousir parecer de molher.
10 E pois mi Deus este parecer deu,
nom é sem guisa de por mi morrer 2335
quem mui bem vir este meu parecer.

De vós por mi amor assi matar,


nunca vos d’esto bom grado direi.
15 E meu amigo, mais vos eu direi:
pois me Deus quis este parecer dar, 2340
nom é sem guisa de por mi morrer
quem mui bem vir este meu parecer

282

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 282 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

Que mi Deus deu; e podedes creer


20 que nom ei rem que vos i gradecer.

CXV (194) 1 mouerdes 3 gradayades 5 gysa. 10 ðs 12 falta 16 ðs qis


17 non e. 18 falta. 19 quemi des etc. [ 14 leia-se darei em lugar de direi
(C. e A.)]

CXVI (195)
cf. M. p. 178; St. nº. 81.
Mha madre velida! 2345
Vou-m’ a la bailia
do amor.

Mha madre loada!


5 Vou-m’ a la bailada
do amor. 2350

Vou-m’ a la bailia
que fazem em vila
do amor.

10 Vou-m’ a la bailada
que fazem em casa 2355
do amor.

Que fazem em vila


do que eu bem queria,
15 do amor.

Que fazem em casa 2360


do que eu muit’ amava,
do amor.

Do que eu bem queria,


20 chamar-mh am garrida,
do amor. 2365

Do que eu muit’ amava,


chamar-mh am jurada,
do amor.

283

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 283 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CXVI (195) 1 ma madre etc. 10-12 acrescentado por St., loc. cit.
17 muytaua 19 queu 20 chamarma 22 muyca (uai) maua 23 chamar ma
periurada; per é contrário ao sentido e à métrica.

CXVII (196)
cf. M. p. 179.
Coitada viv’, amigo, por que vós nom vejo,
e vós vivedes coitad’ e com gram desejo 2370
de me veer e me falar; e porem sejo
sempr’ em coita tam forte
5 que nom m’ é se nom morte,
come quem viv’, amigo, em tam gram desejo.

Por vós veer, amigo, vivo tam coitada, 2375


e vós por mi veer, que oi mais nom é nada
a vida que fazemos; e maravilhada
10 sõo de como vivo
sofrendo tam esquivo
mal, ca mais mi valrria de nom seer nada. 2380

Por vós veer, amigo, nom sei quem sofresse


tal coita qual eu sofr’ e vós, que nom morresse;
15 e com aquestas coitas eu, que nom nacesse,
nom sei de mim que seja,
e da mort’ ei enveja 2385
a tod’ ome ou molher que ja morresse.

CXVII (196) 1 por que uos no ueio está, no manuscrito, em uma segunda
linha. 2 gra deseyo 4 se pren coyta etc. 6 come queu uy uamigo. Na
linha seguinte está en tam gram deseio 10 e 11 estão em uma linha: soo de
como uiuo sofrendo ta(l)esqiuo 12 ualiria 13 q soffresse; o uso linguístico
requer quen 16 e 17 estão em uma linha.

CXVIII (197)
cf. M. p. 181.
O voss’ amig’, ai amiga,
de que vos muito fiades,
tanto quer’ eu que sabhades

284

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 284 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

que unha que Deus maldiga, 2390


5 vo-lo tem louqu’ e tolheito,
e moir’ end’ eu com despeito.

Nom ei rem que vós asconda,


nem vos será encoberto;
mais sabede bem por certo 2395
10 que ua que Deus confonda,
vo-lo tem louqu’ e tolheito,
e moir’ end’ eu com despeito.

Nom sei molher que se pague


de lh’ outras o seu amigo 2400
15 filhar, e porem vos digo
que ua que Deus estrague
vo-lo tem louqu’ e tolheito,
e moir’ end’ eu com despeito.

E faço mui gram dereito, 2405


20 pois quero vosso proveito.

CXVIII (197) 3 que ren 4 que h (q) ha que 5 louque to lheyto 10 ðs


cofonda 12 falta 16 ðs 17 louq to; falta o restante do refrão. 19 fazo ...
d’eito 20 proueito.

CXIX (198)
cf. M. p. 182.
Ai fals’ amigu’ e sem lealdade!
ora vej’ eu a gram falsidade,
com que mi vós a gram temp’ andastes;
ca d’ outra sei eu ja por verdade, 2410
5 a que vós a tal pedra lançastes.

Amigo fals’ e muit’ encoberto!


ora vej’ eu o gram maldeserto
com que mi vós a gram temp’ andastes;
ca d’outra sei eu ja bem por certo 2415
10 a que vós a tal pedra lançastes.

285

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 285 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ai fals’ amigu’! eu non me temia


do gram mal e da sabedoria
com que mi vós a gram temp’ andastes;
ca d’ outra sei eu que o bem sabia, 2420
15 a que vós a tal pedra lançastes.

E de colherdes, razom seria,


da falsidade que semeastes.

CXIX (198) 2 ue ieu 10 aq uos tal etc. comp. 5 15 a q uos tal etc. falta
lançastes

CXX (199)
cf. M. p. 184.
Meu amig’, u eu sejo
nunca perço desejo 2425
se nom quando vos vejo;
e porem vivo coitada
5 com este mal sobejo
que sofr’ eu, bem talhada.

Viver que sem vós seja, 2430


sempr’ o meu cor deseja
vós ata que vos veja;
10 e porem vivo coitada
com gram coita sobeja
que sofr’ eu, bem talhada. 2435

Nom é se nom espanto,


u vós nom vejo, quanto
15 ei desej’ e quebranto;
e porem vivo coitada
com aqueste mal tanto 2440
que sofr’ eu, bem talhada.

CXX (199) 1 amigu eu 12 que. 15 deseie q brato 18 que sofreu.

286

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 286 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

CXXI (200)
cf. M. p. 185.
Por Deus, punhade de veerdes meu
amig’, amiga, que aqui chegou,
e dizede-lhi, pero me foi greu
o que m’el ja muitas vezes rogou, 2445
5 que lhi faria end’ eu o prazer,
mais tolhe-m’ ende mha madr’ o poder.

De o veerdes gradecer-vo-lo-ei,
ca sabedes quant’ a que me serviu;
e dizede-lhi, pero lh’ estranhei 2450
10 o que m’el rogou cada que me viu,
que lhi faria end’ eu o prazer,
mais tolhe-m’ ende mha madr’ o poder.

De o veerdes, gram prazer ei i,


pois do meu bem desasperad’ está; 2455
15 porend’, amiga, dizede-lhi assi
que o que m’el por vezes rogou ja,
que lhi faria end’ eu o prazer,
mais tolhe-m’ ende mha madr’ o poder.

E por aquesto nom ei eu poder 2460


20 de fazer a mim nem a el prazer.

CXXI (200) 5 fia endeu 10 me ueio 12 falta 14 desa sp


– adesta
16 rogu ia 18 falta.

CXXII (201)
cf. M. p. 186.
Amiga, quem vos ama
e por vós é coitado,
e se por vosso chama
des que foi namorado, 2465
5 nom viu prazer, sei o eu;
porem ja morrerá
e por aquesto m’ é greu.

287

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 287 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Aquel que coita forte


ouve des aquel dia 2470
10 que vós el viu, que morte
lh’ é, par Santa Maria,
nunca viu prazer nem bem;
porem ja morrerá,
e a mim pesa muit’ em. 2475

CXXII (201) 1 queu; ... ama é emenda de Moura. 2 Vos e coytado não
satisfaz nem à métrica nem ao sentido; vid. nota. 5 sayo eu; 14 e é
requerido tanto pelo contexto como pela métrica.

CXXIII (202)
cf. M. p. 188.
Amigo, pois vós nom vi,
nunca folguei nem dormi;
mais ora ja des aqui
que vos vejo, folgarei
5 e veerei prazer de mi, 2480
pois vejo quanto bem ei.

Pois vós nom pudi veer,


jamais nom ouvi lezer;
e u vos Deus quis trajer
10 que vos vejo, folgarei 2485
e veerei de mim prazer,
pois vejo quanto bem ei.

Des que vós nom vi, de rem


nom vi prazer, e o sem
15 perdi, mais pois que mh avem 2490
que vos vejo, folgarei
e veerei todo meu bem,
pois vejo quanto bem ei.

De vós veer a mim praz


20 tanto que muito e assaz; 2495
mais u m’ este bem Deus faz

288

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 288 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

que vos vejo, folgarei


e veerei gram solaz
pois vejo quanto bem ei.

CXXIII (202) 5 e ueerey 6 poys ueyo 9 e huuos ðs no qis trager; cf. E.
Dias, loc. cit. 11 e ueerey 12 poys ue 17 eueerey 18 poys ueio qua
21 ðs 23 eu’ey 24 A rima, bem como o sentido, requerem ei.

CXXIV (203)
cf. M. p. 189; St. nº. 97.
Pois que diz meu amigo 2500
que se quer ir commigo,
pois qu’ a el praz,
praz a mi, bem vos digo,
5 e est’ é o meu solaz.

Pois diz que todavia 2505


nos imos nossa via,
pois qu’ a el praz,
praz-m’, e vej’ i bom dia;
10 e est’ é o meu solaz.

Pois m’ ende levar vejo, 2510


que est’ é o seu desejo,
pois qu’ a el praz,
praz-me muito sobejo,
15 e est’ é o meu solaz.

CXXIV (203) 3 del praz; comp. 8. 4 digue; o e pertence ao verso seguinte.


7 no hymos 9 praz me uegi etc. 10 este. 11 me de leuar; vid. nota. 15
este. [ 5 leia-se e em lugar de e 14 leia-se prazmi em lugar de prazme
(C. e A.)]

CXXV (204)
cf. M. p. 191.
Por Deus, amiga, pes-vos do gram mal 2515
que dizend’ and’ aquel meu desleal,
ca diz de mi e de vós outro tal,

289

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 289 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

andand’ a muitos, que lhi fiz eu bem,


5 e que vós soubestes tod’ este mal,
de que eu nem vós nom soubemos rem. 2520

De vos em pesar é mui gram razom,


ca dizend’ anda mui gram traiçom
de mim e de vós, se Deus mi perdom,
10 u se louva de mim que lhi fiz bem,
e que vós soubestes end’ a razom; 2525
de que eu nem vós nom soubemos rem.

De vos em pesar dereito per é,


ca diz de mim gram mal, per bõa fé,
15 e de vós, amiga, cada u s’é
falando; ca diz que lhi fiz eu bem 2530
e ca vós soubestes todo com’ é;
de que eu nem vós nom soubemos rem.

CXXV (204) 2 diz an dandaquel 9 se des mi –pdon 12 de q. 13 deyto per


e 15 huse 18 falta soubemos ren.

CXXVI (205)
cf. M. p. 192.
Falou-m’ oj’ o meu amigo
mui bem e muit’ omildoso
no meu parecer fremoso, 2535
amiga, que eu ei migo;
5 mais pero tanto vos digo:
que lhi nom tornei recado
ond’ el ficasse pagado.

Disse-m’ el, amiga, quanto 2540


m’eu melhor ca el sabia,
10 que de quam bem parecia
que tod’ era seu quebranto;
mais pero sabede tanto:
que lhi nom tornei recado 2545
ond’ el ficasse pagado.

290

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 290 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amigo

15 Disse-m’ el: Senhor, creede


que a vossa fremosura
mi faz gram mal sem mesura,
porem de mi vos doede; 2550
pero, amiga, sabede:
20 que lhi nom tornei recado
ond’ el ficasse pagado.

E foi-s’ end’ el tam coitado


que tom’ end’ eu ja cuidado. 2555

CXXVI (205) 1 Fa loumoio etc. 2 emuyto mildoso 4 eu migo. 9 sabaia


10 parezia 11 qro dera seu qbrato 14 falta 20 que falta o restante do
refrão. 23 tomendeu

CXXVII (206)
cf. M. p. 194; Diez p. 45.
Vai-s’ o meu amig’ alhur sem mi morar,
e par Deus, amiga, ei end’ eu pesar,
porque s’ora vai, e-no meu coraçom
tamanho que esto nom é de falar;
5 ca lh’ o defendi, e faço gram razom. 2560

Defendi-lh’ eu que se nom fosse d’aqui,


ca todo meu bem perderia por i,
e ora vai-s’ e faz-mi gram traiçom;
e des oi mais nom sei que seja de mi,
10 nem vej’ i, amiga, se morte nom. 2565

CXXVII (206) 5 fazo 6 q seno fosse daqi está em uma segunda linha.
7 –pderra 9 edes oy mays q seia de mj 10 Dividido em duas linhas. Nen
uegy amiga || se morte non. [ 9 mi ] V. mj (C. e A.)]

CXXVIII (207)
cf. M. p. 195.
Nom sei oj’, amigo, quem padecesse
coita cual padesco, que nom morresse,
se nom eu, coitada, que nom nacesse,

291

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 291 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

porque vós nom vejo com’ eu queria;


5 e quizesse Deus que m’ escaecesse 2570
vós que vi, amigo, em grave dia.

Nom sei, amigo, molher que passasse


coita qual eu passo, que ja durasse
que nom morress’ ou desasperasse,
10 porque vós nom vejo com’ eu queria; 2575
e quizesse Deus que me nom nembrasse
vós que vi, amigo, em grave dia.

Nom sei, amigo, quem o mal sentisse


que eu senço, que o sol encobrisse,
15 se nom eu, coitada, que Deus maldisse, 2580
porque vós nom vejo com’ eu queria;
e quizesse Deus que nunca eu visse
vós que vi, amigo, em grave dia.

CXXVIII (207) 1 oga migo 5 eqisessedeos que me sca e cesse 6 amiguen


7 molhr 9 morressou des asper’ asse 10 ueieu 11 ðs 12 amigue
13 q mho 14 encobisse 15, 17 ðs 18 amigue gue dia. [ 2 leia-se qual em
lugar de cual 9 tem uma sílaba a menos. Talvez morresse em lugar de
morress’ (C. e A.)]

292

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 292 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’escarneo e de maldizer

CANTIGAS D’ESCARNEO E DE MALDIZER

CXXIX (CB. 406)


Ou é Melion Garcia queixoso,
ou nom faz come ome de paraje 2585
escontra duas meninhas que traje,
contra que nom cata bem nem fremoso,
5 ca lh’ as vej’ eu trajer bem des antano
ambas vestidas de mui mao pano;
nunca mais feo vi nem mais lixoso. 2590

Andam ant’ el chorando mil vegadas


por muito mal que am com el levado,
10 e el come ome desmesurado
contra elas que andam mui coitadas,
nom cata rem do que catar devia; 2595
e poi-las el tem sigo noit’ e dia,
seu mal é traje-las mal lazeradas.

15 E pois el sa fazenda tam mal cata


contra elas que faz viver tal vida,
que nem d’el nem d’outrem nom a guarida, 2600
eu nom lh’ o tenho por bõa barata
de as trajer, como traj’, em concelho
20 chorosas e minguadas de conselho;
ca demo lev’ a prol que xi lh’ em ata.

CXXIX (CB. 406) 1 melyon g’çia qixoso 10 Falta uma sílaba ao primeiro
hemistíquio. 13 Falta a sílaba tônica ao primeiro hemistíquio. 21 ca
demo leua prol qxilhen ata. [ 17 nem ] CB. ue Em lugar de a leia-se
am (= a) (C. e A.)]

293

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 293 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CXXX (407)
Tant’ é Melion pecador, 2605
e tant’ é fazedor de mal,
e tant’ é ome infernal
que eu sõo bem sabedor,
5 quanto o mais posso seer,
que nunca poderá veer 2610
a face de nostro senhor.

Tantos som os pecados seus,


e tam muito é de mal talam,
10 que eu sõo certo de pram,
quant’ aquestes amigos meus, 2615
que por quanto mal em el a,
que ja mais nunca veerá
em nenhum temp’ a face de Deus.

15 E faz sempre mal e cuidou,


e jamais nunca fezo bem; 2620
e eu sõo certo porem
d’el que sempre em mal andou,
que nunca ja, pois assi é,
20 póde veer, per bõa fe,
a face do que nós comprou. 2625

CXXX (407) 11 quantasqste 12 eela 14 deðs 16 feço 18 sempn 21 vos


[ 3 leia-se é um ome em lugar de é ome 15 leia-se fez em lugar de faz
(C. e A.)]

CXXXI (408)
Joam Bolo jouv’ em unha pousada
bem des ogano que da era passou,
com medo do meirinho que lh’ achou
unha mua que trajia negada.
5 Pero diz el que, se lhi fôr mester, 2630
que provará ante qual juiz quer,
que a trouxe sempre des que foi nada.

294

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 294 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’escarneo e de maldizer

Esta mua pod’ el provar por sua,


que a nom pód’ ome d’ ele levar
10 pelo dereito, se a nom forçar, 2635
ca moram bem cento n’ aquela rua,
por que el poderá provar mui bem
que aquela mua que ora tem,
que a teve sempre mentre foi mua.

15 Nom a perderá se ouver bom vogado, 2640


pois el póde por enquisas põer
como lh’ a virom criar e trajer
em cas sa madre u foi el criado;
e provará por maestre Reinel
20 que lh’ a guardou bem dez meses d’ aquel 2645
cerro, ou bem douze, que traj’ inchado.

CXXXI (408) 1 Joham bolo Jouuen hunha pousada 8 por sua encontra-se
no início do verso 9 9 podo me dele 10 d’eyto 12 P’ q 15 Nona
16 –p enqisas poer 18 madru o verso tem uma sílaba a menos. 20 qlha
guardou be dez meses 21 O. be do(u)ze daql çerro q traginchado.

CXXXII (409)
De Joam Bol’ and’ eu maravilhado,
u foi sem siso d’ ome tam pastor
e led’ e ligeiro cavalgador,
que tragia rocim bel e louçano. 2650
5 E disse-m’ ora aqui um seu vilano
que o avia por mua cambhado.

E d’ este cambho foi el enganado


d’ ir dar rocim feito e corredor
por ua muacha revelador, 2655
10 que nom sei oj’ ome que a tirasse
fóra da vila, pero o provasse;
se x’el nom fôr, nom será tam ousado.

Mais nom foi esto se nom seu pecado,


que el mereceu a nostro senhor, 2660
15 ir seu rocim, de que el gram sabor

295

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 295 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

avia, dar por mua mal manhada,


que nom queria, pero mh a doada
dessem, nem andar d’ ela embargado.

Melhor fôra dar o rocim doado, 2665


20 ca por tal muacha remusgador
que lh’ ome nom guardará, se nom fôr
el que x’ a vai ja quanto conhocendo;
mais se el fica, por quant’ eu entendo,
sem cajom d’ ela, est aventurado. 2670

25 Mui mais queria, besta nom avendo,


ant’ ir de pé ca d’ ela encavalgado.

CXXXII (409) 1 bolandeu 3 Elede 4 bele loucano 5 vilao 8 feite


coiredor 14 m’eceu 17 mha doada dessen 19 doado 20 qlhome 22 qxa
24 auent’ado 26 Antyr de peça delencaualgado; vid. nota.

CXXXIII (410)
Joam Bol’ anda mal desbaratado
e anda trist’ e faz muit’ aguisado,
ca perdeu quant’ avia guaanhado 2675
e o que lhi deixou a madre sua.
5 Um rapaz que era seu criado,
levou-lh’ o rocim e leixou-lh’ a mua.

Se el a mua quizesse levar


a Joam Bol’, e o rocim leixar, 2680
nom lhi pesára tant’, a meu cuidar,
10 nem ar semelhára cousa tam crua;
mais o rapaz, por lhi fazer pesar,
levou-lh’ o rocim e leixou-lh’ a mua.

Aquel rapaz que lh’ o rocim levou, 2685


se lhi levass’ a mua que lhi ficou
15 a Joam Bolo, como se queixou,
nom se queixár’ andando pela rua;
mais o rapaz, por mal que lhi cuidou,
levou-lh’ o rocim e leixou-lh’ a mua. 2690

296

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 296 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’escarneo e de maldizer

CXXXIII (410) 1 bolanda 6 eleuoulha mua; comp. 12 7 qsesse 8 bol eo.


15 comosse 16 nosse qixarandando. [ 5 o primeiro hemistíquio tem uma
sílaba a menos. Talvez: mais um rapaz etc. (comp. 11, 17) (C. e A.)]

CXXXIV (411)
U n’outro dia Dom Joam
disse uma cousa que eu sei,
andand’ aqui em cas d’ el-Rei,
bõa razom mi deu de pram,
5 per que lhi trobasse; nom quis, 2695
e fiz mal porque o nom fiz.

Falou migo o que quis falar


e com outros mui sem razom;
e do que nos i diss’ entom,
10 bõa razom mi par foi dar 2700
per que lhi trobasse; nom quis,
e fiz mal porque o nom fiz.

Ali u comigo falou


do casamento seu e d’al,
15 em que mi falou muit’ e mal, 2705
que de razões mi i monstrou
per que lhi trobasse! nom quis,
e fiz mal porque o nom fiz.

E sempre m’eu mal acharei


20 porque lh’eu entom nom trobei; 2710
ca se lh’entom trobára ali
vingára-me do que lh’ oi.

CXXXIV (411) 1 don foam 5 qis 6 no fiz 7 comigo; dá uma sílaba a


mais. 8 O co etc. 9 Per (qlhi) qlhi troba 10 falta. 16 O verso tem uma
sílaba a menos. 17 Per q hi trobasse 18 falta 19 Esse p  m eu
21 Casselhento. [ 2 leia-se unha em lugar de uma 16 elimine-se o mi
acrescentado. (C. e A.)]

297

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 297 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CXXXV (412)
U n’outro dia seve Dom Joam,
a mi começou gram noj’ a crecer
de muitas cousas que lh’oi dizer. 2715
Diss’ el: “Ir-m’ ei, ca ja se deitaram;”
5 e dix’ eu: “Boa ventura ajades
porque vos ides e me leixades.”

E muit’ enfadado do seu parlar


sevi gram peça, se mi valha Deus, 2720
e tosquiava estes olhos meus;
10 e quand’ el disse: “Ir-me quer’ eu deitar;”
e dix’ eu: “Boa ventura ajades
porque vos ides e me leixades.”

El seve muit’ e diss’ e porfiou, 2725


e a mim creceu gram noja porem;
15 e nom soub’ el se x’era mal, se bem,
e quand’ el disse: “Ja me deitar vou”,
e dixi-lh’eu: “Boa ventura ajades,
porque vos ides e me leixades.” 2730

CXXXV (412) 1 do foa 4 iasse 6 por quos hides está no fim do v. 5.
7 muyteffadado de seu parllar 8 vala ds 9 tosqiaua 11 boa uent’a
13 par fiou 14 noie 15 sexera 18 Pr.

CXXXVI (413)
Disse-m’ oj’ um cavalheiro
que jazia feramente
um seu amigo doente,
e buscava-lhi lorbaga.
5 E dixi-lh’ eu: “seguramente 2735
comeu praga por praga”,

Que el muitas vezes disse,


per essa per que o come,
quantas em nunca diss’ ome;
10 e o que disse, bem o paga, 2740

298

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 298 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’escarneo e de maldizer

ca come era grand’ a fame,


comeu praga por praga,

Que el muitas vezes disse;


e jaz ora o astroso
15 mui doente, mui nojoso 2745
e comendo per si caga;
ca come lobo ranhoso
comeu praga por praga.

CXXXVI (413) 1 Dissemoiun caualeyro 2 feramante 3 doante 6 prago


por praga 9 dissome 11 Ca come era q a fame 15 doante 16 comedo
–pssy caga 17 rauhoso. [ 1 leia-se cavaleiro em lugar de cavalheiro (C. e
A.)]

CXXXVII (414)
Mui melhor ca m’eu governo,
o que revolv’ o caderno 2750
governa, e d’ inverno
o vestem bem de brou.
5 E jaz e-no inferno
o que o guaanhou.

Andam o seu comendo 2755


e mal o despendendo
e baratas fazendo
10 que el nunca cuidou.
E jaz no fog’ ardendo
o que o guaanhou. 2760

O que seu mal pecado


foi, é desbaratado,
15 e anda em guisado
quem sempr’ o seu guardou.
E jaz atormentado 2765
o que o guaanhou.

CXXXVII (414) 1 cameu 2 reuoluo 3 gouerna e dinuerno 4 ouestem


8 malo 12 qo guaanhou 18 queo guaanhou.

299

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 299 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CXXXVIII (415)
Deus, com’ ora perdeu Joam Simhom!
Tres bestas nom vi de maior cajom,
nem perdudas nunca tam sem razom;
ca teendo-as sãas e vivas 2770
5 e bem sangradas com sazom,
moirerom-lhi todas com olivas.

Des aquel dia em que naci


nunca bestas assi perdudas vi,
ca as fez ant’ el sangrar ante si; 2775
10 e ante que saissem d’aquel mes,
per com’ eu a Joam Simhom oi,
com olivas moirerom todas tres.

Bem as cuidára de morte guardar,


todas tres, quando as fez sangrar; 2780
15 mais avia-lh’ as o dem’ a levar,
pois que se par tal cajom perderom.
E Joam Simhom quer-s’ ora matar
porque lhi com olivas moirerom.

CXXXVIII (415) 1 Joha symhon 2 caion. 3 nuca. razon. 5 Faltam duas


sílabas ao verso; talvez se deva ler ante com sazom. 6 toda 7 O segundo
hemistíquio tem uma sílaba a menos; eu não deveria ser usual antes de
naci. 8 P’ dudas ui está em uma linha seguinte. 11 Joha simho 14 O
primeiro hemistíquio tem uma sílaba a menos. 15 Mays auyalhas ode
maleuar 16 Poys se partal caio perdero não satisfaz à métrica. 17 Joha
simho qrssora 18 Pr qlhi.

300

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 300 29/4/2010, 11:13


Cantigas d’amor

VARIANTES DO C ÓDICE
COLOCCI-BRANCUTI (nº. 497-606)

V.

80 2 e praxmande – 18 diz] dizer 29 prander.


81 12 ds 13 ds 16 esta a 17 loor
82 2 che] q 7 qa] q
83 6 ou] o 12 euey] eyrey 14 pardon 15 pardonara 18 ex] er
19 m’eçy.
84 6 moirerey 10 do q 11 pardon 18 coraco 21 da] d9
85 5 quen 8 O a 9 disse 10 me] e 16 fasedes 18 coselhi 19 pardon
20 coraco
86 2 falta en 3 guiso 6 todaq. 11 moiresse 12 pre q 16 soffr.
21 atend.
87 6 lhance 7 q’rey 10 quis 11 esforcer
88 3 ueedamig9 6 grande 17 parar] partir
89 9 epoys moirer.
90 2 & uos 5 Lhem (sic, L corrigido para V) 18 senpncobri
91 11 eassy 15 sanparades 20 falta E.
92 4 uala 5 seu t. p. me 10 meta 14 mandey 15 pardon
93 5 moirer 9 diz’] diz 10 pardon 11 moirer 13 asfam 14 moir.
16 moirer 18 sempren
94 10 mol] mal 13 podia m. p. boa 17 demamã
95 2 de] do 14 cuyder
96 5 e i 10 mano 16 co] non 20 coraçon 24 et por
r
97 5 p co 6 c’ertamente 7 uedes 10 moire 11 uede
98 3 de9 de 6 perto 11 coracon 12 logar 16 falta o

301

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 301 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

99 4 asperança 7 uiltanca 17 pardon 19 sel] sol


100 3 soffrer 4 pardon 10 aueriades
101 7 boa 12 corazo 14 praz’ 15 ono
102 1 qixaua 4 & dizia 7 qixando 8 come 16 trunhas
103 1 ueieu 9 pardon
104 11 de9 15 que] gªue 16 qes] quaes 19 foys
105 3 etod. 6 – 7 (riscados) faltam 8 cuydara 9 – 11(riscados) faltam
12 oieste
106 8 quant9 9 edeasp.
107 5 sse 7 des] ds 8 diz 10 de] Que 11 des] ds aguisar 13 sabedelo
108 14 boa
109 3 moirer 4 sabedes 11 moiria 12 sabeds 15 creede 21 teirey
110 2 quanden 5 uiir 10 marauilha 11 prazer 17 duii
111 8 sen’] seno 11 sabedeus 12 deuos 19 ssa
112 5 tamanho 6 sen seu 8 fremosa 10 cu 12 eiro
113 1 queirey 3 queira 4 e a molher 5 quer e queirei 6 queira 7 Quis
e queirey 8 queira 11 queirey 12 et queirey 13 boa 14 queira
16 queirey
114 3 praxer 4 olh9 8 queiria morrer 9 falta. 10 e aos 11 tal
13 moirassy 18 faz’edes
115 3 pecador que rer 4 po] –p 10 certo 15 ero 17 qual
116 1 O uos amigo t. d. coraço 2 falta pom uos 3 miq–a] amig9
4 falta ueia q nom em teda 5 praxer 6 uee 7 fodes falta neos
8 qui se enc. e te 9 secob. p. n. ual ual re 10 falta tanos fr9 poder] foder
12 arae] ante 14 no] rio Vid. nº. 174.
117 4 receey 6 caznã 12 mã 13 Veede uous (sic)
118 3 eu] e 10 moirer
119 2 falta ami 7 fez 9 Denssandecer ou moirer 11 ds 15 melhore
120 4 eu] en 10 ql] qªl 16 diua] diria 18 fezesse
121 5 uiron 8 des] de
122 9 loor 14 Anteirades m. p. boa 18 eirey
123 3 queirey 5 bontade
124 6 sofrer 7 de] e 18 auidador 22 moirer

302

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 302 29/4/2010, 11:13


Variantes do Códice

125 6 todeste 7 & polo 9 & oy 15 ei] ay


126 1 meo 2 pardo 6 tarix] trax (sic, a foi emendado em r) 11 greu & t.
127 7 trobe & 8 mays 9 soo 11 pardon
128 11 teuestes 17 amda
129 1 qui 3 mã 6 eu] e 10 se 13 boa 15 da] d9 pardon
130 1 guysado 3 praxer 16 parte 19 força 21 pdiçon 22 peçads –pdon
131 1 queredes 15 doando 17 mecedey 18 coireg. 19 estado
20 O q 23 estranado 27 agrauado
132 7 de] da
133 1 uos f. 4 sabedes 7 mhe 13 sepre 17 atenda 21 sem
134 5 A mha 5 me 7 ca uerey praxer 13 pouco 14 prax 18 melhor
21 Damortande
135 5 queira 7 cami 9 prax 13 queira 14 E ire 16 praz ca 17 q]
qual seu] se 19 quira q o bo sen 20 E ire
136 1 queiria 2 et 3 hu] ou 4 teiria 9 sabendo praxeria 12 teiria me
16 etedesse 17 teiria
137 3 E estaua 6 pe 13 lontano 15 meirastes 20 esmoreçia
21 sancta 28 ca] ta
138 1 coraço 2 podestes 8 fax’ 11 fremosa 14 Prevos 15 per] pre.
139 5 faxer 9 p’son 10 faxerdes 15 ou] o
140 2 partir 5 boa 6 pudauer 10 ma 12 praxer 17 partir
19 o q praxer 20 falta no 21 grã afam
141 6, 12 moirer 7 eu] e 13 coyta apenas uma vez.
142 3 beno credes 8 falta qr 9 Parta 14 falta de 16 sento no temey
19 fezestes
143 2 tam eu] e 14 po 18 aiades
144 8 ca] da 12 prax
145 1 pareçedes 9 home 13 pegado.
146 2 coraço 3 pardo 4 en] an 6 forcar o coraço 8 forcou
10 senhor 12 coraco 13 forçou 14 de mã 17 cami
147 1 ami 20 moirer 29 moirer 33 auey 36 roguarey 38 esquivo
148 2 falta 3 De 8 faca 20 uiui] mi 21 conhoci
149 3 prax 6 prax moirer 7 praxer 9 eirades 13 prax 16 eirey
17 prax 18 veede 19 prax 20 pardon 21 prex 24 se non
e 25 prax

303

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 303 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

150 3 Hua 5 en dixi lh. 6 uo 8 dix 11 Pera 19 pre 21 Dix


23 prax 26 falta o se riscado 29 partira 32 hu] o
151 1 meto 4 meca 6 uossen 8 qmi 12 no] uo
152 5 Por en q.
153 4 fez 14 per
154 4 eu] en 9 gunde 12 sempeuos 15 Praxau9 18 pyto
155 6 moirer 7 falta 8 mi 10 todo 15 9prida 17 praxer
156 Título, 1 adeant inserido por Colocci no espaço deixado vazio pelo copista.
2 o muy a que se segue uma lacuna, preenchida com a palavra Nobre por
Colocci ffez texto 7 podessiguar 9 erades coytado
157 4 Entre uezes e nomen foi deixado um espaço para dois hemistíquios.
5 que algur moireu 9 praxer 10 mil 11, 16 moireu 12 coraço
158 2 coraço 6 Após este verso foi escrita a seguinte nota, riscada por cima:
Ontro R° se comença 10 boa 12 fax 17 come
159 1 Dos 2 ueiran 10 e ala 13 queiria 15 e ala
160 2 O verso inteiro está riscado duas vezes 5 logo 11 meuiaria
161 4 Dix coytado 13 fremosa
162 2 prazer 4 treuo tanto 5 no no 6 desasperar 7 mostrasse
9 qt 10 qt 11, 16 no no
163 3 uind9] ued°s (sic)
164 1 uoss9 5 quiserdes
165 2 rogasse 13 perçades 15 beençon
166 3 seu] se 5 moirer 10 Preen 15 certa 16 qria 17 moirer
18 no
167 8 sei eu 10 pýte (sic = pyte) 14 Delhi
168 4 amigo 12, 15 louçana
169 1 madreo 11 Preq
170 1, 4 moiredes 3 lieto 4 Do 8 ueiesta çingo 16 cinta
171 5 sabede 8 q p9 comigo 11 doq mha iurado 14 saue uiuo
e
15 Após esta estrofe, acrescenta-se: Vos me p gutades polo uossamado E
eu be u9 digo qe uyne sano Ay ds
172 8 delgadas 9 la lav. 10 Vay 18 Vaylas 19 deuia
173 4 ds 5 del ramo
174 2 e ta 9 mignado 10 pode 13 catr 15 can9 entende
Comp. nº. 116.

304

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 304 29/4/2010, 11:13


Variantes do Códice

175 1 Camousara 3 comosara 10 poira 12 teira 15 nono poira


176 13 praxer 14 dizede se pardon
177 9 poco 17 cuydande 20 tomi 24 moirer 26 naci
178 1 mandar 13 demi 19 ds
179 5 couen logar 7 mi Após este verso vem o título El Rey don denis com
o qual a página termina. 15 moirerey 16 qrads 18 moirera
21 moirer 23 mays
180 1 por me9 8 possededes 12 creerey 13 se] fe 14 gund
181 13 gura
182 7 Disseste 9 iurastemi
183 4 lo 5 viuen moirer 7 pardon 12 Moirera 16 demã 18 moirer
184 3 falta al ando 7, 12, 17 moiremus 9 u9 10 de9 11 falta uos
13 nena 15 senor 21 amig9
185 5 falar 13 quand 15 el
(sic) 17 madresto 18 posse
no

186 15 pardon
187 4 lhi eu 18 –pça
189 5 daque 8 qm] gura 12 n9] v9 14 tornou 18 gura
190 5 hirm9 12 muyto 14 Cao 16 hirm9
191 5 moirer
192 7 falta.
193 2 q 4 uiir 6 faço 7 ue 11 eu 16 ue
194 1, 7 moirerdes 5, 11 moirer 5 guysa 14 eu] en 17 ds
195 14 muytamaua 16 q eu 17 gairida 19 muytamaua
196 3 gura 5 se 7 quen 14 15 moiresse 18 moiresse
197 5 longue 17 faco
198 4 eu] e 5, 10 lancastes 6 toberto
199 2 –pco
200 5 f’ ia andeu 7 gradecer 9 lestranhei 15 rogou 18 ami
201 1 que Também aqui + , mas no verso, não acima dele. 5 uyo
6, 13 moirera 11 sancta
202 5 uerey 23 E au’ ey
203 3 a el 4 digue 7 N9

305

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 305 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

204 8 trayço 9 ds mi pardon 13 d’ eyto


205 4 eu ey 9 sabia 10 pareçia 11 qtodera 17 demã
20 foyssandel
206 1 Viasso 2 andeu 4 tamhano 5 faco 8 catedo perderia
9 traico 11 Neñ (sic)
207 1 padecesse 2 moiresse 3 nacesse 9 moiressou desasperasse
10 comen 16 comeo 17 Deus
208 Como título, vem antes Senhora. 2 conheço 3 muito 4 me bem
a tam 7 te] be 9 poderia ffosse 10 ueesse 11 deseiaria
13 uiinha ueito tal 14 dereyto 16 douera 18 em lugar de ffrom
está + trabalhy 19 çedo 20 seruyo o moor (sic) 21 dam falta
hi 23 me cotento 24 copaço 25 cu] eu 26 treiço seria
27 seminha

306

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 306 29/4/2010, 11:13


Variantes do Códice

N OTAS

I. 3-4. A separação de membros sintaticamente unidos, já referida por Diez


(KuHp., pp. 101-2), através do fim do verso ou da estrofe, é muito
frequente entre os trovadores portugueses. Em nossa coletânea encontram-
se, além dos em questão, os seguintes exemplos: 1. Ao fim do verso:
o adjetivo separado de substantivo: 9-10, 26-7: maior mingua; 68-69:
razom-boa; 79-80: tal morte; 489-490: meus olhos; 803-4: meu mal;
1333-4: sobeja coita; 1343-4: forte coita; 1525-6: coitada vida; 1719-20:
meu amigo; 2263-4: seus olhos; 2379-2380: esquivo mal; 2442-3: meu
amigo; b) a preposição separada do nome: 1725-6: por tal enfinta; 2. ao
fim da estrofe: a) o adjetivo separado do substantivo: 163-4: maior-mal;
b) o pronome-sujeito separado do verbo: 186-7, 192-3, 198-199: eu vi;
c) o advérbio separado do verbo: 753-4, 759-760, 765-6: veer-cedo; 2142-
3, 2148-9, 2154-5: assi como morremos; 2206-7, 2212-3, 2218-9: vem
aqui. – Ainda com mais frequência aparece o enjambement em Afonso
X, que, por causa da rima, separa o pronome enclítico do verbo, por
exemplo em CM. 44, 7; 51, 12, e o sufixo adverbial do adjetivo, por
exemplo em CM. 72, 3-4: Mui descomunal – / Mente, ca a Deus deostou.
17. cal ocorre não raras vezes na língua arcaica; por exemplo em
V. 925, 17: Diss’el: nem mi cal; 948, 16: E se lhi renge, nom m’em cal;
na Demanda0 do S. Graal, p. 6 : nom m’en chal; Afonso X, CM. 235,
15: A mí mui pouco m’en cal. Uma vez que não se encontra esta palavra
em português em nenhum outro lugar, por exemplo em Sá de Miranda
102, 356 e Gil Vicente II, 63 só sobrevive nas poesias espanholas, então
se deve considerá-la, até pela forma, um empréstimo do provençal, con-
forme Diez, KuHp., p. 31.
O emprego pleonástico do pronome adverbial ende ocorre frequen-
temente, mesmo onde talvez não exista necessidade de rima: cf. 227,
947-950, 1318, 1384, 2260, 2327. Assim, também em Afonso X, CM. 35,
5: Maestre Bernald’ avia Nom’ un que er’ en dayan Da eigreia; ibid., 127,
11: A moller de sonnar esto Ouu’ ende mui gram sabor; ibid., 164, 1 e
assim por diante. Compare-se a isso o possessivo duplicado em 1550.

307

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 307 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

23. Encontra-se com frequência nos documentos a expressão o tempo


sal, “o prazo expira”. Ineditos de H.P. IV, p. 572: Quando sal o tempo
dos alvazijs; ibid., p. 575: Desque lhy sae o tempo ao moordomo; etc.
24. Nom ha ja hi al é uma expressão fixa, que significa “o inevitável”,
“o que está fora de dúvida”. Cf. 2129 e 2178: u nom pód’ aver al; igual-
mente em V. 310, 3; V. 603, 2 etc. Com significado equivalente ocorre o
também usual u nom jaz al, por exemplo em V. 422, 9: Que mi nom jaz hi
al se morte nom; V. 621, 1; 799, 15 etc.
27. Compare-se ao frequente Nostro senhor V. 6, 1: O meu senhor mi
guisou De sempr’eu ja coita sofrer.
28. Para transferência da expressão feudal vassalo à relação do homem
com Deus, confira-se ainda V. 510, 3-4: Todos dizem que Deus nunca
pecou, Mais mortal mente o vej’eu pecar, Ca lhe vej’eu muitos desemparar
Seus vassallos que mui caro comprou. Assim também Calderon faz Satã
dizer, Mág. Prod., 3358-0: Que siendo tú esclavo mio, No has de ser
vassallo suyo (isto é, de Dios).

II. 30. O sentido da expressão aclara-se a partir de V. 699, 20-22: E os que


ben desenparados d’amor (= aqueles que nada recebem do amor) juram
que morrem com amor que am, Seend’ ant’ elas, e mentem de pram.
39. ar e er, muito frequentes na linguagem da época, aparecem ainda
em Gil Vicente; er, por exemplo, em I, 166, 172, 173; ar ibid., 175.

III. 48. (cf. 415) A frase que aqui descreve Deus, “aquel que pod’ e val”, em
Afonso X define a Virgem Maria, enquanto Villasandino utiliza a mes-
ma expressão para sua amada (segundo Diez, loc .cit., p. 105). Cf.
CB. 373, 24, e ibid., 231, 15: E pero Deus he o que pod’ e val.
Outras perífrases para Deus são 499: quem vos tal fez; 2625: o
que nos comprou; V. 545, 20: el que os dias en poder tem, V. 632, 10: onde
vem o ben.
53. Complete-se polo meu com o substantivo mal, a partir do advérbio
seguinte, mal.
55. Des i (= de ex hic) encontra-se ainda no Canc. Res. III, p. 176:
Mando a alma ao parayso, Des y (não de sy) o corpo aa terra.
57. O emprego de foi = fui não é raro na língua arcaica. Cf. v. 1257 e
V. 451, 16; 1126, 8; 1163, 1; CB. 11, 7-8; 33, 9, 12; 43, 18; 151, 2, 18;
199, 11. Ainda hoje ocorre esse fenômeno dialetal; cf. J. Leite de V.,
Dialect. interamn. IV, p. 7; VIII, p. 16. Inversamente, temos também fui
= foi, por exemplo em 1575, 1582 e V. 300, 4, 5; CB. 149, 2; 213, 1.

308

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 308 29/4/2010, 11:13


Notas

Também se encontra esse uso dialetal ainda atualmente; cf. J. Leite de


Vasc., Dial. beirões I, p. 11.

IV. 73. Casos de aliteração como em feito fazer eram muito mais recorren-
tes na língua arcaica do que agora. Além de vida viver, em 1497 e 1520,
poderiam ser aqui citados os seguintes exemplos desse tipo: Chagas
chagar, na Demanda do Santo Graal, p. 31; El dado que derem andores,
Ineditos de H. P. V, p. 421; Dyuyda que devedes, ibid. IV, p. 581: Erro
errar, S. Graal, p. 126; ferir ferida, Ineditos de H. P. V, p.390, S. Graal,
p. 67; fugir a bom fugir, Hercul., Monge de Cister, p. 233; lidar lide,
Ineditos de H.P. V, p. 408; Perjurado es d’aquella jura que jurasti, ibid.,
p. 417; morrer morte, CB. 73, 25; S. Graal, p. 92; a poder que podesse,
ibid., p. 31, 46; rir a bom rir, Monge de Cister, p. 10; rogo rogar, S.
Graal, p. 31; saber sabedoria, V. 1100, 4; saeta saar, Santo Graal, p. 69.
75. A expressão adverbial de pram é muito frequente nos cancioneiros
e significa, como mostra o exame de uma grande quantidade de passa-
gens, “sem mais”, “com prazer”, “prontamente”; o mais próximo a ela,
em alemão, talvez seja schlechthin [simplesmente, chãmente]. Comp.,
por exemplo, V. 5, 3; 18, 9; 457, 19; 803, 10; CB. 77, 14; 300, 8. Além
dela, também frequentemente ocorre a pram com o mesmo significado,
por exemplo em V. 1140, 6: a pram sserá a besta ladrador; CB. 110, 29: a
pram per vos me perderei; Af. X, CM. 162, 6; 255, 7 etc. – Cf., sobre
isso, o equivalente de chão em 330.
77. O sen, “juízo”, evidentemente emprestado do provençal, encontra-
se também na língua dos documentos, por exemplo Ineditos de H. P. V,
378: O que nom jaz na carta, iuigeno os juizes con os homees boos segundo
seu sen; ibid., 402: Outras entenções juyguem segundo seu bom sen assi
como melhor poderem. A palavra terá sido transmitida aos portugueses
pelos primeiros povoadores provençais. – A fórmula aliterante saber e
sem é tão usual para os trovadores portugueses quanto para os provençais
(Vid., para o francês antigo, Gröber, em Zs. für rom. Philol. VI, p. 469).
Dos genuinos casos portugueses de aliteração, ainda podem ser aqui
mencionados os seguintes: Cativ’ e coitado, V. 570, 12; falss’ e felon, Af.
X, CM. 15, 1; a ferro e a fogo, Hercul., Hist. de P. IV, p. 391; led’ e
ligeiro, 2649; led’ e loução, V. 456, 6; lã nen lynno, Af. X, CM. 23, 5
etc.; lum’ e luz, ibid., 15, 1 etc.; sem pudor nem piedade, Hercul., H. de
P. III, p. 391; nom vay nem vem, V. 1174, 28; Afonso X , CM. 277, 5
etc. Aos exemplos de aliteração em nossa coletânea, acrescentem-se
também tard’ ou toste, em 1631, e levou e leixou, em 2678.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. Comp. início e ideias quase idênticos de uma cantiga de Fernan Velho,


em V. 47, 1-2: Quant’eu, mha senhor, de vos receey Aueer delo dia en
que vos vi; e ibid., 7-8.
83. Aveer deve ser aqui interpretado como alembrar, alevantar, atrepar,
assubir, ateimar dentre outros, nos quais o a protético se explicaria como
ad; cf. A. R. Gonçalves Viana, Études de grammaire port., Louvain, 1884,
p. 11. Encontra-se ainda frequentemente esse aueer, por exemplo em
V. 750, 5-8: Ca nom ei sen vos aveer, Amigo, ond’ eu aja prazer; E com’
ei sem vos aveer, Ond’ eu aja nenhum prazer; 804, 8: Se me Deus guisar
de o aueer. – Ao saber d’amor corresponde, a par da discrição, principal-
mente o temor da amada. Assim diz Bern. de Ventad. MW. I, 16: Mas
greu viretz fin’ amansa Ses paor e ses doptansa; Flamenca 4105: Hom
dis: Si ben amas, ben tems.
94. Aqui, como em 130, 952, 1245; V. 577, 10: Ca vos sodes e seredes
Coita do meu coraçon, Senhor, se mi nom valedes; CB. 64, 7-8: Ca sey
que ja per vos non perderei gram coita do meu coraçon, e assim por
diante, seria hoje necessário sempre o artigo definido antes de coita. Mas
a língua arcaica, cuja natureza popular se distingue, aliás, mais pela con-
cisão do que pela clareza da expressão, omite de bom grado o artigo
definido diante de tais substantivos, que ou indicam um conceito abstra-
to personalizado, como por exemplo frequentemente amor (cf. Diez, RG.
III4, p. 26), ou, como demo e os nomes de festas, meses, dias da semana
etc., são restritos, como apelativos, ao conceito de uma entidade singu-
lar, ou nomeiam qualidades, coisas e seres que, por meio de um adjetivo
atributivo, uma oração relativa determinativa ou outra determinação mais
específica, chegam à consciência tão nitidamente separados dos outros
pertencentes à sua espécie, que o artigo definido parece dispensável.
(Cf. Tobler, GZ. XIII, pp. 194-205). Exemplos: 1) Conceitos abstratos.
Amor personificado em 899, 904, 910, 1056 e nas duas cantigas XXIII e
LVIII. Cf. V. 214, 1-2: De vos, senhor, quer’ eu dizer verdade, E não ja
sobre amor que vos ey; V. 680, 1-2: Quantos e-no mund’ amarom E
amam, todolos prouou amor; V. 701, 1-3: Tal vay o meu amigo Com
amor que lh’eu dey; Santo Graal, p. 76: Muy vergonhosa de fazer contra
sua vontade o que lhe amor mandaua. – Asperança, em 389; mal, em
1184, 1679; morte, em 100, 143, 305, 456, 1482, 1674, 2131. Cf. V.
448,15: Non me deu morte que de coraçon Lhe roguey; V. 607, 7: Ou é
sinal de morte que vos ven; Santo Graal, p. 88, 22: Tanto ardido era que
nom dultaua morte; ibid., 97, 35: Todo esto ella fazia por ordir morte de
Galuam; ibid., 130, 17: Pos morte de Calogrenac; poder, em 1320. 2)
Nomes de seres. Demo, em 1725, 2604; cf. Santo Graal, p. 137, 10: Veo

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Notas

hua voz que me disse, mays sey que foy demo que me quis enganar;
besta, Santo Graal, p. 131, 8: Mays besta que as come, logo morre. 3)
Nomes de festas, dias da semana e períodos de tempo que, por causa de
sua repetição regular, são pensados como seres existentes apenas uma
vez (vid. Tobler loc. cit.). Inedit. de H.P. V., p. 429: Des dia de Ramos atá
dia terça feira de Pasqua; Af. X, CM. 393, 3: E chegarom ao Porto
Mércores, primeiro dia d’Abril; oje tercer dia, em 1673 (para mais am-
pla comprovação, vid. nota à passagem); Santo Graal, p. 7, 1: Vespera
de pinticoste; ibid., 6: ora de noa, 21: ora de comer; V. 358, 10: Mays
tempo de jogadores Ja çafou.

VI. Sobre o assunto, cf. XXXVII, XXXVIII e LIX. O pedido para confes-
sar seu estado de espírito à amada lembra uma passagem em Amanieu
des Escás (Milà y F., Trob., p. 422): Per merci-us velh preiar euos prec
Que vulhatz entendre mon prec, E que vulhatz saber mon sen E mon cor
e mon estamen. – Que jes non podés devinar Jeu com vos am, si no-us o
dic.122. Esta denominação da amada é comum a todos os trovadores.
Cf. V. 94, 16; 478, 7; CB. 165, 6; 173, 7.

VII. (cf. LII) Esta cantiga lembra bastante, tanto na expressão quanto na
temática, um poema de Martin Soares, CB. 125.
130. Para o significado da conjunção en tal que = para que, a fim que, cf.
V. 285, 7-8: Por baralhar com el e por al nom Faley com’ outr’ ental que o
prouasse; Santo Graal, p. 142, 10: O caualeiro aduseo (isto é, o caualo) a hua
aruor e liou o, em tal que Persiual o achasse quando quizesse caualgar.

VIII. A expressão e o conteúdo desta cantiga lembram muito uma de Roy


Paez de Ribela, CB. 282.
145. Para a expressão, cf. V. 485, 3: Da rem que mais soubess’ amar;
CB. 341, 3: A rem do mundo que me faz mayor Coyta sofrer. Assim
Flamenca 2806: La ren el mon qu’ieu plus envei. Cf. o mesmo significa-
do de cousa transmitido em 822.
145-6. Nossos poetas apreciam repetições do mesmo verbo em diver-
sas formas temporais. Cf. 315: servh’ e servirei; 654 e sg.: quis, quer,
querrei e quis, quer e querrá; 1329-30: quis e quer, etc. – V. 394, 4-5: Mi
fez e faz mal e fará; CB. 397, 7: Que eu servi e servh’ e servirei. Simila-
res encontram-se frequentemente também entre os provençais, por
exemplo em Bertran de Alam. MW. III, 144: Ni o fis anc ni farai ni o
faria; G. Riquier MW . IV, 110: An fach, fan e faran.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

IX. 163. Nesta passagem, em que o comparativo maior está aparentemen-


te em lugar do superlativo o maior, deve-se entender que como aquilo
que Tobler, VB., p. 143, denomina relativo sem relação [beziehungsloses
Relativum] e a ideia é a seguinte: “Desejo-lhe, com a intensidade que
posso, dor maior”. Cf. PMH. Script. I, p. 261: E porque os de Lara e os
de Carryon forom de mais alto sangue que havia em Castella; V. 612,
9: Que se verrá mais cedo que poder.
178. Ao lado de nozir encontra-se também nuzer, CB. 75, 20.
Dentre outras formas desse verbo, ocorrem em Afonso X as seguintes:
em CM. 5, 25: nuz; em 4, 6: nuza.

X. 227. Essa forma subjuntiva também se conserva em Gil Vic. III,


p. 312: Ainda que pês ós dados, e na expressão ainda hoje popular:
Emque me pes.
233. Para a expressão muito frequente fe que devedes, usada de modo
absoluto também em provençal e em francês, compare-se a forma mais
original pola fe que devedes, em CB. 380, 15; Santo Graal, p. 59 etc.
237 A expressão lume d’estes olhos meus, muito apreciada por nos-
sos poetas como nome da amada, pertence à linguagem da vida comum.
Cf. Vida de S. Aleixo (Revista Lusit. I, 338): Ay mesquinha de mim, ay
lume destes olhos meos; ibid.: E agora é roto o meu espelho. Vieira,
Diccion. s.v., menciona a expressão proverbial amar como o lume dos
olhos.

XIII. É bastante provável que tal censura tenha sido verdadeiramente fei-
ta ao rei, pois suas relações amorosas eram muito mais reais do que
aquelas que constituem o assunto de suas cantigas de amor. Gaucelm
Faidit expressa a ideia de que o amor pela senhora faz poetar (Diez,
P.T., p. 141): Mon cor e mi e mas bonas cansos E tot can sai d’avinen
dir ni far Conosc’ qu’eu tenc, bona dona, de vos.
249. Em voss’ amor, o pronome possessivo tem valor de objeto, de
modo que o sentido é: amor por vos. Assim, em nosso texto, ainda em
576, 852, 879, 1020, 1436, 2078, bem como meu em 2106, seu em 979.
Cf. V. 789, 2: Con vosso medo; em 8, con vosso pavor; CB. 133, 21;
230, 2: uoss’ amor; também em Amanieu des Escás (Milá y F., p. 425):
Que si-m fossetz lial amia, Ja per vostr’ amor no moria. PMH. Script. I,
p. 276: Rrey Ramiro, que te adusse aqui? E elle respondeu: “O vosso
amor”; Canc. Res. II, p. 416, 26-30: Nom he a primeira vez Esta que
por teu respeyto (= respeyto a ti) Amor bravo com despeyto jaa outra
chagua lhe fez. Igualmente em espanhol, por exemplo em Calderon,

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Notas

Vida I, 192: Tu voz pudo enternecerme... Tu respeto turbarme; ibid.,


III, 261: Hoy se resiste á la obediencia mia; Lope de Vega, Adónis
(Riv. 52, 426a): A buscarle aqui vengo Por tu ocasion, enemigo. Tobler,
GZ. III, p. 433, traz exemplos do francês antigo.
257. Nom veja prazer é uma fórmula de afirmação comum na língua
arcaica; cf. 1601 e V. 27, 16: Assi veja prazer, 46, 4; 470, 11: Se eu veja
prazer etc.

XIV. A linha de pensamento desta cantiga condiz aproximadamente com


um poema de Joham Lopez d’Ulhoas, CB. 300.
284-5. Encontram-se de novo estas palavras, quase literalmente, como
refrão de uma cantiga de Sancho Sanchez, V. 4 (= V. 569): Ca meu bem
é d’eu por ela morrer Ante ca sempr’ em tal coita viver. Cf. V. 385,
13-14: E a mi era mui mester Hua morte que ei d’ auer Ante que tal coita
soffrer.

XV. Uma cantiga de Vaasco Praga de Sendin trata da mesma ideia, em


CB. 77, e uma quase identidade de conteúdo e expressão tem lugar em
um poema de Joham Ayras de Santiago, V. 531, especialmente no refrão:
Se vos grave é de vos eu bem querer, Tam grav’ é a mim, mais nom poss’
al fazer.
294. Uma vez que a lição de V., gram mha mort’ e meu mal, encontra-
se também em CB., então é bom conservá-la. Além disso, ocorre ainda,
em outros lugares, a colocação do possessivo entre adjetivo e substan-
tivo, por exemplo em PMH. Script. I, p. 186: Os uosos auoos por gram
seu trabalho e por mortes e lazeiras ganharon o reino de Portugal.
299. Aqui poderia deve-se ler pod’ria, assim como em 304, pero =
p’ro. Casos como esses, em que uma vogal átona era escrita mas não
medida, são muito frequentes nos poetas antigos. Assim se lê, por exem-
plo, em Sá de Miranda 101, 9: A guerra leva o môr capitão consigo, onde
se deve medir cap’tão. Cf. sobre a passagem C. Michaëlis, p. 763,

XVI. O dito de que a amada seria digna de um rei (cf. ainda LVI) encontra-
se também entre os provençais, por exemplo em Bertran de Born (Choix
III, p. 138).
308. Sobre o uso dos derivados verbais em -ador, -edor, -idor para ambos
os gêneros, vid. Cornu, Grundriss I, p. 790. Em nosso texto, ocorrem
ainda os seguintes casos desse tipo: em 2655, muacha revelador; em
2665, m. remusgador. Cf. V. 1140, 6: besta ladrador.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

XVII. 328. Para o uso do simples si em vez do corriqueiro assi (ecce-sic),


cf. a expressão nem si nem si, “de maneira nenhuma”, CB. 390, 17-18:
Verdad’ é que dar Nom lhi pódem esta nem sy nem sy; Af. X., CM. 283,
1: Ca d’outra guisa nom querria Ser Deus ome nen si nen si. Si que=assi
que, cf. por exemplo Santo Graal, p. 81, 10: Certas, disse el rei, si que
jamais nom acharedes quem vos pesar faça.
330. O advérbio de chão encontra-se em Af. X quase tão frequente-
mente como o sinônimo de pran, também derivado de planum; por
exemplo em CM. 157, 2: Deus por sa madre castiga A vegadas ben de
chão O que faz mal, e mui toste Por ela o er faz são.
333. “A morte está diante de mim”. O significado da expressão ter na
mão alg. c., “ser ameaçado por alguma coisa”, “ter algo a ponto de acon-
tecer” (cf. o inglês “to have anything upon one’s hands”) é esclarecido
nos seguintes exemplos: Santo Graal, p. 97, 4: Quando o caualeyro ujo
que a batalha tynha na mãao, ergeose muj ujuamente e foy filhar suas
armas...; ibid., p. 115, 11: Emtam meteo a mãao sob o braço do escudo
ante o peito e boorz er fez outro tal quando ujo que a justa tynha na mãao.
Canc. Res II, p. 283: Isto acabado a noyte na maão Sentou-ss’ arrayall ho
longuo do rrio.
347. É frequente a expressão prender ocajom, “ter um acaso infeliz”.
Cf. por exemplo Af. X, CM. 146, 5: E el non a creeu, Et foi-ss’ e prendeu
ocajon; ibid., 293 Epig: Par Deus, muit’ é gran dereito De prender muy
gran ocajon ... A par desta, encontra-se também a simples cajon, por
exemplo em V. 1100, 1-2: Eluyra Lopez aqui noutro dia Se Deus me
valha, prendeu hu cajom.

XVIII. 355. Para a expressão, cf. V. 644, 12-13: Esta coita que mha morte
tem Tam chegada que nom lh’ey de guarir; CB. 301, 22-3: E esta coita
tem me chegado A morte e non guarirey por neum sen.
363. No segundo hemistíquio, a métrica já exige uma correção, mas o
sentido também não é satisfatório sem o pronome adverbial em, que se
refere a que por vós morre. O sentido do verso é: “Morre por vossa
culpa. Livrai-o disso!”. É comum em nossos poetas a frase partir alg.
de morte, salvar alguém da morte. Cf. por exemplo 510, 16: (Deus)
dev’ os vassalos de mort’ a partir; 803, 6: Mais quero m’eu esta morte
partir.
364. Sobre o uso de xe e xi, cf. Diez, KuHp., pp. 112-3, e Cornu,
Grundriss I, p. 794. Em nosso texto, este pronome aparece como dativo
ético em 1776, 1949, 2658 e 2727; como acusativo ligado a pronomes
pessoais, temo-lo em nossa passagem, além de 2254 e 2604. Cf. Gil

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Notas

Vicente I, p. 136: Ah si, Catalina? Ora, bem, Se xe m’eu isso soubera,


Nunca t’eu a roca dera; id. III p. 162 etc.

XIX. Para o conceito, cf. 900, 3-5: E pero muy longe de vos vivi, Nunca
aqueste verv’ antig’ achei: Quam longe d’olhos, tam longe de coraçom.
371. Preto, que se formou por metátese de perto, é muito frequente na
língua arcaica, e de uso exclusivo em Afonso X, CM.
380. Para o significado do substantivo bemfazer, benefício, favor, cf.
708, 22: E mays vos quero dizer deste rey E dos que del aviam bemfazer;
926, 7, 9; CB. 178, 31: Seu parays’ e outro bemfazer.
384. Para a vezes, diz-se agora às vezes. Cf. 1139-1140: a vezes – a
vezes, ora-ora; em Sá de Miranda 165, 293-4: A revezes – a revezes.

XXI. Semelhante, na linha de pensamento e parcialmente na expressão, é


uma cantiga de Vaasco Gil, CB. 257, 1-5: Se uos eu ousasse, senhor, no
mal Que por vos ei falar...Doer-uos-iades de mi etc. Cf. V. 692, 9-10: Se
uos soubessedes a coita que ei mayor Mui gram doo averiades de mim,
senhor.

XXII. 429. O e de fe ainda tem aqui, como mostra a rima com que, seu
primitivo som fechado, enquanto na maioria dos casos já é aberto e rima,
por exemplo, com é.

XXIII. 436. O mesmo uso do gerúndio de estar encontra-se em V. 503,


22-3: E disse el rey noutro dia estando Hu lhe falarom em vossa fazenda.
444. Dezia, que encontramos também em CB. 1, 2, e com frequência,
consiste na dissimilação de ambos os i de dizia e, por sua vez, deu ori-
gem ao infinitivo dezer em vez de dizer, que se manifesta na língua mais
arcaica, por exemplo em V. 651, 4; 944, 20, e ainda nos dialetos, cf. por
exemplo J. Leite de Vasconcelos, Subdial. alemtej., p. 20, e Dial. interamn.
III, p. 23. Temos casos semelhantes de dissimilação em vesitador,
V. 1193, 17; vevia, V. 525, 12; vevi, 545, 18; 551, 5; 648, 6 [por visitador,
vivia, vivi]; sobre a última forma funda-se vévem por vivem, presente no
dialeto alentejano.
451. doita de doito = ductum (cf. Diez, p. 125), “experimentar”. Assim,
por exemplo, também em V. 1123, 7: Ar, e quer consig’ a velha levar,
Mais a velha nom é doita da guerra; em Af. X., CM. 49, 2: E ar acorre-
nos aqui En as mui grandes coitas Segund’ eu sei ben e oy, Quaes avemos
doitas. Essa palavra está presente também nos documentos legais, no

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

composto andoito (= endoito); cf. Ineditos de H. P. IV, p. 588 (Foros de


S. Martinho de M.): E se disse que quer (i.e, vogado) daalem Doyro,
danlhe tempo de 16 dias; e aaquel dia que seia aindoto (= endoito) no
feyto, e danlho pera o primeiro concelho. [A esse se relaciona provavel-
mente também endoito, na expressão ainda corrente no século passado
era endoito = era costume, que Bluteau cita no seu Vocabulario de pala-
vras etc. do Minho e Beira, 1728 (Apêndice ao Suplemento do seu
dicionário). (C. e A.)]

XXIV. 468-471. Para o conceito e a expressão, cf. 1048-1050, 1159-1160 e


V. 499 (refrão): Ca de uos non atend’ eu al Que mi façades, se non mal.
481. O significado de “vontade”, “sentido” que tem o coração, nesta
passagem e em 1605, encontra-se não raramente também em outros lu-
gares, por exemplo, em V. 18, 12: De vos servir é meu coraçon; em 838,
8: E quis comprir sempre seu coraçon; Santo Graal, p. 128: Como ho-
mem que avja diaboos que lhe dauam coraçom de matar seu jrmãao. Cf.
o significado semelhante de cor, em 1059.

XXV. Bem similar em conteúdo e forma, embora com menor repetição de


expressão, é uma cantiga de Nuno Eanes Cerzeo, CB. 141.
499. A expressão quem vos tal fez, “vosso criador”, ocorre também em
provençal, por exemplo em Flamenca 5848-9: Domna, cel queus fes E
vole que ja par non acces...

XXVI. 516. mais-rem, “mas isso não teria acontecido”.

XXVII. 525-6. Joam Coelho profere imprecação semelhante, ao mundo, a


Deus e a si mesmo, em CB. 261, 7-11: E quero mal quantos vos queren
ben E os meos olhos con que vos eu vi, Mal quer a dês que me vos fez
veer E a morte que me leixa viver E mal ao mundo por quant’ i naci; cf.
CB. 194, 13-4: Ca por vos perdi dês e amigu’ e esforç’ e sem.
530. A variante amig9 (= amigos), em V., explica-se talvez por uma
confusão de o com a abreviatura 9 = os, o que ainda ocorre em outro
lugar, por exemplo em V. 450, 2: voss’ amig9 = voss’ amigo.
531. desasperar é a única forma que comparece, nos antigos cancio-
neiros, para o atual desesperar; a sua forma simples asperar é igualmente
frequente, por exemplo em V. 728, 2; 899, 1; 991, 9, e explica-se melhor
talvez pela suposição de uma permuta de prefixo, como temos, em italia-
no, aspettare em vez de espettare. Cf. asperança: 389, 396 etc.

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Notas

Para a expressão que me pes, cf. Af. X, CM. 53, 5: Se non quiserde-
lo fogo, sei eu, verrá a mi, Et que vos pes m’aueredes E-no col a soportar;
G. V. III, p. 73: Não hei de comer, que me pes; Canc. Res. III, p. 174:
Mandai-no-la, que lhes pes; ibid., p. 287.
536. Para a expressão, cf. V. 849, 3: E sal m’este coraçon E estes olhos
chorando.

XXVIII. Com esta cantiga de mensageiro, o rei D. Denis tem lugar único
entre os trovadores portugueses. Uma indicação de tal mensageiro do
amor encontra-se ainda na cantiga d’amigo XCIX.
551. Na língua arcaica, o infinitivo impessoal aparece não raro também
com diferenciação do sujeito, mas ao lado da forma flexionada, enquan-
to o português atual pode escolher entre ambas as formas apenas com
sujeitos idênticos. Cf. PMH. Script. I, p. 187: Os IIII mogotes dos IIII
mil caualeiros que estauam folgados pera prender os cristaãos.
553. Para a lição manuscrita sabeddo, Monaci observa que o segundo d
parece estar riscado. Provavelmente o copista quis fazer um traço no
primeiro d, assim ð = de, através do que obteríamos sabede-lo (d, erro
por l). Diez, KuHp., p. 137, e Monaci, p. 430, leem sabedes lo.

XXIX. De conteúdo e expressão parcialmente semelhantes é uma cantiga


de Joam Coelho, CB. 267, 5-9: Delo dia en que vos non vi, Mha senhor,
nunca depoys vi Prazer nen ben nen o ar veerei, Se non vir vos, en quant’
eu vivo fôr, Ou mha morte, fremosa mha senhor. Cf. Arnaut de Marueil
(MW. I, 151): Quan no ei loc de vos vezer Joi ni deport non puesc aver.
559. Aqui, bem como em 564 e 569, deve-se ler veerei como dissílabo
(cf. também 2480), mas não há por isso qualquer razão, como Diez
parece insinuar (KuHp., p. 119), para riscar um e, pois a grafia não cami-
nha com a pronúncia. Também no antigo francês, por exemplo,
continuou-se a escrever o t onde ele não era mais falado, por exemplo em
Rol. 365: Entret en sa veie, si s’est acheminez.

XXX. 577. O sabe deus do texto não se ajusta corretamente ao contexto e


explica-se por um desdobramento errôneo da abreviatura ðs. A correção
sabedes em vez de sabe deos de Vat. é confirmada por CB.; da mesma
forma em 586, creede em vez de creedes.
578. É frequente na língua arcaica a repetição da conjunção que após
verbos de dizer, saber etc.; cf. 589, 1586, 2543, 2631, 2639; Santo Graal,
p. 39, 35: E quando o escudeiro que staua ante Gallaaz e que todo isto

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ouujra, ujo que aquel que lhe todo contara que era sumjdo, deceo de seu
rocim; ibid., 44, 9; 84, 3 etc.; Afonso X, CM. 65, 44: E por razon tive que em
esta terra dos meos que soffresse desonrra et guerra etc.; PMH. Script. I,
p. 283: E os mouros disserom que esta morte que lhe veera pello pecado
que fez em sa filha.
581-3. Para esta ideia e expressão, cf. Martin Soares CB. 133, 26-8:
Vedes como lhis mentirei: D’outra senhor me lhis farei Ond’ aia mays
pouco pavor.

XXXI. 593. Para este que após exclamações, cf. 873 e CB. 8, 1-2: Deus
que pouco que Eu en aquel uiço vivia; 43, 1-2: Senhor Deus, que coyta
que ey No coraçon e que pesar. Vid. nota a 1257.

XXXII. 618. Uma fórmula fixa; cf, por exemplo, CB. 62, 16: E nunca me
dês leixe bem achar.
621. A comparação é proverbial; cf. amar mais que as meninas dos
olhos e Terent. Ad. 702: Ni magis te quam oculos nunc ego amo meos.

XXXIII. 634. Salvar-se, ‘justificar-se” é uma expressão da linguagem jurí-


dica. Cf., por exemplo, Inedit. de H.P. V, p. 381: E se pedir ioyzo, salvesse
en a cruz sivi terceyro; ibid.: E se o negar e pedir ioyzo, salve seli na
cruz sivi terceyro. Do mesmo modo em espanhol, por exemplo em Pri-
mavera I, p. 157: Don Alonso, y los leoneses, Veníos vos á salvar Que
en la muerte de Don Sancho Non tuvisteis que culpar.
653. Não é raro o emprego de e para ligação de frases a exclamações.
Cf. CB. 55; 1: Por Deus, senhor, e ora que farey? Ibid., 107, 1: Senhor, e
assi ei eu a morir E non mi valrrá hi Deus nem mesura; 177, 1: Ay eu
cuytad’ e porque vi A dona etc.; igualmente 195, 1; 236, 1; 242, 1 etc.;
Af. X, CM. 355, 17: E diss’: Ay, Santa Maria de Uila Sirgo! e quando Eu
fui en ta ejgreia Comprei pera a ta obra Un bon canto, ey-ch’o dado.
Também em Afonso X ocorre frequentemente e como interjeição, por
exemplo em CM. 138, 7: Dizendo: Sennor, Et nembre-te do teu Seruo,
cegu’ e pobre com’ oge iasqu’ eu; 175, 10: E u el assi choraua, Diss’ o
fillo: Ome bõo Padre, et nom vos matedes. [Também entre os poetas
provençais ocorre esse uso. Assim, em B. de Ventad., Choix III, 47: Amors
e que us es velayre! ibid. 59: Amors e que faray? G. de Bornelh, Archiv
XXXVI, 422; Amors, e sim clam de vos. Aimeric de Pegulhan, Choix IV,
62: Bels senher cars, e que farai? Ni cum puesc vius ses vos rimaner?
(C. e A.)]

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Notas

XXXVI. 692. As terminações portuguesas ao, aa, formadas do latim -ano,


-ana, são em geral dissílabas na língua da época e por isso correspondem,
como aqui, a rimas femininas. Só se aceitaria que o n ainda se conservasse,
se aparecesse em rima com palavras como dano, pano, o que não é o
caso. Apenas dialetalmente encontramos ainda formas como manhana,
irmana, maçana etc.; cf. J. Leite de V., Dial. algarv., p. 15; Dial. mirand.,
p. 14, 35 e Revista lusit. I, p. 241-2.
695. Para o uso adverbial de melhor, cf. PMH. Script. I, p. 189: E de
Tremecen hu el era ata hu era el rei Aboamor ha melhor de 400 legoas;
ibid., p. 280: E os cristaãos pereçeron melhor da quarta parte.
699. Já que a forma frol é a única em voga no português arcaico, aqui,
como em XLVIII 2-3, deve ser perfeitamente conservada na ligação com
amor e considerada um caso de assonância. Cf, ainda, V. 454, 32: frol –
pastor. – As sagas bizantinas e bretãs de Blancheflos e Tristan, já conheci-
das dos provençais por volta de meados do século XII, podem ter
atravessado cedo os Pirineus. Dentre os contemporâneos do rei D. Afonso
III, alude a elas Joam de Guilhade, em V. 358: Os grandes nossos amores,
Que mi e vos sempr’ ouvemos, Nunca lhi cima fezemos Como Branca frol
e Flores, Mays tempo de jogadores Ja safou. Cf. CB. 360, 22-24: Ca ja
Paris D’amor non foy tam coitado Nen Tristam nunca soffreram Tal affam.
Também o trovador português Gonçalo Eanes Vinhal, que vivia na corte
de Afonso X, se refere às sagas bretãs em V. 1007, 5 e 1137, 13; igualmen-
te Estevam da Guarda, o chanceler de D. Denis, em V. 930, 19 e Fernam
Esquio, V. 1140, 6-7: A pram será a besta ladrador Que lh’aduram do reino
de Bretanha.

XXXVII. Uma cantiga de Nuno Eanes Cerzeo, CB. 110, tem linha de pen-
samento semelhante.

XL. 787. A expressão impessoal non é pensado, “não é para se pensar


nisso”, aparece nos antigos cancioneiros com bastante frequência. As-
sim, por exemplo, V. 314, 9-11: Mais sol non seia pensado Pero o morrer
ueiades Que me uos por el roguedes; V. 1064, 19-20: Sol non é pensado
Que vos paguedes ren do meu aver; V. 1183, 21: Mays el d’aver molher
non é pensado; CB. 33, 14; 75, 7; Af. X, CM. 88, 11 etc. A par disso
ocorre também a locução pessoal, por exemplo CB. 7, 13-14: Sol non
pensso de vos amar Nen penssarey a meu cuydar.

XLI. Uma estrofe de Affonso Meendez de Besteyros, CB. 327, tem conteú-
do e expressão parecidos: Senhor fremosa, mays de quantas son Donas

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

no mundo, po-l’amor de Deus, Doedevos vos de mim e dos meos Olhos


que choram a muy gram sazom Por muyto mal, senhor, que a mi vem
Por vos, senhor, a que quero gram bem.
804. Meu bem ainda é, atualmente, um nome apreciado para a amada;
assim, por exemplo, na seguinte copla açoriana (Faial): Passarinho: Bate
as azas, Do meu bem busca a morada.

XLII 822. O uso de cousa no sentido de “ser”, “pessoa” era recorrente na


língua arcaica.

XLIII. 831. No português arcaico, que era usado também depois de


preposições com sentido pessoal, onde atualmente se deve usar quem.
Para mais exemplos, vid. glossário.
833. A expressão comprida de bem encontra-se também em provençal,
por exemplo em G. Riquier (MW. IV, 104): Tant gent es de tot be complida.
838. Para o significado de comunal, cf. Af. X, CM. 58, 2: E o que a
Santa Maria praz, Esso fazia sempr’ a comunal.
845. Talvez aqui estivesse que (= qu’em outra molher), como se espera
depois de pos i em 843.

XLVI. 898. Bastante raramente se encontra a rima interna em nossos poe-


tas. No rei D. Denis é encontrada ainda uma vez, em CXXXVIII 2774;
ou ainda talvez em V. 921, 1: Martim Gil, um homem vil.
899. Para trager mal alguem, cf. Af. X, CM. 212, 3: E seu marido
porende Un dia trouxe-a mal.

XLVII. Quanto ao conteúdo desta cantiga, Diez observa, em KuHp.,


pp. 84-5: “Mas o rei não deve ter lido os provençais com atenção, pois as
obras deles desmentem esta censura; por mais frequentemente que con-
fessem o ânimo de poetar no tempo das flores, isto jamais foi requisito
para eles”. (Vid. os exemplos coligidos por Diez em P.T., p. 142).
Porém, uma bela cantiga de Ayras Nunes Clerigo, V. 456, mostra
que também os portugueses se declararam estimulados a compor por oca-
sião da primavera: Cand’ eu passo por alguas ribeiras So boas aruores por
boos prados Se cantam hy passaros namorados E logu’ ali d’amores vou
trobando E faço cantares em mil maneyras.
922. Color = côr aparece ainda com mais frequência nos textos anti-
gos, por exemplo V. 74a 4, 13; 214, 10; 1062, 4, 9, 13, 17, 22; também em
Gil Vicente, por exemplo II 472. O l intervocálico ainda é em parte con-

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Notas

servado dialetalmente, como no açoriano e no mirandês. Cf, para este,


J. Leite de V., Dial mirand., p. 31.

XLVIII. 929. mesurada, “polida”, “cortês” é um dos frequentes participia


perfecti dos verbos transitivos e intransitivos que, nas línguas români-
cas, adquiriram sentido ativo. Assim encontramos, em 1828, desmentido,
“mentiroso”, “falso”; em 2593, desmesurado, “descortês”; em 2658,
ousado, “atrevido”. Dificilmente se contariam aqui perjurado, “perju-
ro”, pois perjurar é utilizado como reflexivo (cf. V. 416, 5; 840, 4) e, em
2013, sospeitada, que também parece figurar como reflexivo, como por
exemplo em Af. X, CM 26, 1: Poren de sen me sospeito Que a quis
auondar. Como outros exemplos do português arcaico, citem-se aqui ainda
os seguintes: apercebudo, “cauteloso”; entendudo, “sensato”; descreudo,
“incrédulo”, em Af. X, CM. 397, 4: O om’ entendudo Foi e de bon sen E
apercebudo De guardar muy ben O mouro baruudo Fals’ e descreudo;
mandado, “obediente” (cf. português moderno malmandado, “teimoso”)
PMH. Script I, p. 278: El pera sempre lhe seria mandado e obediente em
todalas cousas; recreudo, “covarde”; Santo Graal, p. 141, 18: Me terriam
mais que recreudo se uolla (i.e, a demanda) nom defendesse. Para com-
provações de outras línguas românicas, refira-se Diez, RG. III4, pp. 264-5,
e Tobler, VB., pp. 122-134.
934. Aqui poder-se-ia esperar em que (cf. 959, 1138), mas, como ainda
hoje em tais cláusulas temporais, na língua mais arcaica o relativo que
podia também com frequência representar o seu antecedente numa ora-
ção relativa, sem especificar a relação exata daquele com esta. Assim em
V. 717, 1: Sazon sey eu que (= na qual) non ousey dizer; no Santo Graal
p. 32, 32: Ajuda ho creeram tal hora que nom poderam hi poer conselho;
no Canc. Res. II, 298: Outras horas que nos pes Pola terra estar muy soo;
em V. 485, 12: Pola força que (= com que) vos prender vi; no Santo
Graal, p. 45, 19: E uos sabedes qual he o costume que (= com que)
fazem cavalleiro novel. – Em outros casos, a posição mais exata que o
antecedente deve ocupar quanto à oração relativa é especificada poste-
riormente, por meio de um pronome pessoal ou possessivo nela contido.
A esse caso, no nosso texto, corresponde 1421. Assim Af. X, FM 1, 29:
E logo que foi uiuo No corpo de sa madre, Foi quita do pecado Que Adan
nosso padre Fezera por consello D’aquel que, pero ladre Por nos leuar
consigo, A porta ll’é serrada Do inferno (= a quem); no Santo Graal,
p. 77, 17: Ella foi tam spantada que disse logo: “Ay catiua, que é esto que
uejo, nom é elle caualeyro dos caualeyros andantes que (= dos quaes)
dizem que sam namorados, mas he d’aquelles que a sua vida e a sua

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

lidiçe (= cuja vida e lidiçe) he sempre em penjtencia; no Canc. Res. II,


p. 539: Rreneguo dos que lh’ aprazem (= aos quaes) Os rroins mays que
os boons. Desse uso tratam Diez, RG. III4, pp. 379-381, e Tobler, VB.,
pp. 102-110.

XLIX. Para a ideia deste poema, cf. a fiinda de V. 479, 28-30: E destas
coitas que sofri A mayor escolher nom sey Pero sey ca mui graves som.

L. 973. Em vez da colocação usual, certamente popular, pola ir veer, aqui


deveria talvez constar: ir pola veer.
975. Para a expressão, cf. 2225 e V. 1161, 23-24: Irad’ ouve nostro
senhor Quem vos oiu e vos desejou. – O significado temporal de u =
quando (cf. 1686) é frequente. Em V. 267, 19: Husse de mi quitou; 990,
8: Hume d’ ela partia; 15: Husse ya; em V. 1171, 8: Disse-mi hume del
parti; comp.1: quando; em 1177, 13-14: E hu forom polo vender
Preguntaromno em gram sem. – No Santo Graal, p. 5: Hu querriam sair
do mosteiro, vju ante hua camara Boorz e Lionel armados; ibid., p. 131:
Hu quis ferir seu irmãao, oujo uma voz que lhe disse; em Foro de Beja
(Ineditos de H.P. V, p. 505): Custume he que hu ouver nembro tolheito,
que lho devem correger, segundo qual pessoa for; no Canc. Res. I, p. 14:
Mas nam he ja cousa nova Sospirar com mal d’amores; Ca, u sse paixam
rrenoua, Sospyrar me leva a coua Com seus grandes desfavores.
978. Nom saber parte nem mandado é expressão corrente na língua
arcaica, cujo verdadeiro sentido de “não ter relato nem notícia de al-
guém” se evidencia, por exemplo, em V. 1165, 15-17: Logar achou, qual
avia mester, U nom saberá parte nem mandado De nulh’ome se d’alhur
nom veer. Em nossa passagem, como de costume, o sentido é figurado:
“não saber aconselhar-se”, “estar inconsolável”. Cf, para isso, 982 e
V. 870, 10-11: Que nom dorme nem a sem consigo, Nem sabe de si parte
nem mandado. Passagem semelhante à nossa consta em Canc. Res. I,
p. 413: Tanta pena que de mym Ja nam sey parte nem arte; e o açoriano
ainda hoje fala assim.

LI. 1012. Moura desenvolve o aguado do manuscrito em aguardo, mas a


palavra não satisfaz nem à metrica e à rima, nem ao sentido. É preferível
ler aja grado, de que resulta o seguinte sentido, muito bem adaptado ao
contexto: E, amada, nem sequer creiais, mesmo que me désseis a morte,
que poderia haver para mim recompensa que mais me satisfizesse. Esta
expressão é um dos mais apreciados lugares-comuns das cantigas de
amor.

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Notas

LII. Ideias e expressão desta cantiga soam, ostensivamente, como uma de


Affonso Lopez de Bayam, em V. 6; especialmente 12-16: Se m’eu a
Deus mal mereci Nom vos quis el muito tardar Que se nom quizesse
vingar De mim hu eu tal dona vi Que me fez filhar por senhor. Cf., para
o refrão, também o início quase literalmente análogo de uma cantiga de
Pero Garcia Burgales, CB. 194, 1-3: Se eu a deus algun mal mereci
Gram vingança soub’ el de mi prender Ca me faz muy boa dona veer...
1015. A emenda desta passagem resulta da frequência da frase aver
sempr’ a desejar. Cf. 1046, 1387 e V. 650, 22: Averei sempr’ a desejar
vos etc.; 654, 31: Vos ei ja sempr’ a desejar; 639, 8: Ides-vos e fiqu’ eu
aqui Que vos ei sempre muit’ a desejar.
1028 (cf. 1344): Para a expressão par de morte, cf. PMH Script. I,
p. 228: E dom Vaasco era tam mal ferido que o teuerom em par de morte.

LIV. O poema consiste de três estrofes de sete versos cada, cuja primeira
tem o seguinte esquema de rima: ababbbb. No verso 7, o texto transmi-
tido assim como o sentido falam a favor de nunca ar averei p.e.s., de que
resulta um decassílabo. A este corresponde também o último verso, igual-
mente decassílabo, da terceira estrofe, que, em relação ao número de
sílabas dos respectivos versos, tem a mesma construção da primeira es-
trofe, apenas com outra sequência de rima. Esta é ababccb, se se
estabelecer o verso 19 com as duas sílabas faltantes e, ao mesmo tempo,
a rima com se nom por meio do acréscimo de entom. Na segunda estrofe,
para o último verso deve-se esperar também um decassílabo, e sem dú-
vida adicionar, ao primeiro hemistíquio, uma expressão dissílaba como
contraponto a nenhum, talvez muito ou mui gram. Para a expressão, cf.
por exemplo CB. 181, 2: E de mha mort’ ei eu mui gram sabor; ibid., 28:
E de que moiro, gram prazer end’ ei. Note-se, ainda, que às rimas mas-
culinas 5-6 da primeira estrofe e 18-19 da terceira correspondem rimas
femininas na segunda estrofe, uma irregularidade que não raras vezes os
trovadores portugueses se permitiam. Poemas de versos mistos como
este não são incomuns em nossos cancioneiros; em nossa coletânea, ci-
tem-se ainda: LI, CXVII e CXXXVIII.
1059. Na língua arcaica, cor ainda tem frequentemente o significado de
“coração”. Cf., por exemplo, 2431 e V. 356, 2: E crece m’end’ unha coita
tam fera Que nom ei o cor comigo; CB. 20, 22: E nunca mais do meu Cor
perderei mui gram coita. Mas, além disso, como menciona Viterbo em
Elucid. s.v., a palavra também significa vontade, sentido que ainda hoje
encontramos dialetalmente; vid. J. Leite de V., Dial. interamn. VIII, p. 13.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

LVI. Joam Coelho expressa uma ideia bastante similar em CB. 266, 16-19:
E se m’ela fazer Quizesse ben, non queria seer Rey nem seu filho nem
emperador Se por hi seu ben ouvess’ a perder.
1102. Nos textos antigos, encontra-se com frequência ifante em vez de
infante, como em V. 707, 9; 1145, 4 ; Canc. Res. II, p. 72; Gil Vicente II,
p. 358, III, p. 347, 348, 356; Sá de Miranda 150, 357, 479; contudo, em
território português não é conhecida a queda de n no grupo nf.

LVII. A ideia do papagaio como mensageiro do amor, D. Denis talvez a


tenha colhido em Novas del papagai, de Arnaut de Carcasses, cujo con-
teúdo, porém, é bastante distinto do da nossa pastorela. Mesmo a forma
papagai, em 1130, 1143, 1147, é provençal.
1136. antre, em vez do atual entre, é a forma usual na língua arcaica e
encontra-se ainda em Sá de Miranda, por exemplo em 101 3. Dialetal-
mente, conservou-se até hoje no Minho e na Galiza; cf. Revista lusit. I,
p. 220.
1146. Monaci, C.A.P. X, lê aqui de verdade e interpreta a palavra, por-
tanto, como uma expressão adverbial. Porém, di é o antigo imperativo
para dize e aqui tanto mais para se acolher, pois que de outra forma a
oração não teria nenhum verbo. Cf. ainda V. 913, 3: Di-me, doutor, etc.;
Gil Vic. II, p. 31: Di, rogo-te, Cismeninha etc.
1144. Senhora, para cuja forma Cornu, em Grundriss I, p. 790, nega a
existência na língua dos antigos cancioneiros, é aqui sem dúvida correta,
pois nesta posição é amparada tanto pela rima quanto pela medida, como
em 1149. Cf. ainda V. 26, 22-3: Dacolo bem de Çamora Hu lhe quis
chamar senhora; V. 800, 9: Madre senhora se Deus mi perdom, onde a
lição parece inteiramente segura.

LVIII. 1153. O sentido da expressão poer no coraçom é, como resulta da


comparação das passagens seguintes, “propor-se”, “decidir-se”. V. 217,
4-5: E pux no coraçom que fale vosco; CB. 286, 6-7: Quant’ eu pugi no
coraçom Mi fez ela desacordar; Af. X, CM. 105, 4: E no coraçom pos de
nom casar.

LIX. A mesma expressão encontra-se ainda em CB. 53, 24: Áque-m’en


vosso poder; ibid., 245, 5: Áque-m’ aqui em vossa prizom. Na língua
antiga, áque ocupa o lugar do atual eis (ecce). Além dos exemplos já
citados, cf. ainda V. 1163, 18: Ca em pouco de sazom Áque-m’um
infanzom; Af. X, CM. 13: E aque vo-la aqui, Que me nas mãos sofre;

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Notas

97, 6: Vin quanto pud’, e áque-m’aqui; no Santo Graal, p. 17: E elles


d’esto fallando áque-vos vem huu scudeiro; ibid., p. 16: Em todo esto
aque vos el rey sayo contra elle. Aque ainda agora é popular na exclama-
ção áque d’el rei, que F.J. Freire menciona, em Reflexões II, 16, na
significativa escrita ah! que d’el rei. O acento está na primeira sílaba, com
o que coincide ainda hoje a pronúncia popular de Lisboa, na qual, como o
senhor A. R. Gonçalves Viana me deu ocasião de ouvir, a segunda sílaba já
quase não se ouve. Áque deriva, como o italiano ecco, o antigo francês e o
provençal ec, de eccum, particularmente apreciado na Península Hispâni-
ca. (Cf. Köhler, WA. V, p. 22). A par de áque, já no Santo Graal ocorre, de
resto, o composto aqui (eccu’ hic); cf. o atual aqui d’el rei!
1178. Ao lado de dixi, utilizado exclusivamente nos cancioneiros, não
raras vezes aparece nos documentos dissi, por exemplo em PMH. LC. I,
pp. 269, 273, 286.

LXII. Para este pensamento, cf. CB. 305, especialmente o refrão: Mays
Deus que tolh’ as coitas e as dá, El dê gram coit’ a quem coita nom a.
1258. Compreenda-se conhocer, aqui, como substantivo com o senti-
do de mesura, que a palavra tem frequentemente na língua dos antigos
cancioneiros, ao lado do de saber. No primeiro significado, encontra-se,
por exemplo, em V. 622, 7: Vós nom seredes tam sem conhocer;
CB. 318, 11: En perder vosso conhocer En mjm e non guaanhardes ren;
ibid., 403, 19. No sentido de saber, aparece em V. 370, 1-2: Ay amigas,
perdud’ am conhocer Quantos trobadores no reyno som; ibid., 440, 8-9:
Pero quero o começar E forçar hi meu conhocer; ibid., 549, 18: Quant’ é
meu conhocer; cf. ibid., 532, 7; 643, 22; 1174, 20; 1194, 14; CB. 66, 3.
PMH. Script I, p. 230: E os homens que nom som de boo conhocer, nom
fazem conta do linhagem. Também conhocença ocorre com sentido de
saber, CB. 36, 28: Se ali cousimento val ou hi conhocença nom fal.

LXIII. Uma cantiga de Bernal de Bonaval, V. 662, trata da mesma ideia de


modo bastante similar.
1257. Nesta passagem, bem como em 1754 e 1791, temos exemplos
dos muito numerosos casos em português nos quais que liga orações a
expressões adverbiais de invocação, de juramento, de afirmação, de de-
terminação temporal, de espécie e modo, de assombro, e a interjeições.
(Cf. Tobler, VB., pp. 51-54). Seguem alguns exemplos: 1) Esconjuro,
garantia (como, em nosso texto, 1754) CB. 54, 22-23: Gram mesura,
fremosa mha senhor, Per boa fe que vos Deus fez aver; Santo Graal,
p. 82, 5: Pela ffe que eu deuo a meu senhor e a meu jrmaão Lançarot que

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

a nom matamos nos; ibid., 135, 16: “Beento seja Deos que vos aqui adusse
a esta sazom! Certas ca muyto me era mester, como vos eu contarey; Canc.
Res., p. 89: Que se bõoas as levou, A osadas que nam menos t’as pegou;
Gil Vicente III, 158: Bofá que me praz, molher; Ulisippo, p. 15: Certamen-
te que os homens parece que não estudais senão em cuidar etc.; Queiroz,
Os Maias II, p. 214: Claramente que sabia, por isso chorava – dizia Melanie.
2) Afirmação. O Positivismo III, p. 232: Aqui, sim, que ha um puro senti-
mento. 3) Determinação temporal, com desde. E. Rebello, Notas açor. II,
p. 25: Desde 1744 que havia fome no archipelago açoriano; J. Leite de V.,
Endovellico, p. 1: Desde o século XVI que são conhecidas inscripções em
honra do deus lusitano Endovellico. Assim, também em espanhol, por
exemplo Primavera I, p. 201: Desde el miercoles corvillo Hasta el jueves
de la Cena que el rey no hizo la barba. 4) Espécie e modo. Afonso X,
CM. 317, 8: E quando as portas sarradas achou, Per poucas que de sanna
sandeu tornou; O Positivismo II, p. 453: Em compensação quasi que pode-
mos affirmar que em Portugal se encontram variantes dos principaes cyclos
conhecidos; Revista lus. I, p. 155. A diversidade de meios, gostos e
circumstancias, em que se ellas cantão, por força que hade influir nellas.
5) Exclamação. H. Rom. II, p. 39: Eis que aos pés da Virgem Santa D’agua
uma fonte se abria; Coelho, Cont. pop., p. 26: Eis que de repente lhe
appareceu Brancaflor.

LXV. 1293. Aqui, a forma quejanda não é admissível por causa da rima,
mas parece ter sido, ao tempo, a mais recorrente; cf. CB. 60, 6-7:
quejandas.
1301. Para o significado de ja quanto, “um pouco”, “algo”, “um instan-
te”, cf. V. 978, 14: Ca muitas vezes ficades entos E faz-vos peyor talhado
ja quanto; 1127, 6: E esta dona puta é ja quanto; Santo Graal, p. 8: El rei
que entendeu que (Lançarot) auya ja quanto de pessar, disse...; Gil Vicente
III, p. 131: Mais gado tenho eu ja quanto. Cf. o emprego semelhante de ja
que em V. 1197, 1-3, Af. X, CM. 718, Santo Graal, p. 74, 20; 117, 18.

LXVI. 1326. Em ca mi temos o caso de um fenômeno certamente não raro


nas línguas românicas, em que o caso objeto do pronome pessoal tônico
toma o lugar do nominativo como forma absoluta, enfática. Aqui, so-
mente alguns exemplos onde isto ocorre depois de advérbios
comparativos; V. 538, 13: Ouço dizer dos que nom am amor Que tambem
podem jurar que o am Ant’as donas, come mi ou melhor mais; CB. 141,
15-19: Ca se vos virom, mha senhor, Ou vos souberom conhocer, Deus!
com’er poderom viver E-no mundo jamais desi Se nom coitados come

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Notas

mi; CB. 219, 10-14: E muit’ amada pero que nom sei Quem a tam muit’
ame come mi; Af. X, CM. 15, 4: Que mui mais sei eu ca ti assaz; Livro
de Linh., tit. XXI: Porque mataste aquelle mouro que era melhor que ti;
Ineditos dos sec. 14-15, I: De quantos matára per obra e per vontade,
quem sabe o conto tambem come ti? Santo Graal, p. 14, 12: Ca tu vees
que milhor cavalleiro ca ti a guanhou; ibid., p. 141, 23: Sodes milhor
caualeiro e mais ardido ca mjm; Gil Vicente III, p. 391: Porque tal fui
coma ti. Cf. J. Leite de V., Dial. beir. I, p. 7: “Na Beira é vulgar coma
mim equivalente a como eu (coma é uma forma paralela, arcaica e diale-
tal, de como)”. Também como predicativo aparece o pronome na forma
objetiva; assim consta em Gil Vic. I, p. 318: Se eu a ti fosse, leixaria o
gado; ibid., III, p. 328: Que tu és e ella he ti; modernamente, por exemplo
Queiroz, Os Maias, II, p. 150: Eu, se fosse a ti, ia-me ao Damaso... Mas
também a forma objetiva surge no lugar da subjetiva, como por exemplo
em V. 358, 16-17: Os grandes nossos amores que mi e vós sempr’
ouvemos; Gil Vic. I, p. 167: Ora vamos eu e ti Ó longe d’esta ribeira...
onde atuam lado a lado nominativo e acusativo. Vockeradt, em Lehrbuch
§ 185, dá exemplos italianos deste fenômeno.

LXVII. 1347. Aqui, como em 1558, gram é advérbio (= mui). Assim,


V. 330, 1-2: Falss’ amigo, per boa ffé M’eu sey que queredes gram bem
Outra molher; V. 663, 30: As cousas que gram bem quer; PMH. Script. I,
p. 276: E disse a gram alta voz; Santo Graal, p. 108, 7: Ay Deus, como
esto foy gram maa ventura.

LXVIII. Quanto à ideia e à construção, compare-se esta cantiga a uma de


Martim Soares, CB. 124.

LXIX. 1404. Perder o corpo é uma expressão muito recorrente, cf.


CB. 186, 26-28: Porque ei medo no meu coraçon, Poisque o corpo perço,
de perder, Meus amigos, quanto vos eu direi; CB. 187, 9: O corpo perç’
e quant’ é meu cuidar; cf. 223, 14; 334, 6; V. 590, 6 etc. [Nessas passa-
gens, o corpo é uma perífrase figurada, enfática, do pronome pessoal,
comum na linguagem do tempo. Assim diz Denis num documento (Mon.
Lusit. V, 263b): E mando aos moradores dessa Villa que o (i. e., D. João
Afonso) tenhão no logar em que terião o meu corpo. Cf. ibid. VI, 208d e
241b: Pero que meu corpo nom deve ir sobre mar em vosso serviço me-
nos que com 3 galés; ibid. 243a: Assi como fariam por meu corpo mesmo
se hy fosse. – PMH Script. I, p. 266; H. Romanc. II, p. 16: E mais, terá o
meu corpo Para te ir acompanhar. – Tem interesse a seguinte passagem,

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Foros da Guarda (Inéditos V, 414): Todo home que dixer “lidarchoey”


(= lidar-t’o-ey) ou “farey do meu corpo ao teu, que assi é como eu digo”,
peyte 10 maravedis aos alcaldes. – O mesmo uso em francês antigo é
tratado por Tobler, Verm. Beitr., pp. 27-32. (C. e A.)] – perço. As belas
formas analógicas perço = *perdeo, perçades (1752) = *perdeatis, que
Cornu não menciona em Grundriss I, p. 802, são muito mais numerosas
nos documentos e nos antigos cancioneiros do que as ainda inexplicadas
perco, perca etc.; certamente de uso exclusivo em Afonso X, parecem,
contudo, andar completamente perdidas também nos dialetos.

LXX. 1421. que ao parecer seu = a cujo parecer. A mais precisa relação,
em que está pastor para o predicado da oração relativa, é aqui dada não
tanto pelo que quanto pelo pronome possessivo, referente a outra parte
da oração relativa. Na seguinte passagem, um pronome pessoal auxilia a
marcar mais de perto essa relação: Canc. Res. II, p. 509: Outros sey que
vão chamar Suas mays “minha senhora” Que (= aos quaes) muyto milhor
lhe fora Tal cousa nunca falar. Acerca deste e de outros modos de utiliza-
ção desse advérbio relativo que nas línguas românicas, vid. Diez, Gramm.
III4, pp. 379-381, e Tobler, Verm. Beit., pp. 102-111.
1429. destorvar, o mesmo que o provençal destorbar, ocorre também
nos documentos portugueses, junto do hoje corriqueiro estorvar, por
exemplo em PMH. Leges et Cost., pp. 869, 871, 881 etc.

LXXI. 1452. Para o significado de femença (vehementiam), “investigação


zelosa”, cf. V. 555, 1-2: As mhas jornadas, vedes quaes som, Meus ami-
gos, meted’ i femença; 998, 18: E meos sab’ u mete mais femença. Daí o
verbo afemençar, “espreitar”, “enxergar”, como em Gil Vicente II,
p. 15: Naõ afemenço eu aqui Bom logar onde me assente. No significa-
do original, “entusiasmo”, “fervor”, femença aparece ainda em Afonso
X, CM. 167, 1: Quen quer que na Virgen fia, et a roga de femença,
Valer-ll’a, pero que seia D’outra lee e creença; cf. Canc. Res. II, 44: Que
toda minha femença He fazer quanto amor manda.
1455. Cf. V. 1044, 15: Par des que nunca mentiu. Esta frase, em
provençal e no francês antigo, é um frequente atributo de Deus; por exem-
plo, em Flamenca 5854: Bel sener, cel qu’ anc non menti...Vos salv’ eus
gart...; Huon de Bord. 585 (citado de P. Meyer): Gerars, biau frere, pour
Dieu qui ne menti.
1460. que a coitados val, uma expressão fixa, que Af. X aplica à Mãe
de Deus, por exemplo em CM. 91, 3: Pola Virgen que aos coitados val.

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Notas

1477. vel, “contudo”, “ao menos” (cf. Diez, loc. cit., p. 134, e EW4,
p. 696) encontra-se com frequência nos antigos cancioneiros; por exem-
plo, em V. 1116, 7-8: E nom est ua velha nem som duas, Mais som vel
centas; ibid., 1124, 7; CB. 281, 15; T. e C., p. 9.

LXXIV. 1505. Para o significado de ficar por alg. de fazer alg. c. cf. Santo
Graal, p. 81, 12: Por mjm nom ficará (= “a mim não há de faltar”); ibid.,
p. 131, 25: “Ja nom me ajude deos”, disse Lionel, “Se uos eu mercee
ouuer, se mais posso ca vós; ca nom ficou por vós de eu morrer”. Cf.
ainda V. 221, 14.

LXXVI. De forma semelhante trata da mesma ideia uma cantiga de Joam


Ayras de Santiago, V. 541, cujo início poderia estar aqui: “Desej’ eu bem
aver de mha senhor, Mais nom desej’ aver bem d’ela tal Por seer meu
bem que seia seu mal...
Como observa Monaci, pp. 481-2, a disposição das rimas nesta
cantiga, transmitida de forma muito defeituosa, e cujo texto em parte desafia
bastante o restabelecimento, é nas três estrofes nitidamente ababcc*.
1550. Este possessivo pleonástico é apreciado na língua arcaica.
Assim, em PMH. Script. I, p. 227: E el a seu rogo d’eles recebeo por
hermaão; ibid., p. 253: E elle veemdo que seu feito d’el rei nom era
senom combater a villa, disse etc. De tipo ainda mais parecido são
casos como os seguintes. PMH. Script. I, p. 488: Ay uelho, oie perdiste
o teu nome que auyas em toda Eyropa; ibid., p. 189: Senhor, porque
desemparaste e mouiste mea nobreza e mea honra que eu havia sobrelos
Reis d’Africa! Esse uso é frequente também em espanhol; assim, por
exemplo, SMaria Eg. (Rivad. 57, 317a): A sus piedes de ella se echó;
Sold. Pind. (Rivad. 18, 279b): Soy de su propria tierra del hombre que
habeis visto; PCid. 1427: A dona Ximina e a sus fijas que ha.
1553. A correção veesse em vez de deesse é confirmada por CB.
1554. Talvez se deva ler: é que eu desejaria; i.e., mas o que poderia
ser..., é o que eu desejaria etc.
1556. Bisuha, em que se deve colocar o predicado de tal bem, traz
dificuldades. CB. tem uijnha proveito, depois do qual se deveria espe-
rar a preposição de; mais corretamente, tijnha p. deveria estar no sentido
de tijnha prol. Cf. CB. 31, 18: Quam pouco proveito me tem De vos
dizer etc.

* O resto do período foi retirado, de acordo com C. e A. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

1557. Também CB. traz dereito.


1559. O sentido e a métrica falam a favor de deseja, para o que, entre-
tanto, não se oferece nenhuma palavra rimante em 1561; ou deve-se ler
talvez desejar, em atenção a cobrar?
1560. Sfrom é totalmente incompreensível, mas rima com coraçom. Fal-
tam ainda ao verso, além disso, três sílabas. Talvez aqui estivesse sem
razom, o que satisfaria tanto ao sentido quanto à métrica e à rima.
1562. É ininteligível; a última parte talvez seja: o moor galardom, pala-
vra que, ao menos, atenderia à rima.
1563. Da hi também é incompreensível.
1564. Em vez de atento, será melhor ler contento, como CB.
1567. Minha em lugar do sem sentido in susa é comprovado por CB. O
conteúdo de toda esta terceira estrofe é: “quem, de outra maneira, deseja um
favor de sua dama, não é verdadeiro amante (portanto não tem o saber d’amor),
mas um indigno, que por isso sempre se esforça por levar a maior recompen-
sa tão rápido quanto possível”. Deste modo, prossegue o rei, amo mais de
cem, contudo sem servir a nenhuma delas de todo o coração.

LXXVII. A antiga lírica francesa também conhecia cantigas d’amigo ou


cantigas femininas, parecidas com as que aqui se seguem; vid. nº. 4, 6,
33 em Wackernagel, Altfrz. Lieder und Leiche.

LXXIX. Surpreendentemente parecida no conteúdo e na expressão é


V. 295.

LXXXII. 1671. O significado aqui advindo pelo emprego do substantivo


posse, que tinha, especialmente antes, como exclusivamente hoje, o sen-
tido de “propriedade, “desfrute”, por exemplo na expressão tomar posse,
conservou-se ainda, na língua moderna, no plural posses, “poder”, “re-
cursos”. Assim se diz, por exemplo, cada qual segundo as suas posses,
“cada um segundo suas forças”. Cf. o deverbal italiano possa, de igual
significado, por exemplo em Dante, Inf., c. 31, 56.
1673. Para oje tercer dia, cf. CB. 441, 12: d’oj’ a tercer dia; V. 946, 1:
Tercer dia ante natal; 960, 5: Demays dizia que tercer dia En cas de Don
Corral o burges viria. A expressão designa um prazo mencionado nos
documentos; assim por exemplo em Foros de Santarem (Ineditos de H.P.
IV, p. 541): Costume he, se ando em preyto dante os alvazijs, que se me
demandarem per dante eles que peça prazo de tercer dia, e ave-lo-a; ibid.,
p. 557: Costume he que de força nem de ferida nom deve aver tercer dia.

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Notas

LXXXIII. A ideia básica deste poema lembra espontaneamente a seguinte


passagem em Flamenca, de onde o poeta deve tê-la retirado, 4243 ss.: E
donna deu son cor rescondre Sivals de primas tan e quant, C’om non
conosca son talant; E deu motz dir d’aital eganza Que non adugon
esperanza Ni non fasson desesperar. Cf. ibid., 5027-9: Respondet li un
mot doptos Quil fassa bon entendement El don’ amor ab espavent.
1688. plazer, que ainda frequentemente se encontra nos antigos can-
cioneiros, ao lado do regular prazer, por exemplo em V. 509, 3; 1146,
1; CB. 20, 23; 63, 3; 103, 11 (cf. plaze, CB. 9, 1), pode ser uma forma
erudita, mas talvez também dialetal. É encontrado com frequência nos
Foros e Costumes de Castel Rodrigo (em P.M.H. I, Leges et Consuetu-
dines), portanto em um dialeto na fronteira da Espanha. – Porém, o l
talvez possa ser mero erro de grafia por r, como sela por será, em
V. 813, 13.
1690. Já que CB. tem treuo tanto em vez de ereuo tado, então talvez se
deva ler esse verso: Ca m’atrevo tanto no feito seu, ou seja, “que tanto
me meto em sua demanda”, junto ao qual, sem dúvida, pesa a repetição
de ca no início dos dois versos 1690 e 1691. Para a expressão, cf. V. 563,
9: Por voss’ amor em que m’eu atrevia.

LXXXV. 1732. O significado de enfinger-se, em cujo lugar Moura, p. 130,


erradamente leu confinger, apresenta-se a partir de passagens como as
seguintes: V. 354, 6: E vistes vos a que s’enfengia; cf. 11: sabedes vos o
que se gabava; 616, 3, 9; 778, 2; 1024, 1-2: Joam Garcia tal se foy loar E
enfenger que dava sas doas etc.
1737. Aqui, como em 1795, fica melhor a medida do verso acrescentan-
do-se a conjunção e, com a qual a fiinda, usualmente, começa. Cf. 2115,
2259, 2323, 2422, 2460, 2554.

LXXXVI. 1740. (cf. 2109) Para o uso adverbial de aficado, cf. Af. X,
CM. 11, 8: Mas un angeo corria A alma prender Led’ aficado (muito
contente); ibid., 224, 3: Logar mui sant’ aficado U muitos miragres fez.

LXXXVII. 1761. Para o refrão, cf. Flamenca 6302-3: Avans volria el morir
Ques eu soffris anta ni dan.
1769. Também Afonso X usa a forma feze, por exemplo em CM. 25, 14.

LXXXIX. 1797. Para a expressão, cf. V. 781, 7: Bon dia ueio pois vos vej’
aqui. Da mesma forma mal dia significa “má sorte”, como em 2009 e

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 799, 2: Aquel que eu por meu mal dia vi. (cf. o ital. malanno). Daí bon
dia como forma de saudação e felicitação, por exemplo em V. 726, I:
Fremosas, a Deos grado, Tan bon dia comigo! Cf. Ulysippo, p. 24: Assi
que estes são os remedios que se dão pera guardar tão perigoso gado, e
tão bon dia se bastam.

XC. A mesma estrutura estrófica, com a mesma alternância de rimas em i e


a, de amigo e amado, e finalmente também o mesmo refrão tem a se-
guinte cantiga popular de João Zorro, um contemporâneo do rei D. Denis,
V. 753, da qual se seguem, aqui, as três primeiras estrofes:
Per ribeira de rio
vi remar o navio
e sabor ei da ribeira.

Per ribeira do alto


vi remar o barco,
e sabor ei da ribeira.

Vi remar o navio
i vai o meu amigo,
e sabor ei da ribeira.

1823. Neste verso do refrão, por causa da métrica, deve-se provavelmente


ler de amor em vez de d’amor, com F.A. Coelho (Chrestom., p. XLIX).
1837. per seu grado daria uma sílaba a mais. Deve-se talvez ler a seu
grado, como V. 843, 6: E poys m’el foy a seu grado mentir; CB. 110, 6-7
(refrão): Mays est’ ao meu grado Muy ben será jurado.

XCI. Encontram-se diálogos semelhantes entre mãe e filha em V. 417, 423,


434, 464, 683, 725, 823 e 857. – Para o alexandrino, cf. CB. 329: O meu
amig’, amiga, que me gram bem fazia.
1841. alva deve ser compreendido como expressão adverbial (= á alva),
“de madrugada”, “logo cedo”. Cf. 1882 e V. 1049, 6: Alva, abriades-
m’alá. Seria um contraponto para a forma adverbial alparda, “de noite”,
que encontrei no dialeto açoriano. – Diez, em Ku.Hp, p. 99, explica liero
como tendo se formado a partir de ligeiro = leviarium, em cujo caso o g
intervocálico, ainda que secundário aqui, teria sido tratado como em le-
genda = lenda, sigillum = sello, legitimum = antigo lidimo.

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Notas

1846. Encontra-se frequentemente nas cantigas a cinta como penhor de


amor. Em V. 505, 16-17: Mhas cintas das fivelas Eu nom vos cingerey;
689, 5-7: Dix’eu logo: Fremosa donzela, Queredes vos mim por enten-
dedor? Que vos darey boas toucas d’Estela e boas cintas de Rocamador;
cf. V. 943, 5-7; CB. 48, 19; 374, 15-16. – Os provençais também conhe-
ciam esses penhores amorosos. Cf. Breviario d’amor (f. 8): Don centura
propriamen Liam d’amor signifia; – Peire Vidal (MW. I, p. 227): Don
n’ai mais d’un pauc cordo Que Na Raymbauda me do Qu’el reys Richart
ab Peitieus...

XCII. Com relação à assonância e, em parte, também à expressão, compa-


re-se XCIV e V. 507, 1-3: O anel do meu amigo Perdi o solo verde pino,
E chor’eu, bela etc.
1857. “La feuille et la fleur”, diz Gubernatis em Mythol. des Plantes,
p. 141, “messagères d’amour sont un lieu commun dans la poésie
populaire”, e adiante, p. 151: “Combien de présages pour leurs noces les
jeunes filles de tous les pays cherchent encore dans les fleurs”. Em uma
cantiga popular de Pero Meogo, V. 792, pede-se notícia do amado aos
cervos, e em duas cantigas de Martin Codax, às ondas do mar, V. 884:
Ondas do mar de Vigo Se vistes meu amigo; V. 890: Ay ondas que eu
vim veer Se me saberedes dizer. – Para a ligação da pergunta indireta
com a criatura diretamente invocada, cf. ainda V. 887: Ay Deus, se sab’ora
meu amigo.
1860. Na forma f(o)lores, cujo primeiro o talvez deva seus parênteses
ao copista italiano (o mesmo em V. 209, 13), pode-se divisar um caso de
suarabácti tão frequente em português. Cf. J. Leite de V., Dial. interamn.
III, p. 10: felores, afelita (= afflicta), pelanta, e Cornu, em Grundriss I,
p. 777.
[1869 e 1872. polo talvez se deva medir como monossílabo (= p’lo).
(C. e A.)]

XCIII. Tanto em relação à forma como à expressão, coincide esta cantiga


com uma de Pero Meogo, V. 793, de que segue aqui a primeira estrofe:
Levou-s’ a velida, Vay lavar cabelos Na fontana fria; Leda dos amores,
Dos amores leda.
1884. As seguintes passagens são suficientes para deduzir que o alto seria,
aqui, uma expressão popular para “caudal”, “torrente montanhesa”:
V. 757, 1: Pela ribeyra do rrio; 5: Pela ribeyra do alto; V. 759, 1: Jus’a lo
mar e o ryo; 5: Juso alo mar e o alto; V. 797, 14: Nunca vi cervo que
volvess’ ao rrio; 17: Que volvess’ ao alto; cf. 8: Cervos do monte a

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

augua do monte volviam; G.V. III, p. 276: De lá venho, madre, De ribas


de hum rio; De lá venho, madre, De ribas de hum alto.
1888. Como indica a expressão paralela camisa, em 1883 e 1891, com
delgada o poeta terá pensado em uma camisa ou peça de vestuário seme-
lhante, de fino linho. Em Du Cange encontra-se, s.v. Valenbrunum, a
seguinte passagem: Rainardus Abbas Cisterciensis in Instit. Capit. Cist.,
cap. 83: Ponamus delicatas vestes et nullus deinceps Isenbruna, saia,
Valenbruno vel ejusmodi aut etiam subtilioribus pannis utatur. Da fre-
quente ligação de delicata com vestis pode ter-se originado um substantivo
delicata, como foi o caso com subtile, de significado semelhante.

XCIV. 1921, Vid. a forma simples de baiosinho em um refrão de Afonso X,


CB. 368, 3: Quem leva o bayo nom leixa a sela.
1929. A forma treides ainda não está explicada. Cornu, em Grundriss I,
p. 799, menciona este imperativo, que ocorre também sem o reflexivo,
sob os infinitivos trager e trazer, dos quais, porém, a forma em questão
não poderia ser derivada. O significado do verbo é o mesmo que o de
trair, traire em francês e provençal, “dirigir-se para”, “apressar-se”; as-
sim, ele também não pode apartar-se deles. Segundo uma amável
informação do Professor Gröber, as formas trey, treyde e treydes seriam
interpretadas como resíduos arcaicos de trahe, trahite, trahitis, cujo e
tônico se explicaria como o de laigo, derivado de laicum. Em Af. X,
CM. 78, 12, para essas formas aparece ainda o particípio passado treito
(tractum): E toda de tond’ a cima treita.

XCV. 1937. Cf. o provérbio: Na face e nos olhos se vê o coração.


1947. Para o sentido de razom catar, cf. também V. 10, 15-18: A mui
mais fremosa de quantas som Oj’ e-no mund’, aquesto sei eu bem, Quer’
ir veer, e acho já razom Como a veja sem med’ e com sem.

XCVI. 1967. É expressão fixa chamar senhor, “declarar, considerar como


sua amada”. Cf. V. 597, 7: Loar mha muyto e chamar mha senhor; 810,
7-8: E dizia que perdia o sen por mi, De mays chamaua-me senhor; igual-
mente em CB. 263, 23; 294, 12. Com o mesmo significado há dizer
senhor, em V. 614, 8: Diz-mi fremosa e diz-mi senhor; CB. 204, 4: Nen
lhi pesava dizer lhi senhor.

XCVII. Para a forma dialógica, cf. C, CI, CII; nesta última cantiga aparece,
na fiinda, a resposta da amada. Há um diálogo construído de modo mui-

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Notas

to semelhante numa cantiga de Joham Ayras, em V. 606; cf. V. 845, 865.


À organização do presente diálogo, Diez, loc.cit., p. 96, compara uma
cantiga provençal construída de forma bem parecida (Choix III, p. 163),
cuja primeira estrofe segue:
Dona, a vos me coman,
c’anc res non amei tan. –
Amicx, be vos dic e us man,
qu’ ieu farai vostre coman.
Dona, trop mi vai tarzan. –
Amicx, ja no y auretz dan.

Não são numerosos os exemplos do verso de arte mayor aqui apli-


cado. D. Denis tem apenas mais uma cantiga com essa medida de verso,
CXXVII. Outros exemplos encontram-se em V. 311 e 864.
1971. Como em 1256 (cf. 1250), aqui o que liga uma oração a uma
expressão adverbial. Sobre casos similares, nos quais que se liga a ex-
pressões adverbiais de juramento, invocação etc. e interjeições, vid. A.
Tobler, Verm. Beit., pp. 51-4.

XCIX. 2019. Ao lado de adur, o português arcaico conhecia também um


advérbio de igual significado, de dur; cf. Afonso X, CM. 28, 15; 328, 3:
Ca de todo deleitosa Tant’é que de dur seria En un gran dia contado.

C. Um diálogo de conteúdo semelhante encontra-se em V. 865, de


Lourenço Jograr.
2048. A lição de Vat., com que coincide CB., não pode estar correta já
por causa da métrica, que pede mais uma sílaba. Mas também não satisfaz
ao sentido. Talvez se deva ler: Mais pass’ o vosso ua vez já, i.e., “mas
vosso sofrimento (cf. 2037 e 2045) passa mais uma vez”. Cf. V. 836,
17-20: Vos nom catades a bem nem a mal Nem do que nos pois d’aquest’
auerrá, Senom que pass’ o uosso ua vez ja. Mays en tal feyto muyt’ a
mester al.
2050. O verso tem uma sílaba a mais. Para repetição do objeto, cf. T. e
C., p. 37: E se o vós, mia Senhor, entender Esto quizerdes.

CIII. Para a ideia do refrão, cf. 1125-1128 e V. 278, 9-10: Nunca molher
crea per amigo Poys s’o meu foy e nom falou migo.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

2110. Uma repetição semelhante a logo logo, que serve para intensifi-
car o sentido, é chos chos (-plus), em Santo Graal, p. 134, 4: E elle deu
vozes chos chos (cada vez mais). – Outro não deve ser tomado aqui tanto
em seu sentido literal de “outro”, “mais um”, mas antes como servindo à
ênfase, como por exemplo em Af. X, CM. 128, 7: Logo sen outra tardada
(onde tampouco se fala de um atraso anterior), mas especialmente em
ibid., 65, 160: E pois que os (madudinnos) ouueron todos ben ditos De
coraçon, ca non per outros escritos (onde só a ideia de leitura deve ser
enfaticamente recusada). Como no verso acima citado, temos nas pala-
vras sem outro tardar de nosso texto um exemplo daquela tendência
própria da linguagem popular de fortalecer um pensamento enunciado
por meio da expressa negação de um significado a ele contrário. Assim
diz nosso poeta em 2407: O fals’ amigu’ e sem lealdade (cf. também
1786), e este modo de falar é muito apreciado por Afonso X. Cf.
CM. 347, 1: De que fiz cantiga nova Con son meu, ca non alleo; 369, 9:
Et pediron-ll’ a sortella D’ouro fin, ca non d’argente; 394, 5: Logo o
fezeron, sen tardar de ren; FNS. 1, 12: Ben uennas, Maio, manss’ e non
sannudo. PMH Script. I, p. 266: E esto, sennores, foi por cajam, ca nom
por voomtade. Também o espanhol oferece exemplos; assim [PC. 3549:
Por querer derecho, e non consentir el tuerto. Cf. ibid., 3576. G. de Berceo,
Milagros, 734: Con çiriales en manos e con çirios ardientes, Con su rey
en medio, feos, ca non luçientes; ibid., 569: Ca era verdat pura, ca non
vallitania. Loores de Berceo, 40: Van por camino errado, errado ca non
cierto. (C. e A.)] Primavera I, p. 169: Villanos te matan, Alonso, Villanos,
que no hidalgos etc.; ibid., p. 183: Trinta dias da de plazo, Trinta dias,
que mas no; ibid., p. 341: Mandé hacer unas andas De plata, que non de
al. Grimm (RA., pp. 27-31) oferece numerosas provas deste fenômeno
em germânico.

CVI. 2163. madr’e senhor é uma expressão muito recorrente nas canções
populares, assim por exemplo V. 293, 9: Nostro senhor lh’o gradesca
por mi, E ora é mha madre e mha senhor; ibid., Sempre lh’eu madr’e
senhor chamarei; cf. 302, 1; 800, 9 e 40, 6 amigu’e senhor. A mãe tam-
bém é designada apenas por senhor, em V. 340, 15-16: Ca sse assy nom
é, senhor, nom vejades de mi prazer.

CVII. 2185. Em, “em relação a isso”, refere-se aqui a um substantivo, fal-
sidade ou deslealdade, suposto por um dos adjetivos fals’ e desleal, que
poderia estar no espírito do poeta. Casos como este, em que um prono-
me demonstrativo ou possessivo se refere a um conceito contido numa

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Notas

palavra anterior, mas não expresso, não são exatamente raros. Assim se
lê no Poema del Cid, 2950: Tienes (el Cid) por desondrado, mas la vuestra
(i.e., desonra) es mayor; em Don Juan de Castro, de Lope de Vega (Riv.
52, 379a): Cuando relincha (el caballo) parece que habla, y por maravilla
Los (i.e., relinchos) tira de trece en trece; no Decam., de Boccaccio (In-
troduz.): E come che questi cosi variamente opinanti non morissero tutti,
non perciò tutti campavano, anzi infermandone di ciascuna (i.e., opinione)
molti, e in ogni luogo, avendo essi stessi, quando sani erano, esemplo
dato a coloro che sani rimanevano, quasi abbandonati per tutto languieno.
2190. Para sabedor d’amor, cf. Diez, P. T., p. 138: “Daí amar, como
poetar, foi descrito como uma arte e submetido a regras. A isso refere-se
a expressão ‘entender de amor’ (saber d’amor ou de drudaria)”. Cf.
V. 699, 1: Os que nom amam nem sabem d’amor.

CIX. A ideia desta cantiga lembra um diálogo do trovador italiano Giacomino


Pugliese, em que a dama se queixa ao seu amado, do esposo ciumento da
seguinte maneira: Meo Sir, a forza m’aviene Ch’io m’apiatti od asconda;
Ca si distretto mi tene Quelli cui Cristo confonda, Non m’auso fare alla
porta...(A. e C. I, p. 394).
Cf., ainda, V. 611, 12-64: Sõo guardada como outra molher. Nom
foy, amigo, nem a de seer, Ca vos nom ous’a falar nem veer.
2237. Compreenda-se em, aqui, como causal, portanto: Porque tenho
de me haver com a vida que vivo.

CX. 2254. Espedir, em português arcaico, é a forma frequente para despe-


dir, e ainda hoje ocorre muitas vezes nos dialetos. Cf. J. Leite de V.,
Dial. extrem. I, p. 36: spedir; Dialectos interamnenses VIII, p. 15: espir
por despir; ibid., VII, 31: spedida, forma conhecida também no açoria-
no. Do mesmo modo, Sá de Miranda, em 150, 39, tem espir-se. Casos
semelhantes ao nosso, atribuídos à dissimilação de sílabas, temos em
istruir em vez de destruir (J. Leite de V., Dial extrem., I, p. 33) e, no
açoriano, escorçoado em lugar de descorçoado.

CXII. 2281. Não consigo estabelecer este verso. Como rima para quem e
inclusive por causa do sentido, bem caberia melhor depois de amigo, e se
viria no início do segundo verso, como na segunda estrofe. [A lição pro-
posta para esta passagem, tendo bem depois de amigo e se como começo
do próximo verso, com omissão de oi, é também aprovada pelo Prof. Coelho
(segundo comunicação por carta de 10 de agosto de 1893). (C. e A.)]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

CXIV. 2322. Guarid’ e cobrado parece ter sido expressão fixa; cf. V. 1126,
21: Logu’ eu seeria guarid’ e cobrado; do mesmo modo em CB. 128, 13.

CXVI. 2345. Que se deva tomar mha madre velida como alocução e não
ler madr’ é velida, segundo Moura, Diez loc.cit., p. 38 e Storck,
depreende-se de V. 259, 1; 264, 2; 739, 2.
2367. Para o significado de jurada, cf. o antigo francês jurée, por exem-
plo em Alisc. 55: Sire, dist ele, je suis vostre juree,... e o que sobre isso
observa Tobler, em Verm. Beit., p. 27.

CXVII. 2371. Aqui a cesura está irregular, como em 2386.


2385-6: Para ideia e expressão, cf. CB. 66, 1-2: Senhor fremosa, mui
grand’ enveja Ei eu a tod’ ome que vejo morrer.

CXIX. 2409. Para a expressão, cf. Af. X, CM. 345, 9: Quand’ el Rey oya
aquesto, Connoceu as maestrias Con que ll’ andaua. Nesta passagem,
aparece também maestria no sentido de “astúcia”, “malícia”, que é o de
sabedoria em 2418; esta encontra-se, ainda, em Af. X, CM. 47, 1: Uirgen
Santa Maria, Guarda-nos, se te praz, Da gran sabedoria Que e-no demo
jaz; cf. ibid. 8,6: sabedor, “charlatão”, “embusteiro”.
2411. O poeta aqui pensou no provérbio: lançar a pedra e esconder a mão.
Cf. Marques de Santillana, Obras, p. 511: Echa la piedra e absconde la mano.
2413. Não consegui documentar mais nada da expressão mal deserto.
Pelo contexto, deve significar “traição” ou “ingratidão”. No último caso,
poder-se-ia estabelecer uma relação com o antigo francês desert(e), “gan-
ho”, “recompensa”, sobre que me alertou amavelmente o Professor
Gröber. Acerca disso indica-se a seguinte passagem, citada de Godefroy
s.v: Cum male deserte a rendue A saint evesque sun parein!
2418. O significado de “astúcia”, “perfídia”, que sabedoria claramente
tem nesta passagem, ainda pode ser algumas vezes encontrado; por exem-
plo, em V. 923, 1-2: Do que eu quiji per sabedoria D’Alvar Rodriguez
seer sabedor, Ja end’eu sei quanto saber queria; – Foros de S. Martinho
de Mouros (Inedit. de H.P. IV., p. 603): E mandou que os tabeliões nom
façam cartas nem stromentos das ditas cousas, nem d’outras..., salvo per
foro de herdades que seiam feitas chaamente, e sem maa sabedoria, e
sem engano.-
2422-3: Estas palavras apontam para o provérbio: Cada um colhe se-
gundo semeia. Cf. Peire Cardenal (MW. II, p. 201): Car qui fai delial obra
Segon c’a servit, o cobra.

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Notas

[CXX. 2430. O sentido da passagem não é claro. (C. e A.)]

CXXII. 2463. Para correção da passagem, cf. V. 260, 2: E foi coitado por
mi; 384, 5: O que por vos coitad’ andava; CB. 331, 3 etc.

CXXIV. 2510. Storck lê aqui d’ i levar vejo, o que é uma correção forçada,
pois e não se confunde com i. Pelo contrário, o e poderia facilmente
perder seu til, como era frequentemente o caso, por exemplo em 756,
dessandecer = dessandecer; 1343, aiude = aiude etc., e chega-se, pois,
com esta hipótese naturalmente à expressão corrente ende levar, que tam-
bém satisfaz totalmente o sentido aqui.

CXXV. 2524. Para cada u, cf. V. 427, 12-13: Non sey, amiga, el cada hu é
Aprende novas com que morr’ assy; 475, 20-21: Ca mha faz sempr’ ant’
os meos olhos ir Cada hu vou etc.

CXXVII. 2564. O complemento das duas sílabas faltantes nom sei, no ver-
so 9 desta cantiga, composta em versos de arte mayor, é justificado pela
métrica, mas ainda mais pelo subjuntivo seja e por nem vej’i do verso
seguinte, o que pressupõe um verbo anterior negativo. Assim estabelecida,
a expressão é muito frequente na linguagem de nosso poeta, como se
pode concluir das seguintes passagens: V. 301, 8: Nom sei que de mi
seja; 498, 18: Nom sei eu que seja de mi; cf. ibid., 525, 13 etc. O fato de
o copista ter omitido as palavras nom sei explica-se por se lhe ter anteci-
pado a frase também usual que será de mi.
Não consegui determinar as pessoas e os motivos a que se podem
referir, agora, as seguintes cantigas de maldizer e d’escarneo.

CXXIX. 2586. Meninha, de menãa (cf. V. 1204, 9: menão), menina e


formações similares, em que a nasalidade é já abandonada, não são raras
na língua arcaica. Vid. V. 336, 3: meninha; 1155, 2: meninho; 1201, 18:
sobrão; CB. 391, 13: divinhos; 383, 20: detreminhou.
2590. Feo e lixoso parecem ter constituído uma fórmula fixa; pelo me-
nos encontram-se também juntos em Af. X, CM. 219, 6: Mui feo e mui
lixoso.
2600. Talvez fosse melhor ler am guarida.
2602. A expressão en concelho talvez não tenha aqui o sentido literal
oferecido no glossário, “no tribunal”, mas o subentendido “publicamen-
te”, que a ele se atribui na língua do tempo. Com este significado,
encontramo-lo, por exemplo, em PMH. LC. (Af. III), p. 214: Item mando

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

firmemente e defendo que alcayde dessa vila nom rrogue en poridade


nen en concelho por nenhuum homem que façam aluazil ou almotacé;
V. 568, 12-14: Mha senhor, e digo vos en concelho Que sse eu moir’ assy
desta vegada Que a vo-lo demande meu linhage; V. 1134, 7: Vos andades
dizend’ en concelho Que sobre todas parecedes bem.

CXXX. Este poema relaciona-se, provavelmente, ao antes mencionado


Melion Garcia.
2618. O verso parece ter uma sílaba a mais; porém, nenhum deve ser lido
aqui claramente como monossílabo = nhum. Cf. Canc. Res. II, p. 211: Que
nam póde ja meu bem A nhuum tempo chegar. Esta pronúncia ainda sobre-
vive nos dialetos; cf. J. Leite de V., Dial. interamn. III, p. 10.
2625. Para a expressão o que nos comprou, “nosso salvador”,
cf.V. 510, 3-4: Ca lhe vej’eu (a Deus) muitos desemparar Seus vassalos que
caro comprou. Assim Af. X, CM. 133, 1: A madre do que nos comprou.

CXXXI. 2627. “Desde o ano já passado”. Era ainda viva a consciência do


significado próprio do advérbio ogano. Cf. antano, em 2593. – A se-
guinte passagem esclarece o uso de era: Regimentos do S. Off. da Inq.
Lisboa, 1640. Sentenças I, p. 437: Que tu sejas são e salvo como em a
era em que foste nado. Cf. também a expressão: já lá vae a minha era
= já passou o meu tempo.
2629. O sentido de negada, aqui, é “escondida”, “ilegal”, como o ver-
bo negar frequentemente significava, na língua arcaica, “ocultar”,
“encobrir”. Cf. P.M.H. I, Leges et Cost. (1211), p. 176: Se o acharem
que alguma d’estas cousas furtar ou negar; CB 351, 3-4: Poys que me
foy el furtar Meu podengu’ e mho negar; V. 1012, 1-4: Joam Fernandez,
mentr’eu vosc’ ouuer Aquest’ amor que oj’eu com vosqu’ ey Nunca vos
eu tal cousa negarey Qual oj’eu ouço pela terra dizer; cf. 802, 4, 10; 832,
12; V. 920, 30; CB. 62, 7 etc. – Hoje este significado ainda é conservado
no composto sonegar, “encobrir”, “dar desfalque”.
2641. Por enquisa (também exquisa) entendia-se, no antigo Portugal, em
primeiro lugar a investigação (inquerito) que era realizada para averigua-
ção de uma causa legal in situ; mas especialmente, como em nosso poema,
o magistrado, que para tanto foi chamado. Vid. A. Herculano, H.d. P. IV,
pp. 362-3. Inedit. de H.P. V, p. 381: Quem derromper casa sen armas peyte
5 marauedis ao dono da casa se li for provado por enquisas.
2644. Para maestre, “médico”, cf. CB. 441, 1-2: Sabedes vos Meestre
Nicolao O que antano mi nom guareceo; no Santo Graal, p. 64, 19: E
meteo em terra atam mal ferido que non ouue mester meestre.

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Notas

2645-2646. A emenda destes dois versos não é fácil, pois o sentido do


segundo verso é obscuro. Em 2645 faltam duas sílabas e, ao mesmo tem-
po, a rima para Reinel. Mas como, em 2646, d’aquel atende tanto à rima
quanto à medida do verso em 2645, então sugere-se ler: Que lh’a guar-
dou bem dez mezes d’aquel Cerro, ou bem douze, que trag’ inchado.

CXXXII. 2662. Para mua mal manhada, confira a expressão atual besta,
animal de manha, cuja última palavra é agora tomada quase exclusiva-
mente em sentido ruim.
2672. A lição do manuscrito, de peça delencavalgado, não oferece qual-
quer sentido. A correção resulta da expressão em parte paralela, no verso
2664: nem andar d’ela embargado.
2678. A ligação aliterante de levar e leixar, que se encontra no refrão deste
poema, parece ter sido uma constante; ao menos, ela ocorre também em
outras ocasiões, como por exemplo no Santo Graal, p. 142, 22: Ay Deos, e
hu o poderey achar? Nom sey, disse el a si meesmo, mal sem he o que
demandades; ca el vos levou toda honrra e leixou uos toda grande honta.

CXXXIV. Das palavras andand’ aqui en cas d’el-rei, talvez se deva con-
cluir que D. Denis compôs esta e a seguinte cantiga alusivas à mesma
pessoa, ainda como infante, portanto, algo em torno de 1277-1279. Não
pude descobrir quem era este D. Joam, que recebe o escárnio do poeta
régio. Provavelmente seja o 4mesmo que Estevam da Guarda, o conhe-
cido chanceler do rei D. Denis, nomeia nas cantigas de maldizer, em
V. 918 e 926. Além disso, um D. Joam ainda é mencionado em V. 904,
908, 920, 1055, 1153, 1154; CB. 373 e 375.
2695-2697: O mesmo refrão encontra-se em uma cantiga d’ amigo de
Estevam Travanca, V. 324, 5-6: Que lhi perdoasse; nom quix, E fiz mal
porque o nom fiz.
2704. Ao casamento de um D. Joam refere-se também a já mencionada
cantiga de Estevam da Guarda, V. 926, 2, 9, 15, 18.

CXXXV. 2717-18. O refrão lembra algo do seguinte, numa cantiga satírica


de Afonso X, CB. 366, 4-6: Por ben tenh’eu que vaades Muy longe de
mi E mui com meu grado.

CXXXVI. O sentido desta bastante rude cantiga, cuja expressão deve ser
evidentemente ambígua, não está claro em todas as partes. Uma cantiga
satírica de Vaasco Perez Pardal, CB. 378, e uma de D. Fernam Garcia
Esgaravunha, CB. 383, tratam de assunto semelhante.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

2734. Lorbaga (lauribaca, vid. Gröber, Wölfflin’s Archiv I, p. 247) de-


signa aqui, antes de tudo, um remédio; mas deve também referir, com
isso, o significado aproximado de “estrume de cabra” (cf. 2746: caga),
que é igualmente próprio do italiano orbacca = cacherello.
2736. Não consegui explicar o sentido do verso do refrão. Talvez co-
mer deva ser entendido, aqui, no sentido de supprimir, não proferir (cf.
Vieira s.v.), de modo que o significado seria: “ele engoliu maldição so-
bre maldição”.
2741. Aparentemente fame não rima com come, ome; mas pode-se ter con-
tinuado a escrever fame, depois de já se ter começado a falar fome. Encontra-se
a forma fame continuamente nos antigos cancioneiros, assim por exemplo
em V. 923, 8, também rimando com come, ome; 1046, 4. Hoje ela ainda
sobrevive dialetalmente; cf. J. Leite de V., Dial. mirand., p. 35.

CXXXVII. Não consegui saber para quais circunstâncias ou pessoas o rei


compôs esta colorida cantiga humorística.
2750. Para o significado de revolver, cf. Afonso X, CM. 56, 4: Quen
catar e revolver Estes salmos, achará Magnificat y jazer; Canc. Res. I,
p. 19: Pelo que m’ys alegando Rrevolver compre Dejestos.
2752. Brou significa claramente uma espécie de tecido de lã. A origem
da palavra escapa-me até agora.

CXXXVIII. João Simhon, a quem esta cantiga se refere, era meirinho môr
e favorito do rei D. Denis, que, no ano de 1299, o enviou, em seu lugar,
em peregrinação à Terra Santa (cf. Mon. Lusit. IV, f. 276 a b). O conde
D. Pedro (cf. ibid.) dispensou-lhe o seguinte elogio: Dom João Simon
foi mui bõo homem e muito honrado. E foi homem que nunca buscou
mal a nenhun com el Rey D. Dinis cujo privado era; antes lhes ganhava
a muitos d’el muito bem, e muita mercee. E isto deu el Rey D. Dinis de
Portugal em testemunha del a sa morte...
Um poema de conteúdo muito parecido, de Affonso de Cotom,
encontra-se em V. 1122, onde o refrão, em 5-6, lembra os versos 2778-9 de
nossa cantiga: E dom Fagundo quer-s’ ora matar Porque matou sa vaca o
cajom.
2776. Para o sentido de sair do mez, “sobreviver ao mês”, cf. V. 673,
12-15: Ouv’ em tal coita Que se cuydei d’esse dia sayr Deus mi tolha
este corp’e quant’ ey.

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Notas

G LOSSÁRIO

Por razões de brevidade, as referências são citadas pelos versos e não pelo
número dos poemas individuais em que ocorrem. Em regra, são indicadas
apenas seis ocorrências de cada palavra e cada acepção dela.

a pron. demonstr. fem. sg. nom. 42, 529, 535, 967, 1066, 1251 etc.; nom.
pl. las 834. Com prep. da 1071, 1546 etc. aquela, aquelas.
a pron. pes. 3 sg. acus. fem. 147, 148, 161, 175, 527 etc., la 547, 743 etc.;
acus. pl. as 1893, 1901, 1906, 2588, 2602; las 1885, 1890, 1005, 1910
etc. Com prep. pola (por-la) 154, 973 a.
a art. fem. sg. nom. 44, 523, 648, 923, 1146 etc.; acus. 14, 16, 76, 149,
355, 359 etc.; la 203, 1917, 1919; a; com prep. a la 762, 2346, da 39,
67 etc.; dela 959, 1375, na 68, 333 etc.; pola 1754; pl das 962 das.
a prep. Para indicação do dativo 1, 12, 21, 26, 36, 41 etc.; 467, 473, 479,
941, 2172 para, de acordo com, conforme; para indicação de finalidade
28 para; com infin. 155, 581, para, para que; para direção 542, 556,
1005 a, para; 634 ante, em frente a.
acá adv. 1580 para cá.
acabar v. tr. 1331, 2181 realizar; reflex. 46 finalizar, encontrar um fim.
achar v. tr. 37, 74, 618, 2029, 2628 encontrar, conseguir; reflex. 2709
encontrar-se.
acordar v. intr. 1139 despertar, vir a si.
adeante adv. em des ali adeante 1103, 1111, 1119 daí em diante.
adur adv. 2019 dificilmente, com esforço.
aduzir v. tr. pret. perf. 3 sing. adusse 556; trazer, conduzir.
afam subst. m. 231, 267, 279, 1027; 1204, 1210 angústia, aflição.
aficado, a adj. 786 violento; 979, 1056, 1064 importunado; adv. muit’
aficado 1740, 2109 muito veemente.
agora adv. 43, 60, 85, 201, 326, 373 etc.; agora, então.
agravar v. reflex. (com) 2227 reclamar, queixar-se.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

aguardar v. tr. 1012 esperar, aguardar.


aguisado adv. 2310, 2674 propriamente, corretamente.
aguisar v. tr. 124, 129, 551, 936, 1158, 1164 etc., dispor, ordenar.
ai interj. 205, 211, 217, 354, 447, 454 etc., ai!, oh!
ajudar v. intr. 1343 ajudar, assistir a.
al (= a e lo) vid. o.
al pron. indef. 24, 57, 180, 291, 297, 303 etc., outro, outra coisa. o al 801,
2182 o outro. Nom a já i al 24 é indubitável, certo; u nom pod’ aver al
2129 o que é indubitável, é inevitável; 2178 enquanto nada se opõe;
pes. 165, 251, 293, 675, 687, 1073 etc., alguém mais.
alá adv. 81, 1637, 1992, 2295, 2298, 2301 etc., lá, ali.
alçar v. tr. 1961 erguer, levantar.
alegrar v. reflex. 921 alegrar-se, divertir-se.
alegre adj. 1083 feliz, contente.
alegria subst. fem. 1304 alegria, contentamento.
algua. vid. algum.
algum pron indef. m. 1249, 1472, 1699, 2319; algua, algunha 31, 496, 673,
791, 1480 qualquer, qualquer uma; algua vez adv. 496, 673 às vezes.
algunha vid. algum.
algur adv. 1597 em algum lugar.
alhur adv 2047, 2556 em outro lugar.
ali adv. 372, 375, 839, 1103, 1111, 1119, 1138 etc., ali, lá.
alongado, a adj. 2312 distante, longe.
alongar v. reflex. 43, 2046 distanciar-se, ausentar-se.
alto subst. m. 1884, 1889, 1894, 1899, 1904, 1909 águas altas, rio
caudaloso.
alva adv. 1882, 1885, 1887, 1892, 1895, 1897 etc., cedo, na madrugada;
interj. 1841, 1844, 1847, 1850, 1853, 1856, de pé logo! de pé!
amado subst. m. 1800, 1813, 1824, 1843, 1848, 1860 etc., amado.
amar v. tr. 12, 72, 146, 158, 172 etc., amar.
ambos pron. pes. 1 pl. m. 1556, 1855; f. ambas 2589 os dois.
amercear v. reflex. 851, 888 apiedar-se.
amiga subst. f. 1593, 1601, 1605, 1612, 1632, 1638 etc., amiga, amada.

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Glossário

amigo subst. m. 159, 530, 541, 548, 654, 2615 amigo; 1121, 1135, 1570,
1574, 1580, 1595 etc., amado.
amor subst. m. 19, 30, 64, 88, 249, 286 etc., amor; pl. amores 455, 1134,
1840, 1843, 1845, 1848 sofrimento amoroso; polo amor de Deus 241
pelo amor de Deus; personif. 447, 454, 461, 1250, 1256, 1267, 1327,
1348, 1357 (como Deus do amor); 2347, 2350, 2353, 2356, 2359, 2362
amado.
andante adj. na expressão bem andante 1101, 1109, 1117 afortunado.
andar v. intr. 1914, 1918, 2518, 2622, 2688 etc., ir, partir; andar com alg. c.
a alg., 2409, 2414, 2419, tramar algo contra alguém; 200, 260, 506,
679, 972, 1084, 1615, 2594, 2647, 2673, 2693, 2763 estar, encontrar-
se, permanecer; andar por vosso 1435, o vosso, ser vosso amado; aux.
com gerun. 2516, 2522, 2693, 2755.
ano subst. m. 1308 ano.
antano adv. em des antano 2588 desde o ano passado.
ante prep. 62, 69, 81, 151, 635, 642, 1211 etc., ante; adv. 150, 152, 153,
918, 2775 antes, mais cedo; 140, 270, 276; 282, 285, 521, 1442 etc.,
antes, de preferência, pelo contrário; ante que conj. 2776 antes de que,
antes que.
antre prep. 457, 1136 entre, dentre.
ao vid. o.
aprazer v. intr. imperf. subj. 3. sg. aprouguesse 1098 agradar.
áque interj. 1176, 1181, 1185 eis!
aquel pron. demonstr. m. e neutro. 48, 65, 87, 94, 97, 614, 2469 etc.; aquela
f. 435, 1086, 2636, 2638 aquele, aquela, aquilo; aquel que pod’ e val o
Todo-poderoso (Deus).
aquem adv. em d’aquem 2245, 2251 2257 daqui.
aqueste pron. demonstr. m. 977, 1430, 1524, 1974, 2039 este; pl aquestes
524, 1281, 2615 estes; f. aquesta 44, 349, 854, 1242, 2044; pl. aquestas
2383 estas; ntr. aquesto 129, 166, 275, 287, 362, 432 isto; por aquesto
1722, 1728, 2460, 2468 por isto, portanto.
aqui adv. 214, 1428, 1606, 1650, 1656, 1667 etc., aqui, para cá; d’aqui
1594, 2271, 2561 daqui.
ar, er adv. 39, 70, 78, 84, 113, 127 etc., ainda, também.
arder v. intr. 2759 queimar, abrasar.
as vid. a.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

asconder v. tr. p.p. ascondudo 2232; 2393 esconder, ocultar.


asperança subst. f. 389, 396, 403 esperança.
assaz adv. 2117, 2495 bastante.
assi adv. 114. 138, 140, 196, 232, 238 etc., assim; conj. (em fórmulas
afirmativas) 298, 410 tão certo como.
astroso, a adj. 2744, infeliz, miserável.
ata prep. em ata que conj. 2432 até que, até.
atal pron. indef. 316 tal.
atam adv. 424, 1343, 1694, tão, tanto.
atanto, a adj. 817, 905 tanto, tão grande.
atar v. reflex a alg. 2604 caber a alguém, acontecer.
atormentado, a adj. 1058, 2765, aflito, torturado.
atrever v. reflex. 1959 atrever-se, ousar.
attender v. tr. 144, 468, 1043, 1050, 1161, 1303 aguardar, esperar por.
aveer v. tr. 83 ver.
aventurado, a adj. 2670 afortunado.
aventurar v. intr. de alg. c. 2054 colocar algo em jogo, arriscar-se.
aver v. tr. pres. indic. 1. sg ei 4, 8 etc.; 3. sg a 4, 47 etc.; 2. pl. avedes 417,
1268; 3. pl. am 912, 920 etc.; imperat. 2. pl. avede 1975, 1981 etc.;
subj. 1. sg. aja 38, 230; 3. sg. 515, 1245 etc.; 2. pl. ajades 503, 510
etc.; 3. pl. ajam 714; pret. imperf. 1. sg. avia 577; 3. sg. avia 2652; pret.
perf. 1. sg. ouvi 156, 975 etc.; 3 sg. ouve 700, 1655; 2. pl. ouvestes
1571, 2163; subj. pret. imperf. 1. sg. ouvesse 80, 730; 3. sg. ouvesse
631; fut. imperf. 1. sg. averei 391, 586 etc.; fut. condic. 3. sg. averia
1701; 2. pl. averiades 411, 416 etc.; 3. pl. averiam 1695; subj. fut. 1.
sg. ouver 43, 1332 etc.; 3. sg. ouver 2640; inf. pes. 1. pl. avermos 2144;
inf. aver 14, 65 etc.; gerund. avendo 2671; ter, possuir, obter; 64, 65,
286, 417 nutrir; morte aver 80 sofrer morte; impes. 24, 47, 180, 224,
272, 2616 etc., encontrar-se, dar-se; a i 484 há aqui (expressões de
tempo); aux. modal (com prep. a) 631, 636, 1015, 1046, 1387, 2781;
(com prep. de) 43, 926, 1039, 2144 dever; 4, 15, 870, 1038, 1045, 1053
etc., para constituição do futuro e do condicional.
aviir v. intr. pres. ind. 3 sg. avem 167, 210, 710, 2490 acontecer, suceder.

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Glossário

bailada subst. f. 2349, 2354 dança.


bailia subst. f. 2346, 2351 dança.
baiosinho subst. m. 1921, 1927 cavalo marrom avermelhado.
barata subst. f. 2601, 2757 negócio, comércio, permuta.
bêençom subst. f. 1749 bênção.
bel adj. 1925, 1931, 2650 belo, nobre.
beldade subst. f. 843, 1458 beleza.
bem adv. 37, 71, 73, 76, 78, 155, 225 etc., certamente, bem, muito; compar.
melhor 188, 695, 717, 1392, 2541, 2665, 2749 melhor, mais; superl. o
melhor que 825, 839, 916, tão bom quanto...
bem subst. m. 128, 328, 367, 388, 395, 401 virtude, excelência; 135, 207,
226, 281, 284, 321, 1456 etc.; felicidade, bem-aventurança; bem, o
bem; 368, 2220, 2455, 2496, 2518, 2562 etc., favor, benefício; 804,
2287 amada; 2165, 2177 amado.
bemfazer subst. m. 380, benefício, graça.
besta subst. f. 2671, 2768, 2774 rês, animal de carga.
bom, boom adj. m. 319, 503, 734, 839, 929, 1565 etc.; f. boa, bona 69,
183, 311, 420, 790, 2043 etc., bom; 1797, 1800, 2508 feliz; compar.
melhor 180, 763, 795, 844, 1072, 1366 melhor; superl. o melhor 44,
313, 1417, 1510, 1702, o melhor; gen. pl. das melhores 763 que as
melhores.
bona vid. bom.
bondade subst. f. 832, 1500 bondade, excelência.
boom vid. bom.
Brancafrol n. p. 699 Brancaflor [Blancheflos]
bravo, a adj. 2229, 2230 colérico, duro; mal brav’aja Deus 2230 que ele
experimente a ira de Deus...
brou subst. m. tipo de tecido quente para roupas.
buscar v. tr. 31, 2734 procurar, consultar; 585, 2053 causar.

ca conj. 3, 5, 19, 37, 54, 60 etc., pois; depois de compar. 158, 165, 172,
195, 285, 293 etc., do que; após expressões introdutoras de fala etc.
77, 1776, 2531 que; 232, 250 pois, porque.
cabo prep. em de cabo 2243 perto de, junto a.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

cada pron. indef. 1263 cada; cada que conj. 2451 tão frequentemente quanto;
cada u adv. 2529 onde quer que seja.
caderno subst. m. 2750 caderno, folheto, livro.
caer v. intr. pret. perf. 3 sg. caeu 1136; 2. pl. caestes 2195 cair.
caga subst. f. 2746 excremento.
cajom subst. m. 2195, 2670, 2768, 2782, acaso infeliz, desgraça.
calado, a adj. 1991 quieto, silencioso.
calar v. reflex. 112 silenciar.
caler v. arc. impes. non m’en cal 17 não me preocupo.
camanho, a adj. 638, 644, 650, 1385, 2067, quão grande, quão longo.
cambhar v. tr. com prep. por 2652 trocar por ...; reflex. 1104, 1112, 1120
trocar-se por, trocar com alguém.
cambho subst. m. 2653 troca, câmbio.
camisa subst. f. 1883, 1891 camisa.
cantar v. intr. 1131, 1418 cantar.
cantar subst. m. 829, 1430, 1719 cantiga.
caridade subst. f. 1152 misericórdia; por caridade por amor de Deus.
casa subst. f. 2355, 2360 casa, lar.
casamento subst. m. 2703 matrimônio.
castigar v. tr. 1742 admoestar.
catar v. tr. 497, 498, 1501, 1955, 1960 ver, contemplar; 1948 procurar;
2587 (contra), 2595, 2598, ter consideração por, levar em consideração.
cativo, a adj. 653, 2236 desafortunado.
cavalgador subst. m. 2649 cavaleiro.
cavalheiro subst. m. 2731 cavalheiro, nobre.
cedo adv. 40, 754, 760, 766, 1606, 2279 logo.
cento num. 2636 cem.
cerro subst. m. 2646 dorso, barriga (?).
certamente adv. 359 com certeza.
certão, a adj. 695 certo.
certo, a adj. 476, 701, 1243, 1574, 1584, 1588 etc.; certo adv. 587, 706,
1998 certamente.
chamar v. tr. 1967, 2364, 2367 denominar, chamar; reflex. 1566, 1720,
2659 chamar-se.

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Glossário

chão em de chão adv. 330 sem mais, simplesmente.


chegado, a adj. 355, 359 próximo.
chegar v. tr. 1005 trazer para perto, conduzir; v. intr. 1667, 1819, 2305,
2443 chegar, vir.
chorar v. intr. 444, 1374, 1660, 1747, 2591 chorar.
choroso, a adj. 2603 choroso, derretendo-se em lágrimas.
cinger v. tr. 1846, 1851 cingir, vestir.
cinta subst. f. 1846, 1849, 1854 cinto, faixa.
cobrar v. tr. 1246, 1248, 2190 conseguir, reaver; reflex. 946 fazer-se pagar,
remunerar-se; intr. 2322 curar-se.
coita subst. f. 41, 88, 125, 130, 136, 141 etc., sofrimento, dor, necessidade;
personif. coita d’este meu coraçom 122, 301 amada de meu coração.
coitar v. tr. 899 afligir.
colher v. tr. 2422 apanhar.
color subst. f. 922, 2025 cor.
com prep. 389, 396, 400, 403, 483, 1100 etc., com; para indicação de motivo
etc., 8, 17, 146, 249, 280, 339, 445, 739, 756, 910, 1046, 1346, 1597,
1603, 1609, 1630, 2383, 2392, 2628, 2772, devido a, de, perante, por;
134, 707, 838, 2263, apesar de.
come, como conj. 14, 124, 204, 240, 347, 449, 1063 como; como quer que
89, 1966 como quer que, por muito que.
começar v. intr. (com prep. a) 2714 começar, iniciar.
comer v. tr. 2736, 2738, 2746, 2747, 2748, 2755 comer, engolir; dissipar.
comigo, commigo pron. pes. 1. pes. sg. 1356, 1574, 1816, 1852, 1864,
2006 etc., comigo, junto a mim.
como vid. come.
comprar, v. tr. 2625 comprar, resgatar.
comprido, a adj. 833, 1149, 1540 pleno, rico; compridamente adv. 847
completamente.
comsigo pron. pes. 3. pes. 923, consigo, junto a si.
comunal adj. 838 afável.
comvosco pron. pes. 2. pl. 115, 2104, 2223 convosco.
concelho subst. m. 2602 casa do concelho, tribunal.
confonder v. tr. 2396 confundir, envergonhar.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

conforto subst. m. 86, 99, 1077, 1084 consolo.


conhocer v. tr. pres. indic. 1. sg. conheço 1547; 4, 1386, 1454, 1547, 2668
conhecer, tomar conhecimento, saber.
conhocer subst. m. 1248 saber (= saber, mesura).
conorto subst. m. 1074, 1354 fortalecimento, consolo.
conselho subst. m. 120, 864, 1373, 2162, 2196, 2603 conselho, sugestão,
auxílio; dar conselho 120, poer conselho 864, 2162, prestar auxílio,
propiciar; saber c. a alg. 2196 saber aconselhar alguém; dar-se conselho
1373 saber o que fazer.
contar v. tr.. 156, 732, 1183 narrar, comunicar, confessar.
conto subst. m. 2091 número, medida, limite.
contra prep. 868, 1289, 1975, 1981, 2260, 2592 etc. em oposição a.
conviir v. intr. com prep. a impes. 2039 ser conveniente.
cor subst. m. 1059, 2431 coração.
coraçom subst. m. 99, 122, 301, 340, 345, 370 etc. coração; 486, 1605,
1272, desejo, vontade, sentido; meu coraçom 2171 meu amado; de
coraçom 1342, 1751, 1935 de coração.
cordura subst. 1494 sabedoria, prudência.
corpo* subst. m. 1404, 1839, 1842 corpo.
corredor adj. 2654 depressa; corredor, cavalo de corrida.
correger v. tr. 1003 corrigir.
cousa subst. f. 35, 38, 55, 402, 1995, 2682 etc., coisa, objeto; nulha cousa
153 nada; personif. 822 o ser, pessoa.
cousir v. tr. 2333 considerar
crecer v. intr. 2714, 2726 formar-se, mover-se.
creer v. tr. pres. indic. 1 sg. creo 2060 ; subj. 2. pl. creades 1231, 2095;
imperat. 2. pl. creede 430, 490, 586; subj. pret. imperf. 3. sg. crevesse
774; fut. imperf. 1. sg. creerei 2171; infin. creer 338, 680 etc., crer.
criado v. tr. 2642, 2643 nutrir, educar.
cru, crua adj. 2682 acerbo, cruel.
cuidado subst. m. 339, 985, 996, 1062, 2555 preocupação, aflição.
cuidar v. tr. 825, 2619, 2689, 2758 pensar, imaginar; com infin. puro 61,
150, com prep. a 572 lembrar-se, pretender; 410, 517, 778, 1095, com

* Lang apresenta duas palavras alemãs para as significações incluídas no vocábulo português “cor-
po”: Leib (corpo animado, em relação à alma) e Körper (corpo físico, mecânico). (N.E.)

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Glossário

um infin. 404, 968, com prep. a 737, com de 474, 2121, 2127, 2133,
2135 pensar, considerar, crer; a meu cuidar 173, 320, 2681, quant’é
meu cuidar 1089 segundo minha opinião; com prep. de 508, 514, 520,
com en 594, 600, 607, 875, 1044, 1122 etc., pensar em algo; reflex.
505 estar preocupado, aflito.
cuitado vid. coitado.
cujo pron. relat. 45, 1438, 1448 do qual, da qual.
culpa subst. f. 626 culpa; culpa poer atribuir culpa.
culpado, a adj. 2001, 2002 faltoso.
curar v. intr. com prep. de 1451 preocupar-se com algo.

dama subst. f. 1551 senhora, amada.


dano subst. m. 1550 dano, prejuízo.
dar v. tr. pres. ind. 1. sg. dou 1721; 3. sg. dá 777; 2. pl. dades 239, 1235; pl.
dam 240. subj. 3. sg. dê 281, 337; 2. pl. dedes 1011; pret. imperf. 3. pl.
davam 455; pret. perf. 1. sg. dei 2323; 3. sg. deu 480, 802; subj. imperf.
3. sg. desse 731, 775; 3. pl. dessem 2664; fut. imperf. 1. sg. darei 1517,
2338; 3. sg. dar-mh-a 1095; subj. fut. 1. sg. der 1725; infin. 40, 62
etc.; dar, conceder; nom dar rem por alg. c. 1721, 1725, dar nenhum
valor a algo; dar com a e infin. 581.
de prep. Para expressão de movimento, separação de algo 36, 44, 151,
367, 372, 378, etc., de; de efeito, causa, motivo 39, 40, 48, 205, 210,
226, 374, 390, 577, 580, 1067, 2224, 2628, 2712 etc., de, em, ante, por
isso; do meio, da maneira e modo 133, 1242, 2589, 2672, sobre, com,
em, para; do genitivo 33, 42, 57, 88, 237, 250, etc.; partitivo 45, 150,
588, 604, 610 etc., de (ou genitivo alemão); para indicação do objeto
de uma ação etc., 133, 506, 518, de, por [an, in]; após comparat. etc.,
58, 393, 402, 696, 795, 1412, 1602, etc., do que; em expressões adverb.
de coraçom 71, de grado 629, d’inverno 2751, de pram 75 etc.; com
infinit. pes. 1) em or. infinit.subj. 34, 56, 290, 815, 1035, 1388, 1402
etc.; 2) em or. infinit.predic. 464, 597, 603, 609 etc.; 3) em or. infinit.
obj. 475, 542, 932, 1409, 2265, 2331, 2442 etc.; 4) para indicação do
motivo, da causa 586, 1269, 1751, 2454 em, por causa de; 5) do meio,
da maneira ou modo 28, 546, 690, 812, 820, 1006 nisso, por isso; com
infinit. 1, 4, 15, 20, 35, 43, etc., para...
defender v. tr. 103, 2204, 2216, 2560, 2561 proibir.
defensom subst. f. 2209 proibição.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

deitar reflex. 467 lançar-se, ir para baixo; 2716, ir para a cama.


dela vid. a.
delgada subst. f. 1888, 1896 vestimenta de linho, camisa.
demo subst. m. 149, 1725, 2604, 2781, diabo; o demo leve...o diabo
carregue...
depois adv. 974, 1978, após, mais tarde; depois que conj. 642 depois de,
logo que.
dereito, a adj. 1617, 2220, 2325, 2527, correto, justo.
dereito subst. m. 1557, 1626, 2405, 2635 direito, lei; fazer dereito fazer
corretamente.
des adv. 143, 435, 877, 934, 2588, 2627 etc., desde; des aqui 727, 1723,
1729, etc., de agora em diante; des entom 148, 442, 976, 1244, 1338,
1376 etc., dali em diante, daí em diante; des i 55, 70, 127, 897, 907,
1378 etc., de lá; portanto, por conseguinte; 581, 823, 840, 845, 1316,
1475, 2141 também, da mesma forma; des oimais 584, 721, 2100, 2106,
2112, 2564 de hoje em diante; des quant’a 628 desde o tempo; des
quando conj. 324, 450, 906, 1526, 2014, desde; des que conj. 125, 147,
419, 429, 527, 533 etc., desde, desde que.
desamar v. tr. 1238 não amar, odiar.
desamor subst. m. 179, 417, 1699, 2285 falta de amor; frieza.
desasperado, a adj. de alg. c. 2455 desesperado por algo, sem esperança
disso.
desasperar v. intr. 531, 2574 desesperar-se; v. tr. com de 1692, 1698, 1704
trazer ao desespero, fazer desesperar...
desbaratado, a adj. 2673 mal posto, maltratado.
desbaratar v. tr.. 2762 conduzir à ruína, precipitar na miséria.
descomunal adj. 16, 55, 647, 2030, inusitado, extraordinário, desmedido,
duro.
desejador adj. 1075 desejoso, que anseia.
desejar v. tr. 142, 327, 334, 386, 387, 393 etc., desejar, demandar.
desejo subst. m. 518, 2369, 2374, 2425, 2438, 2512 desejo, demanda,
saudade.
desemparar v. tr. 238, 2197 abandonar; deixar em abandono; reflex. 30
soltar-se, livrar-se de algo.
deserto subst. m. 2413 pagamento, agradecimento. [Vid. nota a CXIX,
v. 2413. (N.E.)]

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Glossário

desguisado, a adj. 1995 inconveniente, insensato.


desleal adj. 2183 infiel, traidor; subst. meu desleal 2516 meu amado infiel.
desmentido, a adj. 1828, 1843 falso, infiel.
desmesurado, a adj. 2593 descortês, indelicado.
despeito subst. m. 2392, 2398, 2404 dissabor, preocupação.
despender v. tr.. 2756 gastar, dissipar.
destorvar v. tr. 1429 atrapalhar, obstar.
desviar v. tr. 1893, 1901 afastar-se, apartar.
deus subst. m. 36, 40, 58, 62, 74, 124, 145, 201, 207 etc., deus; em fórmulas
de afirmação par deus 54, 59 etc., por deus 107, 781, etc., polo amor
de deus 241, se deus mi perdom 92, 121, etc., deus non mi perdom 263,
275; se deus mi valha 2720, nom mi valha deus 251, valha deus 1912,
1920 etc., deus nom mi dê bem 281, se deus mi leixe bem achar 618,
deus foss’ em loado 971, 989.
dever v. tr. 233, 2072 ter dívida, dever; 839 haver de, ser obrigado a; aux.
com inf.. 1) puro 179, 626, 685, 2595 haver de, 2331 ser obrigado a; 2)
com a 632, 633, 2101, 2107, 2113 haver de, ter permissão para; 3)
com de 304 ser obrigado a.
dez num. 2645 dez.
dia subst. m. 87, 94, 97, 101, 446, 2470, etc., dia; bom dia 1797, 1800,
2508, dia feliz, sorte; mal dia adv. 2009 em dia infeliz; algum dia 1491
um dia, uma vez; n’outro dia 148, 442, 1573 recentemente, há pouco.
dizer v. tr. pres. indic. 1. sg. digo 1123, 3. sg. diz 260, 1439 etc., 2. pl.
dizedes 1440, 2061; 3. pl. dizem 248; imperat. 2. sg. di 1146; 2. pl.
dizede 1973, 1985 etc., subj. pres. 1 sg. diga 779, 1430; 2. pl. digades
1980; pret. imperf. 3. sg. dizia 444, 1143, dezia 452; pret. perf. 1 sg.
dixi 1178, 1423 etc.; 3. sg. disse 458, 1125 etc.; 2. pl. dissestes 2103;
subj. fut. 1. sg. disser 111; subj. pret. imperf. 1. sg. dissesse 104; fut.
imperf. 1. sg. direi 107, 110 etc.; 3. pl. diram 1569; fut. condic. 1 sg.
diria 816; 3. sg. diria 783; infin. pes. 2. pl. dizerdes 812; infin. dizer 18,
46 etc.; ger. dizendo 2516 dizer, falar.
do, dos vid. o.
doado, a adj. 2663, 2665 presenteado; doado adv. 997 gratuitamente.
doente adj. 2733, 2745 sofredor, enfermo.
doer v. reflex. ind. pres. 3 sg. doi, subj. pres. 3. sg. doa 1055, doia 545, 550,
etc.; 25, 693, 791, 797, 803 etc. apiedar-se, ter compaixão.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

doito, a adj. 451 sabedor, entendedor.


dom subst. m. 2691, 2713 Dom (título de nobreza).
dona subst. f. 357, 361, 365 dona, senhora.
doo subst. m. 411, 416, 421, 1503, 2124, piedade, compaixão.
dormir v. intr. pres. indic. 1. sg. dormho 982; 1265, 1539, 1984, 2477 dormir;
o dormir subst. m. 1229 o sono.
doze num. 2646 doze.
d’u vid. u.
duas num. f. 2586 duas.
durar v. intr. 1356, 2157 durar, permanecer; 135, 329, 1629, 2573
perseverar, permanecer vivo.
duvidar v. tr. 784 desconfiar.

e conj. 2, 8, 13, 15, 19, 22, etc., e.


e interj. 693, 1150, 1293, 1975, 1981, 1987 etc.; pois bem, pois então; no
início da apódose 2717, 2723, 2729.
e em e-no (de em-no por em-lo) vid. em.
el art. def. m., antes de rei 1594, 2693 o.
el pron. pes. 3. p. m; nom. 71, 76, 126, 128, 129, 131 etc., ele; acus. 1370,
2029 o; após prep. 62, 69, 1950, 2014, 2124, 2213, 2507 etc., lhe, ele
[ihm, ihn]
ela pron. pes. 3. p. f.; nom. 33, 36, 448, 757, 1129, 1439, 1449, 2669 ela; pl.
elas 2594, 2599 elas; após prep. 151, 371, 751, 1096, 2594, 2670 etc.,
lhe, ela. [ihr, sie]
ele pron. pes. 3. p. m.; nom. 2158, 2634 ele; pl. eles 910, 917, 1644 eles.
em vid. ende.
em, en prep. Para designação de espaço 47, 58, 74, 125, 404, 1019, 1035
etc., em, junto a, ao; de tempo 148, 442, 446, 2618, 2591, 2713 etc.,
em [an, zu]; de direção 360, 594, 600, 1453, 1936, 2602 em, sobre,
para, a; de finalidade 1508 como, para; com infin. flexionado 1) para
indicação de finalidade 690; 2) de motivo 2237 por causa de; com
infin. 7, 78, 208, 548, 1367, 2237* para, por meio de; en como adv.
724 como; en quanto conj. 51, 564, enquanto.

* Provável equívoco, uma vez que o mesmo verso está referido acima, entre os casos de em +
infinito flexionado. (N.E.)

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Glossário

embargado, a adj. 2664 importunado.


empero conj. 288 porém.
en cas prep. 2643, 2693 em casa, junto a.
encavalgado, a adj. de alg. c. 2672 montado em algo.
encoberta subst. f. 1769 dissimulação, artimanha, subterfúgio.
encoberto, a adj. 1587 oculto, secreto; 2412 dissimulado, astuto; adv. o
mais encoberto 698 o mais ocultamente.
encobrir v. tr.. 215, 2394, 2579 ocultar, tornar secreto; reflex. 1948, 1949,
disfarçar-se.
ende, em pron. adv. Para indicação de espaço 2510, 2554 dali; de causa
1694, 1701, 2392, 2555, 2557, 2604 por isso, por causa disso; indicativo
de declaração anterior 480, 1332, 2446, 2447, para isso, nisso; genit.
1075, 308, de que; de relações partitivas 153, 950, 955, 1202, 1702,
2739 disso, de que; de relações ablativas 2, 17, 25, 227, 252, 262, 356,
363, 685, 1312, 1442, 1791, 2016, 2242, 2260, 2521, 2525 acerca disso,
disso, devido a isso, para isso, com isso; 971, 1713, 2319 por isso.
endurar v. tr. 35, 874, 2040 sofrer, padecer, suportar.
enfadado, a adj. 2739 aborrecido, contrariado.
enfinger v. reflex. de alg. 1732, 1738, gabar-se, enaltecer-se.
enfinta subst. f. 1721, 1724, 1726, 1730, 1736 fingimento, ficção; fazer
enfinta de alg. 1724, 1730, 1736 fingir-se, fingir para alguém.
enganar v. tr. 70, 2653 enganar, trair.
enmenda subst. f. 1292 compensação, satisfação.
e-no vid. e.
enquisa subst. f. 2641 juiz de instrução, inquiridor.
ensandecer v. intr. 756 perder o juízo.
ental que conj. 130 a fim de que.
entender v. tr. 139, 714, 716, 722, 1695, 1698 etc. perceber, notar; 312,
346, 581, 617, 1078, 1115 etc., compreender, entender.
entom adv. 91, 143, 437, 896, 976, 1073 etc., então.
entrar v. intr. 1132 iniciar, chegar; entrar no coraçom a alg. 1164 vir, ocorrer
à mente de alguém.
enveja subst. f. 2385 anelo, desejo. [sehnsucht, verlangen]
enviar v. tr. 1651, 1657, 1663, 1665 enviar, mandar.
er vid. ar.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

era subst. f. 2627 era, tempo.


erger v. tr. imperat. 2. pl. ergede 1152; pret. perf. 3. sg. ergeu 2247; infin.
erger 2243; 1152, 2243 levantar; reflex. 2247 por-se de pé.
errar v. intr. a alg. 72, 823, 1128, 1135, 1404, ser, tornar-se infiel a alguém;
819, 1396 extraviar-se, enganar-se; tr. 1702 equivocar-se.
erro subst. m. 646 erro, equívoco, engano.
escaecer v. intr. a alg. 740, 994 olvidar, sair da mente; tr. 2570 esquecer-se
de alguém.
escolher v. tr. 313, 949, 1417, 2151, 2163 eleger, escolher; decidir-se por.
escontra prep. 2586 contra, perante.
escusar v. tr. 20, 21 privar-se de algo, renunciar a algo.
esforçar v. reflex. 155, esforçar-se, aplicar-se.
esmorecer v. intr. 1141 estar inconsciente.
espanto subst. m. 2436 susto, sobressalto.
esquivo, a adj. 1364, 2239, 2240, 2379 acerbo, duro, desagradável;
esquiv’aja deus quem...2240 que possa experimentar a severidade de
Deus aquele que...
esse pron. demonstr. m. 718, 734, 1272, 1278, 1284; f. essa 254, 1725,
2738; neutro esso 588, 1440, 2050 esse, essa, isso; o, a, o.
estado subst. m. 556, 1004 estado, situação.
estar v. intr. pres. indic. 1. sg. estou 366, 369 etc.; 3. sg. está 53, 54 etc.; 2.
pl. estades 1104, 1737; imperat. 2. pl. estade 1737, 1996; subj. 3. sg.
estê 60; pret. imperf. 3. sg. estava 448, 1123; subj. pret. imperf. 1. sg.
estevesse 1099; fut. imperf. 3. sg. estará 225; ger. estando 422 estar,
encontrar-se; estar (bem ou mal) a alg. 53, 54, 225, 1172 ficar (bem ou
mal) a alguém; estar de alg. 204, 1737 estar (bem ou mal) com alguém.
este pron. demonstr. m. 122, 137, 174, 207, 532 etc., pl. estes 238, 489,
675, 796, 803, 1375, etc.; f. esta 185, 191, 197, 741, 747, 783; neutro
esto 52, 131, 134, 167, 173, 505 etc., este, esta, isto, estes; por esto
846, 1372, 1619, 1754, 1772, 2080 por isto.
estragar v. tr. 2402 estragar, aniquilar.
estranhado, a adj. 1008 alienado, distante.
estranhar v. tr. a alg. alg. c. 2450 repreender alguém por algo.
estranho, a adj. 873 estranho, peculiar.
estremar v. tr. 427, 433, 439 distinguir.

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Glossário

eu pron. pes. 1. p. sg. 8, 14, 25, 29, 33, 34 etc., eu.


expedir v. reflex. 2254 despedir-se de.

face subst. f. 2611, 2618, 2625 rosto.


fala subst. f. 2259 conversa, conversação.
falar v. intr. 115, 127, 149, 202, 443, 504 etc., falar, conversar, dizer.
falecer v. intr. 141 faltar, carecer.
falha subst. f. em sem falha 1295, 1619, 1653 impecável, sem dúvida.
falir v. intr. pres. indic. 3. sg. fal 831; p.p. falido 1834; 831 faltar, carecer;
1834 tornar-se perjuro.
falsidade subst. f. 2408, 2423 falsidade, infidelidade.
falso, a adj. 2183, 2407, 2417 falso, infiel.
fame subst. f. 2741 2412 fome.
fazedor subst. m. 2606 fazedor, realizador.
fazenda subst. f. 203, 209, 215, 2125 questão, assunto; 2598 incumbência,
obrigação.
fazer v. tr. pres. indic. 1. sg. faço 691, 1017 etc.; 3. sg. faz 73, 253; 1. pl.
fazemos 2377; 2. pl. fazedes 118, 220 etc.; imperat. 2 pl. fazede 106;
subj. pres. 1. sg. faça 1986; 3 sg. faça 1260, 1373; 2. pl. façades 1249,
1724 etc.; pret. perf. 1. sg. fiz 647, 1733 etc.; 3. sg. fez 10, 27 etc., fezo
868, 2620, feze 1769; 2. pl. fezestes 2169; pret. mais que perf. 1. sg.
fezera 629; subj. pret. imperf. 3. sg. fezesse 1558; 2. pl. fezessedes
676, 682 etc.; fut. imperf. 1. sg. farei 9, 26; 3. sg. fará 320, 538; 2. pl.
faredes 467, 473 etc.; fut. cond. 1. sg. faria 1116, 1134; 2. pl. fariades
811; infin. pes. 2. pl. fazerdes 690, 932 etc.; infin. fazer 4, 59 etc.; ger.
fazendo 1976, 1977 etc., fabricar, fazer; 316, 318, 499 criar, fazer
existir; 73, 2563 praticar, cometer; fazer vida 2377 levar uma vida;
fazer bem 2518, 2523, 2530 prestar um favor; reflex. fazer-se
maravilhada 1980 maravilhar-se; poder fazer-se 2005 ser possível.
fe subst. f. em fórmulas afirmativas per boa fe 183, 289, 299, 420, 432, 569
etc.; a la minha fe 762 por minha fé; fe que devedes 233 por vossa fé.
feito subst. m. 73 façanha, ato; 566, 865, 1690, 1974 assunto.
feito, a adj. 2654 treinado.
feitura subst. f. 1495 criatura, ser.
femença subst. f. 1452 investigação diligente, detalhada.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

feo, a adj. 2590 feio.


feramente adv. 2732 severamente.
fiar v. intr. per alg. 1126 confiar em alguém; reflex. de alg. 2388 fiar-se em
alguém.
ficar v. intr. 2250, 2539, 2546, 2553, 2686, estar, permanecer, restar; ficar
per alg. de fazer alg. c. 1505, 1506, 1511 não fazer por culpa de alguém;
ficar por alg. c., 2002 ser responsável por; 2669 sair disso.
filha subst. f. 1739, 1744, 1748, 1756 filha.
filhar v. tr. 969 escolher, tomar; 2401 retirar, roubar; fut. cond. 1. sg. filhar-
lh’ia 969.
flores vid. frol.
Flores n. p. 700 Flores.
fogo subst. m. 2759 fogo, purgatório.
folgança subst. f. 1549 repouso, exaltação.
folgar v. intr. 1984, 2477, 2490, 2496, 2502 etc., alegrar-se, divertir-se.
f(o)lores vid. flores.
fóra de prep. 2657 fora de, fora.
força subst. f. 981, 1322, 1361, fortitude, força.
forçar v. tr. 630, 1314, 1315, 1321, 1370, 1436, 2640 coagir, submeter;
tomar com violência; 445 oprimir, atormentar; com a e infin. 408,
com de 1189 obrigar.
forte adj. 458, 1343, 1675, 1701, 2372, 2470 forte, impetuoso; 1066, 2089
funesto, infeliz.
fremoso, a adj. 82, 223, 289, 584, 1130, 1419, 2535 belo, magnífico; fremoso
adv. 2587 belamente, gentilmente.
fremosura subst. f. 831, 1302, 2548 beleza.
frol subst. f. 911, 918, 923, 1913, 1917, 1919 etc., flor; pl. flores 457, 1136,
1857, f(o)lores 1860 flores.

galardom subst. m. 398, 407, 969, 1052, 1096, 1512 etc., recompensa,
agradecimento.
garrido, a adj. 2364 namorado [verliebt]
governar v. tr. 2750 dominar, reger; reflex. 2749 governar-se, dominar-se.

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Glossário

gradecer v. tr. pres. indic. 1. sg. gradesco 207; fut. imperf. 1. sg. gradecer-
vo-lo-ei 2448; 2344, 2446 agradecer, dever*.
grado subst. m. 230, 239, 503, 516, 968, 1001, 1071 etc., agradecimento,
pagamento; aver grado 230, 1012 aver bom grado 503 ter gratidão;
dar bom grado 2338, poer b. g. 2332 agradecer, retribuir; aver mal
grado 2327 ter ingratidão; aver por grado 1300 estar disposto; de grado
adv. 629, 1097, 1313, 1638, 1807, 1812 etc., de bom grado, de livre
vontade; a seu grado 1837 de livre vontade.
gram, grande ad. 13, 96, 125, 136, 1549, 2741 grande, longo, completo;
compar. maior 26, 89, 271, 698, 883, 952, 1065 etc., maior; maior = o
maior 163, 170, 177; superl. o maior 65, 471, 939, 955, 1382, 1555
etc., o maior; gram adv. 1347, 1358 muito.
grande vid. gram.
grave adj. 35, 97, 286, 291, 297 etc., pesado, preocupante, sério; en grave
dia 446, 851, 852, 997, 1051 etc., em um dia infeliz.
greu adj. na expressão m’é greu 721, 904, 2444, 2468 custa-me muito.
guaanhar v. tr. 1753, 2675, 2754, 2760, 2766 ganhar, obter.
guardar v. tr. 1171, 2764 reter, manter; 2057, 2645 proteger, salvaguardar;
guardar alg. de ou com que e subj. 2164, 2170, 2779 proteger alguém
de alguma coisa; 2667 guardar (rebanho), vigiar; reflex. 85, 755, 1700,
2131, 2269 proteger-se de algo.
guarecer v. intr. 638, 644, 650 viver (Cf. V. 556, CB. 109 e guarir B. 556,
1185, CB. 109) 2137 restabelecer-se, curar-se.
guarida subst. f. 1145, 1365, 2600, cura, salvação.
guarir v. tr. fut. imperf. 1. sg. guarrei 2095; 1187, 1672, 1678, 1684, 1691,
1697, 2322 curar, salvar; 2092, 2095 morar, viver.
guisa subst. f. 133, 713, 1321, 1559, 2226 etc., maneira, modo; d’outra
guisa 1559 de outra maneira; sem guisa 2329 2335, 2341 desarrazoado,
impróprio; em guisa que 2198 de tal forma que.
guisado, a adj. 988 adequado, justo; fazer guisado 1069, 1623 agir
corretamente; andar em guisado 2763 agir sabiamente, com prudência.

* No original alemão, parece haver um engano. Em vez de danken, verdanken, cujo sentido se
ajusta aos versos 2344 e 2448, consta denken, verdenken [pensar, censurar]. Na verdade, an e en
confundem-se facilmente nos textos manuscritos de Lang. Quanto a 2446, ali não ocorre o verbo
“gradecer”. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

guisar v. tr. 126, 201, 322, 485, 487, 492 etc., dispor, ordenar; 1914, 1918,
1926, 2265, 2271 preparar-se, estar pronto; reflex. 980, 2267 resignar-
se, conformar-se.

i adv. 24, 115, 246, 484, 546, 552 etc., lá, ali, por lá; com isso, nisso; por i
2562 deste modo.
ifante subst. m. 1102, 1110, 1118 filho de rei, príncipe.
igual adj. 841 mesmo, igual.
iguar v. reflex. 1576, 1583, 1590 igualar-se, comparar-se.
inchado, a adj. 2646 tumefato, inflado.
infernal adj. 2607 infernal; maligno.
inferno subst. m. 2753 inferno.
inverno subst. m. 2751 inverno.
ir v. tr. pres. indic. 1. sg. vou 1424, 1437; 3. sg. vai 254, 865; 2. pl. ides
2037, 2718 etc.; 3. pl. vam 922; imperat. 2. sg. vai 1841, 1844 etc.; 2.
pl. ide, 1427, 2021 etc.; pret. perf. 1. sg. fui 148, 175 etc.; 3. sg. foi*
129, 316 etc.; pret. mais que perf. 3. sg. fôra 1770; subj. pret. imperf.
3. sg. fosse 2205, 2211; subj. fut. 3 sg. fôr 119, 642; infin. pes. 1. pl.
irmos 2265, 2271 etc.; 2. pl. irdes 542, 546 etc.; infin. ir 31, 551 etc.;
865, 1189, 1377, 1428, 1450, 1530, 1536 ir, comportar-se; 36, 923,
1427, 1432, 1594, 2035, 2346 etc., partir, passar, fluir; acontecer; ir
por vosso 1424, 1437 ser vosso amante; aux. com infin. 254, com ger.
2673.
ira subst. f. 1903 raiva, cólera.
irado, a adj. 975, 2224 encolerizado, furioso; irad’aja deus quem... 2224
possa sentir a ira de Deus aquele que...
Iseu n. p. 705 Isolda.

ja adv. 24, 29, 78, 189, 221 etc., já; ja sempre 51 continuamente; jamais
1160, 1263, jamais nunca 1252, 1422, jamais nom 2483 nunca; ja quanto
1301, 2668 um pouco, um momento.

* Falta no verbete a forma “foi”, registrada contudo nos versos indicados. (N.E.)

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Glossário

jazer v. intr. pres. indic. 3. sg. jaz 2744 etc.; pret. imperf. 3. sg. jazia 1676,
2732; pret. perf. jouve 1138, 2626, jazer, prostrar-se.
Joam Bolo n. p. 2626, 2657, 2673.
Joam, Dom n.p. 2691, 2713 Don Joam.
Joam Simhom n. p. 2767, 2783.
juiz subst. m. 2631 juiz.
juizo subst. m. 652 julgamento.
julgar v. tr. fut. imperf. 3. sg. julgar-mha 642, 649; 637 etc., condenar.
jurado, a adj. 2367 prometido, comprometido.
jurar v. tr. 1655, 1661, 1680, 1867, 2109 fazer juramento.

la, las vid. a.


lá adv. 1599, 1635, 1640, 1645 ali.
lançar v. tr. 2411, 2416, 2421 lançar, jogar.
lavar v. tr. 1883, 1888, 1891, 1895, 1896, 1900 lavar.
lazerar v. tr. 632, 2597, padecer, expiar; trazer alg. mal lazerado 2597 trazer
alguém maltratado, em condição miserável.
leal adj. 10, 50, 845, 2015 fiel, devotado.
lealdade subst. f. 2407 fidelidade, devotamento.
ledo, a adj. 2244, 2245, 2247, 2250, 2251, 2255 etc., alegre, contente.
leixar v. tr. infin. pes. 2. pl. leixardes 1216, 1222 etc.; 753, 759, 765, 1216,
1393, 1407, 1530 etc., com prep. de 618 deixar, habituar, consentir;
2676, 2677, 2680, 2684, 2690 legar, abandonar, deixar; 2718, 2724,
2730 abandonar, deixar em paz; 29 abster-se, renunciar.
levantar v. reflex. 1881, 1882, 1886, 1887, 1892, 1897 etc., erguer-se,
levantar-se.
levar v. tr. 108, 231, 268, 273, 279, 418 etc., portar, suportar, sofrer; 635,
2510 trazer, conduzir; 1899, 1906, 2604, 2634, 2678, 2684 etc., carregar
embora; remover, roubar; 149, 1725, 2781 buscar.
lezer subst. m. 2483 descanso, alegria.
lhe, lhi, lh’ pron. pes. 3. p. dat. sg. e pl. 34, 65, 132, 149, 156, 1679, 1693
etc.; para ele, para ela, para eles; dat. de interesse 2588.
liero adv. 1841, 1844, 1847, 1850, 1856 leve, rápido.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ligeiro, a adj. 2649 ágil, destro.


lixoso, a adj. 2590 sórdido.
lo vid. o.
loado, a adj. 2348 louvado, enaltecido.
loar v. tr. 830, 915, 971, 989 enaltecer, louvar.
lobo subst. m. 2747 lobo.
logar subst. m. 378, 381, 536, 2039 lugar.
logo adv. 629, 924, 1239, 1651, 1657, 1663, 2104 imediatamente; logo
logo 2110 sem demora; logo conj. 126 tão logo que.
longe adv. 366, 369, 372, 375, 378, 381 longe, distante.
longo, a adj. 2099 longo.
loor subst. m. 45, 813, 814, 843, 852, 1518 etc., louvor, elogio.
lorbaga subst. f. 2734 esterco de cabra, estrume de cabra.
louçano, a, loução adj. 692, 1133, 1842, 1886, 2650 alegre, contente; belo,
forte; louçana! 1799, 1802, 1805 etc. feliz!
louco, a adj. 2391, 2403 doido, louco por...
louvar v. reflex. 2524 enaltecer-se, gabar-se.
lume subst. m. 237, 1281 luz; lume d’estes olhos meus, ibid. epíteto da
amada.

m’ vid. me.
ma vid. meu.
madre subst. f. 1821, 1823 etc., mãe.
maestre subst. m. 2644 médico.
maior vid. gram.
mais vid. muito.
mais conj. 35, 39, 53, 86, 106, 137, 250 etc., mas, porém.
mal subst. m. 2, 48, 101, 105, 132, 187 etc., sofrimento, infortúnio, dano;
47, 58, 598, 604, 2606 etc., mal, maldade, injustiça.
mal adj. 422, 951, 963, 2219, 2413, 2613 ruim, insignificante; mal pecado
adv. 2761 para o infortúnio; mal adv. 53, 54, 60, 529, 899, 2597, 2756
mal, ruim; 2229, 2230 muito; compar. peior 20, 102, 144, 182, 952,
957, 963; adv. 696, 1258 pior, mais mal; superl. o peior 102, 465, 1340,
1391 o pior, o menor.

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Glossário

maldizer v. tr. subj. pres. 3. sg. maldiga 2390; pret. perf. 1. sg. maldezi 525,
maldisse 2580; amaldiçoar, execrar.
mandado subst. m. 639, 645, 651, 978, 1625, 1648 etc., mensagem, notícia.
mandar v. intr. 1434, 1746, 1756, 2096, 2210 ordenar, mandar; 1722, 1728,
1734 informar, fazer saber.
maneira subst. f. 828 modo, maneira.
manhado, a adj. 2662 dotado de determinada condição*.
mao, maa adj. 712, 2589 ruim, mau.
mão subst. f. 333, 343, 353, 1129 mão; teer na mão alg. c., 334-353, ter
diante de si, estar iminente a alguém.
maravilha subst. f. 596, 602, 608, 1993 prodígio.
maravilhado, a adj. 1989, 2377, 2647 admirado, assombrado; fazer-se
maravilhado 1984 admirar-se, estar espantado.
Maria n.p. Santa Maria! 1141; por S. M. 1498, 2100, 2472 a Virgem Maria.
matar v. tr. 49, 63, 576, 1697, 1703 etc., matar; reflex. 521 matar-se.
me, mi, mh, m’ pron. pes. 1. sg. conjuntivo; dat. 1, 2, 17, 40, 43, 48, 85,
438 etc., para mim; acus. 106, 142, 529, 576, 585, 587 etc., me; com
reflex. 25, 30, 36, 43, 112, 151, 252 etc., para mim, me.
medes pron. demonst. 443, 529 mesmo, próprio.
medo subst. m. 580, 2224, 2628 temor.
meirinho subst. m. 2628 funcionário da justiça.
melhor vid. bom.
Melion n. p. 2605 Melion.
Melion Garcia n. p. 2584 Melion Garcia.
mengua vid. mingua.
meninha subst. f. 2586 jovenzinha, órfã.
mente subst. f. viir em mente a alg. 360 vir à mente de alguém; pl. mentes
na frase meter mentes em alg. c. 1002 fixar a mente em algo, atentar
para algo.
mentir v. intr. subj. pres. 3. sg. mença 1455; 256, 263, 1665, 1725 etc.,
mentir; 1455 ser infiel, negar, abandonar alguém.

* No contexto do v. citado, “de má condição”. Cf. M.R.Lapa, Cantigas de escarnho e de mal dizer
dos cancioneiros medievais galego-portugueses. Lisboa: Sá da Costa, 1995, p. 76, nota ao v. 16:
“manhosa, de má condição”. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

mentre adv. 1467, 2639 enquanto.


mercee subst. f. 554, 571, 592, 1514, 2022, 2028 etc., compaixão, piedade,
graça.
merecer v. tr. 63, 79, 132, 614, 827, 857, 2660 ser digno de.
merecedor adj. 56, 866 o merecido, meritório.
mester adj. Seer mester a alg. 112 ser útil a alguém; 1402, 2630 ser
necessário; nom a mester 2143 não é bom, não é razoável.
mesura subst. f. 1305, 1355, 2549 medida, limite; 224, 648, 849, 1305,
1389, 1483, 1493, 1500 comedimento, cortesia.
mesurado, a 929, 1490, 2010 comedido, cortês.
meter v. tr. 1002, 1316, 1452 colocar; fixar, trazer; nom meter em com
infin. 474 estar muito longe de; meter em cor 1059 infundir, inspirar;
reflex. 1903, 1908 lançar-se, pôr-se, tornar-se.
meu pron. pes. 1. p. m. sg. 19, 23, 53, 77, 99, 110 etc., meu; subst. o meu
1128, 1446, 1576, 1583, 1591, 2053 etc., o meu; f. sg. mha, ma, minha
8, 19, 33, 61, 762, 1059, 1567 minha; pl. m. meus 237, 489, 518, 621,
635, 675 etc., meus.
mez subst. m. 2645, 2776 mês.
mh vid. me.
mi vid. me.
mi, mim pron. pes. 1. p. sg. obl., absoluto; acus. 49, 56, 158, 297, 529, 621,
1624 etc., me; após prep. 1, 21, 33, 60, 62, 208 etc., mim, me; em vez
de eu 1326 eu.
migo pron pes. 1. p. 978, 1598, 1604, 1609, 1613, 1649 etc., comigo.
mil num. 1596, 1602, 1608, 2591 mil.
mim vid. mi.
mingua, mengua subst. f. 4, 10, 20, 691, 1513 falta, erro; fazer mingua de
sem 691; agir de forma imprudente, tola; seer com mingua de sem
1949 ter falta de inteligência.
minguado, a adj. 1943, 2603 desprovido, carente de alguma coisa.
minguar v. tr. 153, faltar, carecer; intr. minguar em alg. c., 1518 estar com
falta de algo, ser frágil, faltar algo a alguém.
minha vid. meu.
moirer, morrer v. intr. 1, 87, 134, 189, 194, 512 etc., morrer.
molher subst. f. 449, 655, 657, 845, 1127, 1328 etc. mulher, senhora.

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Glossário

monstrar vid. mostrar.


montar v. impes. ascender; ter importância; nen monta bem nem mal 1727
não é importante, não quer dizer nada.
morar v. intr. 1106, 2047, 2080, 2556, 2636 morar, viver, permanecer.
mortal adj. 1022, 1259, 2031, 2289 mortal.
morte subst. f. 8, 14, 16, 24, 39 etc., morte.
morto, a adj. 12, 67, 1666, 2009, 2030 morto.
mostrar, monstrar v. tr. 69, 203, 1378, 1693, 1699, 2711 mostrar, exibir,
apresentar, tornar conhecido.
mua subst. f. 2629, 2633, 2639, 2652 mula.
muacha subst. f. 2655, 2666 mula.
mudar v. tr. 1272, 1278, 1284, 1285 modificar, transformar, emendar.
mui adv. 13, 16, 37, 55, 76, 78, etc., muito.
muito, a adj. 108, 132, 266, 278, 947, 1485 etc., muito, grande; muito a
424, 718, 855, 1218, 1251, 1642 etc., de muito tempo para cá, há longo
tempo; muito adv. 84, 334, 442, 846, 1653, 2725 etc., bem, muito,
longamente; compar. mais 158, 165, 194, 284, 293, 299 etc., mais;
junto a adj. 304, 371; mais = o mais 146; superl. o mais 477 o mais;
junto a adj. 2150; adv. o mais que 11, 916 tanto quanto.
mundo subst. m. 146, 526, 598, 761, 834, 1093 etc., mundo.

na vid. a.
nacer v. intr. pret. perf. 1. sg. naci 1051, 2014, etc.; pret. mais q. perf. 3. sg.
nacera 456; subj. pret. imperf. 1 sg. nacesse 2373; p.p. nado, nada 780,
2009 etc., nascer.
nada subst. m. como determinação mais detalhada da negação 1125, 1202,
2016, 2376 nada.
nado, a pron. indef. 1496 qualquer um.
namorado, a adj. 506, 704, 773, 1127, 1560, 2465 amante, enamorado;
namorado subst. m. 1126, 1715, 1818, 2227, 2324 amado.
negado, a adj. 2629, escondido, ilegítimo.
negar v. tr. 1592 encobrir, ocultar.
nem conj. 33, 136, 139, 165, 251, 274 etc., e não, também não.
nembrado, a adj. Seer nembrado de alg. c. 356 lembrar-se de algo.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

nembrar v. tr. 875 lembrar-se de algo; intr. nembrar a alg. 1616, 1622, 1628
vir à mente de alguém; reflex. (com de) 152, 528, 749, 750, 1229, 1852
etc., lembrar-se de algo; nembrar-se alg., 2576 lembrar-se de alguém.
nenhum pron. indef. m. 47, 226, 234, 242, 589, 818, 968 etc.; f. nenhua 38,
nenhunha 463, 713 nenhum, nenhuma.
no vid. o.
noite subst. f. 777, 2596 noite; noit’e dia 778, 2596 dia e noite.
noja subst. f. 1442, 2714, 2726 desgosto, fastio, aflição.
nojoso, a adj. 2745 mal-humorado, cansado.
nom adv. 5, 17, 24, 25, 40, 46 etc., não.
nostro, a pron. pos. 1. p. pl. apenas em nostro senhor 27, 95, 206, 212, 218,
269 Nosso Senhor (Deus).
novas subst. f. pl. 1644, 1858, 1861, 1863, 1866 notícia, informação.
nozir v. intr. 178 prejudicar.
nulho, a pron. indef. 153, 568, 1042; nulha rem 677, 1178, 1395, 1469,
1946, 2181 nada; per nulha rem 677, 683, 689 de nenhum modo.
nunca adv. 32, 37, 57, 58, 72, 95 etc., nunca; 2098 em algum tempo.

o pron. demonstr. 3. p. sg. m. e ntr.; nom. 167, 677, 1151, 1468, 1552, 2750
etc., aquele, aquilo; acus. 216, 394, 572, 617, 641, 715, 1980 etc.,
aquele, aquilo; pl. os nom. 911, 918, 921; com prep. do 152, 1455, dos
1382, 1631 etc., ao 1733.
o, lo, l’ pron. pes. 3. p. sg. acus. m. e ntr.; m. 65, 70, 111, 113, 119, 139;
ntr. 155, 156, 322, 344, 438, 481 etc., o.
o, lo art. m. sg. 11, 23, 29, 110, 123, 128 etc.; pl. os 518, 621, 635, 930,
935, 1607 etc.; com prep. ao 1350, 1421 etc., al 2139, do 101, 146 etc.,
no (em-lo) 99, 180 etc., polo (por-lo) 53, 184 etc., aos 680, dos 686,
804 etc.
obridar v. reflex. a alg. ser esquecido por alguém.
ocajom subst. m. 347 infortúnio.
ogano subst. m. 2627 este ano.
oimais adv. 27, 29, 584, 1125, 2100, 2215, 2376 de agora em diante.
oir v. tr. imperat. 2. pl. oide 362; pret. perf. 1. sg. oi 126, 639 etc.; 3. sg. oiu
1426, 1625; inf. 1441; ouvir, ouvir dizer.

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Glossário

oje adv. 47, 328, 504, 515, 730, 739 hoje; oj’este dia 509 no dia de hoje.
olho subst. m. 237, 483, 490, 497 etc., olho.
olivas subst. f. pl. 2772, 2778, 2784 doença de garganta do animal.
omem, ome subst. m. 10, 356, 358, 362, 780, 788 etc., homem; 2012, 2607,
2648 pessoa; pron. indef. 662, 1296, 2634, 2656, 2667, 2739 alguém,
sujeito indeterminado.
omildoso, a 2534 humilde.
onde pron. adv. 38, 1013, 1303, 1358, 2539 de onde, do que, em que, com que.
ora adv. 407, 462, 543, 712, 1238, 1392 etc., agora.
osmar v. tr. 613, 744, 954, 961, 1591 conceber, imaginar; estimar.
oste subst. f. 1631 hoste, exército.
ou conj. 66, 110, 117, 813, 1182, 1188 etc., ou; ou...ou 2584 ou...ou.
ousado, a adj. 2658 atrevido, audacioso, temerário.
ousar v. intr. Com infin. puro 1953, 1955, 1967, 2287, 2293; com prep. a
1173, 1183, 2228, 2233, 2238, 2243 atrever-se.
outro, a pron. indef. 64, 393, 577, 674, 681, 2110 etc., outro, mais; n’outro
dia 148, 442, 2691, 2712 recentemente; outra vez 810, anteriormente;
outro tal 1363, 2517 do mesmo modo, da mesma maneira.

padecer v. tr. pres. indic. 1. sg. padesco 2570; 131, 953, 1241, 2566, 2567
sofrer.
pagar v. tr. 1013, 2539, 2546, 2553, 2740 pagar, contentar; reflex. 252,
255, 258, 264, 2399 ter prazer em alguma coisa.
pano subst. m. 2589 tecido, fazenda.
papagai subst. m. 1136, 1143, 1147 papagaio.
par subst. m. 41, 128, 318, 625, 735, 741 etc., algo similar, igual; aver par
741, 747, 1016, 1086, 1380, 1586 ter o seu equivalente; fazer par 41,
128, 318, 625, 735, 762 etc., criar semelhante; poer par 788 colocar
igual ao lado; seer par de morte 1028, 1344 ser equivalente à morte,
ser mortal; sem par 889, 920, 955 sem igual; nom veer par a alg. c.,
1442, 2018 não ver nada semelhante a alguma coisa.
par adv. 2700 (= per) muito; prep. par deus 54, 415, 446 etc., por; 2782
(= por) por meio de.
para vid. pera.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

paraje subst. m. 2585 posição, nascimento, nobre.


parecer v. intr. pres. indic. 1. sg. paresco 2326; 1288, 1295, 2326, 2542
parecer, aparentar; 1953 aparecer, mostrar-se; subst. m. 557, 718, 734,
1421, 1958, 2330 etc., aparência, aspecto.
parlar subst. m. 2719 falatório, palavrório.
parte subst. f. 1234, 1237 parcela; 978 notícia, informação; nom saber de
si parte nem mandado 978 estar inconsolável.
partir v. tr. 1191, 1197, 1206, 1379, 1674, 2090 etc., separar, distanciar;
tomar, desviar; partir de morte 363 salvar da morte; 174, 2268, 2275,
evitar; 2038, separar-se, ir embora; reflex. 423, 1319, 1446, 2245,
2251, 2257 separar-se.
passar v. tr. 950, 958, 1045, 1166, 1220, 2053 etc., experimentar, sentir;
passar de alg. c. 2627 acabar; 2209 transgredir, violar; passar per
coraçom 469 vir, ocorrer à mente de alguém; passar por alg., 891, 956,
2136, 2157 penetrar; acontecer a alguém; passar (do julgamento) 652
ser pronunciado, declarado; 884, 1160, 1507, 1519, 2187, 2254
sobrevir, ocorrer; reflex. 1705, 1825, 1830, 1879, 2045 escoar, decorrer.
pastor subst. f. 441, 1121, 1146, 1420 pastora, guardadora; subst. m. 2648
pastor, guardador.
pavor subst. m. 39, 96, 339, 583, 1068, medo, temor, terror.
pé subst. m. 2672 pé.
peça subst. f. 1137, 2720, em gram peça um bom tempo.
pecado subst. m. 930, 992, 2212, 2612 pecado; 2659 culpa, desgraça; seer
seu mal pecado 2761 ser seu próprio mal; mao pecado adv. 707 por
desventura.
pecador subst. m. 49, 694, 862, 999, 1040, 2605 pecador.
pedir v. tr. 554, 984, 1271, 1276 solicitar, implorar.
pedra subst. f. 2411, 2416, 2421 pedra.
peior vid. mao.
pensar v. tr. 1010 pensar, considerar; nom é pensado 787 não é de se pensar.
pequeno, a adj. 394, 484, 583 pequeno, insignificante, pouco.
per prep. para indicação de direção 469, 950, 1956, 2205, 2211, 2217 etc.,
através; do meio etc., 46, 116, 326, 662, 771, 1019, 1370 etc., por
meio de, com; da causa 24, 67, 2695, 2701 etc., por meio de, por causa
de; 677, 683, 689 por; per ante 2214 diante de; per como 2777 de
acordo com o que, conforme o que...; per u 459 onde quer que; per

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Glossário

poder que eu ouvesse 771, segundo minhas maiores possibilidades;


em afirmações per boa fe etc., de acordo com; vid. fe.
pera, para prep. para indicação de finalidade 311, 317, 323; com infin.
flexionado 1429, 2293, 2296 para, a fim, a fim de que; indicação de
direção, movimento 2111 para.
perceber v. tr. 138 conscientizar-se, notar.
perder v. tr. pres. indic. 1. sg. perço 1403, 2425; subj. pres. 3. sg. perca
2220; 2. pl. perçades 1752; p.p. perdudo 2025, 2769 ficar sem a posse
de; factitivo 1796 arruinar-se; reflex. 2782 perecer.
perdiçom subst. f. 925, 983, 1264 ânsia, aflição, sofrimento amoroso.
perdoar v. intr. subj. pres. 3. sg. perdom 92, 121 etc.; 75, 92, 121, 275, 962 etc.,
perdoar.
perdom subst. m. 74, 984 perdão, graça.
perguntar v. intr. 616, 810, 927, 1979 perguntar; perguntar por alg., 1869,
1872 inquirir por alguém.
perjura subst. f. 2102, 2108, 2114 jura, promessa.
perjurado, a adj. 1831, 1836, 2112 perjuro, abjurador.
perjurar reflex. 2106, 2116 tornar-se perjuro, infiel.
pero adv. 260, 304, pero en 1470 por isso, por causa disso; conj. 178, 281,
623, 663, 669, 695 etc., contudo, no entanto; 23, 96, 161, 168, 372,
375, pero que 15, 175, 366, 369 ainda que.
pesar v. intr. subj. pres. 3. sg. pes 227, 235 etc., pesar a alg. de alg. c., 227,
235, 243, 672, 678, 1157, 2285 etc., sinto muito, incomoda-me (etc.),
custa-me...
pesar subst. m. 34, 90, 117, 123, 136, 425 etc., preocupação, sofrimento; a
pesar adv. 450 todavia, não obstante.
pinho subst. m. 1913, 1919 pinheiro, abeto.
pino subst. m. 1857 pinheiro, abeto.
plazer vid. prazer.
poder v. intr. pres. indic. 1. sg. posso 37, 65 etc.; 3. sg. póde 46, 48 etc.; 2
pl. podedes 22, 70 etc.; 3. pl. podem 1991; subj. pres. 1. sg. possa 745;
3. sg. possa 32, 847; 2. pl. possades 69, 346; pret. imperf. 3. sg. podia
11, 940; pret. perf. 1. sg. pudi 528, 534 etc.; 3. sg. pode 1781, 1787
etc., 2. pl. podestes 1572; pret. mais q. perf. 1. sg. podéra 628; subj.
pret. imperf. 1. sg. podesse 90, 407 etc.; 2. pl. podessedes 2071; fut.
imperf. 3. sg. poderá 2610, 2637 etc.; 2. pl. poderedes 1171; fut. condic.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

1 sg. poderia 770, 1488; 3. sg. poderia 299; 2. pl. poderiades 1193;
subj. fut. 3. sg. poder 2182, 2264; 2. pl. poderdes 466, 471 etc.; infin.
408; poder; 2166, 2172, 2178 ser capaz, realizar; auxiliar 1461 poder;
que pód’ e val 48, 415 o poderoso e defensor (atributos de Deus).
poder subst. m. 84, 156, 480, 731, 752, 905, 1232 poder, força, capacidade;
a vosso poder 467, 473, 479 segundo vossa capacidade; a todo meu
poder 941, 2172 no melhor de minhas forças.
poderoso, a adj. 222, 1532, 1681 poderoso, abastado.
poer, põer, poner v. tr. pres. indic. 3. sg. poen* 1936, 1941 etc.; subj. pres.
3. sg. ponha 1336, 2161; pret. perf. 3. sg. pos 206, 212 etc.; 2 pl.
posestes 1154; subj. pret. imperf. 3 sg. posesse 788; fut. imperf. 3 sg.
porrá 1962, 1968 etc.; infin. 58, 626, 2208 etc.; pôr, colocar; dispor,
atribuir; poer conselho vid. conselho; poer no coraçom 1154, 1962,
1968, 2213 propor-se, decidir-se; poer com alg.; 1649, 1864 combinar,
arranjar com alguém; 2641 expor, demonstrar judicialmente.
poi-la vid. pois e a.
pois adv. 4, 926 então; conj. 12, 67, 112, 114, 190, 196 etc., pois que 34,
57, 201, 306, 541 etc., pois, porque.
polo vid. por e o.
poner vid. poer.
ponto subst. m. 1067, 1977, 2089 momento, hora.
por prep. 2, 14, 80, 132, 186, 189 etc., por causa de, em razão de; para
designação de causa, do meio 93, 105, 278, 349, 415, 535 etc., através
de, de; de finalidade 187, 193, 196, 199, 405, 728 etc., para, como; de
direção, movimento 891, 2688 por meio de; em fórmulas de afirmação
por Deus 59, 107 etc., por quam boa vos el fez 790, 807 etc., por;
julgar por 637, filhar por 969, andar por 1424, teer por 229, 592, 931,
1448 etc., por, como; com infin. 140, 581, 2122, 2128, 2375, 2376 etc.,
para, a fim de que; por quanto 321 por mais que; 338, 498 de acordo
com tudo que...; 18, 1634, 1639 pelo que, portanto; 504, porque, pois.
porem, porende adv. 73, 80, 121, 214, 378, 452, 633 etc., por causa disso,
portanto, por isso.
porfiar v. intr. 2725 ser obstinado, não desistir de algo.
porque conj. 9, 26, 53, 93, 100, 135 etc., porque.
posse subst. f. 1671, 1677, 1683 poder, capacidade.

* Nos versos indicados está “pom”. (N.E.)

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Glossário

pouco, a adj. 5, 588, 850, 1551, 1961, 1997 pouco; pouco adv. 329 pouco.
pousada subst. f. 2626 albergue, casa.
praga subst. f. 2736, 2742, 2748 maldição, imprecação; praga por praga
maldição por maldição.
pram adj. em de pram adv. 75, 280, 1028, 2614, 2694 sem mais,
simplesmente; de bom grado.
prazer v. intr. pres. indic. 3 sg. praz 1, 2 etc.; subj. pres. praza 1307; subj.
pret. imperf. 1 sg. prouguesse 1294; subj. fut. 3 sg. prouguer 753, 1205
etc.; fut. condic. 3 sg. prazeria 1105 agradar.
prazer subst. m. 8, 90, 271, 277, 283, 424 etc., alegria, deleite; gosto; veer
prazer de si 2480, 2486 ter alegria, estar contente; fazer o prazer a alg.
2446, 2452, 2458 fazer o favor a alguém; nom veja prazer 257 nunca
eu possa ser feliz; s’i veja prazer 1601 tão certo como eu possa ser
feliz; personif. meu prazer 2165 meu amado.
prazo subst. m. 1822, 1825, 1827, 1830, 1876, 1879 prazo, tempo aprazado.
preda subst. f. 1685 perda.
preito subst. m. 1524, 1689, 2189, 2294, 2297 etc., acordo, compromisso.
prender v. tr. 28, 347 tomar; experimentar, sofrer.
preto adj. 371, 377, 383; adv. 358 perto.
prez subst. m. 813, 814, 818, 831, 843, 872, 929 etc., preço, valor; de prez
2043 valioso.
prizom subst. f. 1176, 1181, 1186 cativeiro, poder.
proënçal n. p. 828 Provençal; pl. proënçaes 908.
prol subst. f. 394, 2184, 2604, vantagem; ter prol 394, 463, 1439, aver prol
2184 aproveitar, trazer vantagem.
provar v. tr. 2631, 2633, 2637, 2644 demonstrar, expor; 2657 tentar.
proveito subst. m. 1556, 2411 vantagem, benefício.
punhar v. intr. com en e infin. 553, 1367, com de e infin. 2442 esforçar-se,
aplicar-se.
puridade, poridade subst. f. 1509, 1515, 1521 segredo, silêncio.

qual pron. rel. 3, 95, 98, 274, 508, 514 etc., que tipo de; qual quer 2631
cada qual, qualquer um.
quam adv. 71, 108, 615, 790, 2542 como.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

quando conj. 6, 43, 62, 81, 148, 2426 etc., quando; quando ... quando 1706
ora ... ora.
quanto, a pron. indef. 105, 220, 231, 321, 409, 419 etc., quanto, quão grande;
per quanto 1124, 1144, 2669 tanto quanto; por quant’ a que...1389 por
causa do longo tempo que...; quant’a 2449 há quanto tempo, há longo
tempo; quanto adv. 82, 305, 706, 1089, 1367, 1682, 2308 etc., tanto
quanto, tão grande quanto.
que pron. interrog. 35, 61, 66, 210, 327, 593 etc., qual, o que; pron. relat.
36, 42, 48, 63, 94, 101 etc., o, a qual, que, o que; após prep. (pes. =
hoje quem) 206, 212, 218, 525, 535, 536 etc., a quem, quem, de quem;
relativo sem relação [Beziehungsloses Relativum] 164, 171, 177 qual,
quanto; advérbio relativo 436, 877, 881, 934, 960, 1138, 1421, 1594,
2471 (= em que, com que, da qual).
que conj. após expressões de fala etc. 3, 9, 22, 25, 37, 74 etc., que, tal que;
de intenção, de finalidade 141, 204, 210, 346, 1659, 1816 etc., para
que; de motivo 56, 239, 1495 pois, porque; de comparação 11, 21, 27,
180, 182, 387, 621 que; 325 substituindo desquando, 750 quando,
1050 pois que; adv. 593, 750, 873, 1097, 1250, 1288, 1647 como; após
expressões adverbiais de invocação etc. 1257*, 1754, 1971.
quebranto subst. m. 1297, 2438, 2543 tristeza, mágoa.
queixar v. reflex. 441, 448, 1150, 1309, 2687, 2688 lamentar-se, queixar-se.
queixoso subst. m. 2584 demandante.
quejendo, a adj. 1293 qual, de que natureza.
quem pron. relat. 73, 206, 212, 260, 482, 489 etc., quem; qual, aquele que;
quen vos tal fez 499, 501 Vosso criador; come quen ele é 2158 como
aquele que ele é; pron. interrog. 107, 110, 116, 117, 123, 356 quem, a
quem?
quem quer pron. indef. 727, 2332 quem quer que, todo aquele que.
querer v. tr. pres. indic. 1 sg. quero 18, 25 etc.; 3 sg. quer 89, 143 etc.; 2 pl.
queredes 694, 702 etc.; imperat. 2 pl. querede* 693, 803 etc.; subj.
pres. 3 sg. queira 864; 2 pl. queirades 59, 549; pret. imperf. 1 sg. queria
270, 276 etc.; 2 pl. queriades 2111; pret. perf. 1 sg. quis 154, 654 etc.,
quiji 941, 1270; 3 sg. quis 58, 127, quiso 766, 835; 2 pl. quisestes 413,
1682; pret. mais q. perf. quisera 2221; subj. pret. imperf. 1 sg quisesse

* Parece haver erro na indicação deste verso, e não nos foi possível encontrar a referência correta.
(N.E.)
* Falta no texto, por óbvio engano. (N.E.)

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Glossário

768; 3 sg. quisesse 322, 1290; 2 pl. quisessedes 809; fut.imperf. 1 sg.
querrei 654, 658 etc.; 3 sg. querrá 656, 659 etc.; fut. condic. 1 sg. querria
567; subj. fut. 2 pl. quiserdes 591, 1544 etc.; infin. pes. 2 pl. quererdes
1228; infin. querer 40, 165 etc.; ger. querendo 1072; 1215, 1228, 1330,
1351, 1365 etc., querer, estar disposto; 660, 697, 948, 1174, 1696,
2060 etc., desejar; 530, 655, 1270, 1347, 1431, 2358 etc., amar.
quitar v. tr. 1367 afastar, dissuadir; reflex. 151, 627, 1313, 2103 separar-
se, afastar-se de, libertar-se de algo.

ramo subst. m. 1860, 1917, 1923 ramo, galho.


ranhoso, a adj. 2747 ranhento [rotzig].
rapaz subst. m. 2677, 2683, 2685, 2689 rapaz, jovem.
razom subst. f. 61, 68, 349, 400, 643, 924, 1383 causa, justificativa; 537,
2703 entendimento, razão; 1947, 2525, modo e maneira; fazer razom
1116, 1614, 1620, 2318, 2560 ter razão nisso, fazer direito; seer razom
1413, 2422, 2521 ser correto, justo; teer por razom 1156, 1213, 1514,
1965 considerar correto, justo; sem razom adv. 611, 1273, 1279, 1285,
1732, 2769 incorreto, injusto, injustamente.
recado subst. m. 982, 1336, 1579, 1667, 2310, 2543 mensagem, resposta,
notícia; conselho, auxílio; non aver recado 1579 estar perplexo; poer
recado 1336 aconselhar a alguém; ajudar.
recear v. tr. com prep. de 83, 715, 719 temer, ter medo.
rei subst. m. 311, 317, 323, 1102, 1107, 1118, 1594 rei; el-rei o rei.
Reinel n. p. 2644 nome de um médico.
remusgador adj. 2666 teimoso.
rem subst. f. 104, 149, 288, 393, 431, 476 etc., coisa, algo; para
determinação mais detalhada da negação 246, 801, 982, 1200, 1370,
1721 etc., nada, de modo nenhum; personif. 146, 696, 702, 708 ente,
criatura.
revelador adj. 2655 indócil.
revolver v. tr. 2750 folhear, consultar.
riir v. intr. 2247, 2255; subst. 844 rir.
rocim subst. m. 2654, 2661, 2665, 2678, 2680, 2684, 2685 cavalo pequeno.
rogar v. tr. 543, 544, 752, 758, 1342, 1362 etc., pedir, suplicar.
rua subst. f. 2636, 2688 rua.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

sa vid. seu.
sabedor adj. masc. 106, 590, 917, 1037, 2191, 2608; fem. 13, 32, 308, 817,
836, 890, 900, 1218 etc., conhecedor, informado.
sabedoria subst. f. 2418 artimanha, perfídia.
saber v. tr. pres. indic. 1 sg. sei 3, 9, etc; 3 sg. sabe 71, 78 etc.; 2 pl. sabedes
312, 553 (sabede-lo); 3 pl. sabem 821; imperat. 2 pl. sabede 326, 896;
subj. pres. 1 sg. sabha 1472, 1479 etc.; 2 pl. sabhades 2389; pret. imperf.
1 sg. sabia 2541; 3 sg. sabia 2420; pret. perf. 1 sg. soubi 825, 933; 1 pl.
soubemos 2520, 2526 etc.; 2 pl. soubestes 2519, 2525 etc.; subj. pret.
imperf. 3 sg. soubesse, 782, 970; 2 pl. soubessedes 414, 418 etc.; fut.
imperf. 3 sg. saberá 662; 2 pl. saberedes 116; fut, condic. 1 sg. saberia
769; subj. fut. 1 sg. souber 1480; infin. 22; ger. sabendo 1105;
p.p. sabudo 1524; saber, poder, entender, conhecer, inteirar-se.
saber subst. m. 77, 1315 o saber, a habilidade; saber e sen ibid.
sabor subst. m. 39, 250, 262, 1061, 1076, 2023, 2314, 2662 gosto, prazer;
prazer e sabor 1061, 2314.
saboroso adv. 1131 agradavelmente, amavelmente.
sair v. intr. pres. indic. 3 sg. sal 23; fut. imperf. 1 sg. sairei 100; infin. sair
536; p.p. saido 1822, 1825 etc.; 23, 1822, 1827, 1876 expirar (do tempo);
sair de alg. c., 100 escapar de alguma coisa, livrar-se dela; 536 saltar;
sair do mez 2776 sobreviver ao mês.
salva subst. f. 66 justificativa.
salvar verbo reflex. 634, 636 justificar-se.
sandeu adj. 1558 tolo.
sangrar v. tr. 2771, 2775 verter sangue.
sanha subst. f. 1908 cólera, raiva.
sanhudo, a adj. 1425, 2234, 2235 irado; sanhud’aja deus quem ... que possa
experimentar a ira de Deus aquele que...
sano, a adj. 1870, 1873, 1875, 1878 saudável.
santo, a adj. 1141, 1489, 2100 santo.
são, sãa adj. 340 curado, saudável; f. pl. sãas 2770.
sazom subst. f. 272, 484, 1375 espaço de tempo, período; 918 florescência;
algua sazom 1480 alguma vez; a gram sazom 272, 549, 1026, 1593 desde
muito tempo; com sazom 2770 no tempo certo; nulha sazom 568 nunca.
se conj. 47, 92, 111, 115, 119, 121 etc., se; em fórmulas afirmativas 310,
337, 618, 1601, 1617, 1642, 1656, 2250 etc., tão certo quanto, tão

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Glossário

verdadeiro quanto; se nom 39, 109, 220, 370, 376, 382 etc., se não, ou
seja... exceto.
se pron. reflex. 3 p. 23, 46, 133, 441, 448, 457 etc., se.
seer v. intr. pres. indic. 1 sg. sõo 476, 490 etc., sejo 1650, 1662 etc.; 2 sg. es
453, 460; 3 sg. é 34, 55 etc.; est (antes de vogal) 44, 291 etc,; 2 pl.
sodes 222, 890; 3 pl. som 45, 402; imperat. 2 pl. seede 356, 817; subj.
pres. 1 sg. seja 1013; 3 sg. seja 989, 2384 etc.; 2 pl. sejades 1243,
2013; pret. imperf. 3 sg. era 135, 971 etc., 2 pl. erades 311, 317 etc.; 3
pl. eram 456, 518; pret. perf. 1 sg. fui 50, 877 etc., foi 57, 1257, sevi
2720; 3 sg. foi 77, 1589 etc.; fui 1575, 1582, seve 1660, 1661; 2 pl.
fostes 13, 1682; 3 pl. forom 930; pret. mais q. perf. 3 sg. fôra 451, 516;
subj. pret. imperf. 3 sg. fosse 271, 277; subj. fut. 2 sg. fôres 459; 3 sg.
fôr 12, 36 etc.; 1 pl. formos 81; 2 pl. fordes 62, 2051; fut. imper. 1 sg.
serei 42, 51; 3 sg. será 20, 36 etc.; 2 pl. seeredes 998; fut. condic. 3 sg.
seria 422, 815, infin. 11, 32; ser, acontecer; seer a alg. (bem ou mal)
81, 2727 fazer, ir (bem ou mal) a alguém; seer a alg. com infin. 1036
ter de; seer de com infin. 2011 ter de; nom seer de com infin. 2559 ser
impossível de...; seer de alg. 653, 1142, 2042, 2138, 2564 ; ser feito de
alguém; seer en alg., 1035 estar junto a alguém, depender de alguém;
reflex. 1650, 1662 ser, encontrar-se.
seguramente adv. 2735 decididamente, certamente.
selar v. tr. 1921, 1925, 1927 selar um animal.
sem subst. m. 77, 245, 319, 427, 433, 449 etc.; entendimento; bom sem
839, 1087, 1094 juízo são; fazer mal sem 2219 agir insensatamente.
sem prep. 871, 889, 920, 955, 1305, 1355 etc., sem.
semear v. tr. 2423 semear.
semelhar v. intr. 611, 2682 parecer, aparecer; 1457, 1463 semelhar,
equivaler.
sempre adv. 50, 77, 158, 161, 215, 261 etc., sempre.
semrazom subst. f. 1568 injustiça.
senhor subst. m. 868, 1722, 1728, 1734, 2236, senhor, amo; bom senhor
2152 atributo de Deus; 27, 95, 206, 212, 218, 219, 2166 etc., senhor,
Deus; subst. f. 2163, 2170 na expressão madr’e senhor senhora, dona;
1, 5, 28, 33, 47, 52 etc.; pl. senhores 916 senhoras, amadas.
senhora subst. f. 1144, 1149 senhora, dona.
sentir v. tr. pres. indic. 1 sg. senço 2579; 3, 358, 2578, 2579 sentir.
serviço subst. m. 19 serviço.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 375 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

servidor subst. m. 6, 1070, 1257, 1565, 1566 servo.


servir v. tr. pres. indic. 1 sg. servho 315; 50, 78, 157, 161, 175, 628 etc.;
servir.
seu pron. pos. 3 p. m. sg. 367, 368, 380, 637, 649, 904 etc.; pl. seus 635,
1935, 1944, 1947 etc.; f. sg. sa 355, 648, 2125, 2598, 2643, sua 2676;
pl. sas 916, seu, seus, sua, suas; subst. sg. m. o seu 371, 377, 383 etc.,
f. sg. sua 2633 o seu, a sua, pl. aos seus 240, aos seus amantes.
si pron. reflex. 3 p. absol. 359, 793, 799, 805, 1834, 2746 etc., si.
si adv. 328 assim (= assi); 2036, 2062, 2068, 2074 sim.
sigo pron. reflex. 3 p. 385, 443, 2596 consigo, junto a si.
siquer adv. 1156, 1301 no mínimo, ao menos.
siso subst. m. 2630 juízo.
sobejo, a adj. 1306, 1333, 1345, 2428, 2434 excessivo; sobejo adv. 2513
além das medidas.
sobre prep. 1093 sobre.
soer v. intr. pres. indic. 3 pl. soen 909; pret. imperf. 1 sg. soia 530 costumar,
estar acostumado.
sofredor adj. 42, 845, 876, 1063, 1471 o que sofre, sofredor.
sofrer v. tr. p. p. sofrudo 2231; 15, 114, 118, 137, 185, 191, 1466, 1468 etc.,
sofrer, experimentar; 713 suportar, aguentar.
soidade subst. f. 748, 2078 saudade, nostalgia.
sol adv. 404, 464, 522, 1441, 1762, 1768 somente, só mesmo; sol non 74,
156, 474, 784, 995, 1010 nem mesmo; sol que conj. 1115 somente se.
solaz subst. m. 2493, 2504, 2509, 2514 consolo, alegria.
sospeita subst. f. 2008 suspeita, desconfiança.
sospeitado, a adj. 2013 desconfiado.
sua vid. seu.

tal pron. indef. 14, 73, 79, 86, 133, 176 etc., tal, um tal; tal...qual 6, 7, 9, 10,
145, 146, 697, 703 etc., tal ... como.
talam subst. m. 2613 disposição, inclinação.
talhado, a adj. na expressão bem talhada 354, 1121, 1492, 1498, 1504,
1528, 2434 bem moldado, belo.
talhar v. tr. cortar; compor; talhar preito 2294, 2297, 2299, 2302 fechar um
acordo.

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Glossário

tam adv. 40, 41, 96, 136, 139, 160 etc., tão; tam...quam 615 tanto...como.
tamanho, a adj. 561, 646, 2060, 2065, 2130, 2559, tão grande, tanto.
tanto, a pron. indef. 114, 267, 273, 279, 280, 549 etc., tanto, tão grande;
tanto adv. 268, 327, 742, 833, 1356, 1411 etc., tanto; tanto que conj.
151, 923 tão logo que.
tardada subst. f. 1992 demora, atraso.
tardar v. intr. 1599, 1753, 2001 demorar, atrasar-se, ausentar-se longamente;
subst. m. 2110, relutância, demora.
tarde adv. tarde 1631 tard’ou toste cedo ou tarde.
teer v. tr. pres. indic. 1 sg. tenho 333, 343 etc.; 3 sg. tem 355, 384; 2 pl.
teedes 229, 986; imperat. 2 pl. teede 1156; pret. imperf. 3 sg. tiinha
1558; pret. perf. 3 sg. teve 2639; 2 pl. tevestes 931, 937 etc.; subj. pret.
imperf. 3 sg. tevesse 778; fut. imperf. 1 sg. terrei 592; 3 sg. terrá 1965;
fut. condic. 1 sg. terria 1100, 1108 etc.; ger. teendo 2770; reter, ter,
possuir; 546, 552, 596, 602, 778, 811, 1942 etc., julgar, crer, ser de
opinião que; teer por bem 1167, 1224, 1230, 1512 julgar como correto,
como justo; teer em pouco 1521* menosprezar; 1509, 1515, 1521
conservar, guardar; teer torto a alg., 1354 fazer injustiça a alguém;
reflex. teer-se por...ver-se como...
temer v. tr. 1344 ter medo; reflex. 2417 ter medo de algo.
tempo subst. m. 638, 644, 650, 880, 911, 1705 etc., tempo; 23, período de
vida; gram temp’a 633, 972, 1328, 2161, 2253, 2266 etc., há muito
tempo; algun tempo 1472 alguma vez.
tercero, a num. 1673 terceiro; tercer dia no terceiro dia.
terra subst. f. 31, 44, 542 terra.
ti, t’ pron. pes. 2 p. sg. conjuntivo; dat. 459; acus. 446; ti, te.
tirar v. tr. 1384 arrancar, libertar; 1523 remover, ganhar, colher; 2656 mover,
afastar, puxar.
todavia adv. 776, 1108, 2505 sempre, ainda.
todo, a pron. indef. 137, 505, 532, 837, 1494, 2315 etc., cada, todo, tudo.
tolheito, a adj. 2391, 2397, 2403 entorpecido.
tolher v. tr. 746, 1193, 1201, 1208, 1320, 2283 retirar, impedir; nom mi
tolhe rem nem mi dá 1731 para mim é indiferente.

* Parece haver engano na remissão ao v. 1521, que, aliás, é repetido corretamente na próxima
acepção. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

tomar v. tr. 1323, 1324, 1499, 1503, 1504, 2008, 2555 etc., experimentar,
sentir; tomar prazer em si 2004 sentir alegria.
tornada subst. f. retorno; de tornada adv. 2006 de volta.
tornar v. intr. 154, 1580, 1598, 1600, 1604, 1606 etc., retornar, voltar; 1425
tornar-se, tornar-se novamente; 2255 virar-se; tornar recado 2538,
2545, 2552 dar réplica, resposta; reflex. 1652, 1658, 1664 retornar.
torto subst. m. 159, 160, 647, 991, 1354 injustiça, sofrimento, dano.
tosquiar v. tr.. 2721 esfregar.
toste adv. 1633 logo.
trabalhar v. reflex. com prep. de 2184 esforçar-se por...
traëdor subst. m. 637, 643, 649 traidor.
trager v. tr. pres. indic. 1 sg. trago 977, 1849 etc.; 3 sg. trax 899, 1055, trage
2586, 2602 etc.; 2 pl. tragedes 1007; imperat. 2 sg. traz (em tra-lo)
848; 2 pl. treide 1929, 1933; pret. imperf. 3 sg. tragia 1129, 2629 etc.;
pret. perf. 3 sg. trouxe 2632; 2 pl. trouxestes 2186, 2189 etc.; subj. fut.
3 sg. trouxer 1956; infin. 1428, 1689 etc.; 977, 1129, 1428, 1956, 2484,
2586, 2602 portar, trazer, conduzir, conduzir consigo; trager mal alg.,
899 maltratar, atormentar; 1007, 1055, 2597, 2629, 2642, 2650 manter,
possuir; trager um preito 1689, 2189 manter, observar um acordo;
trage-lo 2186 comportar-se, portar-se em relação a algo, portar-se;
tra-lo 848 exceto; reflex. treide-vos 1929, 1933 apressai-vos.
traïçom subst. f. 2522, 2563 traição.
tra-lo vid. trager.
travar v. intr. en alg. c. 2226 combater, lutar com algo.
treïçom subst. f. 1567 traição.
treide vid. trager.
tres num. 2768, 2778, 2780 três.
Tristam n. p. 705 Tristão.
triste adj. 1611, 1615, 1617, 1621, 1623, 1627 etc., aflito, melancólico.
trobar v. intr. 250, 251, 253 etc., poetar; subst. m. 30, 924 o poetar.
tu pron. pes. 2 sg. nom; absol. 453 tu.

u adv. 32, 44, 142, 373, 560, 565, 570 etc., onde; pron. adv. 597, 603, 609,
612 no qual; conj. 975, 1686 que, sempre que; 1381, 2483, 2496, 2524,

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Glossário

2648 pois, porque; d’u 373, 542 onde; 36, 612, 1430, de onde, donde;
per u 459, 2206, 2212, 2218 onde quer que.
ua vid. um.
um art. indef. m. sg. 354, 358, 362, 829, 1130, 1308; ua 288, 476, 655, 663,
1348, 2390 etc.; unha 309, 441, 1121, 1137, 1328, 1420 etc., um, uma;
f. pl. uas 457, unhas 1136 algumas.

vagar subst. m. 730 ócio, tempo.


valer v. intr. pres. indic. 3 sg. val 48, 113 etc.; subj. pres. 3 sg. valha 251,
269 etc.; subj. pret. imperf. 3 sg. valvesse 1289; fut condic. valrria
2145, 2380; infin. pes. 2 pl. valerdes 1388, 1396 etc.; infin. valer 743,
867; 48, 113, 190, 251, 260, 1066 etc., ajudar, assistir a; 743, 796,
867, 1412 ser valioso, valer; impes. 194, 2145, 2380 ser melhor.
valor subst. m. 837 valor, preço.
vão, vãa adj. presunçoso, vazio; em vão adv. 350, 1135 embalde.
varom subst. m. 1427 homem, senhor.
vassala subst. f. 28 vassala.
veer v. tr. pres. indic. 1 sg. vejo 202, 268 etc.; 2 pl. vedes 999; imperat. 2 pl.
veede 159, 724, veedes 356, 360 etc., vedes 1293, 1644, 2120; subj.
pres. 1 sg. veja 86, 257 etc.; 2 pl. vejades 204, 210 etc.; pret. perf. 1 sg.
vi 125 147 etc.; 3 sg. vio 1296, 1465 etc.; 2 pl. vistes 2254; 3 pl. virom
793, 799 etc.; subj. pret. imperf. 1 sg. visse 142, 482 etc.; fut. imperf.
1 sg. verei 91, veerei 213, 559 etc.; 3 sg. verá 1938, veerá 2617; 2 pl.
vee-lo-edes 1152; 3 pl. verám 675, 681 etc.; subj. fut. 1 sg. vir 560, 565
etc.; 3 sg. vir 1616, 1622 etc.; infin. pes. 2 pl. veerdes 2442, 2448 etc.;
infin. 90, 97 etc., ver, observar.
vegada subst. f. 2591 vez.
vel adv. 1477 mas, pelo menos.
velido, a adj. 1839, 1881, 2350 gracioso, bonito, belo.
vento subst. m. 1893, 1898, 1901, 1906 vento.
ventura subst. f. 221, 2717, 2723, 2729 sorte.
verão subst. m. 1132 primavera, verão.
verdade subst. f. 309, 314, 336, 1146, 1577, 1581 verdade, afirmação
verdadeira.
verdadeiro, a adj. verdadeiro; verdadeira mente adv. 976 verdadeiramente.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

verde adj. 1857, 1860 verde.


vestir v. tr. 2589, 2752 vestir.
vez subst. f. 435, 496, 525, 673, 791 etc., vez; a vezes adv. 384, por vezes
adv. 2457 de vez em quando; a vezes...a vezes 1139-1140 ora ... ora;
ua vez ja 2048 ainda uma vez.
viço subst. m. 1076 alegria, deleite.
vida subst. f. 945, 1148, 1366, 1502, 2377, 2599 vida.
viir v. intr. indic. 1 sg. venho 52, 344; 3 sg. vem 195, 205 etc.; subj. pres.
3 sg. venha 48, 360 etc.; pret. perf. 3 sg. veo 1957, 1963 etc.; fut. imperf.
3 pl. verrám 1633; infin. 597, 603 etc., vir; 48, 105, 205, 597, 812,
1155 acontecer, ocorrer; reflex. 1633 retornar.
vila subst. f. 2351, 2356, 2657 herdade, casa de campo, lar.
vilano subst. m. 2651 camponês, servo.
viltança subst. f. 392, 399, 406 aviltamento, infâmia.
vingar v. reflex. 133, 1019, 1025, 1031, 1032, 2712 vingar-se.
virgeu subst. m. 1419 horto.
viver v. intr. 21, 24, 51, 124, 140, 144 etc.; viver; tr. viver vida 1502, 1525,
1537, 2609 levar, conduzir a vida.
vivo, a adj. 559, 1870, 1873, 1875, 1878, 2770 vivente, em vida.
vo em vo-lhi, vo-lo vid. vos.
vogado subst. m. 2645 advogado, jurista.
vos, vo (proclit. diante de l), pron. pes. 2 pl. conjuntivo; dat. 4, 9, 18, 20,
50, 52 etc.; acus. 72, 78, 83, 86, 125, 126 etc., vos.
vos pron. pes. 2 pl. absol.; nom. 61, 103, 118, 466, 472, 625 etc.; acus. 14,
560, 565, 570, 821, 822, 2088 etc.; após prep. 47, 53, 67, 80, 105, 109
etc., vós.
vosco pron. pes. 2 pl. 325, 1876, 1879, 2226 convosco.
vosso, a pron pes. 2 p. pl.; 2, 128, 184, 249, 253, 259, 328 etc., vosso,
vossa; subst. o vosso 1383, 1457, 2038, 2045, 2054 etc., o vosso, a
vossa; por vosso 1424, 1435, 1437, 2464 como vosso admirador, amado.

xe, xi pron. pes. dat. e acus.; como dativo ético 1776, 1943, 2658, 2668,
2727; reflex. como acus. (em ligação com pron. pes.) 364, 2254,
2604 se.

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Glossário

E STUDOS

381

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda * 1

As mais antigas obras da lírica cortês galego-portuguesa, cujos


primórdios remontam, sabidamente, à segunda metade do século XII2, esta-
vam disponíveis, até há bem pouco, apenas no muito valioso, embora danifi-
cado, códice pergamináceo conservado no Palácio Real da Ajuda, em Lis-
boa, publicado parcialmente em 1849 por Varnhagen3, e, na maior parte, tam-
bém nas edições diplomáticas de Monaci dos dois cancioneiros italianos, em
versões frequentemente transmitidas de forma bastante corrompida. Ao pu-
blicar a edição do Cancioneiro da Ajuda, prometida desde 1880 e que, na
configuração que lhe foi aqui dada, abrange não menos de 467 cantigas,
Carolina Michaëlis de Vasconcelos, cuja erudição e vigor tão significativa-
mente promoveram o conhecimento da língua e da literatura portuguesas,
tornou acessível aos círculos científicos uma parte considerável da lírica em
português arcaico. É de esperar que essa nova iniciativa estimule um retorno
ao estudo dessa poesia, tanto em Portugal como no estrangeiro, com mais
frequência e solidez do que até agora se fez4, e se procure penetrar em

* “Zum Cancioneiro da Ajuda”, em Zeitschrift für romanische Philologie XXXII (1908), pp. 129-
160; 291-311; 385-399; 640. [As correções indicadas à p. 640 do original forma incorporadas à
tradução (N.E.)]
1
A propósito da seguinte obra: Cancioneiro da Ajuda. Edição crítica e commentada por Carolina
Michaëlis de Vasconcellos. Volume I: Texto, com resumos em alemão, notas e eschemas metricos.
Volume II. Investigações bibliographicas, biographicas e historico-litterarias. Halle a. S., Max Niemeyer,
1904. Originalmente, ela deveria ser apenas objeto de uma resenha na Zeitschr., mas despertou tantas
questões, que julgamos dever nos ocupar dela aqui de forma mais livre e minuciosa.
2
Vid. Denis, p. XXV ss.[Cancioneiro d’el Rei Dom Denis, neste volume, p. 73 ss.]. Aponte-se
novamente, como já o fizemos em Modern Language Notes 10, p. 209 ss. [neste volume,
pp. 456-457], o importante fato de que Rambaut de Vaqueiras deve ter sido estimulado a exerci-
tar-se poeticamente em língua galego-portuguesa já antes de 1194, na corte de Afonso VIII de
Castela (1158-1214).
3
Trovas e Cantares. Madri 1849. – Cancioneirinho das Trovas antigas etc.Viena, 1870. – Novas
Paginas etc.Viena, 1870 (?). Não tive acesso a esta última publicação.
4
Não são desejáveis, porém, trabalhos como o que Gassner publicou no último número de
Romanische Forschungen, 20, 560 ss., acerca da “linguagem do rei D. Denis de Portugal”. O
conhecimento e a consciência que guiaram essa investigação ficam patentes a partir do seguinte

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

la dottrina che s’asconde


sotto’l velame degli versi strani.*

Uma vez que esta obra teve a sua preparação iniciada já em 1877,
segundo o prefácio (Advertencia Preliminar), e portanto deve ser vista como
fruto de mais de vinte anos de trabalho sobre o assunto, vale a pena subme-
ter os resultados do método ali aplicado a uma observação minuciosa.
No início da coletânea, estão as 310 cantigas conservadas no Códice
da Ajuda, na ordem ali existente, acompanhadas de indicação das lacunas e
do seu conteúdo provável. Essas lacunas são preenchidas com base na com-
paração crítica com os dois manuscritos italianos (CV. = Cancioneiro da
Vaticana e CCB. = Cancioneiro Colocci Brancuti), em 18 secções do Apên-
dice, contendo as cantigas de nº. 311-467; igualmente se acrescentam os
nomes dos autores, que, como se sabe, faltam completamente no Códice da
Ajuda (CA.). Os manuscritos italianos, portanto, contribuíram com nada
menos que 157 poemas para a coletânea em causa5. A maior parte dessas

exemplo (p. 577, § 29): “Para au, há apenas alguns exemplos, infelizmente. Cornu, Pg. Gram.
§ 33, diz que esse ditongo é tratado de igual modo em posições tônicas e átonas. Mas Denis
emprega, do verbo laudare, apenas formas com o pretônico: loar (v. 830, 915), loado (v. 971,
989, 2648), ao lado dos quais, porém, está louva (v. 2524). Lang, distorcendo totalmente os
dados, apresenta, no seu Glossário, loar e louvar realmente como verbos diferentes. A verdade
dos fatos permite concluir que au tornou-se ou em posição tônica; em pretônica, porém, original-
mente o, como o comprovam os substantivos loor e, caso a suposição apresentada no § 8 esteja
correta, também lorbaga e o infinitivo oir < audire”. Se Gassner tivesse, como era sua obriga-
ção, estendido os seus estudos do cancioneiro do rei D. Denis, que contém apenas 138 poemas,
para, ao menos, as outras 1067 peças do Códice da Vaticana (e ele esteve em Roma por mais
tempo, nas suas próprias palavras), as 438 do Colocci-Brancuti e as 418 Cantigas de Santa Maria
de Afonso X, para não falar de outros documentos importantes, então os seguintes exemplos tê-
lo-iam informado sobre a verdade dos fatos:
I. o em sílaba tônica. CA. 6897 loo (= laudo); 3156 lóe; CM. 160 (refrão): Quen bõa dona querrá
loar, lo’ (= loe) a que par non á.
II. o em sílaba átona. CA. 3159, 3163, etc. loar; CM. 384, 13 etc. loade; CV. 293, 962, 1030,
1118, etc.; CCB. 439, CM. 373 loado.
III. ou em sílaba tônica. Braga, Contos pop. II, 42, louva-la; CCB. 318, 14 ouuen = öen;
CV. 995, 19 ouue = audit.
IV. ou em sílaba átona. CCB. 374, 6 louvar; do mesmo modo, Graal 25, 37 e passim
(cf. o recorrente outorgar, por exemplo, Graal 24, 17); Braga, Contos II, 44 louvou-a; CV. 962
louvado; Graal 2, 28; 3, 20 etc. louvor ; Braga, loc. cit., 34, 49 etc. louvores; CV. 822 12 ouui
(= audivi); Graal 23, 16 ouuide, ouuiron, frequentemente; 5, 20 etc. ouuir.
O trabalho exibe ainda, além disso, as características que marcam o seu livro, publicado há 11
anos, sobre o verbo do antigo espanhol.
* Dante, Divina Comédia, Inferno, XI, vv. 62-63 (N.E.)
5
É uma questão muito importante, que não se pode tratar satisfatoriamente de forma breve, saber se
os poemas assim incorporados a CA. pertencem ao acervo primitivo do mesmo e se outros, não
acolhidos, lhe faltam legitimamente. A emérita pesquisadora, que procurou, com grande acuidade,
resolver o espinhoso problema de reproduzir o conteúdo original de CA., diz em CA. II, 210:
“Quanto às tentativas de preencher lacunas, estou persuadida que também quasi todas merecem

384

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

467 cantigas é acompanhada de quatro classes de observações, em pé de


página. A primeira classe (= I) contém o aparato das variantes; concomi-
tantemente, deve-se consultar o terceiro capítulo do segundo volume, que
arrola os erros emendados nas margens do próprio Códice da Ajuda. A
segunda classe (= II) trata da forma métrica das cantigas. No prefácio
(p. XII), explica-se que muito do que lá se diz acerca da medida do verso
não seria mais defensável. Abaixo se mostrará que o mesmo vale para o
tratamento dos distintos tipos de rima. A terceira classe (= III) oferece, em
alemão, resumos do conteúdo mais ou menos breves, ou também traduções
mais pormenorizadas dos poemas. A quarta classe (= IV) apresenta as no-
tas marginais introduzidas no Códice da Ajuda nos séculos XV e XVI.
No entanto, se todos os textos foram examinados com o maior
rigor e se todas as variantes, mostrando qualquer lição diferente, foram
contempladas e assinaladas, como se declara no Prefácio, p. XI, referin-
do-se ao aparato das variantes, o resultado ficou aquém da intenção. Dentre
os 310 poemas conservados no Códice da Ajuda, para 124 não foram
mencionadas quaisquer variantes deste modelo. Desses 124, 27 foram
transmitidos apenas ali6. Contudo, como abaixo se mostrará, falando de
cada verso em especial, ocorreram desvios do modelo também nesses
casos. Essa circunstância é ainda mais lamentável, porque a editora dei-
xou de lado o texto de Varnhagen, apesar de ele ser digno de observação
por vários motivos. Em primeiro lugar, uma comparação do texto de Var-
nhagen com o original mostra que aquele, a quem, na altura, não estavam
disponíveis nem trabalhos linguísticos anteriores nem as cópias italianas,
fez jus à sua obrigação como editor com escrupulosa fidelidade e uma
compreensão considerável, para aqueles dias, do difícil idioma7. Em se-
gundo lugar, Varnhagen não deixou de influenciar o texto da presente edi-

approvação”. Contudo, aquelas cantigas, que ela mesma em parte mencionou (ibid., 215 ss.) e
que admitiu no Códice por ela considerado como de cantigas de amor em sentido provençal, mas
que pertencem propriamente à classe dos planhs, sirventeses e cantigas de amigo, suscitam dúvi-
das acerca da correção da sua opinião, ainda mais que a omissão de outras cantigas igualmente
antigas ainda precisa ser explicada. A existência de cantigas populares paralelísticas em CA., e o
ponto de vista, defendido em Zeitschrift 28, 385, de que a cantiga de amigo em estilo popular CCB.
348 (= 456) tenha sido composta entre 1194-1199 por Sancho I, não se coadunam bem com a
opinião exposta em Grundriss II, 2, 195, e, mais tarde, em Zeitschrift 19 (1895), p. 591 ss, contra a
minha objeção (Denis, p. CXLI [neste volume, p. 175]), de que as cantigas de maestria foram as
cantigas corteses mais antigas, ao passo que os tipos populares nacionais apenas com o rei Denis
(1279-1325) se tornaram de fato “palacianas”. Depois que as duas cópias italianas do cancioneiro
geral se tornaram conhecidas, a opinião acima mencionada já não era mais sustentável.
6
Nºs. 151, 152, 154, 156-8, 180-182, 211, 214, 235-239, 247, 249, 254, 269, 272, 273, 299,
304-307.
7
Veja-se o que a própria Carolina Michaëlis de Vasconcelos diz a tal respeito, vol. II, p. 170 ss.
Quando se fala, no vol. I, p. X, da edição baralhada de Varnhagen, este juízo parece muito

385

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ção8. Assim, por exemplo, ocasionalmente a tradutora concorda não com o


seu próprio texto, mas com o de Varnhagen, sem considerar a lição distinta
e melhor nas variantes. Também em muitas das grafias adotadas, as Trovas
e Cantares estão à frente da nova edição9. Já que se pode supor, pelo menos
em alguns dos casos em que esta última se afasta de Varnhagen (sem que
isso se assinale nas variantes), que Varnhagen concorda com o manuscrito,
é de concluir-se que muitas das variantes das edições de ambos os manus-
critos italianos, postas à nossa disposição para controle, tenham escapado à
editora ou não tenham sido assinaladas com precisão. As provas para esta
afirmação são fornecidas abaixo, nos comentários aos próprios versos10.
Também é de lamentar que a editora, conduzida provavelmente pelo desejo
de tornar as variantes, frequentemente de difícil leitura, mais compreensí-
veis para o leitor leigo, as tenha interpretado e arranjado de acordo com sua
opinião, ao invés de restituí-las na sua verdadeira forma, seguindo fiel-
mente o modelo11. O resultado deste procedimento é faltar-nos agora um
aparato de variantes confiável para uma parte significativa desta edição tão
cuidada12.
A ortografia do Códice da Ajuda é caracterizada, com razão, como
invulgarmente simples e regular, em comparação com outros documentos
medievais, e, por conseguinte, exige apenas alterações muito pequenas. As
emendas, portanto, que a douta romanista reputou importantes, segundo o
prefácio (p. XII), principalmente na medida em que, para ela, se trata espe-
cialmente da divulgação de pontos de vista corretos sobre essa poesia nos
círculos eruditos de Portugal, são, resumidamente, as seguintes: I. ll e nn,
grafias que, no Códice da Ajuda, da mesma forma que nas Cantigas de
Santa Maria de Afonso X (= CM), representam quase exclusivamente l e n

severo. Na grande maioria dos casos, onde, em nossa edição, se apontam as lições do manuscrito,
encontram-se as mesmas também em Varnhagen (na sequência, citado abreviadamente, Vg.).
Comparem-se, por exemplo, para mencionar só alguns casos, as variantes aos vv. 239, 347, 596,
598, 665, 774-5, 888, 1741, 2231 etc., com o seu texto.
8
Vejam-se, por exemplo, apenas vv. 1636, 3701, 3724, 4031.
9
Assim, coincidem com Vg. grafias como òuvi (v. 5733), prol’ (v. 5521), rogá’-lh’ei (v. 5884),
sábia (v. 1212), sabiádes (v. 1328), á (= habet) , bem como a substituição da forma transmitida
em v. 95, tivi, por tive.
10
Não é de aceitar que esta circunstância se deva à falta de espaço, pois em alguns casos, poder-se-
iam ter omitido ou então abreviado as informações fornecidas nas variantes. Assim, por exem-
plo, para os vv. 193, 404, 566, 665, 1336, 1374, 1426, 1582, 2301, 2382, 2572, 2617, 2494, 2896,
3375, 3499, 5408, 5673, 5683, 5698, 5990, 6364 etc.
11
Serviram como exemplo do uso e correta indicação das variantes de CCB. os números 1-10, 116-
149, 163-164; para os de CV., os números 222-234 e 359 (CV. 943, com a rubrica que falta nos
outros modelos, foi totalmente negligenciado).
12
Comparem-se, por exemplo, vv. 20, 29, 32, 35, 41, 71, 130, 210, 863, 2243, 2819, 2821, 2824,
3087, 3103, 3126, 3154, 3160, 3197, 3238, 3246, 3373, 3422, 5187, 5654, 5729, 5863.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

palatais, são substituídos pelos sinais lh e nh, que surgiram já no século


XIII e até hoje são característicos da língua portuguesa13. Isso, com certe-
za, só pode ser aprovado. Ao invés de u, introduz-se o sinal v antes de
vogais, e ao invés de i e g antes de a, o, u, introduz-se o j. Igualmente com
isso se deve concordar. No entanto, segundo a própria emérita pesquisado-
ra (Zeitschrift 19, 514, nota 3), a fricativa palatal não deve ser também
representada por j, além de g, antes de e e i14. Mas isso acontece com
frequência em nossa edição15; e uma vez que, nos textos editados, no mes-
mo intervalo de tempo, nos volumes 20-29 da Zeitschrift, é praticamente
norma usar j no lugar de g, fica claro que não temos aí um mero equívoco
de leitura ou erro de impressão16. A regra supra mencionada, portanto, não
foi cumprida pela autora.
Quando uma nasal final se encontrava com a consoante inicial do
artigo ou pronome seguinte lo, la, etc., e o l se assimilava à nasal, escrevia-
se, no período de que nos ocupamos aqui, ou perderonno (por exemplo,
v. 2667), non no (por exemplo, v. 2876) ou, como é mais frequente no
Códice da Ajuda, nen o, neno (por exemplo, v. 288), en o, eno (por exemplo,
v. 66), em que temos de reconhecer o mesmo fenômeno que em nemigalha,
ao invés de nemmigalha17.
Vg. também tinha conservado fielmente estas duas grafias, as únicas
correntes no tempo, as quais representam de forma simples e clara a situação
da pronúncia. A Sra. Michaëlis de Vasconcelos substituiu-as, na maior parte
das vezes, por outras grafias estranhas aos documentos, de tal sorte que se
perturba a transmitida simplicidade e unidade da escrita. Por exemplo,
v. 288, encontramos o neno do manuscrito restituído por nen-no; v. 345,
porém, onde o facsímile tem ne o (= nen o), a grafia manuscrita foi mantida,
bem como v. 384, non o. No v. 86, o manuscrito tem e esta (no lugar de
e e.), mas o nosso texto apresenta en-neste. Esta desigualdade de tratamento
de um mesmo caso percorre toda a coletânea. Veja-se ainda o comentário

13
Ao contrário do que se diz exatamente, no mesmo ano, em Zeitschrift 19, p. 519, admite-se, à
p. XXVII, nota 3, que teria sido melhor escrever também mha, sabha, Pavha, ao invés de mia,
sábia, Pávia, como ocorre realmente na edição.
14
Não porque não ocorresse este uso do j, como se diz em Zeitschrift 19, pp. 514 e 520, nota 1, contra
o testemunho dos documentos, mas porque era muito menos frequente do que i e g. Vid., por
exemplo, Graal, em Romania 30, pp. 511 (amerjendo, jemer), 512 (oje, deseje), 513 (jente) etc.
15
Não é necessário citar todos os casos. Também no v. 7224, em que o modelo tem desegey, encon-
tramos desejei. Vejam-se, por exemplo, vv. 364, 370, 374, 427, 571, 716, 1078, 2541, 3704,
3872, 5143-4, 5255, 7081, 7224, 7393, 8113, 8263, 8300, 9432, 9525, 9725, 9752, 9923, 10007,
10069 etc.
16
Zeitschrift 25, 145, 150, 560 (vej’ ende, oje, etc.), vol. 29, 702, 703, 704, 710 (desej’e, vej’est;
oje etc.).
17
Vid. Denis, p. CXLVII. [neste volume, p. 180]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

aos vv. 8453 e 8870. Até, aproximadamente, o v. 3500, as grafias non o,


non-o e non-no alternam-se18; daí em diante (por exemplo, v. 3644),
acrescenta-se-lhes, como quarta possibilidade, no’-no, enquanto,
esporadicamente, ainda se encontram formas como eran-n-as, ao invés de
eran-nas, como no v. 887019 etc.
Na apresentação dos casos aparentados, em que é eliminada a na-
sal final de uma palavra antes da nasal da palavra seguinte, como, por exem-
plo, em comigo ao invés de commigo e semelhantes combinações regula-
res20, não há, da mesma forma, qualquer procedimento uniforme a obser-
var. Os textos antigos escrevem aqui ou non me (por exemplo, v. 3562) ou
no me (por exemplo, v. 3175), e esta grafia encontra-se também mantida
em Vg. Na presente edição, usa-se non me até cerca do v. 3000, daí em
diante, porém, às vezes assim (como, por exemplo, nos vv. 3562, 4082,
4434 etc.), às vezes no’-me (por exemplo, nos vv. 3175, 3283, 4069, 4389
etc.), ao passo que no v. 8014, onde ambos os modelos acusam a interes-
sante forma comelhor, nem está escrito assim, nem co’-melhor, mas con
melhor. A requerida apresentação unitária e, ao mesmo tempo, simples, do
aludido fenômeno sonoro seria facilmente obtida por meio da grafia cons-
tante nõ-no, nõ-me etc.
Certamente se concordará que a editora foi pródiga no uso de acen-
tos, apóstrofos, hífens e sinais de separação, especialmente a partir do
v. 2316. Poderia, no entanto, por um lado, ter observado maior regularida-
de e, por outro, evitado excessos. À página XXV, observa-se que as
proparoxítonas arcaicas (?) òuvi, soùbi (sic)21, pùsi etc. seriam assinaladas
com o acento grave, pois na linguagem de hoje o i final ocorre apenas
quando é tônico. O leitor deveria ser informado se devemos realmente acen-
tuar o u nas formas ouvi, soubi, formadas a partir de hábui, sápui, ou, como
me parece mais correto, o o (assim, òuvi, sòubi), mas isso não fica claro a
partir do procedimento observado nesta edição, tampouco quando o con-
frontamos com o que foi seguido na Zeitschrift. Ao oùvi, soùbi da Introdu-
ção, contrapõem-se, no próprio texto das cantigas, em geral, òuvi, sòubi, ao
passo que, em Zeitschrift, temos ora essa forma, ora oùvi, soùbi, ora tam-

18
Nos textos editados nos volumes 20-29 da Zeitschrift, encontra-se esta escrita também no lugar
em que CA. tem que’-no. Um exemplo instrutivo é, por exemplo, CA. 5682, que’-no, em cujo
lugar encontramos, na Zeitschrift 27, 166, que[n]-no.
19
No Prefácio, p. XVI, nota 5, diz-se que nõ-no, be-no etc. teria sido então, como hoje, a escrita
mais correta.
20
Vide Denis, loc. cit.
21
Também à p. XIX, lemos oùvi, soùbi; na nota 2, p. XXV, porém, òuvi [no texto, por óbvia gralha,
oùvi. (N.E.)]; do mesmo modo no vol. II, 61.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

bém ouvi sem acento22. Do mesmo modo, lemos dìxi nos vv. 7866, 7872,
7878, 9581 etc., díxi no v. 7884; dixi, sem acento, por exemplo, nos
vv. 3801, 3966, 4019, 4030 etc.23. Ou pùdi vv. 4127, 7271, 7842, 9150,
9537, a par de pudi v. 299524.
Quando um e ou o tônico era seguido na sílaba posterior por um i
átono em hiato, recebia um som fechado. De acordo com o Prefácio,
p. XXII, ele é assinalado pela douta pesquisadora por meio de um acento
circunflexo, por exemplo, nos vv. 6383, 6480 dôrmio e, em Zeitschrift 29,
p. 700 sêrvio, 25, 162 cômia. Com a mesma frequência, contudo, emprega-
se o acento grave, como, por exemplo, em 25, 303 còmian, ou o agudo,
como, no mesmo lugar, 307 e, na presente edição, v. 10130 sérvio, ou 7733
sérvia. Não se observa aqui, portanto, uma regra.
Pode-se duvidar de que sejam realmente necessárias grafias como:
vv. 3290 teê’-lh’o, 4929 devinhá’-lo, 8432 rogá’-lh’ei, que, com a colabo-
ração de Leite de Vasconcelos, quase se tornam norma a partir do v. 2316.
Quem realmente lê português não precisa de um hífen, um acento ou um
apóstrofo para entender que tem um infinito diante dos olhos; se não o faz,
porém, de pouca ajuda lhe serão esses sinais eruditos.
Quanto à pontuação, a emérita pesquisadora fez uso abundante dela,
por concessão ao gosto português, como nos explica no Prefácio, p. XXIV.
Com isso, o entendimento das cantigas, usualmente difíceis, foi significati-
vamente facilitado. O esmero e conhecimento com que foram escolhidos e
introduzidos os sinais de pontuação estão entre as melhores coisas que a
presente edição do Cancioneiro da Ajuda oferece. Pode ficar em suspenso
se era necessário introduzir o duplo emprego, comum apenas na Espanha,
do sinal de interrogação e exclamação.
Examinemos, então, o tratamento linguístico do nosso cancioneiro.
A linguagem do nosso cantar cavaleiresco é, como corretamente
nos diz o Prefácio, p. XVIII ss., arcaica e homogênea, e isso já era conheci-
do, de modo geral. A elegância com que surge já nas primeiras cantigas que
nos foram conservadas, no limiar do século XIII, autoriza-nos a aceitar que
a cantiga popular galego-portuguesa, da qual a poesia palaciana hauriu tan-
tos tons cálidos, devia ter sido cultivada, já há muito tempo, de forma cada
vez mais consciente25. Embora ainda não esteja comprovado, é bastante

22
Por exemplo, òuvi 25, 306; 678; oùvi, ibid. 162, 166, 307; 29, 702, 703 etc.; ouvi 20, 159; 29,
700 etc.
23
Em Zeitschrift, ou dixi (por exemplo em 20, 152; 25, 558, 674; 29,708) ou díxi (por exemplo,
25, 166).
24
Em Zeitschrift, ou pudi (25, 559) ou púdi (25, 677). – Nas erratas ao vol.I, pudi está corrigido no
v. 1285, 3175.
25
Vid. as provas mencionadas acima, nota 2.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

provável que tenhamos de ver no aprimorado idioma dos poetas a língua da


província de Entre Douro e Minho, e não a de Lisboa, de acordo com a
opinião da meritória romanista. Para o período seguinte, porém, deve-se
considerar que, com a tomada de Lisboa em 1147, o ponto nevrálgico da
vida política e, com ela, também a cultural do jovem Estado se tenha trans-
ferido cada vez mais para o Sul. Quanto à linguagem que nos ocupa ime-
diatamente, a das cantigas transmitidas no Códice da Ajuda, a sua delimita-
ção proposta à região setentrional, rica em cantos, poderia ser correta, por-
tanto, mas só em menor medida. A expansão da lírica amorosa não apenas
para Leão e Castela, como também para o sul de Portugal, e o animado
intercâmbio deste reino com os países vizinhos devem ter trazido ao diale-
to poético novos elementos, tanto estrangeiros como autóctones, que afeta-
ram a tradicional homogeneidade e prepararam, sob o influxo de um senti-
mento nacional fortemente desenvolvido, aquela separação linguística que,
já no século XIV, encontra sua plena expressão no Graal português e na
Estoria troyã galega.
A propósito da forma espanhola aquelha, posteriormente sugeri-
da, em Zeitschrift 28, p. 387, nota 3*, para completar a palavra rimante na
difícil posição infra referida (v. 968) da cantiga 38, assim se exprime a
erudita editora: “Hispanismos tanto na rima quanto no meio do verso –
como os que são frequentes no Cancioneiro Gallego-Castelhano – não eram
inauditos na primeira época da poesia galego-portuguesa, plenamente com-
preendidos, na boca de galegos e castelhanos. Contudo, o autor do poema
da guarvaia não pertence a essa categoria”.
Mas seria correta a afirmação, não totalmente irrelevante para o
nosso assunto, de que os hispanismos ocorrem apenas entre os galegos e os
castelhanos, mas não entre os portugueses? Não se oferecem, para tanto,
quaisquer comprovações. Devem ser procuradas entre as aproximadamen-
te 36 formas de aspecto mais ou menos espanhol no texto da Ajuda, 15 das
quais a própria editora caracteriza como hispanismos nas variantes, dei-
xando 21 sem menção, por qualquer motivo, e, em parte, nem mesmo
retocadas26. Em ordem alfabética, são as seguintes27:
Acordé-m’ v. 337028; alhi 1528, aquelha 5863; conosciesse 1002;
de que (em lugar de des que) 2173; diré 927, 2107; enganhar 635; fuesse

* Cf. Y. F. Vieira et al., Glosas Marginais ao Cancioneiro Medieval Português de Carolina Michaëlis
de Vasconcelos, p. 433, nota 9. (N.E.)
26
Fique provisoriamente em suspenso saber se essas formas devem ser realmente interpretadas
sempre como hispanismos ou se devem, ao invés de ao poeta, ser atribuídas aos copistas, como
parece provável na maioria dos casos.
27
Os algarismos em negrito indicam as formas desconsideradas.
28
Vid. comentário ao v. 927.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

239; le 3407 (refrão); lexades 5123, 10057; o 47, 1117, 2986, 3889, 7595;
otri 3989, 4089; penso 53; plazer 8326, 853929; plazerá 5623, 7102, 7356;
primero 2065, 2503; quexume 3147, 10065; seso 5952; siquer 917830; sir-
vo 6762, 6786; trae 2382; traicion 549631.
Dessas formas, 11 pertencem aos seguintes poetas, que, de acordo
com as biografias contidas no segundo volume, eram galegos: Fernan Fi-
gueira de Lemos, 7356; Fernan Rodriguez de Calheiros (?), 7595; Joan de
Guilhade, 5123, 10065; Mem Rodriguez Tenoiro, 10057; Pay Gomes
Charinho, 5496, 5623; Vasco Praga de Sandim, 239, 47, 53, 8326; enquan-
to 6 se devem a um espanhol, Pero Garcia, Burgales: 2107, 2065, 2503,
2173, 9178, 2382.
Todas as demais encontram-se em poetas vistos como portugue-
ses: Desconhecido (Roy Fernandez de Briteiros?), 6762, 6786, 5952; Diego
Moniz, 7102; Fernan Garcia Esgaravunha, 2986: Fernan Velho, 5863; João
Coelho, 3889, 3989, 4089; João Soares Somesso, 635; Martin Soarez, 1528,
1117, 1002; Nuneannes Cerzeo, 8539; Pay Soares Taveiroos, 927, 968;
Roy Queimado, 3370, 3147; Vasco Gil, 3407.
Portanto, dos assim chamados hispanismos, 17 correspondem a 7
galegos e espanhóis, e 19, a 11 portugueses.
Na medida em que estes casos, dos quais alguns deveriam ter sido
interpretados de maneira diversa32, outros, atribuídos aos copistas, ao invés
de aos poetas, têm alguma importância, eles comprovam que formas hispâ-
nicas se encontram entre os portugueses tanto quanto entre os seus coetâ-
neos galegos e castelhanos33.
O método observável na presente edição, segundo o qual, por exem-
plo, a forma alhi (v. 1528), transmitida pelo português Martin Soares, não
é substituída por ali, ao passo que foram eliminadas formas abonadas por
documentos coevos, bem como por dialetos atuais, como, por exemplo,
dire-lhes (v. 927), acorde-m’ enton (v.3370), que encontramos do mesmo
modo em um português, conduz a uma outra questão, cujo tratamento coe-
rente e bem circunscrito aos fatos é tão essencial, para a edição de um texto
antigo, como a questão das variantes, da ortografia ou da métrica. Trata-se de

29
Vid. também Denis, v. 1688, e Zeitschrift 19, p. 528, onde esta forma é vista como mero erro de
cópia.
30
Do mesmo modo, por exemplo, CV. 498, 13.
31
A editora emendou todas essas formas, exceto alhi, siquer, sirvo e traicion.
32
Veja-se, por exemplo, o que abaixo se diz para vv. 47, 927, 4089, 5623.
33
[O texto correspondente a essa nota foi eliminado, seguindo as retificações apostas por Lang ao
presente artigo, à p. 640 do original. (N.E.)]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

como se deve comportar a crítica textual quanto às formas fônicas e


oracionais transmitidas nos registros existentes de um documento antigo,
que frequentemente representam distintas etapas de desenvolvimento. Esta
questão é especialmente relevante em um documento que, como o pre-
sente cancioneiro, é obra não de um único autor, mas de uma grande
quantidade de poetas, é verdade que pertencentes à mesma escola literá-
ria, mas também a distintos povos. Só se pode esperar uma solução algo
segura para este problema quando, com base na pesquisa minuciosa de
documentos coetâneos e de outros monumentos linguísticos34, tanto quanto
possível cuidadosamente separados de acordo com sua procedência, bem
como dos resultados da moderna pesquisa dialetal, se tenha examinado o
vocabulário da época de forma a mais exata possível e se tenha estabele-
cido uma diretriz, no sentido de modificar formas linguísticas, mesmo
que de ocorrência isolada no texto com que trabalhamos, apenas quando
não se encontram em outro lugar, nem sejam passíveis de comprovação
segundo a evolução fonética.
A emérita editora admite, no Prefácio, p. XVIII, que nossos poetas,
embora preferissem as formas mais tradicionais, bem ao gosto da tendencia
unitaria de sua escola, ocasionalmente ter-se-iam permitido o uso de cria-
ções novas de caráter popular, como, por exemplo, doe ao invés de dol, faze
em vez de faz, muinto em lugar de muito, e, por conseguinte, ela deixou ficar,
de fato, as mencionadas formas e ainda algumas outras, como, por exemplo,
sirvo (vv. 6762, 6786)35. Mas em regra ela condenou, em seus modelos, as
formas linguísticas transmitidas com menor frequência ou que pareciam, de
algum modo, em contradição com o presumível esforço de unidade da esco-
la, nas quais detectamos o sopro dos bons velhos tempos, mesmo quando sua
autenticidade era testemunhada por outros documentos, bem como pela pes-
quisa da última década. Tais são, por exemplo, os casos discutidos abaixo,
nos comentários aos vv. 95, 105, 261, 898, 927, 2171, 3168, 5623, 5872,
6914, 7124, 7733, 8890, 9121, 1027236.
Ao emendar, ocasionalmente a editora entrou em contradição con-
sigo mesma ou até com o emprego correto da língua, o qual poderia sem
dificuldade ser reconhecido, nos seus principais traços, em um idioma ce-

34
No mesmo sentido manifesta-se Herzog, no terceiro número desta Zeitschrift 31, p. 372, que
agora me chegou às mãos.
35
Vid., a esse respeito, v. 7733.
36
Aqui, como em outros lugares neste artigo, não se trata tanto de casos isolados, que se
possam explicar como equívoco ou por meio de uma outra interpretação do assunto, mas princi-
palmente de saber segundo qual princípio foi tratada, de forma consequente, uma série de casos
semelhantes.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

lebrado justamente por seu caráter de unidade. Exemplos desse tipo encon-
tram-se nas notas aos vv. 95, 105, 1505, 2184, 3506, 5240, 6914, 7317,
7658, 8849, 9121, 9765.
No que se refere à apresentação da forma métrica dos poemas,
contida na categoria II, a própria editora nos comunica, no Prefácio, p. XII,
que não mais manteria muito do que lá dissera, e salienta como incorretas
as denominações octonários jâmbicos e nonários trocaicos, em lugar de
versos de 8, 9 e 10 sílabas contadas aritmeticamente, assim como rimas
longas, breves em vez de agudas, graves. Algumas dessas declarações equi-
vocadas, bem como a denominação incomum de uma medida de verso,
estão emendadas nas erratas; as outras devem ser corrigidas nas Investiga-
ções Linguísticas do prometido terceiro volume. A determinação das medi-
das de verso presentes no nosso cancioneiro, bem como das formas estróficas
e dos sistemas de rima, foi conduzida no geral de modo admirável. Aí e na
esmerada contagem de sílabas, deve-se ver uma das partes mais bem suce-
didas de toda a obra. Não resultou tão bem, contudo, o tratamento da rima
e de outros artifícios que se tornaram conhecidos, por meio dos provençais,
com o nome de rims equivocs, derivatius, replicació etc.
Encontram-se, em nossa coletânea, 42 poemas nos quais uma de-
terminada palavra é repetida, a cada estrofe, duas ou mais vezes na mesma
posição de rima (nºs. 45, 87, 88, 94, 95, 102, 103, 110, 116, 118, 131, 132,
135, 136, 141, 155, 186, 201, 224, 225, 258, 259, 264, 288, 292, 309,
314, 328, 329, 387, 391, 403, 407, 416, 417, 423, 433, 434, 436, 437, 447,
453, 454)37.
Aqui temos, portanto, exemplos regulares das rims equivocs da
poesia provençal. Na minha edição de Denis, p. CXXV [neste volume,
p. 62], tais casos são designados com o nome em português arcaico dobre,
em primeiro lugar, porque no conhecido fragmento de uma Poética, que se
nos tornou acessível, desde 1880, pela publicação do CCB. (vid. ibid., p. 5,
linhas 146-154), esse nome não está, é verdade, expressamente referido à
rima, mas segue-se imediatamente ao capítulo que trata da rima e aplica-se
apenas às palavras que se repetem nas mesmas posições do verso; também
porque o gênero de repetição38, denominado replicació pelos provençais,
nos poemas portugueses em que ocorre encontra-se vinculado apenas ex-
cepcionalmente a alguma posição determinada, portanto, muito provavel-
mente, não foi cogitado nas secções da Poética referentes ao dobre e

37
Os negritos assinalam os casos desconsiderados.
38
Vid. Leys d’Amors I, p. 248; III, 58-62; Diez, Poesie2, p. 88; Meyer, Dern. Troub. § 22; Gaspary,
Sicil. Dichterschule, p. 134; Canc. Gallego-Cast., p. 182.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

mordobre39. Como quer que se pense, portanto, sobre o emprego da expres-


são dobre e mordobre para as rims equivocs que ocorrem no nosso cancio-
neiro, parece evidente que mesmo o leitor leigo poderia ter sido levado a
reconhecer a identidade desses casos com um tipo de rima há muito conhe-
cido e definido, proveniente das literaturas do mesmo grupo.
Mas nem se aplica a eles um dos usuais nomes técnicos, nem é
oferecida uma definição da sua natureza40. Os exemplos regulares de rims
equivocs citados tampouco são diferenciados dos que ocorrem não rara-
mente, nos quais uma determinada palavra retorna, na mesma posição da
rima, a cada estrofe41. Encontramos tais casos nos nºs. 3, 6, 7, 11, 18, 89,
105, 129, 132, 134, 137, 204, 205, 263, 338, 347, 364, 369, 371, 374, 375,
380, 405, 412, 451.
Dentre esses, são aqui caracterizados com a expressão replicação
os nº . 11, 204, 380; outros, por exemplo os nºs. 89 e 132, como palavra
s

idêntica, portanto, como rims equivocs.


O mesmo tratamento aplica-se aos casos que correspondem à rims
derivatius provençal. Encontramos empregos desse tipo realizados de for-
ma regular em 4 cantigas (nºs. 30, 221, 289, 304), de forma menos adequa-
da em 5 (nºs. 23, 40, 320, 416, 453), portanto, ao todo, em nove poemas.
Três vezes (nºs. 40, 289, 304) a editora reconheceu e assinalou esses casos
como tais (nº. 40, rimas derivativas42; nºs. 289 e 304, mordobre)43; cinco
exemplos são completamente desconsiderados (nºs. 30, 221, 320, 416, 453),
e o nono (nº. 23) foi caracterizado de modo bastante ambíguo, como “o
enfeite, chamado dos tempos”44, o qual se aproxima da rima macho e fê-

39
Em Grundriss II, 2, p. 195, notas 8 e 9, Carolina Michaëlis associa os nomes dobre e mordobre,
expressamente, a casos da assim chamada replicació; do mesmo modo na nota à cantiga nº. 231,
em que se deve reconhecer, com Diez, uma verdadeira rima interna. Ao contrário, fala-se, nas
notas aos nºs. 289 e 304, da aplicação dessas expressões a casos de rims equivocs e derivatius,
como se fosse algo óbvio.
40
A expressão usualmente empregada é rimas idênticas, mas ainda encontramos palavras idênti-
cas (nº. 417) e consonantes idênticas (nº. 45).
41
Apenas casos que ocorrem em todas as estrofes são aqui mencionados, portanto não, por exem-
plo, os nºs. 165, 262, 359 etc.
42
Não se deve confundir com a expressão homônima no provençal, que caracteriza a alternância de
rima conseguida a partir da mudança de gênero, conhecida, na Península Hispânica, pelo nome
de macho e fêmea (portanto, o-a). Vid., abaixo, a nota 45 e, além disso, por exemplo, Leys d’Amors
I, 184, e P. Meyer, Romania 19, 20.
43
Para ambos os poemas, é mencionado o correspondente trecho da Poética em português arcaico,
sem que se manifeste qualquer dúvida de que com estas expressões se trate realmente do tipo de
rima mencionado, e não da replicació. Não se compreende, portanto, por que não se chamam tais
casos, do nº. 289 em diante, de uma vez por todas, dobre e mordobre. Vid. ainda, acima, nota 39.
44
Esta expressão ocorre ora na definição que a Poética dá de mordobre, ora em outros contextos.

394

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

mea45. Além disso, o nº. 441, um caso inequívoco de replicació de distintas


formas de cuidar46, das quais nenhuma retorna na rima, é chamado de
mordobre, logo depois de se ter dito, no que se refere à rims derivatius que
ocorre no nº. 304, que aí o artifício do mordobre se empregara “com todo o
rigor”.
Como já se mostrou, não fica claro o conceito daquilo que se cha-
ma comumente replicació. Uma repetição mais ou menos regular deste
gênero encontra-se nos nºs 105, 145 (quase sempre em determinadas posi-
ções), 160 (não na estrofe 4), 221 (junto com mordobre), 231 (unida por
rima interna)47, 345, 441, 44548, 466 (Valença, com um interessante troca-
dilho)49.
Em certo número de poemas (nºs. 88, 94, 103, 104, 132, 134, 135,
136, 186, 328, 416, 453), o início e o término de cada estrofe, uma vez ou
outra também o meio (135), têm a mesma palavra rimante, portanto, rims
equivocs. Na obra aqui examinada, tais estrofes são denominadas coblas
redondas, nome que, na poesia provençal, pelos fins do século XIII, carac-
terizava, sabidamente, estrofes cujo verso final retornava no início da es-
trofe seguinte50. Não há, no sentido próprio da expressão, cansos redondas
no nosso cancioneiro.
A discussão daqueles casos em que se deva empregar a expressão
desigualdades, que ocorre nos cancioneiros com o significado de “irregu-
laridades”, “transgressões”, assim como de algumas outras questões, le-
var-nos-ia muito longe.

45
Não é necessário comprovação de que a rima macho e fêmea é algo essencialmente diverso.
Exemplos em português arcaico e galego-castelhano são discutidos no Cancioneiro Gallego-
Castelhano, pp. 215-6. – Em Grundriss, loc. cit., trata-se corretamente desse tipo de rima.
46
Ocorre um exemplo semelhante com cuidar no Canc.de Baena, nº. 135 (= Canc. Gall.-Cast.,
nº. XLIX), aplicado, porém, também à rima, e é designado, na rubrica, como consonantes doblados.
Não se pode, infelizmente, determinar com segurança, por nenhuma passagem até agora conhe-
cida, se e como a estranha expressão mansobre, masobre ou mazobre foi compreendida.
47
Vid. nota 39.
48
Aqui chamada de dobra.
49
Em negrito, assinalam-se os exemplos não considerados.
50
Vid. Diez, Poesie, p. 102; Wolf, Studien, p. 261; P. Meyer, Romania 19, p. 19; Anglade, Guiraut
Riquier, p. 215. Nesta última obra, que não revela nenhum conhecimento preciso da antiga poe-
sia portuguesa, são mencionadas, na nota nº. 4, três cantigas em português arcaico, CV. 650, 658,
852, como exemplos regulares da cobla redonda, pois nelas o último verso de uma estrofe retorna
como primeiro verso na seguinte. Na primeira e terceira das cantigas mencionadas, as estrofes se
iniciam e finalizam com o mesmo verso, portanto, não pertencem, de qualquer forma, ao tipo
descrito; a terceira é uma cantiga de refrão e nada tem a ver com o nosso assunto. Estrofes que se
iniciam e finalizam com o mesmo verso encontram-se, por exemplo, ainda em CV. 1182 e 1198,
sendo que no último poema o mesmo verso ocorre na primeira, na quarta e na sétima linhas de
todas as estrofes.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

As informações de conteúdo ou traduções mais detalhadas em lín-


gua alemã, que se acrescentam às cantigas, têm apenas o intuito, de acordo
com o Prefácio, de tornar compreensível esta poesia àqueles estrangeiros
que se ocupam com a história das ideias estéticas. Por esse motivo, apenas
os poemas de difícil construção foram traduzidos de forma mais ou menos
literal.
É de desejar que o esforço da erudita pesquisadora para estimular
o estudo dos cancioneiros portugueses no estrangeiro encontre o maior êxito,
de modo que não seja mais desconsiderada a lírica em português arcaico,
tão importante para o conhecimento da Idade Média e, especialmente, para
a história comparada da poesia, como ainda há pouco ocorreu em obras de
outra forma excelentes, como a Poetik de Bruchmann (Berlim, 1898) e
Arbeit und Rhythmus, de K. Bücher (3ª edição, Leipzig, 1902). As versões
em alemão, que, não obstante o esclarecimento acima mencionado, tería-
mos desejado em alguns casos mais detalhadas, se não mesmo totalmente
literais, restituem esplendidamente, no geral, o conteúdo e o espírito das
nossas cantigas. Onde, abaixo, se critica a interpretação ou tradução esco-
lhida de certas expressões ou passagens, trata-se de casos que o romanista
sabe destrinçar facilmente, com auxílio dos léxicos que lhe são conhecidos
ou das várias coletâneas, mas o leigo ilustrado espera, com razão, que se
lhe poupe essa tarefa. Tais casos são, por exemplo, vv. 185, 915-917, 930-
931, 1284, 2121, 2313-2314, 3097, 6127, 7240, 7424, 7648-7650, 8509,
8523, 8849, 9225, 9522, 10166.
Quanto ao estabelecimento do texto, com exceção do que já foi
dito, encontra-se o mais relevante nos comentários abaixo, referentes aos
respectivos versos. Saliente-se aqui apenas que um certo número de canti-
gas transmitidas de forma bastante corrompida, nomeadamente as tomadas
do CCB. (nºs. 390-460), foi estabelecido em texto legível e compreensível,
embora não em forma definitiva, por razões óbvias, graças à argúcia e ao
excelente conhecimento da língua portuguesa da emérita pesquisadora51.

V. 8, aver; CCB. au, lição que falta nas variantes.


V. 10, per que eu ja poss’a perder. A posição do pronome objeto
átono adotada aqui, entre o verbo auxiliar e o infinitivo, é apoiada, na ver-
dade, pela lição eu possa ja p., em CCB., mas dificilmente poderia ser a
correta, pois, em regra, o pronome vem antes do verbo auxiliar. Assim, por

51
Assinale-se aqui que até agora não me foi possível adquirir a obra de Ayres de Sá acerca de Frey
Gonçalo Velho (Lisboa, 1899 e 1903), nem os Subsídios para um Diccionario, de Cortesão,
embora o tenha repetidamente tentado.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 396 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

exemplo, v. 1016; 6674 Merece Que a possa merecer; Denis, vv. 70, 755,
1171, 1782, 1991; Graal, em Revista lus. 6, 335: Como a possa matar etc.
Será melhor, então, que se leia: j’a (= ja a ) possa p. Cf., para a contração,
por exemplo CA. v. 9195, ca esta = c’a esta; 9760, cao = c’ao; 9959, j’agura;
C. Resende, I, 12, 9: j’assy; 18, 19 j’aliuando, e o que Epiphanio Dias obser-
vou, acerca dessas duas passagens, em Zeitschrift 17, p. 114. Vid. também,
abaixo, v. 105, e para a colocação regular do pronome objeto, v. 6914.
V. 11 enquant’ eu; CCB. eu teu falta nas variantes.
V. 25 A forma este, que aparece ao lado de é e est, deveria ser
separada do subjuntivo estê (por exemplo, v. 2527); poderíamos colocá-la
também no v. 9235; aliás, ela ocorre igualmente com frequência, como por
exemplo CM. 31, 1; 48, 2; 98, 8, e em documentos antigos, como por
exemplo Rev. lus. 8, 43 (ano 1276).
V. 19 semelha; CCB. semela, falta nas variantes.
V. 20 a quen á esta c.t. CCB. a te esta c.t., lição que nos é
comunicada da seguinte maneira: a [quen] ten e.c.t.
V. 29 de min; CCB. dmy, do qual, nas variantes, consta apenas mi.
V. 32 nulh’ enveja; CCB. nulla e., em vez do qual as variantes nos
dão nulha e., o que é inadequado, pois justamente nos dois manuscritos
italianos a palatal l, ao contrário do Códice da Ajuda, é de regra representada
por lh, em vez de ll52. Agora, se nulla provém do copista italiano ou não,
está no modelo e, por conseguinte, não deve ser tocado. O mesmo vale nos
vv. 33, 35, 41, 211, 218, 254 etc., cujos nullo, nulla transmitidos nem sequer
estão indicados53. Uma vez que já no primeiro período da lírica aparece ll
no lugar de l (vid., infra, v. 5863), então não se pode, sem mais, substituí-lo
por lh.
V. 37 se non; CCB. falta so n.
V. 47 o[u]. Do mesmo modo, vv. 1117, 2986, 3889, 7595. O fato
de o, ao invés de ou (aut), estar comprovado nesta posição pelos dois
modelos e de se encontrar cinco vezes nesta coletânea, deveria suscitar
dúvida quanto ao seu afastamento por erro ou, como acontece aqui, por
hespanholismo. Tanto mais que o presente cancioneiro nos oferece também
formas como direlhes no v. 927, otri nos vv. 3989, 4089 etc., que a editora
rejeita como hispanismos, mas que podem ser considerados, com
pertinência, casos da condensação de ou, ei, em ô, ê, que aparecem amiúde

52
Se tal transcrição das variantes estivesse no projeto da edição, então poderia ter ocorrido tam-
bém, por exemplo, nos vv. 3110, 5760 e centenas de vezes.
53
CCB. traz nulha, por exemplo, nos vv. 2765, 3033, 3237, e nullha (não mencionada nas varian-
tes), em v. 2825.

397

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

tanto na linguagem antiga como na moderna. Esse fenômeno encontra-se


não apenas antes de consoantes, mas também antes de vogais, em certos
dialetos. Assim, por exemplo, nos do Alentejo, segundo a Rev. Lusit. 4, 218
e 238. Vid., abaixo, comentário ao v. 927.
V. 53 pensou. O u deveria vir entre colchetes, pois somente penso
é transmitido.
V. 55 O verso tem uma sílaba a mais. Deve-se, portanto, adotar a
contração dos dois a de ja agora em um único. Vid. comentário aos vv. 10,
105 e 9121, nota 113. A editora elimina, em tais casos, uma das vogais ou
assinala-a, com parênteses, como devendo ser eliminada. O mesmo vale
em 1135, em que se deve ler, por causa da medida do verso, outro ome,
(outr(o)ome). Comp., por exemplo, v. 1227, onde se escreve poderos(o)ora.
V. 67 de vus; CCB. edevus falta.
V. 86 outre. Vg. e CCB. outren. Não tem CA. a mesma lição?
V. 95 tive. Conforme o Prefácio, p. XIX, CA. tem aqui, exatamente
como CCB., a bela forma tivi, que foi modificada pela editora, juntamente
com Vg. No entanto, tivi é tão justificada quanto pudi, pugi, quigi etc., e
encontra-se em outros documentos coetâneos, como por exemplo Rev. Lus.
5, 128 (doc. do ano 1292); 8, 36 ss. (1270).
V. 105. E se o el(e) quiser’ fazer. Em virtude da medida do verso,
aqui ele deve ser substituído pelo el mais breve, enquanto se devem ler
vv. 7869 s(e) ela, 8934 s(e) ende, 7880 lh(i) eu, 3916 d(e) esta etc., portanto
com eliminação do som compreendido entre os parênteses redondos.
Conclui-se, então, que a douta romanista não contou com o uso da sinalefa
em nossa escola poética54, apesar de Diez a ter reconhecido, de modo
inequívoco e irrefutável, em nossos poetas, ao lado do hiato, e a ter
caracterizado como um costume românico comum, na sua obra Erste portug.

54
Que aqui não se pensa realmente em sinalefa, mas em eliminação ou elisão efetiva da vogal
assim assinalada, está fora de qualquer dúvida, pelo seguinte: a) a vogal transmitida é amiúde
literalmente suprimida, como por exemplo v. 8796, sab’ a ao invés de sab(e)a, vv. 7124, 7981
etc.; v. 8974 xestaria etc. b) Nas variantes, solicita-se, expressamente, que ela não se pronuncie,
como por exemplo v. 8820, vergonha i á. c) Ou, finalmente, explica-se, na lista de emendas
colocadas pelo revisor nas próprias margens do Códice da Ajuda, que as vogais finais providas
de um ponto foram assim marcadas para serem suprimidas, pois seriam excessivas ou incômodas
para o número de sílabas. Veja-se CA. II, 172 ss., por exemplo as notas aos nºs 167, 6; 172, 10;
203, 8; 245, 4; 250, 21; 252, 17. Mais claramente ainda se lê em CA. I, p. XXIV: “As (i.e. letras)
que na minha opinião podiam ser suprimidas, para que o verso tivesse maior correcção prosódica,
vão entre parénteses curvilíneos. (Ex. v. 2399: coid(o) escrever)”. Não nos é explicado por que o
revisor deixou que nos chegassem, sem correção, não menos de 100 dessas vogais em 2800
versos, em média. Vid., ainda, o que diz a douta investigadora na nota 1 e, sobre o mesmo assun-
to, na sua edição de Sá de Miranda (1885), p. CXXI ss.

398

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

Kunst- und Hofpoesie, p. 53 ss., publicada em 186355. Já se mostrou, em


Denis, p. CXXII ss. [neste volume, p. 159 ss.], que o hiato, bem como a
elisão56 em sentido próprio, ocorrem, em nossa lírica, com frequência distinta
da sinalefa ou fusão. Nos 2784 versos do Rei, encontram-se cerca de 80
casos de fusão. É, pois, digno de nota que nos primeiros 2800 versos do
presente cancioneiro a relação seja quase a mesma57, como se pode concluir
do seguinte58:
1. Vogais de mesmo tipo. – a. ja agora 55 (desconsiderado), d’el(a)
algun 120, cuit(a) aver 281, 654, ca (a)ssi 802, c(a) a 1140, ventur(a)
ajades 1334, coit(a) a 1414, seri(a) a 1563, poderi(a) aver 2014, queri(a)
aver 2215, don(a) achei 2431, devi(a) acordado 2590. – e. pod(e)en 45,
ant(e)eu 212, grand(e)e 216, podess(e) estar 243, m(e)en 245, podess(e)eu
280, que ouvess(e) én 599, foss(e), e 610, m(e)enton 738, outr(e), e 811,
soubess(e) escolher 1004, long(e) e 1082, om(e)entender 1098, lh(e)estaria
(refr.) 1613 etc., m(e)en 1825, verdad(e) e 1929, dissess(e) e 2013, queix(e)en
2180 (vid. nota a este verso). – o. pouc(o)ora 98, outro ome 1135
(desconsiderado), poderos(o)ora 1227, poss(o)oj’ 2624.
2. Vogais diferentes. – a-e. seri(a)eu 158 (desconsiderado), dia(e)n
997, 2153. – a-o. coit(a)ouver’ 1368, nunc(a) ousei 1972. – e-a. ouvess(e)a
68, 2143, sempr(e)assi 200, 1160, end(e)a 210, sempr(e)a 222, 672, 768,
ome atal 382 (desconsiderado), podess(e)al 471, podess(e)aver 1112,
sempr(e)a 1572, sempr(e)averei 2238, dix(e) ali 2545, dissess(e)a 2596,
fezess(e)assi 2800. – e-i. d(e)ir 133. – e-o. mort(e)ou 18, m(e)oïstes 37,
om(e)outra 86, leix(e) oïr 104, dess(e)ora 167, seed(e)ora 195, se o el(e)
105 (tratamento excepcional), quisess(e) oïr 762, om(e)oïr 1839, om(e)o
2110, amass(e) outra 2803. – e-u. verdad(e)u 1947, soubess(e)u 2111.

55
Para o francês, o provençal e o italiano, veja-se, por exemplo, Stengel, Grundriss II, pp. 42-44;
para o espanhol, por exemplo, a obra de Berceo, cuja arte versificatória foi, há pouco, cuidadosa-
mente apresentada por Fitzgerald (Versification of the Cuaderna Via).
56
Nos primeiros duzentos versos da presente coletânea, ocorrem os seguintes casos de elisão ou
apostrofação: e. Mentr’eu 4; og’eu 6, d’amor 7, d’ela 14, grand’enveja 22, d’aquesta 42, m’ende
44, m’end’ouvess(e)a 68, m’end’ia 70, m’alongar 71, d’outra 78, m’algun 79, end’a 84, d’amor
88, d’el 89, lh’a 92, creed’ora 93, d’outra 101, trist’andar 112, lh’ela 113, lh’á 114, pod’aver
115, om’, a 118, dev’esto se scient’ouver 121, dev’a 123, s’én 132, end’o 136, m’ar 141, punhass’en
159, m’eu 169, x’é 176, veer-m’edes 179, m’end’eu 180, d’ela 184, soub’ende 185, cuita’n 187,
m’ides 191. – a. poss’a (3) 10, nulh’enveja 32, guis’andar 180. – o. enquant’eu 11, 62, 76, 99,
142, 148, tod’ome 23, 125, segund’ora 24, enquant’est’é 25, tod’est’ora 31, nulh’ome 33, 35,
faç’eu 34, quant’ora 37, com’eu 40, serviç’enquant’eu 76, mund’ [a] 86, dereit’a 112, log’a 120,
muit’amar 127, log’á 137, quit’eu 141, 151, tenh’eu 147, quant’eu 153, quer’eu 165, 177, com’eu
183, est’é 193, l’eu 194.
57
O fato de Denis ter cerca de 20 casos a menos que CA. deve-se, provavelmente, ao maior número
de cantigas paralelísticas, cuja repetição formal deixa pouca margem de jogo ao poeta.
58
Os exemplos são citados exatamente da maneira adotada na edição.

399

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

– i-e. assi(e)starei 729. – o-a. vej(o)andar 187, conselho á i


784 (desconsiderado), pouc(o)algo 947, voss(o)amor 1034, como ando
1647 (desconsiderado), mund(o)a 1747, poss(o)aver 1885, poss(o)algua
2132, queix(o)a 2181, poss(o)amigos 2688. – o-e. log(o)eu 106, vej(o)en
220, faç(o)en 346, poss(o)end’ 355, quer(o), e 674, 1331, quand(o)
entendêla-ia 810 esforç(o)e 1275, am(o)e 1326, preit(o)e 1573, moir(o)e
1614, 2169, conselh(o)e 1664, coitad(o)e 2331, 2453 coid(o)escaecer
2392, cuidand(o)en 2573, mund(o)e 2668.
Dificilmente se afirmará que os nossos manuscritos, que não estão
afinal tão deteriorados, nos tenham transmitido tantos casos contra a intenção
do poeta. Ao invés de tratar uma das vogais como supérflua, deveríamos
unir vogais iguais em uma longa e pronunciar vogais diferentes fundidas
numa sílaba, como se sabe que ocorreu, abstraindo dos idiomas irmãos,
principalmente no Canc. Resende59 e ainda ocorre na fala diária60; assim,
por exemplo, v. 8820, vergonha i á, mas não, como pede a editora,
vergonh’i á. Quando um e átono está antes de uma vogal inicial, aproxima-
se do i à maneira de iode, que, desde Diez, era conhecido já no primeiro
período em mi-a, mha etc., ao invés de me-a, e a natureza de ligações como
me oïstes 37, ome atal 382, ouvesse a 68, leixe oïr 104, pude assi 5413,
ende a 210, lhi eu 7880, 7893 etc., deveria ser assinalada, em uma edição
como a presente, do modo mais fácil, por meio de grafia inequívoca como
me oistes61. Também o e da conjunção se, que ocorre apenas três vezes fora
de hiato em nossa coletânea (vv. 105, 7869, 8934), mas em Denis, por
exemplo, da mesma forma deve ser atestado (vv. 680, 2282, 2640), terá
constituído um ditongo sintático [syntaktischen doppellaut] com a vogal
seguinte62. Veja-se, adiante, o comentário aos vv. 7124, 8796, 9434, quanto
ao valor fonético do e átono depois de m, b, v. A preposição de, quando não
perde totalmente sua vogal, como por exemplo em d’aquela etc., parece
ocorrer apenas em hiato, por causa do seu significado sintático, como
também é o caso no Canc. Resende63. Mostrar-se-á abaixo, no comentário

59
Veja-se o excelente trabalho de Cornu, em Romania 12, 243 ss.
60
Vid., a este respeito, o belo trabalho de Gonçalves Viana, em Romania 12, 68; e Cornu, Grundriss
I, 1006 ss.
61
Se se escrevesse, de acordo com xi-a = xha (por exemplo, CV. 1117, 14; CCB. 6, 19), dixi-ali em
vez de dixe ali, então a terceira pessoa do singular, dixe, não poderia diferenciar-se da primeira,
dixi. Também o hífen seria ambíguo, pois, nesta edição como em outras, liga vogais que estão em
hiato, como por exemplo v. 2487, leve-as; v. 9675, feze-a. Esta objeção refere-se também à
escrita de de-o, v. 2260, desde que não se trate aqui de mero engano.
62
Vid. Romania 12, 286. – Portanto, a emenda da medida do verso, tentada no v. 2260 por meio da
ligação de-o, dificilmente pode estar correta. Cf. nota 61.
63
Vid. Romania, loc. cit., p. 287.

400

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

ao v. 9499, que os pronomes átonos me, te, se, lhe, que em regra surgem ou
com a vogal eliminada ou em sinalefa, já eram por vezes empregados na
nossa escola, em posição de hiato, como posteriormente ocorreu no Canc.
Resende64. Aqui não é o lugar para investigar até que ponto se pode observar
alguma diferença no uso da sinalefa pelos nossos mestres cantores, mas
pode-se recordar, nesta ocasião, que Afonso X parece ter feito apenas uso
bastante restrito dessa prerrogativa dos poetas românicos. Era mister
demonstrar aqui que o tratamento dado pela douta romanista à situação
métrica aludida não revela com clareza os fatos linguísticos em que se baseia,
ainda que, por qualquer motivo, as vogais mencionadas não tenham sido
literalmente eliminadas65.
V. 129 enos d., CCB. eu9 d. (= euus d.) falta.
V. 130 pode ja; CCB. pode ra, em lugar do qual a editora nos
comunica poderá, aqui também contrariamente ao modelo.
V. 140. Não se depreende do contexto por que ser quite de alg. c. e,
na linha seguinte, quitar-se, deve expressar “estar seguro” em lugar de “estar
desobrigado”, ‘livre”, como nos vv. 147, 151, 161, 163, 169, 173, 174 etc.
V. 142 enquanteu; CCB. enquantei, falta.
V. 143 ua; CCB. hunha, falta.
V. 145 prazer; CCB. prazeir, falta.
V. 185 nen me soub’ende soo trameter; Vg. Nen me soub’en deso
entrameter. Modelo? CCB. ne me soubende soo tmeter, em lugar do qual a
editora oferece, simplesmente, nen m’en. Uma vez que entrameter é uma
forma tão frequente deste verbo como trameter, e a lição de Vg. faz bom
sentido, então pergunta-se se esta não estará, de fato, no modelo, tendo a
editora tomado o seu texto de CCB., em lugar de CA. O leitor procura em
vão por uma tradução alemã desta passagem. Como o provençal se
entremetre (vid. Levy, SW, s.v.), o português arcaico trameter-se ou
entrameter-se significa (por exemplo, CM. 16, 7) “esforçar-se por algo”, e
a linha em questão diz, portanto: nem mesmo o tentei (isto é: falar-vos

64
Ibid., 282 ss. – Já por esta razão não se devia representar, no v. 9874, etc. (refrão), s(e)a.
65
À p. XXI da mesma Advertencia preliminar (volume I da edição), de onde se tirou a passagem
citada acima, na nota 54, acerca das vogais colocadas entre parênteses redondos, diz-se o seguin-
te: “O hiato de vocábulo a vocábulo também era usadíssimo, muito embora os poetas utilizassem
as diferentes sinalefas – mais vezes elisão do que sinérese e crase”, e nas notas a essa passagem:
1. “As regras serão estabelecidas nas Investigações Lingüísticas” (do prometido terceiro volu-
me); 2: “Vogaes, que o poeta quis elidir na economia do verso, eram suprimidas na escrita”.
Como exemplo, menciona-se aqui, simplesmente, a junção de me a etc., resultando em mi-a. Do
mesmo modo, p. XVII, nota 5. Nas prometidas Investigações, saberemos provavelmente como
isso se pode reconciliar com a passagem acima citada, da p. XXIV, e com os diferentes procedi-
mentos observados nesta edição.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

disso). O mesmo verbo encontra-se, por exemplo, ainda em Graal, Rev.


Lus. 6, 340: ca me nom tremeti de divissar etc., e Livro de Esopo, nº. XXI,
linha 1466. No que tange à expressão redundante do mesmo pensamento,
cf. por exemplo v. 8667.
V. 193 pora mi; Vg. para mi; CCB. per amy. A forma pora, que se
encontra amiúde em textos galegos (por exemplo, CM. 79, 9; 151, 7) e
espanhóis (por exemplo, Berceo, S. Domingo, c. 267), é raramente
encontrada em português arcaico, em comparação com pera e para67.
Também não está inteiramente assegurada no v. 8302, como lá veremos.
Pode-se perguntar, portanto, se Vg. não restituiu fielmente aqui, como muitas
outras vezes, a lição de CA.
V. 201 foss’én; Vg., fosse en. Modelo?
V. 210 end(e); CCB. en (= ende), em vez do qual se registra én.
V. 213 falta eu em CCB., de que as variantes nada nos dizem.
V. 217 og’ o m.c. Vg. oj’ o m.c. Modelo? CCB. oiomeu c., falta.
V. 233 mi aven. De acordo com a grafia da presente edição, é
necessário um hífen aqui, assim como nos vv. 750, 1261, 7375, 7387, 7997,
9560, onde o verso, de todo modo, parece muito longo. Vid. também
v. 1696.
V. 247 de conselh’ aver; Vg. do c.a. Modelo?
V. 276 que non ei sen; Vg. q. n. ei eu s. Modelo?
V. 297 por que m’est’ aven; Vg. e CCB. per que etc. Modelo?
Nos vv. 321, 328, 4484, o manuscrito per, que Vg. também fielmente
conserva, é mantido intocado, enquanto é convertido em por no v. 3649.
Também em 3568, Vg. tem per ao invés de por. O manuscrito distingue
claramente e e o.
V. 337 O verbo parcir, como no total as três últimas estrofes da
cantiga, ficou sem traduzir.
V. 338 queira; CCB. qra (= quera). Esta lição é omitida, e o i
acrescentado não está entre colchetes.
V. 390 mal quer. Por que não mal-quer ou malquer, conforme
Zeitschrift 19, 518? Da mesma forma, vv. 2882, 3499.
V. 411 pod’ om’ amor; Vg. pode mamor. Modelo? CCB. podome
amor, lição igualmente não registrada.
V. 412 forçar; CCB. foçar, falta.

66
Editado por J. Leite de V., Lisboa, 1906. No Glossário, o pronome reflexivo foi desconsiderado.
67
A única ocorrência que conheço, por ora, está no Testamento de Afonso II (1214), na Rev.
Lus. 8, 82.

402

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 415 creer; CCB. qrer (= querer), falta.


V. 432. Tanto ben ouv’eu en cuidar; Vg. t.b. ovu en c.; CCB. atanto
b. o. non c., onde a editora supõe, corretamente, ov’en c. Falta, pois, eu em
CCB., assim como em Vg. e, por conseguinte, a lição correta deveria ser:
[a]tanto b. ouv’ en c. Modelo?
V. 457 per quen. Já que ambos os modelos têm que, o n deveria
estar entre colchetes.
V. 463 nen quer’ eu ela consentir tem pouco sentido. A lição de
CCB., e ela, justifica a emenda en ela, sugerida nas variantes.
V. 571 quando; Vg. com CCB. quanto. Modelo?
V. 572 queredes; Vg. quererdes, uma forma que ele dificilmente
teria lido no texto. Falta nas variantes.
V. 574 de m’este. Já que, segundo Vg., esta é a lição do manuscrito,
são prescindíveis as observações feitas nas variantes para a lição de CCB.,
deste.
V. 596 (e 598) rogar-l’ia. Enquanto nos vv. 3109 (jurar-lh’ia),
4467 (pedir-lh’ia) e, no geral, encontramos a palatal l representada por lh
ou ll, vemo-la aqui restituída por um simples l, e a editora deixou ficar essa
grafia. Também nos vv. 1124 e 1125, o texto apresenta filei ao invés de
filhei (Vg., porém, fillei!). Deve-se aprovar este procedimento, na medida
em que na ortografia oscilante do tempo tais grafias da palatal l e n ocorriam
com frequência, como, por exemplo, em CM. 57, 1 les por lhes; 58,
4 filasse por fillasse, e nos documentos publicados na Rev. Lus. 6, 251 ss.,
e 7, 59 ss. Pode-se ouvir dialetalmente le ao invés de lhe, lhes, de acordo
com Leite de V., Dial. Interamn., Porto, 1885, p. 12. Se se aceitam tais
grafias uma vez, deve-se fazê-lo coerentemente, e também aqui isso não
ocorreu. No nº. 144 (vv. 3407, 3413, 3419), o refrão conservou-nos, como
o mostram as variantes e Vg. testemunha, a forma le, que está “emendada”
no texto (l[h]e). É o caso igualmente em 4224, 4673. O mesmo vale para n
por nh, nn. No v. 2044, encontramos adevin[h]ar, em 4929 devinhar, em
vez do manuscrito devinar, em 3511 punhei ao invés de pun[h]ei, onde o
modelo deve ter apenas punei (mas Vg. tem puñei).
V. 652 mi aven. O manuscrito, como Vg., apresenta me a; da mesma
forma CCB. Já que falta uma sílaba ao verso, e CA., em regra, emprega me
apenas como pronome átono, que forma com a vogal seguinte um ditongo
sintático (vid. o que se disse para o v. 105), a editora aqui o substituiu por
mi tônico. Se não se quiser fazê-lo, então será preciso intercalar uma pala-
vrinha como ja entre me auen. Segundo Vg., encontra-se me, em lugar do
mi mais usual em CA., também nos vv. 3666, 3680, mas não está ali assi-
nalado na presente edição, uma vez que não se dá nenhuma variante para a

403

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

cantiga em causa. Veja-se ainda v. 5240 e, especialmente, o comentário


ao v. 9499.
V. 683* ontr’ as gentes; Vg. com CCB. antr’ as g. Do mesmo modo
2576, onde CCB. tem outras gentes, e CA., de acordo com o vol. II, 171,
igualmente apresenta outras, mas com emenda do u na margem. Vg. também
leu aqui antras. É, pois, possível que Vg. tenha lido equivocadamente, nestes
casos, apesar de o manuscrito claramente diferenciar a e o. Já que também
nos vv. 4433, 4493, 6233, 6239, Vg., CCB. e CV. coincidem na forma antre,
e a editora a aceita nas duas passagens anteriormente mencionadas, então a
existência da forma ontre, em CA., não fica isenta de dúvida. No português
arcaico, raramente ocorre ontre68, ao passo que, nos textos galegos, por
exemplo, CM. e Crônica Troyana, é bastante frequente.
V. 712. En tal-que, aqui “posto que”, “se”, não está conforme ao seu
sentido verdadeiro na um pouco sucinta tradução dessa cantiga. No v. 10168,
foi traduzido por “com a condição adicional”. Em outros lugares, significa
“tal que”, como, por exemplo, em Denis, v. 130 e nas passagens lá citadas à
p. 309, bem como em CM. 158, 2.
V. 822. A substituição de cõcernos por conhocer já se encontra em Vg.
V. 849. d’Espanha; Vg. de Esp. Modelo?
V. 857 muit’aí; Vg. m. ay; CCB. muita hi. O sentido desta passagem
é: “Eles sentem tantas saudades de sua pátria, que já há muito [schon lange]
não mais dormiam”. Leia-se, assim, muit’ á i em lugar de muit’ aí, expressão,
aliás, não levada em conta na tradução.
V. 861 E estou etc. Falta a conjunção em CCB., o que não se fica
sabendo a partir das variantes.
V. 863. Desejando sempr’ aquel ben. A lição distinta, em CCB., não
é sempre qual b., como nos é dito, mas: desejado semp ql (isto é, quel) b.
V. 864 CCB. tem gne, não grave.
V. 874 ora veer; Vg. ora aver. Modelo?
V. 898 de que[n] lhe fez Deus veer; Vg. e CCB., de que etc. O mesmo
caso está no v. 1637. No português arcaico, que podia usar-se em sentido
pessoal, também depois de preposição, como já observei em Denis, p. 124
[neste volume, p. 320], para o v. 831. Nos 467 poemas de CA., esse que
encontra-se em centenas de casos, nos quais ora foi deixado pela editora, ora
corrigido, como aqui. Veja-se, por exemplo, 625, 1637, 3761, 4055, 5975
(vid. variantes), 6301, 6373, 7858, 8130, 8265, 8279, 8306, 9125, 9722, 9863.

* No texto, por engano está v. 670. (N.E.)


68
Defrontei-me com a palavra por três vezes no Testamento de Afonso II (1214) (Rev. Lus. 8, 82
ss). Nem Leite de V. (Rev. Lus. 8, 69) nem Cornu (Grundriss I2, 946) a mencionam como forma
portuguesa.

404

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 404 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 915-917 faltam na tradução.


V. 927 direi-lhes. Já que o modelo apresenta dire, forma que a
editora, talvez levada pela escrita diré de Vg., caracteriza como espanho-
lismo, o i acrescentado deveria então ser colocado entre colchetes, como
por exemplo em 2107, onde se encontra a mesma forma, e em 3370, onde
aparece acorde[i]. É fato bem conhecido e amplamente comprovado, contudo,
a partir de textos antigos, bem como de dialetos modernos, que, nesses casos,
não temos diante de nós castelhanismos, mas boas formas portuguesas. Trata-
se da condensação dos ditongos ei, eu, iu, ou em ê, î, ô, predominante nomea-
damente em posição proclítica, de que se fala, por exemplo, em Zeitshcrift 16,
pp. 219 e 29, 382, Revista lusitana 5, pp. 26, 217, 326 ss., ibid., 7, p. 37 ss. e
Grundriss I2, p. 1023. Comp. ainda CM. 15, 6 eÏ ta cidad’ e-ti (= ei-ti) destroyr.
Por conseguinte, avaliem-se, em nosso texto, os seguintes casos, os quais, com
uma única exceção (v. 9402 negô-o), devem ser todos corrigidos: 4750
vo[u]-a; 4851 De[u]s; 7134 o[u]ver’; 7202 e[u] cuidei; 8881 faliu-vus.
V. 930-931. Log’ ante vos mi-afrontaran Que vus amo de coraçon.
O primeiro verso é assim traduzido: Sie werden mich Euch gegenüberstellen
... [Vão confrontar-me convosco...]. Os pontos representam provavelmente a
passagem do segundo verso, que não foi traduzido. O sentido dos dois versos
é claramente o seguinte, em harmonia com o pensamento de cada estrofe:
“Eles impudentemente me dirão logo, na minha e na vossa presença, que vos
amo de coração”. E no que concerne ao mal interpretado mi-afrontaran69,
pode-se, sem necessidade de citar o antigo provençal afrontar70 ou o francês
affronter etc., simplesmente recordar a expressão ainda corrente no português
de hoje: affrontar alguém, “atacar, desafiar alguém com ousadia”. Ao lado de
afrontar, ocorre, no português arcaico, também o simples frontar71, com o
significado de “incitar, exortar”, como por exemplo em Galicia Historica,
1901, p. 147: Eu vos fronto por este notario que a terça ... ma dedes; ibid.,
Fernand Fernandes justiça desa villa dise, frontando ao dito Fernan Garcia
em esta giusa; ibid., p. 148: E o dito justiça diso asi que non ... mays que lle
frontava que non pasase contra seus foros etc.

V. 968-969 E mia senhor, des aquel di’ay


me foi a mi muyn mal.

69
O verbo reflexivo afrontar-se ocorre com o sentido de “atacar”, por exemplo em Cronica Troyana
1, 235: Et afrontaronsse moy brauament porlos desbaratar, et tan brauament os aficaron etc.
Comp. o antigo espanhol afrontarse, em Lanchetas, s.v.
70
Vid. Lexique roman e Levy, SW, s.v.
71
Cf. Elucidario, s.v.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 405 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

É de fato difícil conseguir a rima necessária em -elha no primeiro


verso e o número de sílabas correto, no segundo verso72. Na sua edição deste
mesmo poema em Zeitschrift 28, 386 ss., a douta pesquisadora sugere, de modo
hesitante, a forma aquelha (para o português aquela), por ela caracterizada
como hispanismo, como palavra rimante no primeiro verso, com a restrição, é
claro, de que sua adoção requer “grandes reformulações ilícitas”*. Seja como
for, fica então oculta, com razoável certeza, na forma transmitida aquel di a
palavra rimante aquelha, uma forma que também aparece, nos textos em
português arcaico, ao lado de aquela. Encontramo-la, por exemplo, na
transmissão de CA. (v. 5863: aquella), onde a editora a substitui, aliás, por
aquela (vid., abaixo, o comentário a essa passagem); mais ainda, ocorre duas
vezes como forma exclusivamente empregada no Testamento de Afonso II
(1214)73. Se se observar, além disso, que, no v. 1528, em lugar de ali é transmitida
a forma alhi, poupada pela editora, e que encontramos no v. 635 enganhar, ao
qual estava reservado o destino oposto, e que também se encontram, nos nossos
cancioneiros, como em todo produto literário, algumas formas que aparentam
maior ou menor estranheza, então não se devem fazer muitas objeções à adoção
de aquelha na passagem em causa74. A editora tenta ler, pois, da seguinte maneira
(Zeitschrift, loc. cit.):

E mia senhor, des[de] aquelha


[ora] me foi a mi (muyn) mal – ay!

Já que desde, em nossos textos, é muito menos usual que des, parece
melhor preservar este último e obter a sílaba que falta pela anteposição do
advérbio ben 75, bastante comum em galego-português, ou do subs-
tantivo ora, antes de aquelha. Quem for contrário a aceitar as palavras
[ben]-des aquelha, no sentido da expressão, hoje comum na Galiza,

72
Nos Textos archaicos (Rev. Lus. 8, 191 ss.), elaborados algo rapidamente que, em separata, po-
dem servir como Crestomatia do português arcaico, Leite de Vasconcelos simplesmente copiou a
referida cantiga da edição de CA., sem dizer uma palavra acerca da sua forma deteriorada, nem
ousar uma tentativa de emenda própria.
* Cf. Y.F. Vieira et al., Glosas Marginais …, op. cit., p. 433, nota 9. (N.E.)
73
Rev. Lus., 8, 82 ss.
74
Tanto menos quando se vê que, por exemplo no v. 5496, se admite traicion, embora a rima não
a exija. Observe-se, a propósito, que na linguagem de Miranda ll tem reconhecidamente som de
palatal, e que encontramos mesmo, por exemplo, aqueilha, alhi. Vid. Leite de V., Estud. de
Philol. Mirand., pp. 1, 279 e 447.
75
Comparem-se, por exemplo, expressões frequentes como ben de-la sazon (CA. vv. 57, 3470,
etc.), ben des aquela ora (por exemplo, CM. 57, 7), e muitas similares (ibid., 67, 1; 75, 33; 78, 9,
etc.), assim como as formas regulares, que ocorrem nos dialetos contemporâneos, bentèqui,
abentèqui (= ben até aqui), por exemplo, Rev. lus. 2, p. 28 ss.; bemté (= ben até) ibid., 8, p. 299.

406

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

d’aquella76, significando “daquela hora em diante”, deve considerar a


seguinte lição ainda menos forçada do que a acima sugerida pela douta
romanista77:

E mia senhor, de-[l’or’] aquelha


me foi [end’] a mi muyn mal – ay!78

V. 1002 Ca me valvera(a) a mi mais de prender


mort’ aquel dia que vus foi veer
que vus eu visse nen vus conhocesse.

Na tradução algo livre da editora, não chega a ter o seu verdadeiro


sentido o interessante exemplo de haplologia sintática que temos diante
de nós, onde que é usado por que que (“do que que”). Algo semelhante
ocorre em Afonso XI, na muito controversa e complexa cantiga CV.209,
vv. 43-44: Ante yo queria mi muerte que te asi veja morrer; em Palacio
Valdés, Cuarto Poder, I, p. 161: Pues nada menos se le ocurrió que
D. Rosendo se había percatado de la instabilidad etc.; Contos pop. españ.
(editados por F. Rodriguez Marín), III, nº. 3679: Contar las estrellitas Que
hay en el cielo Es más fácil que calmen Por hoy mis celos. Aqui não é lugar
para referir mais; veja-se, a respeito dessa ocorrência, por exemplo, A.
Tobler, Archiv. f. das Stud. n. S. 97, p. 375 ss., Grammont, Dissimilation
consonantique (Dijon 1895), p. 147; Nyrop, Nordisk Tidskr. f. Filol., 1897,
p. 45 e J. H. Wright, Harvard Stud. in Class. Philol. XII, p. 137 (devo ao
meu colega Prof. Dr. Hanns Oertel as duas últimas indicações).
V. 1012 ben prez. Vg. e CCB., bon prez, que é a única forma correta.
Vejam-se, por exemplo, vv. 1189, 3550, 3765 etc.
V. 1053 ouver’ a dizer. Vg. e CCB., ouvera dizer. Já que com aver
o infinitivo simples é tão usual quanto com a preposição a, não há aqui
qualquer motivo para alteração. Vid. comentário ao v. 1426.
V. 1084 ouv’en s.; Vg. ovi en s.; CCB. ouvi en s. Modelo?

76
Comp. a aquella em Visão de Tundalo (Rev. Lus. 3, p. 108) = enton; do mesmo modo, naquelo,
Graal (Rev. Lus. 6, p. 335) = naquel momento etc.
77
Se se pudessem considerar, na versão sugerida pela editora, ambos os versos como metades de
um verso longo, não seria necessária a eliminação da palavra muyn. Vid. Mussafia, Antica metrica
portoghese, 16 ss. e comp., por exemplo, CA. nº. 314.
78
Deve parecer estranho que nem na edição de CA., nem na mencionada passagem na Zeitschrift,
se aponte para a concepção e tratamento distintos de uma mesma cantiga, cuja edição já há muito
se achava em preparação. A mesma discrepância é perceptível, ainda, nos nºs 166, 408, 455.

407

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 1158 pois mi-a vos non creedes; Vg. p. me vos n. o. Modelo?


V. 1261 mi aven; Vg. me a; CCB. mh a. Já que mi precisa formar
aqui uma sílaba com a vogal seguinte, o que podia ser indicado por meio de
um hífen, então se devia especificar a lição variante de CA., sugerida por
Vg. Vejam-se os comentários aos vv. 233, 1696, 3666 e 9499.
V. 1284 quando vus fui primeiro conhoscer. Não se compreende
por que aqui a tradução diz: “quando me coloquei defronte de vós”, ao
invés do correspondente à forma e ao sentido: “Quando pela primeira vez
vos conheci, me encontrei convosco”79.
V. 1320 perçades. Deve-se atentar para o fato de que ambos os
modelos, CA. e CCB., apresentam percades. Vid., abaixo, o que se observa
ao v. 7733.
V. 1323 por min vus digo. Como seus colegas de ofício na França
e na Itália, o poeta português aplica a si mesmo, por intermédio dessas
palavras, uma oração de caráter geral previamente enunciada. Comp., ainda,
v. 2770 a min aven, e vid., por exemplo, Mätzner, Altfranz. Lieder, 203-
204.
V. 1326 ¡ si el me perdon! Vg., CCB., se el etc. Modelo? O mesmo
vale com relação ao v. 3502 etc. Quanto ao emprego da muito usual forma
com se, em lugar de si ou assi, veja-se minha nota ao v. 378 no Canc.
Gallego-Castelh., 180, mediante a qual se refuta a observação da erudita
pesquisadora em Zeitschrift 28, 224.
V. 1374 fazed[e] mi-al. Hífen após fazede! O mesmo vale com
relação ao v. 1264 an mi-a.
V. 1426. A afirmação, nas variantes, de que o único a de CA., antes
do infinitivo saber, deveria representar dois a (habet e ad), é contrariada
pelo fato de que, na linguagem da época, aver é acompanhado, com a mesma
frequência, tanto pelo infinitivo simples como pelo preposicionado. Vejam-
se, por exemplo, vv. 1443, 1813, 1851, 1857, 2039 etc., em que foram
adotadas, sem suspeita, á quitar, á durar, á saber. Devem-se também avaliar
desta maneira casos como vv. 1053, 8265. Tampouco está correto o segundo
ponto de vista, expresso no mesmo lugar, de que no v. 1562, em mi-á min

79
Como ainda ocorre na linguagem de hoje, fui etc., em português arcaico, poderia servir, com o
infinitivo, para expressar a ação realizada em vez da apenas intencional, portanto, para a paráfra-
se do pretérito. Comp., por exemplo, CM. 127, 4; 133, 7; 143, 1 etc. e o que diz Leite de Vascon-
celos, na Rev. Lus 8, 224, acerca de uma passagem dos “Antigos cantares portugueses” [neste
volume, pp. 509-528], por mim editados no volume dedicado a Mussafia. Com esta ocorrência,
deve-se comparar o emprego, em antigo provençal e catalão, do presente de anar com o infinitivo,
para a expressão do pretérito, mencionado por Meyer-Lübke, Grammmaire des l.r., § 324, e por
Levy, SW. nº. 7.

408

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 408 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

mester, o a deve representar, de igual modo, habet e ad, uma vez que as
formas tônicas mi, min também são empregadas sem preposição a, como
dativo, por exemplo v. 652 (pela própria editora!), 817, 1310, 1314 (m’ é
min muy grave) etc.
V. 1454 quen vus ben quiser’, como CCB.; Vg. tem quen no b. q.,
o que dá um bom sentido. Modelo?
V. 1475 vos vo-l’ entendedes, como CCB.; Vg., v. non l’e. Modelo?
V. 1483 nos ambos: Vg. e CCB., vos a. Já que esta lição resulta no
mesmo sentido, é-se tentado a supô-la também como a manuscrita em
CA. Modelo?
V. 1505 E come me non doerei. Vg. e CCB. têm como, em lugar de
come, uma convergência tanto mais significativa porquanto, em nossos
cancioneiros, como é geralmente empregado apenas para introduzir orações
dependentes, e come apenas na comparação abreviada, como o mostrou
Vising, no seu elucidativo ensaio sobre quomodo nas línguas românicas
(volume Tobler, 1895), demonstração a que se remete aqui, em definitivo.
Em vista dessas relações, pode-se perguntar se Vg. não restituiu fielmente,
também aqui, o modelo. No v. 7586, a editora tomou de CCB. como meu
ben, em que se pode seguir facilmente a regra por meio da separação com’o
m. b.; no v. 9121, converteu-se o belo exemplo arcaico da bem conhecida
forma coma (CCB. coma amj ), contra o uso linguístico, em com(o) a mi
(vid. abaixo a nota a esse verso), e também no v. 9765 adota-se como
incorretamente. De todo modo, Vising observou igualmente que já aparecem
desvios da regra neste período e também nos nossos cancioneiros. Nos
vv. 8497, 8989, encontramos come ao invés de como; no v. 3647,
encontramos como quen, ao contrário do regular come quen, vv. 3908, 6030
etc.80. Tanto em Afonso X (por exemplo, CM. 32), como também nas
hagiografias publicadas por Cornu, em Romania 11 (por exemplo, p. 375),
ocorre, com frequência, come ao invés de como, enquanto no Testamento
de Afonso II (1214), é empregado exclusivamente como. – O como
eliminado deve, pois, ser restituído.
V. 1566 a min ‘n outro dia. A colocação do apóstrofo antes, ao
invés de após o n (= lat. in), é provavelmente um erro de impressão.
V. 1636 Amo qual d. Vg. C’amo (= ca amo), uma lição preferível,
não arrolada pela editora, mas reproduzida na tradução. Modelo?

80
Onde ocorre come em lugar de como, nos apógrafos italianos, por exemplo, CCB. 302, 5, 11,
pode-se ficar tentado a atribuí-lo ao costume do copista. – Em CV. 68, 22, encontramos, correta-
mente transmitido, com (= come). Mas Monaci, incorretamente, dá-o equivalente a como, na lista
de abreviaturas (p. 443), o que é bastante estranho, pois em nenhum dos demais 18 casos por ele
arrolados m substitui mo.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 1647 Ay deus! Como ando coitado d’amor; assim também Vg.


O verso tem uma sílaba a mais. Leia-se, pois, com CCB., cuja lição não é
citada: com’ ando, ou adote-se a fusão.
V. 1675 non o; CV. nono = non no. Onde os modelos têm nono,
neno, a editora escreve, reiteradamente, non-no ou no’-no.
V. 1696 ei-mi assi etc.; CCB. e ey massy. Já que mi, nesta posição,
tem um i semiconsonantal, deve-se unir ei-mi-assi, ficando assim
o verso com uma sílaba a menos. CCB. nos oferece a sílaba ausente
na conjunção e, que liga essa oração aos dois versos precedentes. Os
dois pontos no final do v. 1695 devem ser substituídos por uma vírgula.
Vid. v. 233.
V. 1745 por Deus; Vg. e CCB., par D. Uma vez que, como por
várias vezes se observou, o manuscrito de CA. diferencia muito claramente
a e o, então é bastante provável que Vg. tenha razão. O mesmo vale para o
v. 3739.
V. 1877 Se E a, transmitido em ambos os modelos, deve ser
emendado para Ela, coloque-se então o l entre colchetes.
V. 1917 (e 1923) mi-amostr a. m.; Vg. e CCB. me mostr’ a. m.,
exatamente como nos vv. 1905 e 1911, onde a editora concorda com Vg.
Modelo?
V. 1972 Não há qualquer razão para substituir min, transmitido em
CA., por mi, sobretudo por não estar na rima.
V. 2020-2025. Não se compreende bem por que o imperfeito do
subjuntivo da condição irreal é substituído, na tradução, pelo presente do
indicativo.
V. 2044 adevin[h]ar; Vg., adeviñar; CCB. a deuiar. Já que a marca
do n palatal parece estar em ambos os modelos, não fica claro por que aqui
ele está entre colchetes. Veja-se, a propósito, a nota ao v. 596.
V. 2060 Porque mi-á esto, senhor, achegado, como Vg. Não se
entende por que o significado desta linha, sugerido pela lição de
CCB., Porque mi-a esto, s., á chegado, não foi simplesmente admitido no
texto.
V. 2121 desviingad’ assi. Nas variantes, a erudita romanista dá
margem à suposição de que o editor de CCB., influenciado pelo desmygad
de Vg., tenha lido esta forma no seu próprio modelo. Só que ambos,
CCB. e Vg., leem, coincidentemente, desmygad, e não desviingad, como
se coloca no texto. Mas se em CA. estivesse, na verdade, desviingad, como
de fato é possível, perguntamo-nos então como explicar esta forma
dissilábica, contendo o som puro i, quanto à origem e ao significado. No

410

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

que se refere à origem, até agora continua obscura para mim, e a editora
não se manifesta a esse respeito, nem sobre as propostas feitas por Diez,
125. A palavra é traduzida por “punido” [bestraft]. Uma expressão com
esse significado, mesmo se realmente transmitida no manuscrito, não é
correta em nossa passagem, pois, no poema em pauta, não se fala de forma
alguma de uma punição do poeta que enlanguesce por amor ou algo desse
tipo. Vid., ainda, v. 3097. Observe-se a estrofe em questão:

Mais amigos, mal dia fui por mi,


pois me por ela tan gran cuita ven
que ben mil vezes no dia me ten, (2120)
meus amigos, desmygad assi
que niun sen nen sentido non ei;
e quand’acordo, amigos, non sei
niun conselho pois aver de mi.
En tal coita qual mi-oïdes dizer (2125)
me ten, amigos, si Deus me perdon, etc.

Trata-se aqui, pois, do sofrimento amoroso, que traz o poeta mil


vezes ao dia em tal aflição desde a primeira vez em que viu a sua amada,
que perde a razão e o entendimento. Uma situação que se apresenta com
bastante frequência nos nossos poetas portugueses! Deve-se então encontrar
um particípio passivo com o significado de “aflito”, “miserável” [bedrängt,
beelendet]. Desmayado, suposto por Diez, loc. cit., conforma-se ao sentido
e à letra de modo excelente, mas sua adoção tornaria necessária a adição de
uma sílaba em outro local81. Desasperado ou desamparado satisfazem em
todos os aspectos, mas distanciam-se das letras transmitidas. Essas últimas
aproximam o pensamento do particípio passado do português arcaico
*desmiungado, de *desmiungar, verbo que deve igualmente ter existido,
com o mesmo significado, ao lado de miungar, miunguar82, assim como,
ainda no espanhol atual, desmenguar é usual ao lado do simples menguar83.

81
Diez recusa desmigado, “esmigalhado”, por não corresponder bem ao sentido.
82
Vid. Rev. Lus. 3, p. 174 e Grundriss I2, p. 962.
83
Para a questão do significado, compare-se o latim minuere, diminuere, cupere, discupere e no
românico, por exemplo, ainda no provençal, trigar, destrigar, casos que Diez já havia apontado,
EW. 327. Adicionem-se ainda a esses, por exemplo, trahere, distrahere e dissipare, que vem de
supare, portanto, de qualquer modo, de um verbo de afastamento (cf. Walde, EW des Lat., s.v.).
Para des = di, veja-se, por exemplo, Cohn, Zeitschrift 18, p. 204 e comp. desmenuir ao invés de
diminuir no dialeto do Porto (segundo Leite de Vasconcelos, Dialectos Interamn. IX, Porto,
1891, p. 32).

411

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Como o minguado do português moderno, o português arcaico


*desmiungado, paleograficamente também aceitável e muito mais seguro
quanto à forma e ao conteúdo do que desviingado, deveria ter significado
“infeliz”, “miserável”84.
V. 2139 Deus, que falta em Vg., não foi complementado a partir de
CCB., devendo portanto ser colocado entre colchetes?
V. 2141 ben fazer. Por que sem hífen, como, por exemplo, vv. 865,
1418, 5391?
V. 2171 Joan Cõelho sabe que é ‘ssi! Vg., é sy. O mesmo se dá no
v. 6610, em que Vg., aliás, também recorre ao apóstrofo. Em V. 2860
encontramos é si sem apóstrofo, como em Vg.; três linhas abaixo, porém,
aparece novamente que o é’ si, onde Vg. tem que si. Da mesma forma
ocorre nos vv. 3351 e 3532 (onde Vg. tem e sei, o que, em todo o caso, é
pertinente). Já que não se dispõe de qualquer sinal de elisão da vogal a
(em assi) nessas posições, o apóstrofo é obrigatório. Tanto em fórmulas
assertivas, como em outras, ocorre si além de assi, como se apontou em
Denis, p. 118, em relação ao v. 328 [neste volume, p. 314]. Compare-se,
por exemplo, ainda, CV. 17, 5; 699, 5 que non é ssi; 1199, 5 sy e sy etc.
Observe-se ainda, por fim, que a controversa passagem, em Zeitschrift 20,
p. 185, nota 1, foi escrita sem apóstrofo pela própria editora; portanto, um
tratamento diverso para um só caso; o mesmo vale para ‘se, em Zeitschrift
19, p. 530.
V. 2180 queix(e)én (?); Vg., queix’en; CCB. queixen. Ambos os
modelos apresentam a forma do verbo queixar correspondente à terceira
pessoa do plural do subjuntivo, a partir da qual a própria editora fez a lição
queix(e) én, talvez induzida pela separação de Vg., a qual, como se conclui
do ponto de interrogação colocado, também a ela pareceu duvidosa. Queixen,
que se relaciona a os olhos meus como sujeito, dá um sentido melhor do
que queix’én e é de estranhar que não se tenha incorporado ao texto, já que
a tradução concorda com isso85.
V. 2184 E queixo-m’ en meu coraçon; CCB. qixom meu c. A editora
sugere que se leia: e queixo-m’ [do] m.c., o que é impossível, pois na

84
No manuscrito, deve ter constado originariamente, portanto, desmyugado.
85
A editora não observou, embora isso deva tê-la influenciado, é verdade, que a forma queixen, em
virtude da sua terminação paroxítona, não resulta em rima perfeita com ben. Sabe-se, contudo,
que os poetas de todos os tempos se permitiram essas e até maiores liberdades, e os nossos
heréticos portugueses não terão sido muito inocentes nesse quesito. (Vid., por exemplo, v. 813
outren: ten, e, abaixo, o que se refere ao v. 9243). Assim como encontramos rimando, por exem-
plo, CM. 35, Colistanus, Brutus, chus; Festa V, 2; IX, 5, aue, fe, também no Canc. Baena vemos
ligações como (lo) que es, leyes (nº. 227, 1); em Dante (Inferno 7) urli, pur li etc.

412

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

linguagem de nossos cancioneiros, m’ nunca figura antes de uma consoante.


A lição transmitida é correta.
V. 2202 e do que moiro gran prazer end’ ei, com Vg. e CCB. De
que etc., no entanto, deveria ser o mais correto.
V. 2231 qual[l]h’a; Vg., qualla; CCB., qlha. Da mesma forma
v. 3096, mallo = mal lh’o.
V. 2253 e verdade direi, com CCB. De acordo com as variantes,
CA. tem e verdad vos direi, o que coincide com Vg., que, no entanto, lê
verdade. Por que não, portanto, verdad[e]?
V. 2260 de-o non perder, e o non perderei. Única vez, nesta
coletânea, em que a editora reconheceu, ao invés de eliminar, a conversão
do e de de para um i à maneira de iode, o que é próprio da língua cotidiana
e é também metricamente importante na nossa lírica, em me o > mi-o etc.
Aqui não se aplica, portanto, esse tratamento do e, já que o sentido exige a
eliminação do non seguinte. Como se diz corretamente na tradução, em
contradição com o texto, o poeta quer dizer: “não tenho nenhum temor de
perdê-la (isto é, a minha escassa compreensão) e não a perderei”. A lição de
CCB., portanto, não é a melhor. Vid. acima o comentário ao v. 105.
V. 2309 mi-a[r]; CCB. ar, da mesma forma Vg., enquanto se diz,
nas variantes, que o modelo tem apenas a.
V. 2313-4 de que assi estou (“com quem estou assim, é o que se
passa comigo”) não está traduzido. Nos vv. 3338-9, a tradução da mesma
expressão é imprecisa: vou mal (bem). V. 4218 deveria estar na tradução:
“como estou me dando com eles” [wie ich mit ihnen stehe], não “como eles
estão” [wie es mit ihnen steht]. Nos vv. 3078-9, a versão para o alemão, de
todo modo, não é feliz. Apenas o v. 3995 está corretamente traduzido.
V. 2396 coitada-mente; Vg. e CCB. coitada mentre, uma
terminação pouco usual neste sufixo em português, à qual Vg. não poderia
ter chegado, porém, senão através do manuscrito. Modelo? Em espanhol
antigo, encontra-se mentre, mientre com bastante frequência, como se sabe.
V. 2533 des aquele dia; Vg., des aquel dia; em CCB. ben d. a. d.
Modelo?
V. 2544 dix’, ou Maria. Vg., dixe ou M. O mesmo nos vv. 2551,
2558, 2565. Modelo?
V. 2571 se quen? (= se uma outra?) não está traduzido.
V. 2590-2592 Porén tod’ ome devi(a) acordado, Que sen ouvesse,
d’ aquest’ a seer, De nunca ir tal pregunta fazer. A oração relativa que sen
ouvesse está, aqui, separada da palavra à qual se refere ome, claramente em
virtude da rima. Exemplos similares de tal cruzamento de componentes do

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

discurso, sejam, como acima, atribuídos à necessidade do verso, ou,


simplesmente, a uma forma mais fácil de expressão, encontram-se também,
por exemplo, nas Cantigas de Santa Maria de Afonso X, como CM. 9, 1:
Un* de Bolonna [ome]; 33, 4: Un* saltar [d’eles] quis; 78, 7 E mandoulhe
que o primeiro* que chegasse [Om’] a el dos seus, que tan toste fillasse
(= que o p. dos seus omes que a el ch., etc.); 102, 1: A* dos sanctos [flor];
134, 10: Benauenturada, Est’ outra* con segur [Perna ei tallada]; 397, 2:
Con un* d’Almaría [mouro] que dizia. Graal 43, 19-20: “o poboo que
ujuera* sob aquella dureza [gram tempo] dos coraçõoes”. – Tobler tornou
conhecidos e esclarecidos numerosos exemplos do francês, em VB 2, p. 28
ss.; Appel o fez com o provençal, em Inedita, p. XXVII, a que se pode
ainda acrescentar, por exemplo, a Chanson de la Croisade, vv. 3161-3162:
Cant la cortz* es complida es motz grans lo ressos [Del senhor apostoli
qu’es vers religios]; do italiano, Fornaciari, Nov. scelte di Boccaccio, na
lista sob o título de Trasposizioni di parole; do espanhol, tenho à mão no
momento apenas este caso retirado de uma cantiga popular: Marín, Cant.
pop. esp. II, nº. 1322: Si* dispone de bender, Señora, [usté], esse lunar, Por
dineros que otro dé, yo estoy en primer lugar.
V. 2594 Castigado pelo seu coraçon. Vg. e CCB. castigarssen
pelo s.c. Leia-se, pois: castigar senp[r]e lo s.c., que satisfaz tanto a
transmissão como o sentido. A propósito, senpe-lo poderia cair tão bem
quanto, por exemplo, sobe-lo ao lado de sobre-lo etc.
V. 2614 E por a tal. Desta vez, com Vg. Leia-se, porém: E por
atal. Comp, por exemplo, v. 2666.
V. 2684 e fezera. Vg., El f. Modelo?
V. 2694 ousei veê’-la; Vg. e CCB. ous’ ir v., que é o correto (vid.,
por exemplo, vv. 2696, 2701). Nas variantes, a editora diz que a lição de
CCB. lhe agrada mais. Mas como chegou Vg. a ela?
V. 2727 ben leu. Vg., ben ll’eu (em virtude de má compreensão da
palavra, como Diez, 132, já observara); em CCB., ben lheu. Vg., assim,
poderia ter lido corretamente. No v. 7424 (= CCB. 23. 39), a editora deixou
ficar o transmitido ben lheu = prov. ben lieu (ao lado de b. leu). Em
Afonso X, CM., prepondera b. leu.
V. 2748 lhi. Vg., lhe, a forma usual em CA. Modelo?
V. 2784-2807 (nº. 115). Também nos nºs178 e 411 temos cantigas
de justificação (salvas), que se comparam ao escondich dos provençais.
Aos exemplos catalães desse gênero poético, mencionados em meu artigo
no volume dedicado a Mussafia (Halle, 1905), p. 32 [neste volume,
p. 514], acrescentem-se ainda os casos aludidos por Milá e Fontanals, Obras
III, pp. 161, 463.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 2808 conven-mi a rogar. Como o metro já mostra, mi é aqui


átono e deveria, portanto, estar ligado ao a seguinte, em mi-a. Vid., acima,
comentário ao v. 333.
V. 2829 quand’ eu cofondi; Vg. e CCB., quant’ eu c. O sentido da
lição transmitida, porém, é totalmente satisfatório: “tanto amaldiçoei o vosso
senso” etc. Comp. v. 9944. Também no v. 617, onde o modelo e Vg.
igualmente têm quanto, parece que não se requer a alteração para quando.
Comp, abaixo, v. 3168.
Nº. 118. Nas variantes, leia-se (219) ao invés de (220).
V. 2856 A lição variante de CCB.: mha senhor e s. etc., não é
indicada.
V. 2859 don’ oí; Vg. e CCB. têm ambos dona oy, lição que,
entretanto, falta nas variantes. De acordo com a notação gráfica observada
no texto, deveria estar don(a)oí.
V. 2862 e quen a vir; Vg. e CCB. apresentam ambos e quen na vir,
sem que isso se anotasse nas variantes. V. 2866, porém, onde CCB. tem
igualmente qna (= quen a), encontramos, no texto, quenna, desta vez em
harmonia com Vg.
V. 2866 muito ame c. m., com Vg.; em CCB., muitame com my,
uma lição de que se sente falta nas variantes.
V. 2870 non-na; Vg. e CCB., nona. Também aqui o texto é
modificado, sem que para tal se obedecesse a um princípio. Vejam-se
vv. 1675 e 2862. Aqui, em uma mesma cantiga, como é frequente, um caso
é tratado de duas maneiras distintas.
V. 2897 o creerei, com Vg. A lição de CCB., a c., não está registrada.
V. 2903 nen o ar, com Vg.; CCB. nen ai etc., cuja lição falta.
V. 2916 do mund(o), e etc., com Vg.; CCB. domu de de m.p., cuja
lição falta.
V. 2930 escontra; CCB., escoutra, não registrada.
V. 2932 vus falta em CCB., o que não é indicado.
V. 2935 Meu s. D.; CCB., men etc., falta.
V. 2938 e nunca; CCB. enuca; falta.
V. 2939 façades; CCB. facades, apesar de constar três vezes no
refrão, não está arrolada.
V. 2941 og’ a etc.; Vg., oj’ a; CCB. oia (cf. v. 217, og’ o; 3236 og’
osmar). Se a escrita oga está realmente no modelo, então teria merecido
uma observação, como vega (v. 4329), modificada, aliás, para vej’a, vegu
(v. 2693), mudada para vej’u e prigon (v. 10347), para prijon. Como se
sabe, g serve frequentemente, nos documentos coevos, como sinal da palatal
fricativa antes de a, o, u. Vid., por exemplo, Rev. Lus. 7, p. 61 (doc. do ano

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

1275) sega ao invés de seja (repetido); ibid., 8, p. 37, agades ao invés de


ajades; CM. 74, 9; 75, 8 etc.; ygrega ao invés de ygreja. (Vid. também
CA., I, p. XVIII, nota 1).
V. 2942 de o veer; e meu sen est atal, com Vg.; CCB. de a ueer e
meu sen ental, cuja lição falta.
V. 2955 rogu’eu a D.; deve-se colocar eu entre colchetes, pois tanto
Vg. como CCB. leem rogadeus, o que não se informa ao leitor.
V. 2958 nen v. a.; CCB. neu v. a.; falta.
V. 2975 se mi-a d. q.; CCB. seha d. q.; falta.
V. 2998 sachiez; Vg., sachaz; CCB. sachez. O i deveria portanto
ser colocado entre colchetes, mas seria melhor omiti-lo. Se Diez houvesse
conhecido as lições de CCB., provavelmente não teria sugerido, à p. 30,
sachiez. Como se sabe, aparece, já no século XIII, -ez ao invés de -iez e
torna-se regra no século XIV. Vid., por exemplo, Suchier, Altfranz. Gramm.,
47 s., e Nyrop, Grammaire historique I, § 192 ss.

II.
V. 3003 e pois que el n. D. etc.; CCB. e poys q(s) n. D. etc.; falta.
Tais variantes são tão dignas de observação, quanto ao menos, por exemplo,
CCB. cuidaua ao invés de coidaua no v. 3016, (enquanto novamente, no
próximo verso, se ignora hunha no lugar de ua). Comp., por exemplo, ainda
v. 3030.
V. 3019 eno m.; CCB. no m., falta.
V. 3028 E u eu vi; Vg., E eu vi; CCB. E cu ui. Modelo? Falta a
lição de CCB.
V. 3029 Vírgula entre disse dizer! Em CCB. dixer, lição que
igualmente falta.
V. 3038, 3044 u vus; CCB. huus falta.
V. 3043 coita; CCB. oita, falta.
V. 3056, 3059. Aqui, como é muito frequente, as formas transmitidas
nas variantes são apresentadas com os sinais de acentuação e os outros, adotados
para a edição do texto, portanto òuvi ao invés de ouvi etc. Mas também aqui
sem consistência, pois para o v. 3071 dixi é citado sem acento etc.
V. 3064 levei, com CCB.; Vg., levo, o que dá bom sentido. Modelo?
V. 3076. M. eu cativo, e que receei; CCB., M. eu catiue q (reche.)
recehey; falta nas variantes.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 3081 aquella; CCB. aqla (= aquela) Não se compreende o que


faz aqui o duplo l; não está na errata.
V. 3087. A lição de CCB. é como ieu, restituída nas variantes por
meio de com’ oj’, ainda mais com a representação da palatal fricativa antes
de e e i, a qual, embora se encontre frequentemente no texto, é declarada
pela própria editora como incorreta, em Zeitschrift 19, p. 514, nota 3 e
CA. I, p. XVIII ss. As variantes não têm nenhum valor, se não são
reproduzidas com exatidão.
V. 3097 Ca senhor ei que m’estranharia; CCB. Ca senhr e q. etc.,
o que, nas variantes, é reproduzido da seguinte forma: ca senhor é. Mas
quem diz à editora que aqui e figure efetivamente como terceira pessoa
singular do presente do indicativo de seer, e não seja, antes, um ei
incompletamente transmitido, ainda mais que a lição de CA. e o sentido
falam claramente a favor disso?
estranharia é traduzido por “castigar” [ahnden]. A tradutora quis
dizer com isso “punir” [strafen] e não algo como “censurar” [tadeln], como
o demonstra o v. 3108, onde estranhar é traduzido, em contexto semelhante,
por “punir” [strafen]. Aqui, porém, não se trata de punição, como tampouco
no v. 2121 acima, onde a editora ainda por cima pune o poeta, atormentado
pelo sofrimento amoroso. Além disso, não conheço nenhum caso em que
estranhar seja empregado no sentido de “punir”. Nos vv. 3097, 3108, 4954,
6639, significa, como ainda na linguagem de hoje, “ficar surpreendido por
algo”, “criticar algo a alguma pessoa”. Tomado nesse último sentido, ahnden
é provavelmente a interpretação correta nas duas últimas passagens aludidas.
Assim o utiliza Afonso X, CM. 94, 5: mais la Uírgen... que a uida estrannar
lle fez que fazia; Denis, v. 2450. Também na linguagem jurídica do português
arcaico, estranhar tem o sentido de “repreender alguém”, como, por
exemplo, Ineditos de Hist. Port. IV, p. 605: E aqueles que contra isto foren,
manda que seiam logo presos e enquerudos, e seja lhys estranhado pelo
juiz; ibid., p. 606: E de mays, seerally estranhado ao danador, com
escarmento de justiça, segundo o feito demandar. Da mesma forma, em
España Sagrada 41, p. 419 (doc. do ano 1374) etc. Abonações do antigo
espanhol encontram-se, por exemplo, no Glossário dos Infantes de Lara,
de Pidal. Compare-se, finalmente, o prov. estranhar no Lexique Roman,
s.v. e estranhatge, em Levy, SW s.v.
V. 3103. Como variante de CCB., é referido: que o ela sabia,
enquanto, na verdade, lemos: qo e le sabia. Pela simples separação de
palavras que foram escritas juntas, danifica-se o valor crítico de uma
variante. Na linha anterior, lê-se no CCB. q o soubessela, o que é restituído,
nas variantes, por soubess’ ela.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 3107 tod est’ ainda; CCB. todestamda, o que falta nas variantes.
Após tod, coloque-se um apóstrofo.
V. 3108 m’estranhar; CCB. me straªar, que falta.
V. 3120 CCB. falta que, o que não é indicado nas variantes.
V. 3126 CCB. e se qui sesse des, o que é restituído, nas variantes,
da seguinte forma: e ses quisessedes, como se se soubesse desde o início
que aqui não se pensava, como frequentemente, no sentido de “e se Deus
(dês) quisesse”! (Vid. v. 4851).
V. 3137-9 e se o fazer – senhor, com o verbo desenganar, ficou
sem traduzir. No v. 2214, esta palavra foi interpretada como “confessar”
[bekennen], no v. 2282, como “proclamar a verdade” [die Wahrheit
verkünden]; em nossa passagem significa, como ainda hoje, “livrar-se do
erro”, “esclarecer”.
V. 3142 ca, mia senhor; CCB. Camj. s., lição que falta.
V. 3157 lhes. Segundo as variantes, o antecedente, ao qual Vg.
também aqui permaneceu fiel, tem les. Leia-se, pois, l[h]es. A propósito,
vid. acima, v. 596.
V. 3160 em CCB. pr q ximassanhar, que se torna por que xi
m’ assanhar, nas variantes.
V. 3161 quen-nas; Vg. e CCB. quen as. No v. 3156, a mesma grafia
foi tomada, inalterada, do modelo (quen-as).
V. 3165 de fazer a. m. b. niun sabor; CCB. de faz a. m. b. nehuu s.;
ao invés disso, encontramos apenas nenhun registrado nas variantes.
V. 3167 ja quequer m’én fezera e. CCB. ia q qmenf z’a e., de que
nada consta nas variantes. Comp. Vg.: ja que quem eu f. e.
V. 3168 des quand’á. Ambos os modelos trazem des quant’á = “há
quanto tempo” [so lange her als es ist]. Assim igualmente em Denis,
v. 628, e consultem-se também, no Glossário, as expressões citadas s.v.
quanto. Com relação a isso, compare-se a conjunção en quanto, “no tempo
que”, “enquanto”, que ocorre com muita frequência, por exemplo, em
CA. vv. 11, 62, 76, 99, 5021, 5119 etc., e o espanhol atual en cuanto, “tão
logo que”. Ver ainda Bluteau, s.v. quanto. Havia, portanto, todo motivo
para conservar a lição transmitida, tanto mais que a mesma forma ocorre
em outros lugares da presente coletânea, como, por exemplo, no v. 9660.
Não se entende, a propósito, por que des quando não é escrito em uma só
palavra pela editora, como, por exemplo, no v. 3256, enquanto (mas separado
no v. 3361), aquanto vv. 3041, 3900, ou provido de um hífen, como tantas
outras palavras. Compare-se, para tanto, o que estabelece a Sra. M. V.,
Zeitschrift 19, 518 ss.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 3175 no’-me; Vg., no me; CCB. no mj. Até aqui, os grupos
nasais como non me, nen me etc. foram reproduzidos no presente texto por
meio de non me, nen me, não importando como estejam representados no
modelo. Daí em diante, encontramos ora a anterior ora a nova grafia,
incomum nos velhos textos. Comparem-se, por exemplo, ainda vv. 3283,
3519, 3531, 3892, 3909, 3988, e ver-se-á que os modelos não são sempre
responsáveis pela respectiva grafia. Vid. Denis, p. CXLVII [neste volume,
p. 180], CA. I, p. XVI e ibid., nota 5, onde nada se diz acerca de grafias
como no’-me, que’-na. No v. 5868, o modelo tem, assim como Vg., que
me, para o qual encontramos, no texto, que[n]-me. Por que não, também
aqui, que’-me, como no v. 3175?
V. 3187 eu m. n. m.; CCB. ea m. etc., falta.
V. 3190 querria; CCB. queria, falta.
V. 3193 perderia; Vg., poderia; CCB. –p (o)deria, falta.
V. 3194. Se não se quiser ler coraçon com duas sílabas, como
ocorreu mais tarde, por exemplo, em Canc. de Res. (vid. Romania 12, 295),
então aqui se deve escrever, conforme o método observado, cuidand(o)em.
Comp. v. 8818 e vid., infra, o comentário ao v. 4592.
V. 3196 e en como lh’ousaria d.; CCB. e en comolhouiaria d.,
falta.
V. 3199 mais veê’-la-ei pouco, e irei én; Vg., mais veel-a-ei pouc’,
e irei en; CCB. m. veela mui pouq e hirmey en. A lição presente no texto
tem uma sílaba a mais; as variantes, ao contrário, estão ambas metricamente
corretas, e Vg., portanto, está provavelmente de acordo com o modelo.
Neste caso, deveria ter-nos sido comunicado o desvio, e o o intercalado,
colocado entre colchetes. Mas se pouco realmente consta do modelo, deveria
ter sido escrito, no texto, pouc(o), pelo menos de conformidade com o
procedimento observado nesta edição.
V. 3202 non mi-an; Vg., n. mi á; CCB. no m–ha. Não registrado.
V. 3213 qu’én; CCB. (= quen), não simplesmente q, como está
nas variantes. A verdadeira lição do CCB. acaba por ser, portanto,
exatamente a mesma que a de CA. e não necessitava, por isso, ser dada.
V. 3214 A lição de CCB. é a mesma que a do texto (e de Vg.) e a
sua indicação era, assim, tão desnecessária como o sinal de interrogação
subsequente.
V. 3215 E veo outre, por quen me non ten; Vg., E veo outre por
quem mi o. n. t.; CCB., Eu eno outm por que mho n. t. Tanto Vg. como
CCB. têm mi o. Como teria o primeiro chegado a essa lição, senão através
do modelo? Se ela está lá, então deveria ter sido arrolada.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 3216 por seu; CCB. tem por sen, não p. seu, como está nas
variantes.
V. 3223 faça; CCB. faca, falta.
V. 3226 bon; CCB. boo, falta.
V. 3232 A lição de CCB. era preferível, pois oferece o predicado
que falta na oração principal.
V. 3233-4 non / na veer. Um interessante exemplo de assimilação
do l de um pronome iniciador do verso seguinte à nasal precedente.
V. 3236 poss’ og’ osmar; Vg. poss’ y osmar; CCB., posso iosmar,
lição não arrolada. O modelo tem g aqui como sinal da palatal fricativa
antes de o? Vid., acima, v. 2941.
V. 3238 veg’, e coid’ e. etc.; CCB. ueie cuyden etc., escrito nas
variantes: vej’ e c. etc. Vid. observação ao v. 3087.
V. 3246 nunc’ averei ren; CCB. nuca uerey ben, em cujo lugar
está, nas variantes, uerey-ben, como se faltasse o a de averei, e ainda
houvesse algo entre este tempo verbal e ben!
V. 3249 servir; CCB. seuir, falta.
V. 3250 ua; CCB. hunha, falta.
V. 3272 ua; CCB., unha, falta.
V. 3279 m’enfadar; CCB. me fadar, falta.
V. 3280 que me faz; CCB. q mala faz, o que é reproduzido, nas
variantes, por que m’ela faz.
V. 3288 quer’! e estou; CCB. qrestou; falta.
V. 3307 vus falta em CCB., o que não é indicado nas variantes.
V. 3314 e por én ; CCB. epreu; falta.
V. 3317 que mi-aven; CCB. qmauen; falta.
V. 3336 querria; CCB., qrya; falta.
V. 3338 cuid’ eu; Vg., cuido; CCB. cuyden. Modelo?
V. 3339 ua; CCB. hunha; falta.
V. 3343 Tan mansa; CCB. Taa m.; falta. Deve-se colocar vírgula
antes e depois de Senhor.
V. 3350 pero que; CCB, falta o, o que não é dito.
V. 3352 tant esforç’. ei; CCB. tate forçey, não t. esforcei, como
está nas variantes. – Falta apóstrofo após tant.
V. 3358 e morrera; CCB. emoirer; falta.
V. 3362 e en muy b. f.; CCB. falta en, o que não se menciona.
V. 3364 que vus quero. CCB. qimu9, o que é reproduzido, nas
variantes, por que mi vus.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 3368 ouv’a; CCB., onnha m., o que nos é transmitido na grafia


òuvi-a m.! O mesmo no v. 3373.
V. 3406 mui gran pesar; CCB. uiui g. p.; falta.
V. 3416 faz Amor; CCB. far amor, não faz a.
V. 3422 nen Deus; e ¡si Deus me perdon! CCB., nen deo, cassimeM
–pdon; não deus, nem cassimet (com t ao invés de l), como se poderia crer,
de acordo com as variantes.
V. 3423 a meu p.; CCB, amen p.; falta.
V. 3433 d’al nen; CCB. daluen; falta.
V. 3436 os partir Deus; CCB. oz –ptir deo; falta.
V. 3437 de vos; CCB. de uoz; falta.
V. 3449 vejo; CCB. uero; falta.
V. 3452 quant’ el; CCB. q uotel; falta.
V. 3460 guerrejar; CCB. gueirar; falta.
V. 3467 ua; CCB. unha, falta.
V. 3469 por q. a.; CCB. per q. a., falta.
V. 3476 mia s.; CCB. nha s., não mha s., como está nas variantes.
V. 3480 que vus p.; CCB. queu9s p.; falta.
V. 3489 estes meus; CCB. esta m., falta.
V. 3502 ¡si D. m. p. ! Vg. e CCB., se D. m. p. Vid. comentário ao
v. 1326.
V. 3506 me [a]veo sempre coit’ e pesar. Também Vg. e CCB. têm
me veo- etc. Como vimos, a editora substituiu, no v. 652, o me aven,
transmitido em ambos os modelos, por mi a., com o propósito de completar
o número de sílabas, pois me, como forma constitutiva de sílaba, contradiz
o costume observado em CA. Este argumento seria aceitável, o que quer
que se pense da emenda encontrada para a medida do verso. Porém, pelo
mesmo motivo, a tentativa de complementação realizada na nossa passagem
não seria aceitável, pois deveríamos pronunciar me- [a]veo com apenas
três sílabas. Leia-se, de preferência, no local acima indicado: coit[a]e etc.
O mesmo emprego proibido de me escapou, com ainda maior frequência, à
sua pena emendadora. Assim, por exemplo, vv. 7997 (vid. infra) e 8157
m[e] esta; no último caso, vemos utilizada como emenda exatamente a
forma que, nas mesmas condições e contra o modelo, no v. 652, a editora
declarara inaceitável. O verso correspondente poderia, do modo mais
simples, ser emendado para: E pois [que] m’esta coita faz. Veja-se, a
propósito, a observação ao v. 9499.

421

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 421 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Para a cantiga nº. 151, conservada apenas no Códice da Ajuda, não


consta nenhuma secção para variantes. Deve-se, portanto, confiar em Vg.
para isso.
V. 3556 ca me teen; Vg., ca men teen. Modelo?
V. 3568 porque; Vg., per que. Modelo? Vid., acima, comentário ao
v. 297.
Nº. 152. Nenhuma variante, tampouco.
V. 3571 nacer; Vg. nazer. Modelo?
V. 3588-9 (nº. 153) Senhor fremosa, pois m’ og’ eu morrer / vejo,
assi que contra etc.; Vg. S. f., pois m’oj’ eu assi / Vejo morrer, que etc.
Modelo?
V. 3659 ren m’enchal; Vg., le m’en chal. Modelo? A propósito,
por que não m’én chal, seguindo o modo adotado nesta edição? Para a
expressão, vid. Denis, p. 113 [neste volume, p. 307]
Nº. 157. Não são dadas quaisquer variantes.
V. 3666 mi-a min; Vg., me a min. Da mesma forma, v. 3680 mi-o;
Vg., me o.
V. 3670 el me dê d’ ela ben; Vg., El me dê la ben. Modelo?
V. 3672 por me de g. c. q.; Vg., por m’en de g. c. q. A última lição
é, pelo menos, tão boa, se não melhor. Modelo?
V. 3674 que lh’ og’ eu rogo, rogar-lh’-ei assi; Vg. que ll’ o eu rogo,
rogá-ll’-ei assi. Modelo?
Nº. 158. Não se indicam variantes.
V. 3693 mi; Vg. min. A palavra está em rima com vi, o que também
se dá no v. 3723, onde, aliás, no códice, o n foi ulteriormente corrigido
como errôneo. Vid. CA., II, 172. Já que nada consta de tal correção em
nossa passagem, Vg. deve ter lido corretamente. Modelo?
V. 3701 Essa mia coita; Vg. En a m. c., o que deve estar correto,
pois é necessário para a construção de vus falarei no verso seguinte. A
propósito, a editora traduziu, aqui como em outros lugares, de acordo com
o texto de Vg., não com o seu próprio: “do meu sofrimento...vos quero
falar”. Modelo?
V. 3714 min; Vg. mi. Modelo?
V. 3720 en un cantar que querria fazer. Em virtude da medida do
verso, também Vg. eliminou o advérbio ora, encontrado depois de querria
no manuscrito. Lendo-se, porém, nun ao invés de en un, dispensam-se,
então, maiores alterações.
V. 3724 por quen me dizia; Vg. por quen no d. Também aqui a
tradução coincide com o texto de Vg.: “porém ninguém saberia de quem eu

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 422 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

falo”, enquanto por quen me dizia deveria significar algo como: “por qual
(admirador) eu me faço passar”. A lição de Vg. é melhor. Modelo?
V. 3725 rogo s. M.; Vg. rog’ a S. M. Modelo?
V. 3736 Ja est’eu o.; Vg. ja eu est’o. Modelo?
V. 3739 por Deus; Vg. par D. Modelo?
Nº. 161 Nenhuma variante informada, com exceção de narnas para
nen ar as.
V. 3761 contra que; Vg. contra quen. Modelo? A editora, com
bastante frequência, corrige que para quen. Vid. supra, comentário ao
v. 898.
V. 3768 mi-ora; Vg. me ora. Do mesmo modo, v. 3788. Modelo?
Vid. comentário ao v. 3666.
V. 3771 moir’ e p.; Vg. moiro e p. Modelo?
V. 3829 soub’ eu; CCB. souben; falta.
V. 3831 que mal que os matei. Na tradução, não aparece mal. Mas
sim: “quanto os sacrifiquei (os meus olhos)” [wie sehr ich sie (meine Augen)
matt setzte]. Veja-se, a respeito, Canc. Gallego-Castelh. v. 596 e p. 191.
V. 3837 lhes ar; CCB. lhar; falta.
V. 3841 E na sazon; CCB. Eira; falta.
V. 3842 avian de a v.; CCB. amandea v; falta.
Nº. 166. v. 3872, ama chamada: CBB. amadia mada; falta.
V. 3879 ama dev’ a seer; CCB. amada a seer; falta.
V. 3881 pola eu muit’ amar; CCB. pola muyt’eu a; falta.
V. 3883 poi’-la eu vi; CCB. poila uj; falta.
V. 3887 eu sei; CCB. en soy; falta.
V. 3889 do mund’ é; CCB. domuda, falta. Com relação a o[u] nesta
linha, ao invés do o transmitido, que também foi corrigido nos vv. 2986,
4089, 7595, veja-se o que se disse acima para os vv. 47 e 927.
O nº. 166 também foi impresso na Zeitschrift 20, pp. 148-9 (nº. I)*,
mas com tratamento distinto do mesmo texto. Não apenas se encontra aqui
m, no lugar de n final, e ao invés de poi’-la, simplesmente poi-la, mas, de
muitas maneiras, o texto é outro, como se depreenderá do que se segue:
Linha 4: d’estas duas] I d’estas cousas (de onde veio essa lição?);
Linha 6: est amada] I é amada (de onde?)

* Cf. Y. F. Vieira et al., Glosas Marginais ..., p. 33. Corrija-se ali, a propósito, no v. 4, “se paor” por
“se por”. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Linha 15: pastorinh’, e] I pastorinha (?)


Linha 17: o[u] I ou.
Linha 19: E o[ï] de como etc.] I É o de [modo] como etc.
Já que esse texto foi impresso no ano de 1896, portanto quase vinte
anos após ter sido iniciado o estudo de CA., e dezesseis anos após o
aparecimento do Colocci-Brancuti, então não se sabe como se devem
explicar estas contradições, ainda mais que este não é o único caso. Vid.
nºs 38, 408, 455.
V. 3961 dev’ end’ a; Vg. devi end’ a. Modelo?
V. 4016 aque vus ar ei [aquest’] a dizer; Vg. a que vos ... aquen a
... er. CCB. de que vus ar ei aquest’ a dizer. Nas variantes, diz-nos a editora:
“No CA. este verso está quasi apagado: ainda assim cheguei a distinguir
todas as letras, menos as que estão entre ei e a.” – Vg. logrou ler
corretamente, portanto, 14 das 24 letras, dentre as quais até mesmo 4 da
palavra aquest, que CCB. oferece por completo. Completá-la era, então,
desnecessário.
V. 4027 foi; Vg. fui. Modelo? V. 4037, ambos os textos têm fui.
V. 4031 teve-mi en desden; Vg. e CCB. teve mi o en desden. Já que
em CA., II, 172 (= § 142), na lista dos erros corrigidos no códice, nada se
diz desta passagem, então provavelmente Vg. concorda aqui com o modelo,
e sua lição deveria estar ou nas variantes ou, antes, no próprio texto, pois
dá melhor sentido. De fato, a editora traduz aqui, como é frequente, não de
acordo com seu próprio texto, (“ela me desdenhou”), mas com Vg. (Quando
falei “com vênia, minha Senhora, então ... ela desdenhou de me responder”).
V. 4066 pos-seu ao invés de por seu. Do mesmo modo, vv. 4072,
4372, 4810. Afonso X diz, em CM. 238: Passan (= par san) Dinis; 269:
pesseverar. Outros casos dessa assimilação comum em português, assim
como já no latim vulgar, encontram-se em Grundriss I2, 978; para o catalão,
por exemplo, Milá y Fontanals, Obras III, 311 ss.; para o prov., por exemplo,
Grandgent, p. 53.
V. 4082 e non [mi] valha ela. Uma vez que usualmente no texto,
conforme a praxe preponderante de CA., apenas me é admitido antes de
consoantes e me antes de vogal é corrigido para mi nos lugares onde foi
transmitido (vid. comentário ao v. 3666), então se deveria aqui escrever me
em lugar do mi conservado em CCB. No que se refere ao tratamento das
formas e palavras complementadas a partir de CV. e CCB., vejam-se, por
exemplo, as variantes para o v. 5872.
V. 4089 o[u]tri. Do mesmo modo o v. 3989, provavelmente porque
se considera como forma espanhola o otri transmitido. Se se aceita essa

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

interpretação, então pode-se perguntar por que não foram vertidos para o
português, por exemplo, alhi no v. 1328, traicion, no v. 5496 (vid. comentário
ao v. 3889). Por outro lado, veja-se, acima, o que se diz para o v. 927.
V. 4117 e non ous’ a dizer; Vg. e non o ouso d.; CCB. e nono
ousa d. Na lista de erros, CA. II, 172, o o não é mencionado, e Vg. poderia,
portanto, ter lido de modo correto, tanto mais que concorda com
CCB. Esta lição deveria ter sido, então, arrolada nas variantes, já que pareceu
à editora perturbar o sentido.
V. 4242 min em rima com vi. Nas passagens correspondentes das
três estrofes anteriores, o texto tem mi ao invés de min, que está em CA., de
acordo com as variantes. Uma vez que, por conseguinte, o modelo oferece
mi para o v. 4242, não se compreende por que a editora colocou min. Vg.
não transcreveu aqui, infelizmente, o refrão.
V. 4301 ouvesse; Vg. ovesse. Modelo? No v. 7134, CCB. tem ouer,
para o qual a editora escreve ou[v]er’. Formas como essa, contudo, eram
comuns na língua, conforme mostram oer vv. 7175, 7417; 7569, 7781, 8677;
oera v. 7910; oesse v. 7398, formas que a editora não altera; ou então, oue,
ouera em Afonso X, CM. 76, 2; 85, 12 etc.; além disso, ovir, oço para
ouvir, ouço nos dialetos, ocorrências já apontadas acima, em relação ao
v. 927.
V. 4428 que a’ n p. t.; Vg. quan p. t. Modelo? No v. 4464, Vg. tem,
igualmente, que a en p. t.
Nº. 197. A propósito desta cantiga, a menção de Diez, KuHp.,
p. 57, que remete o leitor ao poema de Aimeric de Peguilhan: Domna per
vos estanc en gran tormen (Rayn., Choix, III, 425), poderia levar-nos a
concluir que se trata aqui tanto do conteúdo como da forma das duas peças.
Diez, porém, simplesmente fala do uso da chamada rim continuat.
V. 4501 é[n] que sempr’ eu punhei de a servir. A interpretação e a
emenda da lição, aliás incompreensível, e que etc., deveria ser a correta,
embora en que (= ainda que), que eu saiba, não se comprove em nenhum
texto coetâneo. Esta conjunção é tratada pela própria erudita romanista na
Zeitschrift 7, 109 ss., e na Miscellanea Caix-Canella 130-131. Às abonações
lá referidas, acrescento as ainda mais antigas do Canc. de Resende II, 524,
10 e III, 484, 23.
V. 4512 prougo. Vg. prugo. Modelo?
V. 4542. A lição de CCB., que me fez este ben, parece ser
definitivamente a melhor, já que a oração optativa me fezess(e) este ben
não coaduna com a estrutura da oração.
V. 4592 podera. Vg. e CCB. poderia. Se medirmos esta forma
como pod’ria, então a métrica não exigiria qualquer alteração da lição

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

transmitida nos dois modelos. No v. 1563, ambos os modelos trazem


igualmente: E melhor me seria a min de morrer, que a editora julgou dever
retificar, metricamente, pela supressão da conjunção E. Também aqui é
suficiente a medida s’ria. No v. 9845, a medida p’ro, ao invés de pero,
dispensa-nos da necessidade de alterar a transmissão. O mesmo vale com
relação ao v. 5708, onde a forma colocada à margem em CA., pero que,
que deveria substituir pero, é rejeitada por perturbar a métrica. O mesmo
ocorre com o v. 8821. Casos semelhantes são encontrados também em outros
lugares, como por exemplo em Denis, v. 299, 30486; em CV. 711, 5 perderia;
785, 7 perderan; 1020, 1 caridade etc. Se ponderarmos, além disso, que no
Livro de Esopo, por exemplo, cuja linguagem ainda pertence ao século
XIV, encontramos frequentemente formas como prijgo, em lugar de perigo;
que a própria erudita romanista, em uma cantiga de Garci Ferrandes de
Gerena (v. 581 do meu Canc. Gallego-Cast.), que remonta igualmente ao
século XIV, aponta como evidente a pronúncia roux’nol, ao invés de
rouxinol, em decorrência da métrica 87; e que medidas como pod’rá,
pod’roso, prigo, q’rer (por querer) são comuns no Canc. Resende, como
mostrou Cornu88, então deveríamos adotar o emprego desse expediente
métrico, que está em total concordância com a prática cotidiana do idioma,
também para a lírica palaciana do primeiro período. Confirma-se esta
concepção, além disso, pelos muitos exemplos que a própria Carolina
Michaëlis apresenta em sua edição de Sá de Miranda, p. CXX, se houvesse
necessidade de maior comprovação.
V. 4595 fis. Vg. fius. Modelo?
V. 4598 quand’eu. Vg. quando eu. Modelo?
V. 4618 que, sem dúvida, é a solução correta para se.
V. 4635 oge. Vg., CCB. oieu, uma lição que não traz qualquer
contributo para o sentido. Modelo?
V. 4662 tornad’ en al. Vg., CCB. tornado e. a. Modelo?
V. 4675 e por én sõo mais pouco preçado. Já que a editora, como
ela mesma nos diz, encontrou esta lição exatamente assim no modelo (de
fato, está também em Vg.), ela poderia, justificadamente, ter omitido sua
citação nas variantes. – Na tradução este verso não é contemplado. No
v. 8983, mais pouco é restituído através de “não considerável”, ao invés de,
mais claramente, “menor”. Comp., ainda, vv. 927, 1224.

86
Vid. minha nota a esta passagem, p. 118 [neste volume, p. 313]. A editora provavelmente não a
havia notado, ao escrever, na Zeitschrift 19, p. 522: “Seria melhor podia ao invés de poderia,
pois esta forma tetrassílaba atenta contra a métrica”.
87
Zeitschrift 28, p. 225.
88
Romania 12, p. 299 ss.

426

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 4750 vo[u] -a. No v. 9402, encontra-se o mesmo fenômeno


fonético, negô-o ao invés de negou -o, único caso deste tipo que foi poupado
pela editora em todo o cancioneiro. No v. 8881, no lugar do transmitido
fali-vus, entra a “emenda” faliu-vus, cujo u deveria estar entre colchetes. Já
foi dito que tais formas, desde há muito tempo, são marca da fala galego-
portuguesa. Vid. observação aos vv. 927, 4089 etc.
V. 4777 com’ eu tenho. Vg. como eu teño. Modelo?
V. 4808-4809. A completa concordância com Vg. das variantes
mencionadas pela editora mostra novamente com que fidelidade e
discernimento o mesmo seguiu o modelo.
V. 4844. O número de sílabas deste verso não deve ser completado
com a leitura [a] mayor, como ocorreu aqui, mas mediante a intercalação
de eu antes de vi na primeira parte do verso, em concordância com a primeira
e a terceira estrofes. Domina um perfeito paralelismo.
V. 4851 De[u]s. CA. des, com o que concorda Vg. Também no
v. 6872, essa forma manuscrita transmitida (CV.) foi substituída por De[u]s.
No v. 10264, CV. tem, igualmente, des, ao invés do qual encontramos, no
texto, Deus, sem colchetes para o u. Nos vv. 10281, 10282, 10294, a forma
manuscrita des é substituída por Deus, sem mesmo ser indicada nas
variantes. Na verdade, no v. 10296 é indicada nas variantes, mas aparece
no texto sem que o u seja posto entre colchetes. Em todas essas passagens,
portanto, a forma claramente escrita e transmitida nos modelos foi
“emendada”, embora a erudita romanista, na sua resenha ao meu Denis,
tenha declarado, como sua opinião fundamental acerca desses fatos
(Zeitschrift 19 (1895), p. 519): “o raro Dês (que ali ocorre ao lado da forma
usual Deus) foi rejeitado. Sem motivos suficientes. A pronúncia do português
do sul mal o assinala”, e ali mesmo, nota 4: “Eu empregaria dês apenas
onde ele ocorre claramente escrito”89. Não se explica por que não des, que,
como supus em Denis, p. CXLVI [neste volume, p. 179], representaria o
mesmo fenômeno fonético que mê pae, ao invés de meu p. etc. Compare-se
ainda, abaixo, v. 7202.
V. 4965 Nº. 222 mal-sen; CV. sal sen; falta.
V. 4969 pud’eu i al; CV. pudeu al., falta.
V. 4972 depois m’ end’ achei mal; Vg. d. m’ ind’ a. m., CV. despois
meu a. m., falta. O m’ én das variantes não existe.

89
Ali mesmo se esclarece que esta forma dificilmente representava a pronúncia do português do
sul. É possível. Mas se não é isso, o que é então? Deve-se pensar nesta questão, sobretudo por-
que, como se indica em Denis, p. CXLVI [neste volume, p. 179], esta forma ocorre exatamente
nos dialetos portugueses meridionais.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 4976 porque vus fui dizer; CV. pr qua f. d., falta.


V. 4978 depois; CV. dz; falta.
V. 4982 mais se menti, ja Deus n. m. p.; CV. maus sementi ðs etc.;
falta.
V. 4989 (nº. 223) Ne[n] ar cuidei; CV. N. ar cuydedes: falta.
V. 5009 (nº. 224) sei eu b.; CV. seu b.; falta.
V. 5025 ouv’ o gran prazer; Vg. ouvo g. p.; CV. ouue g. p. Já que
ouvo é uma forma tão corrente quanto, por exemplo, prougo v. 4512 e podo
v. 5285, e o artigo antes de gran prazer é não só desnecessário, mas também
menos usual, não havia qualquer motivo para separar o o.
V. 5030 mereci; CV. mezi; falta.
V. 5038 (nº. 226) coraçon; CV. corazon; falta.
V. 5040 outra; CV. oura; falta.
V. 5050 ante ua ren; Vg. ant’ ùa. Modelo? Também CV. tem antuªa,
lição novamente não arrolada.
V. 5061 (nº. 227) falta eu em CV., do qual nada nos é dito.
V. 5076 x’ ende; CV. (29) rende; falta.
V. 5077 porque; CV. (29) por quen; falta.
V. 5082 lhis eu; CV. (38) lhis er9; falta.
V. 5083 moir’ eu; CV. (29) moiren; falta.
V. 5086 aqui; CV. (29) ad; falta: ben; CV. (29) bam; falta.
V. 5088 quanto mi-or(a); Vg. q. mi aora. Modelo? CV. (29)
comora; falta.
V. 5099 (nº. 229) sandeu; CV. sauden; falta.
V. 5104 aquestos; CV, aqsios; falta.
V. 5110 sen non á; CV. sen o a; falta.
V. 5111 sandece; CV. sandico, falta.
V. 5119 (nº. 230) meu amigu’, en quant’ eu v.; CV., m. amigneu
quodeu u., falta.
V. 5121 faça; em CV. faca, falta.
V. 5123 le[i]xedes. A esse respeito, observa-se nas variantes que o
modelo (deve referir-se a CA., pois está leixedes em CV.) tem lexedes. Mas
Vg. tem leixedes. Modelo?
V. 5131 ca p. v. morrerei; CV. ea p. v. mrrerey, falta.
V. 5140 (nº. 231) tod’ era veer; Vg. tod’ era’ n veer; CV. t. era en v.
Uma vez que esta lição dá um sentido tão bom, senão até melhor, que o
adotado pela editora (“pois minha felicidade amorosa consistia inteiramente
na visão, na contemplação da minha amada”), não se pode deixar de supor
que Vg. tenha lido corretamente. Modelo?

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 5146 porque non vej’ a quen me deu; CV. por que negaq mi de,
falta.
V. 5149 o p. s.; CV. e p. s., falta.
V. 5154 ajudar; CV. quidar, falta.
V. 5163 (nº. 232), bon falta em CV., o que não sabemos pelas
variantes.
V. 5170 e dereit’ é de sempre’ andar assi; CV. edeyte d. s. adar a.,
falta.
V. 5173 pero por c.; CV., –po q. c., falta.
V. 5175 sempr(e) i; CV. sempry, falta.
V. 5178 (nº. 233). O artigo a falta em CV., o que as variantes não
nos dizem.
V. 5179 ua; CV. hunha.
V. 5187 CV. tem senp ssy, não sempre ‘ssi, como dizem as variantes.
Em primeiro lugar, ocorre si (= sic), frequentemente ao lado de assi (vid.
acima, observação ao v. 2171); em segundo lugar, porém, senp ssy pode
também estar por sempr’ assi.
V. 5215 quantos d’amor coitados son; CV. ta damos cuycad9 s.,
falta. Cuytados, citado nas variantes, não está em CV.
V. 5240 me ei a morrer; o mesmo em Vg. Por que não se corrige
para mi ei, já que me, de acordo com o que se disse acima para o v. 652, não
costuma estar em hiato? Vid. adiante, a propósito, o comentário ao v. 9499,
e, para a questão integral, v. 105.
V. 5245 veer ia; Vg. veeria. Por que esta separação, que se encontra
ainda, por exemplo, nos vv. 5448 (viver ia), e 5986 (achar edes)?
V. 5409 querri’ agora; CV. queriagora, que falta nas variantes.
V. 5428 soub’ eu; Vg. sob’ eu. Modelo?
V. 5446-7 Que mui de grad’eu querria fazer
ua tal cantiga por mia senhor;
Vg. Que eu m. de grado q.f.
En ùa c. p. m. s. Comp. CA., II, 172. Modelo?

V. 5479 guaria. Por que não o condicional guarria, que está no


modelo, conforme as variantes?
V. 5508 ja ‘ssi; Vg. ja si. Vid. acima, comentário ao v. 2171.
V. 5623 prazerá; Vg. plazera, como está no manuscrito, de acordo
com as variantes. A emenda dessa forma, que também se faz nos vv. 7102,
7356, 8326, 8539 e ainda em outros, não é admissível onde o manuscrito

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

tem, de acordo com Vg. e a indicação da própria editora, plazer etc., pois pl
aparece ao lado de pr com muita frequência nos documentos linguísticos
coevos, e portanto deve considerar-se legitima. Além dos exemplos dos
cancioneiros e outros documentos, mencionados em Denis, p. 132 ss. [neste
volume, p. 331 ss.], para o v. 1688, que a erudita pesquisadora não considerou
ao proferir sua mencionada crítica em Zeitschrift 19, p. 528, os seguintes
documentos podem ainda falar a favor da recorrência de tais formas no
português arcaico: Visão de Tundalo (Rev. Lus. III), 107 plazer, 114 plaza,
117 plaz, 112 plantado, 116 regla etc.; Orto do Esposo, fol. 63 vo. segle etc.;
Rev. Lus. 5, p. 134 ss. plazer, emplazamento; ibid., 8, p. 109 (doc. do tempo
de Sancho I) plazo; no Testamento do ano 1193 (editado por Leite de V.,
Esquisse 14) eygleyga. Não é necessário referir mais, para mostrar que tais
formas devem ser reconhecidas como boa linguagem, e não rejeitadas. Veja-
se, a propósito, ainda as Cantigas de Santa Maria, de Afonso X.
V. 5669 gaan’eu. O verbo, corrente no português arcaico, é
g(u)aanhar; vid., por exemplo, Denis s. v.; CM., Glossário s. v., Cron.
Troy. I, 176, 178, 182, 190, 205 etc. Por conseguinte, dever-se-ia esperar
aqui gaan[h]’eu, já que a editora escreve adevin[h]ar, por exemplo, no
v. 4924. Veja-se, a propósito, o comentário ao v. 596. A escrita gaanar
encontra-se, por exemplo, em Cron. Troy. I, 258, 276, 285.
V. 5728 ave er. Só se pode explicar esta forma como erro de
impressão, uma vez tampouco consta da errata. Leia-se, então, a veer, como
facilmente se deduz de Vg. (aveer)90, e entenda-se em concordância com a
primeira estrofe, a única traduzida, como se segue: “E sempre, minha
Senhora, temi viver, por causa de vós, o que agora me dizem (ou seja: que
vos vão casar)”. Veer ocorre, com bastante frequência, com o sentido de
“experimentar”, “vivenciar”; por exemplo, nos vv. 838, 875, 893, 902, 4438
etc.; em Denis, v. 83 (vid., a respeito, Zeitschrift 19, p. 521).
V. 5748 e que sei no meu coraçon; Vg., com o modelo: o que sei
etc., que se ajusta muito bem tanto em relação à construção da frase como
ao sentido, e não deveria ser alterado.
V. 5750 A complementação deste verso está bem, mas a proposta
por Braga: e ir alhur sen vos enton, é muito melhor, pois oferece o paralelo
exigido para o verso correspondente na primeira estrofe, onde temos,
igualmente, um infinitivo em lugar da forma verbal no modo finito,
considerada necessária, sem motivo, pela editora.

90
CV. tem au’ = auer, e não = a veer, como nos é dito nas variantes. Aver ocorre no sentido de
a veer, “para ver”, “para perceber”, na primeira estrofe do mesmo poema.

430

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 5823 be’-no; conforme CV. ben o; Vg. tem, contudo, ben vos, o
que dá um muito bom sentido, apesar de se referir à Senhora, ao invés de a
Deus. Modelo?
V. 5833 mui [bon grad’] a poer. Como as variantes nos comunicam,
ambos os modelos (CV. e CA., sendo Vg., também aqui, fiel a este último)
têm mui grand’a põer. Já que CA. oferece ainda, à margem, bon, então não
restou absolutamente nada para complementar, e as palavras bon grad, da
mesma forma que mui e a, não deveriam ser colocadas entre colchetes.
V. 5840 O erro na lição de CV. não está, obviamente, no infinitivo
pessoal defenderdes, o que dificilmente teria fluído da pena de um copista
italiano, mas sim na muito natural omissão do traço sobre o e (para e = en).
V. 5858 Ca muit’i a que vivi a pavor; CV. Ca muyta que etc., falta.
Vg. que avia pavor. Modelo?
V. 5863 d’aquela; Vg. d’aquella. Nas variantes, indica-se, como
lição de CA., d’aquelha. Já que, contudo, não ocorre lh em CA., como se
sabe e como a própria editora repetidamente explica (por exemplo, Zeitschrift
19, 514 ss. e CA., I, p. XV), então aquelha não apresenta a lição do modelo,
e temos aqui, novamente, um exemplo da falta de uniformidade com que a
transmissão manuscrita é tratada nesta edição. É provável que a forma
transmitida aquella contenha a pronúncia molhada do l (vid., acima,
v. 968); mas, obviamente, não é isso. Temos, por exemplo, no v. 28, a
grafia falla91, ao invés de fala, onde o sentido bem distinto faz parecer a
interpretação dessa palavra como falha92 bastante improvável93. O uso
posteriormente corrente de ll com o valor de l já aparece, aliás, no período de
que nos ocupamos, como, por exemplo, nas variantes de Denis, v. 1553 (aella),
1557 (tall); 1562 (gallardon); CV. 387, 769 (mall); ibid. 458 (ell), 404 (all),
991 (esmolla) (comp. Rev. Lus. I, 64 ss.), e é usual no século XIV, como, por
exemplo, mostram os textos publicados por Cornu em Romania X, p. 357 ss.
(esmollas etc.).
V. 5872 nun [ca per outr(e) amparado serei]. Como nos comunica
a editora, ela emendou a lição de CV., outrem emparado, da qual tomou o
complemento do texto, para outr(e) (isto é, outr’) emparado, a fim de

91
Nas variantes, consta, porém, um pouco menos desfigurado: “O CA. tem falla (i.e. falha)”. Vid.
ainda, a esse respeito, o comentário ao v. 32.
92
Sen falha, por exemplo, em Graal, p. 26, 95, 114 etc.
93
No v. 6635, há no manuscrito, de acordo com CA., II, p. 173, igualmente fallar ao invés de falar,
porém o segundo l está assinalado pelo revisor com um ponto, para ser eliminado. O mesmo caso
encontra-se no v. 1084, com fallei (uma variante para falei, que não está arrolada). Tais casos
devem ser considerados como indício do costume do copista de apresentar o l chamado
guturalizado por meio de ll.

431

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

diminuir o número de sílabas. Mas justifica-se este procedimento, tendo


em conta que, como se admite em Zeitschrift 19, 521, a respeito do v. 70 de
Denis, e Sá de Miranda, p. CXXI, nota 2, em português, era corriqueira,
desde sempre, a absorção de uma nasal final antes da vogal seguinte?94. Em
Denis, temos dois casos95, vv. 1102 e 2640, e ainda ao menos um em
CA., v. 6914 (comp., também, v. 7047), de que se falará mais tarde. Por
escassos que sejam esses exemplos, são suficientes para mostrar que não se
deve alterar, sem mais, outrem emparado.
V. 5903 no meu coraçon; Vg., en o m. c. Modelo? A variante de
CCB., nomen c., não está arrolada.
V. 5914 mi; Vg. e CCB. min. Modelo?
V. 5919 Em lugar de [Que mal Amor] deve-se, definitivamente,
inserir a complementação sugerida como melhor nas variantes: Nostro
Senhor.
V. 5933 Escapou à editora que, depois deste verso, falta uma linha
que rime com -ar, como a encontramos na quarta posição das estrofes
precedentes. A repetição do verso 4 do poema estaria bem concatenada
com o desenvolvimento da ideia.
V. 5952 Muy mal sen seria, certamente, a emenda correta da
transmissão muy mal seso, já que seso não apenas não é português, como,
o que é mais, atenta contra a métrica.
V. 6000 ca muit’ á; Vg. c’á muito. O modelo tem muita ou muito?
V. 6014 que servi, muit’ á; Vg. que vi muit’ á. Não se devia escrever
[ser]vi?
V. 6018 queria; Vg. querria, o que seria bastante correto. Modelo?
V. 6089 e pois lo non ei ¡se veja prazer! Vg. e poys ll’ o non ei sen
v. p. Modelo?
V. 6127 ca soffrendo coita se serv’ o ben. Esta última linha do
refrão é assim traduzida em ambas as vezes: “pois sofrendo se serve bem”.
Portanto, o ben como um advérbio! Mas refere-se ao próprio ser amado, ao
qual se deve servir sofrendo. Comp. v. 2215, onde o ben é traduzido por “o
bem”. Naturalmente, nada tem a ver com o caso aqui presente a expressão
o ben nas seguintes passagens de Afonso X, onde se deve entender um

94
Diz-se ali ainda (portanto no ano de 1885), literalmente: “Esta absorpção da nazal ... nasceu
espontaneamente em Portugal, como se conhece pela litteratura trobadoresca e pela poesia po-
pular portugueza” etc. Ao lado da forma utilizada pelo poeta, citada ali e na p. CXXXI, co
(de com o), devem colocar-se exemplos dos documentos dos séculos XIII e XIV, como, por
exemplo, em Galicia Historica (1901), coha, p. 171, coel ibid., coas à p. 172, 173 etc.
95
V. 1691, mencionado em Zeitschrift 19, p. 521, não contém nenhum exemplo.

432

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

“sim”: CM. 17, 9: O Emperador lhe disse: – Moller / bõa, de responder uos
é mester. – O ben (diss’ela), se prazo ouuer / en que eu possa seer consellada;
32, 2: Et en preguntado Foy se era ren O que oya D’el. Respos’: O ben;
238, 9: El respondeu escarnindo: – Crérigo, qué torp’ estás! O ben, de Deus
e da Virgen Renegu’, e aqui me dou etc.
V. 6138 direi-ch’, amigo; Vg. direi comigo. Modelo?
V. 6233 (e 6239) Antr’as amenas, “entre as ameias”. Por que não,
então, “nas ameias”? Compare-se, por exemplo, Graal, 54, 12 e, para o
emprego de entre no românico em geral, veja-se Meyer-Lübke, Grammaire
III, § 448.
V. 6483 que todo sabe ben; Vg. e CV. que sabe todo ben. Modelo?
Nas variantes, esta lição rejeitada é assinalada como a que merece
preferência.
V. 6536 (e 6542) polo; Vg. pelo. Modelo?
V. 6553 Veed’ a coita; Vg. veede a. c. Modelo?
V. 6576 com’ eu vivo; Vg. como eu v. Modelo?
V. 6589 De acordo com as variantes, o modelo parece ter coitad a
se etc.; mas de acordo com Vg., coitado se etc., que é o correto.
V. 6650 Melhor, talvez, pesára no lugar de pesará, como acentua
Vg.
V. 6657 ca pois omen ben serv’ a b. s. Vg. ca pois o meu ben servi
a b. s. Modelo?96
V. 6663 A forma proe, ao invés de prol, em que o e final se comporta
como l, como em doe, soe, sae, ao invés de dol, sol, sal, etc., encontra-se, não
raras vezes, nos documentos linguísticos do período; assim, por exemplo, no
Testamento de Afonso II (Rev. Lus. 8, p. 82), no Livro de Esopo, p. 118 (proes).
Deve-se ler pro e em lugar de proll, no Canc. Resende I, 65, 30-31, na fórmula
proll contra (comp. Epiphanio Dias, Zeitschrift 17, p. 116).
V. 6698 te emos; Vg. tenemos. Comp. vv. 6023, 6273 te edes;
Vg. tenedes. Modelo?
V. 6799 Deus falta em CV., o que não se informa nas variantes.
V. 6803 i falta em CV., o que as variantes igualmente calam.
V. 6822 sempr’ aj(a) a d. CV. sempre ia d., uma lição tampouco
arrolada. É lamentável que as lições de um modelo importante também
aqui tenham sido desconsideradas, uma vez que a transmissão incompleta

96
Saliente-se, uma vez mais, que, com a citação da lição desviante de Varnhagen, não se deve
afirmar que ela seja a melhor, mas apenas que ela permite supor que Vg. apresente, nesses casos,
a lição do manuscrito.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

desta cantiga em CA. torna imperativa uma visão mais rigorosa do outro
único modelo.
V. 6914 E se non m’est(o) ides fazer. CCB. (única transmissão) E
se m’esto no faz des. Já que ides é acrescentado, deveria estar entre colchetes.
Mas isso é o mínimo. Se se adota ides fazer – e, apesar de muito quebrar a
cabeça, ainda não encontrei uma outra complementação que satisfizesse
tanto a métrica como o sentido – então faça-se, certamente para melhor, em
estreita conexão com a transmissão, um esforço para ler: E se m’esto non
ides fazer. A erudita romanista afastou-se desta leitura mais próxima, na
verdade, porque ela se opôs, como vimos no v. 5872, ao emprego, neste
caso inevitável, da regra por ela própria reconhecida97, segundo a qual uma
sílaba terminada em nasal pode fundir-se em uma sílaba com uma vogal
seguinte. Então nada mais restou senão “emendar” a lição transmitida, pelo
rearranjo das palavras m’esto non e, por meio disto, violar um segundo uso
não menos próprio ao português arcaico – refiro-me à ênclise do pronome
objeto átono na oração subordinada. Esta colocação do pronome objeto
átono, que existe em medida muito mais reduzida no português moderno, é
tão preponderante na linguagem do período mais antigo, e tão distinta do
ulterior uso espanhol, que sua prevalência na primeira parte do Amadis,
como já indicou Meyer-Lübke, dá grande peso à tese da sua composição
portuguesa originária98. Por mais que possamos pensar sobre a melhor
maneira de reproduzir o verso 6914 em causa, é certo que o pronome objeto
átono não pode ser acomodado à vontade99.
V. 7003 pode entender; CCB. podentender, lição que falta. Dever-
se-ia, pois, escrever pod[e].
V. 7007 mundo deveria ser escrito mund[o]; comp., por exemplo,
v. 7085, comprid[o].

97
A mesma regra, como se sabe, é significativa também na prosódia do Canc. Resende, como se
pode depreender do trabalho de Cornu, em Romania 12, p. 278 ss. e 285 ss., bem como do artigo
de E. Dias, em Zeitschrift 17, p. 116 ss.
98
Para uma exposição abrangente desta lei, remete-se a Meyer-Lübke, Grammaire III, §§ 715-716,
e a Chenery, Object-Pronouns in Dependent Clauses: A Study in Old Spanish Word-Order (The
Modern Language Association, 1905). O rei Denis diz também, em regra: mais tanto que me
d’ant’ela quitei, v. 151; e tem apenas excepcionalmente colocações como: que nunca vos disses-
se rem, v. 104 ... Um exame dos primeiros 1280 versos de CA. mostrou que o pronome objeto
átono é enclítico em 61 casos ou, com outras palavras, separado do verbo pela negação non (19)
ou demais palavras tônicas, como vos, ben, etc. (44), ao passo que em apenas 12 casos se encon-
tra em colocação proclítica antes do verbo. Tais exceções ocorrem, compreensivelmente, de pre-
ferência em fórmulas de invocação, como por exemplo em v. 188, se Deus me valha.
99
A erudita senhora comete a mesma infração contra o uso linguístico do português arcaico, por
exemplo, ainda em CA. v. 7317 (vide infra), e Zeitschrift 25, p. 297, onde CV. 1054, 10 é assim
complementado: se ben [o] faz.

434

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 7031 Cavaleiro, ja aviltar; CV., c. ja uiltar. Dever-se-ia, assim,


escrever [a]viltar. Já que esse verso, porém, como todo verso inicial das
cinco estrofes desta cantiga, é um heptassílabo masculino, torna-se
inadmissível a suposta correção.
V. 7033 Mais leixemos ja ela estar. Uma vez que, como afirma a
própria editora, nos versos ímpares desta cantiga alternam-se octonarios
masculinos e septenarios, de modo irregular, então este verso tem uma
sílaba a mais, e teremos de ler ela ‘star ou, também corretamente, ela estar.
V. 7047 Cavaleiro, non [o] darei. Na forma emendada, este verso
só está metricamente correto, de acordo com o que foi dito para o v. 7031,
se adotarmos a fusão da nasal final com a vogal seguinte, como acima,
vv. 5872 e 6914. Comp., por exemplo, ainda v. 8814, 8822.
V. 7102 prazeria; CCB. plazeria. Da mesma forma, v. 7356, prazer
em lugar do transmitido plazer. Veja-se comentário ao v. 5623.
V. 7124 e sab(e) a omen penas dar. Com esta grafia, é sugerido
pela editora que o e deve ser eliminado, como por exemplo v. 37, m(e)
oïstes (comp., acima, v. 105), enquanto, de outra forma, nesta edição se
colocaria mi-oïstes. Mas se tal eliminação estivesse na intenção do poeta,
então ele mesmo a realizaria. Na passagem acima, temos, no entanto, um
dos casos, tão numerosos em nossos cancioneiros, nos quais, em harmonia
com o uso linguístico cotidiano, as átonas finais e e i entram numa
combinação com um a ou o seguintes, especialmente nos pronomes o, a,
os, as, com o verbo á (= habet) ou com a preposição a, combinação que
encontramos documentada, fartamente, em sábia ou sabha (= sapiam,
sapiat)100 e formas semelhantes. Sobre isso já há muito não subsiste qualquer
dúvida101. Não se deve, portanto, tocar na vogal e na referida passagem,
mas escrever sabe-a ou sábi-a. O mesmo vale para os vv. 7981, 8796, 9434,
como se mostrará mais adiante. Compare-se, por exemplo, v. 4025, onde
CCB. tem mouuha ir = m’ouve-a ir ou m’ouvi-a ir; ou v. 6240, onde
CV. lê: deus comha (= come-á)102 bon semelhar; CV. 17, 16, temos ouuha
levar aqueste, o que a erudita romanista reproduz corretamente, no geral,

100
Já que, como se sabe, e e i átonos no hiato têm o mesmo valor fonético nas línguas românicas, então
encontramos, ao lado de sabia, sabha etc., naturalmente, também a grafia sabea. Assim, por exemplo,
sabea, sabeam em Galicia Historica 1901, p. 146, 149 ss.; sabea, sabeas, sabean em Cron. Troy. I,
pp. 126, 129, 176, 274; sabeades ibid., pp. 2, 25, 54 etc. Da mesma forma, comeas (= cómias,
comhas), ibid. I, pp. 212, 274; coomear (= coomiar, de calumniare) ibid., p. 269 etc.
101
Veja-se, por exemplo, E. Dias na Zeitschrift 11, p. 14, bem como o que por mim foi dito em
Denis, na p. CXXII e corrigido na p. 172 [neste volume, p. 159 e nota 468.].
102
Em lugar disso, dever-se-ia esperar como á (vid. acima, v. 1505), e a lição de CA., com’a, parece
ser definitivamente a melhor.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

por oùvi-a l. a., em Zeitschrift 29, p. 702103. CV. 1117, 14, xha errou = xi-
a e. Compare-se, ainda, o que se observou ao v. 3666.
V. 7202 e[u] cuidei. A emenda pode estar correta, mas e no lugar
de eu pode ser visto como um caso de condensação, de que já encontramos
mais exemplos nesta coletânea (vid. acima vv. 47, 927, 4089, 4750, 4851).
Já que este fenômeno aparece também antes de vogais (por exemplo,
v. 4750 vô-a), então podem pertencer a esta categoria v. 4960, e[u]o sei e
v. 5857, também e o sei, para o qual CV. tem eu o sei. A partir dos dialetos
modernos, esta ocorrência foi documentada por Leite de Vasconcelos, por
exemplo, em Dialect. beirões, p. 14; Dial. extrem., p. 9; Dial. algarv., p. 9;
Subdial. alemt., p. 5. Comp., a respeito, a Revista lus. II, pp. 26-27.
V. 7224 ver amor; CCB. ouir amor. É difícil compreender como
se chega a ver a partir de ouir, e desta palavra sequer documentada, ao
significado de “retribuído” (o amor). Como provençalismo, ver poderia
apenas significar “verdadeiro”104. Após o precedente sabiádes (“saibais”),
espera-se a conjunção ausente que, e esta coloca-se no lugar de ouir.
V. 7240 e andar i come nembrado é traduzido: “e agir como se lhes
prestasse atenção”. A interpretação não é conveniente nem para as palavras
nem para o contexto, de acordo com o qual se diz algo muito mais simples:
“e precisa ser, por assim dizer, sempre atento (cuidadoso)”. Do mesmo modo,
não tem fundamento a tradução de senhor nembrada (v. 7770) por “senhora
digna de louvor”. Também aqui se trata da senhora circunspecta e prudente,
que sabe manter o poeta afastado. O mesmo vale para a tradução da referida
palavra por “excelente”, no v. 7797, onde, exatamente como no antigo
espanhol (por exemplo, em Berceo, S. Millan, 310; S. Lor. 13) e em provençal
(vid., por exemplo, Lexique Roman e Levy, SW. s. v. nembrat), o sentido à
mão é “atento, sensível”. Com este significado de nembrado, na linguagem
arcaica, coincide, no geral, também o atual lembrado.
V. 7264 A valer é tomado como advérbio e traduzido para o alemão
como nachdrücklich (“enfaticamente”). Mas é um infinitivo pertencente a
deveria (v. 7267) e, por conseguinte, deve ser traduzido por “(vosso amor)
deveria me socorrer”. Antes de amparar (v. 7267), verbo que a douta
pesquisadora acrescentou com muita habilidade, juntamente com todo o
verso precedente, seria necessária, porém, a conjunção e para conexão dos
dois infinitivos. Se se admite isso – e parece-me ser inteiramente correto –
então leia-se v. 7267 como segue: [e’mparar]-me deveria.
103
Aqui, como é frequente em CA., bem como na Zeitschrift, a editora escreve oùvi etc., ao invés do
alternativo òuvi etc.
104
Neste sentido, encontramos uero em Afonso X, por exemplo, CM. 346, I, Deus uero, e no antigo
espanhol, como em Berceo (vid. Lanchetas s. v.).

436

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 7278 aver rancura. CCB. a seno r., falta.


V. 7317 pois Deus [o]quer. Aqui também a lei da ênclise do
português arcaico, invocada acima, v. 6914, foi novamente desrespeitada.
Coloque-se, pois, [o] D.
V. 7342 e sei de fix. CCB. e see de fix. A transmissão nos oferece,
portanto, uma conhecida e aqui admiravelmente adequada expressão, seede
fix (“e sede certa”), que não podia ser “emendada”. Fis ou Fix vale para
ambos os gêneros e números. Como feminino, encontramo-lo, por exemplo,
em CM. 146, 9 e CV. 357, 8; 807, 21; como masculino, em CM. 202, 8;
238, 2; 245, 23 etc. – A mesma expressão, aplicada igualmente à amada,
ocorre também em CCB. 360, 20.
V. 7375 Deve-se escrever ouvi-al, já que o i do hiato átono deve
formar apenas uma sílaba com a vogal seguinte.
V. 7420 [non me será]. Non está no modelo, portanto não foi
complementado.
V. 7424 nembrar (o qu(e) é ben lheu); CCB. nebraqu9 aben lheu.
Atente-se, em primeiro lugar, para o fato de que o e de qu(e), que não está
no modelo, foi inicialmente completado pela editora e, por assim dizer no
mesmo momento, posto entre parênteses como se necessitasse de expulsão.
Por que não, concisamente: qu’é? Observe-se, em segundo lugar, que o
tampouco transmitido r final, de nembrar, e também o o seguinte deveriam
ter sido colocados entre colchetes, como elemento acrescentado. Se, pois, a
emenda proposta for aceita, então, de toda forma, ben lheu (vid., acima, a
esse respeito, v. 2727) deve referir-se a nembrar, mas não ao guardar
precedente, como equivocadamente acontece na tradução.
V. 7609 (e 7615) ca non [m’]-avedes a creer. A intercalação do
pronome objeto átono, imediatamente antes do verbo, é aqui justificada
pela transmissão manuscrita do v. 7603 (refrão).
V. 7648-7650 são assim traduzidos: “Tão difícil me é ousar, como
só meu coração e Deus o sabem”. Está incorreto, pois, por exemplo,
v. 7649: que mi-o non sab’ o coraçon significa exatamente: “tal que o meu
próprio coração não o sabe”, e o poeta, no verso seguinte, prossegue de
maneira clara e inequívoca, “nem ninguém mais está consciente disto, a
não ser Deus”.
V. 7658 o melhor que eu sòubi [de] fazer. Mesmo que saber se
pudesse realmente comprovar, em algum lugar, com de e o infinitivo, do
que eu muito duvido – nem Otto105, nem a minha própria coletânea, nem

105
Der Infin. bei Camões, em Rom Forsch. 6, p. 318.

437

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Dittes106 arrolam um tal caso – não seria avisado recorrer a este meio para
completar o número de sílabas. O mais habitual deveria ser aqui também o
mais correto: que [o] eu soubi fazer: “(Eu vos servi sempre com prazer),
tão bem quanto o pude fazer”.
V. 7692 nen á no mundo; CCB. no a n. m., falta.
V. 7717 (nº. 346) Tal como os provençais, tambem os poetas
lusitanos eram proibidos por suas senhoras de celebrá-las em cantigas.
Comp., por exemplo, Raimbaut d’Aurenga, em Revue des langues romanes
1897, 409 ss.
V. 7733 sérvia; CCB. –ua (= serva). Nas variantes esclarece-se, a
favor da alteração textual introduzida, que sèrvia ( por que não assim no
texto?) era a forma corrente nos séculos XIII e XIV. Em geral, isto é verdade;
mas por que não podem ter existido, ao lado de servio, servia (servho,
servha) etc., igualmente as formas servo, serva107 – e elas de fato existem
na transmissão – exatamente como, no período linguístico em questão,
menço e mento, senço e sento estavam em uso umas ao lado das outras?108

106
Der Infin. im Altprov., ibid., pp. 15, 10 ss.
107
Também por Cornu é reconhecida a existência das formas servo, serva, ao lado de servho etc.,
em Grundriss I2, p. 1029 – Além disso, encontramos em uma cantiga de CA. (nº. 307, vv. 6762,
6786), já duas vezes transmitida, a forma sirvo, que a editora inclui, sem hesitar, no seu texto e
só depois do tratamento dos mil versos seguintes chegou à conclusão de que sèrvio, sèrvia eram
as únicas formas admissíveis para aquele tempo.
108
Não temos tanta certeza de que as belas formas perço, perça dominavam realmente sozinhas neste
período e de que em toda a parte onde encontramos as formas perco, perca, também nos nossos
mais antigos cancioneiros e outros monumentos linguisticos dos séculos XIII e XIV (como, por
exemplo, CA. vv. 1320, 4459, 6190, 7320, 8113; CV. 470, 1; Denis, v. 2220 e nota etc.), se trate
de meros erros de grafia, porque elas se estabeleceram apenas a partir de 1450, isto é, cem anos
depois de se encerrar a primeira fase do lirismo amoroso, sendo já de uso exclusivo no Canc. de
Resende. No Livro de Esopo, p. 34, deparamo-nos com percades, forma em que Leite de V. nada
encontrou para objetar; e em documentos galegos deste tempo, são por demais frequentes as
formas pergo, perga etc., para poderem ser vistas como erros. Assim, por exemplo, pergo, Cron.
Troy., pp. 2, 78, 80 etc.; pergamos, ibid., p. 25 etc.; pergan, Galicia Hist.1901, p. 58. Sem levar
em consideração essas formas, que se encontram também sabidamente em provençal, não se
pode avaliar corretamente o desenvolvimento do português perco, e disso resulta, entre outras
coisas, que o exposto por Carolina Michaëlis, em Zeitschrift 28, p. 222, contra a colocação de pergo
no meu Canc. Gallego-Castelh. é, pelo menos, incorreto. A nota da erudita pesquisadora ao v. 2220
do meu Denis (vid. Zeitschrift 19, pp. 530-531) mostra que ela não conhecia as formas galegas, no
entanto tão frequentes, pergo etc. – Portanto, é bem provável que perco, perca ladeassem, já nos
séculos XIII e XIV, as formas ainda prediletas em termos literários perço, perça (e pergo, perga), e
que não podemos, sem mais, eliminá-las. Então, como se formaram? A emérita pesquisadora expressa,
em Zeitschrift 19, p. 530, a engenhosa suposição de terem sido causadas pela forma contrária parca,
em fórmulas como se Deus me parca (por exemplo, CM. 145), mas desconsidera nisso, como já
se disse, as formas galego-portuguesas pergo, perga. Sem pensar nessa sugestão nem nas formas
pergo, perga, Leite de V., nos seus eruditos Estudos de Philol. Mirandesa I, p. 378, com base em
uma forma perca, por ele coligida a partir do fragmento da Chanson d’Antioche (Archives de
l’Orient latin II, pp. 467-509) provençal, tenta sair-se dessa situação com a adoção de um derivado
*perdico (de *perdicare), mas depara-se, com os seguintes óbices, entre outros:

438

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 438 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

Enquanto não se tenham motivos mais convincentes que aqueles até agora
mencionados, deixe-se incólume o serva transmitido. O mesmo vale,
evidentemente, com relação a servo, V. 10130, e CCB. 1524 (=397), v. 7
(impresso em Zeitschrift, 25, p. 306), que foi substituído, igualmente, por
sérv[i]o.
V. 7853 queixar con mi; CCB. q. com mj (isto é, come mi), “queixar-
se como eu (me queixo)”. Esta lição manuscrita, que não está registrada, é
melhor que a colocada no seu lugar. Se a deixarmos ficar, deveremos ler,
no início do verso, e vejo eu ou e veg’eu, ao invés de e vejo / eu.
V. 7870 bon calar perdi u falei. Perder bon calar, “perder a
oportunidade de calar-se”, parece ter sido uma expressão idiomática.
Encontra-se também na Cron. Troy. II, 63: El (isto é, don Menelau) perdeu
bon calar et doulle por conselho que leixe falar os outros etc. Para o emprego
de perder, neste sentido, comp. ainda perder conhocer nas passagens
mencionadas para o v. 9723.
V. 7911 E ¿ que lhi direi? A conjunção e não está no modelo e
deveria, assim, estar entre colchetes, especialmente porque não se indica a
lição manuscrita.
V. 7955 desquand(o)eu. Já que em CCB., único modelo, o verso
inteiro falta, não se compreende por que foi inserido o o colocado entre
parênteses como supérfluo, ao invés de se dar espaço à elisão em sentido
próprio, de longe predominante. Vid. observação ao v. 105.
V. 7988 (e 7989) quen; CCB. q (= que), uma lição bastante correta,
que permaneceu não arrolada. Vid. acima, observação ao v. 898.

1) na Chanson, não há perca, mas apenas perga, p. 477, l.120; 2) novamente não se explicaria
perco concomitantemente a pergo, mas apenas o último, portanto a forma não respeitada pelo
erudito português, já que *perdico, *perdicat etc., em português, resultaria, com regularidade,
pergo, *perga, e, em provençal, perje, perja, mas não a presumível perca. Abstraindo da hipótese
de Gassner (Rom. Forsch. 20, p. 598), pode-se indagar por que esta questão, em português,
deveria ser respondida de modo diverso do provençal, onde as formas perc, perga, usadas ao
lado de pert, perda, explicam-se mediante a analogia com diversas primeiras pessoas do presente
do indicativo, que terminam em gutural, como o perfeito auЋic etc. (por exemplo, Appel, Chrest.
XXIII etc.), por meio da influência de ac, dec etc. Em galego-português, temos uma série
(aproximadamente 30) de verbos terminados em -er, -ir, que têm no presente do indicativo e do
subjuntivo às vezes -go, -ga, às vezes, ço, ça, ou -sco, -sca. Já que a maior parte deles é referida
em Grundriss I 2, pp. 1020-1029, mencione-se aqui, brevemente, apenas o mais relevante:
1. Verbos em -ger, -nger, -rger. Por exemplo, trager, trago, traga; finger, fingo, finga; aduzer,
adugo, aduga. Compare-se, aqui, ainda a forma fugo, fuga, que, por exemplo, ocorre também na
Chanson d’Antioche, l. 98. Dessas formas terão saído pergo, perga, ao lado das quais já aparecem,
na linguagem dos séculos XIII e XIV, também perdo, perda (por exemplo, Port. Mon. Hist. I
Leg. et Cost., pp. 849 (a. 1209), 856, 873, 884, 887, 889 etc.). 2. Verbos em -rcer, -rcir, -scer. Por
exemplo, conhoscer, conhosco, conhoço, conheço; jazer, jasco e jaço; parecer, paresco e pareço
(por exemplo, em P. M. H. ibid., pp. 289, 308 iasca, cresca, parescam). Tais formas duplicadas
podiam ter motivado perco, perca para perço, perça.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 7992-8015 As lições da transcrição desta cantiga (nº. 359),


conservada em CV. 943, não estão registradas.

III.
v. 7994 quisesse; CV. quisse, falta.
V. 7997 m[e] eu despaguei; CV. milheu d., também uma lição não
arrolada, que torna desnecessária a muito duvidosa emenda do texto. Veja-
se ainda o v. 7880 e, especialmente, o 9499.
V. 7998 cambiei; CV. canbey, uma forma frequente no português
arcaico; veja-se, por exemplo, Graal, 52, 28; 88, 5; 95, 37; 131, 12; canbar,
C. Troy. I, 215; cambear, cambeo 275. Também se encontram formas com
e sem o hiato em -e ou -i, uma ao lado da outra, como por exemplo limpho
e limpo, Cron. Troy. I, p. 280; soberuja ibid., p. 172; soberua, 171; Graal,
com frequência.
V. 8001 e mi aquel a. f.; CV. emhaql a. f. Esta lição é mais correta
do que a de CCB. e do que a que se acolheu no texto de acordo com ela,
pois a métrica exige mi-aquel.
V. 8004 tan muito; CV. ca m.
V. 8005 pois la; CV. poyla.
V. 8007 seu ben; CV. sen ben.
V. 8008 se a per atal tevesse; CV. sen p. a. tenesse.
V. 8012 quitei; CV. q’rey.
V. 8013 per estivesse; CV. –p. ei amessey, o que coincide quase
exatamente com CCB. per ei amesse, e faz parecer algo duvidosa a solidez
da aliás bastante atrativa emenda apresentada no texto.
V. 8014 con melhor senhor e sei; CV. comelhor s. a sey. Também
CCB. tem comelhor. Vid. supra, p. 386.
V. 8046-8047 As vírgulas no interior destes dois versos perturbam
o sentido.
V. 8057 A alteração de esten para esta parece desnecessária.
V. 8233 Ben i mi-o ei logo d’aver. O sentido deste verso, que
simplesmente satisfaz a versificação e com a qual a editora afirma não ser
capaz de fazer nada, torna-se claro desde que se leia nen ao invés de ben.
“Eu bem creio que jamais terei o poder de vos amar mais do que já o faço,
nem o (isto é, este poder) terei logo.”
V. 8265 á[d’] entender; CCB. auer a e. Se se quiser substituir,
como contrário à métrica, auera pelo presente á, pode-se fazê-lo sem o
complemento da preposição a (vid. v. 1426). Se se medir o futuro auerá,

440

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

bastante adequado para o contexto, como um dissílabo au’rá (vid., a esse


respeito, comentário ao v. 4592), então pode-se substituir pela lição
transmitida, da seguinte forma: que sen aj(a), av˝erá entender. Em todo
caso, o d’ intercalado é desnecessário.
V. 8279 per quen a ei; CCB. per que a ei, lição que falta. Deveria
estar que[n]. Nos vv. 10145 e 10244, o que em idêntica situação foi poupado,
enquanto no v. 10185, a lição mantida em CV., que, não indicada, foi
substituída por que. Veja-se, para esses casos, v. 457 e 898.
V. 8281 devi(a) amar seria aqui a grafia a usar, em função da métrica.
V. 8302 e be’-no poden pora si teer. Tradução: “Eles podem (consigo e
para si) pensá-lo por minha causa”. Porém, de acordo com o que consta
textualmente no manuscrito (por assy), que se ajusta muito bem ao contexto,
seria melhor: “E bem o podem crer” (literalmente: “julgar, considerar assim”).
Quanto a pora no lugar de para e pera, vid. supra, observação ao v. 193.
V. 8354 O ponto depois de coraçon deve sair, já que a estrofe
seguinte começa com uma oração relativa.
V. 8363 já ‘ ssi; CCB. ja assy, lição que falta.
V. 8452 punh’en al. Por que não punh(a), como ocorre
frequentemente?
V. 8453 se non ’n a mia coita dizer; CCB. seno na mha c. d. Por
que este apóstrofo entre duas consoantes, onde nada está elidido? A lição
manuscrita diz, em consonância com o hábito gráfico do tempo, segundo o
qual se usa ou se non a ou se non na para se non la: “(Embora eu não anseie
por nada além) de expressar a minha dor”. Vid. abaixo a observação ao
v. 8870.
V. 8509 A tradução de gradoar por “proteger” [beschützen] é
infundada. Por toda a parte, nos cancioneiros, gradoar é sinônimo de ben
aver, com o qual também está vinculado exatamente na nossa passagem, e
significa simplesmente: “ter ou experimentar alegria”. Assim, por exemplo,
CV. 654 E pois meu temp’ assy me fal Amand’eu vos dev’a querer Ante
mha morte ca viver Coytad’e pois non gradoar; ibid., 728, 1: Ay fremosinha,
se ben ajades; 4: Ay fremosinha, se gradoedes. Comp., ainda, v. 412, 764,
857; Afonso X, CM. 224, 5: Por que non podi’ aver Fillo de que gradoasse
Et que pois sa mort’ en seu Auer erdeiro ficasse... E no v. 6676, a própria
editora verte a nossa palavra para o alemão, muito corretamente, como
“experimentar prazer”.
V. 8523 revelar, “resistir” (löcken ao invés de lecken; comp.
dröschen ao invés de dreschen). Esta bela palavra antiga é inadequada para
este lugar, pois, como qualquer um sabe, é arcaica e obsoleta. Por que não
“insurgir-se, revoltar-se” [sich auflehnen, empören]?

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 8565 Van-me; CCB. uayme. Já que o sujeito do verso seguinte


está no plural, então é natural que se corrija. Entretanto, parece-me não
haver neste caso nenhum fundamento satisfatório para isso. Veja-se,
a respeito desses casos, por exemplo, Tobler, Vermischte Beiträge I,
p. 189 ss., e Gräfenberg, em Roman. Forsch. 7, p. 540.
V. 8705-8769 (nº. 389) Quanto a este discordo, comp. minha edição
da mesma peça em Beiträge z. roman. Philol. (Halle, 1899), p. 484 ss. e
497 ss. [neste volume, pp. 483 ss. e 497 ss.]
V. 8794 Eu perjurar m. p. Esta leitura, correspondente ao
manuscrito, está em contradição com a afirmação feita nas variantes, de
que, em vez da lição transmitida E perj. m. p., é mais correto ler sem a
conjunção e.
V. 8796 sab’ a mia coita; CCB. sabha m. c. Em lugar de colocar
sábi-a, de acordo com o modelo, assim como no v. 6240 a variante comha
é resolvida em comi-á, a editora suprime aqui e no v. 9434109 a semivogal e,
e com isso, a expressão de uma bela regra do português arcaico. Em outras
passagens, encontramos o tratamento já aludido para o v. 7124, contrário à
língua, de acordo com o qual a semivogal não é efetivamente suprimida,
mas colocada entre parênteses, como se necessitasse de eliminação. Assim
se encontra, no v. 7981, sab(e)assi, ao invés de sabe-assi ou sabi-assi,
v. 8306 sab(e) (a que etc.), em lugar de sabe-a ou sabi-a. Ainda de outra
maneira, no v. 9746 age-se com referência ao mesmo processo fonético,
que poderia ter explicado a natureza dos outros casos. CCB. tem ali
rogastesmh amiga, o que, no texto, é resolvido como rogastes mi, amiga,
embora a métrica já devesse mostrar que este mi não deve ser visto como
formando sílaba, mas deveria ligar-se à vogal seguinte, para formar com
ela uma sílaba. Assim, mi-, amiga etc., também um caso metricamente muito
instrutivo.
V. 8820 vergonha i á d’assi antr’as gentes andar; CCB. u’gonha
ia dassi aut˜s gentes a. Em lugar de escrever vergonh(a), como acontece
nesta edição, na maioria das vezes, quando uma sílaba é considerada

109
Nas variantes a este verso (sabha sobeja coita, para as quais se informa sabia), coloca-se a
editora a seguinte questão: “Talvez sábi-a, graphia phonetica por sabe-a?” Já antes se ofereceu,
nos 417 poemas precedentes, com muita frequência, a oportunidade de converter o mh de CV. e
CCB., de acordo com o sentido, em mi-a (illam), por exemplo nos vv. 8, 103, mi-á (habet), por
exemplo, vv. 9, 3293, 6824, ou em mi-a (ad) , como no v. 202 etc. No prólogo ao volume I de
CA., p. XXI, diz-se, em contradição com os métodos observados e com a mencionada questão:
“Note-se a eufónica junção do pronome proclítico me, com o, a, os, as, ou com outros vocábulos
que principiam com o, a, de onde resultou uma espécie de ditongo secundário, crescente, mi-o,
mi-a.” – Acerca do idêntico tratamento do hiato átono em -e e -i no românico, veja-se ainda o
que se observa para o v. 7124.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

excessiva, recomenda-se ao leitor, nas variantes, pronunciar vergonh’i á.


Vid. o que se diz acima para o v. 105.
V. 8821 sabor ei’; CCB. sabor e, o que falta nas variantes. Coloque-
se e[i].
V. 8840 A complementação do primeiro hemistíquio não está
correta. Deve-se aqui inserir a primeira metade do v. 8834.
V. 8849 Por quantas vezes m’ela fez chorar con seus desejos,
coitan[do]* d’andar. A editora interpreta a passagem tão emendada da
seguinte maneira: “quando eu temia partir”. Mas não se trata, em toda a
cantiga, da partida ou do afastamento do poeta. E onde coitar significa
“temer” ao invés de “importunar” (como, por exemplo, CM. 153, 2), ou
“apressar-se” (como, por exemplo, Graal 52, 9; 107, 20)? O reflexivo coitar-
se significa, sem de e o infinitivo, “estar atormentado, inquieto”, como por
exemplo Graal 96, 31: ora vos nom acoytedes, dise el, ca se deos qujser,
cedo ende seredes vingado; ou na Cronica troyana I, 206 etc. Compare-se
com o atual português coitar-se de alg. c., “estar preocupado com algo”.
Com de e o infinitivo significa, igualmente, “apressar-se”, como, por
exemplo, Graal 62, 33: coytouse de acalçar Gallaaz; da mesma forma, ibid.,
92, 13; 93, 7 etc. O mesmo vale com relação ao provençal se cochar e ao
espanhol cuytarse, como em Berceo, San Dom., 724 etc. A interpretação
dada é, portanto, infundada. Igualmente, a emenda introduzida. O modelo
(CCB.) tem coytadandar, o que nos oferece a confortável leitura coitad’
andar, “estar atormentado”. Por causa do número de sílabas, pode-se ler
desejos [e] coitad’ andar, ou, em lugar da conjunção e, incluir o o de
coitad[o]. Neste caso, ao qual gostaria de dar preferência, con seus desejos
pertence tanto a chorar quanto a coitad[o] andar, e temos um exemplo de
schma ¢pÕ koinou*, ao qual se poderiam comparar ainda os vv. 8998-8999,
bem como os casos por mim apresentados, juntamente com a correspondente
bibliografia, no volume dedicado a Mussafia, p. 45 [neste volume, p. 527.]
V. 8870 eran-n-as melhores; CCB. era nas m. Esta grafia deve ser
rejeitada, já que a lição do modelo é aquela totalmente comum aos textos
em português arcaico. O mesmo vale para o v. 9661. Veja-se v. 8453 e o
que a própria editora diz quanto à representação gráfica desses casos, em
CA. I, p. XVI.
V. 8890 Como lhi oj’ oí falar; CCB. comolhi eiry o. f. Aqui se
descarta uma bela palavra antiga (= lat. heri). Comp. CV. 772, 1-7, 13. Não
é de supor que eiry seja expressão que escapasse à pena do copista por
acaso. Pode-se ler: Como lhi-eiri oí falar.
* Em CA., contudo, está “cuitan[do]”. (N.E.)
* Contrução de palavras com função dupla. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 8908 e outro tanto de Loulé; CCB. e qatro ou ato deloule. Na


lição transmitida, temos claramente a expressão, conhecida de todas as
línguas irmãs, quatro tanto em vez de quatro vezes tanto, que já foi bastante
tratada. Veja-se, por exemplo, Tobler, Verm. Beitr. I, p. 150 ss.; Ebeling,
Zeitschrift 24, p. 516, e a minha nota (p. 217 ss.) ao verso 1665 do
Cancioneiro Gallego-Castelhano, onde são apresentados exemplos do
português e do espanhol. Acrescentem-se ainda expressões como duas tanto
e similares, do Livro de Esopo, recentemente publicado por Leite de
Vasconcelos, que o editor anota sem considerar a bibliografia relevante
(p. 127).
V. 8960 Leia-se veesse em lugar de veesse, que não está na errata.
V. 8963 que; CCB. (= quen), lição não indicada, mas correta, se
se ler, sem precisar perturbar a sequência de pensamento: “E consideraria
como uma grande maravilha, minha Senhora, quem agora soubesse de que
maneira poderia fazer-me bem e justiça”.
V. 9006 A complementação sugerida nas variantes [en qu] é, sem
dúvida, a correta e deveria ter sido acolhida no texto em lugar de [logo qu].
V. 9024 òuvi; CCB. ouue. Esta lição é igualmente boa como
primeira pessoa do singular, e ocorre também ao lado de formas como quigi,
pudi na mesma cantiga. A própria editora deixa, em muitos poemas, por
exemplo vv. 2272-74 (nº. 94) e vv. 4771-72 (nº. 211), lado a lado ouve e
òuvi, o que está bastante correto.
V. 9027 aque; CCB. aqi, não aq, como se indica nas variantes.
Portanto, deve-se ler aquí, que se conforma perfeitamente ao sentido, e
eliminar a vírgula precedente.
V. 9087 mais ja nunca direi; CCB. ca. j. n. d. A lição transmitida é
totalmente satisfatória. “Esforço-me, portanto, por dizer – pois jamais
poderei dizer todo o bem com que a agraciastes, Senhor Deus”. Deve-se
observar, quanto às variantes, já que a errata não o emenda, que se deve ler,
em vez de (180), CB. 199 (185).
V. 9121 Com(o) a mi; CCB. comaamj (= coma a min). Conforme
o que se expôs acima para o v. 1505, dever-se-ia colocar não como, mas
come. Ocorre, porém, em português arcaico, assim como sabidamente em
provençal, justamente na comparação abreviada, a forma coma, também
fora da passagem em pauta, ou seja, CV. 358, 19: Os grande nossos amores
Que mi e vos sempr’ ouvemos, Nunca lhi cima fazemos Coma Brancafrol e
Flores110; e na passagem já mencionada por Vising, loc. cit., p. 117,

110
Em CA. II, 413, onde se menciona esta passagem, o exemplo do antigo coma foi, é verdade,
também omitido, mas desta vez come é colocado no seu lugar. Uma prova de que, em tais casos,
não se trata de desatenção, mas de desconhecimento do uso linguístico.

444

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 444 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

CV. 270, 11: non sabera coma mh agradecer. Esta forma é referendada
também no Canc. Resende, mas permaneceu até agora desconhecida, tanto
quanto posso ver. Embora Cornu 111, bem como E. Dias 112, tenham
reconhecido a origem de ou a partir de ao (ad illum), em casos como
chegou = chega o I, 32, 12-13, e parou = para o III, 412, 14-15, ambos
resolveram a forma comou (II, 548, 26 e III, 424, 21) em como o, enquanto
aqui também, sem dúvida, estamos diante do resultado de coma o. Está
claro que não se pode tratar de uma mera forma gráfica. Vid. infra, a
propósito, o que se diz em relação ao v. 10272. Não é necessário examinar
aqui a utilização da forma coma usual no português tardio, suficientemente
comprovado por Vising, loc. cit. (a propósito, já em Denis, p. 129 [neste
volume, p. 324]... [neste volume, p. 326], apontado no v. 1326), no provençal
e no italiano, nem a explicação que lhe deu há anos Schuchardt. É suficiente
ter demonstrado que não se devia alterar coma na passagem acima113.
V. 9172 Deve-se escrever est[e].
V. 9191 eno; CCB. eno. Dever-se-ia colocar, portanto, en-no.
O mesmo vale também, por exemplo, para o v. 9430.
V. 9192 pode aver. O verso é longo demais, se não se ler pod(e) a.,
como ocorre frequentemente na presente edição, ou, ainda melhor, pode-
aver, como escreve a própria editora, por exemplo, pudi-acabar, no v. 2995.
V. 9195 mengua[va]. Já que CCB. apresenta meng — ua, não é neces-
sária aqui uma complementação, mas simplesmente um desenvolvimento.
V. 9206 nunca veja, de quant’ama, prazer; CCB. nuca ueia de
quato a. p., lição não indicada. Dever-se-ia escrever, então, quant(o), de
acordo com o método frequentemente empregado.
V. 9212 (nº. 408) Por que se foi a Rainha Franca. A editora pergunta
se se deveria conservar este refrão na forma assim transmitida e entender
franca no duplo sentido de “generosa” e “francesa”, ou se se deveria ler:
Rainh’a França (portanto: “pois a rainha foi-se para a França”). A resolução
desta questão não é fácil, pois franca, tanto quanto França, não resulta em
rima, mas apenas em assonância com a sílaba -anta, recorrente em cada
estrofe. Este fato está em contradição com a seguinte afirmação da erudita
romanista, em Zeitschrift 20 (1896), p. 185, nota 7: “franca (em rima com

111
Romania 12, p. 256.
112
Zeitschrift 17, pp. 130 e 133.
113
No que concerne ao encontro de ambos os a em coma a min, poder-se-á aqui adotar, como em
outros lugares (vid. observação ao v. 105), a contração em um som, que é própria não apenas do
português moderno, mas também o foi e é de outras línguas. Para o espanhol, vid., por exemplo,
Fitzgerald, Versification of Berceo’s S. Dom., p. 49 ss.; para o francês, Tobler, Verm. Beitr., I,
p. 187.

445

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 445 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

branca). Se pudéssemos ler a França como simples assonância, então um


ponto a mais teria sido ganho para Jeanne de Ponthieu”114. Como vimos,
neste caso não se pode falar de rima, por definição. Já que a assim chamada
princesa Jeanne de Ponthieu também aparece em CV. 1008, como se observa
no esclarecedor ensaio que dela se ocupa, em Zeitschrift, e o seu regresso à
França é histórico, então Rainh’a França deve ser a leitura correta.
V. 9225 nulha cousa; CCB. nulla c., falta. Vid. acima, v. 32. Na
versão não muito adequada dos dois primeiros versos do respectivo poema
para o alemão, omitiu-se a tradução desta expressão. Significa, naturalmente,
“nenhum ser, ninguém”115, e a respectiva passagem diz, portanto: “Nunca
Deus amou verdadeiramente nenhum ser, nem se apiedou do sofredor
(embora ele mesmo tenha vivido em sofrimento); pois se ele tivesse, afinal,
compaixão do atribulado, tê-la-ia também de mim” etc.
V. 9235 nen que filh’ est de Sancta Maria. A falta de uma sílaba foi
desconsiderada pela editora. Já que este é o único lugar na nossa lírica, bem
como no cancioneiro religioso de Afonso X, em que encontrei documentado
est antes de uma consoante, parece-me indicado que se leia est[e]. Vid.,
para esta forma, v. 15. Em documentos, com efeito, est pode ocorrer antes
de consoantes, como por exemplo na Rev. Lus. 7, p. 63; 8, pp. 41-45.
V. 9243 m’ o f. p.; CCB. mho f. p. Esta lição, que falta nas
variantes, deveria estar no texto, pois CCB. é aqui o único modelo. Leia-
se, portanto, mi-o.
V. 9343 seer’; CCB. esteuer. Gostaríamos de saber como a editora
justifica seer como subjuntivo futuro, substituindo esteuer, que não dá
nenhuma rima perfeita com fazer, em virtude do seu e aberto. Já que ocorrem
por vezes em nossos cancioneiros assonâncias e rimas imperfeitas, como
ela mesma diz, deveremos precisamente adotar a forma transmitida esteuer,
de outro modo irrefutável em todo sentido116. Os exemplos seguintes, que
se encontram nas duas cópias italianas do cancioneiro em português arcaico
e nas Cantigas de Santa Maria, de Afonso X117, podem demonstrar que os

114
Na linha 10 desta cantiga, o manuscrito traz, contudo, q br—
aca. No momento em que a mencionada
passagem foi escrita para a Zeitschrift, a cantiga, relevante mas não difícil, deveria ter sido lida
ao menos uma vez, e uma primeira visão geral da mesma já deveria bastar para mostrar que
quebranta, como corretamente traz a edição, seria a única leitura a contemplar tanto o sentido
como a terminação –anta das demais estrofes, e que, portanto, não se deveria pensar em uma
rima com franca.
115
Este uso de cousa e ren, no português arcaico, assim como nas línguas irmãs, é tão frequente que
dispensa comprovação.
116
Tanto mais que justamente nesta cantiga ocorrem também irregularidades (desigualdades).
117
Não é necessário citar todos os casos. – Nas variantes relativas à cantiga em causa, a editora
remete à rima conquis: fiz (= feci), v. 10369. Mas lá não está feci, porém fidus, como se observa
abaixo, para esse verso.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 446 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

poetas do primeiro período não eram muito mais meticulosos, nessas coisas,
que seus colegas de outros tempos e países118:

1. Rimas imperfeitas119:
quis-fiz em Denis, vv. 2695-6 (refrão); CM. nº. 124, 135, 265; é-dê-fé,
CM. 177; fé-palafrê CM. 121; candeas-noveas-cadeas, ibid. 357; noveas-
candeas-teas, ibid. 385.

2. Assonâncias120
anta-França, CA. vv. 9210-9212 (refrão); ar-al, CB. 373; CV. 946, 949,
1106; pague-vãydade, CV. 1134; engano-mercado, CCB. 379; Elvas-
hervas-servas-ela, CV. 1138; sesta-meestra, preste-meestre, CV. 1039;
medo-Pedro, CV. 707; esforço-alboroço-moço, CV. 922; priol-melhor,
CV. 1020; enfinga-cinta, CV. 347; longe-oi, CV. 764121; segrel-mester,
CV. 1175; iogral-cantar, CV. 974122.
V. 9394 desengando é desprovido de sentido e não documentado.
No texto, convém a lição transmitida: sempre seredes en bando, que se
supõe a melhor nas variantes. Ela dá o sentido exigido: “Sereis sempre
aliados, em harmonia”. Para esta expressão, vejam-se, por exemplo, Bluteau
s.v. bando e Lanchetas s.v. vando.
Nº. 422. Em nota a esta de fato muito difícil cantiga, a editora
explica que procurou em vão, para a terceira estrofe, em vez da rima
transmitida em -i, rimas em -ir, que correspondessem às da primeira e
segunda estrofes. Esforço baldado, na medida em que estão inteiramente
corretas as rimas transmitidas em -i na terceira e última estrofe, que
frequentemente mostra um desvio de uma ou mais rimas. Veja-se, por
exemplo, o primeiro dos poemas da presente coletânea e, ainda, os nºs. 8,
31, 36, 84, 93, 103, 108, 109, 117 (?), 165, 176, 339, 408, 422: em todos
existe o caso em questão.

118
Vid., por exemplo, E. Dias, com relação ao Canc.Res., Zeitschrift 17, p. 117; A. Tobler, Vom
franz. Versbau, 2ª. ed., p. 131 e ss.
119
Atente-se para o fato de que os não raros casos nos quais min aparece ligado a i e que se remove-
ram, na edição de CA., por meio de correção, não foram aqui considerados (Vid. CA. I,
p. XVIII e nota 3).
120
Aqui não estão incluídos, naturalmente, os casos bem numerosos que ocorrem nas quase cinquenta
cantigas paralelísticas de caráter popular. Veja-se, a esse respeito, Denis, p. XCIV e CXXV.
[neste volume, pp. 134 e 162]
121
Fica claro, a partir desses exemplos, que não é correta a afirmação da Sra. Michaëlis de
Vasconcelos, Zeitschrift 19, p. 524, relativa à ocorrência da assonância em nossos poetas.
122
Os dois casos aludidos por último podem ser removidos pela adoção das formas segrer e iograr.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 9499 Quen me vir’ e quen m’oïr. Pode-se ganhar a sílaba que


falta, em vão procurada pela editora, pela leitura de m[i] oïr’ (cf., por
exemplo, v. 10319), ou m[e] oïr’. Está fora de dúvida que os nossos poetas
admitiram o me átono no hiato, ainda que raramente. Como já se viu, me é
expressamente declarado uma vez, na presente edição (nas variantes relativas
ao v. 652), como uma forma não usual, apesar de estar transmitido em dois
modelos; em duas ocasiões, contudo, é aceito (vv. 3506, 5240), e duas outras
vezes (vv. 7997 e 8157) introduzido, mesmo contra a transmissão: resta
então ao leitor, ao invés de uma clara compreensão do assunto, também
neste caso, apenas a escolha entre dois procedimentos contrários. Observe-
se aqui, brevemente, o seguinte acerca do uso métrico dos pronomes átonos
me, te, lle, se. Foi lembrado acima, a propósito do v. 105, que o Canc.
Resende empregou esses pronomes no hiato. CA. oferece-nos, pelo menos,
dois exemplos seguros (vv. 652, 5240), senão três (v. 3506), de me no hiato.
Além disso, comparecem em Denis os seguintes casos: v. 1116: terria-me,
e razom faria (= CV. 136, 20); v. 1789, Ela trabalha-se, a gram sazom
(= CV. 167, 13), sem mencionar o me emendado no v. 1745 e nos exemplos
nos vv. 1564 e 1566 da cantiga nº. LXXVI (= CV. 208), corruptamente
transmitida123. Além disso, dois casos presentes nas cantigas publicadas,
em Zeitschrift, pela Drª Vasconcelos: demo lev’esso que te eu
criia CV. 1022, 18 (= vol. 20, 159*); Pero d’Ambroa achou-te en mal
CV. 1199, 16 (= vol. 25, 685*); enquanto não parece seguro um terceiro
caso: estendeu-se e bracejou CCB. 461, 12 (= vol. 20, 209*). Esses exemplos
são corroborados pelo testemunho do cancioneiro religioso de Afonso X,
publicado em 1889, como se verá a seguir:
1. Me. me escarnecen 286, 6; me ora 343, 6 124; “val-me”, e
s’acomendaua 385, 3.
2. Te. Não posso comprovar te em hiato.
3. Lle. feriu-lhi a 51, 8125; se lle ouvera 62, 7; moustrou-lle un 85,
8; obridou-xe-lle a nõa 125, 16; antolleu-se-lle assy 212, 11; acorreu-lle a

123
Nos vv. 949 e 2706, mi está tomado como forma tônica.
* Cf. Y. F. Vieira, Glosas Marginais..., op. cit., p. 45. (N.E.)
* Ibid., p. 272. (N.E.)
* Ibid., p. 97. (N.E.)
124
Esta passagem, contudo, não me está clara.
125
No hiato, e também antes de consoantes, escreve-se, em regra, me, lle, mas também mi, lli antes
de consoante, como por exemplo, 4, 7; 5, 7; 311, 3; p. 601, 3 etc. Quando me não forma sílaba
diante de vogal, então o e é apostrofado ou se torna um i à maneira de iode, como no Códice da
Ajuda. Se lle não forma sílaba, então perde, em regra, a sua vogal (uma exceção realmente rara é,
por exemplo, um caso como pareceu-lle en 79, 3). Ao lado de te, ocorre igualmente ti antes de
consoante, por exemplo 23, 5; 54, 13. Antes de vogal, perde o e ou torna-se ch, conforme o uso

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

242, 6; tornou-xe-lle en al 292, 8; pediu-lle algo 305, 7; dar-lle a 369, 13;


da-lle este 376, 6, 10; lle atan 394, 12; beyando-lle es Festas 7, 7; dí-lle u
12, 9 (p. 585); lle ungiu, p. 604-5.
4. Se. Foi-sse a casa 9, 13; perder-se ouvera 75, 32; meteu-sse ao
97, 4; foi-sse a 105, 4; ergeu-sse et 145, 7; foi-sse a 251, 14; fillou-se a 269,
4; acolleu-se a 302, 2; fazer-se ome 313, 1; tornou-se al 376, 11; foi-sse et
392, 7; meteu-sse aa Festas 1, 24 (p. 571)126.
V. 9516 Pergunta-se aqui como se pode obter, a partir do vay
transmitido, a rima necessária em –i tônico. Já que se encontra a forma vas
ao lado de vais, talvez por influência de estás127, então pode ter havido, ao
lado de vai, o análogo va128. Porém, o mais aconselhável é completar o
advérbio [i] depois de vai.
V. 9519 [d’u nunca devia partir]. Para este verso, complementado
por ela mesma de maneira muito hábil, a editora procurou, em vão, uma
rima em -i. Poderia ser obtida através da seguinte alteração simples:
[d’u eu nunca partir devi].
V. 9522 A palavra rimante doita, corretamente lida a partir das
sílabas manuscritas transmitidas daytal, não foi considerada na tradução.
Mas dificilmente porque seu significado seja óbvio. A expressão ocorre
com frequência na linguagem arcaica e encontra-se também nos dialetos129.
Aos exemplos citados em Denis, p. 120 [neste volume, pp. 315-316],
adicionem-se aqui, ainda, os seguintes: S. Amaro (Romania 30, p. 508): E
que depois que esta gente ouuer doyto esta terra e os deleytos della e viços,
não te querram sayr della; Afonso X, Festas do N. S. 1, 5: E nos roguamos
a (isto é, Sancta Maria) que sempre duitas A sas mercees de fazer en muitas,
que nos defenda do dem’e sas luitas. A expressão doito de, en alg. c. significa,
portanto, “ser experiente, habilidoso em alguma coisa”, como o duecho130

galego, ou, não muito frequentemente, o seu e torna-se um i à maneira de iode, como, por
exemplo, 15, 7 ti o. (São exceções te escomungou 65, 34; te escaecemos 125, 20). – Se permanece
graficamente inalterado antes de consoante; antes de vogal, em regra perde o e, quando não
forma uma sílaba. Casos como se espertou 68, 8; 87, 10; se escaeceu 103, 5; meteu-sse en 67, 4,
são, efetivamente, exceção.
126
Não se podem examinar, aqui, casos de sinalefa, como, por exemplo, ouue este 71, 12; ouue en
78, 2, que não são tão frequentes em Afonso X quanto na lírica profana.
127
Vid. Grundriss I2, p. 1025. Comp., a esse respeito, o que diz Nunes na Rev. Lus 7, p. 37, acerca da
mudança de vais para vas.
128
Esta forma encontra-se, ao menos uma vez, em CM. 125, 7, mas o Manuscrito de Toledo tem ali
vai.
129
Vid., por exemplo, Leite de V., Dial. interamn. (Porto, 1886), 15: era endoyto = era costume.
130
Lanchetas, s.v.; Pidal, Gram. Hist.2, § 122, 2 ducho (lat. ductus). Comp., para a etimologia,
também Zeitschrift 19, p. 535, nota 5.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

do antigo espanhol e o duch provençal131; enquanto a expressão aver doita


alg. c. seria mais corretamente traduzida por “ter experimentado algo”,
“estar habituado a algo”132. Nesta ocasião, poder-se-ia ainda lembrar o verbo
doitear que, ligado às vezes com mal, significa “maltratar” (comp. trager,
mod. trazer, e tratar), por exemplo, CV. 61, 1: E com’ omen que quer mal
doytear seus Naturaes sol non no provedes; CM. 182, 9: Mais longe o
levaron Et mal o doitearon, E atal o pararon Com’ hua escarlata.
V. 9634 don[a] eu. CCB. don en. A substituição de en por eu é
inadequada, em primeiro lugar porque en, com o como seguinte, forma a
conhecida conjunção que encontramos com frequência neste período (por
exemplo, vv. 1970, 3951 etc.); em segundo lugar, porém, porque eu, como
palavra tônica no início do segundo hemistíquio, perturbaria o ritmo.
V. 9639 Escreva-se [o] coraçon, já que o artigo não está no
manuscrito.
V. 9660 des quando. Em CCB., de to. O s deveria estar entre
colchetes, e quanto deve ser reproduzido de acordo com os motivos alegados
para o v. 3168.
V. 9683 e’-na, CCB. e na, falta. Em outros pontos, por exemplo,
v. 9831, e no permanece inalterado. A variante lá arrolada, noa, está na
linha anterior, no modelo.
V. 9723-9724 A tradução entre parênteses desses dois versos é a
única satisfatória, e ela seria ainda mais correta se conhocer fosse traduzido
não por “sabedoria”, mas por algo como “moderação”, “justiça”. Essa pala-
vra, assim como conhocença, é empregada frequentemente pelos trovadores
portugueses neste sentido, portanto semelhante a mesura, como se mostra
em Denis, p. LII e 128 [neste volume, pp. 96 e 325], devendo-se ainda acres-
centar, como comprovação, CV. 676, 25 e CCB. 115, 5 (= CA. v. 8814).
Compare-se o antigo provençal conoissenza (vid. Levy, s.v.; Sordel,
Ensenhamen, vv. 245-254). – Conhecer tem o significado de “conhecimen-
to” [Erkenntnis], por exemplo no v. 8653, em que é corretamente assim tra-
duzido.
V. 9754 poen; CCB. poe —. Leia-se põen.
V. 9765 como cavaleiro. CCB. com (= come) c. Também neste
caso deve-se ler come, ao invés do como adotado no texto, pois esta última
forma atenta aqui contra o uso linguístico, bem como contra a paleografia.
Vid. observação aos vv. 1505, 9121.

131
Levy, SW. s.v.
132
Comp., ainda, Valladares, Dicc. Gallego-Cast., s.v. adoitar e adoito.

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 9826 que’-no. CCB. que no (= quen o). Já que que’-no costuma


representar o transmitido quen no, aqui não está no lugar certo. O mesmo
vale com relação ao v. 10037.
V. 9845 Pode-se prescindir das emendas introduzidas e sugeridas,
se se medir pero, monossilabicamente, p’ro. Vid., acima, observação ao
v. 4592.
V. 9906 que non devian fazer. CCB. que sse deui’a llor. Uma vez
que a editora, como ela mesma diz, não sabe como obter, a partir das letras
a llor, a rima necessária em -êr, que, de acordo com o contexto, deve
significar “abster-se de falar”, ela altera as sílabas transmitidas com grande
habilidade, mas com certa violência, na leitura acima. Já que a se liga
claramente a deui, e o contexto pede um verbo pretérito no plural, portanto
devia[n], fica então por resolver apenas llor. Nestas letras não é difícil
reconhecer o infinitivo em -êr exigido, isto é, sofrer, o qual não apenas
significa “conter-se”, mas também leva em conta o pronome reflexivo
transmitido sse, a rima e a paleografia133. Assim como soffrer-se, na
linguagem de hoje, ainda significa “dominar-se”, “conter-se”, encontramo-
lo, no antigo português e nos idiomas irmãos, no sentido de “controlar-se,
ter paciência”. Assim, por exemplo, Graal, p. 78, 36: Ay, bõoa donzella,
sofrete huu pouco e nom te mates assi, ca eu farei todo teu prazer. Um belo
exemplo provençal está em Flamenca vv. 4077-4079: E ben cre que mi
donz ausi So qu’eu li dis, mas suffris si, Quar donna es cuberta res, Zo
dison, e sai que vers es. Comp. ainda ibid., v. 5408; Croisade contre les
Albigeois, v. 3714; e Appel, Chrest. nº. 18, 31.
Leia-se, pois, em nossa passagem: que se devia[n] sofrer, e enten-
da-se “aqueles (isto é, os curiosos) que se devem abster de perguntar, devem
ter paciência”.
V. 9932 Leia-se [vo’]-lo, pois vo está acrescentado.
V. 9942 O manuscrito sapan está por s’ajan e corresponde, assim,
plenamente ao sentido.
V. 9959 terei. Por que não ter[r]ei?
V. 9994 ora ¡’ssi D. m. p. ! CV. ora ssy D. etc. Nem a lição manus-
crita nem o uso linguístico justificam aqui o uso do apóstrofo. Vid. acima
observação ao v. 2171. A fórmula de juramento com si encontra-se tam-
bém, com frequência, nesta coletânea.

133
Nos apógrafos italianos do antigo cancioneiro português, muitas vezes, o duplo ll encontra-se,
em lugar de duplo ss, como, por exemplo, CV. 95, 5 (lli= ЀЀi); ibid. 211, 18 (pallou = paЀЀou).
Vid., ibid., Appendice II, p. XXVII. Portanto llor = ЀЀo[fre]r.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

V. 10062 se m’eu respons’ (?) dar. CV. so meu tpos dar, ou, como
supõe Monaci em uma nota, rpos d. Tal como se depreende do sinal de
interrogação, a própria erudita editora duvidava da correção da sua
interpretação, ao estabelecer habilmente e de forma legível, embora
incompleta, a cantiga conservada em ambos os manuscritos italianos, mas
até então disponível apenas na versão bastante corrompida de CV. De fato,
respons dar não é aceitável, pois a imediata continuidade entre duas sílabas
tão fortemente acentuadas como spons dar prejudicaria o ritmo, mas
principalmente porque, ao invés de respons 134, esperamos e de fato
encontramos, em português, da mesma forma que em espanhol, responso135.
Em lugar de respons ou responso, as letras do modelo oferecem-nos uma
forma começada não com resp, mas com rep, que nos leva até uma outra
pista, oxalá a correta. Gostaria de ver esta pista no substantivo reposta,
“resposta”, que encontramos, por exemplo, em Graal 78, 3; Canc. Resende
I, 38, 3; 46, 22 etc., Cristóvão Falcão136, Sá de Miranda137 e Bluteau s.v., e
que ainda é corrente na fala popular. Se se pudesse admitir que um verbo
deduzido desta forma participial, *repostar “responder”, tenha existido, do
mesmo modo como se encontra, por exemplo, para pinsitum, pinsitare,
uma forma em espanhol pistar, ou pestar, em italiano e provençal, teríamos
em nossa passagem a palavra mais apropriada138. Apesar de toda a busca,
não posso ainda comprovar tal *repostar.
V. 10089 mandaria por én [a] queimar. Já que é regra nos nossos
poetas, bem como na linguagem jurídica do período, mandar com o infinitivo
puro (vejam-se, por exemplo, vv. 575, 1826, 1827 etc.; Denis, v. 1756)139,
deveria ser melhor ler, neste caso, por en[de], em vez de por én[a] etc.
V. 10093 come outras. CV. comouts (= com’ out˜ras). Esta lição
manuscrita, que não se encontra indicada, é a única aceitável, já que o verso,
na forma “emendada”, tem uma sílaba a mais. Além disso, o e adicionado
deveria ter sido colocado entre colchetes.

134
Essa forma poderia valer-nos apenas como empréstimo provençal, o que aliás não nos devia
surpreender. Vid. Lexique Roman s.v. respos far.
135
No Canc. Baena, nº. 512, encontramos dat me responso (: Alfonso). No galego-português, responso
parece ter sido, preponderantemente, um termo eclesiástico. Vid., por exemplo, Galicia Hist.
1901, p. 171 ss.
136
Edição de E. Dias, p. 62, onde se aponta, corretamente, para o latim reposita, de reponere.
137
Edição de C. M. de Vasconcelos, Glossário s. v. Aí mesmo está arrolado reponder, ao lado de
responder, uma forma que, de acordo com Valladares, o galego igualmente conhece. Veja-se
também aí reposta, comprovada, no dialeto alentejano (Rev. Lus. 4, p. 232).
138
Em Bluteau, encontra-se a derivação repostada, “resposta descortês”.
139
Mandar com a e o infinitivo encontra-se mais tarde ao lado da outra construção, por exemplo,
em Camões. Vid. Otto, Rom. Forsch. 6, §§ 12 e 31.

452

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Sobre o Cancioneiro da Ajuda

V. 10102 que non vej’ e moiro por veer alguen. Na Zeitschrift 25


(1901), p. 145 ss., em que está igualmente impressa a cantiga que aqui nos
ocupa (nº. 455), lemos, nas variantes a este verso: “A linha sem rima é
repetição de 12. É um claro equívoco do copista, que, espera-se, será
retificado pela consulta de CB. – melhor que pela minha conjectura”140. No
estabelecimento desta cantiga na edição de CA., não apenas falta essa
conjectura acrescentada como sétima linha [: que ja non me pode fazer
nenhun ben], como não se tentou qualquer emenda do respectivo verso141.
Esta circunstância talvez se explique pelo fato de que o tratamento deste
texto para a edição de CA. antecedeu um pouco o que se fez para a Zeitschrift.
Neste caso, era de esperar que a editora apontasse para a anterior forma
divergente do texto, quando da elaboração do mesmo poema para a
Zeitschrift, ou até que a explicasse. Pois a edição da cantiga em pauta, na
Zeitschrift, também se distingue, em outros aspectos, daquela de CA., sem
que se fundamentasse aqui, em um ou outro ponto, esse tratamento diverso
de um texto já existente há anos ou se chamasse a atenção para isso. No
vv. 10087, por exemplo (v. 3 da cantiga), lê-se Gil, mas, na Zeitschrift,
Gil[es], pois, como lá nos é dito, falta uma sílaba. Nos v. 10, 11 e 16,
porém, onde o primeiro hemistíquio é igualmente masculino, nenhuma sílaba
é acrescentada. Mas isso dificilmente teria sido possível e invalida a emenda
do v. 3. No v. 10093, como vimos, está come outras contra o manuscrito;
na Zeitschrift, porém, com’outras etc. Não se sabe qual dessas duas versões
deve valer como a correta. Comp. ainda os nºs. 38, 166, 408.
V. 10166 Non vus and’eu per outras galhardias está traduzido:
“Não peço nenhuma outra maravilha”. Mas, tratava-se de maravilhas na
primeira e precedente estrofe? O poeta disse: “Pois vos alegrais, Senhora,
com a minha morte, desejo então que Deus nunca vos possa mostrar (isto é,
conceder) o que desejais” (ou seja, a minha morte), e prossegue com a
repetição do mesmo desejo depois do verso em causa. O que ele, portanto,
quer claramente dizer é: “Venho até vós sem nenhum outro pedido142, o que
seria ousado, mas por isso sempre suplicarei a Deus”, etc. E o significado de

140
Não está claro por que este verso, que termina em alguen, como o anterior, é considerado sem
rima. Pode-se aqui esperar outra palavra rimante, mas apenas uma terminada em -en. Não apenas
a rima existe, como se trata, de fato, de um dobre. [Cf. Y. F. Vieira et al., Glosas Marginais..., op.
cit., pp. 126-127. (N.E.)]
141
Em CA., ao final do parágrafo métrico para esta cantiga, diz-se: “a não ser que os dois versos
finaes estejam viciados”. Portanto, a editora considera aqui dois versos como deteriorados, ao
passo que ela, na passagem mencionada da Zeitschrift, fala apenas de um, nomeadamente o
último, como necessitado de emenda, isto é, substituição.
142
A respeito do significado de outras nesta passagem, veja-se o Canc. Gallego-Castelhano, p. 182,
e a bibliografia sobre o assunto lá referida.

453

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 453 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

galhardias no verso acima é exatamente “palavras ousadas, atrevidas”,


significado que também se encontra, por exemplo, no provençal143, e concorda
facilmente com outros significados bem conhecidos da palavra galhardia,
como, por exemplo, “força”, “coragem”, “audácia”. A tradução como
“maravilhas” é infundada.
V. 10168. CV. tem dos, não de, vossos dias, lição perfeitamente
aceitável, que deveria ter sido indicada.
V. 10272 ao mundo; CV. ou m. Aqui também foi obliterado um traço
singular do português, a transformação do ditongo au em ou. Entretanto, este
fenômeno é há muito conhecido. Em CV., isto é, exatamente o cancioneiro
que nos conservou o caso em questão, o nº. 1045 traz-nos mais três exemplos
abonados pelo refrão: de noyte ou luar, e não se poderia testemunhar melhor
a sua difusão144. No seu elucidativo artigo, publicado em 1883, acerca da
fonologia sintática do Canc. Resende145, diz Cornu: “Trois ou quatre fois on
trouve la graphie ou que j’ai rencontrée au lieu de ao dans des textes plus
anciens”. Que não temos diante de nós mera grafia, mas uma transformação
fonética, mostra-a a mudança de ao para o, passando por ou146, observada
nos dialetos. Além de CV., encontramos ou, ao invés de ao (ad illum), não
raras vezes, em documentos portugueses coetâneos147. E também a passagem
de au para ou é fartamente comprovável. Vejam-se apenas na Cron. Troy
formas como outor por autor (2,25), soude por saude (por exemplo, I,
pp. 201, 217; Rev. Lus. 7, p. 74; soudar por saudar, por exemplo, na Cron.
Troy. I, pp. 174, 201, 217, 320; 2, 26, 103, 260; maloutia, CM. 321, 2; 367,
13 ao lado de malautia, ibid., 333, 4 etc. Havia, assim, motivo para deixar
intacto o nosso ou.
V. 10369 que de valença en ben fiz CV. q. d. v. e b. fiz. A lição
suposta nas variantes, é b. fis, é certamente preferível, pois oferece melhor
sentido: “que confia firmemente na sua capacidade, na sua coragem” (e quer
agir por meio da capacidade). A propósito, dá-se preferência, na errata, a é
b. f.

143
Vid., por exemplo, Levy s.v.
144
No CA. II, 390, nota 1, onde se cita este refrão, encontramos, claro, o transmitido ou, apesar de
sua tripla repetição, substituído por ao. Isto mostra que também na nossa passagem não se trata
de um mero erro de impressão ou equívoco similar.
145
Romania 12, p. 256. Vid. acima observação ao v. 9121, no que se refere a para o, parou, coma o,
comou.
146
Vid., por exemplo, Rev. Lus. 7, p. 39 e Grundriss I2, p. 936 ss.
147
Vid., por exemplo, Rev. Lus. 7, pp. 60 e 73 ss., fecerõ ou dito Pedro Martiz; ou dauandito moesteyro
etc.; ibid. 8, pp. 40 e 43 ss.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 454 29/4/2010, 11:13


Sobre o Cancioneiro da Ajuda

Relações da antiga escola lírica portuguesa


com os trovadores e troveiros *

No seu valioso tratado intitulado Ueber die erste portugiesische


Kunst- und Hofpoesie, baseado no estudo dos quatrocentos e trinta e sete
poemas líricos portugueses então acessíveis na edição do códice lisboeta
de Varnhagen 1 e do Cancioneiro d’El-Rei D. Diniz de Moura2, Diez, per-
guntando-se sobre as marcas da influência provençal nos poetas
galego-portugueses, observa:

Dificilmente se poderão apontar, contudo, nas produções dessa


escola poética até agora editadas, poemas ou passagens imitados
ou traduzidos do provençal.

Embora desde então se tenha tornado acessível um corpus respei-


tável de mil seiscentos e trinta e três poemas, através da publicação dos
dois códices italianos3, a opinião expressa por Diez em 1863 perdeu com-
parativamente pouco da sua validade.
Perguntamo-nos, naturalmente, como se explica que, apesar de o
emprego de certas composições e técnicas poéticas e dos termos a elas
atribuídos constituir prova inequívoca da influência provençal, os poetas
portugueses não pareçam ter imitado ou reproduzido de perto a estrutura
ou os conteúdos dos poemas provençais ou franceses.

* “The Relations of the Earliest Portuguese Lyric School with the Troubadours and Trouvères”, em
Modern Language Notes, vol. X, nº. 4 (April 1895) pp. 104-116 (col. 207-231).
1
Trovas e Cantares de um codice do xiv seculo ... publicados por F. A. de Varnhagen. Madrid,
1849.
2
Paris, 1847.
3
Il Canzoniere portoghese della Biblioteca Vaticana, messo a stampa da Ernesto Monaci ... Halle,
1875.
Il Canzoniere portoghese Colocci-Brancuti, pubblicato nelle parti che completano il codice
Vaticano 4803, da Enrico Molteni. Halle, 1880.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 455 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

O estado constante de desassossego e insegurança no qual se man-


teve o novo reino de Portugal durante o século XII e a primeira metade do
XIII, por suas incessantes guerras contra os Mouros e os estados cristãos
rivais, Castela e Leão, não permitiu que os reis e os nobres portugueses se
abandonassem àquela vida de facilidade e prazer indispensável ao cultivo
da música e da canção, e que teria sido, por si só, um atrativo para os
trovadores estrangeiros visitarem os seus castelos.
Embora saibamos que o conde Felipe de Flandres, um dos mais
famosos cavaleiros do seu tempo e um grande amigo dos troveiros, visitou,
durante a sua segunda viagem à Palestina em 1177, a corte do rei Afonso
Henriques, cuja filha Teresa desposou em 11814; que o segundo rei de Por-
tugal, Sancho I (1185-1211), manteve na sua corte dois jograis franceses5,
e que o infante Pedro de Aragão, que no mesmo ano ascendeu ao trono
como Pedro II, veio a Coimbra em 1196 para fazer a paz entre Portugal e
Castela6, e que nessa visita, amigo entusiasta e liberal dos trovadores como
era, pode ter sido acompanhado por poetas provençais ou catalães, não
temos nenhuma evidência da permanência de quaisquer trovadores
provençais em Portugal, nem é este país jamais mencionado por eles7. É
bem sabido, contudo, que alguns dos mais preeminentes trovadores visita-
ram as cortes vizinhas de Castela e de Leão – reino, este último, de que
surgira Portugal.
Na corte de Afonso VII de Leão (1126-1157) encontramos
Marcabrun8 e Peire d’Alvernha (1157-8)9.
Afonso VIII de Castela (1158-1214), celebrado por sua liberalida-
de, foi visitado por Aimeric de Pegulhan, Gavaudan, Guilherme de
Cabestanh, Guiraut de Bornelh, Guiraut de Calanso, Peire Vidal, Peire
Rogier, Rambaut de Vaqueiras, Ramon Vidal, Savaric de Mauleó, Uc de
Mataplana e Uc de S. Circ10. Como uma das cinco línguas que Rambaut de

4
A. Herculano, História de Portugal, I, p. 454.
5
Vasconcelos, em Grundriss der roman. Philologie II, p. 172.
6
Herculano, loc. cit., II, pp. 70-1.
7
Excetuando-se Marcabrun e Gavaudan. Cf. Vasconcelos, ibid. e Lang, Das Liederbuch des Königs
Denis, p. XXIV. [Cancioneiro d’el Rei Dom Denis, neste volume, p. 72.]
8
Cf. P. Meyer, em Romania VI, p. 123 ss., onde se deve corrigir Afonso VII, em vez de Afonso
VIII. Milá y Fontanals, Los trobadores en España2, p. 83.
9
Cf. Milá y Fontanals, ibid., p. 81. – A Sra. Vasconcelos (loc. cit., p. 174) apresenta Aimeric de
Pegulhan como tendo estado na corte de Afonso VII, mas não dá prova da sua afirmação. Nem
existe alguma. A. de Pegulhan esteve ativo entre 1205-1270 (cf. Diez, Leben und Werke der
Troubadours2, p. 342 ss.; Milá y Font., loc. cit., p. 226) e participou da batalha de Las Navas em
1212. Que tenha composto canções em honra de Afonso VII (†1157) é, portanto, bastante impro-
vável.
10
Cf. Milá y Mont., ibid., pp. 122-131.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 456 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Vaqueiras empregou no descordo escrito entre 1195-1202 na corte de


Bonifácio I11 pretendia ser, com toda a probabilidade, o português12, ele
deve ter estado em contato com poetas galego-portugueses antes de 1194.
Ramon Vidal, também, cita em um dos seus poemas alguns versos que
atribui a um trovador castelhano. Como sabemos que os trovadores
castelhanos da época usavam o dialeto galego nas suas composições líricas
e uma parte da passagem em questão tem toda a aparência de pertencer
àquele idioma, é justificável assumir que esses versos deveriam ser gale-
gos, em vez de castelhanos13. Em conexão com várias outras circunstâncias
para as quais já se chamou a atenção em outro lugar14, a ocorrência de
verso português nas instâncias citadas parece mostrar que os começos da
escola lírica galego-portuguesa não podem ter sido posteriores a 1175.
Sabemos de pelo menos um poeta galego-português que esteve na
corte de Afonso VIII de Castela e teve papel preeminente na batalha de Las
Navas em 1212, na qual participou a maior parte dos trovadores acima
nomeados. Trata-se de Rodrigo Diaz de los Cameros15, a quem se atribu-
em, no Índice de Colocci, três poemas que não chegaram até nós.
Na corte de Afonso IX de Leão (1188-1230), encontramos Elias
Cairel, Guilherme Ademar, Guiraut de Bornelh, Peire Vidal e Uc de S.
Circ16. Esses poetas devem ter exercido considerável influência no desen-
volvimento da poesia áulica galego-portuguesa, uma vez que encontraram
ali alguns nobres portugueses, cujas composições poéticas nos foram par-
cialmente preservadas. Por causa da iníqua política de Afonso II de Portugal
(1211-1233), D. Gil Sanches, um filho ilegítimo de Sancho I; D. Gonçalo
Mendes de Sousa, com os seus três irmãos, D. Garcia Mendes, D. Joam e
D. Fernam Garcia, pertencentes à mais poderosa família em Portugal
na época; Abril Peres de Lumiares, Martim Sanches e vários outros fugi-
ram para a corte de Afonso IX de Leão, ali permanecendo até se
reconciliarem com o rei português em 121917. De D. Garcia Mendes d’Eixo

11
O. Schultz, Die Briefe des Trobadors Raimbaut de Vaqueiras, pp. 119-120.
12
Cf. Milá y Font., loc. cit., p. 542; Vasconcelos, loc. cit., p. 173, nota 1.
13
Cf. Milá y Font., loc. cit.; Vasconcelos, loc. cit.
14
Das Liederbuch des Königs Denis, pp. XXV-XXVII. [neste volume, pp. 73-74]
15
Cf. Milá y Font., loc. cit., p. 126.
16
Cf. Milá y Font., loc. cit., pp. 153-5. – A Sra. Vasconcelos (loc. cit., p. 174, nº. 5) acrescenta a
esses Aimeric de Pegulhan e Sordel, sem dar nenhuma razão para o fazer. Nem Diez (Leben und
Werke, 2, p. 343) nem Milá y Font., loc. cit., nem P. Meyer (Encycl. Brit., 9, p. 874) falam que
Aimeric tenha visitado a corte de Afonso IX ou dedicado poemas a esse rei. Quanto a Sordel, não
consta como tendo estado na Espanha antes de 1230 e nenhuma das suas alusões aos reis de Leão
se refere, tanto quanto sei, a Afonso IX. (Cf. Schultz, Zeitschrift für rom. Philol. VII, pp. 207-210.)
17
Cf. Herculano, Hist. de Port., II, p. 212 ss.; 435 etc.; Portugaliae Monumenta Historica,
Scriptores, I, p. 202.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

temos (Canzoniere Colocci-Brancuti, 347) um poema em provençal, no


qual expressa o desejo de retornar ao seu lar ancestral, Sousa18. No refrão
de uma das cantigas de amor de D. Fernam Garcia (com o apodo
Esgaravunha), também da família Sousa, encontramos dois versos em fran-
cês (CB. 227):

Or sachiez veroyamen
Que je soy votr’ ome lige.

Fernando III de Castela e Leão (1217-1252), retratado por seu fi-


lho, Afonso X, como um grande amigo da poesia e da música19, acolheu na
sua corte os trovadores provençais Ademar lo Negre, Elias Cairel, Guilher-
me Ademar, Guiraut de Bornelh e Sordel20, sendo que este último deve ter
estado em Leão entre 1237 e 124121. Podemos deduzir que as canções de
Sordel eram especialmente apreciadas e imitadas pelos portugueses a par-
tir de uma direta menção a ele – a única ocorrência do nome de um poeta
provençal nos cancioneiros portugueses – num poema de D. Joam Soares
Coelho, que, segundo a Sra. Vasconcelos (loc. cit., p. 199, nota 5), era um
favorito nas cortes peninsulares e sem dúvida encontrou Sordel na de
Fernando III de Castela. Outros poetas galego-portugueses que podem, com
maior ou menor certeza, ter sido hóspedes desse monarca são Affons’ Eanes
de Cotom22, Pero da Ponte, que escreveu um planh por ocasião da morte de
Beatriz de Suábia († 1236) e outro, pela morte de Fernando III († 1252)23,
e Bernaldo de Bonaval, de quem, segundo Afonso X (Canzoniere Vatic.,
70), Pero da Ponte aprendera a arte de poetar24.
Um número considerável de poetas provençais e galego-portugue-
ses encontraram-se na corte de Afonso X (1252-1284), o mais ilustre protetor
da ciência e das artes e ele mesmo um dos mais importantes poetas líricos
do tempo. Entre os primeiros, constam Aimeric de Belenoi, Arnault Plagues,
Bertran Carbonel, Bertran de Lamanon, Bonifaci Calvo, Folquet de Lunel,

18
Cf. Vasconcelos, loc. cit., p. 176, nota 3.
19
Cf. Milá y Font., loc. cit., pp. 153, 540.
20
Cf. Milá y Font., loc. cit., pp. 154-5; Diez, Leben und Werke, p. 113; O. Schultz, Zeitschrift für
rom. Philol. VII, p. 210.
21
Cf. Schultz, loc. cit., pp. 207-210.
22
Segundo um poema de Afonso X (Canz. Vat., 68), Pero da Ponte apropriara-se indevidamente do
seu legado literário.
23
Canz. Vat., 573 e 574.
24
A Sra. Vasconcelos (loc. cit., p. 199) diz que o genovês Bonifaci Calvo foi sagrado cavaleiro por
Fernando III e que as suas duas cantigas portuguesas foram inspiradas pelo amor de Berenguela,
a sobrinha do rei. A única autoridade para isso são as não fidedignas declarações de Nostradamus.
Cf., em relação a Bonifaci Calvo, as investigações de Schultz, loc. cit., pp. 225-6.

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Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Guilherme de S. Didier, Guilherme de Montagnagout, Guiraut Riquier e


Nat de Mons25; entre os últimos, Affons’ Eanes de Cotom, Gil Perez, Con-
de (CB, 405), Gonçal’ Eanes do Vinhal (Canz. Vat., 1008), Joam Vaasquez
(CB., 423), Pero Gomes Barroso (Canz. Vat., 1057), Pay Gomes Charinho
(Canz. Vat., 1159), Pero da Ponte, Pedramigo de Sevilha (CB., 423), Joham
Baveca (Canz. Vat., 827) e Pero Mafaldo (CB., 387)26.
Sabemos de poucas ocasiões em que os portugueses devem ter
entrado em contato com a poesia lírica do Norte da França. Excetuando-se
as duas menções acima (p.454), não temos registro da estada de um troveiro
em Portugal; mas vários portugueses foram à França, para estudar ou por
motivos políticos. Assim, em 1211, o príncipe Fernando fugiu do seu ir-
mão Afonso II (1211-1223) para a sua tia, a Condessa Matilde de Flandres,
desposando Joana de Flandres e regressando a Portugal em 122627. Domin-
gos Anes Jardo, chanceler do rei D. Denis, fora educado na França e obtivera
o diploma em lei canônica em Paris28. Estudantes de medicina iam a
Montpellier29. Bem mais importante, porém, para o nosso propósito é o
fato de, em 1238, se não já antes em 122930, Afonso, irmão de Sancho II, ter
ido para junto da sua tia Blanca de Castela, então rainha regente da França,
casando-se no mesmo ano com Matilde, Condessa de Bolonha. Durante a

25
A Sra. Vasconcelos (loc. cit., p. 173, nota 3) menciona mais dez trovadores que teriam visitado
Afonso X ou lhe dedicado poemas; em relação à maior parte deles, contudo, a ilustre estudiosa
portuguesa está equivocada. Nem mais velho nem mais jovem, Bertran de Born poderia ter sido
contemporâneo de Afonso X (cf. Diez, Leben und Werke 2 , pp. 148 e 425; Milá y Font., loc. cit.,
p. 117). Do último, temos um sirventes relativo a João Sem Terra (Rayn., Choix, IV, p. 199) e
uma tensó com Dalfi d’Alvergne (Bartsch, Grundriss, p. 119, 7). Peire Vidal esteve ativo entre
1170-1215 (cf. Diez, Leben und Werke2, op. cit., p. 125) e nenhum dos seus poemas se refere a
Afonso X (cf. Bartsch, na sua edição de Peire Vidal, p. 15.). Uc de Escaura foi um contemporâ-
neo de Vidal, a quem se dirige no único poema que dele possuímos (Rayn., Choix, op. cit.,
V, p. 220). Paulet de Marselha, tanto quanto se sabe (cf. Diez, Leben und Werke2, op. cit., p. 473;
Milá y Font., loc. cit., p. 241), não visitou a corte castelhana e, entre os seus sete poemas conser-
vados, nenhum é dedicado a Afonso, apenas um (“Ab merrimen”) mencionando-o, em conexão
com a prisão do Príncipe Henrique. Bartolomé Zorgi, finalmente, que a Sra. Vasconcelos (loc.
cit., p. 178) apresenta como tendo estado na corte castelhana em 1269, estava cativo em Gênova
de 1266 a 1272. Não há, até onde se sabe, nenhuma evidência de que tenha estado em Castela, e
em nenhum dos seus poemas há mais do que uma passagem onde se dirige ao rei Afonso, em
nome do seu cativo irmão D. Henrique (cf. Schultz, Zeitschr. VII, pp. 227-8).
26
Na minha edição da poesia lírica de D. Denis, Joam Ayras de Santiago é várias vezes (pp. XXXIII,
LXII, CXXXVIII nota 6 [neste volume, pp. 80, 108, 172 nota 535]) erroneamente mencionado
como um predecessor de D. Denis (vid., contudo, ibid., p. XL [neste volume, p. 86]). Em um dos
seus poemas (Canz. Vat., 553), parece aludir a Pedro o Cruel de Castela (1350-1369) e ao rei
português do mesmo nome.
27
Herculano, Hist. de Port., II, pp. 142-3.
28
Cf. Moura, p. XV do seu Cancioneiro d’ElRei D. Diniz.
29
Alude-se frequentemente à escola de medicina de Montpellier na poesia portuguesa da época:
por exemplo, Canz. Vat., 1116.
30
Herculano, loc. cit., p. 367.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

sua estada na corte francesa, juntaram-se a ele vários nobres portugueses,


que retornaram na sua companhia a Portugal em 1245. Figuras preeminen-
tes entre esses eram Gomes Viegas, Pedro Ourigues da Nobrega, seu filho
Joham Pires d’Avoym, Estevam Annes de Valladares e Ruy Gomes de
Briteyros31, os três últimos conhecidos por nós como poetas. Nos brilhan-
tes círculos da corte de Blanca de Castela, para quem Guillaume de Lorris
escrevera o celebrado Roman de la Rose (1237), Afonso e seus seguidores
devem ter ficado profundamente impressionados com a cultura literária da
França, e pode supor-se que muitos dos conceitos e das formas da poesia
francesa se tornaram conhecidos em Portugal por meio deles. Como um
exemplo dessa influência, podemos citar aqui a gesta de maldizer (Canz.
Vat., 1080), do português Affonso Lopes de Bayam, escrita na forma das
laisses monorimes das chansons de geste.
Pelo que se disse até aqui, pode-se ver que, tanto quanto se sabe, o
contato entre portugueses e trovadores e troveiros não teve lugar em Por-
tugal, mas em cortes estrangeiras e que, portanto, na maior parte dos casos,
não pode ter sido nem íntimo nem de longa duração. Deve-se a essa cir-
cunstância e às condições sociais e intelectuais materialmente diferentes
do ocidente da Espanha, que a escola lírica galego-portuguesa, embora
surgida a partir do exemplo criado pelos trovadores provençais, tenha rece-
bido os seus traços mais característicos não dos últimos, mas da poesia
popular nacional então florescente na Galiza e em Portugal32.
A simplicidade quase primitiva de forma e sentimento que essa
poesia popular comunicou à maior parte dos tipos poéticos adotados pela
escola literária nascente, o emprego predominante de composições de ape-
nas três estrofes curtas, nas quais é típica a expressão da mesma ideia em
três variações sinônimas33, não permitiram que os poetas portugueses ti-
vessem o espaço necessário para produzir as formas estróficas altamente
trabalhadas ou o desenvolvimento de pensamento da canção provençal. Se,
além disso, considerarmos que a ambição de imitação ou reprodução fiel
era estranha ao autor medieval; que a falta de individualidade, marcante no
conteúdo do grande corpus da poesia amorosa daquela época, torna extre-
mamente difícil e muitas vezes impossível retraçar um conceito que ocorra
em dois autores até à sua real origem; devemos, então, estar preparados
para não encontrar, na produção poética galego-portuguesa dos séculos XIII

31
Herculano, loc. cit., pp. 387-8.
32
Cf. Vasconcelos, loc. cit., p. 180.
33
Cf. ibid., pp. 153, 195; Lang, Das Liederbuch des Königs Denis, op. cit., pp. XLVI ss. e
CXXXV ss. [neste volume, pp. 90 ss. e 170 ss.]

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Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

e XIV, o número de imitações mais ou menos fiéis dos originais provençais


que a poderosa influência exercida pela poesia dos trovadores na literatura
de outras nações poderia levar-nos a esperar, e cuja existência na lírica
cortês da França do Norte foi demonstrada por Paul Meyer34 e A. Jeanroy35.
Um exame mais cuidadoso dos três cancioneiros a nós agora aces-
síveis e, especialmente, das formas narrativas e satíricas neles contidas
deverão levar, contudo, à descoberta de não poucas composições cujo ori-
ginal provençal ou francês seja mais ou menos claramente reconhecível,
como se pode deduzir dos poucos exemplos que se seguem36.
Logo em seguida à passagem reproduzida no começo deste artigo,
Diez cita parte destas duas estrofes de um poema de Martim Soares (Tro-
vas, nº. 54 = CB., 151):

Desta coyta en que me vos teedes


en que oj’ eu vivo tam sem sabor,
que farei eu pois me vos nom creedes?37
que farey eu cativo pecador?
que farey vivendo sempre ssy?
que farei eu que mal dia nacy?
que farei eu poys me nom valedes?

E poys que des nom quer que me valhades,


nem queirades mha coita creer,
que farey eu, por des que mh o digades?
que farey eu se logo nom moirer?
que farei eu se mays a viver ey?
que farei eu que conselh’ i nom ey?
que farei eu que vos desamparades.

Depois de observar que esses versos lembram a seguinte passa-


gem de Uc de S. Circ (Rayn., Choix, III, 330):

Que farai ieu, domna, que sai ni lai


Non puesc trobar ses vos ren que bo m sia?
Que farai ieu, qu’a mi semblon esmai
Tug autre joy, si de vos no’ls avia?
Que farai ieu, cui capdella e guia

34
Romania XIX , pp. 14 ss.
35
De Nostratibus medii aevi poetis qui primum lyrica Aquitaniae carmina imitati sint. Paris, 1889.
36
Algumas dessas correspondências estão indicadas em minha edição das cantigas de D. Denis.
37
O verso falta em CB.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

La vostr’ amors, e m siec e m fug e m pren?


Que farai ieu, qu’autre joy non aten?
Que farai* ieu, ni cum poirai guandir,
Si vos, domna, no m voletz aculhir?

Diez conclui: “Mas os pensamentos vinculados ao lamento profundo são


outros, salvo, em certa medida, o pois me vos non valedes corresponder ao
provençal si vos no m voletz aculhir”.
Ainda, além do fato de que o tom dos dois poemas é essencialmen-
te o mesmo, a repetição regular das palavras que farey em ambos, no começo
de tantos versos, deixa poucas dúvidas de que um tenha servido de modelo
ao outro. Esse mesmo Martim Soares, que foi contemporâneo de Uc de S.
Circ e reconhecido como um dos melhores poetas portugueses38, usa o
mesmo artifício em outra cantiga (CB., 136), onde a maior parte dos versos
na primeira e na última estrofes começa com a negativa nem. De forma
semelhante, Aimeric de Pegulhan (Rayn., Choix, III, p. 429) começa cinco
versos da quarta estrofe com ni. Em ambos os casos, o poeta queixa-se da
crueldade da sua dama. O mesmo começo encontra-se nas três primeiras
estrofes de um poema de Peire Cardinal (Rayn., Choix, III, 438-9) que
(ibid., IV, 341-2) repete a conjunção e nas duas primeiras estrofes, como o
faz Martim Soares em CB. 131. Como esses poetas provençais estavam
ativos no tempo em que Martim Soares começou sua carreira poética, não
estaremos muito errados em supor que os encontrou em uma das cortes
peninsulares que visitaram39. Que Peire Cardinal, de cuja visita a Leão ou
Castela não temos nenhum registro, exerceu alguma influência sobre os
poetas portugueses, demonstra-se por um sirventes de Martim Moxa40 que,
como se pode ver pelos trechos seguintes, corresponde muito proxima-

* Por óbvia gralha, o texto impresso traz “que farcei ieu”. (N.E.)
38
Cf. a rubrica acima de CB., 116; e Lang, loc. cit., p. XXX [neste volume, p. 77, nota 86]
39
Cf. também Raimbaut d’Aurenga, Rayn., Choix, V, p. 401.
40
O seu nome é assim regularmente transcrito no Índice de Colocci (Canz. Vat., p. XXI), bem
como à testa das suas composições. Sem nos dar suas razões, a Sra. Vasconcelos (loc. cit., p. 190)
chama-o M. de Moxa e atribui-lhe a data 1330. Numa cantiga de escarnho de Joam de Gaya
(Canz. Vat., 1062), lemos: Comede migu’ e dar-vos-ey cantares de Martin Moxa. A inserção do
de violaria o metro. Numa de suas composições (Canz. Vat., 503), M. Moxa censura um certo
Maestr’ Açenso, que por razões egoístas se unira à facção do rei e estava interessado na entrega
de um castelo. Isso parece aludir à luta entre Sancho II e seu irmão Afonso e à entrega, por
traição, de alguns lugares fortificados ao último, o que constitui o assunto de um certo número de
composições satíricas (por exemplo, Canz. Vat., 1088, 1090, 1183; CB., 434). Na ausência de
qualquer prova em contrário, pareceria portanto mais seguro colocar Martin Moxa no segundo
quartel do século XIII.

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Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

mente, em forma como em assunto e expressão, a um poema desse trova-


dor provençal, especialmente celebrado por suas canções satíricas:

Vej’ avoleza
maleza
per sa soteleza
o mundo tornar.
Ja de verdade
nem de lealdade
nom ouço falar;
ca falsidade
mentira e maldade
nom lhis dan logar.
...........................
Vej’ achegados
loados
de muitos amados
os de mal dizer.

Tant es viratz
Lo mons en desmezura
Que falsedatz
Es en luec de drechura,
E cobeitatz
Creys ades e melhura,
E malvestatz
Es en luec de valor
E pietatz
At d’ hoste sofrachura,
E caritatz
Fai del segle clamor,
E es lauzatz
Qui de dieu non a cura,
E pauc prezatz
Qui vol aver s’ amor41.

Acrescente-se a isso uma passagem de outro poema de Peire Cardinal:

Falsedatz e desmezura
An batalha empreza
Ab vertat et ab dreytura,

41
Canz. Vat., 481; Rayn., Choix, IV, 350.

463

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 463 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E vens la falseza;
E deslialtatz si jura
Contra lialeza;
E avaretatz s’ atura
Escontra largueza42.

Tanto no assunto como no estilo, o seguinte motet francês (Romania


VII, p. 101) revela grande semelhança com as passagens recém-citadas:

Ne sai ke je die,
Tant voi vilonnie
Et orgueil et felonnie
Monter en haut pris.
Toute cort (r) esie
S’ en est si fuie
K’ en tout cest siecle n’a mie
De bons dis, etc.

Um poema humorístico, no qual o mesmo trovador descarta o amor,


começa: Ar mi pues ieu lauzar d’ amor43. Esse verso abre uma cantiga de
amor de Martin Moxa (Canz. Vat., 476): Amor, de vos ben me posso loar, e
também o lai de Tristan e Iseu, CB., 1:

Amor, des que m’ a vos cheguey


Bem me posso de vos loar44.

Muitos poetas líricos medievais lançam uma nota de aviso e quei-


xa contra os falsos amadores, o trichador, lausengier, em português
maldizente (Canz. Vat., 635) ou dizedor (Canz. Vat., 523)45. Esse tema é
tratado pelo português Joham Baveca (Canz. Vat., 699):

Os que non amam nem sabem d’ amor,


fazem perder aos que amor am.
Vedes porque: quand ‘ ant’ as donas vam,
Juram que morrem por ellas d’ amor;

42
Rayn., Choix, IV, 338.
43
Rayn., Choix, III, 438.
44
Cf. Jeanroy, Origines de la poésie lyrique en France, p. 316.
45
O sentido redegewandter, witziger kopf [pessoa eloquente, espirituosa (N.E.)], que a Sra. Vas-
concelos (loc. cit., p. 195) atribui a essa palavra, não se justifica pelo contexto do poema por ela
citado. Dizedor é claramente usado no sentido de maldizente.

464

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 464 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

e elas sabem poys que nom é sy.


E por esto perz’ eu e os que ben
lealmente amam segundo meu sen.
.............................................................

E aqueles que ia medo nom am


que lhis faza coyta sofrer amor,
veen ant’ elas e juram melhor
ou tam bem come os que amor am.
E elas nom sabem quaes creer
E por esto, etc.

Isso traz-nos à lembrança Mathieu de Gand46:

Dame, ceus qui sont faus dedens


Et blanc dehors, ne creez mie;
Lor parole n’ est fors que vens,
Car là on cuide cortoisie,
N’ a à la fois fors trecherie;
Legierement croire est folie,
Car teus dira à la foie:
“Dame, morir croi por vos eus,”
Qui point n’iert d’amors souffraiteus.47

Assim diz Albertet (Herrig, Archiv, 34, 375):

Li tricheor qi sen fegnent damar


Font les leials agran dolor languir
Et les dames en font mult ablasmar
Car amet cels qes gabent al partir
Donc sui ie fols qan ie ne sai fausar
Ne pois uiuer mon dannaie ni plaigna
Douza dame freit glaiues uos estaigna
Si me faites de parfont sospirer.

e Gaucelm Faidit48:

Las falsas e’ l trichador


Fan tan que’ l fin preyador

46
Scheler, Trouvères belges... Bruxelas, 1876, p. 131.
47
Cf. também Quenes de Bethune, Scheler, loc. cit., p. 19; Gilebert de Berneville, Mätzner, Altfrz.
Lieder, nº. XXXI.
48
Rayn., Choix, III, 296.

465

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 465 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

An pois dan en lur baratz;


Qu’ aital es preyars tornatz
Tot per doptansa de lor,
Que l’us en l’autre no s fia49.

Outro assunto favorito da poesia amorosa medieval é a necessida-


de de moderação, de medida, mesura, para todo verdadeiro amante, fis amics.
Essa doutrina é o tema de dois poemas portugueses, um de Joham Ayras de
Santiago (Canz. Vat., 541) e o outro de D. Denis (Canz. Vat., 208). Trans-
crevo aqui o último, por ser o mais característico:

Pero muito amo, muito nom desejo


aver da que amo e quero gram bem,
porque eu conheço mui entom e vejo
que de aver muito a mim nom me vem
tam gram folgança que maior nom seja
o seu dano d’ ela; [e] quem tal bem deseja,
o bem de sa dama em mui pouco tem:

Mais o que nom é e seer pod[e]ria,


se fosse assi que a ela veesse
bem do meu bem, [é que?] eu desejaria
aver o maior que aver podesse.
ca pois a nos ambos tiinha50 proveito
tal bem desejado, faria dereito,
e sandeu seria quem o nom fezesse.

E quem d’ outra guisa tal bem [desejar],


nom é namorado, mais é sem razom51,
que sempre trabalh’ i por cedo cobrar
da que nom servio, o moor galar[dom];
asi52 e de tal amor amo mais de cento,
e nom amo ua de que me contento
de seer servidor de boom coraçom;

Que pois me eu chamo e sõo servidor


gram treiçom s[er]ia se minha senhor
por meu bem ouvesse mal, ou semrazom.
E quantos bem amam, assi o diram.

49
Cf. Bern. de Ventador, Choix, III, 85. Daude de Pradas, [Rochegude] Parnasse occit., p. 86.
50
hi bisuha ] Canz. Vat.; viinha], CB.
51
l. s. from ] Canz. Vat., + ] CB. [sic., CV., na verdade, traz: he from. (N.E.)]
52
da hi ] Canz. Vat., dam ] CB.

466

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 466 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Como se verá, várias passagens dessa composição concordam com


partes de um sirventes de Guilherme de Montagnagout (Archiv, de Herrig,
XXXIV, pp. 200-1), em cuja conclusão esse trovador elogia o seu protetor,
Afonso X:

Nuills hom noual ni deu esser presatz


si tant qant pot en valor no senten
Com deu valer segon qes sa rictatz
O sauida uoules mas aunimens
Doncs qui ben uol auar ualor ualen
Aia enamor son cor es esperanssa
Caramors fai far rics faitz dagradanssa
Efai uiure home adrechamen
E dona ioi etol tot marrimen.

Mas eu non teing que sia enamoratz


Cel qad amor uai ab galiamen
Car non ama ni deu esser amatz
Cel que sidonz prec de nuill faillimen:
Camans non deu uoler per nuill talen
Faich quasidonz tornes adesonranssa,
Camors non es res mas aisso cauaussa
So que ama eil uol ben leialmen
Eq in qier als lo nom damor desmen.

Pero anc mi nom sobret uoluntatz


Tant qieu uolgues nuill faich descouinen
Dela bella acui me sui donatz
Nim tenria nuill plazer per plazen
De ren calieis tornes auilimen
Nim poiria perren dar benananssa
De so calieis tornes amalestanssa
Car fis amics deu gardar perun cen
Mais de sidonz qel sieu enantimen.

Mas amans dreitz non es desmesuratz


Enans ama amesuradamen
Car entrel trop elpauc mesura aiatz
Estiers non es mesura so enten
Anz notz chascun aman ecar noi men
Segur estei e fraigna falsa usansa
Qeil fals aman menon la falsa amanssa
Car qui dreich sec dieus tot ben li cossen
Otart otemps siuals al finimen.

467

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 467 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

É mais provável, porém, que algum outro poema provençal ou fran-


cês, desconhecido de nós, tenha inspirado o poema do rei português53.
Um dos poetas portugueses mais originais, D. Joham Garcia de
Guilhade, assegura à dama do seu coração que prefere viver e continuar a
sofrer sua angústia a ser libertado dela pela morte54:

Quantos am gram coyta d’amor


e-no mundo qual oj’ eu ey,
querriam moirer, eu o sey,
e averiam en sabor.
Mais mentr’ eu vos vir, mha senhor,
sempre m’ eu querria viver
e atender e atender55.

Thibaut de Champagne (ed. Tarbé, 23, 15) professa o mesmo sen-


timento de maneira notavelmente semelhante:

Chascuns dist qu’ il muert d’ amors,


mais je n’ en quies ja morir.
Miex aim sofrir ma dolors,
vivre, et atendre, et languir56.

Vaasco Praga, de Sandim, declara em uma de suas cantigas


(CB., 73) que apenas um louco confia em mulher:

E creo que fará mal sen


Quem nunca gran fiuz’ ouver
En mesura d’ outra molher,

e o mesmo pensamento é desenvolvido num poema de Joham Lopes


d’ Ulhoa (CB., 294):

Mays foym’ ela ben falar e rijr


E falei-lh’ eu e non a ui queixar
nen se queixou porque a chamey senhor.

53
Sentimentos semelhantes são expressos por Aimeric de Sarlat (Choix, III, 386), Jehans le Fontaine
de Tournai (Mätzner, Altfrz. Lieder, nº. XXVIII), Gilebert de Berneville (ibid., nº. XXXI), e por
poetas italianos, como Ranieri di Palermo (Nannucci, Manuale, I, pp. 51-2 etc.)
54
Canz. Vat., 36.
55
Cf. Pae Gomes Charinho, Canz. Vat., 393.
56
Cf. Aubouin de Sezanne, Wackernagel, Altfrz. Lieder u. Leiche, nº. 12. – Cf. Jeanroy, Origines
etc., pp. 318-319.

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Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

E poys que me vyo muj coitado d’ amor,


prougue-lhi muyt’ e non m’ ar quis catar.

Não teriam os versos recém-citados sido sugeridos por uma passa-


gem tal como a seguinte, de Quenes de Bethune (Scheler, loc. cit., p. 19)?:

Fous est et gars qui a dame se torne,


Qu’ en lor amor n’ a point d’ afiement:
Quant la dame se cointoie et atorne,
C’ est pour faire son povre ami dolent.

Rodrigu’ Eannes de Vasconcellos, um dos mais antigos poetas líricos


portugueses, relata-nos (CB., 314) um diálogo entre ele mesmo e sua amada,
que, tendo sido colocada num convento, consola o amante, dizendo-lhe que é
freira somente na aparência, não no coração. A primeira estrofe, de que as
outras duas são apenas graciosas variações, pode servir como ilustração:

Preguntey hua don[a] en como vos direy:


– Senhor, filhastes orden, e ja por en chorey.
Ela entom me disse: Eu non vos negarey
De com’ eu filhei ordem, assy deus mi perdom:
Fez mh a filhar mha madre; mais o que lhe farey:
Trager-lh’ [ei] eu os panos, mays nom o coraçom.

Essa é uma variação tardia da assim chamada “cantiga de freira”,


uma sub-espécie da cantiga de mulher que, como observa Jeanroy57, foi
muito comum na poesia lírica francesa da Idade Média, e da qual se encon-
tram vestígios nos tempos modernos. Da França, essa forma poética passou
para a Itália58 e, supõe-se, também para Portugal. Se for assim, o poema em
questão comprova uma vez mais que a importação de certos tipos de canti-
ga de mulher da França para Portugal não teria começado, como o quer
Jeanroy59, com o retorno de Afonso, conde de Bolonha, ao seu país natal
em 1245, mas já no começo do século XIII. Embora eu não conheça ne-
nhuma “cantiga de freira” estrangeira que pudesse servir de modelo ao
nosso poema, considerei adequado chamar a atenção para ele aqui, uma
vez que é o único representante desse tipo nos cancioneiros portugueses60.

57
Origines de la poésie lyrique, p. 189.
58
Cf. Jeanroy, loc. cit., p. 191.
59
Loc. cit., pp. 337 ss.
60
Uma alusão ao mesmo assunto é feita, contudo, por D. Joam de Guylhade, Canz. Vat., 37.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 469 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Pedramigo de Sevilha, um jogral andaluz que, como vimos (cf.


supra, p. 457), esteve na corte de Afonso X, onde sem dúvida conheceu
Guiraut Riquier, é o autor de uma pastourelle na mais refinada forma lite-
rária, tal como era cultivada na poesia áulica da França, da Provença e da
Itália61. Numa romaria a Santiago encontra, narra-nos ele, a mais formosa
donzela que já vira. Pede-lhe que o aceite como amante, oferecendo-lhe
qualquer presente que ela possa desejar. Ela responde-lhe que, aceitando os
seus dons, poderia eventualmente ser causa de sofrimento para outra mu-
lher, que então a recriminaria por lhe ter tirado o amante. Se não fosse por
esse temor, continua ela, poderia não se recusar a aceitar suas atenções. O
poeta consegue, então, persuadi-la a ceder aos seus rogos.
Há uma pastourelle francesa que, embora tenha a forma de diálo-
go puro, com as personagens típicas características desse gênero de poesia
francesa, se assemelha tão de perto à composição de Pedramigo, no desen-
volvimento das ideias e na conclusão, que fico tentado a suspeitar que este
a tivesse conhecido.

Quand’ eu hun dia fuy en Compostella


en romaria, vi huna pastor
que poys fuy nado, nunca vi tam bela;
nen vi a outra que falasse milhor.
E demandilhe62 logo seu amor,
e fiz por ela esta pastorela.

Dix’ eu logo: [Mha] fremosa donzela,


queredes vos mim por entendedor?
que vos darey boas toucas d[e] Estela,
e boas cintas de Rrocamador,
e d’ outras doas a vosso sabor,
e fremoso pano pera gonella.

E ela disse: Eu nom vos63 queria*


por entendedor, ca nunca vos vi
se nom agora, nem vos filharia
doas que sey que nom som pera mi

61
Cf. Jeanroy, Origines, pp. 129-134 etc.
62
Demandi = demandei. Vid. Cornu, Grundriss der rom. Philologie, I, p. 802, nota 2.
63
Nos ] Canz. Vat.
* Por óbvia gralha, os dois primeiros versos dessa estrofe seguem, no original, imediatamente
depois do último da estrofe anterior. (N.E.)

470

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 470 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Pero cuid’ eu se as filhass’ assi,


que tal a no mundo a que pesaria.

E se veess’ outra, que lhi diria,


se me dissesse ca: Per vos perdi
meu amigu’ e doas que me regia?
Eu nom sey rem que lhi dissess’ aly.
Se non foss’ esto de que me tem’ i,
nom vos dig’ ora que o nom faria.

Dix’ eu: Pastor, ssedes bem rrazoada,


e pero creede, se vos nom pesar,
que non est oj’ outra no mundo nada,
se vos nom sedes que eu sabha amar;
e por aquesto vos venho rogar
que eu seja voss’ ome esta vegada.

E diss’ ela come bem ensinada:


Por entendedor vos quero filhar,
e pois for a rromaria acabada,
aqui du sõo natural do Sar,
cuido se me queredes levar,
ir-m’ey vosqu’ e fico vossa pagada64.

“Trop volontiers ameroie,


ancor soie je bergiere,
se loial ami trovoie.”
“he belle, oies ma priière:
je vos ain pres a d’un mois.”
“he biaus Guios, tien toi cois,
car je conois bien t’amie:
ne me moke mie.”

“Marot, j’ ai, se deus me voie,


toute autre amor mis arriere.
por toi li mes cuers s’otroie.”
“et ke dirait Geneuiere
ke tu baisas ier trois fois?”
“ce ne fu fors que esbanois.

64
Canz. Vat., 689.

471

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 471 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

douce gorgete polie,


ne me moke mie.”

“Guiot, se je le cuidoie,
mon chapelet de fouchiere –
par fine amour te donroie.”
“Marot, je t’ ain par Saint Piere
plus ke tot celles d’Artois.”
“he, Guiot, se tu m’ an crois,
dont moinrons nos bone vie:
ne me mocke mie.”

“Marot, blanche corroie


te donroie et aumoniere
volontiers, se je l’ avoie.”
“Guiot, ta belle maniere
ma fait ke t’ains, c’ est bien droi.”
“Marot, c’ est un dous otrois,
si que mes cuers t’ an mercie,
ne me mocke mie.”

“Guiot, laisse dont la proie,


si alons an la bruiere
faire ceu c’ amors nous proie.
trop plus bel fait a l’ oriere
de ces pres selons ces bois.
alons i dont, cuers adrois:
je sui tous an ta bailie.
ne me mocke mie.”65

Jeanroy66 já chamou atenção para a notável correspondência entre


o seguinte refrão, que ocorre numa cantiga de D. Joham de Guylhade (Canz.
Vat., 30):

Os olhos verdes que eu vi,


me fazem ora andar assi,

e um do Châtelain de Saint-Gilles:

En regardant m’ ont si vair oil


doné les maus dont je me dueil.

65
Bartsch, Romances et pastourelles, pp. 166-7.
66
Origines, p. 329.

472

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Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Uma correspondência semelhante existe entre o refrão, Canz. Vat.,


1062:

Vos avede-los olhos verdes,


e matar-m’ edes con eles,

e um refrão em Raynaud, Motets, I, 75:

Quar bien croi que je morrai


Quant si vair oel traï m’ ont67.

O mesmo poeta, que trata as heroínas das suas cantigas de amigo


de maneira muito própria, apresenta pela boca de uma das suas donzelas
uma queixa sobre o declínio do amor e da poesia em Portugal. Como se
sabe, esse era um tema favorito entre os poetas corteses do século XIII
(Canz. Vat., 370):

Ay amigas, perdud’ an conhocer


quantos trobadores no reyno son
de Portugal: ja nom am coraçom
de dizer bem que soyam dizer,
e sol nom falam em amor,
e al fazem de que m’ ar é peor:
nom querem ja loar bom parecer.

Eles, amigas, perderom sabor


de vos veeren; ar direy vos al:
Os trobadores ja vam pera mal:
nom ha i tal que ja servha senhor
nem sol trobe per hua molher.
Maldita seja quem nunca disser
a quem nom troba que é trobador.

Mais, amigas, conselho a d’ aver


dona que prez e parecer amar;
atender temp’ e nom se queixar,
e leixar ja a vo-lo tempo perder.
ca ben cuyd’ eu que çedo verrá alguem
que se paga da que parece bem,
e veeredes ced’ amor valer.

67
Cf. Jeanroy, loc. cit.

473

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E os que ja desemparados som


de nos servir, sabud’ é quaes som;
leixe os dês maa mor[te] prender68.

A ideia principal dessa composição pode ter derivado de passa-


gens como as seguintes:

Thibaut de Champagne (Tarbé, 98):

Philippe, je vous demant


Ce qu’ est devenue amors.
En cest païs ne aillors
Ne fait nus d’ amer semblant,
Trop me mervoil durement
Quant ele demeure ainsi.
J’ ai oï
Des dames grant plaint
Et Chevaliers en font maint.

Quenes de Bethune (Scheler, I, p. 18):

Ja fu tels jors que les dames amaient


De leal cuer sans faindre et sans fausser,
Et chevalier large qui tout donnaient
Por pris et los et par amors amer;
Mais or sont il eschar, chiche et aver,
Et les dames qui cortoises estoient,
Ont tot laissié por apenre à borser;
Morte est amors et mort cil amoient.

A queixa expressa no fim da primeira estrofe de D. Joam de


Guylhade, isto é, que o reconhecimento e o elogio da beleza feminina ti-
nham desaparecido do mundo, uma queixa a que o mesmo poeta dedica
toda uma cantiga d’amigo, foi muito provavelmente sugerida por um re-
frão francês sem dúvida familiar (Bartsch, Romances et Pastourelles, 10):

Tout li amorous se sont endormi:


Je suis belle et blonde, si n’ ai point d’ ami.

68
Semelhantes variações literárias do tipo tradicional de cantiga de mulher encontram-se nas bala-
das de John Gower (Stengel, Ausgaben und Abhandlungen, LXV, pp. 14-5).

474

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Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

E se o nosso poeta termina desejando mal àqueles que se afasta-


ram do amor, pode ser que tivesse em mente um dos vários refrães franceses,
expressando o mesmo sentimento (Bartsch, loc. cit., p. 200):

Margueron, honie soit


Qui de bien amer recroit69.

A primeira estrofe de uma pastourelle de D. Joam d’Aboym tem


tamanha semelhança com uma de Guiraut de Bornelh, que nos leva a sus-
peitar que o poeta português a teria imitado. Como o seu predecessor
provençal, conta-nos que um dia, durante uma viagem, foi atraído pelo
canto de três donzelas que lamentavam o declínio do verdadeiro amor70
(Canz. Vat., 278):

Cavalgaua noutro dia


per hun caminho frances,
e huna pastor siia71
cantando con outras tres
pastores, e non vos pes,
e direy-vos toda uya
o que a pastor dizia
aas outra[s] en castigo:
nunca molher crea per amigo,
poys ss’ o meu foy e non falou migo.

Mahn, Werke, I, 206:

Lo dous chans d’ un auzelh


Que chantav’ en un plays
Me desviet l’ autr’ ier
De mon camin, e m trays.
E justa ‘l plaissaditz,
On fon l’ auzels petitz,
Planhion en un tropel
Tres tozas en chantan
La desmezur’ e’l dan
Qu’ an pres joys e solatz.

69
Refrães semelhantes encontram-se em Jeanroy, Origines etc., p. 395; e G. Paris, Origines de la
poésie lyrique en France au moyen âge, p. 55.
70
Cf. Jeanroy, ibid., p. 133.
71
Canz. Vat. ] sua.

475

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 475 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Uma das qualidades essenciais do verdadeiro amante é a discrição.


Não deve deixar que ninguém saiba quem é a dama do seu coração. Esse
princípio é o assunto de várias cantigas portuguesas. Assim, diz Fernam
Gonçalves de Seabra (CB., 337):

Muitos vej’ eu que con mengua de sen


am gram sabor de me dizer pesar;
e todo-los que me veen preguntar:
qual est a dona que eu quero ben,
vedes que sandec’ e que gram loucura:
nem catam deus nen ar catam mesura,
nem catam mi a quem pesa72 muit’ en.

Nen ar catan como perden seu sen


os que m’ assy cuidam a enganar,
e [que] non o podem adevjnhar.
Mais o sandeu quer diga mal quer ben,
e o cordo dirá sempre cordura:
des y eu passarey per mha ventura,
mais mha senhor non saberam per ren etc.

Isso lembra uma estrofe de Arnaut de Maruel (Mahn, Werke, I,


p. 158):

Aitan se pert qui cuia plazers dire


Ni lausengas per mon cor devinar,
Qu’ atressi ben e mielhs m’ en sai defendre,
Qu’ ieu sai mentir e remanc vertadiers;
Tal ver y a qu’ es fals e messongiers;
Car qui dis so per qu’ amor avilzis,
Vas si dons ment e si mezeis trahis.

A maneira como se expressa Martim Soares lembra-nos uma pas-


sagem em Thibaut de Champagne (CB., 133):

Muitos me veem preguntar,


mha senhor, a quem quero bem,
e nom lhis quer’ end’ eu falar
con medo de vos pesar em,
nem quer’ a verdade dizer,

72
Queor pela] CB., quo pesa] CV.

476

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 476 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

mais juro e faço-lhis creer


mentira por vo-lhis negar.

E por que me veem coitar


do que lhis nom direi por rem,
ca m’ atrev’ en vos amar;
e mentr’ eu nom perder o sem,
nom vos en devedes a temer,
ca o nom pod’ ome saber
por mim se nom adevinhar.

E se por ventura assi for


que m’ er pregunten des aqui
se sodes vos a mha senhor
que am’ e que sempre servj:
vedes como lhis mentirei:
d’ outra senhor me lhis farei
ond’ aia mais pouco pavor73.

Thibaut de Champagne (Tarbé, p. 45):

Aucuns i a, qui me suelent blamer


Quant je ne di à qui je suis amis,
Mais ja, Dame, ne saura mon penser
Nus, qui soit nés, fors vous qui je le dis
Couardement, à pavours, à doutance:
Dont puestes vous lors bien à ma semblance
Mon cuer savoir.

A última estrofe da peça portuguesa pode ser comparada a uma de


Uc de Brunet (Choix, III, p. 317), onde o poeta também diz que, a fim de
ocultar o seu verdadeiro amor, pretenderá amar outra:

Ja lausengier no l’ en fasson duptansa,


Qu’ ieu n’ ai vas els pres engienh et albire,
Qu’ ieu bais los huelhs, et ab lo cor remire,
Et en aissi cel lur ma benenansa,
Que nulhs no sap de mon cor vas ont es,
Ans qui m’ enquier de cui se fenh mos chans,

73
O mesmo começo e desenvolvimento geral da ideia encontram-se numa composição de Pero
d’ Armea (Canz. Vat., 677).

477

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 477 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Als plus privatz estau quetz e celaus,


Mas que lor fenh de so que vers non es.

O pensamento central de um poema de D. Joam d’Aboym (Canz.


Vat., 279), o fiel Chanceler de Afonso III, e um dos partidários desse prín-
cipe durante a sua estada na França, está contido no refrão:

Nom sabem tanto que possam saber


qual est a dona que mi faz morrer.

Ele corresponde a um refrão francês certamente popular, que ocor-


re em Baudouin de Condé (ed. A. Scheler, v. 2991):

Ja par moi n’iert noumée


Cele cui j’ ai amée.

Numa cantiga d’amigo de Joam Lopez de Ulhoa (Canz. Vat., 300),


uma donzela lamenta ter perdido o seu amigo por obstinação e resolve
ceder-lhe aos desejos, se ele retornar:

Ja eu sempre mentre uyua


for, uiuerey mui coytada
por que se foy meu amigo
e fui eu hy muit’ errada74,
por quanto lhi foy sanhuda
quando se de mi partia.
Par deus, se ora75 chegasse,
co el muy leda seria.

E tenho que lhi fiz torto


de me lh’ assanhar doado
pois que mh o nom merecéra76,
e foy-sse por en coitado;
por quanto lhi fui sanhuda etc.

El de pran que esto cuyda


que está77 migo perdudo;

74
Canz. Vat. ] mui cerrada.
75
Canz. Vat. ] se ora se ora.
76
Canz. Vat. ] m’cera.
77
Canz. Vat. ] est.

478

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 478 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

ca se non, logo verria;


mais por esto m’ é78 sanhudo79,
por quanto lhi fui sanhuda etc.

O tema dessa cantiga, especialmente no refrão, lembra muito uma


chanson de femme do antigo francês, cujas duas primeiras estrofes se se-
guem80:

Lasse, por quoi refusai


celui qui tant m’ a amée?
Lonc tens a a moi musé
et n’i a merci trouvée.
Lasse, si trés dur cuer ai!
Qu’ en dirai?
Forsenée
fui, plus que desvée
quant le refusai.
G’ en ferai
droit a son plesir,
s’ il m’ en daigne oir.

Certes, bien me doi clamer


et lasse et maleürée
quant cil ou n’ a point d’ amer
fors grant doucor et rosée
tant doucement me pria
et n’ i a
recouvrée
merci: forsenée
fui quant ne l’ amai.
G’ en ferai etc.

D. Affonso Sanches, um filho natural do rei D. Denis, canta (Canz.


Vat., 17):

Muytos me dizem que servi doado


huna donzela que ey por senhor.
Dize-lo podem, mais, a Deus loado,

78
Canz. Vat. ] estome.
79
Observe-se que nesse poema o tetrâmetro catalético trocaico quebra-se em dois versos curtos,
uma forma que ocorre cerca de trinta vezes nos nossos cancioneiros e, como é bem sabido, nas
Cantigas de Santa Maria, de Afonso X.
80
Publicada por Jeanroy, Origines etc., p. 501, nº. XXI.

479

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 479 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

poss’ eu fazer quen quiser sabedor


que non é ssi, ca, se me venha ben,
non é doado pois me deu por en
muy grand’ affam e desej’ e cuidado.

A ideia aqui expressa, de que o sofrimento é a recompensa do amor,


é um tema favorito dos trovadores provençais. Assim, Richard de Berbezill
(Mahn, Werke, III, p. 36) diz:

Qu’ Oviditz ditz en un libre, e no i men,


Que per sofrir a hom d’ amor son grat.

E Perdigon (Rayn., Choix, III, p. 344):

Ben aiol mal e l’ afan el cossir


Qu’ieu ai sufert longamen per amor,
Quar mil aitans m’ en an mais de sabor
li ben qu’ amors mi fai aras sentir81.

O mesmo trovador português afirma que a beleza da sua senhora é


tal que, se alguém a encontrasse no inferno, a alegria de vê-la fa-lo-ia es-
quecer todos os seus sofrimentos (Canz. Vat., 22):

Sabedor
soo d’atanto, par Nostro Senhor,
que s’ ela uir e o seu bem pareçer,
coita nen mal outro non poss’ auer
e-no inferno se con ela for;
desy sey que os que jazem alá,
nenhu[u] delles ia mal non sentirá,
tant’ aueram de a catar sabor.

A mesma imagem, apenas com mais detalhes, tinha sido desenvol-


vida antes de D. Affonso Sanches por um poeta francês, Gautier d’Espinaus
(Archiv de Herrig, XLIII, 299):

Je seux ensi con cil ki est ou feu,


ou les armes sen uont por espurgier,
Ki airt toz uis et si ne sent dolor,
por la grant ioie kil en atent du ciel.
Por moi lo di ien souffre grant tristor,

81
Bartsch, Romances et pastourelles, III, 33.

480

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 480 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Kensi pens ieu a sa tres fine amour,


Ke iai tous mals oblieis
ie ne me plaing pais des mals,
si mont greueit
por la grant ioie ou ie bei.

D. Fernam Paaez, de Tamalancos na Galiza, despede-se da sua se-


nhora, censurando-a pela indiferença e infidelidade (Canz. CB., 48):

Con vossa graça, mha senhor


fremosa, ca me quer’ eu ir;
e venho me vos espedir
por que me fostes traedor.
Ca avendo-mi vos desamor
hu vos amey sempr’ a seruir,
des que uos ui, e des enton
m’ ouuestes mal no coraçon.

Quase da mesma maneira, canta um trovador provençal (Appel,


Provenz. Inedita, p. 294):

Tan fuy enves ma dona fis


que fina la trobei, senhors;
mas ara falh, sim brunezis,
per quieu m’en vau mudan alhors.

481

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 481 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga
poesia portuguesa e espanhola *

No seu estudo sobre o descort, publicado na Zeitschrift für


romanische Philologie XI, p. 212 ss., Appel chegou à conclusão de que as
assim chamadas ensaladas, únicas formas portuguesas e espanholas que
examinou em comparação com o descort provençal, não lhe eram direta-
mente relacionadas. Há, contudo, algumas composições espanholas e
portuguesas que são semelhantes, com maior ou menor proximidade, ao
tipo provençal: elas encontram-se exatamente no lugar ao qual mais natu-
ralmente nos voltamos, quando procuramos imitações dos modelos
provençais, isto é, nas obras das escolas líricas galego-portuguesa e gale-
go-castelhana.
Nas coletâneas da escola galego-portuguesa, há quatro composi-
ções que têm sido mencionadas, até agora, como espécimes do descort,
duas no Cancioneiro Colocci-Brancuti (nº. 135 e 470) e duas no Cancio-
neiro da Vaticana (nº. 481 e 963)1.
A primeira dessas peças (CB. 135 = nº. I do nosso texto) é da
autoria de Nuneannes Cerzeo, do qual nada sabemos, mas que foi
provavelmente um poeta do período mais antigo, pré-afonsino, se é possível
inferir algo do fato de as nove composições que dele temos estarem
colocadas no Cancioneiro entre as de Joam Soares Somesso e Pero Velho
de Taveiroos2. Tanto pela forma como pelo sentimento, o poema em questão,
que o próprio autor no último verso chama descordo, isto é, descort, é um

* “The Descort in Old Portuguese and Spanish Poetry”, in Beiträge zur romanischen Philologie:
Festgabe für Gustav Gröber. Halle: Max Niemeyer, 1899, pp. 484-506. (Reimpressão: Genebra:
Slaktine Reprints, 1975)
1
Vid. C. Michaëlis de Vasconcelos, em Grundriss der roman. Philol., II 2, p.193, e Das Liederbuch
des Königs Don Denis, p. CIX [Cancioneiro d’el Rei Dom Denis, neste volume, p. 147].
2
Cf. C. Michaëlis de Vasconcelos, em Zeitschr f. rom. Phil. XIX, p. 597.

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 483 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

bom representante do tipo provençal. Está criticamente editado no apêndice


da edição, a ser proximamente publicada, do Cancioneiro da Ajuda, da
Sra. Carolina Michaëlis de Vasconcelos*, a cuja gentileza devo o prévio
conhecimento das páginas do seu texto.
No que se refere à forma, este descordo pode ser dividido em dois
grupos principais de versos. O primeiro grupo, de 24 versos, constitui o corpo
principal da peça, e consiste de quatro estrofes de igual comprimento, mas
diferentes na ordem das rimas. As duas primeiras estrofes têm decassílabos
masculinos, com esquema rímico abcbac, sendo que apenas a primeira rima
é a mesma em ambas as estrofes. Nas duas outras estrofes desse grupo,
encontramos o esquema rímico deeffe, sendo que d é um endecassílabo
feminino3, e, um decassílabo feminino e f, um decassílabo masculino. Como
se verá, d é uma palavra perduda ou rima dissoluta. O segundo grupo, de 41
versos, divide-se em duas séries de estrofes que diferem quanto ao esquema
rímico e ao metro, e é seguido por uma fiinda ou tornada. Os versos são
todos masculinos. O esquema do primeiro grupo é o seguinte:

4 4 4 8 4 4 4 8
I a a a b a a a b

4 4 4 8 4 4 4 8
II c c c b c c c b

O do segundo grupo:

2 2 2 2 8 2 2 2 2 8
I b b b b c d d d d c

* Nº. 389 no Cancioneiro da Ajuda. Ed. de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Vol. I. Reimpressão
da edição de Halle (1904), acrescentada de um prefácio de Ivo Castro e do glossário das Cantigas
(Revista Lusitana XXIII). Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1990. (N.E.)
3
A Sra. Vasconcelos considera d um decassílabo e, dessa forma, lê em 1.19 pois, em lugar do pois
que do manuscrito. Mas isso deixa sem explicação 1.13, onde claramente temos um endecassílabo,
a menos que se demonstre que soidade é uma palavra de apenas três sílabas, em vez de quatro.
Mas oi em soidade é regularmente dissilábico no uso da época, como se pode ver em Das
Liederbuch ..., p. CXXI [neste volume, p. 159], e nas Cantigas de Santa Maria, de Afonso X,
nº. 48, 67, 379 (cf. ibid. sãidade, vãidade), e é predominantemente assim medido no Cancioneiro
de Resende (vid. J. Cornu, em Romania XII, p. 305). Não há, portanto, razão suficiente para
tratar 1.13 como um decassílabo e alterar, de acordo com isso, 1.19. Além do mais, o nosso poeta
usa o endecassílabo em outras ocasiões, por exemplo CB. 130 e 136 [CA. 384 e 390 – (N.E.)], e
o emprego de diferentes metros num descordo deve surpreender-nos menos do que em qualquer
outro lugar.

484

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 484 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

2 2 2 2 8 2 2 2 2 8
II e e e e c e e e e c

Observe-se que aqui, como em muitos dos descordos provençais,


as estrofes incluem-se em secções concordantes tanto no que diz respeito
ao esquema rímico quanto ao número de sílabas4.
Na fiinda repetem-se, como é usual, as rimas e metros da última
estrofe:

4 2 2 8 8
c b e c c

Pela anotação que escreveu acima desse poema: stroph. antist. et


loco epod. discor., Colocci parece ter entendido que o descordo propria-
mente dito começava com os versos curtos (v. 25 ss.) e tomava o lugar da
fiinda usual, pertencente aos dois pares de estrofes precedentes5.
No que se refere ao conteúdo do nosso descordo, difere um pouco
do que é peculiar aos espécimes provençais e franceses desse tipo. O poeta
declara a sua intenção de deixar as pessoas e os sítios onde sofreu e procu-
rar cura em outro lugar, embora saiba que, depois de partir, desejará voltar
ao seu antigo domicílio. A causa exata do sofrimento do poeta e da sua
decisão de partir não é declarada, mas parece ser antes o medo dos maldi-
zentes ou lausengiers6 do que a crueldade da sua senhora. Há, contudo, em
todo o poema um tom de resignação que está perfeitamente de acordo com
a natureza do descordo.
O segundo descordo em português arcaico (CB. 470 = nº. II do
nosso texto) é de Afonso X (r. 1252-1284). Pode ser reconhecido como tal
tanto pelo assunto como pela forma, e é assim designado pela anotação
discor, colocada abaixo dele por Colocci.
Consiste de três estrofes de nove versos curtos cada, seguidos por
um refrão. O esquema é o seguinte:

4 4 5 4 4 5 4 4 6 5
1) a a b a a b x a b B

4
Vid. Appel, loc. cit., p. 213.
5
Cf. C. M. de V., CA., I, p. 765.
6
Esse motivo é um lugar-comum na lírica cortês. Vid. Jeanroy, De nostratibus, pp. 22-3.

485

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

4 4 6 4 4 6 4 4 5 5
2) c c b c c b c c b B

4 4 6 4 4 6 5 4 6 5
3) d d b d d b x d b B
*

Observe-se que, excetuando-se umas poucas irregularidades, aqui


novamente cada estrofe divide-se em um número de secções congruentes
menores. Na segunda estrofe, poderíamos obter b6’, em vez de b5’*, lendo
em 1.19 ced[o], é, ao invés de ced’, é. Na primeira e terceira estrofes, a
substituição de uma rima em -or e -er* por uma palavra sem rima é muito
provavelmente uma irregularidade intencional, que só poderia ser removi-
da pela produção de outra mais improvável, na forma de uma rima interior
na segunda estrofe. O uso do refrão nesse descordo é característico da li-
berdade com que os trovadores portugueses tratam os seus modelos.
Nessa cantiga, Afonso X expressa a dor que lhe causa a separação
da sua dama, declarando que preferiria a morte à continuação dessa pena.
Tal lamento está bem de acordo com a sequência de ideias que se encontra
no descordo provençal, e nesse aspecto o nosso poeta seguiu os seus mode-
los com maior fidelidade, portanto, do que Nuneannes Cerzeo, que, por
outro lado, parece ter tido maior sucesso na questão da forma.
Em nenhuma das duas composições que acabamos de descrever
há qualquer evidência de imitação direta, no que se refere à forma ou ao
conteúdo, de algum dos descordos provençais ou franceses conhecidos7.
O caráter do terceiro poema em português arcaico de que aqui se trata
(CV. 963 = nº. III) fica bastante claro pela rubrica que o precede na coletânea:

Este cantar ele [Don Lope Dias] fez na medida de um descordo, e


fê-lo a um infanção de Castela que carregava consigo uma cama dourada e
era muito rico e vivia mal e era muito sovina.

* No texto, falta a indicação de que a rima b do v. 6 é feminina. Como se trata de um óbvio engano,
acrescentamos o sinal abaixo da letra b. (N.E.)
* Por facilidade de composição gráfica, utilizamos aqui a forma hoje mais usual de representar o
número de sílabas e a qualidade da rima (grave ou aguda), em vez da que Lang utiliza e que
conservamos no esquema das estrofes. (N.E.)
* Trata-se de um engano: a rima da 3ª. estrofe é –i, em vez de –er. (N.E.)
7
Bartsch, Grundriss, 392, 16 até agora continua inédito. [Refere-se a “Engles, un novel descort”,
de Raimbaut de Vaqueiras. (N.E.)]

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 486 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

Considerando essa afirmação à luz das duas cantigas recém-


examinadas, concluímos a partir dela não só que a peça de D. Lope Dias era
uma cantiga d’escarnho composta ao som de um descordo, mas que a escola
lírica galego-portuguesa entendeu pelo termo descordo essencialmente a
mesma coisa que os poetas da Provença, desviando-se deles, contudo, porque
empregavam a forma do descordo não apenas para poemas amorosos, mas
também para composições que tratavam de outros temas.
O nome de D. Lopo Lias (ou Díaz) ocorre frequentemente na família
dos senhores de Biscaia, que têm uma parte tão preeminente na história de
Castela nos séculos XII e XIII. Da. Carolina Michaëlis de Vasconcelos registra
o autor das vinte Cantigas d’escarnho e de maldizer, às quais pertence o
poema em questão, como D. Lopo Diaz de Haro8, identificando-o assim com
um dos membros da família que leva aquele nome, e essa opinião tem forte
apoio no fato de haver, nos seus versos, repetidas9 alusões aos trovadores de
Orzelhon, um castelo castelhano que pertencia aos senhores de Biscaia10.
Levanta-se, então, a questão de saber com qual dos membros daquela casa se
deve identificar o nosso autor. Há um planh ou, como os portugueses o
chamam, uma endexa, de Pero da Ponte (Cancioneiro da Vaticana nº. 575)
sobre a morte de um D. Lopo Dias, elogiando-o por seu valor e sua
liberalidade11. Como Pero da Ponte foi um contemporâneo do rei D. Fernando
III († 1252) e como as suas composições datáveis situam-se entre os anos
1236 e 125212, o objeto do seu canto fúnebre era, com toda probabilidade, o
D. Lopo Díaz de Haro que conquistou o apodo de Cabeça Brava pelo
destacado valor e bom senso devotado ao serviço do seu rei e que morreu em
123613. O trovador não dá nenhum indício pelo qual pudéssemos identificar
o objeto do seu planh com o autor das cantigas d’escarnho, nem estas últimas
nos permitem decidir, com alguma certeza, se ele seria o Lopo Díaz
cognominado Cabeça Brava ou seu neto, que encontrou a morte às mãos do
seu rei, Sancho IV, em 128814. A circunstância, contudo, de as coletâneas

8
Grundriss der roman. Philol., II 2, 189.
9
CV. 947, 948, 962.
10
Vid. España Sagrada, XIX, 242 & 272; XX, 123 & 329.
11
Quanto às inferências a tirar da atribuição de tais qualidades, convém lembrar, contudo, que se
tornara um traço convencional do planh na Provença.
12
Cf. De Lollis, Studi di filol. romanza II, 34.
13
Livro de Linhagem p. 259 ss. [cf. Portugaliae Monumenta Historica, Nova Série, Volume II/1,
Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, p. 143 (N.E.)]; Argote de Molina, Nobleza de Andaluzía
(ed. 1588), cap. 82-3.
14
Crónica de Alfonso X, c. 18; Argote de Molina, loc. cit. A Sra. Vasconcelos, a quem devo muito
material valioso em relação a D. Lopo Díaz, promete publicar proximamente um artigo intitulado
“Wolf-Dietrich”, acerca do assunto deste descordo. [O referido artigo foi publicado em Zeitschrift
für romanische Philologie XXVI (1902) pp. 61-71; cf. a tradução portuguesa, “Lopo Dias”, em
Y. F.Vieira et al., Glosas Marginais ao Cancioneiro Medieval Português de Carolina Michaëlis
de Vasconcelos, pp. 281-291. (N.E.)]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

terem transmitido o seu legado literário entre o de dois dos mais antigos
trovadores, Fernam Paez, de Tamalancos, e Martin Soares15, e ainda o fato
de ele falar de si mesmo, em duas das suas cantigas (CV. 947 e 948), como
se fosse o protetor dos trobadores d’Orzelhon, depõem muito fortemente a
favor do Cabeça Brava16.
A sua cantiga d’escarnho en son d’un discordo é constituída por
quatro estrofes que diferem na ordem e na classe de rimas, bem como na
estrutura métrica; o seu esquema, se o entendo corretamente17, é o seguinte:

4 5 5 6 4 6 2 5 5
I a a a b a a a a b

4 5 2 5 5 4 5 2 5 5
II c c c c d c c c c d

6 4 4 6 4 6 4 6
III e f e f e f e f

4 5 5 5 5 6 5 5
IV g g g h g g g h
*

A estrutura desse poema mostra claramente que o seu autor


considerava a discordância das partes componentes como uma característica
essencial da forma do descordo, e nisso está conforme com a prática
observada nas outras duas composições que examinamos e que são
descordos também no sentimento. Pode-se perguntar se o nosso poeta
compôs a melodia do seu descordo, assim como o texto, ou se a tomou
emprestada de outro. Não temos condições de decidir, mas casos de
empréstimo do son não são de forma alguma desconhecidos nos antigos
Cancioneiros portugueses. A entoação de um magnífico sirventesc de Afonso

15
Vid. Vasconcelos, Grundriss, loc. cit., e Liederbuch, op. cit., p. XXX. [neste volume, p. 77]
16
A menção de um D. Lopo Dias em CV. 1145 não lança nenhuma luz sobre a questão.
17
Os meus esforços para obter as lições do ms. CB. para esse poema e CV. 481 não foram, infeliz-
mente, bem sucedidos.
* Falta no original o sinal de rima feminina no verso 5 dessa estrofe. (N.E.)

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O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

X, CV. 79, ecoa numa cantiga do seu contemporâneo, o conde [sic] Gil
Peres (CB. 1520 = 393)18, e a forma estrófica de uma cantiga d’escarnho
de Joham Soares Coelho, cujas cinquenta cantigas foram compostas entre
1230 e 126019, encontra-se novamente num sirventesc de Martin Moxa,
posterior em quase um século, e que examinaremos agora.
É a última das quatro composições que têm sido até agora
mencionadas como espécimes do descordo em antigo português (CV. 481
= nº. IV do nosso texto).
Segundo a Sra. Vasconcelos 20, Martin Moxa era aragonês e
contemporâneo do Bispo de Vizeu, Miguel Vivas, para quem os seus poemas
eram cantados. Se isso for correto, sua atividade poética pertence ao segundo
quartel do século XIV, durante o reinado de Afonso IV de Portugal. Temos
dele quinze cantigas, das quais sete são cantigas de amor e o resto, poemas
morais ou sirventeses. Como já se disse, a nossa cantiga é desse último tipo.
Uma vez que não há rubrica ou razon, nem qualquer outra anotação
que a qualifique como composição feita sobre a música de um descordo, a
reivindicação desse termo deve basear-se inteiramente na evidência da sua
forma. O esquema é o seguinte:

4 5 5 4 5 5 4 2 5 5 4 2 5 5
I a a b a a b c c c b c c c b

4 5 5 4 5 5 4 3 5 5 4 2 4 5
II d d b d d b e e e b e e e b
*

4 5 5 4 5 5 4 2 5 5 4 2 5 5
III f f g h h g i i i g i i i g

4 5 5 4 5 5 4 2 5 5 4 3 3 5
IV j  j g j j g j j j g j j j g

18
Cf. De Lollis, loc. cit., p. 52.
19
Vid. Liederbuch, p. XXXV [neste volume, p. 81] e Vasconcelos, Zeitschrift f. rom. Philol. XX,
p. 162. [Refere-se à Glosa Marginal I, “O Processo da Ama”. Vid. Y. F. Vieira et al., Glosas
Marginais ..., op. cit., especialmente pp. 66-71. (N.E.)]
20
Zeitschrift für rom. Philol. XIX, pp. 584 e 590.
* No texto original, as duas primeiras rimas d não estão marcadas como femininas, por óbvio
engano. (N.E.)

489

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Fiinda:

4 2 2 2 5
j j k j g

Dessas quatro estrofes, a primeira e a segunda têm em comum


uma rima masculina em –ar, a terceira e quarta, uma em -er. Todas as qua-
tro estrofes parecem consistir do mesmo número de partes simétricas, e a
intenção de simetria é na verdade tão evidente que nos leva a suspeitar o
desacordo do metro nos vv. 8, 36 e 50 com o v. 22, e também no v. 55 com
13, 27 e 41, como erros da parte do copista. As lições do CB. poderiam dar-
nos aqui a correspondência regular. A única discordância nessa harmonia
de partes componentes vem do fato de que as estrofes variam no número de
rimas, as duas primeiras tendo cada uma três, a terceira estrofe, quatro, e a
quarta, apenas duas. Nuneannes Cerzeo emprega três rimas nas suas quatro
primeiras estrofes, Afonso X e Lopo Dias apenas duas, nas suas, e este
último é o número encontrado na maior parte dos descorts provençais21.
A fiinda de Moxa repete, como de costume, as rimas da estrofe
imediatamente precedente, tendo em adição, contudo, um verso branco.
Agora, se a discordância das partes componentes era uma caracte-
rística essencial da forma do descordo em português arcaico22, como pare-
ceriam indicar os fatos à nossa disposição, o poema em discussão
dificilmente poderia pretender preencher esse requisito e não temos, por-
tanto, na ausência de outra evidência, base suficiente para considerar que
tenha sido composto seguindo a melodia de um descordo. É um sirventesc
moral escrito em versos curtos, como vários poemas desse tipo de Peire
Cardenal, com os quais, aliás, tem muito em comum, tanto no assunto como
na expressão23. Quanto à sua forma estrófica, é, como já foi dito, quase
completamente idêntica à de uma cantiga d’escarnho (CV. 1025) de
D. Joham Soares Coelho, cujo esquema é o seguinte:

4 5 5 4 5 5 4 3 5 5 4 2 5 5
I a a b a a b c c c b d d d b

21
Vid. Appel, loc. cit., p. 214.
22
Esse não parece ter sido o caso em provençal. Vid. Appel, loc. cit., p. 218.
23
Vid. Liederbuch, p. LV [neste volume, p. 100] e Modern Lang. Notes X, col. 216-7 [neste volu-
me, pp. 463-464]

490

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O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

4 5 5 4 5 5 4 3 5 5 4 2 5 5
II e e f e e f g g g f h h h f

4 5 5 4 5 5 4 3 5 5 4 2 5 5
III i i f i i f g g g f i i i f

Observe-se que aqui, como na peça de Moxa, a única perturbação


da completa harmonia das partes componentes é causada pelo número va-
riável de rimas empregadas nas estrofes, as primeiras duas com quatro, a
última com apenas três rimas. A cantiga de Coelho difere da de Moxa por-
que esta tem menos rimas e uma fiinda. A cópia original da composição de
Coelho tinha muito provavelmente outra estrofe, continuando a rima b da
primeira estrofe.
Temos portanto apenas três cantigas em português arcaico que
merecem a designação de discordo ou descort, e da evidência apresentada
por elas podemos concluir que, em substancial acordo com a prática e o
preceito provençais, o descordo galego-português era um poema de amor,
cantando a afeição não correspondida e dando expressão formal a esse de-
sacordo de sentimentos por meio da estrutura mais ou menos desigual das
suas partes componentes24.
As diferenças que existem entre os três descordos do antigo portu-
guês e os da Provença e da França são as que geralmente caracterizam a
maneira livre e fácil com que os trovadores galego-portugueses trataram os
seus modelos estrangeiros e que lhes assegura uma posição tão indepen-
dente na poesia lírica das nações românicas na Idade Média25.
Mais espécimes do descordo em português arcaico devem ter exis-
tido no Cancioneiro primitivo. Isso fica estabelecido sem sombra de dúvida
por uma série de referências a essa forma poética contidas no fragmento de
um índice de cantigas, publicado por Molteni na p. 1 da sua edição parcial
de CB., uma das quais, para a composição perdida de nº. 10, diz o seguinte:

24
Há uma cantiga de amor de Afonso X (CB. 468, v. 9-34), que mostra irregularidade nos últimos
versos de cada estrofe e cujo sentimento está em harmonia com o de um descort. Colocci pode
não o ter notado, porque os oito primeiros versos do número (468), sob o qual está colocado, são
parte de uma cantiga em honra da Virgem.
25
Vid. Vasconcelos, Grundriss II 2, p. 181, e Liederbuch, p. CXLV [neste volume, p. 178] A primi-
tiva escola lírica italiana tem apenas um descordo genuíno, que é atribuído a Dante. Vid. Appel,
loc. cit., p. 223.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

discort et omi stanza fa sel dissi. Com sel dissi o humanista Colocci queria
dizer, como apontou a Sra. Vasconcelos26, aqueles poemas que lhe pareci-
am concordar em estrutura aproximadamente com a canzone nº. XIX de
Petrarca27.
Resta-nos agora ver se há exemplos de descordo na escola lírica
galego-castelhana dos séculos XIV e XV que, como o Marquês de Santillana
nos informa na sua conhecida carta de 1449 ao Condestável de Portugal, e
se comprova por abundante evidência, continuou as tradições literárias dos
trovadores galego-portugueses não apenas na forma e sentimento, mas em
parte mesmo no uso da língua portuguesa28. Mas, ao ser transplantada para
o solo castelhano, a poesia lírica portuguesa, e especialmente os seus poe-
mas amorosos, não puderam evitar a influência do espírito escolástico do
seu novo ambiente e perderam muito da simplicidade e do ardor do senti-
mento do seu lugar de origem.
Entre os termos poéticos que ocorrem nos textos coligidos no
Cancionero de Baena29, a palavra discor, que encontramos empregada por
Colocci como nota marginal aos dois descordos em português arcaico con-
tidos no CB.30, é uma das mais frequentes e é usada em mais de um sentido31.
Em primeiro lugar, significa uma canção ou poema em geral, como
se pode ver na seguinte passagem, também importante porque mostra que
o discor pertencia à maestria mayor (C. Baena I, 253):

E pues vos tenedes por tan sabidor


que en tan brieve tempo tan alto sobistes,
so maravillado commo preposystes,
syn lay é deslay, syn cor, syn discor,
syn doble, mansobre32, sensillo ó menor,
syn encadenado, dexar o prender;
que arte comun devedes creer
que non tiene en sý saber nin valor.
.......................................................

26
Grundriss II 2, 197, nota 2.
27
Ed. Mestica, p. 290. – Muitos dos poemas assim marcados por Colocci não podem ser considera-
dos bons exemplos de tal semelhança.
28
Vid. Vasconcelos, Grundriss, loc. cit., pp. 230-242; Liederbuch, pp. XIV a XIX [neste volume,
pp. 64-69] e Baist, Grundriss, pp. 424-427.
29
As referências são extraídas da edição de Leipzig de 1860.
30
Mas a forma empregada na razon aposta a CV. 963 é descor ou mais provavelmente descor[do].
Cf. CB. 135.
31
A Sra. Vasconcelos teve a grande gentileza de colocar à minha disposição as suas notas sobre o
uso de discor na poesia espanhola.
32
Leia-se mordobre. Cf. Grundriss II 2, p. 196 e 235.

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O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

De verbo partido, maestria mayor,


nin de macho é fenbra non vos acorrystes;
palabra perdida non la enxeristes
en vuestros desires con saña o rrygor ... 33

No mesmo sentido geral de canção, encontramo-lo usado pelo


Marquês de Santillana (ed. Amador, p. 365):

Incesantes los discores


de melodiosas aves
oý sones muy suaves
tiples, contras, e tenores34.

Em segundo lugar, o termo discor é usado com referência a um


tipo especial de composição poética.
Esse é provavelmente o caso na seguinte citação de uma petição de
Alfonso Álvares de Villasandino (C. Baena, I, p. 197):

Poderoso ensalçado,
estas dos que vos enbio
son de otro alvedrio,
fechas para Juan Furtado
.......................................
La una como discor,
la otra commo deslay;
los yerros que en ellos ay,
digalos algunt doctor.

Mesmo que a intenção nesse ponto seja realmente pôr ênfase na


antítese de discor e de deslay, mais do que em muitos outros casos onde os
dois termos são usados em conjunção35, o sentido exato de discor, tanto
quanto o de deslay, não fica claro aqui.
O Cancionero de Baena contém, contudo, um certo número de
poemas cuja rubrica afirma que foram compostos à maneira de um discor,
e desses podemos derivar alguma luz quanto ao significado deste termo.
Como as estrofes das três peças são iguais em estrutura, somente duas de
cada são publicadas nos números V, VI e VII do nosso texto.

33
Outras passagens com esse sentido de discor, que não podemos citar aqui, são loc. cit. I, pp. 49,
95, 209; II, pp. 54, 139, 185.
34
Cf. Cancionero de Estúñiga, p. 230, onde essa peça é atribuída a Juan de Mena.
35
C. Baena, II, pp. 54, 139, 185.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

A primeira delas, a de nº. V, é um lamento amoroso e até aí


conforma-se perfeitamente à teoria do descordo provençal e do antigo
português. O seu esquema métrico é o seguinte:

3 3 7 3 3 7 4 4 7 4 4 7
I a a b a a b b b a b b a

4 4 7 4 4 7 3 3 7 3 3 7
II c c d c c d d d c d d c

4 4 7 4 4 7 4 4 7 4 4 7
III e e f e e f f f e f f e

4 4 7 4 4 7 3 3 7 3 3 7
IV g g h g g h h h g h h g

De estrutura semelhante é outro lamento amoroso (C. Baena II,


191) que foi também composto commo á manera de discor, se for correta a
emenda proposta pela Sra. Vasconcelos à sua rubrica. Difere do poema
precedente porque na segunda e terceira estrofes tem apenas rimas femini-
nas.
O nº. VI é um lamento sobre a morte e as suas dores, desviando-se
nisso do tema tradicional do descordo propriamente dito. Quanto à estrutu-
ra, contudo, suas nove estrofes concordam com as do número V. Apenas a
quarta estrofe usa uma rima masculina (cf. nº. V, primeira estrofe).
Agora, a forma estrófica empregada nessas composições é pratica-
mente idêntica à que se encontra em três cantigas da escola
galego-portuguesa, cujo esquema é o seguinte:

3 3 7 3 3 7
a a b a a b

Uma dessas cantigas está preservada com o número 74 do Cancio-


neiro da Vaticana e é um sirventês de Afonso X:

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O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

O genete
poys remete
seu alfaraz corredor,
estremece
e esmorece
o coteyfe con pavor.

A segunda, também de Afonso X, é uma cantiga em honra da Vir-


gem (Cantigas de S. Maria, nº. 300). Nesse caso, o esquema em questão é
em cada estrofe precedido de quatro setessílabos femininos, com a ordem
rímica abba36.
A terceira é a bem conhecida e encantadora cantiga dedicada por
Amadis a Leonora37, que nos foi conservada em forma fragmentária nos
nº. 244 e 246 do Colocci-Brancuti, com o nome do seu autor, Joam Lobeira,
um trovador português da segunda metade do século XIII38:

Leonoreta,
Fin roseta,
Bella sobre toda fror,
Fin roseta,
Nom me meta
Em tal coita voss’ amor39.

No Amadis de Montalvo, o poema é chamado tanto cancion como


villancico, mas o seu autor, com toda a probabilidade, pretendia que fosse
um lai40, espécie de composição lírica de que se preservaram cinco exem-
plos nos Cancioneiros antigos portugueses. Se assim foi, o uso no lai da
forma estrófica em discussão explicaria o seu emprego num período poste-
rior no descordo, que, como sabemos, na poesia provençal e francesa era
muito semelhante, se não idêntica, ao lai41.

36
Cf. CM. nº. 380.
37
Amadis de Gaula, l. II, c. XI.
38
Vid. Vasconcelos, Grundriss II 2, 220-1.
39
Para a edição de todo o texto, vid. o artigo da Sra. Vasconcelos, em Zeitschr. f. rom. Phil. IV,
pp. 347-351.
40
Cf. Vasconcelos, Grundriss, loc. cit.
41
Cf. Appel, loc. cit., pp. 229-230, e, para o período em questão, o acoplamento de lai e deslay, cor
e discor, e de deslai e discor, já referido. Para a forma de “Leonoreta, fin roseta” e as ocorrências
da strophe couée no Canc. de Baena, cf., por exemplo, Rossinhol, el seu repaire, de Peire
d’Alvernhe, e Jeanroy, Origines etc., pp. 364-377. Há uma certa semelhança de forma entre o
descordo de Nuneannes (= I) e partes do lai de Bonifaci Calvo (Appel, Zeitschrift XI, p. 227) e
também o descordo publicado no mesmo volume, p. 216.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 495 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mas, assim como Afonso X escreveu tanto uma cantiga satírica


como uma religiosa nessa forma, também os poetas do Cancionero de Baena
a usaram para outros propósitos. Assim, aparece tal forma numa cantiga
dirigida por Alfonso Álvares de Villasandino à sua mulher (I, p. 18), ocu-
pando aí os primeiros seis versos de uma estrofe que termina em refrão.
Outra composição foi escrita, segundo a sua rubrica, por amor é loores de
una dueña de quien él (fray Diego) era enamorado (C. Baena II, 184). O
sentimento desse poema é muito semelhante ao do “Leonoreta, fin roseta”,
de Lobeira, como se pode ver pela primeira estrofe:

Graciosa,
muy fermosa,
de muy linda fermosura;
amorosa
é donosa,
de angelica fygura,
muy pura
criatura,
deleytosa.

Os únicos três outros poemas no Cancionero de Baena designados


como tendo sido compostos à maneira de um discor são respuestas trocadas
entre Juan Alfonso de Baena e Alvar Rroys del Toro (C. Baena II, 101, 102
e 103). Escritos no mesmo esquema, apenas o primeiro é publicado no
nosso texto (nº. VII). O esquema, absolutamente idêntico em todas as es-
trofes, é o seguinte:

5 5 5 5 5 5 5 5
a a a b a a a b

Há, portanto, uma considerável diferença entre esses espécimes do


discor e os que foram anteriormente descritos. Não só o assunto dessas
respuestas não tem nada em comum com o do descordo provençal, como
a igualdade das estrofes mostra um afastamento nítido da prática dos
descordos em português arcaico. Por outro lado, nos poemas de Fray Diego
de Valencia, que escreveu, deve-se ter em mente, na segunda metade do
século XIV e estava, portanto, em contato próximo com os últimos trova-
dores galego-portugueses, encontramos uma relação muito mais estreita,
na forma e no sentimento, com a anterior tradição dessa escola em Portu-
gal. No decurso do ulterior desenvolvimento dessa poesia cortês em Castela,

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 496 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

onde recebeu uma nova direção, o descordo parece ter perdido cada vez
mais o seu caráter como um tipo especial de poema amoroso e finalmente
ter sido tratado, tanto no assunto quanto na forma estrófica, como pouco
mais que um poema lírico em geral42.
O tema da relação do discor com as outras formas de lírica cortês
em Castela merece, contudo, um estudo mais aprofundado e cuidadoso do
que fui capaz de lhe dedicar no presente, e pretendo retornar a ele no futuro
próximo.

I.
CB. 135 (= 109)

Agora me quer’ eu ja espedir


da terra e das gentes que i son,
u mi Deus tanto de pesar mostrou,
e esforçar mui ben meu coraçon
5 e ar pensar de m’ ir alhur guarir.
E a Deus gradesco porque m’ en vou.

Ca [a] meu grad’, u m’ eu d’ aqui partir,


con seus desejos non me veeran
chorar nen ir triste, por ben que eu
10 nunca presesse, nen me poderan
dizer que eu torto faç’ en fogir
d’ aqui u me Deus tanto pesar deu.

Pero das terras averei soidade


de que m’ agora ei a partir despagado,
15 e sempr’ i tornará o meu cuidado,
por quanto ben vi eu en elas ja;
ca ja por al nunca me veerá
nulh’ ome ir triste nen desconortado.

E ben digades, pois que m’en vou, verdade:


20 Se eu das gentes algun sabor avia,
ou das terras en que eu guarecia?
Por aquest’ era tod’, e non por al;

42
Num poema de Rodriguez del Padron (ed. Bibliófilos p. 78), lemos sobre um jovem que dentro
las flores en son de alabança Dezia un discor. Aqui, novamente, discor parece denotar pouco
mais que uma canção.

497

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 497 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

mais ora ja nunca me será mal


por me partir d’ elas e m’ ir mia via.

25 Ca sei de mi
quanto sofri
e encobri
en esta terra de pesar.
Como perdi
30 e despendi,
vivend’ aqui,
meus dias, posso m’ en queixar.

E cuidarei
e pensarei
35 quant’ aguardei
o ben que nunca pud’ achar.
E[s]forçar-m’ ei
e prenderei
como guarrei
40 conselh’ agor’, a meu cuidar.

Pesar
d’ achar
logar
provar
45 quer’ eu veer, se poderei.
O sen
d’ alguen,
ou ren
de ben
50 me valha, se o en mi ei!

Valer
poder,
saber,
dizer
55 ben me possa, que eu d’ ir ei.
D’ aver
poder
prazer
prender
60 poss’ eu, pois esto cobrarei.

Assi querrei
buscar

498

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 498 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

viver
outra vida que provarei,
e meu descord’ acabarei.

I. 2 teira. 13 teiras. 15 (despagado) e s. etc. 19 digade9. 21 teiras.


23 may. 28 teira. 36 (paich) pudachar. 37 E. 38 força rmei.
39 guairei. 42 Pesar (da). 43 (da) dachar. 61 querei.

II.
CB. 470 ( = 362)

Par Deus, senhor,


en quant’ eu for
de vos alongado,
nunca en mayor
5 coita d’amor
nen atan coitado
foi eno mundo
por sa senhor
homem que fosse nado.
10 Penado, penado!

Sé nulha ren
sen vosso ben
que tant’ ei desejado,
que ja o sen
15 perdi por ren,
e viv’ atormentado
sen vosso ben.
De morrer en
ced’, é mui guisado.
20 Penado, penado!

Ca log’ ali
u vus eu vi,
fui d’ amor aficado
tan muit’ en mi
25 que non dormi
nen ouve gasalhado.
E se m’ este mal

499

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 499 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

durar assi
eu nunca fosse nado,
30 Penado, penado!

II. 1 e 2 em um verso; da mesma forma 7 e 8. 8 poi. 14 oem(p). 18


Demoirer. 19 guado. 21 Calogalhy. 27 e 28 em um verso. 29 nnnca.

III.
CV. 963

Este cantar fez en son d’un descor[d]’, e feze-o a un infanzon de


Castela que tragia leito dourado e era mui rico e guisava-se mal e era muit’
escasso.

Quen’ oj’ ouvesse


guisad’ e podesse,
un cantar fezesse
a quen mi-ora eu sei,
5 e lhi dissesse:
e pois pouco valvesse,
non desse
ren que non trouxesse,
seit-t’ en cas d’el rei.

10 Ca pois onrado
non é nen graado,
dõado
faz leito dourado
depos si trager,
15 e ten poupado
quant’ a, e negado.
Pecado
o trag’ enganado
que lh’ o faz fazer.

20 Ca nunca el de seu
aver deu ren,
esto sei eu,
que lh’ esteuesse ben.
Demo lh’ o deu
25 pois que lhi prol non ten;
muito lh’ é greu
quando lh’ o ped’ alguen.

500

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O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

E mantenente
perd’ o contenente
30 verdadeiramente,
e vai-s’ asconder;
e faz-se doente,
e vosso mal non sente,
e fuj’ ant’ a gente
35 po-la non veer.

III. Rubrica dun sescor – dou(t)rado giava.


4 a mhora 14 trag’. 17 pccado. 18 o t˜ genganado. 22-3 esto sey eu
be qlhesteuesse ben. 26 muytolhe gu. 34 fuganta.

IV.
CV. 481

Per quant’ eu vejo,


perço mê desejo,
ei coita e pesar.
Se and’ ou sejo,
5 o cor m’ est antejo,
que me faz cuidar;
ca pois franqueza,
proeza
venceu escasseza,
10 non sei que pensar.
Vej’ avoleza,
maleza
per sa soteleza
o mundo tornar.

15 Ja de verdade
nen de lealdade
non ouço falar,
ca falsidade,
mentira e maldade
20 non lhis da[n] logar.
Estas son nadas
e criadas
e aventuradas
e queren reinar.
25 As nossas fadas
iradas

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

foron chegadas
por este fadar.

Louvamiantes
30 e prazenteantes
an prez e poder.
Enos logares
u nobles falares
soian dizer,
35 vej’ alongados,
deitados,
do mund’ eixerdados,
e van-se perder.
Vej’ achegados,
40 loados,
de muitos amados
os de mal dizer.

Pela crerizia
per que se soia
45 todo ben reger,
paz, cortezia,
solaz que avia,
fremoso poder,
quand’ alegria
50 vevia
no mund’ e fazia
muit’ a ‘lguen prazer,
foi-se sa via
e dizia
55 cada dia:
ei de falecer.

Dar que valia


compria
seu tempo,
60 fogia
por s’ ir asconder.

IV. 2 per zo. 5 mesta teio. 8 e 9 em um verso. 11 ueianoleza. 17 onzo.


23 en uenturadas. 29 Louva myates. 30 pzeteates. 33 hu nobres //
falares. 38 e aae p. 41 demuytus // amadus. 47 auin. 49 quandalegua.
50 ueuini. 52 muytalgue pzer. 56 defalezer. 60 e 61 fogui pr sir a.

502

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O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

V.
C. Baena II, p. 185.

Este desir, commo á manera de discor, fiso é ordenó el dicho fray


Diego de Valencia á una dueña que era su enamorada en Leon.

En el viso
á mi priso,
con grant fuerça de amor,
cuerpo lisso,
5 muy enviso,
que non vý tal nin mejor.
Con grant dolor
¡ay pecador!
en pessar será mi rysso,
10 por ser mi cor
su servidor
de la que non quier nin quiso.

Cos natural,
angelical,
15 criatura muy polida,
gesto rreal,
nunca vi tal,
de todos bienes conplida,
nobleçida
20 é guarnida
de bondades sin egual;
la mi vyda
es perdida,
sy su merçed non me val.

25 Tan syn pessar


la fuý amar,
é amaré mientra bevir,
que non ha par
mi mal pasar,
30 é passaré por bien servir.
Puedo desir
que sy(n) moryr
que me non deve rrebtar
en yo sofrir
35 syn le fallyr
por merçed é bien cobrar.

503

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Çafir gentil,
claro beril
es la su lynda fegura,
40 una de mill,
muy doñeguil,
excelente criatura;
mucho pura,
syn orrura,
45 su color commo brasyl
por natura,
syn mesura,
lynda ymagen de marfyl.

VI.
C. Baena II, 188.

Este desir, commo á manera de discor, fiso é ordenó el dicho fray


Diego de Valençia quexandose de la muerte é de sus dolores; el qual desir
es muy bien fecho é bien ordenado é de sotil invençion, segunt la materia
de que trata.

Dyme, Muerte,
¿porque fuerte
es á todos tu memorya?
ca tu suerte
fué conuerte
á los que biven en gloria.
Çitatoria
é munitorya
enbias que me conhuerte;
dilatoria,
perentoria
á mi puerta non apuerte.

Tú desfases
muchas fases
que fueron fermosas caras;
los rrapases
de almofases
con los señores conparas;
algasaras
muy amaras

504

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 504 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

contra muchos buenos fases;


tus senaras
cuestan caras
al coger de los agrases.
etc.

VII.
C. Baena II, 101.

Este desir fiso é ordenó el dicho Juan Alfonso de Baena, commo á


manera de discor, contra el dicho Juan Garçia de Vinuessa, por quanto non
le respondió á su replicaçion prostrymera, nin tan poco el dicho Alfonso
Alvares, é se fué de la corte; por lo qual ovo affear el dicho Juan Alfonso al
dicho Juan Garçia.

Muy alto rey digno,


pues Villasandino
tomó su camino
é non dió respuesta,
segunt que adevino,
é Juan, su sobrino
quebró su molino
e yaze de cuesta.

Magüer la promesa
que fyso muy gruesa
á fuer de Vynuensa,
de darme batalla,
presumo que çessa
su lyd é revessa;
pues veo ssu fuessa
abierta syn falla.
etc.

505

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 505 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

NOTAS
I. 8. seus desejos = desejos dela. Cf. Trovas nº. 115 (= CA. 291) 7. En qual coita
me seus desejos dan. Para esse uso do pronome possessivo, vid. Liederbuch
pp. 117-8, nota ao v. 249 [neste volume, p. 312]

13-18. Para a ideia expressa nesses versos, cf. CB. 130 (CA. 384), do mesmo
autor.

22. “Tudo era por essa razão (isto é, porque eu não experimentava nenhum prazer
etc.) e por nenhuma outra”.

41-45. Aceitando o texto como foi recebido, a construção pretendida parece ser:
Desejo ver se serei capaz de experimentar o sofrimento de procurar outro lugar.
Uma leitura que se sugere também aqui é pe[n]sar por pesar, fazendo esse infinitivo
dependente de quer’eu; mas mesmo assim a passagem não seria satisfatória.

II. 10. “Infeliz de mim!” Cf. Trovas nº. 124 (= CA. 283): Des i penado me ten;
Trov. 125 (= CA. 284): penad’ irei d’ amor.

11. Para se (contração de see = sedet; cf. sejo = sedeo) vid. Zeitschr. f. rom. Philol.
XIX, 522 e 531.

26. gasalhado, aqui = ajuda, conforto. Cf. CB. 20, v. 4-5 e CV. 230, v. 2-3.

III. Até agora, sou incapaz de interpretar este poema.

5-8. O sentido desses versos não me é claro.

9. sei, se for a lição correta, é a 2ª. p. s. Imperativo (= sedi). Cf. Cornu, Grundriss
I, 800.

16. negado, escondido.

IV. 2. mê condensação por meu. Vid. Zeitschr. f. rom. Philol. XVI, 219 e Liederbuch
p. CXLVI [neste volume, p. 179]

4. sejo aqui no sentido original de sedeo.

5. “Dói-me o coração”. Antejo, por entejo, desgosto, desprazer, como antre por
entre. Do Lat. in taedio, como a Sra. Vasconcelos afirma no glossário da sua edi-
ção de Sá de Miranda. Cf. CV. 1025: E que grand’ entejo / En toda molher a
(= que causa desgosto a toda mulher). Vid. também o Dicionário de Bluteau, s.v.:
Ter entejo a algum manjar.

506

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 506 29/4/2010, 11:13


O descordo na antiga poesia portuguesa e espanhola

11. Avoleza, empréstimo do provençal.

12. maleza, malícia, engano, ocorre em documentos contemporâneos. Vid. Elucid.,


s.v.

29. louvamiantes, aduladores, bajuladores, particípio de um verbo *louvamiar,


formado de louvamia, a forma mais antiga de louvaminha (vid. Cornu, Grundriss
I, 753), da qual a Sra. Vasconcelos, Sá de Miranda, s.v., diz: “Forma derivada de
louvar sob a influencia d’um latin hypothetico laudamen, laudamina”. Cf.
choraminhar. Vid. também Bluteau, s.v. louvaminha, gabo lisongeiro.

30. prazenteantes, de prazentear, lisonjear, adular. Ocorre frequentemente, como


Trovas nº. 208; CB. 197, 198, 208.

35. Entende-se que o objeto de vejo é algo assim: Os que nobres falares soian
dizer. Cf., para o sujeito indefinido de soian, Trovas 180 (= CA. 206) e d, p. 300
(= CA. 305). Possivelmente a lição original de 32-3 fosse: E os jograres Que n.f.
etc.

48-53. A construção dessa passagem não é muito clara. Como se lê o texto agora,
os nomes nos vv. 46-8 parecem ser o sujeito de foi-se sa via, mas este e o verbo
seguinte, como singulares, fazem muito melhores predicados para alegria, e toda
a passagem ganharia em clareza e força com a seguinte lição: Grand’ alegria [Que]
vevia etc.

52. Cf. Trovas 77 (= CA. 10) 19 dirá ‘lguen; 88 (= CA. 26) 24 ja ‘lguen; d, p. 300
(= CA. 305) 16 quen a ‘migo leal.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 507 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses *

I. ALBAS
As coletâneas existentes da primitiva lírica cortês portugue-
sa contêm sete cantigas que podem ser consideradas como pertencentes a
essa categoria. Encontram-se todas no Cancioneiro da Vaticana (CV.) e
podem, de acordo com os assuntos de que tratam, ser divididas em três
grupos1.
O primeiro grupo é representado por apenas um exemplo, a primo-
rosa cantiga de D. Denis (CV. 172 = Cancioneiro d’el Rei Dom Denis,
nº. XCIII), que consiste de estrofes encadeadas cantadas por dois coros e
variando apenas nas rimas ou assonâncias2. Esta cantiga apresenta-nos uma
donzela que se levanta de madrugada e se dirige ao ribeiro da montanha
para lavar a roupa, a qual, para seu grande desgosto, é carregada pelo ven-
to. O refrão: Levantou-s’alva contém, é verdade, a palavra alva, mas a
situação característica do tipo poético em questão está totalmente ausente
desse poema, e não parece haver razão para considerá-lo uma alba, não
mais do que a encantadora cantiga em francês antigo, cuja heroína, Belle
Aelis, também se levanta cedo:

* “Old Portuguese Songs”, in Bausteine zur romanischen Philologie. Festgabe für Adolfo Mussafia
zum 15. Februar 1905. Halle a. S.: Max Niemeyer, 1905, pp. 27-45. [Na biblioteca da Universi-
dade de Yale, há uma Miscellanea. Articles and Reviews on Romance Languages and Literature
by H. R. Lang (cota He 34). Nessa Miscelânea, encontra-se uma prova deste artigo, com corre-
ções manuscritas do punho de Lang. Juntamos a esta tradução algum comentário ou correção,
quando não foram acolhidos na publicação, indicando por Misc. a sua origem. (N.E.)]
1
Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Grundriss II, p. 152, fala de “Morgenständchen, in denen
das Wort alba im Kehrreim auftritt” [“alvoradas, em cujo refrão ocorre a palavra alba” (N.E.)] e,
consequentemente, na nota 7, classifica-as da seguinte maneira: “Vat. 170. 172. Comp. 242 e
1049 (771. 772. 782) e Barbieri no. 6.” Na pág. 193 da mesma obra, contudo, a distinta senhora,
falando novamente de “mehrere Morgenständchen (albas)” [várias alvoradas (albas)], agrupa os
poemas em questão de forma ligeiramente diversa: “Vat. 170. 172 e 1049. Cfr. 242 e 771. 772.
782”.
2
Para a estrutura dessas cantigas, tão típicas da poesia lírica autóctone de Portugal, vid. Jeanroy,
Origines, pp. 420-423; C. M. de Vasconcelos, Grundriss, II, p. 151-153; Liederbuch p. CXXXVIII-
CXLII [Cancioneiro d’el Rei Dom Denis, neste volume, pp. 172-176]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Bele Aeliz main leva,


Son cor vesti et para;
En un vergier s’en entra; etc3.

O segundo grupo é formado por dois diálogos entre mãe e filha. O


primeiro deles (CV. 170 = D. Denis XCI), um belo exemplo do
reaproveitamento literário de uma cantiga paralelística autóctone, na qual
uma donzela lamenta ter sido abandonada pelo amigo, nem mesmo sugere
uma cena na alvorada, e o seu refrão: Alva, e vai liero4, embora possa ter
sido tomado de uma alba genuína, por si só, com certeza, não é suficiente
para dar à composição direito a esse título. O mesmo argumento pareceria
valer para o segundo diálogo em questão (CV. 1049), de Roy Paez de Ribela,
cuja atividade se situa durante o reinado de Afonso III (1246-1279)5. Aqui,
de novo, como se pode ver pelo texto editado adiante (nº. V)6, é o refrão, e
não a situação representada ou sugerida, que conecta esse poema de certa
forma à alba ou canção do despertar7.
O oposto é verdadeiro no que se refere às quatro cantigas de ami-
go que constituem o terceiro grupo (CV. 242, 771, 772 e 782), e que Jeanroy
foi o primeiro a mencionar como exemplos arcaicos do tipo “alba”8. Em
CV. 242 (= I do nosso texto), uma cantiga paralelística de Nuno Fernandez
Torneol, uma donzela insiste com o amigo para que a deixe ao despontar
do dia. Como é bem conhecido, esse tema ocorre no fragmento de uma
assim chamada canção lócria, que nos foi transmitida por Athenaeus9. A
chegada da manhã é anunciada aos amantes não pelo aviso do guarda, como
nas elaborações palacianas desse tipo poético na Provença e em outras par-
tes, mas pelo canto dos pássaros. Esse é outro traço primitivo da nossa alba
que se encontra na poesia de muitos povos10. Ouçamos uma donzela alemã
dirigindo-se ao amante11:

3
Para o texto dessa cantiga, vid. Jeanroy, Origines, p. 423, e G. Paris, Mélanges dediés à C. Wahlund,
p. 1 ss.
4
CCB. traz lieto por liero. Leia-se: ledo?
5
Vid. Liederbuch, p. XXXVI. [neste volume, p. 82]
6
É lamentável que as lições do CCB. estejam ainda sonegadas ao público científico.
7
Há duas composições provençais, uma de Bernart de Venzenac (Choix IV, p. 432), outra de
Guillem d’Autpol (ibid., p. 473), que poderiam ser também classificadas como albas, se o crité-
rio fosse a presença da palavra alba no refrão.
8
Vid. Origines, pp. 142-145, onde CV. 242 e 771 são traduzidas do texto de Braga.
9
Citado por G. Paris, Romania I, p. 117, e por Jeanroy, Origines, p. 143, de Schneidewin, Deletus
poet. iamb., p. 465.
10
Cf. Jeanroy, ibid., pp. 69-71.
11
Citado por G. Meyer, Essays und Studien, p. 347, de E. Meier, Schwäbische Volkslieder, p. 142.

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Antigos cantares portugueses

Ich kann dich wohl einer lassen,


Doch nicht die ganze Nacht;
Hörst du nicht das Vöglein pfeifen?
Verkündet uns schon den Tag.

Nada mais natural que o galo, cujo primeiro canto teve papel tão
importante na solução de disputas de fronteira nos tempos antigos12,
aparecesse como o arauto da rósea manhã na cantiga de despertar! Assim
na seguinte alba da Galiza moderna13:

“Cantan os galos ô dia;


meu amor, érguete e vaite!”
– “Cómo m’hei d’ir, queridiña,
como m’hei d’ir e deixarte?”

E num diálogo castelhano do século XV ou XVI, que começa

Ya cantan los gallos,


Buen amor, y vete!
Cata que amanece!14

e que parece uma elaboração mais aristocrática do tema contido na quadra


galega acima citada.
A mesma imagem ocorre também numa cantiga de despertar do
She-King, a conhecida coletânea de poesia lírica chinesa, composta entre
os séculos XII e VII antes da nossa era15, a qual mostra uma notável
semelhança de estilo e estrutura com as antigas cantigas femininas
portuguesas, como já apontei noutra ocasião16. Cito aqui apenas a primeira
estrofe desse antigo poema chinês, cujo diálogo, segundo os comentaristas
nativos, tem lugar entre uma marquesa e seu marido, que deve levantar-se
para dar audiência aos ministros reunidos na corte. A tradução é de Legge17:

“O galo cantou;
A corte está cheia de gente”.

12
Vid. J. Grimm, Kleinere Schriften, vol. 2, pp. 71-73.
13
Ballesteros, Canc. pop. gall., vol. 1, p. 10; cfr. C. M. de Vasconcelos, Ztschr. f. r. Ph., XIX,
p. 607.
14
Barbieri, Canc. mus. nº. 413.
15
Jeanroy, Origines, p. 70, cita essa canção na versão latina do Padre Lacharme.
16
Liederbuch, p. CXLII. [neste volume, p. 176]
17
The Chinese Classics, vol. IV, pt. I, p. 150.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Mas não foi o galo que cantou; –


Foi o zumbido das moscas azuis.

Observe-se que essa canção contém outro motivo altamente poético,


usado em numerosas formas da alba europeia, tanto popular como literária,
e imortalizado na súplica de Julieta (“foi o rouxinol, não a cotovia”): o
empenho do amante em interpretar os avisos da natureza de acordo com os
seus próprios desejos18.
Não está esse mesmo motivo sugerido, embora não explicitado, na
segunda parte da nossa alba em português arcaico, na qual as palavras: Vos
lhis tolhestes os ramos en que siian podem ter tido a intenção de expressar
a ideia de que os pássaros cantavam, não porque já era manhã, mas porque
tinham sido perturbados? Se fosse atribuída ao amante, essa parte da alba
certamente ganharia em precisão.
As outras três cantigas, compostas pelo trovador Juião Bolseyro, um
contemporâneo de Afonso III19, são variações mais ou menos livres do tema
original da alba. Em CV. 772 (= III), uma donzela lamenta-se de que, enquanto
a noite é longa e enfadonha quando está sozinha, a madrugada vem rapidamente,
quando está junto com o amigo. Esse horror do dia encontra expressão
semelhante numa alba em francês antigo20, cuja primeira estrofe diz:

“Cant voi l’aube dou jor venir,


nulle rien ne doi tant haïr,
K’elle fait de moi departir
mon ami cui j’ain per amors.
or ne hais rien tant, com le jour,
amis, ke me depart de vos.”21

Quanto a esse aspecto, pode-se mencionar a alba galega preservada


no Canc. Mus. de Barbieri, nº. 6, na qual uma donzela, em claro contraste
com a situação tradicional, convida o amigo para um encontro de
madrugada22.
Finalmente, em CV. 771 e 782 (= II e IV), o nosso trovador em
português arcaico descreve uma donzela abandonada que anseia pela luz

18
Vid., para exemplos desse motivo, Jeanroy, ibid., pp. 68-69, e também G. Paris, Origines,
pp. 36-37.
19
Cf. C.M. de Vasconcelos, Ztschr. f. r. Ph. XX, p. 203.
20
Bartsch, Chrest. 4ª. ed., col. 281.
21
Cf., mais adiante, o refrão e a segunda estrofe da anônima alba provençal, publicada em Mahn,
Gedichte, nº. 132.
22
Vid. o meu Cancioneiro Gallego-Castelhano, nº. LXXI, e p. 237.

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Antigos cantares portugueses

do dia, após uma longa e solitária noite. É esse o sentimento de um bem


conhecido refrão em provençal antigo23:

Dieus! qual enueg


mi fay la nueg!
per qu’ieu dezir l’alba.

Mas o paralelo mais interessante, tanto em forma como conteúdo,


com os nossos dois poemas em português arcaico é dado por uma das ternas
canções de mulher de Robert Burns:

How long and dreary is the night


When I am frae my dearie!
I restless lie frae e’en to morn,
Tho’ I were ne’er sae weary.
…………………………….
How slow ye move, ye heavy hours,
The joyless day, how dreary!
It was na sae ye glinted by,
When I was wi’ my dearie.

II. UM DESCORDO.
Há uma cantiga de amor de Afonso X (CB. 468, vv. 9-34) que
mostra irregularidade métrica nos últimos versos de cada estrofe e cujo
sentimento está bem em harmonia com o de um descordo. Colocci pode
não a ter designado como tal, porque as primeiras oito linhas do número
(468), sob o qual se encontra, são parte de uma cantiga em honra da Virgem.
Foi por essa mesma circunstância que não reconheci a sua natureza, a tempo
de incluí-la no meu estudo “O descordo na antiga poesia portuguesa e
espanhola”, embora tenha chamado atenção para ela em nota24. O poema é
agora oferecido aqui como nº. IX. Assumindo que o texto, como foi
estabelecido, está correto, o esquema métrico da composição é:

23
Vid. Appel, Prov. Chrest. nº. 57. [Misc.: Cf. Mitjana, Cincuenta y Cuatro Canc. Uppsala, 1909,
nº. XXVI: Estas noches atan longas/ Para mí / no solían ser así. (N.E.)]
24
Vid. Beiträge zur romanischen Philologie. Festgabe für Gustav Gröber, p. 491, nota 3. [neste
volume, p. 491, nota 24]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

8 7 8 7 8 7 4 8 3 7
I. a b a b a b c c c c

8 7 8 7 8 7 3 8 4 7
II. d e d e d e f f f f

8 7 8 6 8 7 3 4 4 3 7
III. g h g h g h j j j j j

III. O ESCONDICH.
Na sua relação de poetas do antigo catalão (Obras completas,
vol. 3, p. 227), Milá y Fontanals, falando de um escondich de Romeu Lull,
diz: “Aquesta escusació es la quarta y derrera poesía que trobam de la
mateixa especie, comensant per un escondig del trovador provensal Bertran
de Born, seguint per Petrarca y nostre Llorens Mallol y acabant ab Romeu
Lull”25. Tanto quanto sei, as composições citadas nessa passagem são os
únicos espécimes do escondich na literatura românica que se conhecem até
agora. Pode ter algum interesse, portanto, comparar a essas umas poucas
cantigas em português arcaico que, embora compostas naquele simples e
original modelo de tom e textura tão peculiar da lírica em antigo português,
possuem no entanto as características essenciais desse tipo poético, como
se pode observar nos quatro* exemplos existentes, num grau suficiente
para merecerem o título de escondich. Desses poemas, dois (CCB. 228,
231) são de Fernan Garcia Esgaravunha, um (CCB. 329) de Johan Coelho,
trovadores do tempo de Afonso III de Portugal (1246-1279) 26, um
(CV. 523) de Per’Eannes Marinho e o último (CV. 636) de Johan Ayras de
Santiago, trovadores do tempo de D. Denis (1279-1325)27.

25
Vid. também o artigo de Milá no Jahrbuch für rom. u. engl. Lit., vol. 5, p. 159, onde se chama a
atenção para a notável semelhança entre as composições de Mallol e Lull e a canção de Petrarca “S’i’
l dissi mai”. Partes do poema de Mallol, pode-se acrescentar, também lembram bastante a canção de
Bertran de Born. [Misc.: Cf. também Milá, Obras III, 161, 463: Escondit de Jordi. (N.E.)]
* Corrigido para “cinco” em Misc. (N.E.)
26
Vid. Ztschr. f. r. Ph. XX, p. 179-194. – Para o texto dessas três cantigas, remeto o leitor ao
Cancioneiro da Ajuda (nºs. 411, 115, 178), que será proximamente publicado pela Sra. Carolina
Michaëlis de Vasconcelos.
27
Vid. Liederbuch des Königs Denis, p. XXXV ss. [neste volume, p. 81 ss.]

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 514 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses

Nessas cinco cantigas, encontramos invariavelmente: 1) a


declaração de uma acusação, 2) uma justificativa contra ela28, e 3) a
invocação de algum mal que deve cair sobre o acusado, caso a afirmação
da sua inocência se revele falsa. Os quatro poemas mencionados em primeiro
lugar são cantigas de amor, nas quais o poeta se dirige à sua bela dama
(vid. CV. 529 = nº. VIII), enquanto o quinto poema (CV. 636 = nº. IX)
pertence às cantigas de amigo ou cantigas de donzela, um tipo de poesia
autóctone que os trovadores portugueses usaram, não raramente, para
contrastar com temas aristocráticos29.
Segundo a rubrica do nº. VIII, essa cantiga de amor foi escrita por
Per’ Eannes Marinho30, em defesa, por assim dizer, de uma cantiga de amigo
(CV. 594 = nº. VII), cujo autor, Johan Airas de Santiago, é acusado por uma
donzela de querer abandoná-la.
No nº. IX, Johan Airas apresenta uma donzela que afirma a sua
inocência diante da acusação de infidelidade ao amigo.
As expressões em português arcaico equivalentes às provençais
s’escondire e escondich são salvar-se e salva, termos legais que significam
“livrar-se alguém no tribunal de uma acusação” (cf. port. mod. salvar-se
em juízo) e “justificação”31.

28
Cfr. a definição do escondich nas Leys d’Amors (vol. 1, p. 348): “Escondigz es us dictatz del
compas de chanso, cant a las coblas . et al so . e deu tractar de desencuzatio. es contradizen se. en
son dictat. de so deques estatz acuzatz o lauzeniatz . am sa dona. (de) oz am son capdel.”
29
Vid. Liederbuch des Königs Denis, p. LXXIV [neste volume, p. 118]
30
Numa sátira do seu irmão Martin encontramos uma imagem que relembra as famosas neiges
d’antan de François Villon. CV. 1154, 5-6:
E as calças seran de melhor pano:
feitas seran de nevoa d’antano.
31
Vid. Elucidário s.v. salvar, e Liederbuch des Königs Denis, p. 122. [neste volume, p. 318]
[Misc.: Cf. CCB. 218 (= 233 = CA. 117), que é uma justificativa em relação a CCB. 217
(= CA. 116); CA.115; CA. 178. (N.E.)]

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 515 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

I. (CV. 242)
Levad’, amigo, que dormides as manhanas frias,
toda-las aves do mundo d’amor dizian.
Leda mh-and’ eu.

Levad’, amigo, que dormide-las frias manhanas,


5 toda-las aves do mundo d’ amor cantavan,
Leda m[h]-and’ eu.

Toda-las aves do mundo d’ amor dizian,


do meu amor e do voss’ enment’ avian.
Leda [mh-and’ eu].

10 Toda-las aves do mundo d’ amor cantavan,


do meu amor e do voss’ i enmentavan,
Le[da mh-and’ eu].

Do meu amor e do voss’ enment’ avian,


Vos lhi tolhestes os ramos en que siian.
15 Leda [mh-and’ eu].

Do meu amor e do voss’ y enmentavan,


Vos lhi tolhestes os ramos en que pousavan,
Le[da mh-and’ eu].

Vos lhi tolhestes os ramos en que siian,


20 e lhis secastes as fontes en que bevian.
Leda [mh-and’ eu].

Vos lhi tolhestes os ramos en que pousavan,


e lhis secastes as fontes u se banhavan.
Le[da mh-and’ eu].

I. Cf. Monaci, Notes. 2 dizia 11 deuosy

II. (CV. 771)


Sen meu amigo manh’ eu senlheira
e sol non dormen estes olhos meos,
e quant’ eu posso, peç’ a luz a Deus,
e non mh-a dá per nulha maneira;

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Antigos cantares portugueses

5 mais se masesse con meu amigo,


a luz agora seria migo.

Quand’ eu con meu amigo dormia,


a noite non durava nulha ren,
e ora dur’ a noit’ e vai e ven,
10 nen ven [a] luz nen pareç’ o dia;
mais se masesse con meu amigo,
a luz agora seria migo.

E segundo com’ a mi parece,


comigo man meu lum’ e meu senhor,
15 ven log’ a luz de que non ei sabor,
e ora vai noit’ e ven e crece;
mais se masesse con meu amigo,
a luz agora seria migo.

Pater-nostros rez’ eu mais de cento


20 por aquel que morreu na vera cruz,
que el mi mostre mui ced[o] a luz,
mais mostra-mh-as noites daueto*;
mais se masesse con meu amigo,
a luz agora seria migo.

II, 2 dorme 3 peza luz 10 non – parezo d. 14 O sentido requer a


conjunção “quando”. Leia-se: u migo man etc.? ou quand’ é migo meu l.
etc.? [O e do texto está corrigido para é nas provas] 22 Para dauento ler
de aumento (= port. moderno augmento)?

III. (CV. 772)


Da noite d’ eire podéran fazer
grandes tres noites segundo meu sen,
mais na d’ oge mi veo muito ben,

* No texto está “mostra-mh-a noites daueto”. Nas provas, porém, Lang havia corrigido “mostra-
mh-asnoites” com um traço separando “as” de “noites”, o qual foi provavelmente interpretado
pelo editor como indicação de elisão do “s” final de “as”. (N.E.)

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 517 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

ca veo meu amigo,


5 e ante que lh’ enviasse dizer ren,
veo a luz e foi logo comigo.

E pois m’ eu eire senlheira deitei*,


a noite foi e veo e durou,
mais a d’ oge pouco a semelhou,
10 ca veo meu amigo,
e ante que mh-a falar começou,
veo a luz [e foi logo comigo].

E comecei eu eire de cuidar,


[e] começou a noite de crecer,
15 mai-la d’oge non quis assi fazer,
ca veo meu amigo,
e faland’ eu con el a gran prazer,
veo a luz [e foi logo comigo].

III, 3 veo 4 veo 6 veo 7 meu cyre 10 ca veo m. amigo, (atanto)


11 atanto q mha falhar c. 12, 16 ueo 18 ueo

IV. (CV. 782)


Aquestas noites tan longas
que Deus fez en grave dia
por mi, por que as non dormho,
e por qué as non fazia
5 no tempo que meu amigo
soía falar comigo?

Por que as fez Deus tan grandes,


non poss(o) eu dormir, coitada!
e de como son sobejas
10 quisera eu outra vegada
no tempo que meu amigo
soía falar comigo.

Por que as fez Deus tan grandes,


sen mesura, desiguaes,

* No texto consta “sen heira”. Nas provas, porém, estava “senlheira”, que não foi corrigido por
Lang. (N.E.)

518

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 518 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses

15 e as eu dormir non posso,


por qué as non fez ataes
no tempo que meu amigo
soía falar comigo?

IV. Cf. Monaci, Notes. 7-9 Por/que – eu / dormir – soberas 10-12


quisera – q cheu / amigo – comigo 13-15 Por que – mesura / de flegraaes
– posso Leia-se sen mesur’ e desiguaes? 16-18 por q as no fez araaes no
tenpo / q cheu amigo – comigo

V. (CV. 1049)
Maria genta, Maria genta da saya cintada,
e masestes esta noite ou quen pos cevada?
Alva, abriades m’alá.

Albergamos eu e outra na carreira


5 e rapazes con amores furtan ceveira.
Alva, abriades m’alá.

U eu maj’ aquesta noite, ouv’ i gran cea


e rapazes con amores furtan avea.
Alva, abriades m’alá.

V. 1 M.g. / M. g. / d. s. c. 2 hu m. etc./ ou q. etc. 6 alua abra. 7 Hu


eu maisqsta – zeã 8 aueã 9 alua a bra.

VI. (CCB. 468, l. 9-34)


Ben sabia eu, mha senhor,
que pois m’ eu de vos partisse
que nunca veeria sabor
de ren pois vus eu non visse,
5 por que vos sodes a melhor
dona de que nunca oisse
omen falar;
ca o vosso bon semelhar
sei que par
10 nunca lh’omen pod’ achar.

519

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 519 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

E pois que o Deus assi quis


que eu sõo tan alongado
de vos, mui ben seede fiz
que nunca eu sen cuidado
15 én viverei, ca ja Paris
d’ amor non foi tan coitado
nen Tristan
nunca sofreron tal afan,
nen a[ver]án
20 quantos son nen seerán.

Qué farei eu pois que non vir


o mui bon parecer vosso?
ca o mal que vus foi ferir
aquele x’est o vosso.
25 E por ende per ren partir
de vus muit’amar non posso
nen farei,
ante ben sei
ca morrerei
30 se non ei
vos que sempre amarei.

VI. 9-10 sey que par nucalhome pedachar 12 ssoo 14 nuuca 15 eu


v. 17-20 N. t. n. s. / Tal affam. Nen am tos som / Nen seeram. 25 [na
verdade, refere-se ao v. 24 (N.E.)] Uma sílaba a menos? Leia-se este por
est? 27-31 Nen farei – camoirerey / Se non ey uos que semprey amey.

VII. (CV. 594)


Johan Ayras, burges de Santiago.

Dizen, amigo, que outra senhor


queredes vos sen meu grado filhar
por mi fazerdes con ela pesar;
mais a la fe, non ei end’ eu pavor
5 ca ja todas saben que sodes meu
e nenhua non vus querrá por seu.

E fariades-mi vos de coraçon


este pesar, mais non sei og’ eu quen

520

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 520 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses

me vus filhass’, e ja vus non val ren,


10 ai meu amigo, vedes por que non:
ca ja todas / saben que sodes [meu
e nenhua non vus querrá por seu.]

E quen vus a vos esto conselhou,


mui ben sei ca vus conselhou mal,
15 e con tod’ esso ja vus ren non va[l],
ai meu amigo, tard’ i vus nembrou,
ca ja todas saben que sodes meu
[e nenhua non vus querrá por seu.]

Confonda Deus a que filhar o meu


20 amigu’, e min se eu filhar o seu.

VII. 2 seu 5 mea 6 nen hunha 7 Uma sílaba a mais. 14 Falta uma
sílaba. Leia-se sei [eu] ca etc.?

VIII. (CV. 523)


Esta [c]antiga fez Per’ Eannes Marinho, filho de Johan Annes de
Valladares, por salvar outra que fez Johan Ayras de Santiago, que diz assi [o]
[c]omieço: Dizen, amigo, que outra Senhor Queredes vos sen meu grado
filhar.

Bõa senhor, o que me fai miscrar


vosco, por certo soube-vus mentir
que outra dona punhei de servir.
De tal razon me vus venho salvar:
5 Se eu a molher oge quero ben,
se non a vos, quero morrer por én.

E nobre amiga, pois vus sei amar


de curaçon, devedes receber
aquesta salva que venho fazer,
10 e non creades quen quer posfaçar,
ca se eu a molher oge quero ben,
[se non a vos, quero morrer por én.]

E mha amiga, eu vus venho rogar


que non creades nenhun dizedor

521

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 521 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

15 e sempre min, meu lum(e)’ e meu amor,


das que me queren mal buscar,
ca se eu a molher oge quero ben,
se non a vos, quero morrer por én.

Nen quer’ eu, dona, por senhor tomar


20 se non vos que amo e quero amar.

VIII. Cf. Monaci, Notes. 1 Boa – mistr’ 3 desseruir (de tal) 7 poys
u(9)os s.a. 8 curacom 11 amollãr ege 13 E meu am’ eu uos uenho r.
15 e sã (q)cramã 16 Faltam duas sílabas.

IX. (CV. 636)


Meu amigu’ e meu ben e meu amor,
disseron-vus que me viron falar
con outr’ ome, por vus fazer pesar;
e por én rogu’ eu a Nostro Senhor
5 que confonda quen vu-lo foi dizer,
e vos se o assi fostes creer,
e min se end’ eu fui merecedor.

E ja vus disseron por mi que falei


con outr’ ome’ e que vus non tiv’ en ren,
10 e se o fiz, nunca mi venha ben;
mais rog’ a Deus sempr’ e roga-lo-ei
que confonda quen vu-lo diss’ assi,
e vos se tan gran mentira de mi
crevestes, e min se o eu cuidei.

15 Sei que vus disseron per bõa fe


que falei con outr’ om’, e non foi al
se non que vu-lo disseron por mal;
mais rog’ a Deus que no ceo sé
que confonda quen vus atal razon
20 diss’, e vos se a crevestes enton,
e que confonda min se verdad’ é.

E confonda quen a tan gran sabor


d’ antre min e vos meter desamor,
ca mayor amor de mude.

522

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 522 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses

IX. 7 en den 8 Uma sílaba a mais. 13 mã 18 rogades 18 Falta uma


sílaba. Leia-se: rogu’[eu] a D. etc.? 24 A transmissão desse verso é
evidentemente defeituosa. O sentido, bem como o metro, parecem requerer
uma lição como: Ca m. a. do mund’ o noss’é.

Traduções
I. 32

Levantai-vos, meu amor, que dormis quando desponta a madru-


gada!
Os pássaros em todos os ramos cantam de amor.
Sou uma donzela feliz.

Levantai-vos, meu amor, que dormis quando aparece o dia!


Os pássaros em todos os ramos falam de amor.
Sou etc.

Os pássaros em todos os ramos cantam de amor;


O nosso amor fez o ar vibrar.
Sou etc.

Os pássaros em todos os ramos falam de amor;


O nosso amor claramente proclamam.
Sou etc.

O nosso amor fez o ar vibrar.


Vós expulsastes os pássaros dos ramos em que pousavam.
Sou etc.

O nosso amor claramente proclamam.


Vós os assustastes dos ramos em que ficavam.
Sou etc.

Vós os assustastes dos ramos em que pousavam


E secastes as fontes murmurejantes em que bebiam.
Sou etc.

32
Não é preciso dizer que as versões métricas desta cantiga e da de número V não têm outro mérito
senão o de dar uma ideia aproximada da forma do original. [Mantemo-nos aqui mais fieis à
tradução de Lang que ao texto em galego-português, uma vez que a sua versão para o inglês
esclarece a maneira como entendeu o poema. (N.E.)]

523

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 523 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Vós os assustastes dos ramos em que ficavam,


E secastes as fontes murmurejantes em que se banhavam.
Sou etc.

II.
1. Sem o meu amigo estou sozinha e triste, e o sono abandona os meus
olhos; e com todo o coração rogo a Deus pela luz do dia, Ele, porém,
não ma dá. Mas se eu estivesse com o meu amigo, a luz seria comigo
agora mesmo.
2. Quando eu estava com o meu amigo, a noite acabava rapidamente; e
agora ela vem e cresce e fica, e a madrugada não vem nem aparece o
dia. Mas se eu etc.
3. E quando a minha luz e meu amado está comigo, parece-me que a ma-
drugada, que não me dá alegria, vem logo; mas agora a noite vem e
alonga-se. Porém se eu etc.
4. Rezo mais de cem preces Àquele que morreu na cruz, que Ele me possa
mostrar a luz do dia; mas, em vez disso, mostra-me estas noites intermi-
náveis. Mas se eu etc.

III.
1. Da noite de ontem poder-se-iam fazer três longas noites, parece-me; mas esta
última noite estive muito bem! Pois meu amigo veio e antes que eu lhe disses-
se uma palavra, amanheceu e a manhã estava logo comigo.
2. E ontem, quando me deitei sozinha, a noite veio e passou lentamente; mas esta
última noite foi muito diferente, pois meu amigo veio e antes que começasse a
falar comigo, amanheceu etc.
3. E ontem eu comecei a cuidar, e a noite cresceu cada vez mais longa; mas esta
última noite não foi assim, pois meu amigo veio e quando falei alegremente
com ele, amanheceu etc.

IV.
1. Essas noites tão longas que Deus fez para meu mal, porque as passo sem dor-
mir, por que não mas deu no tempo em que meu amigo conversava comigo?
2. Porque Deus as fez tão longas, passo-as sem dormir, coitada de mim! Mas tão
longas como são agora, gostaria de tê-las tido no tempo em que etc.

524

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 524 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses

3. Como Deus as faz tão longas, além da razão e da medida, e não posso conciliar
o sono, por que não as fez assim no tempo em que etc.

V.
1. Maria bonita, Maria bonita, da saia cintada,
Onde afinal ficaste esta noite, ou quem alimentou o gado?
Levanta-te, abre para mim!

2. Eu e outra moça tardamos no campo,


E rapazes amorosos encontraram-nos e roubaram o meu grão.
Levanta-te, abre para mim!

3. Onde eu fiquei detida, o banquete era grande e alegre,


E rapazes amorosos encontraram-nos e roubaram a minha aveia.
Levanta-te, abre para mim!*

VI.
1. Bem sabia eu, bela Senhora, que a partir do momento em que me separasse de
vós nunca mais teria prazer em coisa alguma, já que não poderia ver-vos, pois
sois a melhor mulher de que já se ouviu falar, e sei que nunca ninguém encon-
trará igual à vossa adorável aparência!
2. E já que Deus quis que eu estivesse tão longe de vós, podeis estar certa de que
nunca mais viverei sem dor, pois nunca estiveram nem Páris nem Tristão tão
afligidos pelo amor, nem nunca sofreram tal angústia, nem sofrerá quem quer
que viva ou venha a viver.
3. O que farei quando não mais contemplar a vossa adorável figura? Vós sois a
causa do meu sofrimento e portanto não posso desistir de vos amar ardente-
mente, nem o farei; antes, sei muito bem que morrerei, se não vos ganhar, a
vós que sempre amarei.

VII.
1. Dizem, meu amigo, que quereis, contra a minha vontade, tomar outra senhora,
para me causar sofrimento por meio dela; mas juro que não tenho medo disso,
pois todas sabem que vós sois meu, e nenhuma vos quererá por seu!

* Por óbvia gralha, que passou inclusive nas provas, este verso em inglês diz: “Up, upon to me”,
em vez de “Up, open to me”, como nos vv. 3 e 6. (N.E.)

525

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 525 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

2. E agradar-vos-ia, de fato, causar-me essa dor, mas não sei hoje de ninguém
que vos tirasse de mim, e portanto o vosso plano não vos vale de nada, meu
amigo, e vede por que razão: pois todas etc.
3. E quem vos aconselhou assim, sei bem que vos aconselhou mal, e o vosso
plano não vos serve de nada, meu amigo, pensastes nele muito tarde, pois
todas etc.

Que Deus confunda aquela que me tiraria o meu amigo, e a mim, se lhe tirasse
o dela.

VIII.
Esta cantiga foi composta por Per’Eannes Marinho, o filho de Johan Annes de
Valladares, para justificar outra cantiga composta por Johan Airas de Santia-
go, cujo começo é assim: “Dizem, meu amigo, que quereis, contra a minha
vontade, tomar outra senhora”.

1. Excelente senhora, o que me enredou convosco, estou seguro de que vos infor-
mou erroneamente de que eu tencionava servir a outra mulher. Diante disso,
assim venho justificar-me diante de vós: Se eu hoje amar outra mulher senão
vós, morrerei penitenciando-me por isso.
2. E, minha nobre amiga, já que vos amo com todo o meu coração, deveis aceitar
esta justificativa que vos venho oferecer, e não deveis crer em quem quer
falsear-me, pois se eu hoje etc.
3. E, minha amiga, venho pedir-vos que não acrediteis em qualquer maldizente,
e sempre, minha luz e meu amor, que creais em mim e não naqueles que me
querem fazer mal, pois se eu hoje etc.
Nem desejo, bela senhora, ter como dona do meu coração nenhuma outra se-
não vós, que amo e sempre amarei.

IX.
1. Meu amigo, minha felicidade e meu amor, contaram-vos, para vos causar dor,
que me viram conversando com outro homem e, portanto, peço a nosso Se-
nhor que possa confundir quem vos contou isso, e a vós mesmo, se o
acreditastes, e a mim, se o mereci.
2. E contaram-vos que eu conversei com outro homem, e não tive consideração
por vós, e se o fiz, que nunca mais eu seja feliz. Mas sempre rogarei a Deus
que possa confundir quem disse isso, e a vós, se acreditastes em tão grande
falsidade a meu respeito, e a mim, se jamais pensei nisso.

526

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 526 29/4/2010, 11:13


Antigos cantares portugueses

3. Sei que vos contaram, com efeito, que conversei com outro homem, e disse-
ram-no apenas para vos causar dor. Mas rogo a Deus que está no céu que possa
confundir quem vos disse tal coisa, e a vós se então o crestes e a mim, se for
verdade.

E possa Ele confundir quem tem tal prazer em provocar ódio entre mim e vós!
Pois não há no mundo amor maior [que o nosso].

NOTAS
III, 3 Obviamente dito com ironia. Cf. II. 9 e 15.

11. Cf. IV, 6 etc. Para o sentido de falar, vid. Canc. Gallego-Castelhano, p. 161.

V, 7 Se maj’aquesta n. for a lição correta, a primeira sílaba pode entender-se


como estando por magi, uma forma do perfeito de mãer (Lat. manere), parale-
la a pugi (além de pus) de põer, quigi (além de quis) de querer.

VI, 15-18 Para essa e imagens semelhantes do amante fiel, tomadas pelos antigos
poetas portugueses da tradição celta e de outras tradições, vid. Liederbuch des
Königs Denis, p. 123 [neste volume, p. 319], e o artigo da Sra. Vasconcelos na
Revista Lusitana 6, pp. 1-43.

Nessa passagem, também temos uma instância do schema apò koinù. Outros
casos dessa figura sintática em português arcaico são os seguintes: CV. 370,
II. 1-4: Ay amigas, perdud’ an conhocer Quantos trobadores no reyno son De
Portugal ia non an coraçon De dizer ben que soyan dizer; Canc. Resende II,
p. 376, II. 16-20: Poys foy causa su’armada e ser Elena rroubada, Por end’eu
soo em meu leyto com muyta pena me deito que causa tua tardada. Para exem-
plos em francês antigo, vid. Tobler, Verm. Beiträge, vol. 1, p. 115; 3, p. 88;
Ebeling, Auberee, p. 98.

23-24 O sentido destas linhas não está claro para mim.

VIII, 1 Fai além de faz também, p.ex., Canc. Gallego-Castelhano I. 462; para o
espanhol antigo, vid. Gassner, Altspan. Verbum § 133; para o provençal, p.ex.,
Appel, Chrest., p. XXVII. Assim também temos faes por fazes 2ª. pres. ind.,
como CV. 1022 (em rima com desiguaes); CM. 82; Cronica troyana II,
pp. 101, 229; e fais, 2ª. imper. por faz, CM. 125, 263, 303, 355; Festa XII, p.
585. Para o antigo espanhol fay, vid. Gassner, loc. cit., §§ 133, 269.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 527 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

13 Para o sentido de dizedor (= maldizente; prov. lauzengier), vid. Mod. Lang.


Notes 10, col. 218, nota 1 [neste volume, p. 464, nota 45].

15-16 O texto destes versos parece imperfeitamente transmitido, pois não satisfaz
nem o sentido nem o metro.

IX, 18 Para a rima fe : sé (= sedet), cf. p. ex. CV. 1044; CM. 53, 122, 135 etc.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 528 29/4/2010, 11:13


Relações da antiga escola lírica portuguesa com os trovadores e troveiros

Acerca de caçafaton no Dicionário de Rima


de Pero Guillén *

No seu tratado sobre “Las z e ç del antiguo castellano, iniciales de


sílaba, estudiadas en la inédita Gaya de Segovia”1, o Sr. Oiva Joh. Tallgren
registra o vocábulo caçafaton como uma das palavras nas quais, segundo
sua opinião, o castelhano ç corresponde regularmente a um çád e sin árabe,
oferecendo o seguinte comentário a esse respeito (p. 35-37):
Caçafatón. Acad.13: “gazapatón”, aum. de gazapa, “mentira”
(gazapa < kadáb, “mentira”). Comp. adelante, gazapo.2
É pena que o Sr. Tallgren, que parece não estar consciente das
outras questões envolvidas nessa fórmula, tenha deixado de lado a forma
gazafatón, que naquela mesma 13ª edição do Dicionário da Academia (1899)
– o único lugar que lhe pareceu necessário consultar para buscar informa-
ção a respeito de uma palavra do século XV! – precede a entrada gazapatón,
com a sua absurda etimologia. Pois a forma gazafaton ocorre, além de
caçafaton, no Cancionero de Baena, como o representante semi-popular
do termo escolástico cacemphaton3, familiar a todo estudante de poesia
medieval.
Ouçamos o testemunho do Cancionero de Baena, em cuja poesia
se expressa pela primeira vez a unidade de interesses literários das três
nações da Península:

* “Contributions to Spanish Literature. III. Apropos of Caçafaton in the Rhyme-Dictionary of


Pero Guillén”. In: Revue Hispanique, tomo XVI (1907) 13-25.
1
Publicado em Mémoires de la Société Néo-philologique em Helsingfors, tomo IV (1906), 1-50.
2
Essa afirmação não é corrigida nas Adiciones y correcciones al Estudio de las z y ç (loc. cit., 397-
401).
3
Vid. loc. cit. os Dicionários Grego e Latino, s.v.; as Orig., de Isidoro, I, loc. cit. c. 33; o Doctrinale
de Alexander de Villa-Dei (ed. Kehrbach, Berlin, 1893), II. 2368 e 2380 ss. – Outras referências
serão dadas mais adiante.

529

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 529 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Nº. 124 (2ª. estr.): Que quien bien catare en cada renglon, Fallará
ditongos4 e gaçafaton E los consonantes errados, perdidos; 139 (rubrica)
Este dezir fizo e ordenó el dicho Alfonso Alvares de Villasandino flabando
con el Amor, el qual es fecho de caçafatones; 196 (Fynida)5: Aunque es
caçafaton, Ya vasio es mi bolson; 223: Noble rey, tres peticiones. Vos enbié
bien derechas Quitas de caçafatones, 573: Encerradas e abiertas, Sufrase el
caçafaton6.
É claro que a familiaridade com esses textos teria por si mesma
tornado impossível o engano do Sr. Tallgren, e é igualmente claro que um
conhecimento profundo de documentos tais como a poesia e os tratados
métricos da Idade Média é o preparo indispensável para qualquer estudo
crítico de um trabalho como a Gaya de Segovia, de Pero Guillén.
Em vista do que se disse, não é necessário citar as definições do
termo gazafaton dadas nos dicionários castelhanos, catalães e portugueses.
É suficiente dizer que, começando com a 12ª edição do Dicionário
da Academia (1884), todas essas obras são unânimes em identificar o ter-
mo gazafaton e o seu posterior companheiro (contaminado) gazapaton com
cacophaton ou, mais corretamente, com cacephaton7 (por cacemphaton8).
Em catalão9, encontramos a forma gasafetó, tanto para o período antigo
como moderno, e para o português, Bluteau oferece-nos caçafetam10.
Resta-nos agora inquirir como o termo gaçafaton era entendido na
poética do tempo, de onde veio para os poetas da escola castelhana, e como
se deve explicar o desenvolvimento da sua forma.
4
Por ditongos (cf. nº. 209), o poeta sem dúvida se referia àquelas sequências de vogais condena-
das, que as Leys d’amors (I, 22) chamavam diptonge contrafag (cf. também a proibição de hiatus
nas Leys d’amors, III, 50), e Enrique de Villena, na sua Arte de trobar (Mayans y Siscar, ed.
1875, pp. 275 e 282), chama ditongos impropios.
5
Esse poema é referido no glossário do Canc. de Baena s.v. caçafaton!
6
Essa passagem é assunto de uma excelente nota de Puymaigre, La Cour littéraire de Juan II, I,
pp. 193-194, na qual o termo é apropriadamente ligado à forma cacephaton, definida no
Compendium latino-hispanum, usualmente chamado o Calepino de Salas (Barcelona,
MDCCLXLVIII).
7
Essa forma, presumivelmente mero erro por cacephaton, aparece como uma varia lectio em
Orig. de Isidoro (ed. Lipsiae, 1833), p. 48. Cf. abaixo o português antigo cacefeton.
8
A edição da Academia de 1726-1734 é instrutiva, porque acrescenta, depois de gazafaton: “Otros
dicen gazapaton”, abonando a primeira forma com Guevara, e a segunda, com Cervantes, Nov.
ejempl., 8, 287. Vid. abaixo. O excelente trabalho de John Stevens (Londres, 1706) concorda
com o Tesoro de Covarrubias na definição e derivação do termo de cacephaton, enquanto o
Dictionarium de Lebrija registra apenas cacophaton.
9
Gasafetó é citado por Baist, Romanische Forschungen, I, 115, em Ramon Lull. Ainda não pude
verificar essa referência. O Diccionari de Lavernia (Barcelona, 1888-9) designa gasafetó como
uma palavra antiga, traduzindo-a por gatada, esta última expressão sendo explicada pelo castelhano
gazafatón, gazapatón. Outros dicionários catalães modernos dão substancialmente a mesma in-
formação. – Devo ao Prof. J. D. M. Ford, da Universidade de Harvard, as referências a esses
dicionários catalães modernos.
10
R. Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra, 1712-21. 7 vols.

530

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 530 29/4/2010, 11:13


Acerca de caçafaton no Dicionário de Rima de Pero Guillén

Nas Leys d’amors, divulgadas em Toulouse em 135611 (vol. III, 18


e 26), cacemphaton figura como a segunda das dez flechas com que o Bar-
barismo e o Solecismo ferem as Damas Dicção e Oração: “e vol dire
cacenphaton aytant coma mala, aspra et laia sonoritat ques fay en una dictio
can a la votz12” etc.
Há razão de sobra para acreditar que um ou outro dos tratados
poéticos catalães, muitos dos quais foram diretamente inspirados pelas Leys
d’amors, se ocupe do cacemphaton, mas ainda não encontrei o termo nos
até agora publicados13. Esperamos ansiosamente que Gabriel Llabrés nos
dê, proximamente, o prometido volume de Poéticas catalanes medievales
que, entre outros trabalhos, deve conter o importante Libre de Concordances
de Jacme March14.
O tratado fragmentário15 da Escola Galego-Portuguesa (1175-
16
1350) , cuja influência sobre a lírica cortês castelhana foi anterior à dos
catalães17, proíbe o cacemphaton no seguinte parágrafo (cap. VI, § 2)18:

11
Publicadas por Gatien-Arnoult em Monuments de littérature romane, 1841-1843. 3 vols. Vid.
Wolf, Studien, p. 235 ss.; Milá, Obras completas, III, p. 279 ss.; Chabaneau, Origine et
établissement des Jeux Floraux (no vol. X de Histoire du Languedoc, p. 177 ss.).
12
Cf. o que se diz, na p. 42 ss., da nona flecha, cacosyntheton. Ambos os termos são citados no
Lexique roman, de Raynouard, II, p. 284.
13
Vid. Milá, Antiguos Tratados de Gaya Ciencia, em Revista de Archivos, VI (1876), 313, 329,
345, 361 (= Obras, III, pp. 279-297); também De los trobadores en España, em Obras, II,
p, 506 ss. – P. Meyer, Traités catalans de grammaire et de poétique, editados em Romania VI,
p. 341 ss.; VIII, p. 181 ss.; IX, p. 51 ss.
No Compendi de Castellnou (Romania VI, pp. 342-3), baseado nas Leys d’amors (cf. Chabaneau,
Origine, p. 184, nº. 1) e que trata especialmente dos vicis, não se inclui a secção que fala dos
primeiros oito erros comuns. O cacemphaton tampouco é mencionado em Johannis Anglici (de
Garlandia) Poetria de arte prosayca, metrica et rithmica (século XIII, publicado por G. Mari em
Romanische Forschungen XIII, p. 882 ss.), nem nos tratados métricos franceses dos séculos XIV
e XV, editados por E. Langlois em Recueil d’Arts de seconde Rhétorique, Paris, 1902.
14
Vid. Farinelli, “Appunti su Dante in Ispagna”, em Giornale Storico della Lett. ital., 1905, Suppl.
no. 8, p. 38, nº. 2.
15
Contido em Il Canzoniere Portoghese Colocci-Brancuti pubblicato da E. Molteni. Halle a.d.S.
1880; e editado por Monaci em Miscellanea di filol. e linguist., 1886, pp. 417-423. Para uma
discussão do valor desse tratado, vid. Liederbuch des Königs Denis, 1894, p. XI ss. [Cancioneiro
d’el Rei Dom Denis, neste volume, p. 62 ss.]
16
As razões para adotar o ano 1175, em vez de 1200 (Grundriss der roman. Philol. II, 2, p. 177),
como a data aproximada para o começo literário da lírica portuguesa são dadas no Liederbuch,
p. XXV ss. [neste volume, p. 73 ss.] e em Modern. Lang. Notes X (1905), 105 [neste volume,
p. 456]
17
Vale a pena observar que o metricista catalão Jofre de Foxa, a quem Santillana se refere como a
sua autoridade, não nomeia o castelhano entre os dialetos poéticos do seu tempo. Nas suas Regles
(vid. Romania IX, p. 53 ss.), ele diz, § 11: “Languatge fay a gardar, car si tu vols far un cantar en
frances, nos tayn que y mescles proençal nen cicilia ne gallego, ne altre lengatge que sia strayn
a aquell”.
18
É uma coincidência interessante que, tanto aqui como em dois poemas do Cancionero de Baena,
se tratem conjuntamente o cacemphaton e o hiato ou ditongo proibidos.

531

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 531 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

“Erro acharon os trobadores que era huma palabra, a que chamaron


caçefeton19, que se non deve meter na cantiga, que he tanto como palavra
fea, et sona mal na boca; e algunas vezes tange en ela cacoiriam20 ou lixo,
que non convem de seer metudo em bõa cantiga”.
Terá sido através desse tratado que o cacemphaton21 e outros ter-
mos técnicos se tornaram conhecidos pelos poetas do Cancionero de Baena?
Segundo Paul Meyer22, que notou o emprego da palavra talho ali num sen-
tido praticamente idêntico ao de taille nos metricistas franceses23, o nosso
sumário português foi composto pelos fins do século XIV. Se isso fosse
verdade, teria sido contemporâneo dos próprios poetas do Cancionero de
Baena que, como Alfonso Álvarez de Villasandino e o Arcediano de Toro,
ainda compunham na maneira herdada24 e dificilmente, portanto, lhes teria
sido tão desconhecido, como parece. Mas a data de Meyer é inaceitável,
por vários motivos. Tanto o caráter da língua, como o fato de que o autor
frequentemente se refere aos trovadores no tempo presente, indicam que o
pequeno código poético em questão foi escrito enquanto ainda florescia a
escola galego-portuguesa. Ora, sabemos que, depois da morte de D. Denis
(† 1325), essa arte declinou rapidamente em Portugal, e que os seus últi-
mos seguidores, como os príncipes reais D. Afonso Sanches († 1329) e
D. Pedro Afonso, conde de Barcelos († 1354), procuraram refúgio na corte
de Afonso XI de Castela († 1350)25. A esse monarca é que o Conde de Bar-
celos deixou em testamento (1350) o seu Livro das cantigas26. E uma vez que
D. Pedro foi o último colecionador de cantigas trovadorescas de que temos
conhecimento, e a sua própria poesia, da mesma forma que a de contemporâ-
neos seus, está incluída nas duas coletâneas ainda existentes na Itália, pode-se
considerar como quase certo que os dois códices italianos representam có-
pias mais ou menos diretas do Livro das cantigas, compilado por D. Pedro27.

19
Colocci anotou na margem a variante: cacephetó.
20
A Sra. Vasconcelos, Canc. da Ajuda II, p. 661, lê caçorria, e essa emenda é apoiada pela aproxi-
mação semelhante de cazurro e lijo em Juan Ruiz, 921: Fis cantares cazurros de quanto mal me
dixo; Non fuyan dello las duenas, nin los tengo por lijo.
21
Essa expressão não ocorre nem uma única vez em todas as 2116 composições dos cancioneiros
galego-portugueses, incluindo as Cantigas de S. Maria, de Afonso X.
22
Romania XV, p. 461.
23
Langlois, loc. cit., s.v. taille.
24
Vid. Grundriss d. rom. Ph. II, 2, pp. 235-240; Canc. Gallego-Castelh.
25
Vid. Canc. Gall.-Castelh., pp. XI-XII, e a bibliografia ali citada.
26
Vid. Monarchia lusitana, V (1650), l. XVII-XIX.
27
Para uma completa e magistral discussão de todas as questões envolvidas nesse importante as-
sunto, remeto o leitor à excelente edição do Cancioneiro da Ajuda (Halle 1904), da Sra. C. M. de
Vasconcelos, vol. II, pp. 180-288. – O Cancioneiro que o Marquês de Santillana viu na biblioteca
da sua avó, D. Mencía de Cisneros, pode ser considerado como uma outra cópia da compilação
feita por D. Pedro.

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Acerca de caçafaton no Dicionário de Rima de Pero Guillén

Diante desse fato, o nosso tratado métrico, figurando logo no começo do


Cancioneiro Colocci-Brancuti, a mais completa das duas cópias italianas,
deve ter sido escrito antes do ano 1350. E como a canção cavaleiresca já
não estava em moda em Portugal depois de 1325, e não há evidência de que
Afonso XI encorajasse a composição em português na sua própria corte28,
é seguro conjecturar que o pequeno trabalho pertença ao primeiro quartel
do século XIV, se não for mesmo mais antigo. Só por essa razão – para não
falar do seu conteúdo – não pode ter sido influenciado nem pelas Leys
d’amors, como Chabaneau supôs29, nem, como sugeriu Meyer, pelos trata-
dos franceses que conhecemos, o mais antigo dos quais, a Art de Dictier de
Eustache Deschamps, data de 139230. Do mesmo modo que as desafortuna-
damente perdidas Reglas como se deve trovar31, compostas por D. Juan
Manuel entre 1329 e 133532, a nossa métrica portuguesa deve, sem dúvida,
a sua concepção ao exemplo de um ou mais dos numerosos trabalhos do
século XIII, em latim, provençal ou catalão33. Um ou outro desses pode ter
sido trazido a Portugal por homens como o erudito Aimeric d’Ebrard de
Cahors († 1295), tutor do rei D. Denis, e bispo de Coimbra depois de 1279,
ou Domingos Anes Jardo, bispo de Évora, que fora educado na França34;
ou, mais provavelmente, por algum cantor ou clérigo provençal ou catalão,
que encontrou os poetas portugueses na corte de Afonso X (1252-1284) ou
veio a Portugal no séquito de Isabel de Aragão, casada com D. Denis em
128235.

28
Vid. Canc. Gall.-Cast., loc. cit.; Canc. da Ajuda, loc. cit., p. 228.
29
Origine, 180, nº. 4. Cf. Grundriss d. rom. Ph. II, 2, p. 197.
30
Vid. Petit de Julleville, Histoire de la langue et de la litt. française, II, p. 392.
Quanto ao uso do termo talho, no sentido do francês taille (vid. supra), isto é, a forma de uma
estrofe ou poema, pode atribuir-se a uma tradição poética mais antiga, comum a Portugal e à
França, ocorrendo a palavra talho frequentemente nos próprios textos poéticos com a significa-
ção de “feitio”, “molde”, “forma”, como, por exemplo, Canc. Vat. 1024, v. 13; 1040, v. 5;1109,
v. 13. Cf., ibid., 344, 981. – O mesmo significado liga-se também ao provençal talh.
Vid. Raynouard, Lexique Roman, s.v.
31
Tudo o que se sabe da história da arte lírica na Espanha Ocidental e Central assegura-nos que o
código português deve ter precedido as Reglas, de D. Juan Manuel.
32
Vid. Baist, El Libro de la Caza, pp. 153-154; Grundriss der rom. Ph. II, 2, p. 419.
33
Tais como o acima mencionado Poetria Johannis Anglici, ou outros editados por G. Mari em
Trattati medioevali di rimica latina (Milão, 1899).
Cf. Ramon Vidal, Razós de trobar e o Donat Proençal (em Stengel, Altprovenz. Gramm.); as
Regles de Jaufre de Foxa († 1327), compostas antes de 1291 (Romania IX, p. 52) e o seu prede-
cessor italiano, Terramagnino de Pisa (Romania VIII, p. 182). – Que Foxa levou em conta a lírica
galego-portuguesa, fica claro pela passagem citada acima.
34
Vid., em relação a esses, Grundriss d. rom. Ph. II, 2, p. 178; Liederbuch des Königs Denis,
p. XXXVI ss. [neste volume, p. 82 ss.]
35
Vid. Liederbuch, p. XXXVIII ss. [neste volume, p. 84 ss.]; Canc. da Ajuda, II, pp. 281-2;
pp. 510-512.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Seja qual for o modelo que o autor do nosso código, que cita os
seus clerigos, teve diante dos olhos, não devemos imaginar que o tenha
seguido muito de perto. Nem a atitude mental dos portugueses, nem o
caráter decididamente nacional e arcaico da sua poesia, tão refrescante-
mente diferente das canções provençais, graças a cujo exemplo ela se
elevara ao campo da literatura, lhe permitiram fazer assim36. Muitos dos
termos técnicos de nosso tratado, como dobre, mordobre, joguete d’arteiro,
atafiinda e outros, que não aparecem absolutamente nos textos poéticos
que chegaram até nós37, são tão genuinamente do solo que podem ser, em
si mesmos, prova suficiente da individualidade profundamente enraizada
dessa poesia. Pela mesma razão, não nos deve surpreender que alguns
dos preceitos do nosso tratado estejam em contradição com a prática ob-
servável na própria produção poética. Alguns desses casos, como a regra
que diz respeito à alternância das rimas masculina e feminina dentro da
mesma estrofe e poema (cap. V, § 2)38, podem ser devidos ao fato de o
metricista ter confinado a sua observação a uma porção comparativamente
pequena da matéria agora conhecida por nós; outros, como a proibição de
hiato, que segue imediatamente a do cacemphaton (cap. VI, § 3), podem
creditar-se à sua aceitação acrítica de uma tradição escolástica39. Por es-
sas razões, bem como por causa da sua condição fragmentária, o nosso
código poético pode ter comparativamente pouco valor para nosso co-
nhecimento da técnica da lírica em português arcaico40, nem é de forma
alguma possível que tenha servido de fonte de informação aos poetas da
escola castelhana. E esse ponto de vista ganhará força se considerarmos
que há pouca evidência, se é que alguma, de que os poetas desse confuso

36
Em relação à independência com a qual os portugueses trataram os seus exemplos estrangeiros,
vid. Grundriss II, 2, p. 180; Liederbuch, p. LXVI & CXXV ss. [neste volume, pp. 90 e 162 ss.] e
Modern Lang. Notes X (1895), 213 [neste volume, p. 460]
37
Mas o artifício que esses termos denotam ocorre frequentemente na poesia. Cf., por exemplo,
para o dobre e mordobre, as referências em Grundriss II, 2, 195, nº. 9, e Liederbuch, p. CXXV ss.
[neste volume, p. 162 ss.]
38
Vid. Liederbuch, p. CXXVII [neste volume, p. 164] e as críticas de Tobler, Archiv f. d. Stud. d.
neueren Sprach., 1895, p. 472; Mussafia, Antica Metrica Portoghese, Viena, 1895, p. 6 ss., e a
Sra. C.M. de Vasconcelos, Literaturblatt, 1896, p. 308 ss.
39
A persistência de tal tradição pode ser vista, por exemplo, nas Leys d’amors, nas quais, para só
citar um ou dois casos, o hiato é proibido (I, p. 26 ss), embora fosse frequente no período anterior
(cf. Stengel, Grundriss d. rom. Phil. II, 1, pp. 43-44) e a figura chamada perizologia (III, p. 30),
uma espécie de tautologia frequentemente usada na poesia medieval (vid. Canc. Gallego-Cast.,
pp. 163-4). Nesse caso, encontramos mesmo a ilustração (Yeu soy vius e no mortz) praticamente
idêntica ao uso empregado por Isidoro, Orig., I. I., 1. c. XXXIV, para o mesmo propósito (Vivat
Ruben et non moriatur).
40
Vid. Liederbuch, p. X ss. [neste volume, p.62 ss.]

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Acerca de caçafaton no Dicionário de Rima de Pero Guillén

período de transição (1350-1450)41 tenham tido qualquer conhecimento


direto, baseado em leitura pessoal, mesmo das obras da escola galego-
portuguesa. Nem mesmo pessoas como Pero González de Mendoza (†
1385), o avô do Marquês de Santillana, ou Alfonso Álvarez de Villasan-
dino, que viveu mais próximo da primeira época lírica, e ainda compôs
em galego42, se referem aos trovadores portugueses ou ecoam alguma das
suas cantigas. E o próprio Marquês de Santillana, a quem devemos a úni-
ca afirmação explícita e contemporânea da dívida da lírica castelhana em
relação à galego-portuguesa43, e que viu na sua juventude44 – e mais tarde
possuiu ele mesmo – um grande Cancioneiro português45, evidentemente
adquiriu a ideia bastante geral que tinha da natureza dessa arte, não por
meio do estudo pessoal das suas obras, mas daquilo que outros lhe disse-
ram46. Somente assim podemos explicar que, no seu celebrado Prohemio,
não tenha nada para dizer do uso prevalente do decassílabo, que enfatiza
ao falar dos catalães, nada do importante fato de Afonso X ter escrito
mais de 450 cantigas – no idioma galego-português, embora a porção
secular delas, umas trinta ou mais, estivessem muito provavelmente con-
tidas naquele mesmo Cancioneiro; nada, finalmente, do tratado métrico
preservado no mesmo volume. Se uma cópia desse tratado tivesse sido
consultada por Santillana ou por algum dos seus predecessores, mal se
pode entender como o termo mordobre, tão claramente nele definido47,
poderia ter assumido uma forma quase ininteligível em todos os textos

41
Vid. Grundriss d. rom. Ph. II, 2, pp. 236-240; Canc. Gallego-Castelhano.
42
O dialeto poético empregado por esses poetas é, contudo, consideravelmente diferente do gale-
go-português da poesia mais antiga.
43
Vid. Amador de los Rios, Obras del Marques de Santillana, pp. 11-12.
44
Muito provavelmente antes de 1414, pois nesse ano entrou na vida pública (vid. Rios, loc. cit.,
p. XXIII), e as suas próprias declarações indicam que ele nunca examinou a coleção nos seus
últimos anos. O Cancioneiro não está registrado na biblioteca do Marquês que chegou até nós
(vid. o valioso trabalho de M. Schiff, La bibliothèque du Marquis de Santillane. Paris, 1905). Foi
provavelmente enviado à Itália pelo Marquês em troca de um Dante ou um Petrarca, ou então
destruído pelo fogo, no castelo de Guadalajara, em 1702 (cf. Schiff, loc. cit., p. XC).
45
Vid. supra.
46
Na minha nota sobre “cantigas de citação” (Canc. Gallego-Cast., pp. 223-224), chamei a atenção
para o fato de que uma das citações no encantador villancico de Santillana em honra das suas
filhas (Rios, p. 462) é idêntica aos versos citados numa cantiga do clérigo galego Ayras Nunes,
do século XIII (Canc. Vat., 454):
Quem amores ha,
Como dormirá?
Ay bela flor.
Essa coincidência deve-se, sem dúvida, à sobrevivência desse refrão na tradição popular.
47
Cap. IV, § 6. O escriba de Colocci, copiando de um texto já defectivo, naturalmente escreveu mal
a palavra, mas as formas moz dobre e mor dobe não deixam dúvida quanto à correção da lição
mordobre, sendo mor a contração da forma mais antiga moor. Cf. para essas formas, por ex.,
Liederbuch, v. 1562.

535

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

que sobreviveram48, e tenha trocado significados com o seu original sim-


ples, o dobre49.
O esquecimento a que os Cancioneiros galego-portugueses foram
devotados em Portugal50, assim como em Castela, deveu-se, mais do que à
mera indiferença, aos novos e potentes ideais literários que, pelos fins do
século XIV, chegaram a Castela, vindos da Catalunha e da Itália. É o es-
pírito do Consistori del Gay Saber, com os seus certames florais51, e o seu
formalismo, que predomina no Cancioneiro de Baena52, e é essa nova es-
cola poética que, juntamente com muitos outros termos técnicos*, sem
dúvida introduz o de gaçafaton.
Um exame do desenvolvimento fonético dessa palavra apontará,
penso eu, para a mesma fonte. Para começar com as vogais, encontramos o e
átono de cace(m)phatón – pois essa era a acentuação medieval da palavra –
substituído por a. Em castelhano, de regra, e átono torna-se a, somente
quando estiver na sílaba inicial ou seguido por r53.
Em português, a mudança de e átono para a é muito menos restri-
to, pois aqui e pode ser assimilado a um a tanto na sílaba precedente como
na seguinte, como em meiadade (medietatem) ou trançadente (transcen-

48
São os seguintes os substitutos de mordobre (= Cast. mayor doble) até agora notados nos textos
que sobreviveram: masobre, Canc. Baena, 261-340; mansobre, C. Baena 255; Santillana, Obras,
p. 12; mançobre, Gomez Manrique, II, p. 155 (Paz y Meliá o substituiu por manobre!) ; mãzobre,
Gaya de Segovia, fol. 287, onde doble também ocorre.
É possível que, como a Sra. Vasconcelos muito apropriadamente sugere (Grundriss II, 2, p. 195,
nº. 9), um escrutínio cuidadoso dos manuscritos possa revelar, em uma ou outra dessas instân-
cias, uma forma mais próxima da original, mas o fato de que a significação do termo se tivesse
também tornado obscura parece indicar que a corrupção da palavra, qualquer que seja a sua
causa, é mais antiga do que qualquer dos textos que temos.
49
C. Baena 255 (2ª estr.): Syn dobre mansobre sensillo ó menor, Syn encadenado, dexar ó prender;
ibid., 340 (p. 398): Sy discor, deslay en desir conpuestos Con masobre llano en uno fablaron. Em
ambos esses casos, mansobre refere-se ao que os portugueses chamavam dobre e os provençais,
rim equivoc, e sem dúvida foi nessas passagens que Amador de los Ríos se baseou para a defini-
ção do termo, no glossário das obras de Santillana.
50
Cf. Canc. Ajuda, II, p. 118 ss.
51
Vid. C. Baena, nºs. 377, 451.
52
A importante influência dos catalães sobre a poesia castelhana naquela época, embora inegável,
e integralmente reconhecida por estudiosos como Wolf (Studien, p. 192 ss), Milá y Fontanals (De
los trobadores, p. 535 ss.), e a Sra. Vasconcelos (Grundriss II, 2, pp. 236, 241 etc.), ainda não
está suficientemente apreciada. É difícil entender como Baist (Grundriss, loc. cit., 427) pôde
negar a sua colaboração no estilo lírico da península, pelo simples motivo de que o decassílabo
dos catalães e dos portugueses não era mais empregado pelos castelhanos do século XV.
* No original, provavelmente por gralha, está “it is this new poetic school which parted together
with many other technical terms, doubtless introduced that of the gaçafaton”.
53
Vid. Pidal, no seu excelente Manual elemental de gramática histórica española, 2ª. ed. § 18, 3. –
Formas com um a desse tipo não são infrequentes no C. Baena, como, por exemplo, Vaspasiano
(nº. 381), abrayco (114), astatuto (187), matáfora (292).

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Acerca de caçafaton no Dicionário de Rima de Pero Guillén

dentem)54. Até aqui, então, caçafaton ou gaçafaton poderia bem ser de ori-
gem portuguesa. Quanto à sonorização da explosiva gutural inicial, ilustrada
na última forma, é um fenômeno não frequentemente observado em caste-
lhano55, embora fosse sem dúvida mais comum na linguagem popular56,
como se pode inferir do fato de que é bem conhecido na fala indo-euro-
peia57. Em português a mudança não é incomum, especialmente em palavras
de origem grega58, mas no vocábulo em discussão apenas a forma com c
parece ocorrer59. Em catalão, por outro lado, as condições fonéticas são
diferentes. Nas estrofes medievais, assim como nas modernas dessa lín-
gua, o e e a átonos misturam-se num som neutro, que pode ser descrito
aproximadamente como um intermediário entre a francês e e feminino60.
Aqui, de novo encontramos uma tendência mais geral para sonorizar a ex-
plosiva inicial61. A forma gasefató citada acima pode ser vista, portanto,
como o desenvolvimento catalão regular de cace(m)phaton, e temos assim
boas razões para supor que as palavras caçafaton e gaçafaton, encontradas
nos nossos textos castelhanos, vieram da Catalunha.
Uma ou duas palavras, finalmente, acerca das relações entre
gazafaton, a forma que permaneceu até os dias de hoje, e o seu substituto
gazapaton. Que o último é uma formação comparativamente tardia deduz-
se do fato de que não há constância da sua ocorrência nos textos dos séculos
XIII e XIV, e de que nem Covarrubias nem Minsheu ou Oudin a registram
nos seus dicionários. É verdade que o Dicionário da Academia de 1726
(vid. supra) assevera a sua ocorrência, citando Cervantes, Nov. Ejempl. 8,

54
Vid. Cornu, Grundriss d. rom. Ph. (2a. ed.), I, p. 947; Cancioneiro de Resende, II, 49, v. 15.
55
Pidal, loc. cit., § 37, não toca nesse ponto, nem o menciona no seu importante estudo sobre El
dialecto leonés, do qual apareceu recentemente uma parte na Revista de Archivos etc., 1906,
p. 128 ss.
56
Baist, Grundriss, I, 896, § 39, diz, corretamente, que na linguagem do povo essa mudança parece
ser mais frequente do que na linguagem literária.
57
Isso se revela na seguinte bibliografia sobre o intercâmbio de consoantes surdas e sonoras nas
línguas arianas, que devo à gentileza do meu colega, Prof. Hanns Oertel, de Yale University:
Sânscrito: Wackernagel, Altind. Gramm., I (1896) pp. 116-7, § 100 a-b; p. 123, § 130; Pischel,
Gramm. der Prakrit-Sprachen (1900) p. 138, § 191; Brugmann, Grundriss, I (2a. ed.) § 701, p. 629,
cita pares indo-europeus nos quais tenues e mediae alternam. Latim: Lindsay, Lat. lang., cap. II,
§ 73-4; Stolz, Histor. Gramm., I (1894), p. 261, § 257 (c : g); p. 266, § 263 ( t : d); p. 272, § 270
( p : b); Sommer, Handbuch der lat. Laut u. Formenlehre (1902), p. 185, § 105, e p. 283, § 158.
58
Vid. Cornu, loc. cit., p. 983, § 163-166, e a Sra. Vasconcelos, Miscellanea di filol. e linguist.,
p. 120.
59
Vid. supra caçafetam e cacefeton.
60
Vid. Milá, Obras, III, pp. 514-515; Morel-Fatio, Grundriss, I (2ª. ed.), p. 853, § 28.
61
Vid. Milá, loc. cit., p. 524; Morel-Fatio, loc. cit., p. 862, § 46. Uma tendência semelhante observa-
se em provençal, como se pode ver por casos tais como gadafale por catafale, Levy, Supplem.-Wb.
s.v., e o termo musical garip, italiano caribo, que é discutido por Ascoli, Archivio glottol., XIV,
p. 348 ss., e independentemente, embora de forma menos satisfatória, por Grandgent: Annual Report
of Dante Society (Cambridge, Mass., 1902, pp. 67-68).

537

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28762, para abonar a sua afirmação. Mas a meia dúzia de edições que pude
consultar têm todas a forma com f, e há pouca dúvida de que essa era a que
Cervantes usava. Contudo, a nota da Academia permite-nos inferir que a
forma-companheira com p por f deve ter surgido durante o século XVII.
Como, então, se originou? Certamente não através de mudança fonética de
f para p, pois tal fenômeno é desconhecido em espanhol, e com efeito a
alternância de p e f nas línguas românicas tem lugar apenas naquelas pala-
vras latinas de origem grega, nas quais o grego f ou o latim ph podem ser
representados em romance ou pelo mais antigo p ou pelo posterior f.63 Esse
fato, claramente afirmado em 1883 por Baist, no seu instrutivo estudo sobre
a mudança das plosivas em espanhol64, é em si mesmo razão suficiente para
rejeitar a derivação de caçafaton de gazapa.
A fonte do p na nossa palavra deve, portanto, ser procurada em outro
lugar, e deve encontrar-se, sem dúvida, na influência de alguma palavra com
a qual gazafaton, graças ao sentido mais geral de “disparate” que a ela se
ligou no tempo de Cervantes, se tinha associado na fala popular. Essa pala-
vra pode ter sido ou gazapo, “coelho”, “enganador”, como sugeriu Baist65,
ou gazapa, “mentira”66, como se poderia deduzir da 13ª. edição do Dicioná-
rio da Academia, na qual esta última forma foi pela primeira vez, embora
não pela última, representada como a original dos supostos aumentativos
gazapaton e gazafaton.

62
Vid. Ilustre Fregona (ed. Brockh., p. 235): Ya os dijo vuestro tío el clérigo que decíades mil
gazafatones cuando rezábades en latin.
63
Vid. Meyer-Lübke, Grammaire des langues romanes, I, § 17.
64
Romanische Forschungen I, pp. 115-116. – Ao discutir, nesse artigo, as formas gazafaton e
gazapaton, que a Sra. Vasconcelos, Romanische Wortschöpfung, p. 238, tinha citado como ilus-
tração do suposto intercâmbio de p e f, Baist chegou, inesperadamente, parece, a cacemphaton
como o étimo de gazafaton, uma etimologia que não era de forma alguma nova naquela altura.
65
loc. cit. Baist, aparentemente sem ter buscado nenhuma evidência nos seus dicionários, pergun-
ta-se se a forma mais primitiva é gazafaton ou gazapaton e diz: “A favor de gazafaton fala, além
da difusão, a circunstância de que se poderia, com maior facilidade sonora, anexar, ao invés de -
faton, -paton, por exemplo, a paton, zapaton, e subsequente a gazapo”.
66
Enquanto gazapo se encontra em Lebrija e Covarrubias, gazapa não se registra em nenhum dos
dois. Contudo, o Dicionário da Academia, de 1726, inclui a palavra e cita-a de Lope de Vega,
Gatomaquia (1634). – Parece-me menos provável que gazapa tenha comunicado o seu p a
gazafaton. Acerca da etimologia de ambas as palavras, cf. Dozy-Engelmann, Glossaire (2ª. ed.
1869) p. 381: “gaçapo, dans le sens de ‘menteur’, ‘trompeur’, et gazapa, ‘mensonge’, font penser
à cadzdzáb et cadzib, qui ont les mêmes significations. Müller. – Gazapo signifie jeune lapin, et
métaphoriquement ‘homme rusé’. En hollandais, on appelle un homme rusé ‘un vieux lapin’”.
Não pude consultar os glossários de Eguilaz Yanguas e de Simonet.

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Português chegar *

O português chegar no sentido de “trazer para perto”, “conduzir


para perto”.
Com referência ao particípio português chegado, diz Herzog, no
seu instrutivo ensaio “Das to-Partizip im Altromanischen” (volume 26,
p. 164, nota 2): “Lang dá a chegar, com efeito, o sentido de trazer para
perto, conduzir, que sem dúvida seria etimologicamente possível, mas não
é assim que ocorre e o sentido de ‘vir’ cabe melhor, uma vez que não se
observa aí, precisamente, nenhum Perfeito”. Deixo lançada a questão se a
interpretação de Herzog das duas passagens extraídas do Cancioneiro de
D. Denis (vv. 355, 1005) é melhor que a minha, mas gostaria de insistir
aqui que o significado “trazer para perto, conduzir para perto” não apenas
ocorre, como o seu uso em português é corrente desde tempos antigos,
como se pode verificar nos dicionários. Bluteau, s.v. chegar, elucida: “Che-
gar huma cousa a outra. Aliquid ad aliud admovere. Terent. Chegar ao
nariz hum ramalhete. Admovere fasciculum ad nares. Cic. Chegate ao lume
para se seccar o teu vestido. Admove te ad ignem, ut siccetur vestis tua.”
H. Michaëlis, Dicionário da língua portuguesa e alemã, s.v., arrola, igual-
mente, “trazer para mais perto”, “mover para mais perto” [näherbringen,
näherrücken], como emprego de uso corrente. E com isso concordam os
textos do século XIII. Nas Cantigas de Santa Maria, Afonso X emprega a
palavra de modo inequívoco, no mesmo contexto que Denis nos referidos
casos, por exemplo, nº. 45:

Em este coidad’estando
muit’ aficad’ e mui forte,
ante que o começasse,
door o chegou a morte.

O mesmo sentido é próprio ao espanhol llegar, como se torna cla-


ro a partir de dicionários e documentos antigos.

* “Portug. chegar”, em Zeitschrift für romanische Philologie XXXV (1911), pp. 736-737.

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 539 29/4/2010, 11:13


Rims equivocs e derivatius em
português arcaico *

No meu artigo acerca do texto do Cancioneiro da Ajuda (edição


de C. M. de Vasconcelos, 1904), falo do significado das expressões dobre e
mordobre e do emprego dos tipos de rima assim denominados (Zeitschrift
32, pp. 138-141 [neste volume, pp. 393-395]). Já que ali foram considera-
dos apenas os exemplos regulares comprovados naquele cancioneiro (CA.),
observar-se-ão agora todos os que se encontram nos três Cancioneiros pro-
fanos existentes1. Devem ser divididos em regulares (vid. p. 139 do referi-
do ensaio [neste volume, pp.393-395]) e irregulares, isto é, aqueles que
aparecem apenas em uma ou duas estrofes de um poema, ou em posição
diversa de rima, sendo por isso frequentemente percebidos como não in-
tencionais.
Pode-se ilustrar um emprego regular deste artifício rímico com a
primeira estrofe das duas cantigas seguintes:
Em CV. 566* (CA. 288), Pero da Ponte, construindo a rima, diz a
cada estrofe, através da repetição de duas palavras rimantes:

Tam muyto vos am’ eu, Senhor,


que nunca tant’ amou senhor
home que fosse nado;
pero des que fui nado
non pud’ aver de vós, senhor,
por que dissess’: “Ay mha senhor,

* “Rims equivocs und derivatius im Altportugiesischen”, em Zeitschrift für romanische Philologie,


XXXVI (1912), pp. 607-611.
1
Com exceção daqueles já arrolados em Cancioneiro d’el Rei Dom Denis [neste volume, pp. 162-
163] e em Zeitschrift, loc. cit. Ainda é impossível, infelizmente, dar a informação da maior parte
do manuscrito Colocci Brancuti (CB.), que contém variantes importantes em relação ao Cancio-
neiro da Vaticana (CV.) e a CA.
* Por evidente lapso, o texto traz CA. 566. (N.E.)

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 541 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

em bom pont’ eu fui nado”.


Mas quen de vós fosse senhor,2
bom dia fora nado.

Em CV. 343, Joham de Guilhade faz uma bela donzela cantar:


Treydes todas, ay amigas, comigo
veer hun home muito namorado
que aqui jaz3 cabo nós mal chagado;
e pero a ja4 muitas coytas consigo,
non quer5 morrer por non pesar d’el a ‘lguen6
que lh’amor a, mays el muyt’amaalguen.

A rima transmitida alguen: alguen é abonada aqui não apenas por


meio da ênfase colocada sobre esse pronome7 e por sua ocorrência no re-
frão do poema, que nas outras estrofes, aliás, não chegou completo até nós,
mas também através do seu aparecimento em outra cantiga do mesmo ma-
licioso poeta. A terceira estrofe de CV. 37 (CA. 455), termina, por exemplo,
assim:

Que farey, coytado? Moyro por alguen


que non veg’, e moyro por veer alguen.

A douta editora de CA., contudo, toma a repetição de alguen, nes-


te caso, como não intencional, uma vez que, como observo em Zeitschrift,
loc. cit., p. 397 [neste volume, p. 453], está inclinada a ver, nesta edição da
referida cantiga, ambos os versos como viciados, e na outra edição, que um
deles seja visto como desprovido de rima (Zeitschrift 25, pp. 145-146)8; no
entanto, a ocorrência da mesma rima em CV. 343, bem como os exemplos

2
Enquanto nas duas outras estrofes cada palavra rimante é empregada sempre com o mesmo sig-
nificado, o emprego de senhor aqui é distinto do usado nas outras posições.
3
iam.
4
e pero oya etc. Pronuncie-se p’ro ao invés de pero. Cf. Zeitschrift, loc. cit., p. 298, para o v. 4592
e p. 395, para o v. 9845.
5
auer.
6
alguen
7
Como observa Nobiling na sua edição do poeta, p. 29, alguen refere-se à amada, no sentido de
“uma certa dama”. [Vid. O. Nobiling, As Cantigas de D. Joan Garcia de Guilhade e Estudos
Dispersos. (N.E.)] Compare-se, por exemplo, ainda CV. 30, 35, 37; Trovas 20 (CA. 175), 245
(CA. 237).
8
Nobiling, loc. cit., p. 13, diz: “Na terceira [estrophe], C. apresenta rima identica (alguen: alguen),
comtanto que não haja êrro de copista”; mas na p. 35, lê-se: “ 18 alguen] Por ventura al ren?”
[Vid. O. Nobiling, op. cit., pp. 57 e 82, respectivamente. (N.E.)]

542

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 542 29/4/2010, 11:13


Rims equivocs e derivatius em português arcaico

infra arrolados para o uso ocasional da rims equivocs nos nossos Cancio-
neiros, deveriam legitimar a opinião, por mim expressa em Zeitschrift, loc.
cit., nota 3 [neste volume, p. 394, nota 39], de que a rima não apenas ocor-
re, como se trata de um dobre9.
Seguem-se, pois, os exemplos de dobres e mordobres.

I. DOBRE.
a) Regulares. CV. 16, 24, 20 e 38 (CA. 228)10, 60, 196 (Liederbuch, CXVII),
217, 326, 343, 349, 359, 417, 428, 448, 463, 483, 488, 491, 520, 539,
542, 544, 550, 576 (CA. 464); 577 (CA. 465); 595, 616, 620, 622, 630,
650, 67111, 680, 685, 695, 699, 815, 819, 826-8, 844, 912, 984-5, 1006,
1016, 1023, 1142, 1178, 1180; CB. I (CA. 311), 22 (CA. 332), 10
(CA. 320)12, 62 (CA. 372), 198 (CA. 104), 231, 241 (CA. 134), 277
(CA. 417), 345, 377, 402-4; Trovas 36 (CA. 185); 125 (CA. 284), 211
(CA. 104); 220 (CA. 134), 241 (CA. 233); 243 (CA. 235), 245
(CA. 237), 280 (CA. 250).

b) Irregulares. CV. 12, 16, 33, 37 (CA. 455), 104 (Liederbuch, XXV),
409, 575 (CA. 463), 629, 653, 663, 702, 863, 978, 1081, 1083, 1097,
1135, 1149, 1158; CB. 10 (CA. 320), 45 (CA. 355), 112 (CA. 392), 113
(CA. 393), 147 (CA. 398), 182 (CA. 8), 185, 278 (CA. 418); Trovas
244 (CA. 236).

II. MORDOBRE.
a) Regulares. CV. 417, 567 (CA. 289), 681, 1018; CB. 223 (CA. 409);
Trovas p. 299, c. (CA. 304); p. 313, 9 (CA. 30).

9
Não se compreende como o Senhor Leite de Vasconcelos pode declarar, em Revista lusitana 13
(1910), p. 141], onde propõe esta solução da questão da rima como algo novo: “Lang, na Zs. f. r.
Phil. XXXII, p. 397, contorce-se em volta do verso, sem resolver nada”.
10
Os algarismos em negrito marcam as cantigas nas quais o dobre ou o mordobre colocam-se ou
apenas no refrão ou se estendem da estrofe até o refrão ou até a fiida.
11
Aqui, como, por exemplo, ainda, CV. 33, 237, 663, CB. 182, parece ter sido usada, para forma-
ção do dobre, também a terminação do futuro, que em Portugal se pode separar, ainda hoje, do
infinitivo. Outros casos de autonomia do verbo auxiliar habere em português arcaico e espanhol
foram dados por mim em Romanic Review 2, p. 339. – Em CV. 828 (1ª. estrofe), a ligação ey: ey
é, muito provavelmente, acidental.
12
Em algumas cantigas, temos exemplos mais ou menos regulares de dobre e mordobre juntos;
assim, ainda CV. 417, CB. 276 (CA. 416), CV. 463, 1135.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

b) Irregulares. CV. 39, 50, 68, 463, 494, 552, 574 (CA. 462), 575 (CA. 463),
597, 84413, 862, 911, 1015, 1109, 1135; CB. 8, 87 (CA. 371), 141, 208, 220
(CA. 406), 309 (CA. 424), 374 (CA. 435); Trovas 85 (CA. 23), 126 (CA. 285),
230 (CA. 221)14, 246 (CA. 238), 275 (CA. 245).

Quanto ao nome mordobre, que é mencionado, além de em Zeitschrift,


loc. cit., p. 140 [neste volume, pp. 394-395], também no meu artigo sobre a
expressão métrica caçafaton, gaçafaton, em Revue Hispanique 10 [sic,por
16] (1907), p. 21 [neste volume, p. 534], diga-se aqui, tendo em vista a mani-
festação do Senhor J.J. Nunes no 4º volume do tomo II (1911) de Krit. Jahresb.,
II, p. 339, que agora mesmo me chegou às mãos, ainda o seguinte:
As formas mansobre e masobre, atribuídas por Carolina Michaëlis
de Vasconcelos, em Grundriss II, 2, 195, nota 9 e, seguindo a erudita romanista,
agora também por Nunes, ao Marquês de Santillana (Ríos, Obras, p. 12) e
Villasandino (CBaena, nº. 255) (também ibid. nº. 261, 340), estão, afinal, no
textos impressos e ocorrem também em alguns manuscritos; as formas cor-
retas dessa palavra são, porém, manzobre, mâzobre, que encontramos nos
melhores manuscritos. Em Gaya ó Consonantes, de Pero Guillén de Segovia,
fol. 287, está mâzobre (vid. Tallgren, Las Z y Ç del Antiguo Castellano, em
Mémoires de la Société Néo-philologique à Helsingfors, 4 (1906), p. 47,
401, e Lang, Revue Hispanique, loc. cit., p. 21); em Gómez Manrique (Bibl.
Real, 2-J-3, antigo VII-Y-2), mançobre (vide Rev. Hisp., loc. cit.). No Prohemio
do Marquês de Santillana, § 14, de acordo com o Manuscrito da Biblioteca
Real, 2-G-4, antigo VII-Y-4, fol. 10, manzobre, enquanto no manuscrito da
Bibl. Nac. 3677, antigo M. 59, fol. 59, escreve-se mansobre15.
Nenhum passagem até agora conhecida de textos castelhanos nos
possibilita determinar exatamente o que significava a expressão manzobre16,
mas podem invocar-se as seguintes circunstâncias para a suposição de que
ela resulta de um equívoco de leitura17 ou de interpretação da palavra portu-

13
Acompanham o mordobre, ocasionalmente, também as rimas macho e fêmea, como, por exem-
plo, em CV. 884 (digo, diga), CB. 276 (CA. 416) amigo, amiga . Vid., sobre esse tipo de rima,
Zeitschrift, loc. cit., p. 140 [neste volume, p. 395, nota 45], nota 6 e infra para manzobre.
14
Em Zeitschrift, loc. cit., por desatenção, foi considerado regular, ao invés de CA. 40, que perten-
ce, antes, àquela categoria.
15
Como Tallgren, loc. cit., corretamente percebe, não é exata, portanto, a explicação da erudita
romanista, loc. cit., de que as formas espanholas são mera distorção ou equívoco de leitura dos
editores do texto. Reproduziram de modo deficiente manzobre, não mordobre.
16
Em Bibl. Real. 2-F-5, antigo VII-A-e, e no assim denominado Códice de Alcalá, R. Acad. de la
Historia, D, 132, falta a passagem; no Códice de Batres, R. Acad. d. l. Hist. nº. 24, está mansobre,
como Ríos imprimiu.
17
Sabe-se que palavras devem sua existência a má leitura ou má interpretação. Pense-se aqui ape-
nas na forma deteriorada gazapaton, derivada de gazafaton, presente no dicionário da Academia

544

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Rims equivocs e derivatius em português arcaico

guesa mordobre, ocorrido por volta de meados do século XIV, o que se pode
mesmo deduzir apenas recorrendo ao dobre, seguramente transmitido no Tra-
tado métrico18 e determinado com exatidão, no seu significado, a partir das
duas grafias moz dobre e mor dobe, que nos foram conservadas no mesmo
fragmento. As circunstâncias relevantes são as seguintes: em primeiro lugar,
o Marquês de Santillana, no seu Prohemio composto em Guadalajara, por
volta de 1449, caracteriza a palavra, expressamente, como uma denomina-
ção tomada da Escola galego-portuguesa; em segundo lugar, em uma cantiga
de Villasandino, cuja atividade poética remonta já ao terceiro quartel do sé-
culo XIV, a expressão é apresentada em conexão com doble (CBaena nº.
255, 2ª. estrofe)19:

So maravillado commo preposystes


Syn lay é syn deslay, syn cor syn discor,
Syn doble, man sobre, sensillo ó menor,
Syn encadenado, dexar ó prender...

Em terceiro lugar, se manzobre for compreendido, ou não, no mesmo


sentido que mordobre, deve-se observar que os artifícios de rima acima men-
cionados foram empregados na poesia culta castelhana. Poucas, apenas quatro
provas representando cancioneiros, terão lugar aqui:

I. DOBLE
a) Regulares. CBaena 313; Nieva20, p. 26-29; 260-261; CGeneral 191.
b) Irregulares. CBaena 175 (estrofe I, 3), 181 (estrofe 5), 250 (estrofe 47, 49),
284, 507; Nieva, p. 274, 289; CGeneral 117, 120.

II. MANZOBRE (?)


a) Regulares. CBaena 175, 188, 190, 192 (exceto 2a. estrofe), 208 (exceto
2a.estrofe); Nieva, p. 26-29, 51, 263, 279-280; CGeneral 106, 191, 412,

Espanhola (13ª. ed.) e outros lugares (vid. Revue Hisp., loc. cit., pp. 24-25), que o Professor Dr.
Meyer-Lübke também considera originada de má compreensão, conforme me comunicou por carta.
18
CB. p. 5, cap. V. Vid., sobre esse Tratado e a questão aqui mencionada, Rev. Hisp., loc. cit.,
pp. 15-22.
19
Ao lado de mâzobre encontra-se, no dicionário de rimas de Pero Guillén de Segovia, também
doble, presumivelmente como expressão culta.
20
Colección de poesías de um Cancionero inédito del siglo XV..., por A. Pérez Gómez Nieva.
Madri, 1884 (contém excertos do manuscrito da Biblioteca Real, 2-F-5 = X1; vid. Canc. Gallego-
Castelhano, p. 276.)

545

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

419, 772-773 (principalmente macho e fembra), 775, 776-778 (princi-


palmente m. e f.)
b) Irregulares. CBaena, 284 (primeira estrofe); Nieva 274; CStuñiga,
pp. 178, 384-5; CGen. 120, 146.

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Rims equivocs e derivatius em português arcaico

Português arcaico brou *

A primeira estrofe do nº. CXXXVII do Cancioneiro do Rei D. Denis


(= Canc.Colocci-Brancuti nº. 414) lê-se da seguinte forma:

Mui melhor ca m’ eu governo,


o que revolv’ o caderno
governa, e d’ inverno
o vestem bem de brou,
e jaz eno inferno
O que o guaanhou.

Não tendo encontrado a palavra brou nem nas ordenanças reais em


português arcaico nem em qualquer outro lugar1, atribuí-lhe nas notas e
vocabulário da minha edição o sentido de “um tipo de tecido de lã”, que me
parecia o indicado pelo contexto.
Na sua resenha do meu trabalho, Z. f. r. Ph., 19, pp. 533 e 538, a
Sra. Vasconcelos, procurando uma forma mais satisfatória para essa estro-
fe algo obscura e metricamente defeituosa, adotou a seguinte versão:

Melyon que á meu governo,


e que revolv’ o caderno,
no verão2 e d’inverno,
o vestem de brou, etc.

Sem entrar agora numa discussão acerca do mérito dos dois pri-
meiros versos desse texto tão engenhosamente revisado, que representa

* “Old Portuguese brou”, em The Romanic Review, III (1912), pp. 417-421. (Repr. Nova York:
Kraus Reprint Corporation, 1962)
1
Vid., por exemplo, Portugaliae Monumenta Historica, Leges, p. 193 ss., e Sempere, Historia del
Luxo, Madrid, 1788.
2
Nada, no texto transmitido, autoriza a proposta substituição de governa por no verão, uma ex-
pressão na qual se perde, além disso, a desejada simetria sintática com o antitético d’inverno. Em
CV. 1146, 5-6, por outro lado, a emenda no verão e no inverno é claramente sugerida pelo texto
original:

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

um afastamento considerável do original, vamos ocupar-nos aqui apenas


dos versos três e quatro, aqueles que têm relação mais direta com o sentido
da palavra em causa.
Quanto à interpretação de brou como um tipo de tecido quente ou
de lã, a erudita senhora rejeita-a (loc. cit., p. 533), observando: “A signifi-
cação de um tipo de tecido de lã (p. 141) é inferida da determinação adverbial
d’inverno. Mas eu leio no verão e d’inverno”, sem oferecer, contudo, outra
explicação no seu lugar.
Uma nova busca de brou nas leis suntuárias e em outros documen-
tos, do mesmo período e posteriores, foi incapaz de esclarecer o termo;
questionou-se, então, se não poderia a sua origem revelar-se, assim como
a de arras, raz, bruges e outras, pela consideração dos nomes de lugares
preeminentes, na Idade Média, pela manufatura de artigos de vestuário etc.
Em CV. 1132, 1-6, Pero Mendez de Fonseca ri-se de alguém que subi-
tamente se tornara Comendador de Uclês, parece que por sus bellidos ojos:

Chegou Paio de maas artes


con seu cerame3 de Chartes4,
e non leeu el nas partes
que chegasse a huu mês,
e do lues ao martes
foy comendador d’Ocrês.

Podemos ver aqui que, no século XIII, o nome próprio Chartes se


tornara em Portugal um apelativo, significando um tipo de tecido.
Em CV. 1080, 30-32, Don Affonso Lopes de Baiam, ridicularizan-
do um infanção, diz:

e no escud’ataes lhe acharam;


çeram’ e cint’ e calças5 de Roam;
sa catadura semelha d’u iayam, ...

Sempr’ en uiuer aao lhe ueio trager


Eno inuerno çaparo (leia-se çapato) dourado.
3
cerome. Para uma discussão dessa palavra, vid. Sra. Vasconcelos, Revista lus., 3, pp. 15-16. [As
páginas na Revista Lusitana são 142-143. (N.E.)]
4
Nem este nem o próximo nome estão registrados no Indice Onomastico em apêndice ao Canzoniere
della Vaticana, publicado por E. Monaci, o qual, por outro lado, incorporou como nomes próprios
termos como Alvyssara (CV. 1173), o óbvio equivalente do espanhol albricias, e Lelia Doura
(CV. 415).
5
calcas de roã.

548

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 548 29/4/2010, 11:13


Português arcaico brou

Nesse período, portanto, como nos dias de hoje, Rouen era conhe-
cida pelos portugueses como “un centre de l’industrie textile, principalement
pour la filature et le tissage du coton”6. Na lista de preços de tecidos conti-
da em Portugaliae Monumenta etc., p. 194, encontramos ingres (= inglês)
mencionado como um dos menos caros tecidos de lã: “et cobitus de ingres
tinto in grana valeat 45 solidos”*.
Em vista desses nomes próprios usados pelos portugueses do tem-
po de D. Denis, com o sentido de artigos de vestimenta, não poderíamos
tomar o nosso enigmático brou como sendo idêntico ao nome da cidade
francesa de Brou (que não se deve confundir com aquela cuja igreja Matthew
Arnold celebra em canção), no Departamento d’Eure et Loir, perto de
Châteaudun, sobre a qual nos diz La Grande Encyclopédie, s.v.:

Brou est le siège de marchés et de foires très importants. ... On y


fabrique des serges et des étamines ainsi que de la faïence. Cette
localité, que les textes mentionnent dès le XIe. siècle sous le nom
de Braiolum, était, au moyen-âge, le chef-lieu d’ une des cinq
baronnies du Perche-Gouet et était vassale de l’ évêché de Chartres.

É verdade que a existência de uma indústria têxtil na atual Brou


não nos permite assumir que o mesmo ocorresse na Idade Média, e que
ainda não encontrei evidência para isso, mas os casos de Chartres e de
Rouen, acima mencionados, são argumento não desprezível a favor de tal
suposição. Se ela for aceita, justificam-se plenamente a interpretação de
brou no Cancioneiro e a retenção do texto original dos versos 3 e 4:

governa, e d’inverno
o vestem bem de brou7

Quanto ao valor do francês ou em português, é ô atualmente, se


julgarmos pelo caso de Moscou (= Moskô), a forma francesa da portuguesa
mais antiga, Moscovia8. Para o período anterior da língua, temos poucos
exemplos, se é que os temos, para nos guiar. Tendo em vista, contudo, o
aparecimento de bro?u em rima com guaanhou, e da ligação de vou com
mostrou, estou etc. (p. ex., CA. 4264-6; 8707-8710), de vou com sou

6
La Grande Encyclopédie, s.v.
* “E o côvado de lã barata tingida de escarlate valerá 45 sólidos”. (N.E.)
7
Na revisão da Sra. Vasconcelos, esse verso é metricamente incorreto.
8
Para esse nome próprio, vid. Gonçalves Viana, Rev. lus. 5, p. 78, onde se chama a atenção para o
fato de que Moscóvia representa a forma do nominativo do russo Moskvá, enquanto o francês
Moscou deriva da forma acusativa Moskvú.

549

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 549 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

(< suu), CA. 7126-7128; de sou com dou, achou etc., CM. 314 e p. 567,
rimas que apontam para o valor de ditongo de ou em português arcaico,
podemos supor que brou seria pronunciado brou . , a menos que admitamos
o uso de uma rima imperfeita.
Considerando, finalmente, a lição proposta pela Sra. Vasconcelos
para os dois primeiros versos da nossa estrofe, pode-se dizer que, além do
seu desvio do original, ela parece questionável por outras razões. Não ape-
nas não existe nada na composição que peça a introdução de Melyon, o
herói de duas outras cantigas burlescas de D. Denis, n. CXXIX e CXXX
(= CCB. 406 e 407), mas há uma circunstância que depõe diretamente
contra ela. Temos um total de dez cantigas de escárnio de Denis, preserva-
das nos nºs. 406-415 do Cancioneiro Colocci-Brancuti. Um olhar mostra
que elas se dividem em cinco grupos, o primeiro (406-407) satirizando um
certo Melyon Garcia, o segundo (408-409), Joham Bolo, o terceiro
(411-412), D. Joam, o quarto (413-414), duas vítimas não nomeadas, e o
último (415), Joham Symhon. Considerando esse arranjo, não deveríamos,
sem razões irrefutáveis, introduzir Melyon no poema em discussão.
Parece aconselhável, portanto, aderir ao texto original reproduzi-
do no Cancioneiro, com exceção de duas leves mudanças requeridas pelo
metro9, e ler então:

Melhor ca m’eu governo


quen revolv’ o caderno
governa, e d’inverno
o vestem bem de brou,
e jaz en o inferno
O que o guaanhou.

9
Cf. Tobler, Archiv f..d. St. d. n. S., 1895, p. 472.

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Lições no Códice da Ajuda de antigos poemas portugueses

Lições no Códice da Ajuda


de antigos poemas portugueses *

Durante uma breve visita a Lisboa em 1925, tive a oportunidade


de examinar o Códice da Ajuda que contém poemas corteses em português
arcaico no que diz respeito a um limitado número de lições por mim apon-
tadas como incertas na minha resenha1 da edição daquele Cancioneiro pela
distinta hispanista do Porto, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, recente-
mente falecida2. Na edição revista daquele trabalho que a erudita senhora
vinha preparando, como anuncia na p. VII do Glossário do Cancioneiro da
Ajuda publicado em 19223, muitas das incertezas referidas, se não todas,
teriam sem dúvida sido resolvidas. Nas atuais circunstâncias, as notas que
se seguem são apresentadas com a esperança de que possam ser úteis aos
futuros estudiosos da poesia trovadoresca em português arcaico.
Para abreviar, evitar-se-á tanto quanto possível a repetição de ex-
plicações contidas na mencionada resenha. Em muitos casos, só se precisa
de um registro das lições exatas do códice da Ajuda, considerando que
essas lições foram ocasionalmente omitidas ou reproduzidas de forma in-
completa na edição de 19044.

* “Readings from the Ajuda-Codex of Old Portuguese Lyrics”, em Neophilologus XIII (1927-
1928), pp. 262-266. [A tradução reproduz exatamente a formatação do original. (N.E.)]
1
Zeitschrift f. roman. Philol. XXXII, 1908, pp. 129-160, 290-311, 385-399. (Esse artigo será refe-
rido daqui para a frente pela letra Z, seguida do número da página). [neste volume, “Sobre o
Cancioneiro da Ajuda”, pp. 383-454]
2
Cancioneiro da Ajuda. Edição critica e commentada. Volume I, Texto, com resumo em alemão,
notas e eschemas metricos. Volume II: Investigações bibliographicas, biographicas e historico-
literarias. Halle a/S. Max Niemeyer, 1904 (= CA).
3
Revista lusitana, XXIII (p. IX + 95).
4
As letras Aj. referem-se ao manuscrito lisboeta; V., à sua edição anterior por Varnhagen, intitulada
Trovas e Cantares de um codice do seculo XIV (Madrid, 1849); CCB., ao apógrafo italiano da
coletânea matriz, conhecido como Canzoniere Colocci-Brancuti, publicado em parte por Molteni
em 1880 (Halle), e agora na Biblioteca Nacional de Lisboa; CV., ao outro apógrafo italiano, conser-
vado na Biblioteca Vaticana, e publicado em 1875 por Monaci, com o título: Il canzoniere portoghese
della biblioteca vaticana, messo a stampa da E. Monaci (Halle a/S.: Max Niemeyer editore).

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

v. 185 ( = Aj. fol. 2, c) nen me soub’ ende soo trameter – como


CCB.] Aj., V.; nen me souben deso entrameter – variante que não é registra-
da. CCB. tem tmeter, não trameter. Vid. Z. p. 147 [neste volume, p. 401] e
as notas lexicográficas.
217 (Aj., f. 2, d) og’o meu] Aj. V.; CCB. corretamente oiomeu.
Para a grafia não fonética og antes de a, o, u vid. Z. p. 160 [neste volume,
p, 415], nota a vv. 2941, 3236.
247 (Aj. f. 3, b) de consell’ auer] Aj., V.; de c. a., omitida.
297 (Aj. f. 3, c) porque] Aj., V.; perque, omitida. Da mesma forma
v. 3568.
432 (Aj. f. 4, d) tanto ben ou’eu en cuidar] Aj. V.; tanto b. ouuen c;
CCB. 110 atanto b. o non c. A adoção de atanto teria completado o metro
tão bem quanto a desnecessária inserção de eu.
571 (Aj. f. 6, a) se non quando vus vej’e sei ] Aj. V.; s. n. quanto
vos v. e s. CCB. quanto. A lição de Aj. é omitida. Para a construção, vid. Z.
p. 292 [neste volume, p. 418], nota ao v. 3168, desquanto.
683 (Aj. f. 7, a) viv’ontr’as gentes] Aj.: viu outra g.; omitida.
1084 (Aj. f. 10, d) pero m’ouv’én sabor*] Aj., V.: p. mouven s.
(= p. m’óuvi-en s.). Como essa lição satisfaz a gramática, a métrica e o
sentido, não se vê razão suficiente para desviar-se dela.
1326 (Aj. f. 13, a) og’eu vus am(o) e si el me perdon!] Aj., V.,
CCB.: se el m.p. Lição de Aj., omitida. A mesma substituição de se por si,
sobre a qual vid. Z. 153 [neste volume, p. 408], encontra-se nos vv. 302,
3502, onde ambos os manuscritos concordam. Em outras ocasiões, o se de
um dos manuscritos é mantido, como 91, 188, 2222, 2918, 2965, 4236,
4403, 4956, 4963, 4616, 6161, 6552, 6571, 6589, 8508.
1745 (Aj. f. 18, c) Por Deus, senhor, etc.] Aj. V.: Par Deus; não
registrado. CCB. Por D.
2121 (Aj. f. 22, c) que ben mil vezes no dia me ten, meus amigos,
desviingad’ assi que niun sen nen sentido non ei]. A declaração em Z. 155-
156 [neste volume, pp. 410-411], de que desviingado não é aceitável como
interpretação da lição do manuscrito, foi confirmada pelo reexame da
passagem. As letras envolvidas são as seguintes: demýgad. Embora seja
possível entender como m poderia ser tomado por alguns, erroneamente,
como VII, um exame mais cuidadoso mostrará, cremos, que V é usualmente
representado por W, não por dois traços iniciais de M. Para a questão do
sentido, vid. Z. loc. cit. Como desmýgado está no manuscrito letra por letra,

* No original, “sabar”, por óbvia gralha. (N.E.)

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Lições no Códice da Ajuda de antigos poemas portugueses

e aparece em CCB. como desmygado, é difícil entender a afirmação do


Glossário, s.v.: “É a lição que Varnhagen adoptou para o verso 2121”.
2694 (Aj. f. 28, b) ousei veê-la, si Deus me perdon.] Aj., V.: ous’ir
veela – uma lição que só é creditada a CCB, com a observação: “lição que
me parece preferivel”. O uso do tempo presente nos versos precedentes e
seguintes ao nosso verso mostra que a lição do manuscrito é a correta.
2748 (Aj. f. 29, b) que lhi non ouso falar ren.] Aj., V.: lle, a forma
usual de Aj.; não registrada.
2870 (Aj. f. 31, a) e non-na vej’e etc.] Aj., V.: e nona vei e; da
mesma forma CCB. Nenhum dos manuscritos é mencionado.
3028 (Aj. f. 32, d) E u eu vi.] Aj., V., CCB.: e eu ui; não registrado.
A conjunção u, “quando”, adequadamente oferecida como necessária tanto
ao sentido como ao metro, deveria ter sido colocada entre colchetes.
3167 (Aj. f. 34, b) ja quequer m’én fezera entender.] Aj., CCB.: ia
q q menfez’ a e. – como q q é que que, e não que quer, a variante deveria ter
sido registrada, ou r colocado entre colchetes, como acréscimo. O Glossário
não apresenta que quer como devido a correção.
3193 (Aj. f. 34, c) Vejo por ela, que perderia ]. Aj., poderia, CCB.
p(o)deria; omitida.
3199 (Aj. f. 34, d) mais veê-la ei pouco, e irei en ] Aj. V.: mais —
pouc’, e irei en, omitida. CCB.: m. ueela muj pouc’e hirmey en. O desvio
do manuscrito torna o verso muito longo, a não ser que se assuma a sinalefa
entre pouco, e.
3215 (Aj. f. 34, d) por quen me non ten ]. Aj. V., por quem mio n. t.,
omitida.
3236 (Aj. f. 35, a) ca non poss’og’ osmar ]. Aj.: poss oiosmar,
CCB.: posso iosmar, omitida. Ambas as variantes representam uma forma
fonética correta.
3506 (Aj. f. 38, a) me [a]veo ]. Aj. V., me veo, como CCB. Para a
emenda, vid. Z. 294 [neste volume, p. 421].
3571 (Aj. f. 38, d) nacer ]. Aj., V.: naer. Nenhuma variante é dada
para essa peça.
3659 (Aj. f. 39, d) ren m’enchal ]. Aj.: ne m., V.: le m. Nenhuma
variante é dada, mas Aj. é o único manuscrito que contém essa peça.
3701 (Aj. f. 40, d) Essa mia coita ]. Aj., V.: Ena mia coita, requerida
pela construção com falarei. A editora traduz corretamente, de acordo com
o manuscrito: “Von meinem Jammer will ich ... reden”*. Como os apógrafos

* “Do meu sofrimento ... falarei”. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

italianos não contêm nenhuma versão desse poema, a ausência de variante


de Aj. é especialmente lamentável.
3736 (Aj. f. 41, a) Ja est’ eu ouu’, e perdi-o per min ]. Aj., V.: ia eu
est’ ouue p. o p. m. O desvio em relação à ordem das palavras do manuscrito
não é registrado nem explicado.
3961 (Aj. f. 43, d) que ben dev’ end’ a Deus a dar bon grado]. Aj.:
q. b. deuu end a D. etc.; omitida. CCB., que é seguida na edição, também se
omite.
4016 (Aj. f. 44, c) aque vus ar ei [aquest’] a dizer ]. Aj. aque vus ar
ei aque a dizer; V.: a. v. a. e. aquen a d. A lição do manuscrito é correta,
excetuando-se a falta das letras st de aquest, únicas letras que devem ser
acrescidas.
4031 (Aj. f. 44, d) e teve — mi en desden ]. Aj., como se assume
em Z. 297 [neste volume, p. 424], confirma a lição de V.: e teve mi o en
desden, que não é registrado, mas exigido pelo sentido: “e ela desdenhou-
o” (isto é, o que eu lhe dissera).
4117 (Aj. f. 45, c) e non ous’ a dizer ]. Aj. V.: e non o ouso dizer;
omitida, enquanto CCB. e non o ousa d., é citada. Não se dá nenhuma
razão para a supressão do pronome o. Para a prosódia de non o etc., vid. Z.
p. 304, nota ao v. 5872 [neste volume, pp. 431-432].
4512 (Aj. f. 51, d) prougo-lhe ]. Aj.: pugo lle, (V., prugo lhe);
omitida.
4598 (Aj. f. 52, d) quand’eu podia ]. Aj. V.: quando eu p.; omitida,
como todas as variantes de Aj.
4635 (Aj. f. 53, a) En que affan que oge viv’! e sei]. Aj., V.: En q. a.
q. oieu v. etc. Esta, assim como todas as variantes de Aj., é omitida. CCB.
também traz oieu = og’eu.
5050 (Aj. f. 61, a) Pero direi-vus ante ua ren* ]. Aj., V.: p. d. antua
r. Nem essa nem a variante de CV. 11, 14 (antuha) é registrada. A vogal e*
de ante (um vocábulo omitido no Glossário) deveria ter sido marcada como
acrescentada.
5088 (Aj. f. 62, a) quanto mi-or(a) oïstes dizer ]. Aj., V.: q. m. aora
o. d., omitida. CV. 38, 14 eu p’em quatomora o dis’.
5140 (Aj. f. 62, c) ca meu bem tod’ era veer ]. Aj., V.: ca m. b.
tod’eran (= era’n) ueer. Omitida. CV. 33, 5 era en ueer. Esta é a única lição

* No original está “ua” por óbvia gralha. (N.E.)


* Falta e, no texto, embora haja o espaço para ele. (N,E,)

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Lições no Códice da Ajuda de antigos poemas portugueses

correta, como se demonstra claramente pelo sentido: “Toda a minha


felicidade consistia em ver”. Vid. Z. 301 [neste volume, p. 428].
5448-5449 (Aj. f. 67, b) que mui de grad’eu querria fazer ua tal
cantiga por mia Senhor ]. Aj., V.: Que eu mui de grado q. f. en ua tal c. p. m.
s. Omitida, como de fato todas as demais variantes, embora esse poema
não seja transmitido em outro manuscrito.
5508 (Aj. f. 68, a) ja ‘ssi ]. Aj., V., ia i. Da mesma forma, 3154.
Em 2860 encontramos “é si”, mas três linhas abaixo, é ‘si. Como foi
apontado em Z. 157 [neste volume, p. 412], não há razão suficiente para a
suposição, novamente apresentada no Glossário s.v. ssi, de que si ou ssi
invariavelmente representem assi depois de vogais.
5903 (Aj. f. 73, b) atanto que ei no meu coraçon ]. Aj., V., a. q. ei
eno m. c.; CCB.: nomen c. Ambas as lições são omitidas. Com eno devemos
assumir a prática de sinalefa, na qual a distinta editora não acreditava.
6018 (Aj. f. 75, b) Senhor fremosa, queria saber ]. Aj., V., Sennor
f., querria s. Omitida, como todas as variantes desse manuscrito, o único no
qual se preservou o nosso poema. A mudança de querria para queria foi
causada provavelmente pelo frequente uso da última forma, em vez da
primeira, na linguagem de hoje. De regra, o futuro do imperfeito é preservado
no CA., como por exemplo 3169, 3186, 3321, 5448.
6483 (Aj. f. 83, a) Mais mia Senhor que todo sabe ben ]. Aj., V.: m.
m. S. que sabe todo ben. Omitida. A citação da mesma leitura de CV. 582 é
acompanhada da observação: “lição que julgo preferível”. Em vez da versão
da editora “die in allem gutem erfahren ist”*, que reflete a lição descartada
em lugar da adotada, o contexto do poema e, especialmente, o refrão
favorecem a interpretação que ao mesmo tempo se encaixa no período
introduzido no texto: “que sabe tudo muito bem (mas que não sabe a dor
que me causa nem a grande ansiedade em que me faz viver)”.

* “que é conhecedora de todo bem”. (N.E.)

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MARINHAS EM PORTUGUÊS ARCAICO*

Foi apenas com o movimento romântico do século passado que a


Natureza, na maior parte dos países europeus, foi elevada à posição de
quase igualdade com o homem, como tema de arte. Na Península Ibérica,
contudo, cujos povos possuem um verdadeiro sentimento da arte como
herança antiga, a poesia tem servido desde há muito para simbolizar, de
uma maneira ou de outra, aquela harmonia entre a mente humana e o mun-
do natural, que inspirou a musa consciente de um Wordsworth ou um Shelley.
Não nos devia surpreender, portanto, descobrir que em Portugal, aquele
jardim à beira-mar plantado, como esse belo país tem sido tão bem deno-
minado, as profundezas insondáveis tenham servido como pano de fundo
dramático para a arte poética.
Desde as primeiras manifestações da sua atividade literária, Portu-
gal teve o que pode ser chamado “cantigas marinhas”.
Curiosamente, porém, os historiadores literários da Lusitânia com
frequência deixam de tomar suficiente conhecimento desse fato. Assim,
Fidelino de Figueiredo, no seu ensaio “Maneiras de ver o mar”1, omite
deliberadamente da sua consideração os escritores mais antigos, mal men-
cionando Camões; e no livro Características da litteratura portuguesa2,
ignora totalmente o período medieval.
Não menos desapontadora é a extensa Antologia portuguesa orga-
nizada por Agostinho de Campos3, na qual até Gil Vicente, a maior figura

* “Old Portuguese Sea Lyrics”, em Revue Hispanique LXXVII (1929), pp. 187-200. [Repr. Vaduz:
Kraus Reprint Ltd., 1966]
1
Em: Torre de Babel, 1º. milhar. Lisboa: Empresa literaria fluminense, 1925, pp. 211-227. – A
Antologia Portuguesa do mesmo autor contém cerca de vinte cantigas em português arcaico,
nenhuma contudo relativa ao mar.
2
Não revela muita familiaridade com a bibliografia das letras portuguesas dos períodos mais anti-
gos, ao afirmar (Torre de Babel, p. 131) que foi somente com a publicação da monografia sobre
Fernão Lopes, de Aubrey Bell, pela Hispanic Society of America, em 1921, que “se iniciou a
curiosidade desta corporação pelas coisas portuguesas”. Como Diretor da Biblioteca Nacional de
Lisboa, o Dr. Figueiredo deveria ter sabido que já em 1903 o Sr. Archer M. Huntington publicara
uma bela reprodução facsimilar da edição de Lisboa,1626, dos Lusíadas, e em 1904, uma repro-
dução semelhante da edição de Lisboa, 1516, do Cancioneiro de Resende.
3
Lisboa: Livraria Aillaud, 1926. 24 volumes.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

no Parnaso português depois de Camões, é preterido. Mais longe ainda na


negligência do passado literário do seu país vai Artur Ribeiro Lopes4, em
cujo recente volume, A inteligência na litteratura nacional, apenas o sécu-
lo dezenove é considerado; e a Portugal nega-se explicitamente a
reivindicação de uma literatura própria antes do século XV.
Por causa dessa desdenhosa atitude para com os períodos mais
antigos, a elaborada edição do Cancioneiro da Ajuda publicada pela Se-
nhora Vasconcelos em 1904, ou pelo menos o conjunto de poesia palaciana
contido no seu primeiro volume, foi recebida com tal indiferença pelo pú-
blico que a erudita senhora esperou até 1922 para a publicação do
Glossário5.
No entanto, na sua lírica medieval cortês (1175-1350), Portugal
teve uma literatura florescente e ilustre6, não menos nacional pelo fato de
provençais e italianos, como Rambaut de Vaqueiras e Bonifaci Calvo, te-
rem composto no seu idioma e nos seus tipos poéticos, rivalizando com os
portugueses, castelhanos e catalães.
Embora seja verdade que essa escola lírica recebeu da Provença o
principal impulso e exemplo do seu desenvolvimento, compartilhando com
ela muito do seu frígido formalismo, não se deve silenciar o fato de ter
herdado da canção popular autóctone uma individualidade e frescura que
se manifestam já nas formas das suas primeiras produções7 e lhe assegu-
ram uma posição independente na literatura medieval.

4
Lisboa, 1927. [No original, está “Arturo”, em vez de “Artur”. (N.E.)]
5
Glossario do Cancioneiro da Ajuda. Por Carolina Michaëlis de Vasconcellos. Em Revista lusita-
na XXIII (1922), p. XII + 95. Vid. p. V.
6
Nas suas Regles (§ II), compostas antes de 1291, o poeta catalão Jofre de Foxa nomeia o galego
como um dos quatro idiomas poéticos da época (Vid. P. Meyer, Romania IX, p. 53).
7
Assim são, por exemplo, CCB. 456, 48 (= CA. 332), 147, 149, 150 (= CA. 32, 34, 35), Tr. I
(= CA. 39), CV. 239-241; CCB. 140, 141 (= CA. 392-3); CV. 327-329; CCB. 367-368b
(= CA. 427-9); CV. 656-660, 662, 726-773; CCB. 104 (= CA. 375). Todas essas são cantigas de
refrão, seja em dísticos paralelísticos ou em outras formas de textura simples, e pertencem aos
mais antigos poetas conhecidos (de cerca de 1175-1245), cuja posição social os levou a ter con-
tato íntimo com os poetas provençais. Embora essas 32 reproduções literárias de tipo autóctone
estejam unidas a um número igual de peças sem refrão ou cantigas de meestria, compostas na
maior parte pelos mesmos poetas e caracterizadas parcialmente por quatro ou cinco rimas (por
ex., CA. 31 abbaaccdd; 38 abbaccde; 50 ababccdd; 115 abbccdd; 119 abbccdda; 388 abcbddaac),
elas mostram de forma conclusiva que, como se pode inferir de outros fatos (Cancioneiro d’el
Rei Dom Denis, neste volume, pp. 108, 123, 175 ss.) e como a Sra. Vasconcelos mais tarde
admitiu (cf. CA. II, pp. 76, 600-601, nota 4, e Zeitsch. f. rom. Philol. 19, p. 592), os primeiros
ensaios palacianos promovidos pelo contato com os provençais foram feitos à maneira tradicio-
nal autóctone, e não cantigas de meestria segundo o modelo provençal. As mais antigas cantigas
de amor preservadas (CCB. 48 = CA. 332; 140, 141, 147 = CA. 392, 393, 32) são cantigas de
refrão autóctones, de um tipo arcaico, não cantigas de meestria. É a forma poética, não a fraseologia

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Marinhas em português arcaico

Dentro do rico e variado tesouro de cerca de 1688 poemas profa-


nos compostos por 165 trobadores, os que se inspiraram na música do mar
não são dos menos encantadores. Essas cantigas, poucas em número, in-
cluem-se em diversos grupos8.
Em primeiro lugar, temos cantigas de refrão do tipo das cantigas
de amigo, nas quais uma donzela apaixonada invoca as ondas do mar para
saber novas do amado (p. ex., CV. 884, 890) ou chama as amigas para que
juntas o esperem à beira dos rochedos banhados pelas ondas (CV. 886,
888), ou lamenta a sua partida para prestar serviço ao rei, nos mares
(CV. 401). Todas as instâncias citadas têm a estrutura paralelística peculiar
à cantiga autóctone arcaica do Noroeste da Península, como o ilustra uma
cantiga de Martin Codax (CV. 884)9:

Ondas do mar de Vigo,


se vistes meu amigo?
e ai Deus, se verrá cedo?

Ondas do mar levado,


se vistes o meu amado?
e ai Deus, se verrá cedo?

dentro dela, que importa. O argumentos recentemente avançados por C. de Lollis no seu artigo
“Dalle cantigas de amor alle cantigas de amigo” (Homenaje a Menéndez Pidal, I, pp. 617-626)
não são relevantes. Bastante contrária a fatos longamente estabelecidos é, por outro lado, a afir-
mação de G. Bertoni (Archivum romanicum VII, 1923, pp. 174-75) de que “in realtà, ‘la maneira
de proençal’ era stata, sì, propriamente ed esclusivamente quella di re Denis; ‘ma Alfonso X, se
mal non m’appongo, avrebbe preteso di più”. Ao contrário disso, sabe-se bem que a imitação da
altamente elaborada cansó provençal estava em declínio desde a metade do século XIII. Nem o
escárnio de Afonso X contra Pero da Ponte, em CV. 70, reproduzido por Bertoni, nem o contato
de ideias entre D. Denis e Montagnagol, citado por ele a partir do Liederbuch, p. XLV ss. [neste
volume, p. 90 ss.] (cf. também Modern Language Notes X, 1895, col. 219-220 [neste volume,
pp. 466-467]) têm relação direta com essa questão. Não deixa de ter interesse, contudo, que o
único exemplo que temos de uma tentativa da parte de um português de escrever em provençal
(CCB. 454) date dos anos 1211-1218, pelo menos três anos antes do nascimento de Afonso X
(1221). Nele, Garcia Mendes d’Eixo, um magnata da poderosa família de Sousa, então exilado
na corte de Afonso IX de Leão, expressa a saudade que sente do seu lar ancestral.
Abreviaturas: CV. = Canzoniere della Vaticana; CCB. = Canzoniere Colocci-Brancuti;
CA. = Canc. da Ajuda (ed. de C. M. de Vasconcelos); Tr. = Trovas e Cantares (ed. de Varnhagen);
CM. = Cantigas de Santa Maria (atribuídas a Afonso X).
8
Os casos em que o mar é apenas mencionado, por uma ou outra razão, como CV. 429, 719, não
são considerados.
9
O termo cossante adotado por Aubrey F.G. Bell (History of Portuguese Literature, pp. 26-27, e
passim) é conveniente, mas nem exato nem autorizado pelo uso em português. Não dá ideia da
textura peculiar do tipo em questão, especialmente porque o canto do romance, de natureza se-
melhante, é também acompanhado de música e dança. Vid. os vários usos do termo cossante na
Cronica del Condestable D. Miguel Iranzo (Memorial histórico español, VIII, pp. 42, 50, 56,
141, 161-162, 167, 446-447).

559

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Se vistes meu amigo,


o por que eu sospiro?
e ai Deus, se verrá cedo?

Se vistes o meu amado,


por que ei gran cuidado?
e ai Deus, se verrá cedo?

Em outro grupo de cantigas de amigo, encontramos uma modifi-


cação tanto da estrutura paralelística como do tema tradicional, sendo a
ideia da primeira estrofe repetida em cada uma das estrofes seguintes, com
maior ou menor variação da expressão10. Assim, em CV. 424, onde uma
donzela se consola com a ideia de que o amado, tendo deixado de ser almi-
rante, não está mais exposto aos perigos do mar. Alguns críticos supõem
que o autor dessa cantiga, Pay Gomez Charinho, do qual ainda teremos de
falar mais adiante, se refere a si mesmo11:
Disseron-m’oj’, ay amiga, que non
é meu amig’ almirante do mar;
e meu coraçon ja pode folgar
e dormir ja; e por esta razon
o que do mar meu amigo sacou,
saque-o Deus de coytas qu’ afogou.

Muy ben é a min, ca* ja non andarey


triste por vento que veja fazer,
nen por tormenta(r) non ei de perder
o sono, amiga. Mays, sse foy el-rey
o que do mar meu amigo sacou,
saque-o Deus de coitas qu’ afogou.

Muy ben é a min, ca ja cada que vir’


algun home de fronteyra chegar,
non ei medo que mi diga pesar.

Todo o corpus de 512 cantigas de amigo está agora acessível no vol. II de um trabalho a ser logo
completado pelo Dr. J. J. Nunes (Coimbra, 1926). – CCB. 368 parece ter escapado à atenção do
editor. A edição de alguns desses poemas por A. F. G. Bell, em Modern Language Review XV
(1920) e XVII (1922), não é crítica.
10
Entre os 138 poemas atribuídos a D. Denis, apenas 48 não têm refrão; em outras palavras, se-
guem mais ou menos o modelo da cansó provençal. E mesmo dentre as 76 cantigas de amor, a
maior parte é marcada pela acima mencionada variação do mesmo tema em cada estrofe.
11
Vid. CA. II, p. 424 e A. F.G. Bell, History of Portuguese Literature, p. 30.
* No texto, “car”, certamente por gralha. (N.E.)

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 560 29/4/2010, 11:13


Marinhas em português arcaico

Mays por que m’el fez ben sen lh’o pedir,


o que do mar meu amigo sacou,
saque-o Deus de coitas qu’ afogou.

Chegamos agora a um grupo de poemas que são cantigas de amor


no assunto, mas retêm a tradicional estrutura de refrão da cantiga de amigo
(CV. 488; Tr. 281 = CA. 251)12.
Na primeira dessas duas peças, encontramos a voz de sereia das
ondas que quebram na praia, despertando a saudade da sua bela senhora no
clérigo Ayras Nunes de Santiago, um colaborador de Afonso X na compo-
sição das Cantigas de Santa Maria e um dos mais talentosos poetas da sua
escola. Esse poema merece um lugar aqui, tanto por sua encantadora sim-
plicidade como pela impressionante semelhança do seu refrão com o começo
de um poema aparentemente desconhecido, citado por Boccaccio no
Decamerone como popular13:

Quando vejo las ondas


e las muy altas ribas,
logo mi veen ondas
al cor pola velida:
Maldicto se[i]a ‘l mare
que mi faz tanto male.

Nunca ue[i]o las ondas


nen as altas de brocas14

12
Das 467 peças incorporadas pela Sra. Vasconcelos na sua edição do CA., dos três cancioneiros
apógrafos existentes, CA., CV., CCB., 440 são cantigas de amor, e dessas apenas 209 são de
meestria. Mas mesmo nessa categoria, cerca de um terço exibe a tríplice variação do mesmo
tema. Embora Diez conhecesse apenas os 310 poemas parcialmente fragmentários editados por
Varnhagen com o título Trovas e Cantares, ficou muito impressionado pela preeminência desse
traço.
13
Giornata V, 10: “L’onda del mare mi fa gran male”. Vid. Denis, p XXXIV [neste volume, p. 80,
nota 107].
14
Para a construção de frases como las altas de brocas, “os altos penhascos”, nas quais temos um
exemplo da designação de uma classe da qual um ou mais casos individuais, qualificados por um
nome ou adjetivo determinante, são segregados, vid. Meyer-Lübke, Gramm. III, § 240. Essa
construção, encontrada em francês e italiano antigos, é particularmente comum em espanhol e
português arcaicos. Cf., p. ex., Alixandre (Ms. P.) 2118 b: “Las dulces de bayladas, el plorant
semiton”; Apol. 179 a: “Fazia fermosos sones e fermosas de bayladas”; Juan Ruiz, 1231 a: “La
viuela de arco faz dulçes de vayladas”. Em Gautier de Coincy encontramos, p. ex., II, 10: “Quant
a la foiz sent a meschief Mon las de cervel et mon chief”; 337, 164: “A mes piez la sainte de
bouche”. Como podemos ver por esses exemplos, o uso dessa construção pode servir a propósi-
tos métricos, e pode ser utilizado mesmo quando falta o nome qualificante, como Apol. 189 b:
“Doblas e debayladas”. A junção de de e bayladas nessa passagem deve-se a um erro de copista,
não ao poeta aventurando-se num composto como debayladas.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

que mi non venhan ondas


al cor pola fremosa.
Maldito se[i]a ‘l mare
que mi faz tanto male.

Se eu ueio las ondas


e ue[i]o las costeyras,
logo mi ue)en ondas
al cor pola ben feita.
Maldito se[i]a ‘l mare
que mi faz tanto male.

No outro poema referido (Tr. 281 = CA. 251), o versátil trovador


Pay Gomez Charinho insiste em que os tormentos do amor ultrapassam em
severidade os perigos do mar:
Quantos oj’andan en o mar aqui
coidan que coita no mundo non a
se non do mar; ne[n] an outro mal ja;
mais d’outra guisa contece oge a mi:
Coita d’amor me faz escaecer
a muy gran coita do mar, e teer

Pola mayor coita de quantas son


coita d’amor, a quen a Deus quis dar.
E é gran coita de mort’ a do mar;
mais non é tal; e por esta razon
Coita d’amor me faz escaecer
a muy gran coita do mar, e teer

Pola mayor coita, per bõa fé,


de quantas foron, nen son, nen serán.
E estes outros que amor non an
dizen que non; mais eu direi qual é:
Coita d’amor me faz escaecer
a muy gran coita do mar, e teer

Por mayor15 coita a que faz perder


coitas do mar, que faz muitos morrer16.

15
Ms.: “por gran coita tenn a q. f. p.”; mayor é uma correção posterior.
16
Uma bem sucedida versão desse poema por F. Diez encontra-se em Kunst- und Hofpoesie, p. 82.

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Marinhas em português arcaico

Ainda mais interessante, em vários aspectos, do que a anterior, é


outra composição de Pay Gomez Charinho, a cantiga de meestria, prova-
velmente de intenção satírica (Tr. 286 = CA. 256). Para a sua apreciação,
teremos de dizer algumas palavras acerca do que se conhece da vida do
autor.
Galego de nobre nascimento, serviu na armada de Fernando III
(1230-1252) durante o cerco de Sevilha em 1247-1248. Somos informados
disso pelo epitáfio de 1308 no seu túmulo, no Convento de São Francisco
em Pontevedra, que lhe atribui a conquista de Sevilha e a aquisição de
privilégios valiosos para Pontevedra. O silêncio absoluto das crônicas do
tempo a seu respeito mostra claramente, contudo, que ele deteve apenas
um posto subordinado na armada ou em outras expedições bélicas daquele
período. O único almirante mencionado nos registros da conquista de Sevi-
lha é Ramon Bonifaz de Burgos17.
Charinho tampouco é nomeado como comandante de uma armada
ou como oficial de posição inferior nos anais dos reinos de Afonso X (1252-
1284), Sancho IV (1284-1295) e Fernando IV (1295-1310) 18. Como
encontramos o seu nome entre os privados de Sancho já em 128419, deve
ter desertado a causa de Afonso, o Sábio, algum tempo antes. Foi assassi-
nado em 1295, quando era governador de Zamora20. Vemos, portanto, que
não há indicação de Charinho ter jamais ocupado o posto de almirante, a
não ser que aceitemos como tal, com a Sra. Vasconcelos21, a sua previa-
mente citada, não datável, cantiga de amigo (CV. 424), na qual uma amiga
dá a entender que o seu amigo foi demitido daquele posto pelo rei. De
qualquer forma, porém, não há dúvida de que, graças tanto ao seu nasci-
mento como às suas realizações, teve papel importante na corte dos seus
soberanos. Não é, portanto, de forma alguma improvável que, no interes-
sante paralelo entre os aspectos mutáveis do mar e os humores e caprichos
do rei de Castela e Leão que traça na cantiga de meestria a ser agora

17
Cronica del Sancto Rey D. Fernando, Tercero del nombre, que ganó a Sevilla y toda el Andalozia,
etc. Medina del Campo. MDLXVIII; cap. XLIII-XLV (1246-1248). – Mondéjar, Memorias
historicas del Rey D. Alonso el Sabio. Madrid, MDCCLXXVII, l. I, c. XXII (p. 40) – l. II, c.
XVII (p. 92). – (Primera Crónica General, publicada por D. Ramón Menéndez Pidal. T. I. (Madrid,
1906), c. 1075 – c. 1125 (pp. 748 b – 767 b).
18
Crónicas de los Reyes de Castilla (Biblioteca de Aut. Esp., LXVI, pp. 3-66, 69-90, 93-96.) Du-
rante os anos 1255-1259, o Almiraje de la mar era Ruy Lopez de Mendoza (Memorial hist.
español, I, p. 79-154). Em 1260, o mesmo cargo foi entregue a Johan Garcia de Villamayor, o
mordomo-mor do rei (vid. loc. cit., p. 164) e os documentos referentes a Afonso X encerram-se
no ano 1279, sem qualquer menção a Charinho.
19
Bibl. de Aut. Esp., LXVI, p. 61ª (ano 1284).
20
Loc. cit., p. 96b (ano 1295).
21
CA, II, pp. 423-434.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

reproduzida, Charinho tivesse em mente o ilustre patrono da ciência e da


arte do seu tempo, Afonso X, cuja política imprudente e vacilante afastou
os seus súditos – entre os quais o próprio poeta e o seu parente, D. Juan
García de Villamayor, por anos mordomo-mor do rei e adelantado de la
mar22, mas um partidário da facção oposta desde 127023. Charinho escreve:

De quantas cousas en o mundo son,


non vejo eu ben qual pod’ ensemellar24
al Rei de Castela e de Leon
se [non] ua qual vos direi: o mar.
O mar semella muit’ aqueste Rei,
e d’aqui en deante vos direi
en quaes cousas, segundo razon:

O mar dá muit’, e creede que non


se pod’o mundo sen el governar;
e pode muit’, e a tal coraçon
que o non pode ren apoderar.
Des y ar é temudo, que non sei
quen o non tema; e contar-vos-ei
ainda mais, e judga[de]-m’enton:

En o mar cabe quant’y quer caber;


e manten muitos; e outros y a
que x’ar quebranta e que faz morrer
enxerdados; e outros a que dá
grandes erdades e muit’ outro ben.
E tod’ esto que vos conto25, aven
al Rei, se o soubessedes connecer.

(E) da mansedume vos quero dizer


do mar: Non a cont’, e nunca será
bravo nen sannudo, se ll’o seer26

22
Memorial hist. esp. I, p. 164 (27 de julho de 1260).
23
Mondéjar, loc. cit., l. I, c. I-V (pp. 273-282). Cf. CA. II, pp. 423-434.
24
A editora de CA. lê poden semellar, mas isso é incompatível com o sujeito qual, que pede um
predicado no singular. Quanto ao composto ensemelhar, que é novamente substituído pelo
simples semelhar no Glossário da editora, é verdade que até agora não o encontrei em outro
lugar. Tem análogos, contudo, em embaralhar, ensalmourar, ensamblar, entapizar, entisnar, ao
lado de baralhar, salmourar, semblar etc. Cf. embolcar (Rev. lusit., 13, 116), ao lado de bolcar =
virar etc. e o esp. entropezar, ao lado de tropezar etc. [Refere-se ao artigo do Abade Tavares
Teixeira, publicado na Revista lusitana XIII. (N.E.)]
25
Ms. cuncto.
26
Ms. fazer, provavelmente devido a prolepse de fezer.

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Marinhas em português arcaico

outro non fezer, e soffrer-vos-a


toda-las cousas. Mais, s’é en desden,
ou per ventura algun louco ten,
con gran tormenta o fará morrer.

Estas mannas, segundo [é] meu sen,


que o mar a, a el-Rei. E por en
se semellan, quen o ben entender27.

Mal se poderia imaginar uma descrição mais pitoresca do caráter


daquele infeliz monarca. É tão verdadeira e impressionante como os retra-
tos de homens do seu tempo que nos deixou Pérez de Guzmán, nas suas
Generaciones y Semblanzas. E é fácil aceitar que a ideia de um paralelo
como o que temos diante de nós poderia muito espontaneamente ocorrer a
um poeta tão familiar como o nosso com as peculiaridades de reis e da
insondável profundeza do mar.
No entanto, não podemos deixar de cismar se, ao conceber essa
velada sátira, Charinho não teria presente uma ou outra comparação seme-
lhante, corrente na literatura do seu tempo. A mais interessante e importante
dessas comparações é, sem dúvida, aquela, bastante elaborada, entre o mar
e a corte do rei, que adorna o celebrado código legal conhecido como Siete
Partidas, compostas sob a direção do próprio Afonso X, entre 1256 e 1263.
Essa comparação ocupa o lugar de uma lei na segunda Partida ou Divisão
e merece ser citada aqui na íntegra, como ilustração típica da dignidade de
pensamento e expressão de que se investem os tratados de filosofia moral e
política naquele código28:

“Que semejanza pusieron los Antiguos a la Corte del Rey.


Pusieron los sabios antiguos semejanza de la mar a la Corte del Rey, ca
bien assi como la mar es larga, e grande, e cerca toda la tierra, e ay pescados de
muchas naturas; otrosi la Corte del Rey, deue ser en espacio, para caber, e sofrir, e
dar recabdo a todas las cosas que a ella vinieren, de qualquier natura que sean; ca
alli se han de librar los pleytos grandes, e tomarse los grandes consejos, e darse
los grandes dones. E porende y ha menester largueza grande, e espacio para saber
sofrir los enojos, e las quexas, e los desentendimientos de los que a ella vienen,
que son de muchas maneras; e cada uno quiere, que passen las cosas a su voluntad
e su entendimiento. Onde por todas estas cosas ha menester, que la Corte sea
larga, como la mar. E aun sin esto, ay otras en que le semeja; ca bien assi como los
que andan por la mar en el buen tiempo, van los omes derechamiente, e seguros

27
“Se alguém entender propriamente a matéria”.
28
Partida II, tít. 9, ley 28.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

con lo que llevan, e arriban al puerto que quieren, otrosi la Corte, quando en ella
son los pleytos librados con derecho, van los omes en saluo, e alegremente a sus
lugares, con lo que llevan, e dende adelante non gelo puede ninguno contrallar, ni
ha que auer alzada a otra parte. E aun la Corte ha otra semejanza con la mar: que
bien assi como los omes que van por ella, si han tormenta, o non se saben guiar, ni
mantener, vienen a peligro, porque pierden los cuerpos, e lo que traen, afogandose,
beuiendo el agua de la mar amarga; otrosi los que vienen a la Corte con cosas sin
razon, pierden y sus pleytos, y afogaseles aquello que cobdician auer; y algunas
vegadas mueren y con derecho, beuiendo el amargura de la justicia por los yerros
que fizieron. Onde primeramente el Rey, que es cabeza de la Corte, e los otros que
son y, para darle consejo e ayuda con que mantenga la justicia, deuen ser muy
mesurados, para oyr las cosas de sin razon, e muy sufridos, para non se arrebatar,
ni mouer por palabras sobejanas, que los omes dizen, ni por los desamores, ni por
las embidias, que los omes han entre si, porque han a desamar al Rey e a los omes
que le consejan si non se les fazen las cosas como ellos quieren. E porende aquellos
que en la Corte estan, deuen ser de un acuerdo e de una voluntad con el Rey, para
consejarle siempre, que faga lo mejor, guardando a el, e a si mismos, que non
yerre, nin faga contra derecho. E bien assi como los marineros se guian en la
noche escura por el aguja, que les es medianera entre la piedra e la estrella, e les
muestra por do vayan, tambien en los malos tiempos, como en los buenos; otrosi
los que han de consejar al Rey, se deuen siempre guiar por la justicia, que es
medianera entre Dios e el mundo, en todo tiempo, para dar gualardon a los buenos,
e pena a los malos, a cada uno segund su merescimiento”.

Ao citar os sabios antiguos, o escritor do parágrafo acima pensa-


va, com toda a probabilidade, em coleções de antigas sentenças como o
Secretum Secretorum ou os extratos espanhóis desses analecta conhecidos
como Poridad de las Poridades29 e os Bocados de Oro30, uma miscelânea
que apareceu um pouco antes da composição da segunda Partida em 1257.
Há abundante evidência da influência dessas coleções no grande código
legal de Afonso31.
A semelhança em causa pode ter sido sugerida, pelo menos em par-
te, pela seguinte passagem de Bocados de Oro: “Quitate dell rrey mientra
estan sus fechos turbados, ca pocos estuercen de los que entran en la mar,
estando queda, quanto mas quando sus ondas son turbadas por la diversidad

29
Vid. Knust, Jahrbuch für roman. u. engl. Sprache u. Literatur X, pp. 253 e 303.
30
Publicado por Knust em Mittheilungen aus dem Eskurial (Stuttg. Liter. Verein, CLXI), pp. 66-
394.
31
Para citar apenas alguns exemplos, o paralelo entre o reino e um jardim, encontrado em Secret.
Secret., Bocados de Oro etc., ocorre com desenvolvimento similar em Siete Partidas, II-10-3
(cf. Knust, loc. cit., pp. 276-277); a definição de franqueza em Siete Part. II-5-18; a definição de
fe em S.P. I-4-31, II-5-7 (cf. Knust, loc. cit., p. 398).

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Marinhas em português arcaico

de los vientos”32. A única descrição anterior das qualidades do mar, desen-


volvida com propósito comparativo, que o presente autor conhece é aquela
bastante eloquente de Santo Ambrósio, em Hexameron, III, 5, 6, 23-2533.
Aqui, contudo, como na obra grega de São Basílio do mesmo nome, que
lhe serviu de modelo, não é a corte de um rei, mas a Igreja, que é compara-
da ao mar34.
Não está fora de cogitação que uma correspondência mais próxi-
ma com o paralelo sustentado por Afonso X entre a corte de um rei e o mar
venha ainda a ser descoberta, mas nisso, como em muitos outros casos, é
preciso ter em mente que a liberdade com que o autor medieval tratava a
informação disponível torna frequentemente muito difícil, se não impossí-
vel, determinar a fonte exata35.
Voltando a Charinho, podemos assumir que na aplicação do símile
ao seu próprio rei, e não no símile em si, é que foi original, da mesma
forma que a frase “nevoas d’antano”, introduzida pelo seu colega poeta
Martin Anes Marinho numa cantiga satírica (CV. 454), e a de François
Villon “où sont les neiges d’antan?” são apenas ecos da fórmula consagra-
da pelo tempo para expressar a impermanência das coisas: “ubi sunt” etc.,
familiar a partir da pergunta de Cícero, na Oratio Phil. VIII, 23: “Pro Di
immortales, ubi sunt ille mos virtusque maiorum?36”

32
Vid. loc. cit., p. 315 e cf. as sentenças citadas na nota a essa passagem; Buenos Proverbios, loc.
cit., p. 37.
33
Corpus Script., eccles. latin., ed. Vindobonae, 1897, vol. 32: St. Ambrosii Opera, Pars I, pp. 74-
5. – Essa passagem é citada pelo comentador das Siete Partidas com a observação: “Ex istis
proprietatibus adaptabilis ad curiam Regis”.
34
Migne, Patrol. graeca, vol. 29, § 7, pp. 93-94.
35
Para citar apenas um exemplo. Na lei sobre a castidade dos reis, as Siete Partidas (I-5-38) in-
cluem a seguinte passagem: “E en razon de la castidat, dixo Salomon, que fue Rey e Propheta,
estas palabras que pertenescen a la Eglesia: ‘Fermosas son tus mexillas como tortola’: porque
esta aue guarda mas castidat que otra que sea”. O comentador, nesse ponto, cita as bem conheci-
das palavras de São Bernardo (Migne, Patrol. lat., 183, § 1410), que refletem a lenda familiar
relativa à rola. Cf. Berceo, Missa, c. 21. Para a interpretação teológica dessa ave como símbolo
de pureza e fidelidade, devemos contentar-nos aqui com a remissão ao instrutivo trabalho de A.
Salzer, Die Sinnbilder und Beiworte Mariens in der latein. Hymnenpoesie des Mittelalters
(Leipzig, 1893), pp. 134-140, e ao comentário em Goldstaub e Wendriner, Tosco-Venet. Bestia-
rius (Halle a/S., 1892), pp. 112, 137 ss., 180 ss., 429 ss. – Para o papel da rola na poesia români-
ca, vid. W. Hensel, “Die Vögel in der provenz. u. nordfranz. Lyrik des Mittelalters” (Roman.
Forsch., 26, p. 650), e especialmente a encantadora balada espanhola “Fonte Frida” ([Wolf e
Hofmann], Primavera y Flor, nº. 116). Nesse poema, no qual a rola repele a corte do rouxinol,
ela é dotada de todas as propriedades importantes que lhe atribuem as versões mais antigas e
mais novas do Physiologus: a pureza e o isolamento, a fidelidade ao companheiro perdido, a
recusa em voltar a pousar em um ramo verde ou beber água cristalina. Cf. P. S. Allen, “Die
Turteltaube” (Modern Lang. Notes, XIX, 1904, col. 175-177). [No original, não se indica o lugar
onde deveria estar colocada esta nota. Colocamo-la aqui, considerando o contexto. (N.E.)]
36
Para outras e mais antigas ocorrências, vid. J. W. Bright, em Modern Language Notes, VIII
(1893), col. 186-187 [na verdade, 187-188. (N.E.)].

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O TEXTO DE UM POEMA DO
REI D. D ENIS DE P ORTUGAL*

Entre as menos convencionais e monótonas cantigas d’ amor em


português arcaico, talvez possamos contar aquela em que o rei D. Denis
(1261-1325), como alguns outros dentre os seus companheiros de lirismo,
professa a doutrina da mesura, característica da concepção de amor exis-
tente no último período da canção provençal1. Omitida por Moura2, essa
composição (CV 208; CB 605)3 foi pela primeira vez trazida à luz, em
1894, na edição feita pelo presente autor de toda a poesia existente daquele
rei, que se tornara acessível pelas edições diplomáticas de Monaci e Molte-
ni dos dois copiosos apógrafos italianos de uma, ou mais de uma, coletânea
portuguesa de canções. Uma vez que essas cópias italianas, na opinião de
um juiz tão competente como Ernesto Monaci, foram escritas no estilo de
letra usado em Itália no fim de século XV e começo do XVI4, e que os
originais portugueses estiveram, muito provavelmente, na posse de um ou
mais homens de letras italianos, antes de serem adquiridos pelo humanista
Angelo Colocci (1474-1549), parece razoável assumir que esses originais
chegaram à Itália antes de 1500. Sendo cópias de cópias feitas por mão

* “The text of a poem by King Denis of Portugal”, em Hispanic Review I: 1 (January 1933),
pp. 1-23.
1
Vid. Denis, p. XLV ss. [Cancioneiro d’el rei Dom Denis, neste volume, p. 90 ss]; Mod. Lang.
Notes X (1895), p. 110 [neste volume, p. 466].
2
Cancioneiro d’El Rei D. Diniz. Por C. Lopes de Moura, Paris, 1847.
3
Abreviaturas: CA = Cancioneiro da Ajuda. Edição crítica por Carolina Michaëlis de Vasconcellos,
Halle a.S. (Max Niemeyer), 1904. CB = Il Canzoniere portoghese Colocci-Brancuti, pubblicato
nelle parti che completano il codice Vaticano 4803, da E. Molteni, Halle, 1880 (agora chamado
pelos portugueses C.B.N., por ter sido adquirido pela Biblioteca Nacional de Lisboa).
CM = Cantigas de Santa Maria. Las publica la R. Academia Española, Madrid, 1889. CV = Il
Canzoniere portoghese della Vaticana, pubblicato da E. Monaci, Halle, 1875. Denis = Liederbuch
des Königs Denis von Portugal. Zum ersten mal vollständig herausgegeben ... von H. R. Lang,
Halle, 1894. Publicado em 1892 sem Introdução e Glossário. Tr. = Trovas e Cantares de um
Codice do XIV seculo. Publ. por F. A. de Varnhagen, Madrid, 1849. Essa edição contém as 310
composições do códice da Ajuda, incorporadas ao Cancioneiro da Ajuda editado por Carolina
Michaëlis.
4
Loc. cit., Prefazione, p. VII ss.

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 569 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

humana, os traslados italianos, por mais que tivessem sido executados de


forma cuidadosa e inteligente, como certamente o foram5, dificilmente po-
deriam permanecer muito fiéis ao arquétipo, quer fosse ele a coletânea fei-
ta por um dos filhos do rei Denis, D. Pedro Afonso, Conde de Barcelos,
quer uma compilação posterior6. É desnecessário dizer que a incerteza quanto
à filiação dessas cópias e a ausência de comentários, traduções ou outros
tipos de evidência auxiliar frequentemente tornam desconcertante a tarefa
do editor de estabelecer o que estava no original. Havia, porém, ainda outra
dificuldade com a qual se confrontou o presente autor, quando decidiu, em
1890, preparar uma edição crítica dos versos do rei D. Denis. Era a ausên-
cia, com exceção de uns poucos trabalhos de âmbito mais geral7, de estu-
dos críticos preliminares da história desse rico repertório poético, do seu
estilo, vocabulário, prosódia e outros aspectos. Considerando essas circuns-
tâncias, pareceu-lhe melhor esforçar-se principalmente em estabelecer, tanto
quanto possível, a estrutura métrica dos poemas e tornar claro o seu senti-
do. Embora ciente da sólida advertência do classicista inglês Richard Ben-
tley “nobis et ratio et res ipsa centum codicibus potiores sunt”∗∗ , emendas
conjecturais foram, de regra, relegadas às notas sob forma de sugestões, a
menos que parecessem preencher os requisitos de sentido, gramática e metro
suficientemente para ser intrinsecamente prováveis. Tal reserva era espe-
cialmente aconselhável no caso de um poema como este a ser agora discu-
tido em detalhe (nº. LXXVI da edição de 1894) que, como facilmente se
verá pela cópia do Ms CV. 208 dada abaixo8, nos chegou em forma mais
corrompida que qualquer outra de Denis, e de fato tão defeituosa que torna
5
Loc. cit.
6
Deve-se ter em mente que, como Monaci observa (p. XII): “le testimonianze del Santillana e di
Nunes de Leão valgono solo a provare la esistenza, in quei tempi, di altri due antichi canzonieri
portoghesi da non confondersi punto con questo conservatoci dal benemerito umanista italiano”.
7
Especialmente o ainda útil estudo de F. Diez: Ueber die erste portugiesische Kunst- und Hofpoesie,
Bonn, 1863; a análise magistral, embora necessariamente breve, do assunto totalmente novo, por
Carolina Michaëlis, pp. 167-203 da sua “História da Literatura Portuguesa” em Grundriss, 1889,
II, 2, pp. 129-382, e o excelente artigo de Jules Cornu, “Portugiesische Sprache”, em Grundriss,
1888, I, pp. 715-803.
* “A razão e os fatos valem para nós mais do que cem manuscritos”. (N.E.)
8
Pero muito amo muito nõ desi auer da q amo
e quero gram bem porq eu conheco
muy eto 7 ueios que de auer muito.
4 amy nõ me uera a tam gnde folgãça
que mayo’ nõ seya o seu dano dela
qm tal bem deseia o bem dessa dama
en muy pouco te
8 Mas oq nom he
et seer podria sse fosse assy
que aella deesse bem do meu bem
eu desesaria auer o mayor q

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

quase impossível qualquer restauração definitiva, sem a ajuda de uma có-


pia muito melhor. Oferece-se agora uma edição algo revista do nosso texto,
na esperança de que possa fazer mais justiça às intenções do poeta do que a
anterior. No comentário que se segue ao texto, será dada a devida conside-
ração às discussões que suscitou desde a edição de 1894.
A primeira e de longe a mais instrutiva crítica foi a de Carolina
Michaëlis na sua completa resenha do meu trabalho em 18959, na qual se
aceitou em geral a reconstituição da forma métrica e do contexto do poema,
excetuando-se vários aspectos pontuais. Baseado em grande parte naquela
resenha, mas também como resultado de estudo independente do assunto
como um todo, o alemão-brasileiro Dr. Oscar Nobiling apresentou em 190310
uma edição sua, discordando decididamente da minha em diversas questões
de prosódia e de interpretação. Finalmente, há dois anos, um novo texto,
incorporando uma série de alterações, foi publicado pelo filólogo de Lisboa,
Rodrigues Lapa11. Em nenhuma das duas publicações se oferece ao leitor
uma ideia da tradição manuscrita de todo o poema.

12 auer podesse ca pois auos ambos


hi bisuha proveico tall bem deseiado
ffarýa deseyto et sandeu seria
qm o nom fezesse
16 E qm doutra guisa
tall bem non he namorado
mas he sfrom q semp trahalli
por cedo cobrar
20 doq nõ suiyo amoor
gallar da hi 7 de tall amor
amo mays de cento
7 nõ amo huã de que me atento
24 de seer seruidor de boom coraçõ
Que pois me eu chamo e soo
seruidor gram treito’ ssia
se in susa senhor por meu ben
28 ouvesse mall ou sen rrazõ
E qntos bem amã assy o diram
CB. O texto é aqui precedido pelo título Senhora. – 2. conheço; 3. muito; 4. me bem a tam; 7. te]
be; 9. poderia fosse; 10. ueesse; 11. deseiaria; 13. uiinha proueito tal; 14. dereyto; 16. douera;
18. Em lugar de sfrom encontramos uma cruz (+) – trabalhy; 10. çedo; 20. seruyo o moor;
21. dam; - hi falta; 23. me cõtento; 24. copaço; 25. cu; 26. treiçõ seria; 27. seminha.
9
Zeitsch. f. rom. Philol., XIX, pp. 514-541, 578-615, e mais especialmente pp. 527-528.
10
Loc. cit., 1903, XXVII, pp. 187-189. [Cf. “Acerca da Interpretação do Cancioneiro de D. Denis”,
em O. Nobiling, As cantigas de D. Joan Garcia de Guilhade e Estudos Dispersos, pp. 168-170.
No texto, por engano, está 1905, em lugar de 1903. (N.E.)]
11
Uma Cantiga de D. Denis (CV. 208; C.B.N. 605). Interpretação e fontes literárias. Paris, 1930.
[Cf. também a resposta de Lapa ao artigo de Lang: “Henry R. Lang, The text of a Poem by King
Denis of Portugal”, publicada em Boletim de Filologia II (1934), pp. 181-184, e depois incluído
em Miscelânea de Língua e Literatura Portuguêsa Medieval, pp. 73-77. (N.E.)]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Pero muito amo, muito nom desejo


aver da que amo e quero gram bem,
porque eu conheço muito [bem] e vejo
4 que de aver muito a mim nom me vem
atam grande folgança que maior nom seja
o seu dano d’ela; [e] quem tal bem deseja,
o bem de sa dama em mui pouco tem.

8 Mas o que nom é e seer pod[e]ria,


se fosse assi que a ela veesse
bem do meu bem, eu desejaria
aver o maior que aver podesse;
12 ca pois a nos ambos i tiinha proveito
tal bem desejado, faria dereito,
e sandeu seria quem o nom fezesse.

E quem d’ outra guisa tal bem [desejar],


16 nom é namorado, mas é s[em raz]om,
que sempre trabalh’ i por cedo cobrar
da que nom servio o moor galardom;
e de tal amor amo mais de cento,
20 e nom amo ua de que me contento
de seer servidor de bo(o)m coraçom.

Que pois me eu cham(o) e sõo servidor,


gram treiçom seria se minha senhor
24 por meu bem ouvesse mal ou semrazom.

E quantos bem amam, assi o diram.

1. A presença de muito amo, em vez de muit’ amo neste verso, de


aver, em vez de d’aver no v. 4 e de me eu, em vez de m’ eu, no v. 22, levou
Nobiling a duvidar da autoria de D. Denis. É claro, contudo, que esses três
casos diferem na sua natureza. Muito amo pode ser considerado aqui um
caso de hiato bem colocado no fim de um hemistíquio, pondo em relevo,
nessa instância particular, o contraste entre o profundo amor professado
pelo poeta e a moderada recompensa esperada. No lugar do hiato, poder-
se-ia assumir sinalefa e ler pero [que], mas nenhuma correção parece
necessária. Para de aver e me eu, veja-se abaixo.

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

3. CV. muy eto; CB. muito. Essa lição obviamente errônea de CV


foi deixada na minha primeira edição, porque não havia nenhuma emenda
clara disponível – e, na verdade, ainda não há. Em vista do muito de CB,
Carolina Michaëlis sugeriu, com hesitação, muito bem, uma expressão
moderna que satisfaria tanto o sentido quanto o metro, mas que, como a
erudita senhora bem sabia, não era o uso corrente na época. No português
arcaico, assim como no espanhol mesmo hoje em dia, apenas muy, a forma
encurtada de muito, era regularmente admitida em posição proclítica antes
de adjetivos, particípios passados adjetivados e advérbios. Embora
preferindo evidentemente o muito de CB, Nobiling sugeriu a lição mui
cert’, que tem a vantagem de fazer bom sentido. Adotando a conjectura de
Nobiling, o Sr. Lapa afasta-se mais ainda do manuscrito, acrescentando
por antes de muy cert’. Essa emenda parece algo arbitrária.
Enquanto, como já se disse, a evidência de textos contemporâneos
depõe decididamente a favor de muy em posição proclítica, devemos ter
em mente que tanto no espanhol como no português antigos a forma plena
mucho ou muito ainda aparece ocasionalmente em lugar de muy, como muito
também o faz, no português de hoje. Em alguns casos, um verbo intervém
entre muito e o seu adjetivo, particípio passado ou advérbio, como em Graal,
6, 39: muyto aviam gram pesar; 45, 33: ca sobejo deue seer bõo caualleiro
aquelle que em ella (isto é, carreira) entrar; Poema del Cid, 6: ca mucho
avie grandes cuydados. Em outros casos, muito, mucho aparecem
procliticamente antes do adjetivo etc., como por exemplo em Graal, 11,
21: quem quer que elle seja, eu querria que lhi fosse muito bem12; 21, 18:
mas se i fordes, pesarme a muito sobejo; 136, 12: honde soom muito
maravilhado; 137, 1: eu fiquei pensando e mujto espantado; fol. 196 ro
(Revista Lusit., VI, 345): chorando muito de coraçom (em vez do mais
usual muy de c.); Poema del Cid, 110: grandes averes priso e mucho
sobejanos; Poema de Fernan Gonçalez, 357 d: Ovyeron mucho ayna el
agua travessada. Cf. F. Hanssen, Gram. Histor., § 684.
Com a devida reserva, portanto, algo pode ainda ser dito em favor
de muito bem como a lição mais aceitável.
4. De aver deve ser corrigido para d’ aver. O hemistíquio é muito
curto. Enquanto não se descobrir uma versão melhor do nosso poema, esta
e outras passagens defeituosas permanecerão indubitavelmente impossí-
veis de emendar. Se nos fosse permitido assumir, para os nossos textos
poéticos, o uso pessoal de en, ende, poderíamos ler d’e[n] aver ou d’aver

12
Cf. Cancioneiro Resende, I, p. 459: Calay-vos muyto bem.

573

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

en com o sentido de “receber dela”. Mas nenhuma evidência de tal uso foi
até agora encontrada na poesia da época, embora não seja incomum no
Graal, cuja língua, como bem se sabe, é praticamente idêntica à dos trova-
dores. Assim 10, 22-24: Beento sejas tu, que me leixaste tanto uyuer que
uisse a tavolla redonda comprida, que nom fallacesem ende fora dous; 30,
4-5: Ca tu por tua mãao, que em maao ponto filhaste a espada, matarás em
xviii destes teus companheiros; 108, 13: que me saudades meus compa-
nheiros, aquelles que ende achardes ujuos; 110, 39: E quando tornauam,
falleciam ende os chus.
No, no texto do Sr. Lapa, deveria ser non (ms. nõ).
6. A conjunção [e] no começo do segundo hemistíquio estabelece
uma conexão sintática muito melhor com o que precede do que a de certa
forma abrupta retomada do argumento, transmitida por quem, que o Sr.
Lapa conserva. A conjunção pode formar sinalefa com o final átono (d’ela)
do primeiro hemistíquio, um fenômeno comum ao verso de arte mayor e
outros metros da época. Cf. F. Hanssen, Zur span. u. portug. Metrik
(Valparaíso, 1900) pp. 3, 6, 8, 34 ss.; Metrische Studien zu Alfonso u. Berceo
(Valparaíso, 1903) p. 20 ss. Cf. abaixo v. 22.
7. Ambos os manuscritos têm dama. Essa palavra e treiçom (v. 23)
são as que Nobiling considera como não-dionisinas, porque não ocorrem
em outros poemas do rei. Mas como pode alguém esperar que expressões
como essas sejam usadas mais do que uma vez num total de apenas 2784
versos? Quanto a dama, por que não seria essa palavra provençal tão ade-
quada no verso de Denis como senher, no v. 1728 (CV. 164, 10)?13 O preparo
crítico de Nobiling, porém, levou-o a conservar dama, com o devido res-
peito ao apoio de ambos os manuscritos. O Sr. Lapa, por outro lado,
substitui-o por dona, observando: “Os editores da cantiga levaram-se em
escrúpulo de conservar a lição do ms.” Os editores futuros, é de crer, serão
não menos conservadores quando considerarem que o termo dama não é
“excepcional na época trovadoresca”, mas ocorre diversas vezes:
Assim, CV. 666 (Pregunta que foi feita a Fernam d’Amboa, e feze
a Hugo Gonçalves de Montemayor o Novo), 3:

E, o homem ferido com ferro e sem paao,


mais te valia de seeres ja morto,
pois tua dama ha com outros comforto!

13
Senher também em CV. 912, 18; 986, 12; 1021, 29; CM. 5, 1; 25, 5; 63, 15 etc.

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

CV. 762 (Roy Martiz do Casal), 4-7:

Que ant’ eu quisera em poder d’ amor


morrer ou viver, segundo meu sem,
ca hua dama, que mays servi, non14
quer que a veja, nem lhy que[i]ra bem.

CV. 768, 2:

Assaz he desasisado
O que cuyda que tem dama
Que nenhuu outro nom ama.

Não há, portanto, razão suficiente para alterar o texto registrado.


8. Nas minhas edições anteriores, mas foi erroneamente substituído
pela antiga forma mais, que se encontra com maior frequência nos textos
poéticos da época. É, contudo, confirmada não só por ambos os manuscritos,
mas por sua ocorrência em outros lugares, nos nossos Cancioneiros e na
prosa do Graal. Vid., por exemplo, o Glossário de CA., publicado por
Carolina Michaëlis em 1922. Temo-lo ainda uma vez no v. 16 do nosso
poema.
A substituição do Sr. Lapa de he et por este não parece necessária.
Por que e perturbaria o sentido, fica sem demonstrar. Não é exato dizer que
este é uma forma do verbo seer; é o latim est, com e paragógico e serve
apenas como uma 3ª. p. sing. do Presente do Indicativo do português seer
(< sedere).
10. No segundo hemistíquio deste verso, que parece bastante
satisfatório tal como está, o Sr. Lapa introduz enton depois de eu15. Isso,
depois de declarar (p. 5): “Segundo a regra do verso de arte mayor, o acento
principal recai quási inviolavelmente sôbre a quinta sílaba. Esta constância
do ritmo explica até, como vamos ver, uma ou outra característica da nossa
interpretação”. Cf. v. 19.
12. CV. hi bisuha proveico; CB. hi uiinha proveito. Tanto Nobiling
como, quase trinta anos depois, o Sr. Lapa (p. 6) rejeitam a lição tiinha
proveito proposta na minha nota a este verso (p. 131), com explícita
referência à frase corrente teer prol, tinha prol (listada no meu Glossário),

14
Ms. ca hua mays servi dama non.
15
O Sr. Lapa afirma, erroneamente, que sugeri [é que] para o começo do segundo hemistíquio por
causa do metro. O que eu disse então explicitamente foi que o sentido parecia exigir a adição
proposta.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

e à passagem citada de CB. 31 (CA. 341), 20: Quan pouco proveito me ten
De vos dizer. Desconsiderando essas ocorrências e a clara aprovação de
tiinha p. por Carolina Michaëlis, Nobiling adota o mais legível uiinha 16 na
forma viinh’a, sem nem sequer se perguntar, por um instante, se viir a
proveito era uma frase corrente no idioma dos trobadores. Expressões como
venir a pelo em espanhol, ou venir a plazer “redundar no prazer de alguém”,
em provençal (p.ex. Chrestom. de Appel, 13, 48; 17, 51), são bem comuns,
mas não se segue daí, como o Dr. Nobiling parece tomar por certo, que viir
a proveito fosse a construção correta, mesmo se uma semelhante ocorre em
francês antigo, como por exemplo nas Fables de Marie de France (ed.
K. Warnke) 57, 26: que nuls n’ en est a prou venuz. Ele poderia ter dado a
devida atenção ao fato, evidenciado por todos os textos poéticos disponíveis,
para não falar dos ainda mais convenientes glossários de CM (1889), Denis
(1894) e CA (1922), de que os trobadores portugueses não empregavam,
nem tampouco os provençais17, o verbo viir, em lugar de teer, aver, fazer
etc.18, com proveito, prol, pro, proe. Daremos aqui alguns exemplos não
listados nos Glossários: CV. 337 (refrão): Tanta prol mi ten; 865, 15: Que
prol mi á; Graal, 55, 36: nom vos ha prol; 58, 7: nom vos ha prol de vollo
dizer; 100, 16: e porem leixei a batalha, ca bem vi que nom tynha i prol; fol
194 (Rev. Lus., V, 344): Ca ainda poderia teer prol a el ou a outrem. Se não
for um erro por tem, o verbo vem ocorre uma vez (mas não com a prep. a),
Graal, fol. 194 (Rev. Lus., loc. cit.): “Ai”, dise el Rey (isto é, Artur), “se eu
escapei vivo, que prol me vem; ca mia vida nom é nada?”
O mesmo uso encontra-se em espanhol antigo, como por exemplo
em Siete Partidas, III-22-21, III prol. 23; III-23-5; Juan Ruiz, 1170 d,
1424 c; Canc. Baena, 113, 5.
Quanto ao advérbio i, que o Sr. Lapa, também seguindo Nobiling,
suprime, não interfere com o metro, uma vez que tiinha, viinha e formas
similares são não infrequentemente dissílabos no interior do verso ou em
posição proclítica. Assim CB. 1559, 3, e nom tijnha el de pan; 9, ca non
tiinha que comer (todo terceiro verso nas quatro estrofes é um octossílabo
trocaico); CA∗ ∗ 311 (CB 17): Ca me tynhan tan en vil; CM. 16, 6: Mas con

16
Tanto quanto nos permitem julgar as listas de Abreviaturas e Erros de Monaci, bisuha não pode
ser tomado como um erro de cópia por uiinha, preferivelmente a tiinha. É uma questão, porém,
saber como uiinha entrou em CB.
17
O único texto provençal no qual venir é citado nesse contexto é uma tradução do poema francês
Chastiement des dames. Vid. Raynouard, Lexique roman, s.v. prol.
18
Em Denis, v. 2604 (CB. 406, 10), encontramos o verbo atar: Ca demo lev’ a prol que xi lh’em
ata; e Graal, 112, 25, adubar: e nom adubaredes y rem da vossa prol na demanda.
* O texto original traz CH. O verso referido é o 10, que CA lê: ante me tinhan tan en vil. (N.E.)

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

coita grande que tijnna no coraçon Com’ ome fora∗ ∗ de seu siso, se foi
enton (13 sílabas); 23, 3: Ca non tijnna senon pouco en un tonelcynno; 28,
3: Et o tesour’ en leuar Que tijnnan ascondudo (um hexassílabo no último
verso de cada estrofe).
É mais provável, portanto, que a lição correta do v. 12 seja a que se
adota na presente edição.
16. Em 1894, a obscura forma Sfrom, contendo a requerida sílaba-
rima em -om, foi preservada no meu texto, mas a fórmula adjetival semrazom
foi sugerida na nota a esse verso [neste volume, p. 330] como uma que
satisfaria o sentido e o metro, bem como a rima; e na Introdução (p. CXXXVI
e nota 4 [p. 170, nota 53], a emenda proposta foi apoiada pela referência ao
fato de que semrazom reaparecia na fiinda, ou estrofe final, de acordo com
a prática provençal e portuguesa de frequentemente repetir na fiinda não
apenas uma ou mais rimas, mas mesmo as próprias palavras-rimantes usadas
na estrofe precedente19. Sem prestar qualquer atenção a essa consideração
métrica, Carolina Michaëlis (p. 527) positivamente põe de lado semrazom,
com o argumento de que o contexto solicitava uma palavra com o sentido
de Frechling*, esperando para esse propósito encontrar ou cunhar uma
formação “provençalizante” como (um) semfrom ou (um) desfrom, com o
sentido de descarado. Como seria de esperar, esse desejo não se
concretizou20. Dez anos mais tarde, contudo, Nobiling, também rejeitando
semrazom, incorporou a fantasiosa criação um desfrom na sua edição do
nosso poema, embora não sem refletir, mais sobriamente (pp. 188-189),
que “não deveria ser difícil encontrar no vocabulário dessa escola lírica,
em lugar de sfrom, a palavra nativa trissílaba significando algo como
‘impudente’, sem ter de recorrer a uma formação como desfrom, proposta
pela Sra. Vasconcelos, que não parece ocorrer em nenhum lugar”*.
Aparentemente, esse termo nativo, procurado para ocupar o lugar do
rejeitado semrazom, continuava ainda escondido em 1930, quando o
Sr. Lapa retomou a busca de um substituto estrangeiro, dessa vez um latino.

* O texto original traz fara. (N.E.)


19
Exemplos provençais de tal repetição não precisam ser citados aqui, principalmente porque isso
já foi feito de forma extensa num artigo sobre A Repetição de Palavras rimantes, com o qual
contribuí, há alguns anos, para uma Miscelânea em honra do Dr. Leite de Vasconcelos.
[neste volume, pp. 593-595] A respeito da tornada provençal, vid., além das Leys d’Amors, I,
pp. 338-340, especialmente C. Appel, Peire Rogier (Berlim, 1882), p. 60 ss.; De Bartholomaeis,
Annales du Midi, XIX, p. 449 ss., e C. Appel, Bernart v. Ventadorn (Halle, 1915), p. CXVIII ss.
* “Malandro”. Em alemão no texto. (N.E.)
20
Cf. a minha nota acerca da suposta forma provençal afron em Romanic Review VII (1916),
pp. 177 e 349.
* Cf. O. Nobiling, As cantigas de D. Joan Garcia de Guilhade ..., op. cit., p. 168. (N.E.)

577

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Descartando um desfrom, com o argumento de que o sentido da palavra-


rima desejada não pode ser nem “insolente” nem “impudente”, mas deve
ser “cobiçoso, ávido, arrebatado”21, e aduzindo de Du Cange infrunitus e
infrontatus, o Sr. Lapa cita do Lexique roman de Raynouard (III, 97) o
adjetivo efrun, enfrun, com o sentido de “triste, ávido”. Somos informados
de que o Dicionário de Godefroy menciona um bom número de passagens
onde é clara a significação “ávido, avarento”, mas não se explica como a
exigida palavra-rimante em -õ deve ser obtida a partir de uma que termina
em ü < u (enfrun, enfrune, rimando com une, lune, fortune etc.). Nesse
ponto, o Sr. Lapa passa a indagar se o enfron do poema português22 é um
galicismo ou um provençalismo, ou antes uma forma indígena, derivada de
um termo literário greco-latino infronu, “indoctus”, e decide considerá-lo
um empréstimo estrangeiro, porque ainda não foi encontrado em documentos
portugueses e “a verdadeira significação no verso é ‘ávido de receber o
premio’”. Não se explica por que, em face dessas objeções, enfron é, apesar
de tudo, incorporado ao nosso poema. Depois dessa algo vaga exploração,
o Sr. Lapa, se o entendemos corretamente, chega à conclusão de que a
sílaba sfrom de CV é um mero erro de copista e que “Lang viu muito melhor
o caso, propondo semrazom”. Mas como se poderá fazer coincidir semrazom
com a repetida e positiva afirmação de que “a verdadeira significação no
verso é ‘ávido de receber o premio’”? Talvez o Sr. Lapa concorde com
Alfred de Vigny, quando este diz: “Je ne suis pas toujours de mon opinion”,
pois, um pouco mais adiante (p. 10), observa: “Há duas particularidades
nêle (isto é, no poema) que poderiam fazer crer que a cantiga pertence
efectivamente a Denis: a existencia de um estrangeirismo, enfron (vid. infra
nota 22)∗∗ , só explicável por quem conhecesse bem e literàriamente o francês
ou o provençal etc.”
À parte o fato de não se ter encontrado nenhum substituto aceitável
para semrazom desde 1895, quando Carolina Michaëlis pela primeira vez
rejeitou essa expressão em favor de um não existente composto
provençalizante, diversas considerações contribuem para justificar a sua
escolha para a passagem em causa. É um dos numerosos compostos
peninsulares de sem, sin e um nome, servindo como adjetivos ou nomes23,

21
Arrebatado significa “impetuoso”, “precipitado”, “arrojado” e, portanto, não pode ser propria-
mente classificado como sinônimo de ávido.
22
Lembro ao leitor que a lição registrada é sfrom, não enfron, sendo que esta última forma foi
cunhada e introduzida no texto português pelo Sr. Lapa.
* O parêntese na citação de Lapa é de Lang, referindo-se à antecedente nota 22. (N.E.)
23
Uma série de ocorrências foi coligida pelo presente autor no Cancioneiro Gallego-Castelhano,
p. 181.

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

e aparece frequentemente como adjetivo em todos os períodos da língua24.


A sua significação ordinária: “irrazoado”, “aquêle que faz semrazões”*,
oferece um contraste perfeitamente adequado ao namorado, o amans dretz
dos provençais, e expressa uma ideia muito mais refinada do que a atribuída
ao poeta pelo Sr. Lapa. Finalmente, como já dissemos, a adoção de semrazom
é indicada por sua aparição na fiinda como a rima pela qual esta última se
liga ao corpo do poema. Não há nada estranho no fato de na fiinda a nossa
palavra ser um nome, com o sentido usual de “injustiça, injúria”, em vez de
um adjetivo. O emprego de uma determinada palavra-rimante com diferente
função no mesmo poema ocorre com bastante frequência, como por exemplo
em Bernart de Ventadorn (ed. Appel), nº. 17, vv. 2 e 28, tener; nº. 22, vv. 30
e 45, umana; CA. nº. 137, 280, bem; 261, d’amor; 430, mal; CV. 539,
senhor; 1174, ren.
Considerando o fato de que a ligação da fiinda ao sistema de rimas
da composição à qual pertence recebeu até agora pouca atenção, julgamos
útil anexar a esta breve contribuição um apêndice com todos os poemas
sem refrão ou cantigas de maestria, cujas fiindas ecoam uma ou mais de
uma das suas palavras-rimantes.
18. O Sr. Lapa muda da que para de quem, alegando estar mais
próximo do manuscrito, quando, na verdade, está mais distante, pois o
manuscrito tem do q, não meramente do q, como ele diz. No v. 2, deixa da
que intacto, e no v. 20 de que, onde que, como ocorre frequentemente, está
por quem.
19. Na minha primeira edição, o da hi de CV e dam de CB foram
erroneamente emendados para assi.
Depois de amo, o Sr. Lapa insere o advérbio hi, tomado do verso
precedente a fim de completar o metro, mas não está claro porque o metro
deve ser visto como defectivo.
21. O Sr. Lapa substituiria boom, antes de coraçom, por bõo, que
é, naturalmente, uma grafia mais correta da forma tônica desse adjetivo;
mas não nos diz em que aspecto essa mudança melhora o metro, como ele
pensa, ou interpreta mais fielmente a lição dos manuscritos. Nem fica claro
como essa mudança afeta a forma silábica do primeiro hemistíquio. A forma
proclítica bo(o)m, bom também merece consideração.

24
Por exemplo, CV. 901, 1: O voss’ amigo trist’ e sem razom; CA. 177 (CB. 328) 13: E a mi
semelha cousa sen razon: Canc. Resende, I, p. 97:
Cuydar he no coraçom
Um ardor muy sem razom.
* Em português no texto. (N.E.)

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

22. “A lição manuscrita é que pois me eu chamo e sõo servidor


conservada por Lang nas duas edições. Adoptamos a leitura de Nobiling
(isto é, cham’e por chamo e), estabelecendo hiato em me eu, contràriamente
à regra formulada por êle.”25 O que Nobiling fez foi simplesmente trocar a
sinalefa entre os hemistíquios por elisão, procedimento ao qual parecia
inclinado a recorrer com insuficiente discriminação (Cf. v. 6). Quanto ao
hiato em me eu, há tempos já foi visto como admissível em certas
circunstâncias, nesta e em outras combinações semelhantes. Assim, por
exemplo, no nosso próprio verso e em CA, onde a editora, Carolina
Michaëlis, o aceita por razões métricas na lição transmitida me ei do
v. 5240, e o cria por emenda em 3506 m[e]aveo, 7997 m[e]eu, 8157 m[e]
esta, enquanto no v. 652, onde ambos os manuscritos têm me aven, ela
substitui me por mi tônico26. No nosso verso, o hiato em me eu parece
inevitável, a não ser que se encontre outro remédio para o hemistíquio.
Agora, a conexão sintática entre o primeiro verso da fiinda e a estrofe
precedente não é tão próxima como costuma ser. Muito frequentemente, a
fiinda abre-se com a conjunção e. Em Denis, metade das quarenta e duas
fiindas tem essa introdução. Lendo [E] pois que m’eu chamo etc., podemos
não somente estabelecer um elo mais íntimo entre a fiinda e o que a precede,
mas também evitar colocar ênfase indevida em eu.
23. CV. treito’ssia; CB. treiçõ seria.
Lapa: “Todos os editores seguiram a lição do C.B.N. (= CB.) e
fizeram imprimir treiçom, contràriamente ao estado da língua, a êsse tempo,
e até um pouco contràriamente ao sentido, que exige ‘maldade, injustiça’ e
não tanto a ideia de traição. Para nós é evidente que um copista do século
XV ou XVI modificou ou propositada ou inconscientemente, o vocábulo
torto em treiçom. Em D. Denis e nos trovadores contemporâneos apenas há
traiçom trissilábico”.
Lembramos ao leitor, de saída, que as letras t e c são frequentemente
confundidas uma com a outra nos manuscritos, de tal forma que o treito’ de
CV pode ser visto em concordância substancial com a forma treiçõ de CB.
Quanto à forma treiçom, em vez do mais antigo traiçom, é verdade
que por enquanto não foi encontrada em nenhum outro lugar do nosso corpus
poeticum; ocorre, contudo, em textos em prosa preservados em manuscritos
do século XV e compostos no século anterior, não muito mais tarde, portanto,
do que na época de D. Denis. Assim, no Livro do Esopo (Rev. Lus., VIII,
25
Vid. Zu Text u. Interpretation des Cancioneiro da Ajuda, Erlangen, 1906, p. 7. [O. Nobiling,
As cantigas de D. Joan Garcia de Guilhade..., op. cit., p. 180. (N.E.)]
26
Vid. o artigo do presente Autor em Zeitschrift für roman. Philologie XXXII, pp. 144-146 e 393-
394 [ neste volume, pp. 398-340 e 448-449].

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

p. 80) e frequentemente na Demanda do Santo Graal, cuja linguagem, deve-


se lembrar, é praticamente idêntica à dos nossos trobadores, por ex., p. 88,
15; 94, 14, 16, 18, 25 etc.; cf. treedor, p. 92, 8; 94, 12. Não há, portanto,
razão especial para considerar treiçom como não familiar aos escritores da
época. Nem a palavra é tão estranha assim, no que respeita ao significado.
Como em outras línguas, e particularmente em poesia, tratando de forma
mais ou menos jocosa il discorde voler che in due cor miri∗ ∗ , a traição não
significa tanto a quebra de uma confiança sagrada, como um ato que nos
causa surpresa desagradável. Assim CV. 204, 15 (Denis, v. 2522), De vos
em pesar é muy gram razom, Ca dizend’ anda mui gram traiçom De mim e
de vós; 206, 7 (Denis, v. 2563), Defendi-lh’eu que se nom fosse d’aqui,... E
ora vai-s’e faz-mi traiçom; CM. 5, 5: Disse-lle que a amaua mui de coraçon,
mai-la santa dona, quando ll’oyu tal traiçon...
Com reserva igual deve-se tomar a asserção do Sr. Lapa de que
Denis e os seus contemporâneos conheciam trayçom apenas como um
trissílabo. Deixando de lado, hipoteticamente, a passagem em causa, e
admitindo inteiramente que a palavra apareça predominantemente como
trissílabo, encontramo-la contada como um dissílabo no octossílabo iâmbico
CA. 358 (CB. 74), 15: “E fará adur tal traiçon”, a não ser que se contraiam
em uma única as vogais em conflito de fará adur; e ainda em outro
octossílabo iâmbico, CV. 419, 16: Faz sobre mi mui gram [t]rayzom. É
verdade que o Sr. Lapa, no seu artigo “O texto das cantigas d’amigo” (Lisboa,
1929, pp. 27-28)*, removeria esse insubmisso fato, suprimindo mui,
seguindo nisso o pio exemplo das hostes cristãs de Carlos Magno, Chanson
de Roland, vv. 101-102:

En la citet nen at remes paien


Ne seit ocis, o devient crestiiens.*

Nenhum argumento convincente poderá vir de tal procedimento.


Nem há muita força em dizer que trayçom era trissílabo até bem depois do
tempo de Denis. Pode muito bem ter sido o caso. Mas a questão é se a
palavra não era também dissílaba. É bem sabido que, durante o século que
se seguiu a Denis, Portugal desceu ao seu nadir literário e que poucos, se é
que algum, espécimes de poesia culta daquele período chegaram até nós
em documentos portugueses27. Ora, ocorre que num dos poemas daquele

* Ariosto, Orlando Furioso, canto II, estr. 2. (N.E.)


* Na Miscelânea de Língua e Literatura Portuguesa Medieval, 1965, p. 35. (N.E.)
27
Vid. Carolina Michaëlis, em Grundriss, II, 2, p. 231; Lang, Cancioneiro Gallego-Castelhano
(CGC), p. XI ss.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

período de transição, do jovial Gonçalo Rodríguez, mais conhecido como


Arcediago de Toro28 (CGC n. XIV; cf. Canc. Baena, nº. 316), traiçon é
dissílabo, enquanto em outro, loc. cit. n. LXIX, de um autor anônimo,
traições tem três sílabas. No fim daquela pausa literária, com o advento da
segunda lírica palaciana, ou lírica português-castelhana, representada no
Cancioneiro de Resende (1449-1521)29, vemos firmemente estabelecida a
maior parte dos resultados dessa contração de sílabas, que vinha ocorrendo
principalmente no século XIV e na primeira parte do XV, e que começara
já no idioma poético, de outra forma conservador e uniforme, dos trobadores.
(Vid. acima o último parágrafo da nota ao v. 12). Assim, temos trayçam,
CR. I, 385: Sabeis que trayçam fazeis; e tredor, em vez de traidor, treedor,
loc. cit. I, 450: O amor tredor nam solta etc.
No espanhol antigo, a contração de aï em ditongo encontra-se
repetidamente já em Gonçalo de Berceo. Assim, em Milagros, 200, 1b;
259, 3b; 815, 4b traidor; 561, 2b traiçion, a menos que –ion seja tratado
como um monossílabo.
Podemos dizer, então, que ainda não se apresentou razão suficiente
para substituir treiçom no nosso verso por outra palavra.
25. No que respeita ao último verso do nosso poema, cuja palavra
final, em –am, parece separá-lo do resto, pode pertencer ao grupo de fiindas
de um ou mais versos, que não respondem às rimas da estrofe ou estrofes
precedentes. Como ocorrências desse tipo que, como se verá adiante, é
mais frequente no Cancionero de Baena, podemos citar CA. 3 (CB. 93),
50 (CB. 162), 167-168 (CB. 319), CV. 222, 456, 480, 706, 1142 e talvez
CA. 311 (CB.1) e 462 (CV. 574).
Voltando-nos agora para a fiinda, o tratado poético30 em português
arcaico informa-nos que ela era uma parte essencial tanto do poema sem
refrão ou cantiga de maestria, seguindo mais ou menos de perto o modelo
da cansó provençal, como do poema de refrão, e que devia responder a
uma ou mais rimas da última estrofe do primeiro tipo, ou do refrão, do
segundo. O tratado, tal como o temos, nada diz de formar a fiinda uma
estrofe completa ou ter rimas independentes, ou de retomar não apenas a
rima, mas a própria palavra-rimante da última estrofe. Aprendemos, contudo,
que algumas composições tinham mais do que uma fiinda, enquanto outras

28
Fl. 1385. Para sua identificação, vid. Aubrey F.G. Bell, Mod. Lang. Review XII (1917),
pp. 357-358.
29
Vid. agora o belo estudo desse Cancioneiro por Jole Ruggieri, Genebra (Leo S. Olschki), 1931.
30
CB. p. 5, tit. IV, cap. 4. Editado por E. Monaci em Miscellanea Caix-Canello, Florença, 1886,
pp. 417-425. Cf. o artigo do presente Autor em Revue Hispanique XVI (1907), pp. 15-22.

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

não tinham nenhuma, e nisso, como no preceito da concordância em rima


entre a fiinda e a última estrofe, o tratado mostra estar de acordo com a
prática observável no nosso corpus poeticum.
Das 1597 peças contidas nos três cancioneiros (CV. 1095,
CB. 438, CA. 64)31, cujos dois terços são poemas de refrão, apenas 416
têm fiindas (CV. 297, CB. 90, CA. 29). Atribuem-se a D. Denis 41 cantigas
de maestria e 97 cantigas de refram. Das primeiras, apenas duas têm fiindas,
das últimas, 45, com repetição de palavras-rima em 13. No total, há notável
consonância com a prática dos provençais, embora os portugueses se
permitam com alguma frequência ligar as rimas da fiinda a uma estrofe
diferente da última (por exemplo, Denis, CXXXIV [neste volume, p. 172]).
Quase a metade das 183 cantigas de maestria que têm fiindas obedece à
maneira provençal de repetir as palavras-rimantes.
O período de transição nas líricas peninsulares, que se situa entre a
primeira escola portuguesa e a segunda (1449-1521), é marcado pelo
crepúsculo da arte mais antiga, conhecida como a lírica galego-castelhana
(1350-1450), e pelo movimento bem mais importante representado
principalmente pelo Cancionero de Baena, no qual se misturam ecos dos
idiomas poéticos galego e catalão ao castelhano predominante. Apenas cinco
das setenta e quatro composições coligidas no CGC têm estrofes de
conclusão, mas nelas as regras da arte são ainda cuidadosamente observadas.
O Cancionero de Baena contém 583 poemas32. Desses, 278 têm
finidas, 253 das quais respondem com maior ou menor regularidade às
rimas da estrofe precedente. Em 20 composições, a finida tem rimas
independentes, e em 9 delas forma estrofes completas, seguindo nisso sem
dúvida o preceito da Gaya Sciencia. A repetição de palavras-rimantes ocorre
mais ou menos regularmente em apenas cinco peças (nºs. 67, 108, 219, 397,
398) e em casos especiais como 175, 182, 357, 380, 454, 465, onde a finida
retoma quase a totalidade do primeiro verso da estrofe ou estrofes
precedentes.
Incluem-se a seguir as cantigas de maestria dos nossos
Cancioneiros portugueses cujas fiindas repetem palavras-rimantes.

31
Este é o número total resultante da eliminação de duplicados e outros erros.
32
Vid. Cancionero de Baena. Reproduced in facsimile from the unique manuscript in the
Bibliothèque Nationale of Paris. Foreword by H.R. Lang. Printed by Order of theTrustees of the
Hispanic Society of America, New York, 1926.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

A. CASOS REGULARES
Identidade da rima da fiinda com a da estrofe imediatamente pre-
cedente33.

Martin Soares “Maravillo-m’eu, mia senhor”(CA. 42, CB. 154).

IV. E ja mia cuita, mia senhor,


non vo-la ouver’a dizer;
ante me leixara morrer
se non por vos, que ei pavor
de que teen senhor por mal
que a[o] seu ome non val,
pois poder á de lhe valer.

V. E pois vus outro ben non fal,


por Deus, non façades atal
torto qual oídes dizer!

Roy Queimado “Nostro Senhor, e por que neguei?” (CA. 129,


CB. 250)

IV. Mais a que sazon que m’eu acordei


quando a non posso per ren veer,
nen quando non poss’i conselho aver!
Mais eu cativo, e que receei?
ca non mi-avia por end’a meter
nen ar avia peor a estar
d’ela do que m’og’estou, e o sei.

V. Mais do que podia peor estar,


pois eu non vej’aquella que amar
sei mais de min nen quantas coisas sei?

33
Para melhor ilustração, reproduzem-se na íntegra o texto da última estrofe e o da fiinda de dois
poemas.

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

CA 86 (CB. 190). Coblas unissonans. O segundo verso da fiinda34 repete a


palavra-rimante de C 2 (en).
88 (CB. 192) abbacca; bba. Dois pares de coblas uniss. com dobre
(rims-equivocs provençal) no primeiro e último verso de cada estrofe
(vi, mi, dizer, veer). F repete as palavras-rimantes ben, poren de I bb.
106 (CB. 214-215) abbacca; bba, bba. Dois pares de coblas uniss. Ambas
as fiindas respondem ao segundo par, terminando o primeiro verso da se-
gunda fiinda e b 2 em fazer.
129 (CB. 250) abbacca; cca. Coblas uniss., com exceção de c que muda de
estrofe a estrofe. A fiinda repete estar de III c 2 e sei de III a 3.
155 (Tr. 168) ababcca; cca. Rims singulars, tendo cada estrofe o seu pró-
prio conjunto de rimas, com exceção de I b, que se torna III a, e a de cada
estrofe forma um dobre (pesar, afan, mayor). A fiinda repete mayor.
166 (CB. 318) abbcca; bba. Rims sing., com a exceção de que todas as
estrofes têm a em comum. O primeiro verso de F tem a mesma palavra-
rimante que o terceiro verso da estrofe precedente (disser’).
183 (CB. 270) abbacca; bba. Coblas uniss. que mudam, contudo, a rima c.
O segundo verso de F e b 2 terminam de forma idêntica em quen.
232 (CV. 34) ababba; ba. Coblas uniss. O primeiro verso de F repete a
palavra-rimante do quarto verso da última estrofe (i).
262 (CV. 51) abbcac; cc. Rims sing., com a seguinte exceção: a rima c de I
serve como a de II, e c de II serve como a em III. O primeiro verso de F e
III c 2 têm a mesma palavra-rimante (mester).
270 (Tr. 28) abbcac; cc. Rims sing., mas conectadas pela rima c 2 de I, que
serve como a em II, enquanto c de II serve como a em III. A rima c 2 de F
e III c 1 terminam de forma idêntica em meu.
271 (Tr. 29) abbacca; cca. Rims sing. Os dois primeiros versos de F repe-
tem a palavra-rimante de III c 1 (á = habet).
396 (CB. 144) ababccb; ccb. Uma tensó, onde, como em provençal, cada
interlocutor tem uma estrofe de cada vez. O segundo verso da única fiinda
preservada, e IV c 2 têm don em comum.
410 (CB. 227) abcabcb; cb. Rims sing., mas conectadas pela rima b de I,
que se torna a em II, e rima b de II, que serve como a em III. O último verso
de F repete enton de III b 1.
460 (CV. 572) ababccb; cca, cca. Rims sing. O último verso da segunda F
e IV c 1 terminam, de forma idêntica, em conquereu.

34
Daqui para a frente, esse termo será em geral referido pela letra F.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

462 (CV. 574) abbacca; cca, bba, d. Coblas uniss. O primeiro verso da
primeira F tem a mesma palavra-rimante que IV c 2 (levou).
466 (CV. 578) abbaccb; aab. Rims sing. A rima c de II reaparece como a
em III. O primeiro verso de F repete III a 1 (sen) e o último verso, pran, de
II b 1.
CB 1524 (397) aabab; ab. Rims sing. O primeiro verso da F repete a
palavra-rimante de III a 2 (son).
CB 1526 (399) abbacacd; acd, acd. Rims sing. conectadas pela rima d. O
primeiro verso da segunda F tem a mesma palavra-rimante que IV a 2
(matar).
CV 27. abbacca; cca; cca. Tensó. O primeiro verso da segunda F repete
bem de IV c 2.
CA 264 (CV. 53) ababbc; aac. Quatro coblas uniss. O segundo e o quinto
versos de cada estrofe têm um dobre (matar, falar, pesar, queixar). O
primeiro verso de F repete a palavra-rimante amparar de I b 2.
CV 208 ababccb; ddb; e. Rims sing. O último verso de F I repete a palavra-
rimante de III b 2.
344 abbacca; dda. Rims sing. ligadas pela rima b de I, que reaparece como
c em III. O verso final de F e III a 3 terminam, de forma idêntica, em quer.
397 ababcca; ccaa. Pares de estrofes com o seu próprio conjunto de rimas.
O segundo verso de F e IV c 2 têm a mesma palavra-rimante (serví).
448 abbcca; cca. Coblas uniss., diferenciadas, contudo, pela variação de c
de estrofe a estrofe. O primeiro e o último versos de cada estrofe têm rima
idêntica (ben, sen, ten). O primeiro verso de F repete a palavra-rimante min
de III c 2. Pode dever-se ao mero acaso o fato de, além disso, o advérbio i
de I c 2 reaparecer na rima do segundo verso de F.
473 abbacca; aa. Rims sing., conjugadas, contudo, pela rima a de I, que
reaparece em III; pela rima c, repetida em II e servindo como b em III, e
pela rima b de II, que serve como c em III. O primeiro verso da F tem a
mesma palavra-rima que III a 1 (melhor).
479 abbabac; abc. Rims sing. O segundo verso de F repete a palavra-rimante
de IV b 2 (sey).
482 abbacca; cca. Rims sing. A fiinda repete, em ordem inversa, as palavras-
rimantes de IV cc (eu, seu).
541 abbacca; cca. Coblas uniss., diferenciadas, contudo, pela variação da
rima c, de estrofe a estrofe. O segundo verso de F e III c 2 terminam, de
forma idêntica, em seu, enquanto o último verso e III a 3 têm em comum a
palavra-rimante mi.
545 abbacca; dda. Rims sing. O último verso de F tem rima idêntica a III a
3 (perdi).

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

556 abbacca; cca; cca. Tensó. O primeiro verso de F repete a fórmula se


Deus perdom de III c 1; o segundo verso repete nom de IV c 1; o primeiro
verso de F II repete dom de III c 2, e o terceiro verso, mester, de IV a 1.
598 abbcac; cac. Rims sing. O primeiro e o terceiro versos de F e I c têm
em comum as palavras-rimantes tenho, venho.
636 abbacca; dda. Rims sing. O terceiro verso de F e a 3 terminam, de
forma idêntica, em é. A coincidência da rima amor de I a 1 com desamor,
no segundo verso de F, pode ser fortuita35.
643 abbcacb; bcb. Coblas uniss., diferenciadas, contudo, pela rima a, que
varia de estrofe a estrofe. O último verso de F tem a mesma palavra-rimante
que I b 1 (nacer).
654 ababccd; ccd. Coblas uniss., terminando o primeiro verso de cada
estrofe em senhor. O segundo verso de F repete a palavra-rimante de III c 2
(fazer).
708 abbacca; dda. Rims sing., ligadas, contudo, pela continuação irregular
de várias rimas. Assim I a torna-se c em III e IV; I b reaparece como c em
II e serve uma vez mais como b em IV. O último verso de F repete a palavra-
rimante rrey de IV a 1.
786 abbcca; cca; cca. Tensó. A palavra-rima do segundo verso de F I (teer)
é a mesma que a de IV c 2; e a do último verso de F II (nada) é a mesma de
IV a 2.
818 abbcac; ac. Rims sing. O segundo verso de F repete a palavra-rimante
de c 1 (al).
826 abbaccaa; ccaa, ccaa. Tensó. O terceiro verso de cada fiinda tem rima
idêntica a a 4 (y) de III, IV. Além disso, encontramos identidade de rima
entre o segundo verso de F I e V c 1 (al), o segundo verso de F II e IV c 2
(tal) e o primeiro verso de F II e V c 2 (mal). Finalmente, as duas fiindas
têm em comum a palavra-rimante do quarto verso (aqui).
831 abbcca; dda. Rims sing. O último verso de F tem rima idêntica a III a
1 (é).
901 abbacca; ac. Rims sing. O primeiro verso de F e III a 1 terminam, de
forma idêntica, em pesar.
931 abbacca; cca. Rims sing. O segundo verso de F repete a palavra-rimante
de III c 1 (renda).
965 abcbddb; db. Rims sing., mas ligadas pela rima b de II, que reaparece
em IV. O primeiro verso de F tem a mesma palavra-rimante que IV c 1

35
Esse poema é um exemplo de salva ou “justificação”, correspondendo ao escondich dos provençais.
Para demais instâncias de salva, vid. o artigo do presente Autor em Bausteine zur romanischen
Philologie. Festgabe für Adolfo Mussafia, Halle, 1905, p. 32 ss. [neste volume, pp. 514-515]

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

(fazer). – A composição é caracterizada pela presença, em cada estrofe, de


dois versos sem rima, palavras perdudas, um artifício correspondente às
rimas dissolutas dos provençais.
985 abbacca; cca. Duas coblas unissonans, seguidas por uma estrofe de
rimas diferentes. O primeiro e o último versos de cada estrofe terminam
nas mesmas palavras-rimantes (ben, sen, assy). O terceiro verso de F repete
a palavra-rimante de III a 4 (vi).
994 abbacca; cca. Coblas uniss. O terceiro verso de F e III a 1 terminam
em logar.
1009 ababccb; ccb, ccb. Tensó. O último verso de F I repete a palavra-
rimante de IV a 1 (dizer).
1024 abbaccb; dda. Duas coblas unissonans, seguidas por uma com rimas
diferentes, mas ligada à estrofe precedente pela rima c e pela repetição em
c 1 do vocábulo trobador. O verso final de F e III a 3 terminam igualmente
em direyto36.
1032 abbacca; cca, cca. Tensó. O último verso de F I tem a mesma palavra-
rimante que IV a 2 (sey).
1034 abbacca; cca, cca. Tensó. O segundo verso de F II e IV c 1 terminam
igualmente em iguar.
1099 abbacca; bba. Rims sing., ligadas, contudo, pela continuação da rima
a em todas as estrofes e pela rima b de I, que retorna como c em II. O
primeiro verso de F repete a rima peon de I b 1 e II c 2.
1100 abbacca; dda. Três estrofes de rims singulars que têm, contudo, a
rima a em comum. A rima b de II reaparece em III. O terceiro verso de F
ecoa a palavra-rimante de I a 2 (tragia).
1106 abbacca; cca. Rims sing. O último verso de F e III a 1 terminam, de
forma idêntica, em perdon.
1174 abbacca; cca. Pares de coblas unissonans, diferenciadas, contudo,
pela rima c, que varia de estrofe a estrofe. O último verso de F e o de IV a
1 terminam igualmente em ren.
1176 abacca; cca. Coblas unissonans com uma rima, b, que só encontra
resposta no verso correspondente das estrofes seguintes (palavra perduda).
O segundo verso de F repete a palavra-rimante de II c 2 (perder), e o último
verso, a de III a 1 (guardada).

36
A rima c da primeira estrofe desse poema, quiser’: dever, pode ser considerada correta, tendo
em vista formas do futuro do subjuntivo tais como devier, tevier, tevieren, que ocorrem no Testa-
mento de Alfonso II (Rev. Lusit. VIII, pp. 81-84) e foram primeiro observadas por J. Cornu,
Grundriss I2, p. 1026.

588

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

1177 ababccb; ccb. Rims sing., mas reunidas pela rima b de II, que reaparece
como a em III. O verso final de F ecoa a palavra-rimante de III b 2 (ren).
1183 abbacca; cca. Pares de coblas unissonans. O segundo verso de F
repete ren de IV c 1.
1186 abbacaca; caac, ca. Tensó. O segundo verso de F I retoma a palavra-
rimante de III a 1 (direy), e o último verso de F II retoma el rey de III a 4.

B. CASOS EXCEPCIONAIS
I. A fiinda é ligada ao artifício chamado dobre, introduzido no corpo
do poema.

CA 132 (CB. 253) abbacca, dda. Rims sing., ligadas, contudo, pelo fato de
que a rima a, no primeiro e no último versos de cada estrofe, contém um
dobre (senhor, melhor, sabor). O último verso de F repete a palavra-rimante
senhor de I.
135 (CB. 256) abbacca; aa. Coblas uniss., tendo cada uma um dobre no
primeiro e no último versos (será, já, ren, ben). F retoma as palavras-
rimantes já, ren de II, III.
136 (CB. 257) abbacca; ca. Coblas uniss.¸ com rima idêntica (ben) no
primeiro e no último versos de cada estrofe e no fim de F.
CV 542 aaabab; ab. Rims sing. Há um dobre em b 1 e 2 de cada estrofe
(prazer, ben, senhor), repetindo-se senhor em F.
680 abbacca; cca. Coblas uniss. As rimas dos versos 1 e 4 de cada estrofe
formam um dobre (dizer, poder, morrer). F repete morrer.
1142 abbacca; dda. Rims sing. O primeiro e o último versos de cada estrofe
formam um dobre (ajudasse, tenho, filho, dano). Tenho reaparece no último
verso de F.

II. A fiinda recupera uma palavra-rimante que ocorre no mesmo


verso de cada estrofe.

CA 115 (CB 231) abbccdd; aad. Rims singulars, começando cada estrofe
com um verso sem rima (palavra perduda) que termina em senhor. Essa
palavra é retomada no segundo verso de F, em rima com melhor.
131 (CB. 252) abbaccb; ccb. Estrofes nem estritamente singulars nem
unissonans, continuando apenas c em todo o poema, enquanto a de I e III
serve como b em II e IV, b de I, como a em II, e b de III, como a em IV. A
palavra-rimante do segundo verso de cada estrofe é repetida no último verso,

589

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 589 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

formando assim um dobre (vi, morrer, pesar, perder). O primeiro verso de


F retoma a palavra-rimante ben, que ocorre em c 1 de todas as estrofes.
137 (CB. 258) abbaccb; dda. Estrofes de rims singulars ligadas pela rima
a, que continua até o fim, com palavras idênticas no primeiro e no quarto
versos (ben, ren). O último verso de F repete ben.
170 (CB. 321) abbacca; cca. Coblas uniss. O segundo verso de F tem a
mesma palavra-rimante (vi) que c 1 de cada estrofe.
171 (CB. 322) abbcca; cca. Coblas uniss. A fórmula Nostro Senhor aparece
irregularmente em I a 2, III a 1 e no fim de F, sendo omitida em II.
205 (CB. 356) abbaccb; ab. Coblas uniss. O primeiro verso de F repete a
palavra-rimante sei do primeiro verso de todas as três estrofes, e o segundo
verso de F retoma a palavra-rimante final morrer.
263 (CV. 52) abbaab; aab. Coblas uniss. O segundo verso de F termina em
senhor, palavra com que termina o quarto verso de todas as estrofes.
CV. 67. abbacca; cca. Coblas uniss. O primeiro verso de F repete a palavra-
rimante senhor do quinto verso de todas as estrofes.

III. A fiinda retoma uma palavra-rimante que ocorre numa das


estrofes anteriores à última.

CA 47 (CB. 159) ababccb; ccb, ccb. Coblas uniss. O segundo verso de F I


tem a mesma palavra-rimante que I c 2 (quitar), e o segundo verso d e F II
repete a palavra-rimante de I c 2 (falar).
107 (CB. 216) ababcca; dda. Pares de coblas unissonans com rima a
continuando até o fim. O último verso de F repete a palavra-rimante de III
a 1 (viver).
158 (Tr. 2) abbacca; cca. Pares de coblas uniss., mudando-se c de estrofe a
estrofe. Os primeiros dois versos de F têm a mesma palavra-rimante que I
cc (Deus, meus).
161 (Tr. 5-6) abbacca; dda, eea. Coblas uniss. O último verso de F II e I a
1 terminam, de forma idêntica, em veer.
248 (Tr. 278) abbacca; cca. Pares de coblas uniss. O primeiro verso de F
repete a palavra-rimante i de III c 2.
252 (Tr. 282) abbaccb; ccb. Pares de coblas uniss. O primeiro e o último
versos de F têm, em ordem inversa, as mesmas palavras-rimantes de III b 1
e c 1 (senhor, vi).
308 (Tr. m) abbaabba; abba. Coblas uniss. Os dois primeiros versos de F
retomam, embora não na mesma ordem, as palavras-rimantes de I b 1, II a
3, III a 1, III b 3 (pesar, sofrer, prazer, mostrar).

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 590 29/4/2010, 11:13


O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

333 (CB. 49) abbaccddb; bbccb (não ccddb como está na edição da Sra.
Vasconcelos). Pares de coblas uniss. Os dois primeiros versos de F repetem,
em ordem inversa, poder de I b 1 e fazer de II b 1.
359 (CB. 75) abababb; abb. Coblas uniss. O segundo verso de F e I b 2
terminam, de forma idêntica, em sei.
404 (CB. 200) abbacca; aaa. Pares de coblas uniss., marcadas, contudo,
pela irregularidade de II c diferir de I c, e IV c, de III c. Os dois primeiros
versos de F têm, em ordem inversa, as mesmas palavras-rimantes que I a 2,
3 (ben, en) e II a 2 (en).
409 (CB. 223) abbcddc; ddc, ddc. Coblas uniss., com a como palavra
perduda. O primeiro verso de F I retoma o vocábulo viver de I d 1, e o
segundo verso de F II retoma fazer, de F I.
464 (CV. 576) abbacca, cca. Coblas uniss. Os dois primeiros versos de F e
III c 1 terminam igualmente em oir.
CB. 1530 (403) abbacca; ba. Rims sing. A rima I b serve como a em II, e
cada uma das três estrofes tem dois dobres, I a fiz, I b bem, II quen, cobrar
(o segundo cobrar falta, juntamente com o verso como um todo); III y,
prez. O primeiro verso de F retoma a palavra-rimante ben de I.
1550 (423) abbacca; cca; cca. Tensó. O segundo verso de F II e o de III
c 1 terminam, de forma idêntica, em hy.
1551 (424) abbacca; bba, bba. Tensó. O primeiro e o quarto versos de cada
estrofe formam um dobre (á, já, razon, son). O primeiro verso de F I repete
a palavra-rimante sen de III c 1, e o segundo verso de F II retoma a de III
c 2 (poren).
CV. 370 abbacca; bba. Estrofes de rims singulars, mas ligadas pela rima
b de I, que serve como a de II, e pela rima a de I, que serve o mesmo
propósito em III. O primeiro verso de F e I b 1 terminam igualmente em
son.
509 abbacca; cca. Coblas uniss. O segundo verso de F retoma a palavra-
rimante asy de II c 1.
560 A ordem da rima em I é aabccbdad; a de II: aabccbdde, sendo d de I
em –or, d de II em –en. A fiinda traz: aaeff. Embora não sejam infrequentes
irregularidades desse tipo nos poemas dessa escola poética, no presente
caso elas podem ser devidas ao copista. Põe-se a questão se mal (II e), em
lugar de ser uma palavra-rimante isolada, não pretenderia fazer assonância
com amar-dar, em cujo caso a ordem da rima de II deveria ser estabelecida
como aabccbddb. O primeiro verso de F está de acordo com I a 3, terminando
igualmente em asy.
925 abbacca; cca. Rims sing. O último verso de F tem a mesma palavra-
rimante (vem) que III a 3 (convem).

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

983 abbaccb; bbb. Rims sing., exceto quanto à rima a, que continua até o
fim. Os dois primeiros versos de F concordam com II b, o último verso,
com III b. O segundo verso de F e o de II b 2 terminam igualmente em
fazer.
1064 abbacca; dda, dda. Coblas unissonans, diferenciadas, contudo, pela
variação da rima c de estrofe a estrofe. O terceiro verso de F I repete a
palavra-rimante pagado de II a 3.
1159 abbacca; cca. Pares de coblas unissonans. O segundo verso de F e o
de III c 2 terminam, de forma idêntica, em á (matar-s’á, perder-s’á).

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O texto de um poema do rei D. Denis de Portugal

A REPETIÇÃO DE PALAVRAS RIMANTES NA FIINDA


DOS TROVADORES GALAICO-PORTUGUESES*

Como é sabido1, a tornada da canção provençal repetia não só as


consonâncias da segunda parte da última estrofe, da qual era como o eco
musical2, mas frequentemente também as mesmas palavras rimantes. A re-
produção, pela tornada, de vocábulos que já serviram de rima no corpo da
canção, é especialmente pronunciada no tempo de eclosão da arte trovado-
resca da Provença, mas continua a manifestar-se durante todo o período da
sua florescência. Assim, por exemplo, nas poesias seguintes, das quais ci-
taremos apenas a derradeira estrofe e a tornada3.
Na canção “Compagno, no puesc mudar qu’eo no m’effrei” de
Guilhelm de Peitieu4, o mais antigo trovador conhecido, cujas composi-
ções ainda não estão sujeitas à lei da estrutura tripartida, a tornada reitera
quase um verso inteiro:

No i a negu de vos la•m desautrei


s’om li vedava vi fort per malavei
non begues enanz de l’aiga que’s laisses morir de ssei.
Chascus beuri’ans de l’aiga que’s laisses morir de ssei?5

Jaufre Rudel também repete não só vocábulos rimantes, mas versos


inteiros, como, por exemplo, na cansó “Lanquand li iorn son lonc en mai”6:

* Publicado em Miscelânea Scientífica e Literária dedicada ao Doutor J. Leite de Vasconcellos.


Volume I. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1934, pp. 27-43. (Em português)
1
Vid. C. Appel, Das Leben und die Werke des Trobadors Peire Rogier (Berlim, 1882), p. 60. E.
Stengel, em Grundriss für roman. Philologie II, p. 83, § 186.
2
Escusado dizer que a tornada, mais tarde, servia também de epílogo à canção, ou de envoi.
3
Não consideraremos aqui os casos em que um ou mais versos findam com palavra idêntica em
todas as estrofes, como, por exemplo, na cansó de Peire Rogier “Tan no plou ni venta”, na qual
tanto as estrofes como as duas tornadas terminam em uiure.
4
A. Jeanroy, Poésies de Guillaume IX (Toulouse, 1905), nº. II.
5
Cf. os nºs. V, VI, VII e XI da mesma edição.
6
Appel, Provenzalische Chrestomathie, nº. 15. Para os vários exemplos apresentados por Bernart
de Ventadorn, veja-se a excelente edição de Appel (Halle, 1915), p. CXXII ss.

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Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ver ditz qui m’apella lechai


ni desiran d’amor de lonh,
car nulhs autres iois tant no•m plai
cum iauzimens d’amor de lonh;
mas so qu’eu vuolh m’es tant ahis!
qu’enaissi•m fadet mos pairis
qu’ieu ames e non fos amatz.
Mas so qu’ieu vuolh m’es tant ahis!
totz sia mauditz lo pairis
que•m fadet qu’ieu non fos amatz!

Na canção que se segue, o trovador Sordel, o qual deve ter travado


conhecimento com João Soares Coelho (CV. 1021) em qualquer corte de
Espanha, talvez entre 1237 e 12417, professa, como este (CCB. 272) e
outros poetas galego-portugueses (D. Denis, CV. 208, Joam Aires de San-
tiago, CV. 541)8, a doutrina de Montagnagol:

amans dretz non es desmesuratz,


enans ama amesuradamen.

“Can plus creis, dompna, ‘l desiriers”.9

Qu’amar non pot nulhs cavaliers


sa dompna ses cor trichador,
s’engal lei non ama sa honor;
per que•us prec, bels cors plazentiers,
que pauc ni gaire ni mija
don fassatz de re que•us dija,
q’esser puesca contra•l vostr’onramen,
gardatz sieus am de fin cor lejalmen.
Per merce•us prec, bell’amija,
qez ab una qualqe brija

7
Não se pode subscrever a hipótese, enunciada por De Lollis (Vita e poesie di Sordello di Goito,
Halle, 1896, p. 28 ss.), de uma primeira estada de Sordel na corte de Fernando III de Castela, de
1229 a 1232, e de uma viagem posterior a Espanha e Portugal perto de 1241. Consultem-se,
acerca desta edição das canções de Sordel, as resenhas de F. Torraca em Giornale Dantesco IV,
pp. 1-43; de O. Schultz-Gora em Zeitsch. f. roman. Philol. XXI, pp. 237-259; de C. Appel, em
Literaturblatt, 1898, p. 227 ss.; de Levy, Zeitsch. f. roman. Philol. XXII, pp. 251-258.
8
Veja-se o texto citado mais abaixo.
9
Ed. de C. de Lollis, nº. XXV.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 594 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

del joi d’amor mi secoraz breumen,


si far se pot salvan vostr’onramen.10

Comparem-se mais os exemplos que se seguem:


Guiraut de Borneil. “Un sonet fatz malvatz e bo”. aabbcc; cc, cc,
cc. C2 (apellar) repetida na 3ª. tornada.
Raimon Gaucelm de Beziers. “Qui’vol aver complida amistansa”.
abbacddc; cddc, cddc. C2 (es) na 1ª. t.
Peire Cardenal. “Tostemps azir falsedat e enian”. ababccdd; ccdd.
D1 (mon).
Richard de Berbezilh. “Atressi cum l’orifans”. abbccaaddee; ee;
ee. E2 (sovê) na 2a t.
Guilhelm de Montagnagol. “Leu chansoneta m’er a far”. ababaab;
aabab. A4 (par)11.
À vista da praxe provençal que acabamos de apontar, e da qual
seria fácil multiplicar exemplos, não pode surpreender se a poesia áulica de
Portugal, tão incisivamente influenciada pela tradição popular do país, re-
vela abundantemente o mesmo emprego da rima idêntica na fiinda, a parte
da cantiga que, como se sabe, no fundo corresponde à tornada provençal.
Este fato, assinalado há anos na minha edição das poesias de D. Denis12,
até agora tem passado quase desatendido, embora documentado em pouco
menos da metade do número total de cantigas de meestria, ou seja, cantigas
sem refrão, que têm fiindas.
Deixando de lado, no presente estudo, as cantigas de refrão, que
constituem dois terços do caudal dos nossos cancioneiros, examinaremos
em primeiro lugar as cantigas de meestria, cujas fiindas, de acordo com a
regra da velha Poética13, têm uma ou mais consonâncias de comum com a
última estrofe, considerando depois separadamente o crescido número de
casos em que a fiinda se liga pela rima quer ao artifício do dobre, quer a
palavras rimantes que se repetem no mesmo verso de cada estrofe, quer a
estrofes anteriores à última.

10
Vejam-se ainda os nºs. IV, V, X, XV, XXIII, XXIV, XXVII, XXXIII, XXXIV, XXXVII da mesma
edição.
11
Confiram-se ainda os nºs. II, III, V, VIII, XI na edição de Jules Coulet, Le troubadour Guilhem de
Montagnagol (Toulouse, 1898).
12
CD (1894), p. CXXXVII e nota 6. [neste volume, p. 172, nota 535]
13
Tit. iv, c. 4: E se for a cantiga de meestria, deve a fiida rimar con a prestuneira [sic] cobra; e se for
de refram, deve de rimar con o refram.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 595 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Conforme o estabelece a Poética, há cantigas que têm mais de uma


fiinda, e outras que não têm nenhuma14. O antigo tratado não nos diz nada
do emprego da última estrofe como fiinda, emprego que, como se sabe, se
tornou muito vulgar na lírica italiana15; nem do costume, que nos ocupa, de
a fiinda reproduzir um ou mais vocábulos rimantes da estrofe antecedente,
nem dos casos em que a fiinda, quanto a consonância, está desprendida da
composição16. Conforme se verá da exposição que segue, os galego-portu-
gueses, por regra geral, não restringiam a ligação da fiinda à segunda parte
da última estrofe com a mesma regularidade que os provençais, estenden-
do-a muitas vezes à primeira parte.

A. – CASOS REGULARES
Nestes casos há identidade de rima entre a fiinda e a estrofe ante-
cedente. Para maior clareza começamos por citar o texto de alguns exemplos.
Martin Soares. “Maravilho-m’eu, mia senhor”. (CA. 42
= CCB. 154).

E ja mia cuita, mia senhor,


non vo-la ouver’a dizer;
ante me leixara morrer,
se non por vos, que ei pavor
de que teen senhor por mal
que a[o] seu ome non val,
pois poder á de lhe valer.
E pois vus outro ben non fal,
por Deus, non façades atal
torto qual oides dizer!

14
Os trovistas galaico-portugueses empregaram a fiinda muito menos do que os provençais. Sub-
traindo do total de 1195 cantigas do Cancioneiro da Vaticana as 54 de textura paralelística,
achamos que de entre as restantes 1141 somente 297 têm fiindas (106 sendo cantigas de meestria,
191 de refrão). O Cancioneiro da Ajuda (ed. de C. M. de Vasconcelos) contém 455 cantigas
completas, 225 sendo de meestria, 230 de refrão. Do primeiro grupo, 77 têm fiindas, do segundo,
59.
15
Vid. Biadene, La forma metrica del commiato (em Miscellanea di Filologia e Linguistica, Flo-
rença, 1886) p. 369. – Talvez se possam considerar como exemplos portugueses de tal uso, e.g.,
os nºs. CA. 4, 15, 28, 68, 82, 93, 199, 247, 320, 343, 357, 367, nos quais a estrofe final e a
antecedente têm rimas idênticas.
16
Como casos desta peculiaridade poderão mencionar-se CA. 3 (= CCB. 93), 50 (CCB. 162), 167-
8 (CCB. 319), salvo o verso final isolado, que se liga à fiinda antecedente; CV. 222, 456, 480,
706, 1142, e talvez o verso final de 208 (CD. LXXVI), precedido de uma fiinda de três versos.

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 596 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

Roy Queimado. “Nostro Senhor Deus, e por que neguei”.


(CA. 129 = CCB. 250).

Mais a que sazon que m’eu acordei,


quando a non posso per ren veer,
nen quando non poss’i conselh’aver!
Mais eu cativo, e que receei?;
ca non mi-avia por end’a matar,
nen ar avia peor a estar
d’ela do que m’og’estou, e o sei.
Mais de que podia peor estar,
pois eu non vej’aquella que amar
sei mais de min nen quantas cousas sei?17

Joam Ayras de Santiago. “Desei’eu ben aver de ma senhor”.


(CV. 541)18

E ja eu muitos namorados vi
que non dauan nulha ren por auer
sas senhores mal, pois assi prazer
fazian, e por esto dig’ assi:
Se eu mha senhor amo polo meu
ben, e non cato a nulha ren do seu,
non am’eu mha senhor, mais amo mi.
E mal mi venha se atal fui eu,
ca desque eu no mund’andei por seu,
amei sa prol muito mais c’a de mi.

Resta citar a cantiga CV. 208 (CD. LXXVI), cujo texto, muito
viciado em ambos os apógrafos italianos, ainda agora não satisfaz. Nesta
poesia D. Denis, a quem está atribuída no CV., exprime, conforme já ficou
indicado, a concepção idealizada do amor que distingue a época posterior
da lírica provençal. Tiro o texto, que aqui transcrevo para maior comodida-
de do leitor, com algumas alterações, da redação que publiquei em 1895
em Modern Language Notes X, p. 110 [neste volume, p. 466]19:

17
Ambas as cantigas têm estrofes equiconsoantes, diferenciadas porém pela rima c, que varia de
estrofe em estrofe.
18
Veja-se mais acima, p. 592.
19
No mesmo lugar vem citado, para confronto com a cantiga portuguesa, o sirventês de Montagnagol
que começa: “Nulhs om no val ni deu esser amatz”. [neste volume, p. 467]

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 597 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Pero muito amo20, muito nom desejo


aver da que amo e quero gram bem,
porque eu conheço21 muito [bem] e vejo
4 que d(e)’aver muito22 a mim nom me vem
[a] tam gram folgança que maior nom seja
o seu dano d’ela; e23 quem tal bem deseja,
o bem de sa dama em mui pouco tem.
8 Mais o que nom é e seer poderia,
se fosse assi que a ela veesse
bem do meu bem24, eu desejaria
aver o maior que aver podesse;
12 ca pois a nos ambos i tiinha proveito25
tal bem desejado, faria dereito,
e sandeu seria quem o nom fezesse.
E quem d’outra guisa tal bem [desejar],
16 nom é namorado, mais é s[em]r[az]om,
que sempre trabalh’i por cedo cobrar
da que nom servio o moor galar[dom];26
e de tal amor amo mais de cento,
20 e nom amo ua de que me contento
de seer servidor de bo(o)m coraçom,
Que pois27 me eu cham(o)’e sõo servidor,
gram treiçom seria se minha senhor

20
Quem não admitir o uso de hiato entre muito e amo, uso que todavia é muito comum na praxe
seguida pelos trovadores, poderá suprir a sílaba de que se carece pela inserção de que depois de
pero. A conjunção concessiva pero que alterna com pero, por ex., CD. vv. 15, 175, 366, 369;
CA. vv. 1514, 3320, 3326; CM. nº. 82 etc.
21
A forma moderna conheço, em lugar das mais arcaicas conhosco, conhoço, que são as regulares
nos nossos Cancioneiros, é devida, como se sabe, à analogia dos verbos em -ecer. Em manuscri-
tos do século XV, p. ex. nos da “Vida de S. Aleixo” (Revista Lusitana I, pp. 334-345), conhoçer
alterna ainda com conheçer.
22
O hemistíquio está falto de uma sílaba. Talvez se deva acrescentar o pronome adverbial én depois
de aver.
23
O 2º. hemistíquio tem uma sílaba a maior, a menos de se supor anacruse ao princípio, ou sinalefa
entre as duas secções do verso, procedimentos que, como se sabe, se dão em vários metros anti-
gos, como, por ex., no dodecassílabo e no verso de arte maior. Confira-se F. Hanssen, Zur
spanischen u. portugiesischen Metrik (Valparaíso, 1900), pp. 3, 6, 8, 9, 12; 34 ss.; 53 ss.; 63-4;
Metrische Studien zu Alfonso u. Berçeo (Valparaíso, 1903), p. 20 ss.
24
O hemistíquio anda falho de uma sílaba. Enquanto não se ofereça emenda mais feliz, proponho
que se acrescente gram ao princípio. – A construção da primeira parte da estrofe não é bem clara.
25
Hi bisunha CV; viinha CCB. – Nos nossos Cancioneiros, tanto proveito como prol aparecem
invariavelmente contruídos com aver, teer, seer, não com viir. Assim CA. 341 (CCB. 57) v. 17-
18. “Pois eu entendo, mia senhor, Quam pouco proveito me tem De vos dizer”; 31 (Tr. v), v. 14:
“Quando me prol nom tem cousimento”; 58 (CCB. 169), v. 16: “E se me contra vos gran ben prol
non tover”; CD. vv. 394, 463, 1439 etc.; Graal (ed. Reinhardstoettner), p. 100, 16-17: “E porem
leixei a batalha, ca bem vi que nom tynha i prol”.
26
Pelo que respeita à medida do 2º. hemistíquio, veja-se a nota 23 acima.
27
O hemistíquio está bem, quanto à medida, se admitirmos o uso de hiato entre o pronome átono
me e eu (e encontros parecidos de vogais), procedimento que, embora não frequente, é menos

598

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 598 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

24 por meu bem ouvesse mal ou semrazom;


e quantos bem amam, assi o diram28.

A palavra semrazom no fim do verso 16 (rima C1) é emenda minha,


que já propus em 1894 (CD. pp. CXXXVII e 132 [neste volume, pp. 172 e
330] em lugar das letras Ѐfrom do CV., substituídas no CCB. por uma cruz.
A expressão “um desfrom”, composta do artigo português e da conjecturada
forma provençal desfrom (“um desavergonhado”), que O. Nobiling29
dubitativamente inseriu em colchetes em substituição de Ѐfrom, além de
afastar-se muito da grafia do códice, não serve por não existir30. Por outra
parte, a fórmula portuguesa semrazom, que aparece na fiinda, única
consonância com que esta se liga ao corpo da cantiga, não só satisfaz os
sinais gráficos, a medida e a consoante, mas exprime ao mesmo passo com
suficiente exatidão a ideia de “irrazoado”, “daquele que faz sem-razões”31,
de desmesuratz em provençal, que o trovador quis contrastar com a mesura
do namorado sensato, do amans dretz. A fórmula semrazom, como se sabe,
é um dos muitos compostos nominais que se empregam como adjetivos e
substantivos (cf. sen-amor, sen-conhecer, sen-deus, sen-mester, sen-sabor,
sen-ventura etc., e a nota à p. 181 do meu Cancioneiro Galego-Castelhano).
Serve de adjetivo, por ex., no CV. 901, v. 1 “O voss’ amigo trist’e semrazom”;
CA. 177 (CCB. 328), v. 13 “E a mi semelha cousa senrazon”. Quanto ao
emprego um tanto diverso de semrazom na fiinda, onde é substantivo no
sentido ordinário de semrazão, “injustiça”, “injúria”, não tem nada de
estranho. O uso da mesma palavra rimante em função diferente encontra-
se muitíssimas vezes, como por ex., CA. nºs. 137, 280 bem; 261, d’amor,
430, mal; CV. nº. 539, senhor; 1174, ren; ou em provençal, em Bernart de

raro do que se supõe (cf. Zeitsch. für roman. Philol. XXXII, pp. 144-147 e 392-394 – [neste
volume, pp. 398-401 e 448-449]). Parece, contudo, que o texto transmitido precisa de retifica-
ção, visto ser pouco regular e saliente o nexo sintático entre a fiinda e a estrofe antecedente.
Estou disposto, portanto, a introduzir ao princípio do verso a conjunção e, que na lírica trovado-
resca se emprega muitíssimas vezes para começar estrofes, assim como orações independentes e
mesmo subordinadas (cf. CD. nº. 1, 5, 12, 13, 16, 19, 21, 25, 29, 30 etc., e Carolina Michaëlis de
Vasconcelos, Glossário do Cancioneiro da Ajuda, s. v. e), e mudar que pois em pois que. Uma
lição mais correta do verso seria pois: “E pois que m(e)’eu cham(o)’e sõo servidor”.
28
Visto a fiinda principiar por dois versos independentes da cantiga, quanto à rima, não é de estra-
nhar que o último verso, que conclui o argumento, esteja sem consonância, sendo verso realmen-
te solto. Veja-se a nota 16.
29
Zeitsch. f. roman. Philol. XXVII, p. 189. [Vid. O. Nobiling, As cantigas de D. Joan Garcia de
Guilhade e estudos dispersos, p. 168. (N.E.)]
30
Conforme fiz notar no meu artiguinho sobre a suposta forma provençal afron em Romanic Review
VII (1916), pp. 177 e 349.
31
Bluteau, Dicc., s.v.

599

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 599 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Ventadorn (ed. Appel) nº. 17, vv. 2 e 28 tener, “ter” e “prender”; nº. 22,
vv. 30 e 45 umana, “bondosa” e “humana”.
Parece pois acertado considerarmos a cantiga CV. 208 como mais
um exemplo do uso de rima idêntica na fiinda a aditar aos que vêm registados
na lista que se segue.

CA. 86 (CCB. 190) abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. O


2º. verso da fiinda repete a palavra rimante de c 2 (én).
106 (CCB. 214-215) abbacca; bba, bba. Estrofes pareadas. Ambas
as fiindas respondem ao 2º. par. O 2º. verso da 2ª. fiinda e b 2 terminam
identicamente em fazer.
155 (Tr. 168) ababcca; cca. Estrofes singulares com a particularidade
que a consonância b da 1ª. passa a ser a na 3ª., e que a consonância a de cada
estrofe forma dobre (pesar, afan, mayor). A fiinda repete o vocábulo mayor.
166 (CCB. 318) abbcca; bba. Estrofes singulares encadeadas pela
rima a. O verso inicial da fiinda tem a mesma rima que o 3º. verso da copla
antecedente (disser).
183 (Tr. 270) abbacca; bba. Estrofes equiconsoantes, diferenciadas
porém pela rima c. O 2º. verso da fiinda e b 2 terminam identicamente em
quen.
232 (CV. 34) ababba; ba. Estrofes equiconsoantes. Há identidade
de consonância no 1º. verso da fiinda e no 4º. da última copla (i).
262 (CV. 51) abbcac; cc. Estrofes singulares com a particularidade
que a rima c da 1ª. estância serve de a na 2ª., e a rima c da 2ª. serve de a na
3ª. O verso inicial da fiinda e c 2 têm rima idêntica (mester).
270 (Tr. 28) abbacac; cc. Estrofes singulares enlaçadas pela última
rima c, que serve de a na estrofe seguinte. O verso final da fiinda e c 1 acabam
identicamente em meu.
271 (Tr. 29) abbcca; cca. Estrofes singulares. Os primeiros dois
versos da fiinda repetem a palavra rimante de c 1 (á = habet).
396 (CCB. 144) ababccb; ccb. Tenção. Estrofes pareadas. O 2º. verso
da única fiinda conservada e c 2 da copla antecedente têm a mesma rima
(don).
410 (CCB. 227) abcabcb; cb. Estrofes singulares, encadeadas porém
pela rima b da 1ª. estrofe, que passa a ser a na 2ª., e pela rima b da 2ª., que
passa a ser a na 3ª. O verso final da fiinda repete a palavra rimante de b 1
(enton).
460 (CV. 572) ababccb; cca, cca. Estrofes singulares. O verso inicial
da 2ª. fiinda e c 1 acabam identicamente em conquereu.

600

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 600 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

462 (CV. 574) abbacca; cca, bba, d. Estrofes equiconsoantes. O


verso 1 da 1ª. fiinda tem a mesma rima que c 2 (levou).
466 (CV. 578) abbaccb; c3c3b2. Estrofes singulares. O verso inicial
da fiinda e a 1 têm rima idêntica (sen).
CCB. 1524 (397) aabab; ab. Estrofes singulares. O verso 1 da fiinda
repete a palavra rimante de a 2 (son). Veja-se também B III.
CCB. 1526 (399) abbacacd; acd, acd. Estrofes singulares,
encadeadas pela rima d. O verso 1 da 2ª fiinda tem a mesma rima que a 2
(matar).
CV. 27, abbacca; cca, cca. Tenção. O verso inicial da 2ª. fiinda repete
a palavra rimante de c 2 (bem).
344. abbacca; dda. Estrofes singulares, ligadas todavia pela rima b
da 1ª. estrofe que passa a ser c na 3ª. O verso final da fiinda e a 3 terminam
identicamente em quer.
397, ababcca; ccaa. Estrofes pareadas. O verso 2 da fiinda e c 2 têm
rima idêntica (servi).
448. abbcca; cca. Estrofes equiconsoantes, diferenciadas todavia
pela rima b, que varia de estrofe para estrofe. O primeiro e o último versos de
cada estrofe acabam em rima idêntica (ben, sen, ten). O verso inicial da fiinda
tem a mesma palavra rimante que c 2 (min). Além disso o verso 2 da fiinda e
o verso 5 da 1ª. copla têm em comum a rima y, talvez devido ao acaso.
473. abbacca; aa. Estrofes singulares, enlaçadas porém pela rima a,
que se repete na 3ª estrofe; por c, que se repete na 2ª., passando a servir de b
na 3ª., e pela rima b da 2ª. estrofe, que reaparece como c na 3ª. O verso 1 da
fiinda tem a mesma rima que a 1 (melhor).
482. abbacca; cca. Estrofes singulares. A fiinda repete, em ordem
inversa, as palavras rimantes de cc (eu, seu).
545. abbacca; dda. Estrofes singulares. O verso final da fiinda e a 3
acabam identicamente em perdi.
556. abbacca; cca, cca. Tenção. O 3º. verso da 2ª. fiinda repete a
palavra rimante de a 1 (mester).
598. abbcac; c1a3c1. Estrofes singulares. O verso 2 da fiinda e b 1
têm a mesma rima (non). Além disso há identidade entre a rima c da 1ª. copla
e a da fiinda (tenho, venho).
636. abbacca; dda. Estrofes singulares. O verso final da fiinda e a 3
têm a mesma rima (é). A repetição da palavra rimante amor na fiinda (desamor)
talvez seja fortuita.
A cantiga é exemplo do tipo da salva, que corresponde ao escondich
provençal. Veja-se acerca dos exemplos portugueses o meu artigo em

601

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 601 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

Bausteine zur romanischen Philologie. Festgabe für Adolf Mussafia. Halle,


1905, pp. 32 ss [neste volume, p. 514 ss.].
708. abbacca; dda. Estrofes singulares, ligadas todavia pela rima b,
que na 2ª estrofe passa a ser c e na 4ª torna a servir de b. O verso final da
fiinda tem a mesma rima que a 1 (rey).
786. abbcca; cca, cca. Tenção. Há identidade de rimas entre o verso
2 da 1ª. fiinda e c 2 (teer), de um lado, e o verso final da 2ª fiinda e a 2, do
outro lado (nada).
818. abbcac; ac. Estrofes singulares. O verso 2 da fiinda repete a
palavra rimante de c 1 (al).
826. abbaccaa; ccaa, ccaa. Tenção. O verso 2 de ambas as fiindas
tem a mesma rima que a 4 (y). Além disso há identidade de rimas entre o
verso 2 da 2ª fiinda e c 1 (tal), e entre o verso 1 da 2ª. fiinda e c 2 da 5ª.
estância. As duas fiindas estão ligadas entre si pela rima idêntica do verso
final (aqui).
831. abbcca; dda. Estrofes singulares. O verso final da fiinda e a 1
terminam identicamente em é.
901. abbacca; ac. Estrofes singulares. O verso inicial da fiinda e a 1
têm rima idêntica (pesar).
931. abbacca; cca. Estrofes singulares. O verso 2 da fiinda repete a
palavra rimante de c 1 (renda).
965. abcbddb; db. Estrofes singulares, ligadas todavia pela rima b
da 2ª estrofe, que se repete na 4ª. Como se vê, há duas palavras perdudas (a
e c) em cada estância. O verso inicial da fiinda e c 1 têm rima idêntica (fazer).
985. abbacca; cca. Duas estrofes equiconsoantes mais uma de
consonâncias divergentes. O primeiro e o último versos de cada copla têm
rima idêntica (ben, sen, assy). O verso 3 da fiinda repete a palavra rimante de
a 4 (vi).
994. abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. O verso 3 da fiinda e a
1 acabam identicamente em logar.
1009. ababccb; ccb, ccb. Tenção. O último verso da 1ª. fiinda repete
a palavra rimante de a 1 (dizer).
1024. abbaccb; dda. Duas estrofes equiconsoantes mais uma isolada,
ligada contudo à precedente pela rima c, e pela repetição do vocábulo trobador.
O último verso da fiinda e c 3 terminam identicamente em direyto32.

32
A rima c da 1ª. copla (quiser’; devêr) é um exemplo das rimas impuras a que os trovadores
recorriam de vez em quando. Vejam-se os casos que citei a propósito do verso 2 da cantiga CA.

602

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 602 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

1032. abbacca; cca, cca. Tenção. O último verso da primeira fiinda


tem a mesma rima que a 2 (sey).
1034. abbacca; cca, cca. Tenção. O verso 2 da 2ª fiinda e c 1 acabam
identicamente em iguar.
1106. abbacca; cca. Estrofes singulares. O último verso da fiinda
e o primeiro da 3ª. estância têm rima idêntica (perdon).
1174. abbacca; cca. Estrofes pareadas, diferenciadas porém pela
rima c, que varia de estrofe em estrofe. O último verso da fiinda e o primeiro
da estância antecedente terminam identicamente em ren.
1177. ababccb; ccb. Estrofes singulares, enlaçadas todavia pela
rima b da 2ª estrofe, que passa a ser a da 3ª. O último verso da fiinda tem a
mesma rima que b 2 (ren).
1183. abbacca; cca. Estrofes pareadas. O verso 2 da fiinda e c 1
têm consonância idêntica (ren).

B. – CASOS EXCEPCIONAIS
I. A fiinda liga-se ao artifício do dobre empregado no corpo da
cantiga. Estes casos formam grupo especial de per si.

CA. 135 (CCB. 256) abbacca; aa. Estrofes pareadas, cada uma
das quais tem um dobre no primeiro e último verso (será, já, ren, ben). A
fiinda tem as mesmas rimas que a 2ª. e 3ª. estância.
136 (CCB. 257) abbacca; ca. Estrofes equiconsoantes, com a
mesma rima (ben) no princípio e fim de todas as coplas, assim como no fim
da fiinda.
CV. 542. aaabab; ab. Estrofes singulares. Os versos 2 e 5 de cada
copla formam dobre (prazer, ben, senhor). A fiinda repete a palavra senhor.
680. abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. Os versos 1 e 4 de cada
estância formam dobre (dizer, poder, morrer). A fiinda repete o vocábulo morrer.
1142. abbacca; dda2. Estrofes singulares. O primeiro e o último
versos de cada estrofe têm rima idêntica, de sorte a formar dobres (ajudasse,
tenho, filho, dano). O último verso da fiinda repete a palavra tenho.

414 (CCB. 266), em Zeitsch. f. rom. Philol. 32, pp. 391-392 [neste volume, pp. 446-447], e no
volume consagrado à memória da Sra. D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Pelo que diz res-
peito à forma dever posta em rima com quiser, vejam-se, no entanto, as formas do futuro do
conjuntivo devier, tevier, tevieren, do “Testamento de D. Afonso II” (1214), na Revista Lusitana
VIII, pp. 82-84, e a recente observação de Rodrigues Lapa na revista A Língua Portuguesa, 1
(1929), p. 44.

603

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 603 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

II. A fiinda resume* uma palavra rimante que termina o mesmo


verso de todas as estrofes.
CA. 115 (CCB. 231) abbccdd; aad. Estrofes singulares enlaçadas
no princípio por um verso sem rima (ou seja, palavra perduda) terminante
em senhor. Este vocábulo se reitera ao fim do verso 2 da fiinda e rima com
melhor.
131 (CCB. 252) abbaccb; ccb. Estrofes de estrutura bastante
irregular, não sendo nem estritamente equiconsoantes nem singulares. O
verso 5 de cada estância e o inicial da fiinda acabam em ben.
137 (CCB. 258) abbaccb; dda. Estrofes singulares, enlaçadas
porém pela rima a, com vocábulos idênticos em todas as estrofes (bem,
rem). O último verso da fiinda termina em bem.
170 (CCB. 321) abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. Temos a
mesma rima (vi) no 5º. verso de cada estância e no 2º. da fiinda, com
identidade do verso inteiro nas primeiras duas estâncias.
171 (CCB. 322) abbcca; cca. Estrofes equiconsoantes. A fórmula
Nostro Senhor, que liga a fiinda ao 1º. verso da 3ª. estância, acha-se também
no fim da 1ª. estância. A sua omissão irregular na 2ª. estância talvez seja
acidental.
205 (CCB. 356) abbaccb; ab. Estrofes equiconsoantes. O 1º. verso
de todas as coplas e da fiinda termina em sei, o último em morrer.
263 (CV. 52) abbaab; aab. Estrofes equiconsoantes. O 4º. verso
de todas as estâncias e o 2º. da fiinda terminam em senhor.
CV. 67. abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. O 5º. verso de todas
as coplas e o 1º. da fiinda acabam em senhor.

III. A fiinda reitera palavras que já serviram de consonância em


coplas anteriores à última33.
CA. 47 (CCB. 159) ababccb; ccb, ccb. Estrofes equiconsoantes.
O verso 2 da 1ª. fiinda repete a palavra rimante de c 1 (quitar), e o verso 2
da 2ª. fiinda a de c 2 (falar) da 1ª. estância.
107 (CCB. 216) ababcca; dda. Estrofes pareadas, com uma rima
(a), comum a todas as coplas. O primeiro verso da 3ª estrofe tem a mesma
rima que o último da fiinda (viver).

* Sic. O sentido, contudo, é de “retoma”, provavelmente uma interferência do verbo inglês “to
resume”, retomar. (N.E.)
33
Escusado dizer que nem sempre é possível decidir se a repetição é intencional ou fortuita.

604

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 604 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

158 (Tr. 2) abbacca; c1c1a3. Estrofes pareadas, com variação da


rima c de estrofe para estrofe. A rima c c da 1ª. copla tem as mesmas palavras
que a fiinda (Deus, meus).
161 (Tr. 5 e 6) abbacca; dda, eea. Estrofes equiconsoantes. A fiinda
repete a palavra rimante veer do 1º. verso da cantiga.
248 (Tr. 278) abbacca; cca. Estrofes pareadas. O verso 20 e o 1º. da
fiinda têm rima idêntica (i).
252 (Tr. 282) abbaccb; ccb. Estrofes pareadas. O primeiro e o último
verso da fiinda repetem, em ordem inversa, as palavras rimantes de b 1 e c 1
da 3ª. estância (senhor, vi).
308 (Tr. m) abbaabba; abba. Estrofes equiconsoantes. A fiinda tem
as mesmas rimas que os versos 2, 13, 17 e 22 (pesar, sofrer, prazer, mostrar).
333 (CCB. 49) abbaccddb; b1b1d3d3b3. Estrofes pareadas. Os
primeiros dois versos da fiinda repetem os vocábulos rimantes da 1ª. estância
(poder, fazer).
359 (CCB. 75) abababb; abb. Estrofes equiconsoantes. O verso 2
da fiinda tem a mesma rima que o verso 4 da 1ª. estância (sei).
404 (CCB. 200) abbacca; abb. Estrofes pareadas, diferenciadas
todavia pela rima c e por b da 1ª. copla que passa a ser c na 4ª. A fiinda repete,
em ordem inversa, as palavras rimantes dos versos 4 e 7 da 1ª. estância (én,
ben).
409 (CCB. 223) abbcddc; ddc, ddc. Estrofes equiconsoantes. O verso
inicial da 1ª. fiinda tem a mesma consonância que o verso 5 da 1ª. copla
(viver).
464 (CV. 576) abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. A fiinda repete
duas vezes a palavra rimante do verso 5 da 3ª. estrofe (oir).
466 (CV. 578) abbaccb; a3a3b2. Estrofes singulares. O último verso
da fiinda tem a mesma rima que b 1 da 2ª. estância (pran), e o primeiro, a
mesma que a 1 da 3ª. estância (sen).
CCB. 1530 (403) abbacca; ca, ba. Estrofes singulares, com o artifício
do dobre nos versos 1 e 4 (fiz), e 2 e 3 (ben) da 1ª. estância. A 2ª. fiinda repete
a palavra rimante ben, e a 1ª., ey da 2ª. copla.
CCB. 1550 (423) abbacca; cca, cca. Tenção. O verso 2 da 2ª fiinda
tem a mesma rima que c 1 da 3ª copla (hy).
CCB. 1551 (424) abbacca; bba, bba. Tenção. Dobres nos versos 1 e
4 de cada estrofe (á, já, razon, son). A 1ª. fiinda reproduz a palavra rimante
sen (b 1), e a 2ª fiinda, a palavra rimante porén (c 2) da 3ª. estrofe.
CV. 370 abbacca; b1b1a3. Estrofes singulares, encadeadas porém
pela rima b da 1ª. estância, que passa a ser a da 2ª., e pela rima a da 1ª., que

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As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 605 29/4/2010, 11:13


Cancioneiro d’el Rei Dom Denis

reaparece no lugar correspondente da 3ª. estância. O verso 1 da fiinda e o


verso 2 da 1ª. estância têm rima idêntica (son).
509. abbacca; cca. Estrofes equiconsoantes. O verso 2 da fiinda
tem a mesma rima que o verso 5 da 2ª. estância (asy).
560. 1ª. estrofe: aabccbdad; 2ª.: aabccbdde; fiinda: aaeff. Estrofes
equiconsoantes com a “desigualdade”, talvez devida a descuido do copista,
de a 2ª estância terminar em -em, em, mal em lugar de -ôr, -i, -ôr. A rima
dar: mal da 2ª estância pode ser licença poética, de sorte que teríamos o
esquema: aabccbddb. O verso inicial da fiinda e o penúltimo da 1ª. estância
têm consonância idêntica (assy).
925. abbacca; cca. Estrofes singulares. O último verso da fiinda
tem a mesma rima (vem) que o último da 3ª copla (convem).
983. abbaccb; b2b2b3. Estrofes singulares, encadeadas porém pela
particularidade de todas começarem por uma rima em –i. O verso 2 da
fiinda reproduz a palavra rimante fazer do verso 3 da 2ª. estância.
1064. abbacca; dda, dda. Estrofes equiconsoantes, diferenciadas,
contudo, pela rima c, que varia de estrofe em estrofe. O verso 3 da 1ª fiinda
acaba na mesma palavra que o último da 2ª estância (pagado).
1159. abbacca; cca. Estrofes pareadas. O verso 2 da fiinda e o verso
6 da 3ª estância acabam identicamente em á (matar-s’-á, perder-s’-á).

ADENDA
I. – À lista dos exemplos.
A. – CV. 479. abbabac; abc. Quatro estrofes singulares. O segundo
verso da fiinda repete a palavra rimante de IV b 2 (sey).
482. abbacca; cca. Quatro estrofes singulares. O 2º. verso da fiinda
tem a mesma rima que IV c 2 (seu).
B (a) CA. 132 (CCB. 253) abbacca; dda. Três estrofes singulares.
O último verso da fiinda tem a mesma rima que I a 1, 3 (senhor).
(c) CV. 53 (CA. 264) ababbc; aac. Quatro estrofes equiconsoantes.
O 2º. e 5º. versos de cada copla têm rima idêntica (matar, falar, pesar,
queixar). O verso inicial da fiinda repete a palavra rimante de I b 2
(amparar).
643. abbcacb; bcb. Três estrofes equiconsoantes, diferenciadas
porém pela rima a, que varia de estrofe para estrofe. O último verso da
fiinda tem a mesma rima que I b 1 (nacer).
654. ababccd; ccd. Quatro estrofes equiconsoantes. O 2º. verso da
fiinda repete a palavra rimante de III c 2 (fazer).

606

As cantigas 2 (Yara e Marcia).pmd 606 29/4/2010, 11:13


A repetição de palavras rimantes na fiinda dos trovadores galaico-portugueses

1099. abbacca; bba. Três estrofes singulares, enlaçadas porém pela


repetição da rima a em todas as coplas, e a de b da 1ª. copla, que serve de c
na segunda. O verso inicial da fiinda tem a mesma rima que I b 1 e II c 2
(peon).
1100. abbacca; dda. Três estrofes singulares, encadeadas todavia
pela rima a, que é comum a todas as coplas, e pela repetição da rima b da
2ª. copla na terceira. O último verso da fiinda tem a mesma rima que I a 2
(tragia).
1176. abacca; cca. Três estrofes equiconsoantes. O 2º. verso da
fiinda repete a palavra rimante de II c 2 (perder).
1186. abbacaca; caac; ca. Quatro estrofes pareadas. O 2º. verso
da primeira fiinda tem a mesma rima que o 1º. da terceira copla (direy) e o
último verso da segunda fiinda, a mesma que III a 4 (el rey).
CA. 88 (CCB. 192) abbacca; b1b1a. Quatro estrofes pareadas, com
identidade das rimas a 1 e 4 de cada estrofe. A fiinda repete as palavras
rimantes de b b da primeira copla (ben, poren).

II. Às notas à cantiga CV. 208.

Além da forma verbal conheço, em lugar de conhosco, do verso 2,


achamos conheçam no verso 18 da cantiga CV. 668, conheço no verso 7 da
cantiga CV. 769, conhecedor e conhecer nos versos 8868 e 8879 da cantiga
CA. 394 (CCB. 142), ao lado de conhocistes, no verso 9 da mesma
composição (no Glossário do Cancioneiro da Ajuda, 1921, não se registam
nem conhecedor nem conhecer).
A palavra provençal dama do verso 7 encontra-se também nas
cantigas CV. 666, 3:
E, ó homem ferido com ferro e sen paao,
mais te valia de seeres ja morto
pois tua dama ha com outro conforto

e CV. 768, 2, em rima com ama:

O que cuyda que ten dama,


que nenhuu outro non ama.

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