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Novas mídias e o Ensino Superior Especial

Lei t o r p r o s s um ido r

Desafios da ubiquidade
para a educação
O MAIOR DELES É A CRIAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE INTEGRAÇÃO – E NÃO DE SUBSTITUIÇÃO –
DOS QUATRO TIPOS DE LEITORES: CONTEMPLATIVO, MOVENTE, IMERSIVO E UBÍQUO

Por Lucia Santaella


Doutora em Teoria Literária pela PUC-SP e Livre-docente em Ciências da Comunicação pela USP.
Pesquisadora 1 A do CNPq, professora titular na pós-graduação em Comunicação e Semiótica
e coordenadora da pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP).
Publicou 38 livros, entre os quais: Matrizes da linguagem e pensamento. Sonora, visual, verbal
(Iluminuras/Fapesp, Prêmio Jabuti 2002), Mapa do jogo. A diversidade cultural dos games (org.,
Ed. Cengage Learning, Prêmio Jabuti 2009), e A ecologia pluralista da comunicação (Paulus,
Prêmio Jabuti 2011). Recebeu ainda os prêmios Sergio Motta em Arte e Tecnologia e Luis
Beltrão, maturidade acadêmica.

O
objetivo deste artigo é perscrutar o perfil cog- consumidor de textos multimídia) é esse que hoje
nitivo do usuário que navega pelas arquitetu- transita pelas redes? Creio que essa questão é fun-
ras líquidas informacionais do ciberespaço. Tanto damental para se pensar quaisquer projetos que
quanto posso ver, o cerne da questão da aprendi- visam introduzir a utilização das redes informacio-
zagem e da aquisição de conhecimento localiza- nais para incrementar processos educativos em
se, antes de tudo, na figura do leitor, no perfil cog- quaisquer de seus níveis. É para a discussão des-
nitivo do leitor. Que leitor prossumidor (produtor e sa questão que este artigo está dedicado.

D
esde os livros ilustrados e, depois, com os dar conta disso. Consequentemente, não há por
jornais e revistas, o ato de ler passou a não que manter uma visão purista da leitura restrita à
se limitar apenas à decifração de letras, decifração de letras. Do mesmo modo que, desde
mas veio também incorporando, cada vez mais, o livro ilustrado e as enciclopédias, o código escri-
as relações entre palavra e imagem, entre o tex- to foi historicamente se mesclando aos desenhos,
to, a foto e a legenda, entre o tamanho dos tipos esquemas, diagramas e fotos, o ato de ler foi igual-
gráficos e o desenho da página, entre o texto e mente expandindo seu escopo para outros tipos
a diagramação. Além disso, com o surgimento de linguagens. Nada mais natural, portanto, que
dos grandes centros urbanos e com a explosão o conceito de leitura acompanhe essa expansão.
da publicidade, a escrita, inextricavelmente unida
à imagem, veio crescentemente se colocar dian- Três tipos de leitores
te dos nossos olhos na vida cotidiana. Isso está Em uma pesquisa realizada há alguns anos,
presente nas embalagens dos produtos que com- depois transformada em livro (SANTAELLA,
pramos, nos cartazes, nos pontos de ônibus, nas 2004), tendo como objetivo compreender o novo
estações de metrô, enfim, em um grande número tipo de leitor que emergiu com as redes de comu-
de situações em que praticamos o ato de ler de nicação planetárias, leitor que passei a chamar de
modo tão automático que nem chegamos a nos imersivo, ao aplicar o princípio da generalização,

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Especial Novas mídias e o Ensino Superior

O que caracteriza o leitor ubíquo é uma prontidão


cognitiva ímpar para orientar-se entre nós e nexos
multimídia, sem perder o controle da sua presença e
do seu entorno no espaço físico em que está situado

sistematizei a multiplicidade dos leitores acima eternamente disponíveis. Cognitivamente em es-


mencionada em três grandes tipos: o leitor con- tado de prontidão, esse leitor conecta-se entre nós
templativo, o leitor movente e o leitor imersivo – e nexos, seguindo roteiros multilineares, multis-
cujos modelos perceptivo-cognitivos meu livro sequenciais e labirínticos que ele próprio ajuda a
buscou explicitar, com ênfase no leitor imersivo. construir ao interagir com os nós que transitam
entre textos, imagens, documentação, músicas,

A ssim, o leitor contemplativo é o leitor medi-


tativo da idade pré-industrial, da era do livro
impresso e da imagem expositiva, fixa. Esse leitor
vídeo etc. Através de saltos que vão de um frag-
mento a outro, esse leitor é livre para estabelecer
sozinho a ordem informacional, pois, no lugar de
nasceu no Renascimento e perdurou até meados um volume encadernado com páginas onde as
do século XIX. O segundo tipo de leitor, o movente, frases e/ou imagens se apresentam em uma or-
é filho da revolução industrial e do aparecimento denação sintático-textual previamente prescrita,
dos grandes centros urbanos: o homem na mul- surge uma ordenação associativa que só pode ser
tidão, que foi lindamente retratado pelo escritor estabelecida no e através do ato de leitura (WIRTH,
norte-americano Edgar Allan Poe no seu conto 1998, p. 98).
com o mesmo título. É, portanto, o leitor do mundo Esses são os três tipos de leitores que esta-
em movimento, dinâmico, das misturas de sinais beleci há dez anos, chamando atenção para o
e linguagens de que as metrópoles são feitas. Esse fato de que o surgimento de um tipo de leitor não
leitor nasceu também com a explosão do jornal leva o anterior ao desaparecimento. Não é difícil
e com o universo reprodutivo da fotografia, cine- perceber que, sem nenhuma dúvida, os três ti-
ma, e manteve suas características básicas quan- pos de leitores coexistem, complementam-se e
do se deu o advento da revolução eletrônica, era se completam. Entretanto, nos últimos dez anos,
do apogeu da televisão. O terceiro tipo de leitor, as transformações por que tem passado a cultura
o imersivo, é aquele que brotou nos novos espa- digital e a aceleração dessas transformações são
ços das redes computadorizadas de informação e de causar assombro. Tanto é que, nesse curto es-
comunicação. paço de tempo, surgiu um quarto tipo de leitor que
O leitor imersivo inaugura um modo inteira- batizei de leitor ubíquo, uma denominação que já
mente novo de ler que implica habilidades muito está também aparecendo a outros pesquisadores
distintas daquelas que são empregadas pelo leitor da cultura digital, o que só vem comprovar sua in-
de um texto impresso que segue as sequências de questionável presença. Para compreender o perfil
um texto, virando páginas, manuseando volumes. cognitivo desse novo tipo de leitor, é necessário
Por outro lado, são habilidades também distintas apresentar a recente evolução da internet que hoje
daquelas empregadas pelo receptor de imagens culmina nas redes sociais.
ou espectador de cinema, televisão. É um leitor
imersivo porque navega em telas e programas de
leituras, num universo de signos evanescentes e D esde a implantação das interfaces gráficas de
usuário (WWW), na primeira metade dos anos

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1990, quando a internet se tornou uma internet de os computadores de mesa. Enquanto as redes
pessoas, a evolução das redes tem sido meteórica digitais, por sua própria natureza, são sempre mó-
e sua mira evolutiva tem crescentemente tomado veis, a entrada nas redes implicava que o usuário
a direção do usuário. No atual estado da arte, da estivesse parado à frente do ponto fixo do compu-
Web 2.0 para a Web 3.0, a internet é um cérebro tador. Agora, ao carregar consigo um dispositivo
digital global que, graças às plataformas de redes móvel, a mobilidade se torna dupla: mobilidade
sociais – Facebook, Linkedin, Twitter, Orkut etc., informacional e mobilidade física do usuário. Para
estas que se constituem no mais recente estouro navegar de um ponto a outro das redes informa-
do universo digital –, transmite publicamente as cionais, nas quais se entra e se sai para múltiplos
relações, interesses, intenções, gostos, desejos e destinos, YouTube, sites, blogs, páginas etc., o
afetos dos usuários registrados nessas platafor- usuário também pode estar em movimento. O
mas, em processos de acesso e compartilhamen- acesso passa a se dar em qualquer momento e
to incessantes e velozes. em qualquer lugar. Acessar e enviar informações,
transitar entre elas, conectar-se com as pessoas,

A s raízes dos atuais espaços de conversação e


de colaboração já estavam nos chats (Inter-
net Relay Chat, sistema de troca de mensagens
coordenar ações grupais e sociais em tempo real
tornou-se corriqueiro. Assim, o ciberespaço digital
fundiu-se de modo indissolúvel com o espaço físi-
multiusuários, em tempo real e em locais virtuais), co. Uma vez que as sobreposições, cruzamentos,
e naquilo que Rheighold (1993) celebrizou sob intersecções entre eles são inextricáveis, chamo
o nome de “comunidades virtuais” (espaços da de espaço de hipermobilidade esse espaço inters-
internet nos quais as pessoas se engajam para ticial, espaço híbrido e misturado (cf. SANTAELLA,
discutir temas de interesse comum). As atuais re- 2007, p. 183-187).
des sociais só vieram incrementar, em termos de À mobilidade física do cidadão cosmopolita foi
programas desenhados para facilitar e expandir acrescida a mobilidade virtual das redes. Ambas
a interlocução online, os mesmos princípios que as mobilidades entrelaçaram-se, interconecta-
ainda eram relativamente tímidos, mas já promis- ram-se e tornaram-se mais agudas pelas ações
sores, há alguns anos. Não se pode esquecer, en- de uma sobre a outra. A popularização gigantesca
tretanto, que a exponenciação no uso das redes das redes sociais do ciberespaço não seria possí-
sociais deveu-se grandemente à crescente so- vel sem as facilidades que os equipamentos mó-
fisticação dos dispositivos móveis com acesso às veis trouxeram para se ter acesso a elas, a qual-
redes de qualquer lugar e em qualquer momento quer tempo e lugar. É justamente nesses espaços
e, em função disso, à possibilidade de presença da hipermobilidade que emergiu o leitor ubíquo,
online e participação contínua nelas. trazendo com ele um perfil cognitivo inédito que
Antes dos equipamentos móveis, nossa co- nasce do cruzamento e mistura das característi-
nexão às redes dependia de uma interface fixa, cas do leitor movente com o leitor imersivo.

As ações reflexas do sistema nervoso central


ligam eletricamente o corpo ao ambiente tanto
físico quanto ciber em igualdade de condições.
Com isso, dissolvem-se quaisquer fronteiras entre
o físico e o virtual
Revista Ensino Superior Unicamp 21
Especial Novas mídias e o Ensino Superior

A atenção do leitor ubíquo é irremediavelmente


uma atenção parcial contínua: responde ao
mesmo tempo a distintos focos sem se demorar
reflexivamente em nenhum deles

Leitor ubíquo As ações reflexas do sistema nervoso central, por


Do leitor movente, o leitor ubíquo herdou a sua vez, ligam eletricamente o corpo ao ambiente
capacidade de ler e transitar entre formas, volu- tanto físico quanto ciber em igualdade de condi-
mes, massas, interações de forças, movimentos, ções. Com isso, dissolvem-se quaisquer fronteiras
direções, traços, cores, luzes que se acendem e entre o físico e o virtual. O controle motor reage,
se apagam, enfim esse leitor cujo organismo mu- em frações de segundos e sem solavancos ou des-
dou de marcha, sincronizando-se ao nomadismo continuidades, aos estímulos que vêm do mundo
próprio da aceleração e burburinho do mundo no ao redor e do mundo informacional. A atenção é
qual circula em carros, transportes coletivos e ve- irremediavelmente uma atenção parcial contínua.
lozmente a pé. Quer dizer, a atenção responde ao mesmo tempo a
Ao mesmo tempo em que está corporalmente distintos focos sem se demorar reflexivamente em
presente, perambulando e circulando pelos am- nenhum deles. Ela é continuamente parcial. Esse
bientes físicos – casa, trabalho, ruas, parques, é o perfil cognitivo do leitor ubíquo.
avenidas, estradas – lendo os sinais e signos que
esses ambientes emitem sem interrupção, esse
leitor movente, sem necessidade de mudar de
marcha ou de lugar, é também um leitor imersivo.
P or que os celulares fascinam cada vez mais
seus usuários? Porque para eles convergem
jogos, vídeos, fotos, música, textos e, ao mesmo
Ao leve toque do seu dedo no celular, em quais- tempo, manter uma comunicação ubíqua com
quer circunstâncias, ele pode penetrar no ciberes- seus contatos via msm, mms e chamadas. Não
paço informacional, assim como pode conversar são mais simplesmente dispositivos que permi-
silenciosamente com alguém ou com um grupo tem a comunicação oral, mas sim um sistema de
de pessoas a vinte centímetros ou a continentes comunicação multimodal, multimídia e portátil,
de distância. O que lhe caracteriza é uma pron- um sistema de comunicação ubíqua para leitores
tidão cognitiva ímpar para orientar-se entre nós e ubíquos, leitores para os quais não há tempo nem
nexos multimídia, sem perder o controle da sua espaço para a reflexão, a reflexão, este tipo de ha-
presença e do seu entorno no espaço físico em bilidade mental que precisa da solidão paciente
que está situado. Que tipo de mente, de sistema para se tecer e que, por isso mesmo, é caracterís-
nervoso central, de controle motor, de economia tica primordial do leitor contemplativo.
da atenção estão aí postos em ato? Ora, na medida em que a comunicação entre
Não há dúvida de que a mente é distribuída, as pessoas e a conexão com a internet começaram
capaz de processar, paralela e conjuntamente, in- a se desprender dos filamentos de suas âncoras
formações de ordens diversas, dando a elas igual geográficas – modems, cabos e desktops – espa-
magnitude, tanto as informações que provêm da ços públicos, ruas, parques, todo o ambiente urba-
situação ao seu redor, quanto aquelas miniaturi- no foram adquirindo um novo desenho que resulta
zadas que estão ao alcance dos dedos e que são da intromissão de vias virtuais de comunicação e
rastreadas com acuidade visual veloz e quase infa- acesso à informação enquanto a vida vai aconte-
lível, como se os olhos adivinhassem antes de ver. cendo. Assim, a revolução digital encontra-se hoje

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Cada novo estágio tecnológico introduz um
modelo educacional e processos de aprendizagem
que lhe são próprios

em plena era da mobilidade, que também chamo logo cedeu passagem para a Web 2.0, também
de tecnologias comunicacionais da conexão contí- chamada de Web colaborativa na qual emergiram
nua constituídas por uma rede móvel de pessoas e as Wikis, as redes sociais, junto com o crescimen-
de tecnologias nômades que operam em espaços to gigantesco do Google. Foi nesse período que
físicos não contíguos. surgiram novos processos de aprendizagem aber-
Essas tecnologias estão gestando novas sub- tos, nos quais “os problemas são compartilhados
jetividades em contínua mutação, subjetividades e resolvidos de forma colaborativa”, formas pro-
autoprogramáveis, dotadas de meios para repen- fundamente distintas “da lógica do conhecimento
sar de modo intermitente suas falhas e compe- individual e autoral desenvolvida pela cultura tipo-
tências, seus limites e suas expectativas. Isto por- gráfica” e, em parte, pela acadêmica (DI FELICE,
que tecnologias da inteligência estão se tornando 2009, p. 30).
cada vez mais maleáveis e aptas para dar abrigo a
subjetividades em construção no contexto de co-
munidades adaptativas (para mais detalhes, ver
SANTAELLA, 2010, p.263-296).
P rocessos de aprendizagem abertos significam
processos espontâneos, assistemáticos e mes-
mo caóticos, atualizados ao sabor das circunstân-
cias e de curiosidades contingentes. O advento dos
Aprendizagem ubíqua dispositivos móveis intensificou esses processos,
Entre outros aspectos derivados das condições pois, graças a eles, o acesso à informação tornou-
propiciadas pelas tecnologias do acesso e da co- se livre e contínuo, a qualquer hora do dia e da noite.
nexão contínua, notáveis são aqueles que afetam Dispositivos móveis são definidos como qualquer
diretamente as formas de educar e de aprender. equipamento ou periférico que pode ser transpor-
Tenho chamado de “aprendizagem ubíqua” as tado com informação que fique acessível em qual-
novas formas de aprendizagem mediadas pelos quer lugar. São eles, palms, lap-tops, i-pads, até
dispositivos móveis. Quais são as características mesmo os pendrives e, certamente, os celulares
emergentes dessa modalidade de aprendizagem? multifuncionais, tais como smart-phones e i-pho-
Desde o surgimento das redes de informação nes. Por meio desses dispositivos, que cabem na
alimentadas pela internet e baseadas em nós in- palma de nossas mãos, à continuidade do tempo
terligados, por mim denominadas de tecnologias se soma a continuidade do espaço: a informação
do acesso, a aprendizagem ubíqua já havia co- é acessível de qualquer lugar. Os artefatos móveis
meçado a se insinuar graças às vantagens que as evoluíram nessa direção, tornando absolutamente
redes apresentam em termos de flexibilidade, ve- ubíquos e pervasivos o acesso à informação, a co-
locidade, adaptabilidade e, certamente, de acesso municação e a aquisição de conhecimento.
aberto à informação. Conhecido como Web 1.0, Por permitir um tipo de aprendizado aberto,
esse foi o período dos sites, dos chats, dos e-mails, que pode ser obtido em quaisquer circunstân-
dos fóruns e das buscas ainda dificultosas, pois cias, a era da mobilidade inaugurou esse fenô-
não se contava na época com motores de bus- meno inteiramente novo: a aprendizagem ubí-
ca tão sofisticados quanto os atuais. Esse período qua. Ela não se confunde com nenhuma forma

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Especial
Especial Novas mídias e o Ensino Superior

de aprendizagem existente até hoje, nem com a Quando passamos para a educação a distân-
e-learning, que se pode traduzir por aprendiza- cia, creio que uma reflexão é indispensável. Cos-
gem em ambientes virtuais. Embora tenha paren- tuma-se chamar de educação a distância todas as
tesco, também não se confunde com o que vem formas de aprendizagem que vieram depois dos
sendo chamado de m-learning, ou seja, aprendi- meios de comunicação de massa, quais sejam,
zagem móvel. Mas esta afirmação exige distinções o e-learning e o m-learning. Embora o uso da ex-
mais pormenorizadas. pressão educação a distância seja convencional-
mente aceito para caracterizar todas as formas de
Tecnologias e modelos ensino-aprendizagem por meios digitais, discordo
educacionais dessa generalização, pois ela, mais uma vez, deixa
Embora seja amplamente empregado entre os de lado distinções que precisam ser consideradas.
especialistas em educação, o uso da expressão Creio que é apenas ao modelo educacional próprio
TIC é genérico e oculta, por trás dessa generalida- das mídias massivas que cabe com justeza o título
de, sutis e importantes distinções que devem ser de educação a distância, tal como esta é operada
estabelecidas entre os diversos tipos de tecnolo- via rádio, telecursos, vídeo e outras vias similares.
gias de informação e comunicação. As distinções Isto porque nesses casos, de fato, trata-se de uma
são importantes na medida em que cada novo educação que se processa a distância, o que não é
estágio tecnológico introduz um modelo educa- o caso quando o computador entra em cena, uma
cional e processos de aprendizagem que lhe são vez que, cada vez mais, a ubiquidade está se tor-
próprios, a saber: nando uma constante, afastando decididamente
a ideia de distância.
processos baseados na tecnologia do livro;
a educação a distância;
aprendizagem em ambientes virtuais;
aprendizagem móvel;
É justamente em razão da ubiquidade computa-
cional que não cabe mais o nome de educação
a distância, pois um dos aspectos mais primordiais
aquilo que estou chamando de das mídias digitais encontra-se na abolição da dis-
aprendizagem ubíqua. tância e na paradoxal simultaneidade da presença
e ausência, presença ausente, ou ausência pre-
Cada um desses processos origina um mode- sente que essas mídias ensejam. Portanto, a esse
lo educacional que lhe é característico. O modelo modelo educacional cabem muito mais as expres-
que nasce das mídias impressas, que também sões “educação on-line” ou ambientes virtuais de
pode ser chamado de modelo gutenberguiano, é aprendizagem (AVA), também conhecidas como
aquele que forjou o conceito tradicional de educa- e-learning. Este conceito já apareceu nas déca-
ção baseado na legitimidade da linguagem escrita das de 1970-80, junto com o advento da cultura
e de seu veículo privilegiado, o livro impresso. do computador, trazendo consigo infraestruturas

A aprendizagem ubíqua, espontânea, contingente,


caótica e fragmentária é tão inadvertida e não
deliberada que prescinde da equação ensino-
aprendizagem – o que emerge é um novo processo de
aprendizagem sem ensino
24 Revista Ensino Superior Unicamp
Ecologias midiáticas são intrinsecamente
enredadas porque novas mídias são introduzidas
em uma paisagem humana já povoada por
mídias precedentes

de hardware, softwares educativos e as redes de tenham “controle sobre o fluxo de informações,


comunicação on-line que provocaram uma revi- lidem com informações em excesso e desconti-
ravolta no paradigma anterior da educação a dis- nuadas, façam parte de comunidades virtuais,
tância, a dos telecursos, por exemplo, esta ainda articulem ideias de forma muito rápida e desen-
pautada nas mídias massivas. volvam o pensamento crítico” (BEHAR, 2009).
Recentemente a e-learning recebeu um novo Ora, o treinamento sensório, perceptivo e mental,
incremento nos aparelhos móveis que inaugura- que o acesso contínuo a essas mídias produz, traz
ram a m-learning, a educação on-line, acresci- como consequência inevitável que esses sujeitos
da da mobilidade. Nesse contexto, a m-learning aprendam de modo muito distinto daquele em que
é entendida como ferramentas para a educação foram formadas as gerações anteriores, pois são
que podem fazer o aprendizado chegar a quais- desenvolvidas novas expectativas de liberdade,
quer lugares. De acordo com Pelissoli (2005), o flexibilidade em relação ao momento e ao local da
principal benefício dessa modalidade de ensino prática, uma necessidade de instantaneidade que
é o aluno deixar de ver o aprendizado como uma se opõe às práticas culturais tradicionais, depen-
ação que tem hora e local para acontecer. Com dentes de um longo tempo como aquele exigido
as facilidades do acesso e comunicação móvel, o pela leitura de livros e jornais.
aluno pode aprender a todo momento, colocar em Vem daí a grande diferença que se pode esta-
prática o que aprendeu e trocar experiências de belecer entre a educação on line, nas suas duas
aprendizado de forma inédita. modalidades de e-learning e m-learning e a apren-
dizagem ubíqua, apesar de que tanto m-learning

H á que constatar que a maioria dos modelos


educacionais, submetidos à lei da inércia, que
é marca registrada da maioria das instituições de
quanto aprendizagem ubíqua processem com o
uso dos mesmos dispositivos.

ensino, ainda permanecem inamovíveis e presos M-learning e


exclusivamente à lógica da era de Gutenberg. Os aprendizagem ubíqua
resultados obtidos pelo modelo a distância, por Quando se fala em e-learning e m-learning
sua vez, sempre foram discretos, especialmente ainda estamos no domínio da educação formal
porque tendem a copiar para as telas ou rádios, de porque se trata do desenvolvimento de métodos
maneira artificial, os procedimentos de ensino que e ferramentas que têm como alvo o processo de
são próprios das atividades presenciais, além de aprendizagem incorporado a uma sistemática
que os processos de recepção das mensagens das pré-determinada. A m-learning é vista como uma
mídias massivas são processos passivos, contrá- extensão da sala de aula e é executável a partir da
rios às operações da aprendizagem que implicam geração de conteúdos previamente estabelecidos.
o agenciamento e a participação do aprendiz. Já a aprendizagem ubíqua, espontânea, con-
Diferentemente das mídias massivas, as mídias tingente, caótica e fragmentária aproxima-se,
digitais, por seu lado, permitem que os usuários mas não coincide nem mesmo com a educação

Revista Ensino Superior Unicamp 25


Especial
Especial Novas mídias e o Ensino Superior

informal e a não-formal. A não coincidência se absorção e domesticação vem se dando em pro-


deve ao fato de que as condições que se apresen- gressão geométrica espantosa.
tam são tão novas que parecem merecer que seja Transpondo essas características de diversifi-
estabelecida a distinção entre educação e apren- cação e hibridação crescente da ecologia midiáti-
dizagem. Ou seja, inaugura-se uma modalidade ca para o campo da educação evita-se a ideia de
de aprendizagem que é tão contingencial, inad- que formas emergentes de aprendizagem e novos
vertida e não deliberada que prescinde da equa- modelos educacionais tenham que necessaria-
ção ensino-aprendizagem caracterizadora dos mente apagar as formas e modelos precedentes.
modelos educacionais e das formas de educar. E aqui chegamos às teses que tenho defendido.
Equipada com um dispositivo de conexão contí-
nua, a pessoa pode saciar a sua curiosidade sobre
qualquer assunto a qualquer momento e em qual-
quer lugar que esteja. O que emerge, portanto, é
A ntes de tudo, é preciso considerar que o sur-
gimento histórico de um novo tipo de leitor
com os processos cognitivos que ele traz não
um novo processo de aprendizagem sem ensino. leva os anteriores ao desaparecimento. Cada
Isto posto, cumpre indagar se essa nova forma de um deles aciona habilidades cognitivas espe-
aprendizagem prescinde e dispensa quaisquer cíficas de modo que um não pode substituir o
processos de educação formal. outro. Cada um deles contribui de modo dife-
rencial para a formação de um leitor provido de
Consequências para habilidades cognitivas cada vez mais híbridas
a educação e cada vez mais ricas. Em função disso, tenho
Em repetidas ocasiões tenho chamado aten- também argumentado que, não obstante as
ção para o fato de que nenhuma tecnologia da mutações que a emergência do leitor imersivo e
linguagem e da comunicação borra ou elimina as agora a do leitor ubíquo estão trazendo para os
tecnologias anteriores. Nenhuma nova formação processos educativos em todos os seus níveis –
cultural até hoje conseguiu levar as formações cul- pedagógico e didático, curricular, de formação
turais anteriores ao desaparecimento. docente e discente e também político –, por mais
Ecologias midiáticas são intrinsecamente en- relevantes que possam ser as experiências ino-
redadas porque novas mídias são introduzidas vadoras de incorporação das redes sociais nos
em uma paisagem humana já povoada por mídias processos de aprendizagem, o maior desafio
precedentes. Longe de levar as anteriores ao desa- da educação hoje, em todos os seus níveis, dos
parecimento, a mídia emergente vai se espremen- elementares aos pós-graduados, é o da criação
do entre as outras e gradativamente encontrando de estratégias de integração dos quatro tipos de
seus direitos de existência ao provocar uma re- leitores, contemplativo, movente, imersivo e ubí-
funcionalização nos papéis desempenhados pe- quo, ou seja, estratégias de complementação e
las anteriores. É justamente isso que tem ocorrido não de substituição de um leitor pelo outro. Ba-
com os dispositivos móveis, cuja velocidade de lestrini (2010, p. 35) me ajuda nesse argumento:

Longe de levar as anteriores ao desaparecimento, a


mídia emergente vai se espremendo entre as outras
e encontrando seus direitos de existência ao provocar
uma refuncionalização nos papéis das anteriores
26 Revista Ensino Superior Unicamp
O ciberespaço favorece a emergência de práticas
de autoformação. Mas o equilíbrio entre a difusão
indiscriminada da informação e a construção
individualizada do conhecimento é muito instável

É provável que, do ponto de vista educativo, me- favorece a emergência de práticas de autoforma-
diar, na era das tecnologias digitais, implique en- ção. Entretanto, é muito instável o equilíbrio entre
frentar o desafio de se mover com engenhosidade a difusão indiscriminada da informação no cibe-
entre a palavra e a imagem, entre o livro e os dispo- respaço e a construção individualizada do conhe-
sitivos digitais, entre a emoção e a reflexão, entre cimento. O universo das redes é um espaço em
o racional e o intuitivo. Talvez o caminho seja o da constante mutação, dispersivo e assistemático. O
integração crítica, do equilíbrio na busca de propos- que ele tem de positivo, a oferta desmedida de in-
tas inovadoras, divertidas, motivadoras e eficazes. formação que pode potencializar a aprendizagem,
é contrabalançado, no outro extremo, pela ausên-
Ora, cada tipo de leitor implica formas de apren- cia de orientação, cujos efeitos negativos atingem
dizagem específicas com potenciais e limites que particularmente aprendizes ainda imaturos. Loca-
lhes são próprios. Por isso mesmo, a educação a lizar conteúdos nas redes está se tornado cada vez
distância não substitui inteiramente a educação mais refinado. Entretanto, localizar não prescinde
gutenberguiana, assim como a aprendizagem da capacidade seletiva, avaliativa e da utilização
em ambientes virtuais não substitui ambas, tanto eficaz dos conteúdos.
quanto a aprendizagem ubíqua não é capaz de Sem o suporte da formação, que só a educa-
substituir quaisquer dessas formas anteriores. Ao ção formal pode fornecer, torna-se difícil avaliar
contrário, todas elas se complementam, o que tor- rapidamente o resultado de uma busca, “incluin-
na o processo educativo muito mais rico. do a confiabilidade, a autoria e a aceitação geral
da fonte” (WARSCHAUER, 2006, p. 157). Como

E stamos, portanto, muito longe da ideia de que a


aprendizagem ubíqua possa porventura subs-
tituir a educação formal, a informal e a não formal,
saber separar o joio do trigo na carência do de-
senvolvimento lento e gradativo do aprendizado
e do conhecimento que é próprio da educação
assim como não substitui os modelos de aprendi- formal? Embora ubíqua, a aprendizagem disponi-
zagem gutenberguianos, de aprendizagem a dis- bilizada pelos dispositivos móveis não prescinde
tância e em ambientes virtuais. Na realidade, eles da educação formal. Ao contrário, longe de po-
se interpenetram. Evidentemente, não se trata de der substituir os processos formais de ensino, a
uma mera somatória, mas de um jogo de comple- aprendizagem ubíqua é muito mais um comple-
mentaridades. Por isso mesmo, a aprendizagem mento desses processos do que um substituto de-
ubíqua hoje desafia a educação formal a buscar les. Quem ganha com essa complementaridade
estratégias de integração. Como tirar proveito das é o ser humano em formação pelo acréscimo de
potencialidades da ubiquidade para o ensino? possibilidades que a ubiquidade lhe abre. Por isso
Como complementar a aprendizagem ubíqua com mesmo, mergulhar no jogo das complementarida-
aquilo que lhe falta e que só a educação formal des deveria ser o mote para nós educadores em
pode lhe trazer? prol de formas de aprendizagem que estejam em
Não resta dúvida de que o ciberespaço sintonia com os sinos que tocam no nosso tempo.

Revista Ensino Superior Unicamp 27


Especial Novas mídias e o Ensino Superior

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gitais. Fundamental. A Revista do Professor. Maio na: Gedisa, 1996.
2009, no. 8, p.22, 2009. SANTAELLA, Lucia. Navegar no Ciberespaço. O perfil
BALESTRINI, Mara. El traspaso de la tiza al celular: cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.
Celumetrajes em el Proyecto Facebook para pen- ____________. Linguagens Líquidas na Era da Mobili-
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