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06/09/2016 Colette Braeckman: - Le Monde Diplomatique Brasil

06 de Setembro de 2016 ARTIGO/DOSSIÊ LOGIN:

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O Congresso e a justiça têm lado RUANDA
Silvio Caccia Bava
O genocídio programado e a cegueira internacional

Os indícios de que uma solução final estava sendo planejada eram claros já em 1993. Mesmo
assim, a comunidade internacional fechou os olhos, manteve o apoio ao regime responsável pelo
genocídio e retirou a força de paz da ONU durante os massacres

por Colette Braeckman

Um milhão de mortos em cem dias sem o mundo ficar sabendo de nada? Desde a
independência, em 1962, quem se interessava por Ruanda sabia que o fogo não estava
extinto. Ainda em 1959, os hutus,1 apoiados pelos belgas que apostaram no fato de serem
eles a maioria étnica, expulsaram do país mais de 300 mil tútsis. Desde outubro de 1990,
data da entrada na guerra da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) – organização político­
militar que lutava pelo retorno dos exilados e cujos membros, refugiados em Uganda, se
expressavam em inglês –, cada investida dela significava novo massacre de tútsis.

Em agosto de 1993, por pressão dos investidores, foram assinados acordos de paz em
Arusha, na Tanzânia. Previam a organização de um governo de transição, no qual a FPR
seria representada ao lado da oposição política, com a garantia de uma força de paz da
ONU. Na época, só os diplomatas estrangeiros se mostraram otimistas, e a tal ponto que
os países membros do Conselho de Segurança consideraram suficiente dotar Ruanda de
um destacamento de 2.548 homens (em vez dos 4.500 reivindicados pelo general
1 comentário Classificar por  Mais antigos
canadense Romeo Dallaire, comandante da Missão das Nações Unidas em Ruanda –
Minuar), e limitar sua ação ao capítulo VI da Carta das Nações Unidas, que proíbe o uso
da força. É verdade que Ruanda, país pobre e aparentemente desprovido de interesse
estratégico, sofreu o contragolpe da derrota dos Estados Unidos, alguns meses antes, na
Adicionar um comentário...
Somália, e ninguém, exceto os belgas e os franceses, queria realmente se comprometer.2

Cristiana Dantas ∙ Indicadores preocupantes
Recife
Ivon Pires Fernanda Barreto Campello No entanto, não faltavam indicadores preocupantes: em julho de 1993, os radicais do
regime tinham­se cotizado para lançar a Rádio e Televisão das Mil Colinas, que criticava
Curtir ∙ Responder ∙ 15 de dezembro de 2014
os acordos de paz e transmitia propaganda rancorosa contra a FPR, os tútsis em geral e o
11:14
contingente belga, acusado de parcialidade a favor da FPR. A partir de fevereiro de 1993,
dezenas de milhares de jovens hutus foram recrutados e, em campos que podiam ser
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vistos da estrada, foram treinados no manejo de armas de fogo e facões. Como os
cooperantes militares belgas e franceses, que mantinham seus governos informados do
menor movimento de tropas, poderiam ter ignorado essa mobilização?
Benett
E um dia o blog foi atualizado? Nessa mesma época, créditos concedidos pelo Banco Mundial foram desviados para
comprar armas de fogo e enxadas. Graças aos fundos avalizados pelo Crédit Lyonnais, o
Ferréz Egito efetuou várias remessas de armas e munições. Em outubro de 1993, no Burundi, o
Seu voto e uma foto
assassinato, por militares tútsis, de Melchior Ndadaye, presidente hutu legalmente eleito,
Raquel Rolnik contribuiu para agravar a tensão em Ruanda.
Municípios eficientes: o que estamos medindo?
Em janeiro de 1994, as desconfianças transformaram­se em certeza, quando um
informante confirmou à Minuar que todos os tútsis haviam sido devidamente recenseados.
Você tem interesse em uma versão para tablet e Descreveu o treinamento dos interhahamwe (os que matam em conjunto), a formação de
smartphone da nossa versão impressa? depósitos de armas e munições, e forneceu a prova de suas declarações ao conduzir os
capacetes azuis a um subsolo, na sede do partido presidencial, transformado em
não
esconderijo de armas. Enfatizou também as ameaças que pesavam sobre os capacetes
sim azuis belgas.

  Resultados  Mas o telegrama em código que o general Dallaire enviou a Nova York em 15 de janeiro,
pedindo autorização para desmantelar os esconderijos de armas, não obteve a resposta
esperada: o Departamento de Operações de Manutenção da Paz, dirigido na época por
Para receber digite o seu email. Kofi Annan, proibiu qualquer ação.3 No máximo, os embaixadores ocidentais apresentaram
o problema ao presidente Juvenal Habyarimana, e este, embora negando a realidade dos
fatos..., fez com que fossem distribuídas armas em todas as comunas do país.

Início do genocídio

Apesar das advertências formuladas em fevereiro, em Kigali, por Willy Claes, ministro
belga das Relações Exteriores; apesar do assassinato de Félicien Gatabazi, ministro de
Obras Públicas e dirigente do Partido Social­Democrata; apesar da correspondência
endereçada ao general Dallaire por vários oficiais superiores, denunciando um “plano
maquiavélico”; e apesar da multiplicação dos atentados e do crescimento, quase tangível,
da violência, nada mudou. O mandato da Minuar não foi modificado, e o Conselho de
Segurança contentou­se, em 17 de fevereiro, em expressar sua “preocupação”.

http://www.diplomatique.org.br/edicoes_especiais_artigo.php?id=19 1/4
06/09/2016 Colette Braeckman: - Le Monde Diplomatique Brasil
Em 6 de abril de 1994, o atentado contra o avião do presidente Habyarimana (cujos
autores e mandantes não foram identificados até hoje) marcou o início do genocídio. Uma
campanha de assassinatos programados, visando personalidades hutus moderadas e
simples cidadãos tútsis – operação planejada durante meses e rigorosamente executada –
foi apresentada como “a expressão da cólera popular” em consequência da morte do chefe
de Estado. Nesse momento, as forças da ONU estavam dispersas pelo país, faltavam
munições e efetivos e, quando o general Dallaire e seu adjunto Luc Marchal foram
informados, na manhã de 7 de abril, que dez capacetes azuis belgas, encarregados da
proteção do primeiro­ministro, estavam em dificuldade em Kigali, nem foi colocada a
questão de ir em seu socorro.

Enquanto os cadáveres eram recolhidos pelos caminhões da limpeza pública, as equipes
de matadores percorriam a cidade e o general Dallaire pedia reforços; tratava­se sobretudo
de evacuar os estrangeiros. Com esse objetivo, os franceses despacharam 450 homens,
os belgas enviaram 450 paraquedistas e 500 outros ao Quênia, 80 italianos se juntaram à
operação, enquanto 250 rangers norte­americanos se instalaram no Burundi. Se tivessem
juntado seus esforços aos da Minuar, essas tropas ocidentais provavelmente teriam
conseguido deter os massacres em Kigali, silenciar a rádio extremista e impor um cessar­
fogo. Mas, por ordem de seus governos, essas forças limitaram­se à missão de retirada
dos cidadãos estrangeiros, abandonando os civis tútsis, inclusive casais mistos,
funcionários de embaixadas, dentre os quais o pessoal do Centro Cultural francês, e
dezenas de tútsis que tinham procurado a proteção da ONU. Os capacetes azuis também
foram abandonados à sua sorte. Por ordem do presidente François Mitterrand, os
franceses cuidaram, no entanto, de retirar a viúva do presidente Habyarimana, que
pertencia ao clã dos radicais, e transportar para local seguro algumas personalidades do
regime.

“Genocídio”: termo proibido

Ruanda não estava ainda no extremo abandono: em 12 de abril, o ministro Willy Claes,
traumatizado pelo assassinato dos dez capacetes azuis, anunciou ao secretário­geral da
ONU, Boutros Boutros­Ghali, que o contingente belga da Minuar ia ser retirado, e lançou­
se numa ação diplomática para persuadir outros países a fazer o mesmo.

Justamente nessa época, o representante de Ruanda, ligado aos extremistas, tinha
assento no Conselho de Segurança como membro não permanente; representantes de
seu governo eram recebidos oficialmente em Paris, e a França, através de Goma (na
República do Congo), ao norte do Lago Kivu, continuava sua remessa de armas. Quanto
aos norte­americanos e aos britânicos, foi com empenho que se opuseram ao reforço dos
efetivos da Minuar, como se a única urgência fosse nada fazer. A secretária de Estado
norte­americana, Madeleine Albright, cuidou de proibir o uso do termo “genocídio”, pois
este tem como consequência a obrigação de intervenção e, no final de abril, Boutros
Boutros­Ghali ainda falava de “guerra civil”. Em 21 de abril, a resolução 912 do Conselho
de Segurança optou por uma redução da força da ONU em Ruanda, que passaria a contar
com menos de 500 capacetes azuis. Estes estavam desprovidos de alimentos, de
munição, de veículos e até de água potável, impotentes para ir em socorro dos civis que
clamavam por proteção ou assistência, ainda que tenham realizado com coragem e êxito
numerosas operações de retirada da população.

Quando a imprensa se interessou por Ruanda, foi para filmar, a partir de Uganda, os
corpos que boiavam no Lago Vitória, ou para seguir o êxodo em massa de hutus que,
concluído o crime, fugiram para a Tanzânia para escapar de represálias.

Intervenção francesa

Bem antes, Philippe Gaillard, dos Médicos sem Fronteiras, e em nome da Comissão
Internacional da Cruz Vermelha – cuja direção e doentes foram massacrados em Butare4 –
assim como o próprio general Dallaire, multiplicaram depoimentos comoventes e pedidos
de ajuda. Foi preciso esperar até 11 e 12 de maio para que o comissário da ONU para
Direitos Humanos, José Ayala Lasso, presente no local, utilizasse afinal o termo genocídio.
Nesse momento, a imprensa, em sua grande maioria, ainda falava em “massacres
interétnicos”, em “lutas tribais”. Enquanto a matança era encomendada e organizada pelo
governo provisório empossado após a morte de Habyarimana, Ruanda era descrito como
um “Estado em falência”, mergulhado numa espécie de anomia bárbara. Como se fosse
preciso a qualquer preço transpor o clichê da Somália para esse país muito hierarquizado,
no qual os cidadãos têm o hábito de obedecer às ordens vindas de cima...

Só em junho é que a tragédia começou a comover a opinião pública. O Conselho de
Segurança, apesar da oposição norte­americana, acabou por votar a favor de uma Minuar
2 reforçada, mas a ONU não encontrava nem os homens, nem o dinheiro, necessários
para organizar essa missão. Os Estados Unidos, consultados para fornecer veículos e
blindados, queriam ser pagos previamente... Quanto à FPR, ela avançava lentamente, com
mais determinação para Kigali, acuando seus adversários e as vítimas destes.
Considerava que uma intervenção estrangeira seria inútil naquele momento, não somente
porque a maioria dos tútsis já estava morta, mas sobretudo porque não pretendia ver a
vitória lhe ser usurpada. Foi então que a França tomou a dianteira: em 22 de junho, obteve
do Conselho de Segurança a autorização para lançar uma operação apoiada pelo capítulo
7, que autoriza o recurso à força.

Se era tarde demais para salvar centenas de milhares de civis desaparecidos durante as
primeiras semanas do genocídio, e se somente 10 a 15 mil pessoas puderam ser
recolhidas nos campos de Nyarushishi e Bisesero, ainda era possível tentar salvar a
posição do governo interino. Este recebeu os franceses com entusiasmo, esperando que a
Operação Turquesa impedisse o avanço da FPR e impusesse uma negociação na base de
uma partilha do território. Mas o avanço rápido das tropas da FPR e, finalmente, a
comoção da opinião pública conseguiram dividir o governo francês. Contra os militares que
queriam “quebrar as pernas da FPR” e não escondiam sua solidariedade com seus ex­
irmãos de armas hutus “francófonos”, que eles formaram e equiparam, o primeiro­ministro
Edouard Balladur decidiu reduzir as ambições dos militares da Operação Turquesa.
Obrigados a entrar em contato com a FPR, os militares franceses tiveram que se contentar

http://www.diplomatique.org.br/edicoes_especiais_artigo.php?id=19 2/4
06/09/2016 Colette Braeckman: - Le Monde Diplomatique Brasil
em criar, no oeste do país, uma “zona humanitária segura” para a qual convergiram todos
os grupos extremistas, assim como o governo interino, abrangendo dessa forma milhões
de civis hutus.

Impunidade dos responsáveis pelo genocídio

Nessa zona, os franceses foram impotentes para impedir inúmeros massacres, mas
recusavam­se a desarmar militares e milicianos. Deixaram de prender os responsáveis
pelo genocídio que, em seguida, se refugiaram no Zaire (atual República Democrática do
Congo), e não proibiram as transmissões rancorosas da Rádio das Mil Colinas. Os
franceses, que trouxeram helicópteros de combate, aviões Jaguar e Mirage, uma centena
de blindados e morteiros, mas muito poucos caminhões e medicamentos, viram­se
impotentes diante da epidemia de cólera que se iniciou em Goma e atingiu mais de 40 mil
refugiados hutus.

Nesse momento, atraída ao local pela presença francesa, pelas facilidades de
comunicação e finalmente sensibilizada pela tragédia ruandesa, a imprensa compareceu e
as associações humanitárias também. O novo poder instalou­se num verdadeiro deserto:
os funcionários do Estado fugiram, levando dossiês, veículos e depósitos bancários.
Trezentos mil órfãos vagavam pelo país. Mas a comunidade internacional mostrou­se
contrária à intervenção e à ajuda à FPR, uns denunciando o “duplo genocídio”, outros
exigindo que o regime desse “garantias de reconciliação”, enquanto os corpos ainda
jaziam nas valas.

Na realidade, apesar de suas boas relações com os Estados Unidos e a Grã­Bretanha, a
FPR pagava o preço por ter conquistado o poder num país francófono, sem a aprovação
das ex­potências coloniais.

Luta entre anglófonos e francófonos

A presença nos campos de Kivu de mais de 2 milhões de refugiados hutus, cercados pelos
autores do genocídio e alimentados pela ajuda humanitária, iria por muito tempo
desestabilizar a região. Em outubro de 1996, depois de ter pedido em vão ao Alto
Comissariado para os Refugiados (Acnur) e às outras agências da ONU para afastar da
fronteira de seu país a ameaça que esses campos representavam, Paul Kagame, que
dirigia a FPR, lançou uma ofensiva destinada a obrigar o retorno dos refugiados ruandeses
e a dispersar os outros através do imenso Zaire (que em seguida se tornou República
Democrática do Congo).

Impotente para evitar um genocídio programado e anunciado, a comunidade internacional
assistia a um novo episódio da tragédia: depois de sete meses, o marechal Josef Désiré
Mobutu, apoiado até o fim pelos franceses, foi derrubado por Laurent Désiré Kabila e seus
aliados ruandeses e ugandenses. Até que, em 1998, começou uma nova guerra,
continuando os ruandeses na perseguição dos interhahamwe em fuga e, de passagem,
pilhando, com seus aliados ugandenses, os recursos do Congo. Ao milhão de mortos do
genocídio iriam se juntar mais de 3 milhões de vítimas congolesas, elas também
esquecidas, presas na armadilha da guerra, da pilhagem dos recursos naturais e de uma
surda luta de influência entre francófonos e anglófonos, visando o controle do coração da
África.

Colette Braeckman

jornalista, Le Soir (Bruxelas).

1Hutus, grupo pastoril e guerreiro que compartilha com os tútsis os territórios africanos do Burundi
e de Ruanda.

2Lynda Melvern, A People Betrayed: The Role of the West in the Rwanda’s Genocide, Zed books,
Londres, 2000; e Gérard Prunier, Histoire d’un génocide, edições Dagorno, 1997.

3Romeo Dallaire, J’ai serré la main du Diable: La faillite de l’humanité au Rwanda, La Libre
Expression, Montreal, 2003.

4Allison Desforges, “Aucun témoin ne doit survivre: Génocide au Rwanda”, relatório redigido por
Human Rights Watch, Federação Internacional dos Direitos Humanos, Paris, 1999.

Publicado originalmente em 1º de abril de 2004.

11 de Junho de 2011

Palavras chave: Ruanda, genocídio, ONU, crise, sociedade, intervenção militar, África, França,
colonização

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