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Os Anos 60

http://cvc.instituto-camoes.pt/decadas/anos-60.html#.WomfbKhl_IU

A ditadura protagonizada por Salazar, quer se considere ou não que foi uma
ditadura fascista, foi talvez menos feroz e menos espetacular que as suas
congéneres europeias, mas foi também muito mais longa (1926-1974) e não
menos castradora em relação a todos os aspetos do desenvolvimento
económico, social e cultural de Portugal. Salvo momentos de exceção limitados
no tempo, foi um período em que predominou uma atitude oficial de isolamento
em relação às correntes que, a nível internacional, iam fazendo a história da
modernidade.

Os casos excecionais dos artistas emigrados ou alguns momentos de ligeira


abertura, se pontualmente permitiram uma efetiva atualização e revitalização
do meio artístico em sentido estrito, não alteravam um contexto geral
caracterizado pelo muito baixo nível de formação escolar da população, a
desinformação massiva da opinião pública, o conservadorismo da cultura oficial
e o crescente anacronismo cultural da oposição.

No campo das artes plásticas durante toda a primeira metade do século


assistimos ao arrastar de um modernismo incipiente em luta constante contra a
permanência do naturalismo e do romantismo lírico. O único momento de fulgor
deste trajeto ocorre na 2ª década do século, graças à obra de Amadeo de
Souza-Cardoso, acompanhado por Almada Negreiros, no quadro das
atividades da "geração do Orpheu" e com o impulso proporcionado pela vinda
do casal Delaunay para Portugal durante a I Guerra Mundial.
Chegada a década de 60, a sociedade portuguesa, considerada no seu
conjunto, mantinha-se afastada dos circuitos internacionais de produção e
circulação artística, privada do acesso a exposições e iniciativas suscetíveis de
dar à opinião pública uma formação artística básica e de fornecer ao público
especializado uma informação atualizada e uma experiência direta da
contemporaneidade.
Em termos políticos crescia a desilusão face à continuidade do regime
ditatorial, afinal prolongado pelo governo de Marcelo Caetano (1968-1974), e
crescia também a revolta perante uma guerra colonial absurda e sem solução
que se arrastava desde 1961. Nos sectores culturais, nos meios estudantis e
entre a juventude aumentava a frustração e alastrava a contestação face à
situação de alheamento que o Estado mantinha em relação às grandes
viragens sociais e culturais que internacionalmente marcaram a década
A ascensão e morte de Kennedy, as batalhas políticas e ideológicas do
Vietname, a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas, os hippies, a
revolução pop ou o Maio de 68 chegam a Portugal através de ecos censurados
e distorcidos só entendidos por minúsculas elites culturais urbanas.

Nas artes plásticas os anos 60 são um período de experimentação e de


confluência de vários movimentos e correntes estéticas, nomeadamente a pop
art e o "nouveau réalisme", a op art, o minimalismo, a arte conceptual, a arte
povera, a arte vídeo, a performance, a body art ou a land art. É também a
década em que morre Marcel Duchamp (1968).

No contexto artístico português a década de 50 tinha sido um período de


continuidade das soluções estéticas anteriores, centradas na persistente
dialética figuração/abstração, cujos protagonistas se dividiam, grosso modo,
entre neo-realistas, surrealistas e defensores do abstracionismo.

Neste contexto a obra de Maria Helena Vieira da Silva, combinação original de


figuração e abstração, com um forte cunho pessoal, emerge como a expressão
maior deste período com significativos prolongamentos nas décadas seguintes.

Nos anos 60 vamos assistir à formação de uma nova conjuntura artística,


marcada pela emergência de uma nova geração de artistas e agentes culturais
e à afirmação de novas tendências na produção artística nacional que refletem
a necessidade de sintonização com as linguagens internacionais, em grande
parte devido à emigração de um vasto número de artistas num movimento que
se prolonga até meados dos anos 70.

Abandonar o país, de forma temporária ou permanente, em consonância com o


massivo fluxo de emigração registado durante este período, foi a opção tomada
por diversos artistas, quer por razões políticas quer motivados pela busca de
uma carreira ou de contacto com novas tendências inacessíveis dentro das
fronteiras nacionais. A título de exemplo, refira-se que por Inglaterra passaram
António Areal, Rolando Sá Nogueira, Mário Cesariny, Menez, Paula Rego,
João Cutileiro, Bartolomeu Cid dos Santos, Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro,
Eduardo Batarda, António Sena, João Vieira, Ruy Leitão, João Penalva e
Graça Pereira Coutinho. Já em Paris encontravam-se Lourdes Castro, René
Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, que compunham o grupo KWY,
assim como António Dacosta, Júlio Pomar, Jorge Martins e Manuel Baptista.
O esforço de renovação abriu caminho a uma aproximação à arte internacional,
em grande parte devido aos artistas que emigravam e ao programa de bolsas
da recém-criada Fundação Calouste Gulbenkian, mas também devido ao novo
modo de encarar o fenómeno artístico, às grandes exposições coletivas (a
inaugurar a década, em 1961, a II Exposição de Artes Plásticas na Fundação
Gulbenkian) e à abertura de novas galerias que vieram dinamizar o mercado
nacional.

Durante a primeira metade da década apenas a Galeria do Diário de Notícias


(Lisboa), a Divulgação (Lisboa e Porto, dirigida por Fernando Pernes), ou ainda
na cidade do Porto a Alvarez e a associação de artistas Árvore tinham,
timidamente, dado os primeiros passos no comércio de artes plásticas. Só em
1964, com a experiência das galerias-livraria, como a Buchholz e a Galeria III,
e depois com o aparecimento de novas galerias já na viragem da década, o
novo mercado de arte viria dar um incentivo à prática artística.

Seria, no entanto, necessário esperar pelo regime democrático para romper


com uma situação que há muito se mostrava insustentável, mas cuja
transformação mais profunda, anunciada pelas ruturas estéticas de muitos
artistas da década de 60, só teria as suas consequências culturais mais
efetivas, ultrapassadas as agitações pós-revolucionárias, no início dos anos 80.
Apresentando agora um panorama descritivo da produção artística mais
assinalável neste período, comecemos por referir, seguindo uma simples
ordem cronológica, um conjunto de artistas situáveis no âmbito da pintura e da
figuração, embora com trajetórias e opções bem diferenciadas. Joaquim
Rodrigo, tendo iniciado a sua carreira no pós-guerra no âmbito do
abstracionismo, elaborou na década de 60 um código sistemático de signos e
regras de representação pictórica que não mais abandonou. António Dacosta,
surrealista histórico, tendo deixado de pintar nos anos 40, voltaria à atividade
na década de 80, com um assinalável cunho de originalidade. Júlio Pomar
iniciando a sua carreira nos anos 50, no âmbito do neo-realismo, foi
desenvolvendo diferentes modos de trabalhar a figura, o corpo e o movimento
no âmbito da pintura. Menez, a partir de paisagens abstratas dos anos 60
aproximou-se depois de uma figuração mítica e narrativa. Paula Rego, partindo
das figurações brutalistas da década de 50, foi revolucionando métodos e
processos até chegar a uma pintura de ressonância mais clássica em que
afirma e reforça um grande poder autoral que lhe trouxe uma plena
consagração.
Um outro conjunto de artistas, cuja afirmação pública data do final dos anos 60,
caminhou para uma abordagem da pintura a partir de uma análise dos seus
elementos formais e estruturais constitutivos. É o caso de Ângelo de Sousa,
António Sena, Jorge Martins, João Vieira ou Manuel Baptista. Em causa estão
questões como o plano, a luz, a cor, o signo, o risco. Jorge Martins inicia uma
investigação sobre a luz e sobre a própria pintura, criando grelhas e pequenos
compartimentos onde insere histórias, personagens e objectos, que alterna
com a representação de volumes e dobras e com referências ao universo
cinematográfico. Manuel Baptista, na sequência de pinturas abstractas de cariz
informalista, utiliza diversas técnicas, desde a colagem, relevos e pinturas-
objecto de meados dos anos 60 até ao uso da monocromia e das telas
recortadas. É neste período que João Vieira descobre a temática central de
toda a sua obra: o alfabeto e a plasticidade da palavra, tanto na pintura como
em instalações ou performances, com letras-objecto, introduzindo em Portugal
os primeiros "happenings", resultado do contacto com Vostell na Malpartida de
Cáceres.

Estes trabalhos prolongam-se numa via mais intelectualizada e


concetualizante, por exemplo, em Fernando Calhau, Pires Vieira ou, numa
primeira fase da sua carreira, Michael Biberstein. Numa via de confluência com
a prática da escrita e a referência à literatura desenha-se o peculiar percurso
de Álvaro Lapa.

António Areal é figura de referência na história da arte portuguesa deste


período, não só pela sua obra pictórica e escultórica, mas também pela
reflexão teórica expressa em publicações como Textos de crítica e de combate
na vanguarda das artes visuais (1970). Após uma fase inicial surrealista e
gestualista, abordou a relação entre arte figurativa e arte abstrata em pinturas e
objetos marcados por preocupações de ordem conceptual.

Joaquim Bravo, com formação literária, tal como Álvaro Lapa e António Areal,
estende a sua atividade artística à pintura, escultura e desenho, produzindo,
nos anos 60, uma assinalável série de esculturas.
Um filão reportável ao ambiente pop, entendido em sentido lato - incluindo o
"nouveau réalisme" e a "figuração narrativa" - permite-nos citar em conjunto os
trabalhos realizados em finais de 60 e começos de 70 por autores como
Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, António Palolo ou Eduardo
Batarda, que depois evoluíram em direcções bem diferenciadas. Lourdes
Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, em conjunto com
Christo e Jan Voss, formaram, em Paris, o grupo KWY (Ka Vamos Yndo) e
lançaram uma revista homónima, cujas soluções estéticas foram apresentadas
numa exposição coletiva na Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1960.

Ainda nesta linha pop podemos enquadrar a obra de Ruy Leitão, geralmente
sobre papel, de cores vivas, com repetições de elementos, originando um rico e
pessoal universo pictórico, que seria interrompido pela sua precoce morte em
1976. António Charrua, após uma fase de tendência expressionista, opta pela
associação da cor e formas abstratas.
Rolando Sá Nogueira, pintor já ativo nos anos 50, período em que optou por
um figurativismo de certo modo naif, enveredou, na década de 60, pela estética
pop, na sequência da sua estadia em Londres (1961-1964), realizando
colagens de grande liberdade plástica.

Nikias Skapinakis, nos anos 50, tinha enveredado por um figurativismo de


grande riqueza cromática, oferecendo uma alternativa consistente às correntes
em voga no período, tanto ao neo-realismo e ao surrealismo como ao
abstracionismo. Nos anos 60 realiza uma série de paisagens e retratos de
grupo, a modo de retratos sociológicos de uma época.
Noronha da Costa, um dos artistas mais importantes do período, para além de
pintor, escultor, arquiteto e cineasta, intensifica as suas preocupações com a
visibilidade e a fisicalidade dos objetos. As suas obras integram espelhos,
numa exploração dos objetos enquanto tais, originando jogos de formas e
espaços ora visíveis ora ocultos. No final dos anos 60, o autor dedica-se ao
registo pictórico, mantendo estas explorações visuais, agora através de um
sfumato ou uma atmosfera esbatida, deixando entrever fragmentos de
pessoas, ambientes, paisagens, velas ou outros elementos de iluminação.

É deste período a série mais famosa de Costa Pinheiro - os Reis - apresentada


pela primeira vez em 1966, na Alemanha, na qual o autor faz uma revisão
pessoal da história nacional, com atributos iconográficos sugestivos dos vários
monarcas, inaugurando assim a temática de personagens da memória coletiva
nacional, como Fernando Pessoa, que marcaria a sua obra ao longo das
décadas seguintes.

Um vocabulário figurativo de inspiração naif, exercitado com grande variedade


de registos, referências e materiais, sempre renovados, caracteriza o percurso
de José de Guimarães, que desde então vem construindo uma sólida e bem
sucedida carreira em Portugal e no estrangeiro.
Um outro conjunto de artistas pode ser reunido em torno de formulações
específicas da op art, cujas obras são marcadas pelo rigor matemático e
elementos geométricos, com investigações no campo da perceção e da tensão
ótica. Artur Rosa, também arquiteto, multiplica e desconstrói formas no espaço,
com ritmos e movimentos que criam jogos de perceção e ilusão. Com uma obra
diversificada que passa pela pintura, desenho, fotografia e intervenções em
espaços públicos, também o trabalho de Eduardo Nery vive da repetição de
elementos e da exploração do espaço, da luz e da ilusão óptica. Eduardo Luiz,
residente em França durante vários anos, através do seu uso peculiar do
''trompe l'oeil" cria espaços tridimensionais em superfícies pictóricas, com
alusões surrealistas à suspensão do espaço e do tempo.

No Porto, ligado à Escola de Belas Artes e à Cooperativa Árvore - espaço de


experimentação alternativo aos patrocinados pelo regime - o grupo Os Quatro
Vintes, composto por Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro, José Rodrigues e
Armando Alves, entre 1968 e 1972, visa através da força de grupo alcançar
uma acrescida visibilidade, chamar a atenção para a debilidade do ambiente
cultural da cidade nortenha e refletir sobre os novos conceitos de escultura,
mas sem, no entanto, criar um programa plástico coerente e de conjunto, como
fica demonstrado pela diversidade dos percursos individuais dos seus
elementos.

No campo da escultura, João Cutileiro desenvolve temáticas relacionadas com


o corpo humano e a sexualidade, e introduz diversas técnicas e formas
inovadoras que resultam em figuras de guerreiros, árvores ou mulheres. Em
1966, o artista opta pelo uso exclusivo do mármore. A sua formação londrina
na segunda metade dos anos 50 foi de grande importância para aproximar o
artista, e consequentemente o país, de novas linguagens escultóricas,
tornando-o um nome de referência para as novas gerações de escultores.

A década de 60 é referida por alguma historiografia como um período de rutura.


É por certo um momento de mudança. Trata-se de uma mudança
acompanhada de continuidade, mas é, ainda assim, o momento em que os
artistas portugueses conseguem, em tempo certo e alinhado com as
linguagens internacionais, introduzir pesquisas e formulações estéticas que, ao
germinarem, resultariam em trabalhos amadurecidos e percursos individuais
amplamente reconhecidos. Desenham-se e projetam-se nestes anos uma série
de carreiras de artistas, muitos deles ainda ativos, que viriam a assumir lugar
de destaque no panorama da arte portuguesa contemporânea.

As Exposições de Artes Plásticas da Fundação


Calouste Gulbenkian (1957, 1961 e 1986)
Apenas um ano após a sua formalização legal (Julho de 1956), a Fundação
Calouste Gulbenkian fez a primeira intervenção pública na vida cultural
nacional, organizando uma exposição realizada nas instalações da Sociedade
Nacional de Belas Artes.
Apenas um ano após a sua formalização legal (Julho de 1956), a Fundação
Calouste Gulbenkian fez a primeira intervenção pública na vida cultural
nacional, organizando uma exposição realizada nas instalações da Sociedade
Nacional de Belas Artes. Para os responsáveis pela
https://gulbenkian.pt/biblioteca-arte/publication/as-exposicoes-artes-plasticas-
da-fundacao-calouste-gulbenkian-1957-1961-1986/
Fundação, esta exposição iria permitir-lhes traçar “uma visão panorâmica do
estado actual das artes plásticas em Portugal” que, no final da década de 1950,
revelava evidentes sinais de mudança. Inaugurada em 7 de Dezembro de 1957
(repetida no Porto em 1958), a I Exposição de Artes Plásticas mostrava um
conjunto de 251 obras – 143 de pintura, 37 de escultura e 75 de desenho e
gravura – de 148 artistas. No prefácio do catálogo lia-se que a Fundação
desejava “proporcionar aos artistas (…) uma nova oportunidade de estabelecer
contacto com o público” e ainda permitir aos mais jovens “revelarem a sua obra
(…), afirmarem as suas aptidões e (…) permitir-lhes a obtenção de bolsas de
estudo, no País e fóra dele”. O júri de admissão cumpriu os objetivos
enunciados, já que entre os nomes selecionados se contavam tanto artistas
com reconhecimento no contexto nacional, como Eduardo Viana (grande
prémio) e Almada Negreiros – que protagonizou uma das polémicas do evento,
ao apresentar 4 composições abstractas geométricas -, como jovens em início
de carreira. Paralelamente à exposição, que mereceu larga cobertura
jornalística e teve um enorme sucesso de público, a Fundação providenciou a
realização de algumas conferências, proferidas por Bernard Dorival
(conservador do Musée d’Art Moderne de Paris), Roland Penrose (director do
Institut of Modern Arts de Londres) e Mário Dionísio (professor e ensaísta), que
apresentou um texto intitulado “Conflito e unidade na arte contemporânea”.
Em Dezembro 1961, a Fundação Calouste Gulbenkian repetiu a iniciativa de
1957. A II Exposição de Artes Plásticas, desta vez realizada nas instalações da
Feira Internacional de Lisboa, juntou a arquitetura às secções anteriores. Esta
não era, porém, a única alteração, pois como se afirmava no catálogo
“Também agora, um regulamento estudado para fixar as principais normas (…)
precisou que a ela seriam admitidas todas as formas e meios de expressão em
Arte”. O júri alargou-se, renovou-se e passou a ser só um para a seleção e
para a premiação, incluindo representantes dos artistas (por eles eleitos) nas
pessoas do pintor Fernando de Azevedo e do arquiteto João Abel Manta. Se o
número de artistas selecionados foi menor – 141 – o de obras expostas
aumentou: 298; e se na I Exposição ainda se puderam ver obras que
perpetuavam um naturalismo academizante e fora do “ar do tempo”, mas
dominante nos certames oficiais do regime, na II todas enunciavam já
claramente as ruturas estéticas da década de 1960, protagonizadas por uma
nova geração de artistas. Uma vez mais, esta iniciativa da Fundação foi um
êxito junto do público e da crítica, tendo sido acompanhada por um programa
cultural que incluiu concertos organizados pelo Serviço de Música e sessões de
cinema.
Depois de um interregno de 25 anos, em 1986, por ocasião da celebração dos
seus 30 anos de existência, a Fundação Calouste Gulbenkian organizou a III
Exposição de Artes Plásticas (de 20 de Julho a 31 de Agosto), desta vez já
realizada nos seus espaços expositivos da Av. de Berna. No prefácio do
catálogo explicava-se que nesta III edição, atendendo-se “às muitas alterações
sofridas no campo das Artes Plásticas” desde os anos 60, introduziam-se
novas secções – “Objetos e Instalações”, a “Fotografia” e o “Vídeo” – e
estabelecia-se que “as obras a apresentar seriam posteriores a 1980, data
mundialmente reconhecida como um significativo marco da viragem da Pintura
e da Escultura”. Foram recebidas para concurso 2671 obras, das quais o júri
escolheu 345. No elenco de artistas selecionados cruzavam-se gerações e
sensibilidades estéticas diversas, embora predominassem os nomes que
emergiram na cena artística nacional nas décadas de 1960 e 70. O conjunto de
documentos que ficaram para a memória futura destas iniciativas da Fundação
Calouste Gulbenkian pertence ao acervo da Biblioteca de Arte, que o
disponibiliza ao estudo e investigação. É constituído pelos catálogos da I, II e III
exposições, por um conjunto de fotografias da I e da II (que se encontra
digitalizado e acessível para consulta na rede interna da BA), pelo programa
das sessões de cinema da II e por um vídeo sobre a III.

TÍTULO/RESP. I e II Exposição de Artes Plásticas [ Material gráfico ]*


PRODUÇÃO 1957-1961
DESCR. FÍSICA 519 provas fotográficas ; 24 x 26,5 cm – 9 x 12 cm ; 382
negativos ; 13 x 18 cm – 6 x 6 cm : p&b
CONTÉM I Exposição de Artes Plásticas / fotografias de Mário Novais… [et
al.]1957; II Exposição de Artes Plásticas / fotografias de Mário Novais, Horácio
Novais e de José Pereira 1961
COTA(S) CFT032.1/1-418 ; CFT032.2/1-306
* As referências bibliográficas de todos documentos estão disponíveis no
catálogo da BA www.biblartepac.gulbenkian.pt

Os Anos 70
Nas vésperas da revolução democrática de 1974, Portugal vivia uma
conjuntura bastante desfavorável. Em primeiro lugar, colocava-se a questão de
uma guerra colonial prolongada e inconclusiva. A tardia e pouco eficaz abertura
do sistema político promovida pelo governo de Marcelo Caetano desde 1968 e
o desgaste das estruturas institucionais do Estado Novo, com um núcleo
político incapaz de resolver o impasse a que o país chegara, geravam um
governo caracterizado pela lenta agonia da luta pela sobrevivência,
extremamente debilitado perante a comunidade internacional. Em segundo
lugar, a insatisfação geral e as dificuldades económicas e sociais da população
caracterizavam a realidade isolacionista de um país que se revia ainda na
famosa expressão "orgulhosamente sós", comandado por uma classe dirigente
dependente de valores políticos e ideológicos ultrapassados.

Neste contexto, martirizada pela longevidade do regime, a sociedade


portuguesa sofreu os efeitos negativos da intervenção política na dinâmica
cultural. A relativa abertura do sistema no período final do regime reforçou
inclusivamente a percepção do abismo que separava a realidade social e
artística do nosso país da dinâmica internacional da contemporaneidade.

De qualquer modo, não deve ficar a ideia de que antes do levantamento militar
democrático de 25 de Abril nada existia e que depois tudo se realizou e
concretizou com sucesso, pois a ausência de adequadas políticas culturais foi
contínua e persistente.

No que diz respeito ao contexto artístico e, em particular, à realidade das artes


plásticas, o período de transição ideológica e política que caracterizou o nosso
país na década de 70 apresenta uma complexa multiplicidade de referências,
contribuindo indirectamente para abrir uma nova etapa na actividade artística e
cultural. Se é verdade que as reformas empreendidas durante o período
marcelista possibilitaram uma maior aproximação à situação internacional, não
é menos certo que a política cultural de base traduzia uma ineficácia
institucional expressa na falta de museus ou centros de arte contemporânea,
na debilidade ou inexistência de mercado e na quase total ausência do apoio
do Estado às tendências estéticas contemporâneas.

Ainda assim, com as medidas económicas tomadas pelo novo governo de


Marcelo Caetano, a par das encomendas para a sede da Fundação Gulbenkian
e da criação dos Prémios Soquil (1968-1972), o mercado de arte começa a
dinamizar-se e a criar uma clientela que vai despertando para a arte moderna
em detrimento de um gosto oitocentista enraizado. Contudo, não basta o
período de alta especulativa do valor das obras de arte a que se assistiu em
meados de 1973 para concluirmos que existia uma dinâmica efetiva e
consistente de mercado.
Este pequeno "boom" em torno do comércio de arte em Lisboa e Porto
traduziu-se na proliferação de galerias e outros espaços expositivos. No final
da década de 60 e ao longo da seguinte, no Porto inauguram a Zen (1970) e o
Módulo-Centro Difusor de Arte (1975), em Lisboa a Buchholz (a partir de 1965,
na R. Duque de Palmela), a Dinastia (1968), a Judite da Cruz, a S. Mamede
(1969), a Quadrum (1973) e o segundo espaço do Módulo (1979), e a Ogiva
em Óbidos (1970). A par da ação desenvolvida na divulgação e formação de
vários artistas por estas galerias, em particular pela Galeria Quadrum e pela
Galeria Ogiva que desenvolveu uma estratégia de descentralização, o CAPC
(Círculo de Artes Plásticas de Coimbra) teve igualmente um papel importante
na experimentação e promoção de novas atitudes estéticas, com
acontecimentos tão significativos como Minha Nossa Coimbra Deles (1973),
Arte na Rua ou 1000001º Aniversário da Arte (1974). Estes atos simbólicos,
"happenings" e "performances" pretendiam alertar a comunidade para o atraso
das instituições e gerar a necessária consciencialização da urgência do
trabalho a realizar.
De suma importância foi a reestruturação da secção portuguesa da AICA
(Associação Internacional de Críticos de Arte), em 1969, mas, sobretudo, a
emergência de um discurso crítico e atual por parte de Ernesto de Sousa.
Crítico, comissário e artista, Ernesto de Sousa foi uma figura controversa no
país de então, desenvolvendo uma estratégia de rutura e descontinuidade para
com os cânones estabelecidos. Depois de uma incursão pelo cinema e pela
estética neo-realista enveredou por uma arte experimental com um forte cunho
conceptual, em plena sintonia com o que se fazia fora do país. Visita a
Documenta de Kassel em 1972, onde conhece pessoalmente Joseph Beuys e
contacta com as ideias de Harald Szeemann, facto que marcaria o seu
pensamento crítico e contribuíria para trazer novas problemáticas para o
debate nacional, tais como a desmaterialização da obra de arte, a noção de
"obra aberta", o artista como "operador estético" ou o papel activo do
espectador. Da sua atividade como comissário e promotor de projetos devemos
considerar os Encontros do Guincho (1969), Nós não estamos algures (1969),
O meu corpo é o teu corpo (1971) e as exposições integradas na AICA Do
Vazio à Pró-Vocação (1972) e Projetos-Ideias (1974), para além do marco
histórico da década: a Alternativa Zero (1977).

As mortes de Eduardo Viana (1967) e de Almada Negreiros (1970), assim


como a primeira grande retrospetiva de Vieira da Silva no nosso país, na
Fundação Gulbenkian (1970), marcam, por assim dizer, o início de um novo
período no panorama da arte nacional.

Ao nível das publicações também assistimos durante a primeira metade da


década de 70 ao aparecimento da revista Colóquio-Artes (1971-1997), sob a
direção de José-Augusto França, e no Porto, em 1973, à Revista de Artes
Plásticas. No ano seguinte seria, também da autoria de José-Augusto França,
publicada A Arte em Portugal no Século XX, obra de referência para a
historiografia artística nacional.

Ainda em 1973 - ano da morte de Picasso - três acontecimentos importantes


merecem uma referência particular.

Durante o mês de Abril realizou-se a exposição 26 Artistas de Hoje, reunindo


na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) alguns dos trabalhos do
conjunto de artistas distinguidos pelos Prémios Soquil.

Em Setembro desse ano era inaugurado, em Lagos, o monumento a D.


Sebastião. Não é fácil encontrar uma figura cuja carga histórica, mítica e
cultural, melhor represente a atmosfera passadista, pasmada e bloqueadora
que impregnou a sociedade portuguesa durante largas décadas. Ao mesmo
tempo, a figura de D. Sebastião foi uma das grandes fontes inspiradoras de
uma atitude irracionalista, saudosista, reaccionária e imobilista que por muito
tempo marcou correntes influentes do pensamento português. Estas
considerações histórico-culturais ajudam a explicar porque é o D. Sebastião de
João Cutileiro uma obra-chave deste período. Partindo da experiência técnica
das suas "bonecas articuladas", o autor apresenta-nos o jovem rei como o
menino que questiona o mito imperial dos portugueses, numa renovação da
estatuária que definiria o novo limiar da escultura portuguesa, destronando em
definitivo a linguagem escultórica do regime, protagonizada pelo trabalho de
Francisco Franco. A inserção física da estátua numa praça de Lagos
corresponde ao modo como o adolescente Sebastião pousa no chão o elmo e
abre à sua volta um olhar claro e limpo, através do qual o seu corpo se deixa
absorver pela luz.

De modo mais óbvio, outros eventos artísticos anunciam a iminência da


mudança política. Em Dezembro de 1973 inaugura na SNBA a Exposição 73.
Na sala de entrada uma representação escultórica realista de um soldado
morto com a farda da guerra colonial - Jaz Morto e Arrefece de Clara Menéres.
Por trás dele, na parede, um friso de pardos rostos silenciosos numa pintura de
Rui Filipe. Na noite da inauguração uma performance de João Vieira
envolvendo uma mulher nua pintada de dourado é ainda matéria de pequeno
escândalo.
A 25 de Abril de 1974 é o "25 de Abril". A 10 de Junho, dia de Portugal, 48
artistas juntam-se para comemorar o acontecimento e pintar, em simultâneo,
ao vivo, em directo diante do público e das câmaras da televisão um grande
painel que tem como tema a liberdade. É um evento ingénuo e um pouco
anedótico mas não vale a pena negar-lhe a sua autenticidade emocional e
conjuntural. Durante a reportagem alguém diz a Júlio Pomar que a sua pintura
é complicada. Pomar responde que a vida também é complicada.

No Porto, uma "comissão para uma cultura dinâmica" formada por artistas
plásticos, escritores e poetas realiza nesse mesmo dia o Funeral do Museu
Nacional de Soares dos Reis. O protesto - que envolveu cerca de 500 pessoas
- era dirigido contra o sistema museológico português em geral, completamente
anacrónico.
Os acontecimentos políticos de 74 vieram interromper o ritmo das exposições
de artes plásticas, assim como o consequente trabalho da crítica. Das páginas
dos jornais quase desaparecem as referências às práticas artísticas, embora a
inevitável euforia da movimentação política tenha determinado, ainda que
fugazmente, a renovação da participação cultural, com a aspiração a um novo
tipo de relacionamento entre artistas e público em geral.
Como é habitual em períodos de agitação política pré- ou pós-revolucionária,
vários artistas e práticas culturais foram instrumentalizados pelas mais
primárias, anacrónicas e absurdas manipulações ideológicas. Se quisermos
fazer um balanço, em termos estéticos, de toda esta agitação política,
retenham-se os cartoons de João Abel Manta e os sumptuosos murais do
MRPP, quase todos já destruídos.

Entre os alinhamentos estéticos desses anos discutia-se, simultaneamente, a


dialéctica entre figurativismo e abstracção, entre a pintura e a arte conceptual
(ou as acções pós-conceptuais), e reviam-se as intenções, agora libertas da
censura, do surrealismo e do neo-realismo portugueses. Procurava-se nas
propostas mais ligadas ao exterior, dos conceptualismos vários às tendências
pós-vanguardistas, a marca de uma renovação ou as referências mais
evidentes da contemporaneidade. Entre o formulário conceptualista e o registo
neo-figurativo reordenavam-se as propostas estéticas dos anos 70, numa
tendência crescente para a afirmação dos percursos individuais de cada artista.

Nesta interrogação e revisão da modernidade promoveram-se algumas


exposições, retrospectivas, mostras temáticas, decorrentes também da
situação política e social do país (a título de exemplo refira-se a exposição
Pena de Morte, Tortura, Prisão Política, SNBA, 1975). Divulgaram-se práticas e
intenções plurais, revelando a multiplicidade da oferta, numa convivência
harmónica entre gerações de artistas, estilos, dinâmicas e referências.

No campo das artes plásticas uma grande exposição - Alternativa Zero, Galeria
Nacional de Arte Moderna, Belém, 1977 - encerra o período das convulsões
pós-revolucionárias, fazendo o balanço da década de 70 no que diz respeito às
experiências artísticas mais vanguardistas. Alternativa Zero, organizada por
Ernesto de Sousa, constitui um balanço dos trabalhos que em Portugal se
mostraram mais sintonizados com as tendências da evolução da arte
contemporânea a nível internacional. Conforme o catálogo descritivo advertia a
respeito do evento: "pretende ser 'algo mais' do que uma exposição: ou,
encarando as coisas de outro prisma, pretende ser uma exposição aberta, com
todas as consequências possíveis 'nesta' sociedade, inclusive concorrer (ainda
que pouco) para transformá-la". As propostas conceptuais de Alberto Carneiro,
ou de Clara Menéres com Mulher-Terra-Vida, e o vídeo de João Vieira,
comprovam e exemplificam a linha plural orientadora da exposição, numa
altura em que o vazio do mercado de arte não permitia uma verdadeira
visibilidade das obras nacionais. A exposição intitulada Alternativa Zero -
Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea marca assim o
primeiro balanço dos trabalhos que em Portugal tomaram como referência as
atitudes conceptuais e congéneres. Uma situação entre nós minoritária e
marginalizada, da qual, no entanto, sairia uma primeira vaga de artistas que
viriam a desempenhar um papel do maior relevo ao longo da década de 80.

Em 1978 realizou-se a I Bienal Internacional de Artes Plásticas de Vila Nova de


Cerveira, iniciativa que, privilegiando a contemporaneidade durante as
primeiras edições, promoveu a descentralização artística, revelando curiosas
assimetrias culturais, numa temporária coexistência entre a tradição da
expressão regional própria da localidade e a novidade das formas artísticas
apresentadas.

Talvez influenciada pelo sucesso da I Bienal de Cerveira, a Secretaria de


Estado da Cultura organizou, em 1979, a Iª edição da Bienal Internacional de
Desenho, que veria abruptamente interrompido o seu percurso devido ao
incêndio do espaço da Galeria de Belém, em 1981. Apesar da iniciativa não ter
tido continuidade é importante salientar a passagem pelo espaço da galeria de
alguns trabalhos que ultrapassaram a fronteira do desenho e afirmaram uma
liberdade experimentalista tendo como suporte o papel e as suas
potencialidades.
A década de 70 deu continuidade a muitas das linguagens plásticas produzidas
por artistas das décadas anteriores mas, por outro lado, radicalizou soluções
dos anos 60 e lançou e consagrou uma série de autores que mostraram
opções plásticas bastante amadurecidas. Entre os artistas de continuidade,
alguns dos quais consolidam a sua presença na crítica e no mercado durante
este período, podemos referir Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo,
Mário Cesariny, António Sena, Álvaro Lapa, José de Guimarães e Eduardo
Batarda.

Na sequência de pesquisas de anos anteriores, nomeadamente na área da


poesia concreta, devemos referir a ecléctica obra de Ana Hatherly, com
passagens pelo desenho, pintura, "performance", "happening" (Rotura, 1977) e
cinema (filme Revolução, 1975). Veja-se a sua participação na Alternativa Zero,
com Poemad'entro.

No campo da pintura, Luísa Correia Pereira a trabalhar em aguarela, colagem


sobre papel e outros suportes e técnicas, elaborou uma obra marcada pela
representação espontânea e pelo colorido, com referências a lugares,
personagens e objectos de mundos imaginados e, mais recentemente, com
referências à sua própria infância. Vítor Pomar, cuja obra reivindica uma forte
influência do budismo Zen, utiliza na sua pintura uma estética bicolor, com
predomínio do preto e branco, mantendo-se no registo abstracto, mas
passando também pela fotografia, vídeo e cinema experimental.

Relativamente aos percursos individuais, à margem das disciplinas tradicionais,


cabe mencionar Alberto Carneiro que nestes anos inicia os seus "teatros-
ambientes" com obras tão significativas como Canavial: memória/metamorfose
de um corpo ausente (1968-1970), Uma floresta para os teus sonhos (1970) ou
Uma linha para os teus sentimentos estéticos (1970-71), para além das suas
propostas mais perto da land art como Operação Estética em Vilar do Paraíso
(1973). Também Helena Almeida parte para a exploração de outros media,
mormente a fotografia, onde a auto-representação e as noções de espaço e de
corpo performativo são referências constantes.
António Palolo estende as suas pesquisas às áreas do filme, vídeo e instalação
numa proximidade com as tendências neo-conceptuais, afastando-se da
pintura com referências pop e minimalistas do início da década. Também Julião
Sarmento passa a utilizar a fotografia e a realizar filmes, mantendo as
temáticas sexuais características do seu trabalho pictórico anterior.

Ainda numa linguagem conceptual encontramos o trabalho de Graça Pereira


Coutinho, emigrada em Londres, que utiliza materiais naturais (terra, palha,
areia, folhas, giz), métodos artesanais, impressões de mãos, palavras ilegíveis,
rabiscos e memórias de vivências pessoais para criar soluções entre escultura
e pintura. Numa outra vertente conceptual, mormente ao nível do questionar do
próprio conceito da obra de arte e seus mecanismos de recepção e divulgação,
temos o trabalho de Manuel Casimiro, também emigrado em França. Trata-se
de uma obra que remete para o acervo imagético da história da arte, dando
protagonismo a uma forma ovóide que vai ganhando importância durante a
década de 70.
Consciente de que os anos 70 são o período de conjugação de técnicas, José
Barrias, residente em Milão desde a década de 60, para além do seu trabalho
teórico, desenvolve diversos ciclos temáticos no campo das artes plásticas.
Nessa linha de investigação de mistura de géneros devemos considerar a obra
de Ana Vieira, designadamente as suas instalações-ambiente dos anos 70,
onde o espectador assume um papel fundamental quer pelo convite a participar
quer por ser impedido de entrar nos espaços criados pela autora.

Remetendo para o pós-minimalismo, refiram-se as obras de Fernando Calhau


e Zulmiro de Carvalho. Este último explora nas suas esculturas a plasticidade
de materiais como a madeira, o ferro ou a pedra. Enquanto isso, Fernando
Calhau adopta certos valores op(ticos) e desenvolve trabalhos mais próximos
do conceptualismo, através do uso da fotografia e do filme.

Também Pires Vieira apresenta um registo minimalista na sua pintura dos anos
70, desenvolvendo, no início da década, pesquisas em torno das cores puras e
passando depois a preocupar-se com questões relacionadas com
"desconstruções" da pintura, a sua decomposição em estruturas e processo de
elaboração. Destas operações resultam telas penduradas sem armação, com
formas geométricas padronizadas recortadas.

No que diz respeito às actividades de grupo, a década de 70, marcada pelo


ambiente de festa e utopia próprio do contexto socio-político, assiste a uma
série de projectos colectivos, alguns já referidos, e à formação de grupos de
artistas que partilhavam alguns objectivos artísticos e sociais, nomeadamente o
cruzamento das várias disciplinas (com reminiscências do Fluxus), a recusa de
academismos e a intervenção social e política. Neste contexto surge o grupo
Acre formado, em 1974, por Clara Menéres, Lima de Carvalho e Alfredo
Queiroz Ribeiro, com actividades como pintar o pavimento da Rua Augusta ou
a distribuição de diplomas de artista - ao jeito de Piero Manzoni - na Galeria
Opinião. Mais dedicado à pintura e à performance, o grupo Puzzle, com
actividade entre 1975 e 1980, optou por questões ligadas à função social da
arte e do artista.
LINK: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-
portuguesa/m/museu-calouste-gulbenkian/

Uma certa ideia de jardim https://gulbenkian.pt/noticias/uma-certa-


ideia-de-jardim/

O novo “arquivo digital” do Jardim Gulbenkian mostra uma seleção de


documentos relativa à génese e desenvolvimento do projeto do Jardim
Gulbenkian.

Conhecer o arquivo digital

Esta base de dados integra mais de 600 documentos, entre desenhos técnicos,
esquissos, atas de reuniões, fotografias, notas e apontamentos. A
documentação, pertencente ao Arquivo e Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste Gulbenkian e aos espólios pessoais de Gonçalo Ribeiro Telles e de
António Viana Barreto, abrange informação sobre este lugar desde o século
XVII até ao ano 2000. A médio prazo, será também possível consultar uma
versão inglesa dos textos curatoriais e ferramentas de busca, bem como mais
documentação, nomeadamente a referente às intervenções posteriores ao ano
2000.

No início dos anos 60, os arquitetos paisagistas Gonçalo Ribeiro Telles e


António Viana Barreto iniciaram o intenso trabalho de conceção do que viria a
ser o Parque Calouste Gulbenkian, inaugurado em 1965. Nenhum dos dois
imaginava a relevância que o seu trabalho viria a ter mais tarde. Os novos
ideais que o movimento moderno advogava inspiravam os arquitetos a assumir
um papel transformador na qualidade de vida das pessoas. Por outro lado,
assistia-se, segundo Ribeiro Telles, a um grande “drama” da intelectualidade
portuguesa sobre o que é um jardim.

Este projeto veio romper claramente com as práticas da época. Gerou uma
nova forma de desenhar o “jardim”, baseada numa geometria subtil, que
oferece espaços e ambiências em vez de eixos, e onde a geografia e a
vegetação celebram a paisagem portuguesa – de onde provém o verdadeiro
Jardim Português. A reprodução de códigos da ecologia da paisagem
portuguesa patente na escolha, combinação e localização das espécies
vegetais, o diálogo entre a orla e a clareira, a construção do espaço com a luz
mediterrânica e o copado das árvores, criam situações, “micropaisagens”, que
nos são familiares, não só a nós, humanos, como à fauna silvestre que atrai.
Esta forma de trabalhar o lugar a partir das regras da paisagem é uma
característica forte da escola de arquitetura paisagista portuguesa com raízes
na escola alemã, e que atinge neste jardim o auge da sua expressão.

Calouste Gulbenkian, o milionário discreto

Há quem lhe chame o “Ministério da Cultura” de Portugal. A Fundação


Calouste Gulbenkian, agora liderada por Isabel Mota, teve nos últimos 60 anos
um papel fundamental no desenvolvimento do conhecimento no país. Tudo
começou em 1957 com o sonho e a fortuna de um magnata do petróleo, de
origem arménia, que se refugiou em Lisboa, durante a II Guerra.
Calouste Gulbenkian, o milionário discreto
Arquivos Gulbenkian
Calouste Sarkis Gulbenkian, o magnata do petróleo de origem arménia, faleceu
aos 86 anos em Lisboa, no dia 20 de Julho de 1955. Tinha chegado 13 anos
antes, durante a II Grande Guerra. A vinda para Portugal era temporária. Seria
apenas uma curta estada. O destino final eram os Estados Unidos. Em Paris,
onde vivia e era conselheiro comercial da embaixada da Pérsia, a situação
complicou-se depois de as tropas de Hitler terem invadido França. Gulbenkian
chegou a Lisboa e instalou-se no pequeno, mas luxuoso Hotel Aviz, na Rua
Latino Coelho. O milionário gostou da cidade. Aqui conseguia passar
despercebido e ter uma vida discreta. Era assim que gostava de viver. "A coisa
mais preciosa que o dinheiro pode comprar é a privacidade", chegou a
escrever. O magnata era um filantropo e um amante das artes. Tinha uma
preciosa colecção, com mais de seis mil peças. Entre 1929 e 1930, comprou
várias obras ao Museu Ermitage, em São Petersburgo, na Rússia. Em Lisboa,
conheceu o advogado José de Azeredo Perdigão, uma figura que viria a ser
fundamental na constituição da Fundação.

Dois anos antes de morrer, o milionário refez o seu testamento. Instituiu como
legatários os seus dois filhos Nubar Sarkis Gulbenkian e Rita Gulbenkian, o
genro Kevork Loris Essayan, o neto Mikael Essayan, a sua secretária particular
Isabelle Riehl "pelos seus dedicados e valiosos serviços" e, por fim, o Hospital
de Yedi-Kule, em Istambul, terra onde nasceu, ao qual legou a sua propriedade
de Salamet Han, "com a obrigação expressa de [o hospital] continuar a cuidar
dos túmulos de seus pais e de mandar celebrar, por sua alma, as missas
habituais". Deixou também pensões vitalícias a vários familiares e a
empregados.
A sua vontade, expressa no testamento, era que o restante da sua fortuna
fosse para património de uma fundação internacional denominada "Fundação
Calouste Gulbenkian", sediada em Lisboa, com fins de "caridade, artísticos,
educativos e científicos", e onde pudesse acolher a sua colecção de arte, que
estava espalhada por vários países. Gulbenkian escolheu como executores
testamentários e "trustees" o seu advogado inglês de confiança, Lord Radcliff,
o advogado português José de Azeredo Perdigão e o genro, Kevork Loris
Essayan. E deixou um lamento: "O testador não inclui, desde já, seu filho entre
os seus executores testamentários, porque a sua conduta para com ele tem
sido, sob vários aspectos, verdadeiramente lamentável. Como pai, deplora
profundamente ser obrigado a manifestar uma tal reserva, tanto mais que
reconhece que ele, pela sua inteligência e conhecimento, poderia ser, se
quisesse, um elemento muito útil na execução do testamento."

Gulbenkian queria Lord Radcliff como presidente da Fundação. Mas o


advogado viria a renunciar ao cargo devido a divergências com o Governo
português no que diz respeito ao peso da actividade internacional da Fundação
e à composição maioritariamente portuguesa do conselho de administração,
uma exigência de Salazar. Radcliff temia que a Fundação não pudesse ser
independente num país que vivia debaixo de uma ditadura.

A Fundação Calouste Gulbenkian seria constituída no Decreto-lei n.º 40690 de


18 de Julho de 1956, onde constam os seus estatutos. No artigo 12.º do
capítulo IV pode ler-se que "enquanto existirem descendentes em linha recta
do fundador, um dos lugares no conselho de administração será, de
preferência, preenchido por um desses descendentes". Actualmente, o lugar
pertence ao bisneto do fundador, Martin Essayan. O edifício-sede da Fundação
foi inaugurado em 1969. Antes, as negociações entre os governos de Lisboa e
Paris para a saída da colecção de arte do milionário de França foram difíceis. A
colecção completa só chegou a Portugal em 1960.

Portugal a ler

No princípio dos anos 1950, mais de 40% da população portuguesa era


analfabeta. A grande aposta da Fundação Gulbenkian foi, por isso, na
formação da população. Começaram a ser atribuídas bolsas de estudo e houve
um estímulo à leitura, através das bibliotecas itinerantes, que chegaram a
milhares de pessoas. As carrinhas cinzentas Citröen, repletas de livros,
percorreram ao longo de 44 anos as estradas de norte a sul do país, levando
livros dos mais variados géneros a 1.800 localidades. Elas foram para muitas
pessoas a única possibilidade de terem acesso aos livros, em particular no
interior. Em 1962, existiam 47 bibliotecas itinerantes e o número de leitores
rondava os 300 mil. O projecto terminou em 2002.

Actualmente, a Fundação gere um orçamento anual que ronda os 100 milhões


de euros. E os activos de petróleo e gás pesam cerca de 20% nas receitas.
Recentemente, um grupo de personalidades escreveu uma carta aberta à
administração onde pedia "uma estratégia de saída dos seus activos
relacionados com combustíveis fósseis". Um desafio para a nova presidente
Isabel Mota. É a primeira mulher à frente da Fundação. No seu discurso de
tomada de posse, a 3 de Maio, disse que a instituição terá como principais
beneficiários "os mais vulneráveis" e que a Gulbenkian "tem de ousar trilhar
caminhos novos".

Durante 44 anos, as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian incentivaram os


portugueses à leitura. As carrinhas cinzentas Citröen percorriam as estradas de
norte a sul do país, do litoral ao interior. O presidente da fundação, José de
Azeredo Perdigão, foi apresentar o programa ao presidente do Conselho,
António de Oliveira Salazar, nos jardins da sua residência oficial, em São
Bento, em Agosto de 1958.
http://www.jornaldenegocios.pt/weekend/detalhe/calouste-gulbenkian-o-
milionario-discreto

https://books.google.pt/books?id=wNunCwAAQBAJ&pg=PA161&lpg=PA161&d
q=funda%C3%A7%C3%A3o+calouste+gulbenkian+e+o+seu+papel+educativo
+nos+anos+60&source=bl&ots=GESRMQ-
ZJm&sig=fjuXNp78A5bpEJ7UFP7I1veppv8&hl=pt-
PT&sa=X&ved=0ahUKEwi75vmT76_ZAhXMuhQKHYwPCawQ6AEIPTAE#v=o
nepage&q=funda%C3%A7%C3%A3o%20calouste%20gulbenkian%20e%20o%
20seu%20papel%20educativo%20nos%20anos%2060&f=false

Fundação Calouste Gulbenkian

O Ministério da Cultura que Portugal não tinha

«Pelo presente testamento é criada, nos termos da lei portuguesa, uma


Fundação, que deverá denominar-se «Fundação Calouste Gulbenkian». As
bases essenciais dessa Fundação são as seguintes:
a. é portuguesa, perpétua, a sua sede e em Lisboa, podendo ter, em qualquer
lugar do mundo civilizado, as dependências que forem julgadas necessárias;

b. os seus fins são de caridade, artísticos, educativos e científicos;

c. a sua acção exercer-se-á, não só em Portugal, mas também em qualquer


outro país onde os seus dirigentes o julguem conveniente;

d. será dirigida e administrada pelos «trustees» adiante designados e por


outras pessoas por eles escolhidas ou como for estabelecido nos respectivos
estatutos;

e. logo após a morte do testador, na hipótese de ele o não haver feito antes, os
executores testamentários e «trustees» redigirão, e farão aprovar
superiormente, os estatutos da mencionada Fundação, e praticarão todos os
actos necessários, quer a legislação da Fundação criada por este testamento,
ou a sua criação, caso se entenda que só pela aprovação dos estatutos ela
pode considerar-se criada, quer à sua instalação e funcionamento. (...)»

Extrato do testamento de Calouste Gulbenkian onde se refere á Fundação

«A Fundação Calouste Gulbenkian é uma instituição portuguesa de direito


privado e utilidade pública, cujos fins estatutários são a Arte, a Beneficência, a
Ciência e a Educação. Criada por disposição testamentária de Calouste Sarkis
Gulbenkian, os seus estatutos foram aprovados pelo Estado Português a 18 de
Julho de 1956.»

Calouste Sarkis Gulbenkian

«Em Abril de 1942, em plena II Guerra Mundial, Calouste Gulbenkian


encontrava-se em França, mas em Vichy integrado na delegação diplomática
Persa. A sua participação na Iraq Petroleum Company tinha sido
temporariamente confiscada pelos britânicos uma vez que, como residente
num país ocupado, Calouste era considerado tecnicamente “um inimigo” de
acordo com a lei. Apesar do facto de se tratar tecnicamente de uma decisão
legal e que depois da guerra a sua concessão lhe foi devolvida com
indemnização, a atitude do seu país adoptado continuou a causar-lhe
incómodo porque suspeitava que o Governo Britânico estava a ajudar os seus
sócios a retirar-lhe os 5%. Decide então emigrar para os Estados Unidos da
América. Como primeira etapa, a convite do embaixador de Portugal em
França, Calouste deslocou-se a Lisboa para uma pequena paragem de
repouso antes de prosseguir viagem para Nova Iorque. A pacatez social de
Lisboa, o sistema fiscal que encontrou, e a não interferência dos media terão
provavelmente pesado na sua decisão.

Em Lisboa sente-se bem acolhido - escreverá, depois, "que nunca havia


sentido em mais lado nenhum" uma hospitalidade como a que o rodeou em
Lisboa, uma cidade tranquila numa Europa devastada pela guerra.

O Hotel Aviz, em Lisboa, foi a sua casa durante 13 anos. Calouste Gulbenkian
deixou em testamento (18.06.1953) importantes legados aos seus filhos,
estabeleceu pensões vitalícias em favor de outros familiares e colaboradores
de longa data. No seu testamento estabeleceu a constituição de uma fundação
internacional, com o seu nome, que foi a herdeira do remanescente da sua
fortuna, com sede em Lisboa, presidida pelo seu advogado de confiança, Lord
Radcliffe. A este confiou a missão de agir em benefício de toda a
“humanidade”. Esta fundação deveria reflectir o que considerava as suas
maiores proezas: a sua colecção de obras de arte e o seu papel como
“arquitecto de empreendimentos”, concebendo estruturas para englobar e
reunir diferentes nações, grupos e interesses. A colecção de obras de arte
logrou ficar exposta num museu especialmente construído para esse efeito, na
sede da Fundação, o Museu Calouste Gulbenkian, mas divergências quanto ao
peso da actividade internacional da Fundação e à composição do seu
Conselho de Administração, designadamente a maioria de membros de
nacionalidade portuguesa e o receio da interferência do Governo, conduzem
Lord Radcliffe a renunciar, sendo a presidência da Fundação assumida por
José de Azeredo Perdigão. A Fundação Calouste Gulbenkian é uma das doze
maiores fundações do mundo.

Morreu em Lisboa, a 20 de Julho de 1955, com 86 anos.»

DN
Até 1942, Gulbenkian está em Vichy. O que o faz vir para Portugal?

Gulbenkian tinha um filho, Nubar, e uma filha, Rita. Nubar visitou várias vezes
Portugal e conheceu o Aviz, hotel encantador. Descreveu Portugal ao pai como
uma terra muito tranquila, onde não havia guerra e onde se pagavam poucos
impostos. Gulbenkian sentiu-se atraído e instalou-se até à morte no Aviz.

Em Portugal, Gulbenkian teve uma boa relação com Oliveira Salazar?

Achava que Salazar era um grande homem porque tinha mantido o País em
paz. E sabe-se que Salazar ficou tão feliz com a Fundação que até dizia sobre
Azeredo Perdigão "Pode ser de esquerda, mas é um patriota."

O advogado Azeredo Perdigão foi decisivo para a Fundação ficar em Portugal?

Foi muito hábil. Era muito inteligente e compreendeu que Gulben-kian tinha
uma maneira de se comportar que apreendeu muito bem. Que gostava de dizer
às pessoas qualquer coisa que desejaria fazer e desejava encontrar nas
pessoas razões para as fazer. E foi isso que cimentou uma grande amizade.
José de Azeredo Perdigão

«José de Azeredo Perdigão era um homem determinado - e que sabia ouvir as


pessoas. Sem a sua habilidade negocial, a cultura em Portugal seria bem
diferente. Soube transformar o testamento de Calouste Gulbenkian numa
instituição que é um farol do saber. Azeredo Perdigão percebeu a importância
da “realização da Fundação”, salienta o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles. A
sua visão fomentou uma geração inteira de artistas.

Em 1942 foi apresentado a Calouste Gulbenkian, filantropo e milionário de


origem arménia, que escolheu Portugal como refúgio durante a II Guerra
Mundial. José de Azeredo Perdigão impressionou Gulbenkian, homem exigente
e rigoroso. Foi contratado como assessor jurídico, com a tarefa de tratar de
assuntos relativos às transferências de fundos, assuntos fiscais e contratos da
aquisição de obras de arte.

Em 1948 Gulbenkian decidiu elaborar o seu testamento. Havia que dar rumo à
sua fabulosa colecção de arte. A confiança que depositava em Azeredo
Perdigão levou-o a partilhar os planos da criação de uma fundação que serviria
para albergar o seu espólio artístico. A capacidade de Perdigão para ouvir as
pessoas foi fundamental para esta base de confiança. Gulbenkian não gostava
de ser contrariado pelos seus colaboradores. Portugal como sede da futura
fundação era uma hipótese que ganhava consistência. Azeredo Perdigão
começou a negociar com o governo português as condições mais favoráveis.
Calouste Gulbenkian morreu em 1955, e a sua morte marcou o início de uma
luta entre Azeredo Perdigão e Cyril Radcliff, advogado inglês do magnata. O
que estava em jogo era a nacionalidade da Fundação. A batalha terminou com
a aprovação dos estatutos da Fundação Gulbenkian em 18 de Julho de 1956.
Azeredo Perdigão ganhou em toda a linha. O passo seguinte foi convencer
Salazar a não interferir na vida interna da instituição. A tarefa não foi difícil.
Apesar de Salazar não gostar das opiniões políticas do advogado, estava
convencido de que era um patriota.

José de Azeredo Perdigão foi nomeado presidente da Gulbenkian, cargo que


desempenhou durante cerca de 40 anos. Implementou programas de atribuição
de bolsas de estudo e de subsídios à criação artística, criou a Orquestra
Gulbenkian e as bibliotecas itinerantes, que levaram a literatura a todos os
pontos do País. O primeiro centro de arte moderna do País foi construído pela
Gulbenkian. Hoje tem o nome de José de Azeredo Perdigão.

O legado deste homem é muito importante. Deu a Portugal uma instituição ao


nível de qualquer outra relevante em Londres, Nova Iorque ou Paris. Como diz
Gonçalo Ribeiro Telles, José de Azeredo Perdigão “foi uma grande figura para
o desenvolvimento cultural do País”.»

CALOUSTE GULBENKIAN
Calouste Gulbenkian

Calouste Gulbenkian, um dos pioneiros do desenvolvimento petrolífero no


Médio Oriente, nasceu em 1869, em Istambul (Turquia), descendente de uma
abastada família de comerciantes arménios. estudou em Londres e aos 18
anos diplomou-se em Engenharia. Elaborou vários trabalhos sobre as
potencialidades da exploração do petróleo no Médio Oriente, sendo o primeiro
a impulsionar esta indústria no Golfo Pérsico, e serviu de ligação entre as
indústrias petrolíferas americanas e russas. Ajudou também a organizar a
Turkish Petroleum Co. - hoje, Iraq Petroleum Company.

Depois da Primeira Guerra Mundial, fixa residência em França. E, em 1928,


participa no acordo de divisão da velha Turkish Petroleum Company, o que lhe
valeria a alcunha de “o senhor cinco por cento”. Esse acordo consistia na
atribuição, a cada uma das companhias - BP, Shell Group, Companhia
Francesa de Petróleos e Standard Oil/Mobil Oil - de 23,75 por cento do
respectivo capital, cabendo a Calouste Gulbenkian os restantes cinco por
cento.

Aliando o dinheiro ao amor pela arte, Gulbenkian foi reunindo uma vasta
colecção de obras, valendo-se do seu estatuto diplomático para movimentar
livremente as peças que adquirira.

O “tactical enemy”

No início da Segunda Guerra Mundial, Gulbenkian está em Paris, como


conselheiro comercial da embaixada da Pérsia. Quando a França é invadida
pelas tropas do III Reich, o Governo francês, então chefiado pelo general
Pétain, muda-se para Vichy. Gulbenkian acompanha-o, ainda que “muito
contrariado”. Porém o facto não é visto com bons olhos pelo Governo inglês,
que o toma como um acto de reconhecimento do governo de Vichy, e passa a
considerá-lo um “tactical enemy”.

Gulbenkian sente isso como um insulto e intenta judicialmente contra o


Governo inglês, vindo a ganhar o processo. Todavia, as relações nunca mais
seriam as mesmas e o magnata do petróleo não concretizou a oferta da sua
colecção à National Gallery, em Londres, onde já estava prevista uma ala com
o seu nome.

“A vida em Vichy naquela ocasião não era fácil para um homem habituado a
viver na sua linda casa em Paris”, conta Azeredo perdigão. Entretanto, em
Vichy, Gulbenkian conhece o embaixador português Caeiro da Mata, e resolve
vir passar duas semanas a Portugal, país que não conhecia, mas que os seus
amigos lhe diziam satisfazer os seus desejos de sol e paz, tão próprios do povo
arménio.

Em vez de duas semanas, Gulbenkian acabaria por ficar 13 anos, fixando


residência no melhor hotel da capital, o Aviz (onde hoje fica situado o hotel
Sheraton). Ocupava a suite D. Filipa de Lencastre, “era boa pessoa e pagava
bem”, conta o seu criado de quarto, Adelino Sequeira. “Era de simpatias ou
antipatias, mas sempre muito exigente”, acrescenta.

Calouste Saris Gulbenkian esteve dez anos sem sair de Portugal e a única vez
que o fez foi numa visita a Paris. A sua vida na capital portuguesa era feita com
os amigos Caeiro da Mata, o conhecido médico Fernando Fonseca e Azeredo
Perdigão. Acompanhava-o também a sua secretária, Isabelle Riehl, a quem
viria a oferecer um palacete em Sintra, nos Seteais.

Não se dava bem, nem com a mulher - Nevarte Gulbenkian, que residia em
Paris e só veio uma vez a Portugal -, nem com o filho, Nubar Sarkis
Gulbenkian, que era considerado como um “playboy”. Mantinha, no entanto,
uma boa relação com a filha e o genro, Rita e Kevork Essayan, pais de Mikhael
Essayan, um dos actuais administradores da Fundação.

“Uma pessoa muito importante”

Como era voz corrente que estava uma pessoa muito rica em Lisboa, Calouste
Gulbenkian recebia inúmeras cartas com pedidos, “a que só não respondia se
entendia que tinham algum sentido político”.

Gostava de gatos - “tinha sete ou oito”, diz o seu criado de quarto, “quatro
siameses e quatro vadios”. Não tinha carro nem motorista particular. Andava
sempre de táxi “com o senhor Esteves”, um motorista de Sintra que vinha a
Lisboa sempre que Calouste Gulbenkian o chamava. Com o senhor Esteves e
muitas vezes com a sua secretária, ia passear para Monsanto, “levando
sempre um saquinho com pão para dar aos pássaros”.

Passado algum tempo de Gulbenkian ter chegado a Lisboa, Azeredo Perdigão


recebe um telefonema do hotel Aviz: dizem-lhe que falam da parte de “uma
pessoa muito importante” que desejava consultá-lo e lhe pedia para ir ao hotel.
“Diga a esse senhor, sem desrespeito, que por dever da deontologia
profissional os advogados não vão a casa dos clientes”, respondeu. Pouco
depois telefona-lhe Caeiro da Mata, dizendo que a pessoa em causa “poderia
ter um certo interesse para o país”. Azeredo Perdigão acede.

O advogado que Calouste Gulbenkian recebe é conhecido em Portugal como


“um jurista finíssimo”, famoso pelas suas causas célebres que defendeu, entre
as quais as dos Rotschild, interessados na compra do Banco Nacional
Ultramarino, que então entrara em crise; a falência da Torlades e os casos
Ricardo Covões e António Luís Gomes contra a Misericórdia do Porto. Bisneto
de um dos homens da batalha do Mindelo, que opôs miguelistas a liberais.,
Azeredo perdigão nasceu em Viseu, em 1896. Pensava cursar engenharia na
Bélgica, o que acabou por não acontecer por entretanto ter falecido o seu
padrinho que iria custear os estudos. Vem para Lisboa no ano da implantação
da República e faz o exame final de Direito em Coimbra.
Nunca entrou em conflito com Salazar, que o considerava um “vermelhusco” e,
mantinha relações de amizade com o Cardeal Cerejeira. Porém, o mesmo já
não se passava com Marcelo Caetano, devido a algumas rivalidades pessoais,
dizia-se. E enquanto Salazar, de forma surpreendente, aceitou logo a ideia de
uma Fundação como a Gulbenkian, Marcelo nunca viu com bons olhos o
projecto de uma instituição particular, independente da tutela do Estado.

Um cliente pouco interessante

Azeredo perdigão conhece então, Calouste Gulbenkian no Hotel Aviz. “O


cliente não me interessou muito, diz, tinha clientes tão bons ou melhores do
que ele, mas a sua personalidade, essa interessou-me muito”, acrescenta.
“Tinha a preocupação da legalidade”.

Enquanto seu advogado, Azeredo perdigão viria a redigir o testamento de


Calouste Gulbenkian em Junho de 1953. Nele, o testador legava a parte
remanescente dos seus bens a uma Fundação que teria o seu nome e
acolhesse a sua colecção de arte, espalhada por vários países. “As minhas
obras de arte - dizia em 1947, em carta a Lord Crawford, - “são os meus
amigos de toda a vida e julgo natural o sentimento de ansiedade que tenho
sobre o seu lar”.

Por testamento, criava assim “uma instituição particular, portuguesa e


perpétua, de fins caritativos, artísticos, educativos e científico”. Porquê em
Portugal? Devido ao ”valor da paz portuguesa” e “à estabilidade das
instituições que dão garantias aos instituidores”.

Nomeia seus executores testamentários Azeredo Perdigão, o genro Kerkov


Essayan e Lord Radcliffe, cabendo a este último assumir a presidência da
Fundação, por recusa do advogado português. “Isso significaria para mim um
grande prejuízo material”, explica Azeredo perdigão.

A opinião de Salazar
Quando Gulbenkian morre, em Julho de 1955, o seu filho Nubar constesta a
validade do testamento e a interpretação das suas cláusulas. Perdigão tenta
chegar a um acordo extrajudicial. Por duas vezes chegou a acordo com os
contestantes e por duas vezes estes o quebraram: “Ao outro dia as exigências
eram sempre outras”, recorda. À terceira tentativa, chama a secretária e diz-
lhe: “Acompanhe estes senhores, porque não tenho mais nada a tratar com
eles”. A questão é então submetida a tribunal. Ferrer Correia e José Dantas
Perdigão, filho de Azeredo Perdigão, patrocinam a acção. O tribunal pronuncia-
se a seu favor, o que possibilitou um acordo com o filho de Calouste
Gulbenkian, que pelo testamento de seu pai viria a receber de herança apenas
um milhão e meio de dólares, tal como a sua irmã Rita.

Entretanto Lord Radcliffe recusa a presidência da Fundação, por esta implicar a


sua mudança para Lisboa. Azeredo Perdigão vai então falar com Salazar e
pergunta-lhe que deverá convidar para o cargo. “Quem tem de ser presidente
da Fundação é o senhor; não tem alternativa”, responde-lhe o presidente do
Conselho.

Em Julho de 1956 é promulgado o decreto-lei que institui a Fundação. na


mesma altura, “perante a melhor sociedade lisboeta e na presença do senhor
ministro da Educação nacional”, segundo a Imprensa da época, é feita a
apresentação da Fundação Calouste Gulbenkian e do seu primeiro Conselho
de Administração -José de Azeredo Perdigão (presidente), Charles Kinshaw,
D. Domingos de Sousa Holsteinbeck (Duque de Palmela) e Pedro Teotónio
Pereira, embaixador português em Londres.

A vasta herança de Calouste Gulbenkian Chegou a Portugal em 1942, de


passagem, mas aqui ficou até morrer, em 1955. Trata-se de Calouste Sarkis
Gulbenkian, um filantropo de origem arménia que pelo amor à arte, à ciência, à
educação e às causas sociais deixou, há 50 anos, um precioso legado a
Portugal e ao mundo. 16.07.06PARTILHE 0 0 Calouste Sarkis Gulbenkian Foto
d.r. 0 0Quando Calouste Sarkis Gulbenkian saiu de Paris em Abril 1942 – onde
desde 1939 desempenhava o cargo de Cônsul do Irão – fugindo à turbulenta II
Guerra e fez escala em Lisboa, não sabia que o seu nome ficaria perpetuado
no tempo, nem que aquela escala seria até ao fim da vida. Amante das artes e
letras, da ciência e do belo, filantropo assumido, com uma impressionante
colecção de arte e detentor de uma vasta fortuna, Calouste Gulbenkian decidiu
deixar o seu vasto legado a Portugal (ver caixa). Uma ano após a sua morte, a
18 de Julho de 1956, nasceu aquela que é considerada a maior fundação
portuguesa e que agora comemora o seu 50.º aniversário. A FUNDAÇÃO TEM
DADO UM EXTRAORDINÁRIO CONTRIBUTO Desde o primeiro momento e
até 1993, José de Azeredo Perdigão presidiu a esta Instituição. Foi sucedido
por Ferrer Correia (até 1998), Sá Machado (1998/2002) e desde 2002 que Rui
Vilar preside o conselho de Administração. O actual presidente fala, com
orgulho, deste marco cultural: “A Fundação tem dado um extraordinário
contributo para o desenvolvimento da sociedade portuguesa em todas as áreas
da sua intervenção e raros terão sido os sectores onde não teve, directa ou
indirectamente, alguma influência” (ver caixa com entrevista). No longíquo
Verão de 1956, a 26 de Junho, assinou-se o contrato da compra do terreno.Os
estatutos da Instituição viriam a ser reconhecidos escassos dias depois, a 18
de Julho, e publicados em Decreto-Lei. A sede e o museu da Gulbenkian foram
imaginados por um trio de arquitectos: Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy
Athouguia e oficialmente inaugurados em 1969. Mais tarde, em 1983, foi
construído o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAM). Nestes
50 anos de vida, a Fundação tem desenvolvido um trabalho a nível nacional e
internacional apoiando sistematicamente todas as áreas sociais. Logo na
inauguração, o Museu Gulbenkian exibia ao público uma preciosa colecção de
arte de seis mil peças, legado do seu fundador. Calouste Gulbenkian
coleccionou obras de arte a vida toda e classificava-as, isto é, tinha notas e
apontamentos pessoais sobre cada uma das peças. Adquiria objectos de arte
aqui e ali, mas o ponto alto desta colecção aconteceu quando, entre 1929 e
1930, conseguiu comprar uma vasto leque de obras ao Museu do Ermitage, em
São Petersburgo, Rússia. ‘O GOSTO DO COLECCIONADOR’ Uma exposição
temporária intitulada ‘O Gosto do Coleccionador’ estará patente ao público,
entre 19 de Julho e 8 de Outubro, no Museu Calouste Gulbenkian, e ali o
espectador poderá apreciar o espólio deste filantropo, composto por obras de
numismática, escultura, pintura, desenho, tapeçaria e mobiliário, vidros, livros,
jóias, desenhos.... BOLSAS DE ESTUDO As Bolsas de estudo são um dos
maiores contributos directos desta instituição. Estes subsídios nasceram logo a
18 de Julho de 1956 e contemplaram milhares de portugueses. Bolsas de curta
ou longa duração, para cursos, mestrados, doutoramentos ou
aperfeiçoamentos. As primeiras foram atribuídas nesse mesmo ano e
usufruídas a partir de 1 de Janeiro de 1957. Logo em Janeiro de 1957, Narana
Coissoró tornou-se um dos primeiros bolseiros desta Instituição e foi assim que
conseguiu tirar uma pós-graduação em Direito Africano e um Ph.D (um
doutoramento) na Universidade de Londres. Esta bolsa prolongou-se até Março
de 1960. Mas há outros casos e outros tipos de bolsas e bolseiros que, ao
longo destes 50 anos, aperfeiçoaram técnicas e conhecimentos graças à
Gulbenkian. Entre eles destacam-se nomes como Barbosa de Melo (antigo
Presidente da Assembleia da República), Cavaco Silva (Presidente da
República) João Viera Mendes (dramaturgo), João Mário Grilo (realizador), Luís
Miguel Cintra (encenador), Graça Morais (pintora), Vasco Wellecamp (bailarino
e coreógrafo), João Paulo Santos (maestro e pianista), Pedro Magalhães
(Sociólogo/Politólogo. ‘ORQUESTRA GULBENKIAN' Em 2005, a Fundação
Calouste Gulbenkian disponibilizou uma verba de sete milhões de euros nestas
bolsas e cerca de 15 milhões de euros em subsídios nas áreas da música, da
dança, das artes, das letras e actividades beneméritas, ou seja, o ano passado,
foram dispensados 22 milhões de euros nestas actividades. Além das bolsas, a
Fundação empenhou-se, após o seu nascimento, em 1956, em causas nobres
como as bibliotecas itinerantes (ver caixa) que durante 44 anos permitiram
residentes de 1800 localidades portuguesas ler livros de todos os géneros e
adaptados a várias faixas etárias. Também a música foi um factor primordial:
em 1962, um grupo de 12 elementos integrava aquela que viria a ser
designada pela ‘Orquestra Gulbenkian’, um grupo aplaudido internacionalmente
e que se mantém hoje. NO ÂMBITO INTERNACIONAL E praticamente desde o
seu nascimento, a Gulbenkian criou um Serviço das Comunidades Arménias,
em homenagem ao seu fundador e que, entre outras actividades, visa apoiar as
carências do hospital St. Sauveur em Istambul, Turquia, a instituição mais
antiga do mundo arménio e na qual se encontra o mausoléu da família
Calouste Gulbenkian. Incentiva ainda a educação através da oferta de material
informático, por exemplo, as artes, e atribui bolsas de estudo a estudantes
arménios. A Fundação presta ajuda ainda no âmbito da educação, da ciência,
da arte e da tecnologia, quer no mundo arménio, quer em outros países,
nomeadamente em França e em Inglaterra onde tem sede própria. Em Paris, a
Calouste Gulbenkian está, inclusivamente, sediada num antigo palácio que
outrora serviu de residência ao seu fundador. “O Centre Culturel de Paris tem a
maior biblioteca portuguesa na Europa, fora de Portugal”, realça Rui Vilar. E
prossegue: “A Fundação tem apoiado os países lusófonos e o património
português espalhado pelo Mundo, além do incentivo à criação de centros de
investigação e ensino, em ligação com a defesa da língua e da cultura
portuguesas” AS ACTIVIDADES Além de um vasto tesouro artístico e da
proliferação de curiosas exposições temporárias que o Museu e o Centro de
Arte Moderna desta Fundação acolhem, a Gulbenkian é também conhecida
dentro das actividades culturais pelo seu leque de concertos de fim de tarde –
sobretudo de música clássica – pelo programa ‘Jazz em Agosto’ e, até 2005,
pelas perfomances do Ballet Gulbenkian que com grande polémica e divisão de
opiniões acabou por ser extinto. A Fundação organiza também periodicamente
ateliês e actividades dedicadas aos mais novos e tem à disposição do grande
público a Biblioteca de Arte – frequentada maioritariamente por estudantes
universitários – e a Biblioteca do Centro Cultural. No campo de Ciência e
seguindo os desejos do fundador, Azeredo Perdigão inaugurou, em 1961, o
Instituto Gulbenkian da Ciência, com sede em Oeiras. Ali, cientistas
portugueses têm oportunidade de desenvolver o seu trabalho em áreas vastas
distintas como a Imunologia, a Genética, a Epidemiologia Teórica, A Biologia
Molecular Vegetal, a Diferenciação Celular, entre variadíssimas outras. EM
APENAS DEZ ANOS A Fundação Calouste Gulbenkian vou reduzido para
metade o seu número de efectivos. Actualmente conta com 544 funcionários
espalhados pelos diversos pelouros. Além de terem um seguro de saúde e um
plano de pensões, os funcionários podem, através da associação de pessoal,
pôr os filhos e às vezes netos numa creche e infantário que fica nas
imediações da Fundação. Mas o incentivo mais importante prende-se com os
estudos, ou seja, os funcionários que decidirem continuar a estudar são
motivados a fazê-lo e recebem um acréscimo mensal no seu salário. Recorde-
se que a Fundação Calouste Gulbenkian nasceu em 1956, isto é, em 50 anos
de vida acompanhou, sem sofrer alterações nas suas missões, as mudanças
estruturais de Portugal: a crise social de Maio de 1968, o 25 de Abril, as crises
petrolíferas de 1973 e de 1979 e a adesão de Portugal em 1986 à então
designada Comunidade Económica Europeia. Perante esta realidade, é seguro
dizer que a Fundação que mudou Portugal continuará a fazer história nos
próximos 50 anos. BIBLIOTECAS ITINERANTES: UMA FORMA DE LEVAR AS
LETRAS AO PAÍS 44 ANOS NO PAÍS As primeiras bibliotecas itinerantes
nasceram em 1958 fruto de uma iniciativa da Gulbenkian. Começaram por ser
29 carrinhas a percorrer o País e levar as letras quinzenal ou mensalmente a
todos os cidadãos. Em poucos anos, aumentaram para 38 estas bibliotecas.
Serviam, até 2002, perto de 1800 localidades. CALOUSTE SARKIS
GULBENKIAN, UMA APIXONADO PELA ARTE, PELA CIÊNCIA E PELAS
CAUSAS SOCIAIS BIOGRAFIA DO FILANTROPO Calouste Sarkis Gulbenkian
nasceu a 23 de Março de 1869, em Scutari, Istambul, Turquia e era
descendente de uma ilustre família tradicional arménia. Tornou-se financeiro e
filantropo e estudou em Londres. Aliás, em 1902 naturalizou-se como cidadão
britânico. Dedicou-se à indústria petrolífera e, como era apaixonado pela arte,
durante mais de três décadas reuniu umas das maiores e mais famosas
colecções de arte particulares do mundo. Em 1939 foi nomeado Cônsul do Irão
em Paris, França. Mas em 1942 – face à II Guerra – faz escala em Lisboa de
onde deveria partir para Nova Iorque. No entanto, adoece, é tratado por
médicos portugueses e acaba por se instalar em Lisboa, primeiro no antigo
Hotel Avis e depois numa residência. Fica entre nós até morrer, aos 86 anos, a
20 de Julho de 1955. Entretanto, em Portugal oferece algumas obras de arte ao
Museu Nacional de Arte Antiga e cria uma Fundação com fins filantrópicos,
artísticos, educativos e culturais mas com uma condição: a Fundação deve
arrancar apenas após a sua morte. É à Fundação que deixa todos os seus
bens e rendimentos, onde se englobam além das obras de arte, as acções das
indústrias petrolíferas. E assim, um ano depois da morte deste homem, a 18 de
Julho de 1956, é inaugurada a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Em
Paris existe um Centro Cultural instalado num antigo palácio que outrora
pertenceu a Calouste Sarkis Gulbenkian. CRONOLOGIA DATAS ESPECIAIS
1955 - Morre, a 20 de Julho, Calouste Gulbenkian deixando instruções para
que seja edificada uma Fundação. 1956 - No dia 18 de Julho, os estatutos da
Fundação são aprovados através do Decreto-Lei 40/690. 1957 - No dia 1 de
Janeiro, as primeiras bolsas de estudo são usufruídas. 1958 - 29 bibliotecas
intinerantes começam a percorrer o País. 1961/62 - Criação do Instituto
Gulbenkian da Ciência e da Orquestra. 1965 - Nascimento do BalletGulbenkian
com projecção internacional. 1969 - Inauguração oficial da sede e do Museu,
em Lisboa. 1983 - Nasce o Centro de Arte Moderna José Azeredo Perdigão.
1993 - Azeredo Perdigão retira-se e é substituído primeiro por Ferrer Correia,
depois por Sá Machado (1998) e em 2002 por Rui Vilar. 2001 - O Serviço de
Bibliotecas e Apoio à Leitura e o ACARTE, Serviço de Animação, Criação
Artística e Educação pela Arte são extintos. 2005 - 40 anos depois do seu
nascimento, o Ballet Gulbenkian chega ao fim. EM DISCURSO DIRECTO RUI
VILAR, PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA FUNDAÇÃO
CALOUSTE GULBENKIAN FALA DESTA INSTITUIÇÃO Rui Vilar, antigo
ministro em 1974/75 e 78, é presidente do conselho de administração da
Fundação Calouste Gulbenkian desde 2002, cargo que acumula com o de vice-
presidente do European Foundation Centre (EFC). Numa curta entrevista à
Domingo falou abertamente sobre a importância desta Instituição na sociedade
portuguesa e também da projecção e parcerias internacionais desenvolvidas
entre a Gulbenkian e o resto do mundo. - Como caracteriza a Fundação
Calouste Gulbenkian? - A Fundação Calouste Gulbenkian é, desde 1956, um
exemplo de modernização e de abertura, sobretudo quando o regime político
da época encarava a cultura, a ciência e a educação com severas limitações.
Foi um agente pioneiro no progresso, na actualização e na inovação
tecnológica das práticas da saúde, na investigação científica e em todos os
domínios das artes e na promoção do livro e da leitura. A sua matriz essencial
continua a ser a de uma instituição independente do poder político e do poder
económico, regida por normas de qualidade e de rigor que resultam numa
prática de integridade que os cidadãos sentem e reconhecem quando com ela
contactam. E assim continuará a ser em todas as áreas, na arte, na ciência, na
educação e na saúde e desenvolvimento humano - Que alargamento está
previsto no âmbito do Serviço Internacional? - Ao longo destes 50 anos, a
Fundação interveio em 120 países, em todos os continentes, através da
concessão de subsídios ou de apoios. Em primeiro lugar, a Fundação está
presente na delegação do Reino Unido, em Londres, e em Paris através do seu
Centro Cultural. Ainda no exterior, a Fundação integra o Centro de Europeu de
Fundações, onde sou vice-presidente, e presido ao Comité ‘Europe in the
World’. Participamos também na ‘Network of European Foundation’, em
particular, nos assuntos ligados às migrações e vamos participar também na
iniciativa da União Europeia, prevista para 2008, de celebração do Ano do
Diálogo Intercultural. No entanto, considero que apesar de todas estas
relações, devemos caminhar para contactos cada vez mais multilaterais, em
nome da eficácia da nossa intervenção. Não faz qualquer sentido que o
combate às pandemias, por exemplo, se faça isoladamente ou apenas a partir
do relacionamento país a país. Num mundo globalizado, a tendência terá de
ser a de trabalharmos em rede, aumentando os parcerias internacionais. - Que
marca gostaria de deixar na Fundação? - Uma instituição suficientemente
flexível para estar apta à mudança e suficientemente inovadora para construir a
mudança.
Ler mais em: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/a-vasta-
heranca-de-calouste-gulbenkian

O Ballet Gulbenkian (1961-2005) foi a mais importante


companhia de dança portuguesa do século vinte.
Foi formada no início do ano de 1961, com o nome de Grupo Experimental de
Ballet - dependendo administrativamente do recém-criado Centro Português de
Bailado - e subsidiada pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). O seu
espectáculo inaugural teve lugar no teatro Rivoli, no Porto, no dia 11 de Maio
de 1961. Do seu elenco faziam parte os bailarinos Isabel Santa Rosa, Carlos
Trincheiras, Jorge Trincheiras, Bernardette Pessanha, Carlos Caldas, Albino
Morais, Isabel Ruth, Manuela Varela Cid e Maria Antonieta (posteriormente
conhecida por Antonieta Ribeiro). A bailarina Vera Ribeiro da Silva - irmã de
Wanda Ribeiro da Silva que fazia parte do grupo original mas acabou por não
participar na estreia e, logo depois, abandonar a direcção, de que também fazia
parte - participou como "colaboradora" nos primeiros espectáculos, dirigidos e
coreografados pelo inglês Norman Dixon que, para além de professor, foi o seu
primeiro director artístico.
Os seguintes foram, Walter Gore, um coreógrafo escocês, Milko Sparemblek,
um coreógrafo croata, Jorge Salavisa, professor e bailarino português, Iracity
Cardoso, uma bailarina e ensaiadora brasileira e o coreógrafo português Paulo
Ribeiro.[1]
O Ballet Gulbenkian (BG), mesmo depois de aniquilado, continuou a assumir-
se como um verdadeiro "património nacional" já que, desde a sua fundação,
sempre foi considerado a “companhia de dança portuguesa por excelência" do
século XX. Por ela passaram os melhores artistas nacionais (bailarinos e
coreógrafos) e muitos estrangeiros de nomeada. Nela se formaram algumas
gerações de artistas – sendo, por isso, lembrada também como uma espécie
de escola -, e o seu extenso reportório representa o que de melhor se criou em
Portugal, naquele longo período temporal.
O grupo da Fundação foi, inclusivamente, escolhido com alguma regularidade
para acompanhar comitivas oficiais em viagens protocolares ao estrangeiro e,
ao longo de 44 anos, foi para a maioria dos portugueses, na prática, a
companhia "estatal" ao representar simbolicamente o nosso país no exterior.
Ainda que de gestão privada e perfeitamente independente dos poderes
públicos. Mesmo assim, após a criação da CNB, em 1977, os sucessivos
presidentes da República Portuguesa continuaram a requisitar à FCG o seu
grupo de bailado para os acompanhar, como atractivo cultural, nas suas saídas
do País. Em casos pontuais a própria Fundação fez a sua companhia de dança
exibir-se perante ilustres convidados forasteiros de visita a Portugal,
designadamente Leopoldo Senghor, Presidente da República do Senegal, a 28
de Janeiro de 1975; o Presidente da República Federativa do Brasil, João
Baptista de Oliveira Figueiredo, a 1 de Fevereiro de 1981; a rainha Isabel II da
Grã-Bretanha, a 27 de Março de 1985 e, finalmente, os Príncipes de Gales
(Carlos e Diana), a 28 de Fevereiro de 1987.
O seu sucesso poderá medir-se, entre outras premissas, pelo seu extenso e
ecléctico reportório, que rivalizava com o das melhores e mais conceituadas
companhias de dança de todo o mundo [1]. O nível artístico e profissional do
BG, reconhecidamente como um dos mais elevados na dança contemporânea
europeia, nunca teve paralelo em Portugal, e o carisma e personalidade dos
seus artistas foram uma marca sempre presente nos seus espectáculos.
Durante a sua existência formou públicos e um número muito significativo de
profissionais, marcou percursos, renovou visões e, sobretudo, elevou a
vivência artística de um público muito limitado em opções e artisticamente
subnutrido. A qualidade das suas produções sempre foi uma mais-valia para
um grupo que fora das nossas fronteiras, elevava bem alto o nome do mecenas
Calouste Gulbenkian, da fundação com o seu nome e, acima de tudo, o de
Portugal.
Passados alguns anos sobre a extinção do emblemático BG e numa época em
que está a desaparecer do número dos vivos toda uma geração de artistas
pioneiros que trouxeram o necessário profissionalismo a uma arte que em
Portugal teimava em permanecer com contornos amadores, a sua memória
está carregada de saudade.
É curioso referir que apenas em 1995 se publicaram, pela primeira vez em
Portugal, uma série de biografias de artistas da dança portugueses – quase
todos ligados ao BG - numa obra comemorativa do Centro Nacional de Cultura:
“Portugal 45-95, Nas artes, nas letras e nas ideias” (CNC) da autoria de
António Laginha. Conhecendo o autor, em profundidade, a literatura da dança
portuguesa e tendo escrito sobre o Ballet Gulbenkian mais do que qualquer
outro jornalista ou académico português (ou, mesmo, estrangeiro), construiu a
partir da sua experiência como elemento do elenco da companhia da
Gulbenkian e de crítico de dança a obra "Memória da Saudade - Ballet
Gulbenkian (1961-2005)" [2] em que se fez uma leitura do percurso do BG
através de testemunhos de alguns dos seus mais expressivos protagonistas.
A criação do Ballet Gulbenkian ficou-se a dever à notória procura de melhoria
de profissionalismo, da parte de um grupo valorosos de artistas, bem como ao
estabelecimento de um espaço de trabalho que pudesse elevar o nível e o
estatuto artístico de um punhado de bailarinos oriundos dos poucos
agrupamentos e estúdios de dança em laboração em Portugal, no início da
década de 60 do século vinte.
Após algumas tentativas menos conseguidas, no final da década de 50 e início
da de 60, surge em Lisboa o embrião de uma companhia de dança, na
sequência de várias propostas de apoio feitas (mais ou menos oficialmente) à
jovem Fundação Gulbenkian, financiada com verbas com origem na fortuna do
multimilionário arménio Calouste Sarkis Gulbenkian. José de Azeredo Perdigão
e, sobretudo, a sua mulher Maria Madalena, foram os entusiastas de um novo
paradigma nas artes portuguesas em que a concretização de uma companhia
de dança, liberta de cânones tradicionais, não estava fora do contexto da nova
instituição e nem dos seus desejos e ambições culturais e artísticas. Em torno
de um ideal comum, bailarinos e "amantes" da arte de Terpsícore (familiares e
amigos, jornalistas que exerciam a crítica de dança e simples artistas
diletantes), partiram para um projecto algo arriscado mas estimulante, com a
direcção do inglês Norman Dixon e o inequívoco apoio da FCG. Um pequeno
grupo de nove valorosos bailarinos, saídos respectivamente de uma companhia
profissional, o “Verde-Gaio” (já numa fase de evidente declínio), do Círculo de
Iniciação Coreográfica de Margarida de Abreu, e do estúdio de Madame Ruth
(Asvin), serviram de base de apoio a um projecto que haveria de congregar
também uma componente pedagógica da qual sairiam mais alguns artistas
portugueses que, aos poucos, foram dando forma a uma companhia que se
estreou com o nome de Grupo Experimental de Ballet do Centro Português de
Bailado. Posteriormente foi chamada Grupo Gulbenkian de Bailado em 1965, e,
por último, em 1975, Ballet Gulbenkian.
O Centro Português de Bailado era uma pequena associação da qual faziam
parte figuras ligadas à dança e às artes, com origens e percursos muito
diversificados, numa época em que alguns críticos (nomeadamente José
Sasportes e Tomaz Ribas) apontavam novos caminhos para a dança
portuguesa. Nessa altura foi, mesmo, publicado um livro com propósitos
idênticos pelo jurista Luís Carvalho e Oliveira, ligado ao centro, intitulado
Problemas do Ballet em Portugal, 1962). Num período em que circulavam no
país duas revistas da especialidade – embora para um público muito reduzido –
, tanto uma como outra, para além dos jornais em circulação, faziam uma
publicidade relativamente expressiva às companhias estrangeiras visitantes. As
quais, aliás, obtinham muito sucesso junto do público e da crítica. Assim como
os filmes de dança que, então, estavam muito na moda. Também o surgimento
e difusão da rede de televisão viria a contribuir, em Portugal, para uma certa
divulgação dos poucos artistas e da nossa dança.
Foi num cenário complexo mas estimulante e (até) algo propício, com a criação
da poderosa Fundação Gulbenkian, que nasceu a mais conhecida - e de maior
longevidade - companhia portuguesa de dança.
Note-se que o "Verde-Gaio", oficialmente, funcionou 43 anos (entre 1940 e
1983), embora com diversas descontinuidades, e o BG apenas um ano mais
(entre 1961 e 2005), mas, ao contrário da sua congénere, sempre em
laboração contínua e com resultados, naturalmente, muito diversos.
O primeiro período da companhia, sob a direcção de Norman Dixon, configurou
uma fase de muito trabalho – por vezes algo caótico - e sedimentação, junto do
público e da crítica. Sempre com o precioso patrocínio e a apertada vigilância
de Madalena Perdigão, antes, mesmo, das suas primeiras apresentações
públicas. Quando o grupo é oficialmente "absorvido" pela FCG e a sua
administração passa directamente para as mãos do Serviço de Música,
dirigido, desde a primeira hora pela Senhora Azeredo Perdigão, esta convida
Walter Gore para a sua direcção e muda-lhe, em Outubro de 1965, o nome
para Grupo Gulbenkian de Bailado. O “Sr. Gore”, foi o director que,
definitivamente, chamou a si a imagem do grupo através das suas coreografias
e exerceu uma forte actividade pedagógica junto da reduzida "comunidade da
dança" portuguesa a vários níveis, designadamente o artístico e o técnico. Com
o director seguinte, Milko Sparemblek, que assumiu a direcção em 1970, a
companhia vira-se definitivamente para o exterior até que o "25 de Abril" veio
interromper um ciclo de grande vitalidade e projecção do agrupamento. A saída
de Madalena Perdigão da FCG deixa o grupo numa situação peculiar a nível
artístico e de gestão, embora a companhia já tivesse passado por alguns
períodos sem director fixo, intitulados pelos estudiosos e jornalistas de
“interregnos”. Sobretudo nesses intervalos falou-se, muitas vezes, que a
Fundação podia deixar cair o seu grupo de bailado mas, apesar de todas as
ameaças (mais ou menos veladas designadamente a seguir à "revolução dos
cravos") tal nunca aconteceu. Em 77 o grupo acabaria por transitar para as
mãos de Jorge Salavisa, que durante quase duas décadas dirigiu o BG e lhe
imprimiu uma dinâmica e um perfil próprios, fortemente apoiado pelos Serviço
de Música e administração da FCG, nas pessoas, respectivamente de Carlos
Pontes Leça e José Blanco. A sucessora de Salavisa, a brasileira Iracity
Cardoso, não teve uma passagem muito convincente artisticamente nem
auspiciosa, do ponto de vista humano, e Paulo Ribeiro, por vontade da FCG,
funcionou como um director “a prazo” até à ruidosa e muito contestada extinção
do grupo, no Verão “quente” de 2005.
A história do BG deve, pois, ser balizada entre 1961 e 2005, abarcando um
período de 44 anos e não de 40 como, erradamente, se tem vindo a considerar,
por injunção dos próprios escribas funcionários do Serviço de Música.
Mesmo após a criação da Companhia Nacional de Bailado, em Outubro de
1977 – que teve em Armando Jorge, saído do BG, o seu director mais
duradouro – foi o grupo da Gulbenkian que assegurou uma presença regular e
constante da dança nos palcos do continente e ilhas e se internacionalizou com
o talento coreográfico e a visão artística de Milko Sparemblek. Na sequência de
um período "pós-revolucionário", o grupo veio a estabilizar com o português
Jorge Salavisa. Os 44 anos de vida do BG provam que o trabalho de base –
embora sempre passível de questionamento a nível de metodologia e de
opções coreográficas – acabou por ter continuidade e que, mesmo nascido de
um modo pouco usual para os padrões da época no nosso País, os nove
bailarinos que estiveram na sua base provaram bem o seu empenhamento e
consistentes capacidades artísticas.
Foi recorrente, durante quase meio século, tanto os breves escritos sobre o BG
como as resenhas históricas da companhia, começarem com a seguinte ideia
da autoria de José Sasportes:“improvisou-se o Grupo Experimental de Bailado,
posteriormente chamado Grupo Gulbenkian de Bailado" (Sasportes, 1970, p.
279).
Ou com essa mesma ideia, ainda que expressa de outras formas. O referido
escritor – que esteve na primeira direcção do Centro Português de Bailado e foi
autor de uma história da dança portuguesa que terminou em 1969 – também
acrescentaria que "dificuldades várias levaram o curso (especial de
aperfeiçoamento para bailarinos) a transformar-se, de forma absurda, no
pequeno Grupo Experimental de Ballet" (Sasportes, 1970, p.297). Porém estas
duas afirmações, como se pode verificar, não só contêm uma ideia pouco
rigorosa, como distorcida, da realidade. A FCG, através de Madalena Perdigão
– e com a anuência, desde logo, do seu marido, então Presidente do Conselho
de Administração – esteve sempre consciente da paisagem terpsicórica
portuguesa e dos seus protagonistas. E também muito vigilante em relação a
um pequeno grupo que patrocinou e subsidiou desde o primeiro minuto. O GEB
começou por ser uma estrutura que não estando sob a alçada directa da
instituição durante os primeiros quatro anos, não foi deixada ao acaso pela
Senhora Perdigão. Antes pelo contrário. E o seu (muito positivo) percurso
técnico e artístico que evoluiu e conquistou um lugar de destaque e com
alguma solidez no país, levou a FCG, em 1965, a assumir a gestão artístico-
financeira de um conjunto coreográfico que, então, foi colocado no mesmo pé
de igualdade da Orquestra Gulbenkian. A divulgada ideia de que os primeiros
anos do BG – durante os quais se criou uma obra de inquestionável qualidade,
Homenagem a Florbela, que ainda hoje pode ser apreciada – foram alheios à
tutela da FCG, deve-se, em parte, aos escritos de Carlos Pontes Leça, director
adjunto do Serviço de Música da FCG nas últimas duas décadas de existência
do BG. O mesmo apelidou, eufemisticamente, os anos que abrangem o
período entre Maio de 1961 a Setembro de 1965 (data de mudança de nome
para GGB) – de "pré-história do BG". Na verdade, como pudemos verificar, o
GEB foi um empreendimento concertado, em que se juntaram muitas pessoas
ligadas à dança lisboeta – ainda nem havia no Porto um pequeno foco
personalizado pelo professor Pirmin Trecu (1930-2006) antigo bailarino do
Royal Ballet, radicado no Norte de Portugal a partir de 1961 –, entre as quais
alguns dos melhores bailarinos da época. Entre eles encontrava-se, mesmo,
aquela que haveria de se tornar na bailarina portuguesa de maior prestígio e
cuja carreira apresenta uma consistência de mais de três décadas, Isabel
Santa Rosa, a par de jovens artistas com grande potencial como foi o caso do
seu futuro marido, o coreógrafo Carlos Trincheiras – que se veio a revelar um
dos maiores criadores portugueses do século XX – e o irmão mais novo deste,
Jorge Trincheiras, que haveria de ter uma carreira internacional em
companhias como os Ballets do Século XX, de Maurice Béjart, e o Ballet da
Ópera de Chicago, de Ruth Page. Se aos alunos pouco experientes, que
acabaram por mais tarde se juntar ao elenco do grupo, eram oferecidas pela
Fundação bolsas de estudo para financiar as suas actividades, os artistas
profissionais eram pagos como em qualquer outra companhia.
Designadamente Isabel Santa Rosa que abdicou de um lugar de primeira
bailarina do “Verde-Gaio” para ganhar um salário mais modesto no recém-
formado grupo, por genuíno empenhamento na construção de um projecto que
muitos abraçaram sem grandes questionamentos.
Por outro lado, através de alguns factos apontados, verifica-se que, desde logo,
a FCG coagia, ainda que indirectamente, a direcção do grupo a apresentar
boas contas e resultados positivos. O que facilmente se prova pelas várias
visitas à sede, pelos contactos que mantinha na direcção e até pelas “cartas de
desvinculamento” de artistas, assinadas por Azeredo Perdigão.
Designadamente uma, em meados de 1961, destinada a uma colaboradora do
grupo (Vera Ribeiro da Silva) poucos meses após a estreia do GEB, e outra,
em Novembro de 1963, com o fim de afastar oficialmente o coreógrafo e
professor Norman Dixon, sumariamente despedido da companhia por decisão
da directora do Serviço de Música, Madalena Perdigão. Deveremos, pois, ler a
história “oficial” do BG com algumas reservas pois foi escrita e habilmente
publicitada – em edições próprias e na comunicação social – por funcionários
da própria Fundação, pagos para defender pontos de vista, estratégias
artísticas e políticas, que, naturalmente, tivessem em conta os “interesses da
casa". E, muitos estão plenamente convencidos que foi muito mais nos
gabinetes do SM que se lançaram os dados relativamente aos destinos do BG
que na mesa de trabalho de alguns dos directores. Os mais fracos, como Paulo
Ribeiro que o admitiu em público, foram completamente “manietados” pelo
Serviço de Música – leia-se, primeiro por Madalena Perdigão e depois por
Pontes Leça – ou mesmo por outras pessoas ligadas àquele departamento ou
à Administração –, tendo a FCG utilizado a sua imagem, em muitas situações,
como a “parte visível do icebergue”. Os indivíduos que, verdadeiramente,
conduziram os destinos da companhia (com assinalável recato, acrescente-se),
não sendo dados a assumir em público o seu poder – por razões que não foi
possível confirmar - acabaram por utilizar alguns directores artísticos do BG
como uma espécie de “agentes de transmissão” e até como figuras mais ou
menos “decorativas”, quando isso servia os seus interesses e objectivos.
Outro factor importante relativamente à vida do BG, e cuja importância nunca
foi estudada, prende-se com o facto de a sua génese estar associada a um
nome de grande prestígio no círculo maçónico, João Ribeiro da Silva, e que,
muito possivelmente terá sido apoiado por outros elementos ligados ao Grande
Oriente Lusitano – o seu vínculo directo - ou a outra qualquer "loja" portuguesa.
Este tipo de informações é (particularmente) exíguo por razões que se
prendem com o exemplar secretismo imposto aos irmãos maçãos. Porém, tudo
leva a crer que, ainda numa fase inicial da vida do grupo, tivessem havido
"interesses" mais ou menos dissimulados e nunca perceptíveis aos olhos do
público e, nem mesmo, dos artistas. Parece, pois, que existe um período que
se estende por quase duas décadas – em que Madalena Perdigão reinou "forte
e segura" no Serviço de Música e, naturalmente, no BG – sobre as quais será
difícil obter dados seguros que associem a gestão da companhia a "valores" ou
"directivas" com origem na supra citada organização.
Já no que toca à fase que sucedeu à revolução do 25 de Abril de 1974, e que
corresponde a um segundo fôlego da companhia, depois dos cinco anos com
Milko Sparemblek na direcção, parece ter-se proporcionado a aplicação de
uma certa filosofia e até, mesmo, seguido orientações a nível de gestão que
podem indiciar influências e até o forte poder, quase sempre oculto, de uma
outra estrutura mais moderna, a Opus Dei. O que não seria de estranhar pois
muitos funcionários superiores da FCG pertenciam (discretamente) àquela
instituição, sendo que um deles, até nem podia esconder convincentemente
essa sua filiação por viver num lar da Obra de Deus, situado nas imediações da
FCG. O clima de secretismo que tem acompanhado as duas organizações,
durante tantos anos, criou em muita gente uma natural relação de
desconfiança, se bem que, na Fundação, e mais precisamente no BG, os bons
resultados artísticos nunca tivessem sido negligenciados. Muito pelo contrário.
Independentemente destas considerações, o BG atravessou o meio século
mais importante e produtivo da dança portuguesa de todos os tempos, até ser
dissolvido por razões muito pouco claras e nunca devidamente esclarecidas.
Com ele morreu a companhia portuguesa de bailado de maior prestígio
nacional e internacional e que deixou um espólio notável a nível de acervo
coreográfico – e também musical e plástico – cuja qualidade foi sucessiva e
regularmente atestada pelas críticas em Portugal e fora do país. Pode-se
afirmar que apesar de alguns directores como Dixon e Gore terem investido
numa coreografia marcadamente estrangeira – estes ao “estilo inglês” - e
Sparemblek (com obras de influência marcadamente francesa e norte-
americana no reportório) ter tentado equilibrar com criações nacionais, foi
Salavisa quem encomendou um número maior de obras a coreógrafos
portugueses do que a estrangeiros, verificando-se, num total de 425 peças, 219
criadas por artistas nacionais, em paralelo com 203 da autoria de estrangeiros.
Entre os coreógrafos mais representativos da companhia contam-se os
portugueses, Águeda Sena, Carlos Trincheiras, Vasco Wellenkamp, Armando
Jorge, Olga Roriz, Rui Horta e Paulo Ribeiro.
Bem como bailarinos nacionais de gabarito - como os já referidos Isabel Santa
Rosa, Carlos Trincheiras, Armando Jorge, Jorge Trincheiras e Carlos Caldas -
e, Graça Barroso, Isabel Queiroz, Carlos Fernandes, Marta Ataíde, Miguel
Lyzarro, Maria José Branco, Benvindo Fonseca, Elisa Ferreira, Paula Pinto,
Luís Damas, Francisco Rousseau, Rui Pinto e José Grave, entre muitos outros,
e estrangeiros como Paula Hinton, Ger Thomas, Margery Lambert, Johanne
O’Hara, Patrick Hurde, Gagik Ismailian e Barbara Griggi, que deram corpo a
grandes criações de coreógrafose estrangeiros de linhagem como Norman
Dixon, Walter Gore, Milko Sparemblek, John Butler, Lar Lubovitch, Louis Falco,
Christopher Bruce, Hans van Manen, Jiri Kylian e Mauro Bigonzetti, entre
muitos outros.
A peça mais dançada durante a existência do grupo foi, sem margem para
dúvidas, o glorioso e muito aplaudido Messias, do norte-americano Lar
Lubovitch. Esta obra foi interpretada 140 vezes enquanto o seu “negativo” do
mesmo criador, Wirligogs, aparece na sétima posição. Em segundo e terceiro
lugares, surgem, respectivamente, Treze gestos de um corpo (mús. de António
Emiliano), de Olga Roriz, e Danças para uma guitarra (mús. de Carlos
Paredes), de Vasco Wellemkamp. Estas são as duas únicas peças
portuguesas no “top ten” dos bailados mais exibidos pela companhia. Para
além dos dois creditados a Lubovicht surgem, por ordem decrescente, um par
de bailados do holandês Hans van Manen (Canções sem palavras e Cinco
tangos, esta em oitavo lugar), Cantata, do italiano Mauro Bigonzetti, Sinfonia
em Ré, do checo Jiry Kylian, Jardim cerrado, do espanhol Nacho Duato e, em
décimo lugar, Hero do norte-americano Louis Falco. Só em décimo primeiro
lugar volta uma dança de autoria portuguesa, um remake do Prelúdio à sesta
de um fauno, de Nijinskly-Debussy, assinado por Vasco Wellemkamp.
Em resumo, o BG foi, inquestionavelmente, a companhia portuguesa de maior
projecção nacional tendo realizado 2051 espectáculos ao longo dos seus 44
anos de existência. Pelos registos jornalísticos – notícias e críticas – o seu
sucesso foi bastante acentuado quer junto do público quer da crítica nacional e
internacional. Pelo número de países visitados, mais de duas dezenas, o BG foi
a companhia portuguesa por excelência na promoção das nossas artes.
No nosso país o grupo apresentou-se maioritariamente na sua “casa” - o
Grande Auditório da Fundação Gulbenkian – tendo aí realizado 881
espectáculos ao longo da sua existência. Os palcos que mais visitou, tratando-
se de espectáculos inseridos em digressões nacionais, foram, por ordem
decrescente, o do Teatro Baltazar Dias, no Funchal (Madeira), o do Gil Vicente
(Coimbra) e o do Rivoli (Porto), com 59, 54 e 53 exibições, respectivamente.
De seguida aparecem dois teatros de Lisboa (o Tivoli, com 43 espectáculos e o
Politeama, com 42), justamente antes da companhia possuir o seu próprio local
de trabalho. De seguida, Leiria, Évora e Faro foram as cidades mais visitadas
em Portugal, respectivamente com 40, 33 e 29 apresentações. Em décimo
lugar, curiosamente, encontra-se o Grande Auditório do Europarque, em Santa
Maria da Feira, um palco moderno que começou a desenvolver uma
programação regular a partir do ano de 1998. No estrangeiro o BG deslocou-se
a 21 países em quatro continentes, com predominância na Europa. Para
algumas dessas viagens ao exterior e para certos projectos que a Fundação
privilegiou nunca faltaram as necessárias verbas. Houve mesmo casos, como
foi a (luxuosa) montagem de O quebra-nozes, em 1970, da autoria de Anton
Dolin (1904-1983), segundo o original de Lev Ivanov (1834-1901), em que, por
ordem de Madalena Perdigão, se “gastou tudo o que foi necessário para que
Lisboa pudesse assistir a uma obra muito acarinhada do reportório bailado
clássico ao mais alto nível” (nas palavras da ballerina Isabel santa Rosa), na
senda de um certo “espirito “diaghileviano”, mas dançado e produzido por
portugueses, ainda que supervisionado por um estrangeiro do mais alto
gabarito. A lista de convidados da FCG, no que concerne a bailarinos-estrela e,
sobretudo, a coreógrafos famosos foi impressionante e facilmente se percebe
que a herança do Sr. Gulbenkian foi bem utilizada para realçar a qualidade e o
empenho da Fundação na criação de uma instituição feita por portugueses e
para portugueses, ao construir um reportório ecuménico, variado e notável, que
se constituía como um desafio quotidiano para os artistas que integravam a tão
simbólica companhia. Se nos últimos anos os quadros superiores da FCG
começaram a ver a sua companhia de dança como um pesado fardo (a nível
financeiro, naturalmente) o certo é que nunca, em tempo algum, deixou de ser
o mais eficaz instrumento promocional da instituição dentro e, sobretudo, fora
das nossas fronteiras.

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