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Literatura cabo-verdiana e afirmação da cultura cabo-verdiana

Literatura cabo-verdiana e afirmação da cultura cabo-verdiana: o papel dos escritores cabo-verdianos


na construção da identidade cabo-verdiana

A afirmação da identidade cultural cabo-verdiana está intimamente ligada à sua história literária. A
literatura serviu como base de afirmação, arma de combate e realização simbólica da cabo-
verdianidade, em diferentes momentos de afirmação. A identidade crioula construiu-se e veiculou-se
pela literatura. Os escritores cabo-verdianos utilizaram os textos literários para transmitirem aos seus
irmãos e aos estrangeiros a sua ideia de identidade cultural e nacional.

Segundo Brito Semedo, o processo da construção da identidade cabo-verdiana está associado às


características sociais e políticas diferentes, e divide-se em três fases distintas: 1ª) Fase do sentimento
nativista, que vai desde 1856 a 1932; 2ª) Fase da consciência regionalista, de 1932 a 1958; 3ª) Fase da
afirmação nacionalista, desde 1958 até 1975.

1º) Fase do sentimento nativista (1856 a 1932)

O termo nativismo é entendido como movimento de luta a favor dos interesses e manifestações
culturais por parte dos povos colonizados e da defesa da sua terra de origem.

O Nativismo e a geração da elite cabo-verdiana que o representa, defende os direitos dos filhos da
terra, alegando a autonomia do arquipélago. Apelando à união dos ditos filhos da terra, o objectivo
principal consiste na luta pela igualdade em relação aos da metrópole, de modo a serem reconhecidos
e considerados como portugueses plenos, sem contudo abrirem mão da Matria (África). A valorização
do espaço geográfico e humano das ilhas e da sua cultura, também foi outro aspecto defendido pelos
nativistas.

A defesa da cultura nacional, e, consequentemente, da identidade cabo-verdiana e o desejo de que o


arquipélago de Cabo Verde fosse reconhecido como uma região portuguesa, reivindicando a cidadania
portuguesa para os nativos do arquipélago, marcou o pensamento dos Nativistas. Através de
publicações literárias, evidenciaram a sua ideia de identidade, que se manifestava num duplo sentido:
defendiam Cabo Verde com as suas especificidades e ao mesmo tempo identificavam-se como
portugueses. Assumiram, portanto, uma dupla identidade: cabo-verdianos e portugueses, em
simultâneo. Por causa dessa dualidade, ficaram conhecidos como “a geração dos portugueses de lei e
cabo-verdianos de alma”.

Apesar dessa identificação com a pátria portuguesa, os nativistas tentaram evidenciar uma identidade
crioula através de mitos que explicavam a origem de Cabo Verde. Assim, destaca-se o mito hesperitano
ou arsinário, que constituiu uma fantasia imaginária de alguns intelectuais cabo-verdianos numa
tentativa de defender uma identidade para Cabo Verde, ou seja, uma identidade distinta, específica e
singular em relação à Pátria-Portugal.

Nota: o sentimento nativista é também designado de crioulidade, definida como a coexistência


de características patrióticas a dois territórios, a duas sociedades, a duas culturas.

Pátria do meu coração, Portugal! Pátria caríssima!


Onde a luz primeira vi, A ti, pois, as minhas trovas,

Seja o meu canto por ti Sentidas e ardentes provas

Na hora triste da Saudade De filial afeição!

………………………………. Salvé, pois, Pátria Lendária

Terra amada dos meus Paes, A que voto amor profundo!

A terra dos meus encantos Tu és, das nações do mundo,

E terra de todos quantos A mais ilustre nação!…

Te amam do coração. José Lopes (1933)

António Corsino Lopes (1911)

Das vastas extensões assim submersas Nome mudado em Caboverdeanas

Então ficaram essas nossas ilhas Desde que as lusas velas legendárias,

E as outras suas célebres irmãs, Zombando das procelas, dos perigos,

Como elas, pelo Atlântico dispersas. Davam o nome Verde ao mesmo cabo

As Hespérides, de Héspero e as três filhas. Que assim perdia o que lhe déra Strabo.

Por essa mesma tradição, ………………………………………….


Deram o nome às nossas, como razão É esta, pois, Irmãos Caboverdeanos!

Chamadas, pois, Ilhas Hesperitanas. A história original da nossa terra,

Também de denominam Arsinárias Que esse segredo do Passado encerra…

Pelo cabo Arsinário dos Antigos, José Lopes, 1933

Resumo:

Principais ideias:

Igualdade de direitos entre os filhos da terra e os cidadãos metropolitanos;

Reconhecimento da cidadania portuguesa à todos os cabo-verdianos;

Ideia de uma dupla filiação identitária (“portugueses de lei e cabo-verdianos de alma”);

Autonomia do arquipélago de Cabo Verde;

Valorização da língua, das especificidades geográficas e históricas de Cavo Verde, face à metrópole.

Escritores representantes:

Eugénio Tavares; José Lopes, Pedro Cardoso, Luís Loff de Vasconcellos, etc.

Críticas e contributos:

Com os nativistas houve um despertar da consciência identitária, mas uma noção de identidade ainda
ambígua, confusa e sem maturação. Tiveram uma ideia equivocada (isto é, enganaram-se), ao se
considerarem portugueses e cabo-verdianos ao mesmo tempo e defenderem a igualdade entre os
naturais das ilhas e os portugueses. Não perceberam que no sistema colonial, não há relação de
igualdade entre o colonizador e o colonizado. Além disso, não tiveram noção da diferença existente
entre Cabo Verde e Portugal e por falta dessa diferenciação (importante para construir a ideia de
identidade) não tiveram consciência clara da sua identidade. Enfim, caíram numa grande contradição.

2ª) Fase da consciência regionalista (1932 a 1958)


A partir dos anos trinta do século XX, surge uma nova geração de intelectuais, que ficou conhecida pela
geração dos Claridosos, por terem fundado a revista Claridade em 1936, no Mindelo em São Vicente.
O grupo era constituído por Baltazar Lopes da Silva, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, entre outros.

Os Claridosos da década de trinta e quarenta fincam os pés na terra cabo-verdiana e revelam o estado
de abandono a que as ilhas estavam votadas. Esse fincar dos pés na terra é feito com base na
valorização da terra-mãe, do povo das ilhas e da sua cultura. As temáticas desses intelectuais
repercutiam as angústias do povo cabo-verdiano, principalmente as longas secas, subsequentes
fomes, mortes e extrema miséria que assolavam o arquipélago. Isso incitou a nova geração a defender
esse povo, com o pressuposto de afirmar a identidade cabo-verdiana e, por consequência, a sua
autonomia.

Os Claridosos, apesar de defenderem as particularidades do arquipélago de Cabo Verde,


consideravam-no como uma região de Portugal como Minho ou Algarve e defendiam o predomínio de
elementos culturais europeus na formação do povo cabo-verdiano. Por conseguinte, acabaram por
elaborar uma noção de identidade, que se configurava e coexistia com a identificação do Estado
nacional português, e difundia a ideologia assimilacionista e regionalista.

Essa ideia regionalista sustentava que Cabo Verde, à semelhança de qualquer região de Portugal,
também apresentava características essenciais da cultura metropolitana, ou seja, assim como Algarve
e outras regiões de Portugal. Cabo Verde também é, desse todo português, que partilha traços
culturais fortes com a metrópole. Assim, a consciência identitária defendida por essa geração vai no
sentido da edificação da identidade mestiça e regional, o que denota uma consciência regionalista.
Isso marcou indubitavelmente o carácter de ambivalência dos claridosos na construção da identidade
cabo-verdiana.

Nestes tempos Malditos

não tem descanso estes anos de seca!

a padiola mortuária da regedoria. ……………………………..

…………………………………..… Há quanto tempo não rodam

Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas! as pedras dos moinhos!

Nem gritos nem alarme Há quanto tempo não se ouve


– somente o jeito passivo de morrer! o som monótono e madrugador

……………………………………. Dos pilões cochindo…

No quintal do casebre – Que é desse ruído anunciador

três pedras juntas das refeições do povo?

três pedras queimadas De dentro das casas

que há muito não serviam. nem fio tenuíssimo

de fumo subindo…

E o arco de ferro do menino ………………………………….

com a vareta ainda presa. Em tudo o cenário dolorosíssimo

Jorge Barbosa (Casebre) da estiagem

– da fome! Jorge Barbosa (Paisagem)

Resumo:

Principais ideias:

Defesa dos problemas de Cabo Verde e das condições de vida dos cabo-verdianos (através do lema
“fincar os pés na terra”);

Valorização do espaço geográfico, da história, do povo e da cultura cabo-verdiana (como estratégia de


afirmação da identidade cabo-verdiana face à Portugal);

Autonomia para Cabo Verde, como uma região autónoma portuguesa;


Origem mestiça do povo cabo-verdiano;

Predomínio do carácter português do homem cabo-verdiano (no comportamento, no quotidiano e na


conduta do homem cabo-verdiano, a cultura dominante não é a africana mas portuguesa);

Supremacia dos elementos culturais portugueses na cultura cabo-verdiana (defendiam a dimensão


portuguesa da cultura cabo-verdiana, vista como uma variante regional da cultura lusitana; Cabo Verde
seria uma região europeizada);

Defesa e afirmação da especificidade cultural de Cabo Verde.

Escritores representantes:

Jorge Barbosa, Baltazar Lopes da Silva, Manuel Lopes, João Lopes, Jaime Figueiredo, António Nunes,
etc.

Críticas e contributos:

Os claridosos deram um grande contributo a afirmação da identidade cultural cabo-verdiana. Eles


desempenharam um papel importante na fomentação de uma identidade cabo-verdiana, através da
incorporação e divulgação nas suas obras literárias. Os escritores da década de 30 reivindicaram para
Cabo Verde, uma identidade cultural própria, sui generis, situando o Arquipélago, do ponto de vista
cultural, afastado da África, na convicção de possuirmos uma originalidade regional. Apesar de
reconhecerem as raízes africanas e europeias da nossa cultura, defendem a ideia de que Cabo Verde
evoluíra para uma síntese harmoniosa, em que os referenciais não eram nem africanos nem europeias.
Demostraram uma atitude de identificação do arquipélago como um espaço com características
culturais próprias, fomentando a ideia de uma nação cabo-verdiana, pela primeira vez explicita no
plano estético-literário, embora, sem assumir explicitamente os valores africanos da nossa cultura.

Porém, assim como seus antecessores nativistas, revelaram, de certa forma, uma dupla identidade:
cabo-verdiana e lusitana (ou, pelos menos, uma tendência para neste sentido), o que mostra que ainda
não tinham percebido totalmente a diferença entre o Nós e Eles, algo importante para a tomada de
consciência da própria identidade. Além disso, foram contraditórios ao defenderem uma origem
mestiça e ao mesmo tempo acentuadamente portuguesa da cultura cabo-verdiana, ocultando ou
negando a herança cultural africana. Por fim, caíram num grande equívoco (engano) ao se
considerarem que Cabo Verde era uma região portuguesa (como Algarve, por exemplo), o que
demostra uma incompreensão da lógica do colonialismo, que não possibilita a igualdade entre a
colónia e a metrópole.

3ª) Fase da afirmação nacionalista (1958 até 1975)

A transição do regionalismo ao nacionalismo cabo-verdiano, aconteceu após um período de


aproximadamente três décadas (1936-1962). O conceito de regionalismo, resume-se naquilo que se
considere o“fincar os pés na terra cabo-verdiana”, o que significava debruçar-se sobre os problemas
de Cabo Verde e das condições de vida do seu povo.

Com a geração de Amílcar Cabral, o fincar os pés na terra adquire um significado essencialmente
político, tendo como implicação imediata a assunção da condição de africano e a ligação de Cabo Verde
aos outros países envolvidos no projecto de emancipação político-cultural. Assim, enquanto a geração
dos Claridosos encarava a identidade como resultado de interacções quotidianas, sem que as relações
ali subjacentes fossem problematizadas, já que assumidas como relações simétricas, a geração de 50
concebe-as a partir da reiteração das diferenças num cenário de assimetrias e de relações de
dominação.

Os integrantes na luta pela independência nacional refutavam a ideia dos claridosos, e defendiam
principalmente aqueles que sustentavam nesta luta a afirmação da identidade africana do arquipélago
de Cabo Verde, isto é, a defesa da raiz africana e a forte ligação do arquipélago a África. A consolidação
desta ideia de retorno terá conduzido à luta pela conquista de uma identificação própria, luta essa que
não coincidiria com a das gerações precedentes e principalmente com a da consciência regionalista.

A década de 50 marca indubitavelmente uma nova era na formação da identidade cultural e nacional,
com o acento tónico no resgate das origens africanas. O novo discurso identitário apresenta traços
fortes com as do continente africano e encerra ali o significado de que era a altura certa da ruptura,
tornando a Nação livre, com hábitos característicos e libertos da opressão da administração colonial.
A defesa da raiz africana e o profundo laço dos cabo-verdianos a este continente passam a ser um dos
grandes propósitos e, possivelmente, um dos mais importantes pressupostos teóricos, a ponto de o
caracterizarem como o movimento da “reafricanização dos espíritos”. Amílcar Cabral, como um dos
mais exímios representantes deste movimento, baseado nos princípios do nacionalismo, viria, por
intermédio do partido PAIGC, fundado para a libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde, e num contacto
com os estudantes da colónia, a reivindicar a independência e libertação desses países, na ideia da
reafricanização, ou do resgate dos ideais africanos. Para Cabral, Cabo Verde, mesmo sendo uma região
insular, estava intimamente ligada ao continente africano, e é por esta razão que se começa a afirmar
nele a sua africanidade, ou seja, a sua dimensão africana

Os escritores Cabo-verdianos da década de 50 aperceberam-se que, para a construção da identidade


nacional, era necessário reencontrar as nossas raízes africanas e valorizar todas as formas de
manifestação cultural com raízes em África, sobretudo aqueles traços culturais que foram usados pelos
colonizadores, para diminuir o colonizado. Para estes escritores, a reconciliação com a nossa origem
africana, isto é, a reafirmação da nossa africanidade, implicava a rejeição da cultura colonizadora, um
meio para que o homem cabo-verdiano pudesse assumir a sua própria identidade. O retorno às
origens, ou seja, a tomada de consciência da nossa ligação a África seria então, condição de
possibilidade para a construção de uma identidade plena. Com os escritores dos anos 50, foi resgatada
a importância da África para o arquipélago de Cabo Verde.
O desejo de reencontrar-se com a cultura africana sufocada e esquecida durante séculos; a
necessidade de dar luta contra o assimilacionismo, a acomodação ao sistema colonial; a resistência
contra a aculturação do homem cabo-verdiano foi uma postura deliberadamente assumida na
produção literária, poética e nos ensaios da geração de 50. Dessa geração, surgiu um grande número
de escritores, poetas e ensaístas, cujas produções não podem escapar-se às fortes motivações
políticas. Insuflaram no espírito do homem comum, através de uma poesia que nega a superioridade
da cultura do colonizador, que o colonizado devia adoptar a ideia de pertencer a uma nação, e
consciencializar-se do impacto e do valor da cultura africana na sociedade cabo-verdiana.

Um poema diferente

O povo das ilhas quer um poema diferente

Para o povo das ilhas:

……………………………..

Um poema sem braços à espera de trabalho

Nem bocas à espera de pão

Um poema sem barcos lastrados de gente

A caminho do Sul

Um poema sem palavras estranguladas

Nas grades do silêncio…

O povo das ilhas que um poema diferente


Para o povo das Ilhas:

Um poema com seiva nascendo no coração da ORIGEM

Um poema com batuque e tchabéta e badias de Santa Catarina

Um poema com saracoteio d´anças e gargalhadas de marfim!

O povo das ilhas que um poema diferente

Para o povo das ilhas:

Um poema sem homens que percam a graça do mar

E a fantasia dos pontos cardeais.

Onésimo Silveira (Um poema diferente).

Pa mund´ Intêru

Ês libru ê fidju d´êra, di Pobo; ê nôs libru.

E ta papia di nôs butupério.

M á ta purbikel; demo na komparassan di fala,

djan sê ma tem guentis ki ka ta atchal sabi,


ki pró ta da kabako.

Dexa da kabako.

Nôs kê fidjo di Afrika, ki sta baxo dês d´otos

nassan d´arguem, no tem di skodjê ô fassê

bondadi di kenhê ki, no podê fla berdadi, á ta

muntanu sima limária, ô trabadja pa nôs Tera,

nôs Afrika Grandi di manham.

M ka baradja kabé: m skodjê kel kussa ki sta

na mi, ki sta na nha Terra, ki sta na nha Pobo.

Kel kussa ki fasseno armum, pa no finka pé na

tchom, pa no luta toki no kompo nôs Tera.

……………………………………………

Mosias ko rapassis di nôs Tera, mosias ko rapassis

di Afrika, ki ó ki no kontra ko kumpanheru, nôs


kabé, nôs bida djunta dum kussa: – na kel

kussa má grandi ki podê tem pa nôs: – Afrika

Grandi, sem burgonha di nunguem.

E ka komberso ko ngodo di kenhê ki krê

Muntano ki ta pono nbaxa: pa dianti kê kaminho;

pa nôs sô tem um kusa:

Afrika ô Morti!

Kaoberdiano Dambará

Resumo:

Principais ideias:

Carácter mestiço do povo cabo-verdiano;

Ligação histórica, étnica e cultural de Cabo Verde à África;

Busca e valorização das origens negras africanas da sociedade cabo-verdiana, através do movimento
que Amílcar Cabral designou de “reafricanização dos espíritos”;

Defesa e exaltação da dignidade e dos direitos do homem negro (defendida pelo movimento da
negritude);

Especificidade da identidade cultural do povo cabo-verdiano, que constituía uma nação específica e
diferente da nação portuguesa;

Luta pelo direito à liberdade e independência da nação cabo-verdiana.


Escritores representantes:

Amílcar Cabral, Onésimo Silveira, Felisberto Vieira Lopes, Aguinaldo Fonseca, Ovídio Martins, Gabriel
Mariano, etc.

Críticas e contributos:

Os escritores desse período, designados de nacionalistas, tiveram uma plena e clara consciência da
identidade cabo-verdiana e desempenharam um papel importante na afirmação do povo cabo-
verdiano como uma nação plena e portadora de uma identidade cultural própria. Além disso, foram
os responsáveis pela luta à independência de Cabo Verde, rompendo a ligação de dominação colonial
que mantinha a nação cabo-verdiana sob o jogo de Portugal. Entretanto, assumiram uma certa postura
de negação ou desvalorização da herança portuguesa da cultura cabo-verdiana, em detrimento de
uma sobrevalorização das raízes africanas do povo cabo-verdiano. Assumiram uma identidade cultural
cabo-verdiana, mas marcadamente africana, pois o contexto histórico da época quase que exigia uma
tomada de posição nesse sentido.

A identidade cultural cabo-verdiana: o


despertar da consciência identitária
24JAN
A identidade cultural cabo-verdiana: o despertar da consciência identitária

Conceito de identidade
Genericamente, a identidade é um conjunto de características próprias e distintas de um
indivíduo, um grupo social, uma comunidade ou um povo.

Porém, no campo socio-antropológico, a identidade é entendida como a consciência que


uma pessoa tem dela própria e que a torna única e diferente das outras.

A identidade é o que permite ao sujeito tomar consciência de sua existência, o que se dá


através da tomada de consciência de seu corpo, de seu saber, de suas crenças, de suas
habilidades e de suas ações. A identidade implica, então, a tomada de consciência de si
mesmo.

Mas para que ocorra a tomada de consciência, é necessário que haja diferença, a diferença
em relação a um outro. É somente ao perceber o outro como diferente, que pode nascer,
no sujeito, sua consciência identitária. A percepção da diferença do outro constitui de
início a prova de sua própria identidade, que passa então a “ser o que não é o outro”.
A identidade é marcada pela diferença, ou seja, pela dicotomia nós/eles, eu/outro. Para
Woodward, a marcação da diferença, da oposição ou da exclusão afigura-se crucial no
processo de construção das posições de identidade.

Por exemplo, a afirmação de ser cabo-verdiano traz em si uma negação, a de não ser
português, brasileiro, chinês, francês, por exemplo.

A identidade é construída por meio da diferença, da relação com o outro, da relação com
aquilo que não é. É através da identidade que se identifica e distingue indivíduos, grupos,
povos e culturas.

A Identidade Cultural Cabo-verdiana


Muito cedo, do ponto de vista histórico, os naturais das Ilhas de Cabo Verde constituíram
uma entidade culturalmente autónoma, uma sociedade e uma nação. Ainda que por
factores vários, pertencessem ao espaço luso, diferenciavam-se eles dos demais ocupantes
desse espaço, e chamavam a si a sua própria singularidade.

Desde meados do século XVII, terão existido elementos comuns aos naturais das Ilhas de
Cabo Verde e que constituíram a base da sua identidade num todo uno e homogéneo
culturalmente. A existência desses traços culturais fez com que os ilhéus se
diferenciassem dos demais grupos sócio-culturais, inclusive os que estão sob o mesmo
estatuto colonial e no mesmo espaço luso.

Assim, começou-se a distinguir o cabo-verdiano do não cabo-verdiano, recorrendo-se às


expressões ‘filhos da terra’ e ‘reinóis’.

A classificação identitária que se polarizava entre ‘nós’ e os ‘outros’ colocava, de um


lado, os nativos das ilhas, os crioulos e os chamados ‘portugueses de cá’ e, de outro lado,
os cidadãos vindos do reino, os metropolitanos e os chamados ‘portugueses de lá’ (…).

A consciência da identidade começa-se a ter, muitas vezes, pela oposição da ‘cultura do


eu’ em relação à ‘cultura do outro’. A identificação daquilo que é ‘nosso’ só faz sentido
por oposição àquilo que é ‘de alguém’. Neste sentido, a cultura de origem e o território de
nascimento continuaram a ser os elementos que indicavam a linha de separação entre o
“Nós” e os “Outros”. Assim, pela distinção entre os “da terra” e os “da metrópole”
começou-se a formar o carácter identitário do cabo-verdiano, que assume uma identidade
própria.

De acordo com alguns estudiosos, a origem da identidade cultural cabo-verdiana estaria


assente em três princípios gerais: a hibridização, a insularidade e o ruralismo tropical.

A hibridização dever-se-ia à própria mestiçagem étnica de que resultou o Cabo-verdiano:


algo específico, sui generis.
A insularidade seria determinada pelo carácter arquipelágico das ilhas, circundadas pelo ar
e mar, criando no espírito ilhéu o eterno dilema – “querer partir e ter que ficar” e/ou “ter
que partir e querer ficar” e a base do espírito evasionista e antievasionista tão cantado na
literatura cabo-verdiana.

O ruralismo tropical teria por fundamento o facto da sociedade ser, na sua génese, agrária
e num espaço geográfico tropical.

A língua cabo-verdiana – o crioulo -, a culinária e a música são três aspectos da cultura


cabo-verdiana, mais comummente, usados como caracteres significativos da
especificidade, da identidade e autonomia culturais do arquipélago.

A língua cabo-verdiana constitui um dos traços mais significativos da cultura cabo-


verdiana, fenómeno cultural por excelência; ela é “ como que respiração do povo que o
criou e dele se serve como instrumento (…) de comunicação verbal entre pessoas das mais
diversas origens.

No domínio musical, a morna e a coladeira, autênticas canções nacionais, a par do


batuque, com a sua finaçon, e o funaná constituem uma das expressões da realização
artística do cabo-verdiano.

Outras formas e expressões culturais que contribuem para a construção de uma identidade
cabo-verdiana autónoma, encontram-se na culinária com pratos típicos à base do milho,
tais como a cachupa, o cuscuz, xérem, djagacida, “camoca”, etc. pratos à base de peixe,
etc.

No domínio do trabalho artístico, a tecelagem, a cerâmica, os trabalhos em coco, chifres,


tartaruga, etc., todos dão um rosto próprio e uma própria identidade ao que é feito em
Cabo Verde.

Todas essas expressões do ethos cultural Cabo-verdiano surgiram numa situação colonial,
portanto, de resistência, talvez, até mesmo duma luta cultural incessante contra a cultura
do colonizador.

A importância e o peso da identidade cultural cabo-verdiana residem, precisamente, no


facto de ter conseguido sobrepor-se à situação colonial, resistir à cultura dominante,
tornando-se hegemónica, a tal ponto que “casos não raros há em que indivíduos naturais
da Metrópole, aqui longamente residentes, se deixaram impregnar de formas, modos de
dizer, construções dos naturais das ilhas, quando se exprimem em português”.

Se é difícil determinar com precisão o que seja o carácter nacional de um povo, dadas as
diversidades interterritoriais (…), a verdade, porém, é que algo consegue fazer com que
pessoas de um mesmo país se sintam pertencer a um mesmo espaço, diferenciando de
outros espaços. No caso cabo-verdiano, esse sentimento de unidade e de pertença é
traduzido na ideia e no conceito de caboverdianidade. Ideia e conceito de difícil definição,
mas que, para os cabo-verdianos, condensa a morabeza, o ser ilhéu, o ser crioulo, o ter
uma identidade própria capaz de nos diferenciar de tudo e de todos.

David Hopffer Almada: Em defesa da cabo-verdianidade


A cabo-verdianidade
A partir da segunda metade do século XIX, começou a surgiu no seio dos intelectuais
cabo-verdianos uma atitude de defesa do espaço a que pertencem (a terra-pátria) e da sua
identidade cultural, demostrando uma tomada de consciência de especificidade do cabo-
verdiano – a consciência e sentimento de ser cabo-verdiano e a percepção da necessidade
de preservação da sua identidade.

Para afirmarem que Cabo Verde tinha uma identidade própria, os intelectuais Cabo-
verdianos criaram vários conceitos. Uma delas é a Cabo-verdianidade. Este conceito
surgiu com os nativistas. Eles defendiam que Cabo Verde tinha uma cultura, uma língua e
uma identidade própria.

Esta ideia de resgate e valorização da identidade cultural cabo-verdiana – a cabo-


verdianidade – não parou com os nativistas. Os claridosos também se preocupavam com
isso. Eles defendiam uma identidade mestiça para o povo Cabo-verdiano. A Cabo-
verdianidade aqui é entendida como a especificidade da cultura Cabo-verdiana dentro do
contexto colonial português. Para eles a cultura Cabo-verdiana não é nem Europa nem
África, e sim Cabo-verdiana.

Para Tomé Varela, “Cabo-verdianidade é aquilo que identifica socioculturalmente o povo


e a nação Cabo-verdianos e que, por conseguinte, os distingue dos demais povos e nações
(…). Entre elas estarão certamente as misturas, as mestiçagens conseguidas dos diferentes
grupos sociais, étnicos e culturais provenientes de diversos continentes e paragens
geográficas que convergiram no decurso de séculos (a partir do séc.XV) ao arquipélago de
cabo-verdiano e aqui se fundiram, originando um povo e uma nação novos, com uma
cultura própria a que poderá chamar de identidade cabo-verdiana ou simplesmente cabo-
verdianidade”.

A cabo-verdianidade, assim, é a expressão da identidade crioula. É o sentimento que o


cabo-verdiano tem de si próprio, da sua especificidade cultural enquanto povo dotado de
uma cultura própria e diferente das outras culturas.

A cabo-verdianidade se manifesta no resgate e na valorização da cultura cabo-verdiana e


nas práticas que a reafirmam, seja nas artes, nos contos populares, no sincretismo
religioso, nas festas populares, nas danças etc., veiculados na literatura e na imprensa
como proposta de emancipação cultural e de afirmação identitária.

Além do conceito de cabo-verdianidade, os intelectuais cabo-verdianos também


elaboraram outras denominações como formas de expressão da identidade cultural cabo-
verdiana, tais como a africanidade, que refere aos contributos negro-africano na
formação social cabo-verdiana, e a criolidade, que diz respeito à natureza mestiça da
cultura cabo-verdiana e à valorização das suas manifestações materiais e imateriais.
Euclides Jorge: Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/13789561/questoes-
identitarias-em-Cabo-Verde

Algumas manifestações mais marcantes


da cultura cabo-verdiana
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Algumas manifestações mais marcantes da cultura cabo-verdiana

1) A língua cabo-verdiana – o crioulo


A língua crioula cabo-verdiana nasce e afirma-se com a origem do povo cabo-verdiano.
Resultado da conjuntura do povoamento e colonização do arquipélago, ela é reconhecida
como importante elemento da identidade e da cabo-verdianidade. Para os cabo-verdianos
a língua crioula não é apenas um meio de comunicação, mas também de afirmação
identitária e de se sentirem verdadeiramente cabo-verdianos. “A língua cabo-verdiana é,
deste modo, a nossa bandeira cultural e um dos elementos mais significativos do nosso
cartão de identidade” (Veiga 2002: 7).
A língua cabo-verdiana, como língua materna, surgiu da necessidade urgente de
comunicação e de compreensão mútua entre grupos presenciais no
povoamento/colonização do Arquipélago de Cabo Verde. Surge da interacção e
interadapatação entre as línguas presentes neste processo.

Nos primórdios do povoamento, os africanos, provenientes de diferentes etnias e regiões,


não compreendiam a língua do colonizador, tendo sido obrigados a criar uma nova língua,
que lhes permitisse a comunicação. Tendo por base o português, esta forma de
comunicação rudimentar, conhecida como “proto crioulo”, alastrou rapidamente por todo
o arquipélago. Como solução, “utilizaram os lexemas portugueses com a sintaxe das suas
próprias línguas, mas numa perspectiva de autonomização estrutural” (Duarte 2003: 37).

O contacto entre os grupos presenciais no processo de povoamento de Cabo Verde foi


fundamental no surgimento da língua crioula cabo-verdiana. O seu aparecimento “se
deveu à necessidade de comunicação entre portugueses e povos das costas africanas”
(Caniato 2002: 130).

O português, principalmente o do século XV e XVI, foi fundamental no surgimento da


língua crioula cabo-verdiana, que se formou algumas décadas após o início da ocupação
do arquipélago de Cabo Verde, aliás, aproximadamente setenta anos após o povoamento
(Carreira 1983: 344).

O crioulo cabo-verdiano atravessou um processo de evolução até se tornar a língua que


hoje identifica a Nação cabo-verdiana. A sua formação e evolução deve-se a três fases
importantes: (i) o pidgin; (ii) o proto crioulo e (iii) o crioulo, ou seja, a língua cabo-
verdiana.

O pidgin que é a forma mais rudimentar de comunicação verbal, ou seja, a linguagem


veicular que surgiu como forma de resolver todo um embaraço social na comunicação nas
primeiras décadas da colonização de Cabo Verde; O proto-crioulo, que corresponde ao
aperfeiçoamento do pidgin pelo acrescento de vocábulos e pelo uso de um sistema
gramatical mais estruturado que o do pidgin; (iii) O crioulo propriamente dito, resultante
de uma soma considerável de vocábulos originários de uma língua em que se apoiou,
adaptado aos órgãos articulatórios do grupo de aprendiz, e de formas gramaticais correctas
mais complexas do que as utilizadas no proto-crioulo (Carreira 1982: 87).

Através desta análise surge a tabela (1), que possibilita compreender o surgimento e a
evolução da língua materna cabo-verdiana.

Fases Épocas Caracterização


· Comunicação confusa;
· Pouca estruturada em termos gramaticais
e lexicais;
Inícios da descoberta e
colonização (1462). · Ausência de base sintáctica.
Pidgin
· Algumas bases lexicais e gramaticais;
· Mais bem estruturado que o pidjin, e o
Proto A partir do século reforço na base sintáctica.
crioulo XVII.

Meados do século XVII · Recursos gramaticais e lexicais próprios;


e · Estabilidade estrutural, assente numa
inícios do século XVIII. base sintáctica melhorada.
Crioulo
Tabela 1: Origem e evolução da língua crioula cabo-verdiana (Fonte: adaptação às
bibliografias de João Lopes Filho (1981) e António Carreira (1982).

2) Música e Dança
Origem da música tradicional cabo-verdiana
Em Cabo Verde a música desempenha um papel de relevo em diversos aspectos da
vivência das nossas gentes, pois ela faz parte de toda a actividade social cabo-verdiana,
fortificando-a através das práticas lúdicas, bailes, divertimentos e outros passatempos e
exerce uma acção que desperta motivações vivenciais.

Até agora, não há estudos aprofundados que comprovam a origem das músicas
caboverdianas. Entretanto, defende-se que na origem da música tradicional cabo-verdiana,
estão ligados diversos elementos de várias proveniências: as lamentações árabes, os
alegres ritmos africanos, os cantares dos colonos, nomeadamente as cantigas de escárnio e
maldizer dos portugueses. No entanto, o escravo, mais do que o colono, foi portador e
cultivador das lamentações, por ser em maior número e viver num ambiente de
sofrimento.

Essas lamentações transformadas em música vieram a originar em Santiago a tabanca, o


funaná, o finaçon e o batuque, expressões musicais de sentimentos profundos como a dor
da escravidão e o sofrimento da saudade, mas também de uma elevada dose de maldizer.
Surgiram ainda outras expressões musicais, entre as quais a morna e a coladeira.

Géneros musicais
Das formas musicais que compõem o panorama cabo-verdiano, existem o Batuque, os
ritmos e cantares da Tabanca, os ritmos e cantares do Kolá, inerente às festas dos santos, o
Funaná, a Morna, a Coladeira, e as formas orquestrais modernas derivadas do Funaná
tradicional, bem como formas musicais decalcadas directamente da cultura europeia como
Valsa, Mazurca e Contradança, que se adaptaram perfeitamente ao ambiente cabo-
verdiano.

Além desses géneros musicais, também temos outros estilos ligados à religião (ladainhas,
etc.), cantigas de trabalho (cantigas da monda, cantigas marítimas e pastoril) e cantigas
infantis (cantigas de ninar, cantigas de roda, etc).

A morna
A morna é uma expressão musical, através da qual o cabo-verdiano transmite todo o seu
sentimento, seja ele qual for, no momento da sua execução.

A morna é uma expressão máxima da dor e do sofrimento do cabo-verdiano.

De acordo com a tradição, a morna nasceu na Boa Vista no fim do século XIX (a mais
antiga de que se tem conhecimento, “Brada Maria”, data de 1870).

Com os marinheiros da Boavista, a morna chega às outras ilhas. Em São Vicente, ela vai
evoluir no plano melódico graças a instrumentistas como Luís Rendall que, bastante
influenciado pela música brasileira, introduz o choro na música cabo-verdiana.

Na Brava, o romantismo do poeta Eugénio Tavares transforma as letras da morna. Os


textos deixam de ser satíricos e cantam o amor, a mãe, a cretcheu (a “paixão”), o mar, a
partida, a saudade, a separação…

Com a chegada dos cantores, a morna conquista definitivamente as suas letras de nobreza.

Entre os grandes compositores da morna destacam-se Francisco Xavier da Cruz, mais


conhecido por B. Leza, Lela d’Maninha, Olavo Bilac, Muchim d’Monte, Sergio Frusoni,
Jorge Monteiro “Jotamont”, Manuel d’Novas, Ano Nobo, Renato Cardoso e Betu, entre
muitos, enquanto Cesária Évora, Titina, Bana e Ildo Lobo fazem parte dos cantores mais
emblemáticos.

A coladeira
A coladeira é uma música satírica cabo-verdiana, com um ritmo acelerado que se baseia
quase exclusivamente na ironia, com o objectivo de ridicularizar e gozar.

A coladeira é um novo género musical que nasceu em São Vicente, na 2ª metade dos anos
50. Quanto à sua origem, segundo vários autores, nomeadamente Jotamont, coladeira tem
a sua origem na morna tocada num ritmo mais acelerado, resultante do entusiasmo com
que antigamente de dançavam determinadas mornas vivas e alegres.

Ao contrário da morna que viajou por quase todo o arquipélago, a coladeira fez-se numa
única ilha, São Vicente.

O funaná
O Funaná, que terá surgido, inicialmente, no meio rural da Ilha de Santiago, entretanto,
possui um ritmo muito mais acelerado que o da Coladeira e mais próximo da África,
sendo muito peculiar os instrumentos utilizados na sua execução – a Gaita ou Acordeão,
de origem europeia, e o ferrinho (um ferro sobre o qual se faz deslizar um outro ferro ou
uma faca, à semelhança de um reco-reco).

Para além de possuir um ritmo frenético e electrizante, o Funaná possui também ritmos
lentos e compassados, que são designados de Funaná-Samba e Funaná-Marcha , havendo
ainda outros ritmos como o Funaná-Valsa, o Funaná-Maxixe, etc. A letra do Funaná
retrata o quotidiano da população, a vivência ilhéu, os sentimentos e a filosofia do cabo-
verdiano, constituindo também um meio de crítica e de ridicularização de
comportamentos e atitudes.

Muitos são os autores que têm procurado explicar a origem do funaná. Para uns, o funaná
surgiu ligado à vulgarização do acordeão em Santiago. Para outros, este género musical
surgiu da junção de duas palavras, Funa e Naná. São nomes de dois grandes tocadores.
Um se chamava Funa e o outro Naná.

Na época colonial o funaná foi desprezado e considerado uma música de mau gosto e
sobreviveu no meio rural isolado, e até discriminado. O funaná é uma música de dança
que terminava, muitas vezes, em brigas.

O Finason
O finaçon é um canto singelo (simples) que está ligado ao batuque. Inicia o batuque
trazendo à baila um motivo qualquer com o propósito de criticar e dar conselhos. É
improvisado por cantadeiras da ilha de Santiago.
Com a independência nacional, verifica-se um movimento de revalorização de todas as
formas musicais existentes em Cabo Verde e o funaná foi revitalizado nos finais dos anos
70, pelo conjunto Bulimundo sob a orientação de Carlos Alberto Martins (vulgarmente
conhecido por Katchás).

O Batuque
É um género musical de origem africana, que já existe apenas em Santiago. O batuque é
um género musical de características satíricas e de desafio (canto musical seguido de
respostas tanto nos versos como na música). Que encerra críticas, censuras e zombarias.
No batuque distingue-se duas fases fundamentais: o finaçon apenas com o canto e bater de
palmas; o batuque propriamente dito com conto, cimboa, tchabeta e dança.

Numa sessão de batuque, é assim que acontecem as coisas. A festa começa com o
batuque, melhor a sambuna, e acaba com o finaçon (o finaçon é uma sucessão de
provérbios e conselhos declamados com inflexões vocais). As mulheres sentam-se em
círculo, as dançarinas ocupam o centro e colocam um pano enrolado entre as pernas. O
som é quase o mesmo. O pano substitui a percussão e marca o ritmo enquanto uma das
mulheres entoa uma melodia. Segue-se o coro do resto do grupo. Uma outra mulher entra
no meio da roda, com um pano à volta da cintura, os braços em direcção ao céu e começa
a dançar. Bate-se com mais força. É a tchabeta! A mulher mexe a cintura, cada vez com
mais força. Da ku torno! O ambiente aquece. Rapica tchabeta! A excitação é geral. As
pessoas à volta da roda gritam e aplaudem.

Antigamente, o batuque era sobretudo montado durante as cerimónias de casamento,


baptismo e todas as festas no meio rural em Santiago.

A Tabanka
A Tabanka, por seu lado, é fruto de uma miscigenação étnica e cultural e produto de um
sincretismo religioso e também designa o conjunto de rituais e festejos que na ilha de
Santiago celebra o ciclo dos “santos juninos” entre 3 de Maio e 29 de Junho. É uma
manifestação popular de acentuado carácter festivo e de rua, que conjuga também cântico,
música, dança e alegria, em procissões que se realizam em determinadas datas sagradas.
Reunindo tambores e búzios, cornetas e apitos, um grupo de pessoas, vestidas de forma
especial, sai em cortejo pelas ruas, marchando ou dançando ao compasso dos ritmos
sincopados dos tambores, das cornetas e dos búzios, que são acompanhados de cântico e
de coro. Mas a Tabanka, para além do seu carácter festivo, é sobretudo uma sociedade
ritualista, com uma organização sólida à volta de um princípio de vida, donde a
solidariedade, a entreajuda e coesão comunitárias se revelam como signos de uma
sabedoria popular.

O colá
Falando agora dos Colá das várias ilhas, que, no fundo, são idênticos às Tabankas da Ilha
de Santiago, é de destacar que todos eles são festas consagradas aos santos patronos de
determinadas localidades e que decorrem, normalmente, entre os meses de Maio e Julho,
com maior ênfase em Junho. Os Colá são manifestações e rituais populares, resultantes de
um sincretismo religioso, que têm tambores e apitos como instrumentos musicais e que se
fazem acompanhar de cânticos a solo e em coro, existindo, entretanto, algumas
particularidades que os diferenciam.

O colá é uma dança ao som de um tambor, que é característica dos festejos dos Santos
Populares, em que os pares dançam de braços levantados embatendo-se de frente. Daí em
crioulo chamar-se o Colá S. Jom.

Outros géneros
Para além dos géneros frisados também pode-se ainda considerar outros géneros que
fazem parte do nosso patamar cultural. Assim temos alguns géneros de cariz religioso
nomeadamente as rezas, ladainhas, vésperas, estas que foram aprendidas pela população
através do contacto com os missionários que durante a época colonial trabalharam na
evangelização desse povo. As rezas geralmente são recitadas em forma de música num
tom com pouca oscilação, normalmente em algumas festas de santos, ou ainda em
ocorrências de funerais. Do mesmo modo temos ainda as cantigas de trabalho que são
recitadas durante as lides do dia-a-dia do camponês. Estes géneros são mais frequentes nas
ilhas agrícolas, nomeadamente Santiago, Fogo, São Nicolau e Santo Antão. Contudo,
estes géneros musicais com o passar dos tempos são cada vez menos ouvidos. Ainda no
repertório cultural cabo-verdiano podemos encontrar alguns géneros com cariz
marcadamente europeu que se foram adaptando ao nosso meio. Estamos a referir ás
Marchas, Mazurcas, Valsas Polcas, boleros e Sambas e também algumas cantigas de roda
geralmente utilizadas pelas crianças nos seus momentos de lazer. Antigamente, longe das
influências dos meios audiovisuais, as cantigas de roda eram utilizados durante as
brincadeiras nocturnas das crianças em noites de luar nos seus entretenimentos. Hoje, é
muito raro encontrarmos estas brincadeiras com frequência.

3) A Gastronomia
Colorida pelas influências africanas mas incorporando alguns hábitos da cozinha
tradicional portuguesa a gastronomia caboverdeana é rica em cores e sabores. A base da
alimentação tradicional são os alimentos produzidos localmente, quase sempre
incorporando o milho.

Pratos de carne (porco, vaca, cabra e cabrito), simples ou guarnecidos com verduras, ou de
peixe garantem uma variedade de sabores. O prato nacional de referência é a catchupa,
confeccionado com carnes várias (frango, vaca, porco e enchidos) acompanhado de milho
“cochido”, feijão ou favas, batata e couve e enriquecido, por vezes, com ovos fritos ou
peixe. Também o modje Manel Antóne (cabrito) suscita as delícias dos apreciadores da
cozinha africana.

Cabo Verde, com o seu mar rico em espécies marinhas, sustenta a variedade da cozinha
cabo-verdeana proporcionando agradáveis surpresas aos apreciadores de peixe e marisco.
Nesta vertente o prato típico nacional é o caldo de peixe; o atum, peixe serra, espadarte,
garoupa, esmoregal e a moreia, são algumas das espécies mais apreciadas; percebes,
búzios, polvo e lagosta merecem destaque especial. É típico comer bafas de marisco,
apresentadas como entradas ou simples aperitivos

As sobremesas não devem passar despercebidas. De paladares diferenciados a doçaria,


variada, baseia-se no leite e nas frutas nacionais – papaia, manga, coco, azedinha.

Os pudins, de queijo, café ou leite, são também referências importantes na cozinha


caboverdeana. O queijo de leite de cabra, oriundo da Boa Vista, acompanhado de doce de
papaia (apelidado de Romeu e Julieta) é uma das sobremesas mais apreciadas.

A pesca da tartaruga é proibida devendo evitar-se consumo da sua carne e ovos.

Entre as bebidas não se deve deixar de provar o vinho frutado do Fogo (branco e tinto), o
manecon, produzido nas encostas do vulcão, e o café cru, um dos melhores do mundo. O
famoso grogue, aguardente de cana-de-açúcar, bebida fortemente alcoólica e fabricada
ainda por métodos artesanais na ilha de Santo Antão ou em zona rurais de Santiago,
encontra-se generalizado por todo o arquipélago podendo ser adquirido em atraentes
embalagens. O pontche e os licores de frutos juntam o “grogue” aos sabores tropicais

4) Crenças e superstições
São inúmeras as crenças que circulam entre os cabo-verdianos. A “crença”, por vezes, é
definida enquanto fé religiosa, outras vezes, como uma convicção que se pode situar
noutros domínios que não o religioso e ainda, às vezes, simplesmente como crendice ou
superstição. A crença tanto pode ter carácter religioso como profano. Quanto à
superstição, pode-se dizer que o povo cabo-verdiano é extremamente supersticioso. As
formas de superstição e crenças populares são primordialmente conotadas com a tradição
africana. No entanto, o feitiço e os bruxedos também se inserem perfeitamente na cultura
popular portuguesa.

Diz-se que as crenças e as religiões terão certamente entrado em Cabo Verde com os
primeiros povoadores, em 1462. No entanto, vale a pena falar de algumas crenças que, até
há cerca de uns cinquenta anos atrás, tinham bastante força e peso social em Cabo Verde.
Estas mesmas crenças têm vindo a perder credibilidade sob o efeito da escolarização,
cristianização, progresso sociocultural e científico, modernização e do poder interventivo
dos meios de comunicação social que têm vindo a transformar as mentalidades e os
comportamentos. Assim, as crenças a que nos vamos referir são o curandeirismo, a Kórda,
a “fetíseria”, as bruxas, os espíritos ou finados (espírito de um falecido) e o “guarda-
cabeça”.

O curandeirismo consiste na arte de curar diversas enfermidades e ajudar a resolver


problemas. Segundo Lima Rodrigues, os curandeiros são iniciados por outro curandeiro
na sua aprendizagem, mas que são escolhidos por possuírem à nascença um dom, entre
outros, o de curar . O curandeiro utiliza diversas substâncias de origem vegetal, mineral
ou animal que prepara com base nos ensinamentos veiculados pela tradição oral.

É pela intuição e de forma empírica que se faz o diagnóstico das doenças e se utilizam as
mezinhas para as curar. Em certos casos, o curandeiro socorre-se de fármacos aos quais
junta as outras substâncias. Tem havido casos em que um ou outro médico, prevendo a
impossibilidade de cura, aconselha o paciente a dirigir-se ao curandeiro. Há tempos, estas
práticas eram correntes até pela carência de médicos e de unidades sanitárias de base,
sendo consideradas como necessárias e socialmente úteis. Hoje em dia estão em
descrédito crescente porque se considera que ir a um curandeiro é manifestar ignorância.

A “kórda” corresponde ao conceito de “magia” e faz-se para impedir que determinados


actos se tornem conhecidos, para obter determinados favores ou impedir que determinados
actos se concretizem. Trata-se de um serviço que é geralmente pago (a um mágico) e em
regra é feito às escondidas. Apesar de ter sido um serviço muito procurado, sobretudo na
ilha de Santiago, hoje em dia, o seu descrédito é grande, embora muitos ainda acreditem
nos seus efeitos perversos. É uma prática que se associa a uma certa dose de crença na
capacidade de utilização de poderes ocultos.

A “fetisería” trata-se de uma prática que teve bastante peso na sociedade cabo-verdiana
até há décadas atrás. Hoje muitos deixaram de acreditar na sua existência. Existem dois
tipos: a que resulta de efeitos mágicos, a “kórda”, que já referimos, e o bruxedo ou
encantamento, de efeitos sempre maléficos. As bruxas são pessoas que, por razões tidas
como hereditárias, se diz possuírem um dom especial. Vêem-se normalmente associadas à
eclosão de certas doenças. O feiticeiro é menos temido e menos poderoso, faz feitiço
negativo em vez de curar ou ajudar . Era-se feiticeiro sem ser por vontade própria.
Acreditava-se que era por uma espécie de destino que se nascia feiticeiro. Para se
protegerem dos feiticeiros, os indivíduos recorriam a inúmeras práticas. Por exemplo, para
proteger uma criança, colocavam-se cruzes desenhadas com “leite” de babosa na testa, no
peito, nas costas, nas palmas das mãos e nas plantas dos pés.

Os bruxos e os feiticeiros são as forças do mal, directamente ligados à doença e à morte, o


curandeiro trabalha para o bem.

Ainda hoje em dia, alguns acreditam em feiticeiros que podem fazer o bem ou o mal, em
curandeiros que curam, em bruxas e em almas do outro mundo. Pensa-se que são
sobretudo as pessoas da ilha de Santiago, as mais ligadas a estas crenças.

A nível das superstições, também encontramos o ritual noite de “guarda-cabeça”. É uma


cerimónia que serve para proteger os recém-nascidos das bruxas e do mau-olhado. É uma
espécie de baptismo que tem como objectivo proteger a criança mas que não substitui o
baptismo oficial católico. É realizado no “7º dia” após o nascimento da criança.

As crianças recém-nascidas não eram vacinadas e, consequentemente, muitas delas


morriam ao sétimo dia de vida devido ao tétano. As pessoas, por alguma ignorância,
acreditavam muito nas bruxarias e na existência de feiticeiros e passavam a atribuir essa
mortalidade aos seus efeitos perversos. Daí, a invenção popular do guarda cabeça, um acto
protector que se pode chamar de sincrético-religioso

5) Jogos tradicionais
Os jogos tradicionais têm por fim o prazer lúdico, aliado a uma maneira de ocupar os
tempos livres, diferindo-se consoante as diversas camadas etárias e sexos, cujos membros
executam tarefas conforme a habilidade específica exigida para cada caso, principalmente
no intuito de exercitar o corpo, pôr em confronto determinada destreza, desenvolver a
mente através da aprendizagem, etc. Habitualmente alguns jogos implicam a manipulação
de objectos culturais (cordas, dados, aparelhos, etc.), que são muito diferentes daqueles
com a classificação genérica de “brinquedos” (bonecas de trapos, bolas, piões, miniaturas,
cavalos de cana de carriço, peças feitas com o carolo do milho, carros de madeira e de
lata, papagaios de papel, etc.). Executados pelas crianças e jovens, contam-se as
brincadeiras de roda, apodos e apelidos usados na gíria da pequenada, jogos de
escondidas, a luta entre os rapazes, os jogos de malha, as fundas, fisgas, atiradeiras,
armadilhas para apanhar pássaros, etc. Grande parte dos brinquedos tradicionais são
confeccionados pelas próprias crianças a partir de embalagens perdidas (latas vazias,
arames, etc.), numa clara amostra da sua destreza, engenho e técnica.

6) As cantigas tradicionais
Nas ilhas agrícolas, nomeadamente Santo Antão, São Nicolau. Santiago, Fogo e Brava,
onde o homem cuida da terra que lhe dá o pão para o seu sustento, decerto à custa de
dificuldades várias, iremos encontrar as cantigas agrícolas umas vezes doloridas outras
alegres.

São as dolentes e plácidas Toadas de Aboio (“colá boi”) em que o homem acompanha o
boi ligado ao “trapiche” preso ao seu destino. São melodias verdadeiramente plangentes e
profundas, muitas vezes em gama pentatónica, em Santo Antão e na Brava. Nesta última o
canto não está ligado ao “trapiche” mas sim às épocas de “monda” e tomam o nome de
Bombena.

No livro Cantigas de Trabalho, Osvaldo Osório escreve: “Este canto é usado mais
precisamente na altura da plantação da batata doce”. E acrescenta: “[…] estas cantigas
normalmente nostálgicas e cujos motivos são a saudade e o amor, a despedida para a terra
longe, chegam a ser uma forma de emulação no trabalho”.

São também as cantigas ligadas às sementeiros ou Cantigas de Monda que se dividem em


cantigas de guarda de pardal (ou ’enxotar o pardal’), de guarda dos corvos e das galinhas-
de-mato que se encontram nas ilhas de S. Nicolau, St. Antão, S. Tiago e Fogo.

Às vezes estes cantos têm uma estrutura melódica mais ou menos elaborada, com
intervalos não muito grandes e, outras vezes, são verdadeiros cantos recitativos, ou então,
frases declamadas com nuances expressivas que hoje, com a falta de chuva, já quase não
são cantadas. Para além dessas cantigas de trabalho ligadas à terra, existiam também,
embora numa escala reduzida, Cantigas Marítimas que retratavam fielmente a fisionomia
do caboverdeano; o género de ocupação e a sua dependência e ligação com o mar.

As Cantigas de Ninar, outrora muito cantadas pelas avós, serviam para adormecer os
netinhos. Estes adormeciam embalados pela seguinte cantilena que mais não passava de
um ostinato melódico no compasso binário, hoje quase esquecida.

Outro género cultivado em Cabo Verde com tendência para o esquecimento, diz respeito à
geração infantil. Aqui encontramos as Cantigas de Roda e as Lenga-Lengas cantadas, ou
em forma de jogos rítmicos, com percussão corporal.

cultura cabo-verdiana →

Contributos europeu e africano na


formação da cultura cabo-verdiana
24JAN
As Matrizes Africanas e Europeias da Identidade Cabo-verdiana.
Já foi referenciada em passagens anteriores (Cf:13) a heterogeneidade étnica e cultural dos
grupos humanos (europeus e africanos) que, num esforço para sobreviverem às
dificuldades, misturaram-se, étnica e culturalmente, originando assim, um povo com uma
personalidade e identidade definida, fruto de um trabalho lento de cinco séculos de
aculturação. Esta heterogeneidade harmonizou-se, formando um todo social no qual as
reminiscências africanas e europeias são perfeitamente observáveis.

O legado africano.
Da passagem e permanência de escravos africanos, ficou-nos, uma importante herança
que não se pode reduzir a insignificantes salpicos perfeitamente superáveis e episódicos.
“Na ternura, na minica excessiva, no catolicismo em que de se deliciam nossos sentidos,
na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão
sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra” (FREYRE, 2003:
367).

De todas as ilhas que compõem o arquipélago de Cabo Verde, é em Santiago, a primeira


ilha a ser habitada, que a ligação étnica, histórica e cultural com a África é mais
palpitante. Ou seja, é aí que os antropossociais africanos estão mais presentes.
Relativamente à base biológica do homem cabo-verdiano, Almerindo Lessa, apoiado em
elementos sero-antropológicos, afirma: “No ponto de vista biológico, a população cabo-
verdiana é homogénea, que não há destrinças genéticas estatisticamente significativas
entre as populações de Barlavento e Sotavento, que é uma população panmixa, e que,
neste ponto de vista, se afasta notavelmente daquela que eu admito serem as suas raízes
originais, porque não tem nem constituição predominante de homem português (…) nem
tem a constituição genética predominante nos papeis da orla da Guiné”. (LESSA,
1959:120).

Pode-se concluir que, apesar de não ser predominante, o negro está geneticamente
presente no homem mestiço cabo-verdiano.

Embora desprestigiada pela escravidão que impedia o negro de manifestar os seus valores
culturais autênticos, em virtude da asfixia cultural a que foi submetido durante séculos
pelo poder colonial, verifica-se um conjunto de traços e valores culturais que, apesar de
terem sido adulterados, denunciam a sua remota origem africana. Alguns perfeitamente
integrados na cultura nacional, outros figurando apenas na cultura regional de algumas
ilhas.

Na gastronomia, a utilização do milho na confecção de alimentos, como a cachupa, prato


verdadeiramente nacional, e outros derivados do milho como por exemplo as papas de
milho, o ralão, o xerém, camoca, cuscuz, etc., são africanas.

Na musica, a Tabanca, durante muito tempo refugiada na clandestinidade devido às


medidas repressoras exercias pelo regime escravocrata, é a única sobrevivente do culto
africano organizado em Cabo Verde (Ilha de Santiago) e terá chegado a Cabo Verde com
os primeiros negros da Guiné que povoaram a ilha de Santiago. É uma agremiação que
une indivíduos com os mesmos usos, costumes, e língua, ou seja, é uma associação de
socorros mútuos em caso de morte ou doença, apoio nas construções de casas dos
associados, nas fainas agrícolas; o batuque é também uma realidade sociológica patente na
ilha de Santiago, a única que conserva ainda hoje a sua essência africana. Resume-se num
som produzido por uma cantadeira, por um grupo que faz o côro, e ritmado
pela tchabeta, que consiste num ritmo marcado pelo bater nas coxas as palmas da mão,
acompanhado pelo cimbó, instrumento de origem sudanesa; as superstições, que têm
como figuras principais a Cacharrona e Canelinha, fantasmas ferozes com poderes para
enlouquecer e até matarem; crendices na magia negra, em Curandeiros, em Bruxarias, as
feitiçarias; as danças eróticas típicas nos festejos de São João e Santo António a que dão o
nome de “ Colar Sanjon (colar no pico), ou sobar14, que consiste numa dança ao ritmo do
tambor e dos apitos, com homens e mulheres de braços abertos ou com mãos nas ancas, se
chocam, procurando o contacto dos sexos.
Directamente associado ao regime alimentar dos cabo-verdianos, que é à base de cereais
(milho e feijões), temos o Pau e o Pilão usados para a moagem e descasque de cereais.
Foram trazidos para Cabo Verde pelos escravos da costa da Guiné; o costume milenar de
transportar os filhos nas costas; a nossa rica tradição oral, consubstanciada nos mitos,
estórias, adivinhas, provérbios, bruxarias, feitiçarias encantamentos, o mau-olhado,
remédios, resguardos do corpo, orações de defesa etc.,
Entretanto, os costumes africanos transplantados acabaram por perder muito da sua pureza
original, sob influência da civilização ocidental que se impunha pela sua evidente
superioridade.

O legado português.
Dos traços da cultura portuguesa com mais presença na cultura cabo-verdiana, resultante
da pressão cultural encetada pela dominação colonial, podem-se apontar: no plano
urbanístico e estético – arquitectónico, visível nos sobrados, nas casas coloniais, nas
igrejas e Câmaras Municipais, bem como a disposição das praças e ruas com calçadas
portuguesas e nomes como Sacadura Cabral, Gago Coutinho, Camões etc; na habitação
rural feita de pedra e barro, ao estilo das rústicas habitações do interior de Portugal; no
domínio da produção e expressão literária, verifica-se alguma adaptação à literatura
portuguesa, quer a nível da ficção, como da poesia; nos monumentos, estátuas e bustos
construídos em homenagens às grandes personalidades lusas; nas práticas religiosas, nas
quais irrompe a hegemonia do catolicismo português, através das procissões de Páscoa,
Nossa Senhora da Graça, nos festejos dos Santos populares (Santo António, São João); na
estrutura familiar que obedece aos padrões da civilização lusa, isto é, acentuadamente
patriarcal e monogâmica; no sistema de trabalho rural e regime de propriedade (as
técnicas de cultivo, o regime de arrendamento ou de parceria, o binómio proprietário
rendeiro). Podem-se referir ainda como tradição que veio de Portugal a corrida de navios
realizada na época dos festejos dos santos populares em que um grupo de pessoas vestidas
de marinheiros, e transportando réplicas de navios feitos de fibra, ao som de tambores e
apitos, imitando o bordejar de um barco, invocando o regresso ou a saída das caravelas
portuguesas da época dos descobrimentos; as corridas de argolinha e as corridas de
cavalos, reminiscência dos torneios medievais; e como não podia deixar de ser, a
incontornável presença da língua portuguesa no sistema morfológico e lexical do crioulo
cabo-verdiano. Estas são algumas das âncoras culturais lusas mais visíveis na cultura
cabo-verdiana. […].

A cultura cabo-verdiana resulta assim, de uma heterogeneidade de elementos rácios


(africana e europeia) que se harmonizaram dando origem a uma identidade própria e
específica. Isto é, do contacto das culturas negras – foram várias as etnias que
participaram no processo da formação cultural cabo-verdiana – com as europeias, surgiu a
civilização mestiça cabo-verdiana.

(…) o processo aculturativo ocorrido em Cabo Verde desde os primórdios da colonização,


resultante do encontro e do cruzamento da cultura europeia com a variedade cultural dos
escravos, (provenientes da longa costa da Guiné: Mandingas, Balantas, Fulas, Jalofos,
Bijagós, Felupes, Pepeis, Quissis, Bambaras, Bololas, Manjacos etc.), possibilitou a
“troca” ou a interiorização de elementos culturais alheios. Inseridos numa nova paisagem,
estes elementos, antes estranhos, metamorfosearam-se dando origem a uma nova
identidade cultural – o embrião da futura nação cabo-verdiana.
Convém salientar que, na actualidade é de todo impossível discernir, na compósita
sociedade cabo-verdiana, os traços identitários dos grandes grupos étnicos provenientes da
costa da Guiné, devido a uma intensa miscigenação cultural das diferentes étnias.

António Manuel Ramos


Conflitos de Identidades em Cabo Verde:
Análises dos casos de Santiago e São Vicente

Formação da identidade cultural cabo-


verdiana
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Formação da identidade cultural cabo-verdiana

Documento 4
Identidade
Para António Perotti (1997), Identidade é a maneira como os indivíduos e os grupos se
revêm e se definem nas suas semelhanças e diferenças relativamente a outros indivíduos e
grupos.

Este autor salienta que, o termo, quando aplicado ao indivíduo, encerra dois sentidos. O
primeiro diz respeito ao «conceito de identidade», que tem sobretudo um significado de
ordem psicológica. A identidade liga-se, assim, à percepção que cada indivíduo tem de si
próprio, isto é, da sua própria consciência enquanto pessoa na relação com outros
indivíduos, com os quais forma um grupo social (a família, as associações, a sua própria
nação).

Esta percepção de identidade não existe sem o reconhecimento recíproco entre o indivíduo
e a sociedade, o segundo sentido. Assim, a identidade comporta um aspecto subjectivo (a
percepção da autoidentificação e da continuidade da própria existência do indivíduo no
tempo e no espaço) e um aspecto relacional e colectivo (a percepção de que os outros lhe
reconhecem essa identificação e continuidade).

Manuel Brito Semedo


A construção da Identidade Nacional:
Análise da Imprensa entre 1877 e 1975.

Documento 5
Identidade cultural
A identidade cultural refere-se ao patrimônio histórico-cultural de um grupo ou de uma
sociedade que a singulariza, diferenciando-o de outros grupos ou sociedades. O
património cultural compõe-se de todos os elementos culturais produzidos por um povo:
suas artes, sua literatura, sua filosofia, seus costumes, seus monumentos, arquitetura etc.,
bem como as produções de ordem coletiva e de natureza imaterial como as tradições orais,
a medicina tradicional, os contos populares e demais narrativas que compõem a memória
coletiva. Vincula-se à identidade cultural a memória histórica desses grupos ou sociedades
em constante contato cultural com outros grupos e sociedades e com suas respectivas
culturas que dinamizam o seu processo de crescimento e de desenvolvimento. Sendo
assim, a preservação do patrimônio cultural de um povo preserva seus vínculos e a
memória em relação ao seu passado, contribuindo para a afirmação e promoção de sua
identidade cultural.

Como sabemos, a cultura não é algo estanque, isolado, ela está em


constante transformação, por influxos internos e por influxos externos – no seu
relacionamento com outras culturas (LARAIA, 1999, p. 100), de modo que a identidade
cultural também sofre mudanças, já que reflete a cultura.

Stuart Hall também destaca o caráter não fixo da identidade cultural, sendo que ela está
em constante processo em razão das interações socioculturais e do intercâmbio económico
e cultural no mundo globalizado. Para ele, a identidade é continuamente formada e
transformada em relação às formas com que somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam e “o próprio processo de identificação, através do qual
nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se provisório” (HALL, 2006, p.
13). No mundo moderno, as culturas nacionais se constituem em uma das principais
fontes da identidade cultural que, todavia, está exposta a constantes mudanças, já que não
são impermeáveis. Para o teórico, a globalização está deslocando as identidades nacionais,
em algumas vezes até começa a apaga-las. Explica Stuart Hall: […] à medida em que as
culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as
identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do
bombardeamento e da infiltração cultural (HALL, 2006, p. 74).

António Manuel Ramos


Conflitos de Identidades em Cabo Verde:
Análises dos casos de Santiago e São Vicente
Documento 6
Formação da identidade cultural cabo-verdiana
A colonização de Cabo Verde teve características diferentes da das outras colónias
africanas, uma vez que os descobridores oficiais do arquipélago dão-no como desabitado
por altura da chegada em 1460. Criando as condições, o povoamento processa-se
coabitando no mesmo espaço pessoas de continentes diferentes, culturalmente distintas.

Também, durante muito tempo, devido à sua posição geoestratégica, Cabo Verde vai
permitir o cruzamento das grandes rotas do comércio triangular e do tráfico de escravos,
possibilitando contactos de diversos povos com culturas diferentes.
Os escravos ao serem trazidos para Cabo Verde eram usados como moedas de troca e no
povoamento das ilhas. Desta forma haverá aculturações devido ao cruzamento da cultura
europeia com a das diversas etnias africanas.

Coabitando no mesmo espaço surge a necessidade de integração e de comunicação para


uma convivência sã, privando vários grupos de alguns hábitos o que desemboca num
choque de culturas. Desse choque cultural nasce um conjunto de manifestações distintas e
típicas que posteriormente deram origem à Cultura Cabo-Verdiana.

Apesar de cada grupo tentar preservar a sua cultura vai haver alienações motivadas pela
forma como se deu o povoamento e pelo próprio espaço físico. Devido ao referido
anteriormente, muitas práticas tanto europeias como africanas, tornam-se de difícil
realização por estarem longe do seu ambiente. Por exemplo os portugueses tinham os seus
próprios hábitos alimentares, e mesmo que mandassem vir os alimentos do reino quem os
preparavam eram as mulheres africanas, à moda delas. Mesmo que o branco se revoltasse
era obrigado a adaptar-se.

Apesar de haver essa convivência cultural, o grupo menos coercivo vai ser os africanos,
uma vez que eram constituídos por grupos de etnias diferentes (Jalofos, Mendingas,
Balantas, Beafares, Bijagós, etc), espalhados por várias localidades, perdendo assim a
ligação com o seu ambiente, e consequentemente os seus hábitos e costumes. Para eles era
uma perda da identidade, visto que estando longe e em número reduzido seria difícil uma
resistência para manter viva as suas tradições culturais.

A identidade cabo-verdiana efectivou-se num processo de mestiçagem. Essa mestiçagem


foi devido a quase inexistência de mulheres europeias nas ilhas, fazendo com que os
brancos se envolvessem com as negras dando origem a indivíduos que não eram nem
europeus, nem africanos, mas sim mestiços.

Nos séculos XVI e XVIII nota-se uma afluência dos colonos das ilhas para os rios da
Guiné em serviço dos interesses económicos da metrópole, permitindo a ascensão social
dos mestiços. Isto provoca uma diminuição de choques entre as duas comunidades, até
que pouco a pouco, os poucos brancos foram crioulizando-se, assimilando os hábitos e
comportamentos do africano.

Segundo Dulce Almada “o facto de não termos sido uma colónia de povoamento, mas um
entreposto de escravos não permitiu uma concentração muito grande de escravos da
mesma etnia nas ilhas. Daí que o continente africano não tenha deixado aqui esse”apport”
cultural maciço e palpável (…). Da mesma forma tão pouco a cultura portuguesa pode
marcar entre nós uma presença suficientemente forte para se impor à sociedade como
padrão.”[1]
Podemos concluir das palavras de Dulce Almada que a cultura Cabo-verdiana formou-se
da fusão da cultura africana com a europeia.

O africano e o europeu foram obrigados a viver juntos na condição de escravo e senhor,


em que aquele trabalha para enriquecer este, que o explora.
Neste sentido eram necessárias cedências para tornar possível a sobrevivência do escravo
e permanência do colono. Assim, pouco à pouco, cada elemento ia integrando na cultura
do outro.

No cruzamento dessas culturas diferentes, nasce o mestiço que ao deparar com as


diferenças dos seus progenitores – a europeia do pai e a africana da mãe – é obrigado a
criar uma identidade cultural própria, a cultura crioula, que se caracteriza essencialmente
por um sentimento de diferença.

A individualização cultural ou a identidade do homem cabo-verdiano, muito cedo


definida, adveio desta sua mista realidade – a africana e a europeia (…).

A expressão do espírito do homem cabo-verdiano, a identidade e a especificidade da sua


cultura, em suma, a sua crioulidade, é visível na língua cabo-verdiana, na manifestação da
cultura popular (literatura oral, música, festas tradicionais, etc.) e nas suas formas cultas
de literatura.

É necessário realçar que devido aos processos utilizados no povoamento e a


condicionalismos vários, as diferentes ilhas desenvolveram características culturais
diferenciadas, paralelamente à consolidação de uma identidade fundada em raízes
culturais comuns.

Com base em todos os elementos referidos, desenvolveu-se uma cultura própria de Cabo
Verde, que se manifesta em vários domínios, permitindo a sua identificação e
diferenciação em relação a outras culturas.

Ana Maria Amarante Lopes


As Novas Manifestações na Cultura Cabo-Verdiana:
Interferência Estrangeira
[1] ALMADA, Dulce. Identidade Cultural cabo-verdiana.In ANDRADE,
Elisa. Antologia de Textos de Cultura Cabo-Verdiana. Praia. ISE S/d. p.

O processo de miscigenação
24JAN
O processo de miscigenação
No processo de formação do homem cabo-verdiano, a miscigenação aparece como factor
fundamental.
Miscigenação é o cruzamento de raças humanas diferentes. Por outras palavras, a
miscigenação é a consequência da união sexual entre pessoas com tipos rácicos diferentes.
Desse processo, também chamado mestiçagem ou caldeamento, pode-se dizer que
caracteriza a evolução do homem. O indivíduo resultante desse processo é designado de
mestiço. Neste sentido, mestiços são pessoas que descendem de duas ou mais raças
humanas diferentes, possuindo características de cada uma das “raças” de que descendem.

As grandes descobertas do século XV e o povoamento de novas terras consequentemente,


levaram os europeus e, particularmente os portugueses, ao contacto com grupos étnicos de
características antagónicas muito diferentes, que depressa deram origem a numerosos
tipos bem individualizados.

No caso específico das ilhas de Cabo Verde, «achadas» desertas, o povoamento pôs em
contacto dois elementos raciais e culturais diferentes: o branco e o negro, que de cruzaram
desde a primeira hora. Em presença um do outro, sob pressão de factores vários,
nomeadamente, a carência de mulheres brancas, a facilidade de relacionamento do
português, as relações havidas entre homens brancos e mulheres negras, a orografia das
ilhas e a mobilidade dos primeiros comerciantes, fundiram-se dando origem ao homem
crioulo, cum uma língua de comunicação e uma cultura próprias (Mariano, 1959).

Os costumes quase patriarcais das famílias povoadoras, o influxo da religião que irmanava
senhores e escravos, a solidariedade vivamente despertada ante o desconhecido e perante
os frequentes ataques dos corsários, de um lado e de outro, a maviosidade e a dedicação
extremas da raça cativa facilitaram extraordinariamente a sua assimilação (Pedro Cardoso,
1934).

Por outro lado, a história económica e social de Cabo Verde ~o regime latifundiário,
aplicado em Santiago, e o regime minifundiário, aplicado nas outras ilhas – terá
determinado as características da miscigenação que em parte definem a fisionomia própria
do homem cabo-verdiano (João Lopes Filho, 1936).

O patriarcado de Santiago, com os característicos morgadios servidos por grandes


propriedades, criou um tipo de civilização semelhante às zonas brasileiras de economia
escravocrata à sombra das casas-grandes com engenhos, contudo, com menor
compensação e reciprocidade entre as duas classes, os senhores, os brancos, e os escravos.
Isso, segundo João Lopes (1936), terá determinado no homem de Santiago uma maior
fidelidade às suas origens africanas e uma sobrevivência mais viva dos elementos sociais
e folclóricos característicos do clima de servidão.

No grupo de Barlavento, onde não vingou o tipo feudal-agrícola, existindo pequenas


hortas-jardins pertencentes a gente modesta, sem grandes recursos para aquisição de vasta
mão-de-obra escrava, transformaram-se todos, senhores e escravos, numa família. Daí ter
tido lugar a miscigenação em grande escala, sendo que os filhos resultantes da união de
senhores e escravos – os mulatos – viriam a constituir o recurso necessário de mão-de-
obra para a lavoura (João Lopes Filho, 1936).
Os habitantes das ilhas cresceram rapidamente. Em 1582, nas duas ilhas povoadas, a
população era de 15.708 sujeitos, sendo que 12.408 na ilha de Santiago e 2.300 na ilha do
Fogo, população essa que, em 1730, passou para 40.000 (…), sendo 25.000 na ilha de
Santiago e 12.000 na ilha do Fogo (Chelmicki e Varnhagen, 1841).

Segundo o censo de 1807, apesar da crise de 1773-1775, que provocara 22.000 mortos, a
população aumentara para 58.431 habitantes, em que apenas 3% era constituído por
brancos, sendo 41% mulatos e 55% pretos, entre escravos e forros.

Como foi referenciado anteriormente, a mestiçagem foi menos expressiva em Santiago do


que nas restantes ilhas do arquipélago, como pudemos constatar pela análise do censo de
1950.

Nesse período Santiago possuía 88 brancos, correspondendo a 1,5% da população; 2193


mistos, correspondendo a 37,3%, e 36051 negros, correspondendo a 61,2% da população.
Vejamos a seguinte tabela do boletim de propaganda e informação de 1962:

TABELA – Censo de 1950.


Ilha Branco % Misto % Negros %
B. Vista 21 0,7 2353 81,4 517 17,9
Brava 565 7,1 6815 86,2 523 6,6
Fogo 182 1,1 16209 97,0 314 1,9
Maio 2 0,1 1028 55,0 840 44,9
Sal 98 5,5 1637 91,8 49 2,7
Santiago 881 1,5 21931 37,3 36051 61,2
S. Antão 394 1,4 23787 85,6 3622 13,0
S.Nicolau 42 0,4 10174 98,7 89 0,9
S.Vicente 849 4,4 17792 93,1 470 2,5
FONTE: BOLETIM DE PROPAGANDA N 148, ano 1962.

Embora se procurasse promover a população branca e houvesse o propósito expresso de


contrariar o desenvolvimento das castas de mulatos que havia nas ilhas (…). Deu-se,
inevitavelmente, a fusão entre os grupos raciais. Essa amalgamação decorreu sem
sobressaltos nem violências, originando, por uma contínua miscigenação, um tipo humano
específico e uma cultura crioula.
Manuel Brito Semedo
A construção da Identidade Nacional:
Análise da Imprensa entre 1877 e 1975.

Documento 3
A miscigenação em Cabo Verde
A fixação dos colonos, e dos africanos (escravos e homens livres) no arquipélago de Cabo
Verde, permitiu que a estruturação social, económica e administrativa cabo-verdiana se
tornasse uma realidade.

O processo de miscigenação, em Cabo Verde, terá começado com os primeiros contactos


entre esses grupos étnicos através de uniões ilegítimas de brancos com negras, por causa
da distância do arquipélago ao reino; das dificuldades de comunicação; da falta de
mulheres brancas; da submissão e sedução das negras.

Como resultado desta miscigenação, surge o mestiço que passou a ser um importante
elemento na divulgação e afirmação da identidade e cultural cabo-verdiana.

O mestiço passa, efectivamente, a desempenhar um papel de extrema importância na


configuração social, política e económica em Cabo Verde (…). Com a ascensão gradual
dos mestiços “filhos da terra,” quer na conjuntura política, quer na económica ou social,
estes passam a adquirir cargos reconhecidos, tanto no âmbito literário, como no cultural.
O mestiço passa a simbolizar a luta pela afirmação cultural e conquista de direitos na
sociedade cabo-verdiana.

by RickingMSGo
Disponível em: https://pt.scribd.com/user/138197352/RickingMSGo

Colonização portuguesa e política


assimilacionista
03FEV
Colonização portuguesa e política assimilacionista
Entre os séculos XIX e XX, as potências coloniais europeias colonizaram as populações
africanas, tendo como suporte ideológico a ideia de superioridade da «raça branca». Por
conseguinte, classificavam os africanos como povos atrasados, “bárbaros” e “primitivos”,
destituídos de história e cultura. Por isso, consideravam os colonizadores europeus, eles
deveriam ser retirados do seu «estado primitivo» e levados à condição de «seres
civilizados».
Assim, com base nessa pretensa ideia de superioridade do branco europeu e na crença da
sua «missão civilizadora», os europeus, durante a sua presença colonial em África,
procuraram, por diversos meios, impor seus valores culturais e civilizacionais, mediante
uma atitude de inferiorização e desrespeito pela vida e cultura das populações
colonizadas.

Enquadrado nessa ideologia colonial, algumas potências coloniais adoptaram uma política
colonial de assimilação ou política assimilacionista para as suas colónias. Foi o caso de
Portugal que elaborou e implementou a sua política assimilacionista junto das populações
das suas possessões coloniais. Antes de se conhecer os fundamentos e os objectivos dessa
política, convém perceber o que é assimilação e em que consiste o conceito de política
assimilacionista.

Assimilação é o processo pelo qual os indivíduos ou grupos sociais adquirem elementos


culturais de outros grupos sociais ou países. Isso ocorre, por exemplo, com as
comunidades de imigrantes que se estabelecem nos países de acolhimento e absorvem a
cultura dominante. Tal processo também ocorreu com os povos colonizados que foram
forçados a absorver a cultura dominante dos países colonizadores, perdendo, desta forma,
grande parte da sua cultura original. Portanto, numa acepção mais simplista, a assimilação
consiste na aprendizagem de uma outra cultura.

No que tange à expressão política assimilacionista, afirma-se que a mesma refere-


se ao conjunto de leis, medidas político-administrativas e práticas sociais, levado a cabo
pelo governo colonial português para levar os africanos a abandonar seus traços culturais
e assimilar a cultura portuguesa e, assim, tornarem cidadãos portugueses.
A política colonial portuguesa de assimilação
Nos meados do século XX, Portugal adoptou a sua política de assimilação para os nativos
das suas colónias em África, nomeadamente Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. O
argumento apresentado era de que, através da «assimilação», os africanos poderiam ser
«civilizados» e vir a adquirir a cidadania portuguesa. Entretanto, afirma-se que o objetivo
dessa política era mostrar que Portugal não era racista e que qualquer africano poderia
tornar-se português, desde que assimilasse a religião, a língua e a tecnologia portuguesas.

Neste sentido, foi publicado um conjunto de dispositivos legais que culmina com o Ato
Colonial (1930) e com a Carta Orgânica do Império Colonial Português (1933). O Ato
Colonial define um quadro jurídico-institucional geral de uma nova política para os
territórios sob dominação portuguesa. A política cultural de assimilação, defendida,
sobretudo por Portugal tinha por objetivo “converter”, de forma gradual, o “homem
africano” em “europeu”, o que significava em linhas gerais que toda a organização interna
das colônias, o direito consuetudinário e as culturas locais deveriam ser então
modificadas.

Os portugueses concebiam o processo de assimilação em três fases:

1ª Fase: A destruição das sociedades tradicionais;


2ª Fase: A inculcação da cultura portuguesa;
3ªFase: A integração dos africanos «destribalizados» e «luzitanizados» na sociedade
portuguesa.
Essa política de assimilação dividiu os povos africanos entre «indígenas» e «assimilados».

A palavra indígena – que provém do latim, que significa «o que é natural do lugar ou país
que habita; aborígene; autóctone (seja homem animal ou planta). Para os colonialistas
portugueses da época, o termo serve para designar, «o preto boçal», atribuindo a ele
categorias de inferior’’ ‘’atrasado’’ ou ‘’primitivo’’, são o exemplo da forma como era
caracterizado o nativo indígena africano de Angola, Guiné e Moçambique.
Segundo o «Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e
Moçambique», aprovado por Decreto-lei de 20 de Maio de 1954, consignava as
modalidades segundo as quais qualquer «indígena» das colónias portuguesas podia ser
«elevado» à condição de «assimilado».

Para ser considerado “assimilado” ou “civilizado” o africano teria de reunir as seguintes


condições: ter mais de 18 anos, saber ler e escrever correctamente a língua portuguesa,
exercer profissão, arte ou ofício de que aufira rendimento necessário para o sustento
próprio e dos familiares a seu cargo, ou possuir bens suficientes para o mesmo fim, ter
bom comportamento atestado pela autoridade administrativa da área em que reside,
professar a religião cristã e ter abandonado inteiramente os usos e costumes da raça negra
(isto é, manter padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus), adaptar a
monogamia e não ter sido notado como refractário ao serviço militar nem dado como
desertor. Em teoria, qualquer indivíduo que tivesse esses requisitos poderia aceder a essa
condição.
Entretanto, nem todos os nativos que detinham essas condições poderiam ser elevados à
categoria de assimilados. Esse facto demostra que o governo colonial português não tinha
a pretensão de «assimilar» toda a população colonizada à cultura portuguesa. Pelo
contrário, a «assimilação» era uma eficaz barreira jurídica e cultural à ascensão social da
maioria negra. Os africanos eram considerados indígenas bárbaros, inaptos a deter, por
exemplo, direitos políticos e, por isso, incapazes de serem considerados cidadãos, pelo
menos, até que fosse provado que haviam assimilado os valores da civilização.

Após conseguir provar que era um “assimilado” seria conferido, pelos administradores de
Conselho ou Circunscrições, uma certidão de identidade, instrumento indispensável para
que eles pudessem conseguir determinados tipos de trabalhos, principalmente na
administração pública, bem como obter a carteira de motorista, aumentando assim sua
possibilidade de ascender socialmente.

Eles tinham que pagar mais impostos do que os “indígenas”, mas podiam ocupar baixos
cargos na administração colonial e eram dispensados do trabalho “voluntário”, extensível
e compulsório a todos os “indígenas”. Podiam acessar tribunais regulares e ao menos em
tese tinham direitos iguais aos dos europeus. Mas mesmo assim continuavam a ser
tratados como “[…] cidadãos de segunda classe, alvos de preconceito racial, econômico e
social”

Contudo, a pretensão de “não-racista” era negada pelo próprio fundamento da política de


assimilação. Ser “assimilado” quer dizer ser considerado como pertencente à população
“civilizada”, restringindo-se originalmente esse critério aos brancos. Como a distinção
entre “civilizado” e “não civilizado” era feita em termos raciais, era difícil não considerar
esta atitude racista. Tentou-se mascarar o racismo dando-lhe um aspecto cultural: “o
africano era aceite como civilizado e integrado na sociedade portuguesa se atingisse um
certo nível cultural que incluía a capacidade de ler e escrever em português. Considerando
a elevada percentagem de analfabetos entre os colonos portugueses em África, era difícil
perceber por que é que estes não eram também incluídos entre os “não civilizados” a
menos que se admitisse que a distinção era de fato feita em termos de raça e não de
cultura” (FERREIRA, 1977:141).

Porém, mesmo a “generosidade” de permitir aos africanos que se tornassem “mais


civilizados” e assim, pelo menos teoricamente, gozassem dos mesmos direitos que os
outros portugueses, era de um alcance muito restrito, tendo em conta os obstáculos que
impediam os africanos de atingir essa condição. Por conseguinte, poucos africanos tinham
possibilidades materiais para atingir a educação formal necessária, condição sine qua non
para a assimilação. Esta situação pode ser mostrada com dados estatísticos na Guiné: em
uma população de 1500 para 503.000 em 1950 (FERREIRA, 1977: 142). Os outros
africanos “não civilizados” não tinham direitos civis.

Com abolição formal do Estatuto do Indígena, em 1960, isto é, nas vésperas do


desencadeamento da luta armada) não houve praticamente nenhuma mudança
significativa. Todos os africanos das colônias foram declarados cidadãos portugueses
contudo, foram emitidos bilhetes de identidade diferentes (FERREIRA, 1977: 142).

A política de assimilação mostrava que Portugal não havia conseguido aniquilar a


resistência dos povos dominados e assim sequer enfraquecido essencialmente a cultura
dos africanos. Transmitindo oralmente a sua literatura, e também através de canções
populares, os africanos conseguiram preservar as suas línguas e continuar a falá-las. A sua
cultura não se manteve totalmente intacta, mas sobreviveu, sem dúvida, a muitas das
atrocidades cometidas pela colonização portuguesa. Contudo, a cultura dos povos
africanos foi profundamente afetada pelo impacto do colonialismo português. O
colonialismo português provocou um desmantelamento profundo dos modos de vida e de
subsistência tradicionais.

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