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Heleieth I. B. Saffioti ..Género, patriarcado, violéncia Fundagio Perseu Abramo Instituida pelo Diret6rio Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996. Diretoria Hamilton Pereira (presidente) ~ Ricardo de Azevedo (vice-presidents) ‘Selma Rocha (disetora) ~ Flivio Jorge Redrigues da Silva (diretor) Editora Fundagio Persen Abramo Coordenacio Editorial ‘Flamarion Maués Editoragiio Eletronica ‘Enriqne Pablo Grande Foto da capa Photodise Impressio. Bartira Grafica 1 edigdo: margo de 2004 ‘Todos of direites reservados A tora Fundagio Perseu Abramo ‘Raa Francisco Cruz, 224 (041374091 — Sap Paulo ~ SP — Brasil 5873-4299 ~ Fax: (12) 5573-0910 Correio eletrOnico: editoravendas@fpabramo.ory.br Visite a home-page da Fundagio Perseu Abram Inttpi//wwewfpa.org.br Copyright © 2004 by Heleieth Iara Bongiovani Saffiot ISBN 85-7649-002-9 A Dra. Marisa Moura Verdade, que me ensinow a trilhar noves caminhos Tenho para minha vida A busca como medida 0 encontro como chegada E como ponto de partida. (Sergio Ricardo) Heleieth |. B. Saffioti Bacharel e licencieda, curso de Ciéncias Sociais, na entio chamada Faculdade de Filosofia, Ciéncias ¢ Letras, Universidade de Séo Paulo (USP) ~ 1960. Bacharel em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Arara- quara, 1983, Professora assistente de Sociologia na ento Faculdade de Filosofiz, Ciéncias e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista (Unesp), 1962-1967, Professora titular de Sociologia, da mesma insti quando se aposentou. Doutora ¢ livre docente, na mesma instituico, em 1967. Professora de Sociologia, do Programa de Estudos Pés-Graduados em Faculdade de Ciéncias Sociais, Pontificia Universi- Gade Catdlica de Sio Paulo (PUC-SP), desde 1989, Pesquisadora, em Sociologia, na USP, 1988-1992. Pesquisadora, em Sociologia, na Universidade Federal do Rio de Ja- neiro (UFRJ), na qual fundou um niicleo de estudos de género, Faga/etnia, classes sociais (Gecem), orientou dois mestrados @ leci now no curso de mestrado por um semestre (por solicitagio da en dade, na medida em que, na condigao de pesquisadora, nao tinhe funcdes docentes), 1988-199: Atividades docentes de pesaui Publicago: + Livros: 10, um dos quais _publicado também nos Estados Unidos. + Artigos em revistas cientificas: 79, alguns dos quais publicados também nos Estades Unidos, em paises europeus e em outros pal- ses latino-americanos; + Capitulos de livros: 7, alguns dos quais publicados também nos Estados Unidos, em paises europeus e em outros paises latino- Outras publicagées: 12. Orientagio de dissertagdes e de teses: + Dissertagdes de mestrado: 11 + Teses de doutorado: 28 Conferéncias: 207 . Participagdes em congressos nacionais ¢ internacionais: 144 Premios + Cadeira-Prémio no Instituto de Edueagdo “Caetano de Campos", em 1954; + Prémio Mulher- (ei de 2002); + Prémio Florestan Fernandes (um dos seis soeidlogos que mais con- tribufram para o desenvolvimento da Sociologia no Brasil, concedi- do pela Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), na abertura do XI Congresso da SBS, em 01/09/2003 (prémio ins! gd, 1967-1982, jadora na Unesp e na PUC. jada Bertha Lutz, Senado da Repiiblica, 2002 iw le 3 iS =. IS Introdugio A realidade nua e crua © conceito de violéncia 0 tabu do incesto Género, raga/etnia, poder Descobertas da drea das perfumarias .... ‘A mulher brasileira nos espagos ptblico e privado..... 43 © coneeito de género.. Violéncia contra as mulheres... © conceito de patriarcado Lesio Corporal Dolosa.... ‘Genero, patriareado,volincia Para além da violéncia urbana. © significado da violéncia Pontos de referéncia Violéneia doméstica ern Delegacias de defesa da mulher..... ‘A maquina do patriareado .. As origens do conceito de género Genero e poder... 107 113 118 Género e patriarcado.. GBnerO e ideo rn 123 Interpretagdo patriarcal do patriareado 127 Género x patriareado ... 132 Referéneias bibliogrificas 144 Heleieth 1B Sace Introducéo Este livro, incidindo, grosso modo, sobre violéncia contra mu- Iheres, destina-se a todos(as) aqueles(as) que desejam conhecer fenémenos sociais relativamente ocultos ~ ou por que hé que se reservar a familia, por pior que ela seja, na medida em que esta instituigGo social esta envolta pelo sagrado, ou porque se tem vergonha de expé-los. Com efeito, um marido que espanca sua mulher, em geral, é poupado em varios dos ambientes por ele freqiientados, em virtude de este fato nao ser de conhecimento piblico. Também interessa a vitimas e agressores, jé que podem, certamente, identificar, em sua relagio violenta, algumas de suas. rafzes, encorajando-se a buscar ajuda. Os que ignoram o fendme- no, por terem tido sorte de nem sequer haver presenciado as modalidades de violéncia aqui tratadas, podem desejar ampliar sua cultura, Ha uma outra categoria de leitores, interessados por lises tebricas desta violéncia, pondo em especial relevo con- ceitos como 0 de género ¢ 0 de patriarcado, que, seguramente, Ginero patrancado, vo 9 ts se interessardo por ler este livro. Trata-se de iniciados(as) insa~ tisfeitos(as) com o que aprenderam, tendo agora a seu dispor is um texto seja para criticé-lo, seja para a ele aderir, seja, incorporar algumas idéias e rejeitar outras. Jo do nimero de paginas constitui um sério problema para uma sociéloga notoriamente prolixa. O volume de dados coligidos pela Fundagao Perseu Abramo com a pesquisa “A mu- her brasileira nos espacos piblico e privado”, realizada por seu Niicleo de Opinio Péblica, e que foi utilizada neste trabalho, ul- trapassa, de longe, as pretensbes de anélise de uma cientista so- cial, que talvez pudesse usé-los em dois livros ou mais. Jamais em um nico. Leitores em busca de dados sentir-se-do frustrados, imagina-se'. A autora tem o dlibi de que o ser humano niio é per~ feito, sobretudo ela prépria. Ser o caso de pedir desculpas ao leitor? Nao se pensa desta forma, pois é muito mais fécil divulgar dados que construir referenciais te6ricos para analisé-los. Ob- viamente, se nutre a perspectiva de agradar. Se, todavia, isto ndio ocorrer, como toda obra & datada e todos os membros da socie- dade esto sujeitos 2 mudanca, poderd surgir uma outra, menos subversiva que esta, em termos de conceitos reformulados e da propria concepgao da Histéria. Se o marxismo classico atribufa importancia exeessiva a0 macropoder e se os autores que cha- maram a atengfo para a relevancia do micropoder nfo apresen- taram um projeto de transformagio da sociedade na diregaio da democracia integral, este livro propde-se combinar macro e mi- croprocessos, a fim de avangar na obtengao deste objetivo. 0 feminismo aqui esposado traz, em seu bojo, um potencial ‘tico bastante capaz de apontar caminhos, trilhas, picadas para se atingir o alvo expresso e desejado, ou seja, a democra- ia plena, Entretanto, isto nao basta; & preciso saber utilizé-lo, selecionando as melhores estratégias em cada momento, o que ‘abe 20 leitor julgar e realizar. Esta avaliagio, certamente, abri- 14 A autora as portas que ela nZo logrou abrir sozinha. ' Os dados datalhados da pesquisa podem ser obtidos em wonn.tpa.org.brinop. 70 1. A tealidade nua e cru Sempre que se faz uma pesquisa com a finalidade de se verifi- car quais so as maiores preocupagGes dos brasileiros, apare- cem, infalivelmente, o desemprego e a violéncia. Ja ndo se trata de preocupacGes tio-somente dos habitantes dos grandes cen- tros urbanos, como Sio Paulo e Rio de Janeiro, isolados até hd alguns anos, mas de praticamente todas as capitais de estados e do Distrito Federal. Pior que isto, estes dois flagelos tomaram conta das cidades de porte médio e até de pequenos municipios. © crime organizado, expresstio méxima da violéncia, era restri- to ao Rio de Janeiro. Ha aproximadamente duas décadas, Sao Paulo passou a rivalizar com 0 Rio de Janeiro, nesta terrivel atividade. Hoje, este fendmeno est generalizado. De um lado, o crime organizado vive nababesca e tranqitila- mente nas entranhas do Estado, quer federal, estaduais ou mu- nicipais. Este fendmeno lesa 0 povo brasileiro, j& tio sacrificado pelo decréscimo real, ¢ até mesmo nominal, de seus rendi Gina pticadeinda tos, em virtude de demissdes de funcionérios, sucedidos por novos, recebendo saldrios mais baixos. Tal fato do tun over ou rotatividade da forga de trabalho, antes provocado pelos em- pregados, em busca de empresas dispostas a remuneré-los com certa generosidade, introduzindo fatores de humanizacio no ambiente de trabalho, hoje se produz em conseqiiéncia da ne: cessidade de menor dispéndio com salarios de trabalhadores, a fim de aprofundar o processo de exploragio-dominagio e, des- ta maneira, tornar mais rentdveis seus empreendimentos. ‘Tomando-se apenas o ano de 2003, aqueles que vivem de sa- lérios sofreram uma perda real de cerca de 15% em seus rendi- mentos, ou seja, em seu poder aquisitivo. Este fato, num con- texto de altas taxas de desemprego, que ultrapassa 20% da PEA (populagao economicamente ativa) do municipio de Sao Pau- Jo, outrora a Meca dos habitantes de outras regides, assume proporgées insustentéveis. Se, de um lado, a taxa de desem- prego é alta, de outro, um ntimero decrescente de trabalhado- res, com poder aquisitivo em queda, deve produzir o suficien- te para sustentar aqueles que nem sequer no setor informal de trabalho conseguiram inserir-se. A rede familiar de solidarie~ dade desempenha importante papel, evitando que cresgam, numa medida ainda mais cruel, os contingentes humanos sem teto, sem emprego, sem rendimento, isto é, em franco processo de desfiliagdo (Castel, 1995) Grosso modo e ligeiramente, a desfiliagéo consiste numa série de fatos sucessivos: desemprego, impossibilidade de pagar o alu- guel, perda da moradia e, portanto, do endereco, perda dos cole- gas e dos amigos, esfacelamento da familia, cortes erescentes dos lagos sociais, cortes estes responséveis pelo isolamento do cida- dio. Enfim, de perda em perda, 0 desfiliado encontra-se no nfo- lugar, talvez no vazio mais doloroso para um ser humano, que, como jé dizia Aristételes no 1v século a.C., 6 um ser politico*. » Palavra derivada de pls, isto &, cidade em grego. A mais corrota tracupéo de pélis, no contaxto em que escreveu 0 flésofo, & gregarismo. D Face it No Brasil, contingentes humanos nestas circunstancias fo- ram denominados inempregdveis pelo presidente socidlogo Este ignominioso apelido revela uma faceta da pedra angular do liberalismo ou neoliberalismo. Quando 0 trabalhador ex perimentou o desemprego de longa duragio, tendo buscado, durante anos, nova colocag&o e, em vez dela, encon- trado o isolamento, a solidio, o nao-lugar, a responsabilidade deste fracasso é-Ihe imputada pelo governante de plantio, que soube ser submisso, sobretudo ao Império, mas néo soube transformar a posig¢ao de seu proprio pais numa insergdo so- berana no cendrio internacional, tarefa que o presidente me- talirgico realizou, em grande parte e com extraordinéria ha- bilidade diplomatica, em apenas um ano de governo E piiblico e notério que este processo é cotidiano ¢ infinito, pensando-se 0 poder nfo como um objeto do qual se possa realizar uma definitiva apropriagdo, mas como algo que fl que circula nas e pelas relacdes sociais (FOUCAULT, 1981). Esta instabilidade do poder, ou melhor, esta rotatividade dos poderosos nfo ocorre apenas na micropolitica, mas também na macropolitica. A malha fina e a malha grossa nao séo ins- tancias isoladas, interpenetrando-se mutuamente, uma se nu- trindo da outra. Nao ha um plano ou nivel micro e um plano ow nivel macro, linguagem utilizada por certos autores (Guarrari, 1981; GUATTARI e ROLNIK, 1986; FOUCAULT, 1981; 1997), nfo obstante a relevancia de sua contribuigao teérica 0 poder deve sar analisado como algo que crcl, ou melhor, camo algo {que 65 funciona em cada. [..] O podar funciona e se exerce em rede. Nas ‘suas malhas os indviduos no s6 creulam, mas esto sempre em posicao de exercer este poder o de scirer sua ago: nunca s4o 0 alva inerte ou consentido do poder, s40 sempre centros de vansmissdo. Em outros tor- mos, 0 poder ndo se aplca aos indviduos, passa por eles. (.] Efetvamente, agulo que faz com quo um corpo, gestos, discursos © dasojos sejarn idanifieados e constituldes enquanio individuos é um dos pr depoder. Ou seja,oinsvidun nBo 6 0 outro do poder: 6um de seus prmelros fens. O individu é um efeite do poder e simultaneamente, ou pelo préprio. fio de ser um ofeto, & seu contro de transmissao. O poder passa através [sic] eo individuo que ele consti (1881, p. 183-4) Género, pateaneado, vi B Trata-se de microprocessos, assim como de macroprocessos, operando nas malhas fina e grossa, “uma sendo 0 avesso da outra, nao niveis distintos’ (SaFFIOT!, 1999, p. 86). Como 0 poder vincula-se, com freqiiéncia e estreitamente, a riquezas, talvez seja interessante fazer uma breve incursio pelo terreno econémico. Vive-se uma fase impar de hegemonia do capital financeiro, parasitério, porque nada ceria, Esta 6, certa- mente, a maior ¢ mais importante fonte da instabilidade social no mundo globalizado. A concentragéo mundial de riquezas atingiu to alto grau, que gerou um perigo politico a temer-se. Fruto de fuses de empresas ¢ outros mecanismos que tam- bém corroboram na realizagio de uma determinagao inerente a0 capitalismo: a acumulagio de bens em poucas mos e a far- ta distribuigao da miséria para muitos, nestas abissais desi- gualdades morando o inimigo, ou seja, a contradigio fundante deste modo de produgio, ao qual so inerentes a injustica e a iniqiiidade. Sem a concretizagio desta verdadeira lei, acumu- lagao e miséria, 0 capitalismo nfo se sustentaria, ou melhor, nem seria capitalismo. Exatamente em virtude disto, o capita~ lismo esta sujeito a crises de prosperidade e de recessao, che~ gando & depressio, cujo exemplo maximo, até 0 momento, foi a crise de 1929. 0 famoso crash da Bolsa de Nova Iorque trans- formou em pobres contingentes humanos riquissimos, do dia para a noite, repercutindo este desastre em todas as Areas da producdo e, por conseguinte, desorganizando a economia nor- te-americana e outras dela dependentes. 0 poder descreveu trajetoria semelhante. Hoje, tem-se uma economia-mundo, com a produgao de mercadorias, envolvendo, inclusive em termos de espago geogrifico, varios paises. Vale dizer que, atualmente, o mundo est organizado em redes de informa- ho, de produgio, de traca ete., exceto qualquer rede de soli- dariedade a nao ser esporddica e eventual, disto derivando, em caso de um crash de qualquer Bolsa importante, um verda- deiro desastre em termos globais. Com 0 predominio quase absoluto do capital financeiro, no momento presente, nao se est imune a um novo crash, capaz de levar de roldao paises 4 Heleith LB Suo8 ditos de primeiro mundo, assim como os agora denominados emergentes, para nZo falar nos pobres, cuja miséria se apro- fundaria. Disto talvez decorresse uma nova organizacéo mun- dial, incluindo-se mudangas do lugar ocupado por cada nagio no cenéric ternacional. Nas décadas de 1950-1960, o Brasil, como também outras nagées no mesmo estdgio de desenvolvimento, recebiam o nome de subdesenvolvidas. Na década de 1970, passaram a chamar-se paises em via de desenvolvimento e, a partir dos anos 1980, tornaram-se emergentes. Os nomes tém sofrido variag6es, mas a distancia econémico-social entre o niicleo orginico, a semiperiferia e a periferia ou continua a mesma ou aumenta (ARRIGHI, 1997). Mutatis mutandis, embora a globalizagio tenha gerado novos processos e produtos, que nio podem ser ignorados, a légica da dominacio-exploragéo entre paises e entre classes sociais, nos limites de cada nagao, continua a mesma. Todavia, nio se fala mais em imperialismo. Este termo sé é utilizado pelos alcunhados, com desprezo, de dinossauros. Mas, como diriam os franceses: Plus ca change, plus c'est la méme chose, isto é, quanto mais muda mais 6 a mesma coisa, As chamadas drogas pesadas, sem divida, desempenham importante papel no crescimento da violéncia conhecida como violéncia urbana, no Brasil. Cidades de porte médio, e também maiores e menores que estas, nas quais qualquer crime seria de clamor péblico, dada sua raridade, competem com os gran- des centros urbanos em matéria de violéneia. Ribeirdo Preto (sp) ilustra muito bem esta situacdo: de cidade pacata, tornou- se extremamente violenta, tendo o crime organizado do nar- cotrifico invadido o meio rural. Rota dos avides que transpor- tam drogas especialmente da Colémbia e da Bolivia, mas tam- bém do Peru, os fardos de drogas so atirados nos canaviais. Trabalhadores rurais de baixissimos saldrios recolhem tais far- dos para distribuigio. Como os adultos precisam trabalhar na cana, as criangas so transformadas em “avides”. Obviamente, no apenas suprem a demanda urbana por este produto, como (Genero, parincada, violinia 15 também passam a consumi-la. Assim, o trabalhador do campo tem sua vida cotidiana invadida por uma atividade mereantil fora da lei e por um vicio, ambos destruidores de seus valores culturais, desorganizando, desta sorte, até suas famflias. Que hijo se pense que tais trabalhadores sto camponeses. Quem Irabatha na cana tornou-se, hé muito tempo © necessariamen- assalariado. Pior que isto, 0 que Ihe sobrou foi ser um assa~ indo sazonal. Nos meses do corte da cana, os trabalhadores jeais sio insuficientes para atender 4 demanda de forga de abalho, chegando estas plantagées a absorver trabalhadores 10 Vale do Jequitinhonha mineiro, que para 14 migram todos < anos, deixando as mulheres para cuidar do rogado, isto & a pequena gleba na qual se plantam alimentos. Estes movi- entos migratérios ocorrem todos os anos. Nem todos os tra~ athadores, entretanto, voltam para o Vale, a fim de se juntar vos demais membros de suas familias. Muitos permanecem na eriferia da cidade, constituem novas familias, trabalham re- rularmente no perfodo do corte da cana, vivendo de pequenos ‘bieos” durante o restante do ano, Na auséncia de pesquisa, ndo se sabe quantos deles continua traficando drogas ¢/ou dquiriram o hébito de consumi-las. As fronteiras, jé muito lénues, entre o urbano e o rural deixaram de existir. A comercializagao das drogas também se globalizou, dissemi- nando-se por todo o territério nacional. Mais do que isto, to- mou conta do planeta. E, comprovadamente, ela produz.alte- rages do estado de consciéneia, eapazes de comprometer, de modo negativo, 0 cédigo de ética dos que se dedicavam ape- nas ao trabalho licito como ganha-pao. ‘A isto se deve acrescentar as drogas licitas, como éleool ¢ waco. Ha uma inegdvel permissividade social com relagio a0 1iso destes produtos. Ha, mesmo, incentivo a que os jovens 03 -onsumam, j4 que sua publicidade sempre os associa a forga, coragem, charme. S6 muito recentemente, a sociedade brasi- cira tomou conseiéncia da gravidade do consumo de massa, uyue atinge faixas etérias cada vez mais baixas, dos produtos em pauta, tendo comegado a alertar a populagdo para as enfer- eee esteem eet Helse Sato midades que seu consumo provoca. Caberia chamar a atencao dos brasileiros também para a alteragio do estado de conscién- cia, no sentido de que 0 uso constante do alcool, por exemplo, nao somente pode provocar acidentes de transito como, igual- mente, violéncia contra outrem. Os estudiosos da violéncia urbana nao encontram correla cio positiva entre desemprego e violéncia. Se, porventura, jé fa encontraram no contexto de altas taxas de desemprego de longa duragio, nao se tem conhecimento disto. Para os estu- diosos da violéncia de género, da violéncia contra mulheres, da violéneia doméstica e da violéncia intrafamiliar, esta asso- ciagio é clara, havendo relatos de funcionarias de albergues para mulheres vitimas de violéncia e seus filhos que demons- tram, com niimeros, tal correlagio. nceito de violénd “Antes de dar prosseguimento A anélise, cabe discutir 0 con- ceito de violéncia. Os habitantes do Brasil, ¢ até estrangeiros que aqui vém fazer turismo, saberiam muito bem definir vio- éncia, pois ou foram diretamente atingidos por algama moda- lidade dela ou tém, em suas famflias e/ou em seu circulo de amizades, algum caso a relatar. Os seqiiestros sfio freqitentes, como também 0 séo homic{dios, latrocinios, ameagas de mor- te, roubos, sendo a diferenga entre furto e roubo a componen- te violencia, contida neste ‘iltimo, enquanto no furto hé so- mente a subtracio de dinheiro e/ou outros objetos. As pes- soas habituaram-se tanto com atos violentos que, quando al- guém é assaltado e tem seu dinheiro e seus documentos furta- dos, dé-se gragas a Deus pelo fato de a cidada ou o cidadao ter saido ilesa(o) da ocorréncia, Assim, 0 entendimento popular da violéncia apdia-se num conceito, durante muito tempo, ¢ ainda hoje, aceito como 0 verdadeiro € o tinico, Trata-se da violéneia como ruptura de qualquer forma de integridade da vitima: integridade fisica, integridade psiquica, integridade sexual, integridade moral. Observa-se que apenas a psiquica (Generopatiarcado, vielncia 7 a moral situam-se fora do palpavel. Ainda assim, caso a violén- cia psiquica enlouquega a vitima, como pode ocozrer ~ e ocor- re com certa freqiiéncia, como resultado da prética da tortura por razées de ordem politica ou de cércere privado, isolando- sea vitima de qualquer comunicagao via rédio ou televiséo de qualquer contato humano -, ela torna-se palpfvel. Come 0 ser humano é gregério, 03 efeitos do isolamento podem ser trgicos. Mesmo nfo se tratando de efeitos tangiveis, siio pas- siveis de mensuragio. H4 escalas psiquiatricas e psicolégicas destinadas a medir as probabilidades de vir a vitima a cometer suicidio, a praticar atos violentos contra outrem, consideran- do-se, aqui, até mesmo animais assassinados com crueldade. A vitima de abusos fisicos, psicoldgicos, morais e/ou sexu- ais é vista por cientistas como individuo com mais probabili- dades de maltratar, sodomizar outros, enfim, de reproduziz, contra outros, as violéncias sofridas, do mesmo modo como se mostrar mais vulnerdvel as investidas sexuais ou violéncia fisica ou psiquica de outrem. Em pesquisa realizada em quase todas as capitais de estados, no Distrito Federal e em mais 20 cidades do estado de Sao Paulo, esta hipétese nfo foi provada. Nesta investigagio sobre violéncia doméstica (SAFFIOTI, iné- dito), nenhuma informante, que fora vitima de abuso sexual de qualquer espécie, revelou tendéncia, seja de fazer outras vitimas, seja de maior vulnerabilidade a tentativas de abuso contra si mesma, Nao se defende a postura de que abusos se- xuais sejam inécuos, néo provocando traumas de dificil cura. Ao contrério, em outra pesquisa, esta sobre abuso incestuoso, nfio se encontrou nenhama vitima resiliente (SAFFIOTY, 1992). A resiliéncia constitui fenémeno muito raro. So resilientes pessoas capazes de viver terriveis dramas, sem, contudo, apre- sentarem um s6 indicio de traumas, sendo, portanto, conside- radas, por meio da aplicagio de testes e da observagao de sua conduta, absolutamente normais. Na mencionada pesquisa, assim como na vastissima literatura especializada internacio- nal, 0 abuso sexual, sobretudo incestuoso, deixa feridas na alma, que sangram, no inicio sem cessar, e, posteriormente, 8 ekesth B Saou sempre que uma situag&o ou um fato lembre o abuso sofrido. A magnitude do trauma ndo guarda proporcionalidade com re- lagio ao abuso sofrido. Feridas do corpo podem ser tratadas com éxito num grande niimero de casos. Feridas da alma po- dem, igualmente, ser tratadas. Todavia, as probabilidades de sucesso, em termos de cura, so muito reduzidas e, em grande parte dos casos, nfo se obtém nenhum éxito Dominaram o século xx dois pensamentos: 0 de Marx eo de Freud. Ambos, cada um a seu modo e em seu campo, questio- naram agressivamente as sociedades em que viveram. Produ- ziram idéias e andlises, por conseguinte, subversivas, legando ambos as geragdes posteriores patrimdnios culturais até hoje valorizados. No caso de Freud, porém, uma parte desta heran- a tem produzido resultados extremamente deletérios as viti- mas de abuso sexual, em especial do abuso incestuoso. Para Freud, e hoje para muitos de seus seguidores, os relatos das mulheres, que freqiientavam seu consultorio, sobre abusos sexuais contra elas perpetrados por seus pais eram fantasias derivadas do desejo de serem possuidas por cles, destronan- do, assim, suas maes. Na pesquisa realizada entre 1988 © 1992 (Sarrioti, 1992), no se encontrou um s6 caso de fantasia. A nga pode, e 0 faz, enfeitar o sucedido, mas sua base é real, isto 6, foi, de fato, molestada por seu pai, Contudo, 0 eserito de Freud transformou-se em bfblia e a crianga perdeu credibili- dade. Trate-se, em sua maioria esmagadora, de mulheres, que representam cerca de 90% do universo de vitimas. Logo, os homens comparecem como vitimas em apenas 10% do total. De outra parte, as mulheres agressoras sexuais estio entre 1% e 3%, enquanto a presenca masculina esta entre 97% e 99%. Na pesquisa sobre abuso incestuoso, jé referida, nfio se encon- trou nenhum garoto como vitima. Por via de conseqiiéncia, tampouco havia mulheres na condigao de perpetradoras de abuso sexual. £ preciso, contudo, pensar que pais vitimizam nao apenas suas préprias filhas, como também seus filhos, Num pais tio machista quanto o Brasil, este é um segredo muito bem guardado. Se a vizinhanga souber, diré que o destin da- ‘Ginero patarado valine 9

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