2 SAÚDE DIÁRIO POPULAR

DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2015 DIÁRIO POPULAR 3

Fotos Infocenter DP - Carlos Queiroz

O Diário Popular encaminhou o O estudo da pesquisadora com os

trabalho a um especialista em gené-
tica, o pelotense Gilberto Garcias. De
acordo com ele, o trabalho é conclu-
sivo quanto às alterações genéticas
provocadas pelo ambiente, mas novos
estudos devem ser realizados a longo
Reportagem especial do Diário
prazo para verificar se as alterações
Popular traz à tona incógnitas influenciam na expectativa de vida e
que giram em torno do carvão na incidência de câncer, por exemplo.
de Candiota, como problemas
no DNA, doenças respiratórias e
falta de informação
A CRM detém desde 1961 o direito de explorar a mina em Candiota
trabalhadores não continuou, pois
o projeto chegou ao fim. Para Gar-
cias, um projeto específico, efetivo
de acompanhamento para detectar
possíveis problemas na população,
é fundamental. “Se conhecermos
bem a realidade, teremos mais
chance de encontrar alternativas de
prevenção.”
Em maio de 2012, com resultados par-
sultados, comprovadamente, descartam
ciais, o estudo foi encaminhado ao MPT,
qualquer alteração genética associada ao
que abriu investigação com o Ministério
carvão mineral.” Entretanto, o Diário Po-
do Trabalho e Emprego (MTE) e realizou
pular solicitou detalhes do projeto mas não
uma série de ações de fiscalização na
obteve resposta dos responsáveis da Furg.
região. De acordo com Rohr, logo após a
A CRM também alegou que a inves-
conclusão a CGTEE assinou um Termo
tigação sobre a saúde dos empregados é
de Ajustamento de Conduta (TAC) se
feita, de forma rotineira, através dos exa-
comprometendo em adotar medidas de
proteção mais rígidas aos trabalhadores.
mes periódicos durante a permanência do
empregado nos quadros da empresa. Mas
Já a CRM não assinou, mas estaria em
não há acompanhamento nem exames
tratativas para assinar.
realizados a longo prazo com ex-funcio-
Somente na mineradora, 185 funcio-
nários, por exemplo. Quanto à fumaça
nários trabalham diretamente junto às
das detonações, ela atinge a população
áreas de extração e beneficiamento de
distante mais de cinco quilômetros da
carvão. Para o presidente do Sindicato
área de mineração, mas o processo é reco-
dos Mineiros, Wagner Pinto, o momento
nhecido como o melhor modo de quebrar
é de cautela. “Agora vamos acompanhar
o minério e o que gera menos poeira e
junto à empresa para ver qual o risco e
menor desgaste de equipamentos.
exigir mais responsabilidade para que
sejam feitas mais análises.”
Questionada pelo jornal, a CRM diz
que após saber dos resultados do estudo,
os procedimentos técnicos foram man-
tidos. De forma preventiva, a empresa
afirmou ter solicitado outra pesquisa,
à Universidade Federal do Rio Grande
(Furg). Em nota, a mineradora disse
“adiantar preliminarmente, que os re-

Diego Queijo
Candiota. O dia amanhece na campanha.
Um contingente de trabalhadores deixa
suas casas em cidades próximas e parte
rumo a Candiota. Mesmo de muito longe
é possível ver a torre da usina termelétrica.
Imponente no horizonte sobre os campos
do Sul do Brasil. Perto dali, há um bura-
co. A mina de carvão mineral forma uma
imensa cratera na superfície.
A rocha sedimentar é assunto por aqui
há mais de um século. Ela já despertou o
interesse de ingleses, espanhóis, portu-
gueses e tantos outros que queriam ser os
donos da riqueza abundante deste chão.
Desde 1961 a Companhia Riograndense de
Mineração (CRM) - empresa de economia
mista controlada pelo governo do estado
do Rio Grande do Sul - detém os direitos
de exploração da mina.
Porém, foi somente nos últimos anos
que análises dos efeitos do contato com
este carvão - considerado altamente
poluente - começaram a ser feitas. Nesta
reportagem especial de dois capítulos o
de informação. Os dados foram coletados
com base em investigações do Ministério
Público do Trabalho (MPT), do Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cerest) e da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
Neste primeiro capítulo o jornal mos-
tra aquele que é considerado o primeiro
estudo científico sobre a saúde dos tra-
balhadores da atividade carbonífera em
Candiota. E o resultado acende o alarme
para o perigo.
Entre os anos de 2010 e 2012, a pesqui-
sadora da UFRGS Paula Rohr realizou uma
série de testes com funcionários da CRM
e da Companhia de Geração Térmica de
Energia Elétrica (CGTEE). Ela analisou 128
indivíduos. Destes, 71 eram trabalhadores
expostos ocupacionalmente ao carvão, e
57 não. O trabalho demonstrou efeito ge-
notóxico e mutagênico do carvão em todos
os pesquisados, através da identificação
da presença de micronúcleos nas células
e quebra de DNA. Porém, este foi apenas o
primeiro passo, pois não há estudos sobre
as consequências dos danos na população.
gumentar de diversas formas, mas eles
não tinham interesse.” O trabalho só foi
realizado após o apoio do Sindicato dos
Mineiros. Durante a entrevista, a pes-
quisadora salientou que o estudo não é
“fatalista”. “Não posso afirmar que essas
pessoas terão problemas, mas os danos
identificados no DNA favorecem o desen-
volvimento de doenças.”
A mineração do carvão é uma ativida-
de com grande capacidade de poluir. Du-
rante o processo de extração e combustão
muitas substâncias são liberadas no ar. Em
Candiota a mineração ocorre a céu aberto,
pois a reserva é bastante superficial, de
até 50 metros de profundidade. Porém, o
carvão da região é considerado de baixa
qualidade, pois possui teores de enxofre
variando de 1 a 5%, e elevados teores de
cinzas. Na análise do ambiente, o solo
de Candiota mostrou também maiores
quantidades de fósforo, enxofre e chumbo,
quando comparado com o solo de Bagé,
onde não há a atividade de mineração.
A presença de metais induz às quebras
de DNA. Se identificado rapidamente,
A presença de carvão
em solo gaúcho
despertou, em # Ao analisar as células no microscópio, pode-
séculos passados, o se ver dois tipos de células.
interesse de povos
europeus Ou há uma célula normal, com um núcleo, ou
há uma célula com um micronúcleo do lado.
Os micronúcleos são formados quando há
problemas na divisão celular. Eles indicam que
parte do DNA ficou fora do núcleo principal.
O micronúcleo é uma pequena porção de DNA
quebrado, que sofreu mutação.
O teste Cometa é realizado através de uma téc-
nica chamada Eletroforese.
Nela, as células recebem uma carga elétrica e a
corrente quebra o DNA.
De acordo com a quantidade de danos, o núcleo
forma um desenho.
Se o DNA estiver íntegro, o núcleo se dispersa
inteiro.

Arte Augusto Barros - DP

Diário Popular traz à tona problemas já Por telefone, a doutora Paula Rohr este tipo de dano pode ser reparado. Mas Se há danos, as partículas menores vão mais
identificados, como a quebra de DNA na relatou a resistência das empresas para exposições contínuas podem lesar o DNA longe formando um desenho semelhante a um
população, doenças respiratórias e falta que o estudo saísse do papel. “Tentei ar- de forma irreversível. cometa. Cauda mais longa indicação de um grau
maior de quebra no DNA