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ROSA LUXEMBURG

REFORMA,
REVISIONISMO E
OPORTUNISMO

EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, S.A. Rio de


Janeiro, GB

CENTRO DO LIVRO BRASILEIRO, LDA.


Lisboa - Porto - Luanda
Tradução de LIVIO XAVIER

PREFÁCIO

O título dado a esta obra pode surpreender, à primeira


vista. Pode então a social-democracia ser contra as reformas?
Pode opor-se a revolução social, a transformação da ordem
existente, que constitui a sua finalidade, às reformas sociais?
Certamente que não. A luta cotidiana pelas reformas, pela
melhoria da situação do povo trabalhador no próprio quadro
Capa: P. BRETON do regime existente, pelas instituições democráticas, constitui,
mesmo para a social-democracia, o único meio de travar a
luta de classe proletária e trabalhar no sentido da sua finali-
dade, isto é, a luta pela conquista do poder político e supressão
do assalariado. Existe para a social-democracia um laço indis-
solúvel entre as reformas sociais e a revolução, sendo a luta
pelas reformas o meio, mas a revolução social o fim.
É na teoria de Eduardo Bernstein, tal como ele a expôs
nos seus artigos sobre os "Problemas do Socialismo, publica-
dos na NEUE ZEIT em 1897-98, e principalmente no seu livro
intitulado DIE VORAUSSETZUNGEN DES SOZIALIS-
MUS UND DIE AUFGABEN DER SOZIALDEMOKRA-
TIE (1) que encontramos pela primeira vez esta oposição dos
dois fatores do movimento operário. Praticamente, toda essa
teoria só tende a aconselhar a renúncia à transformação social,
à finalidade da social-democracia, e a lazer, ao contrário, da
Direitos desta edição reservados à EDITORA reforma social — simples meio na luta de classe — o seu fim.
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. Rua da É o próprio Bernstein que formula de modo mais claro e mais
Lapa 120 - 12.° andar Rio de Janeiro, GB característico o seu ponto de vista, quando escreve: "O obje-
tivo final, qualquer que seja ele, não me importa; o movi-
CENTRO DO LIVRO BRASILEIRO, LDA. mento é que é tudo".
R. Almirante Barroso — 1 3 - 2 . °
Lisboa Porto Luanda (¹) Os fundamentos do Socialismo e as finalidades da
1975 Social-Democracia.
8 ROSA LUXEMBURG

Mas, constituindo a finalidade do socialismo o único fator


decisivo que distingue o movimento social-democrata da demo-
cracia burguesa e do radicalismo burguês, o único fator que
transforma todo o movimento operário, de um vão trabalho
de remendão para salvar o regime capitalista, numa luta de
classe contra esse próprio regime, pela sua supressão, o dilema O MÉTODO OPORTUNISTA
"Reforma ou Revolução?", tal como o põe Bernstein, equivale
para a social-democracia à questão: "Ser ou não ser". Na
controvérsia com Bernstein e seus partidários, todos no Par-
tido devem compreender claramente que não se trata de tal
ou qual método de luta, do emprego de talhou qual tática, mas Se as teorias não passam de imagens dos fenômenos do
da própria existência do movimento socialista. mundo exterior na consciência humana, é preciso acrescentar,
em todo o caso, no que concerne à teoria de Eduardo Bernstein,
Mas, no caso em questão, é duplamente importante para que às vezes são imagens invertidas. Uma teoria da institui-
os operários o conhecimento desse fato, porque é precisamente ção do socialismo pelas reformas sociais — depois da com-
deles e de sua influência 'no movimento operário que se trata pleta estagnação do movimento pelas reformas sociais na Ale-
aqui, porque é o&m a pele deles que se põe à venda aqui. A manha; do controle da produção pelos sindicatos — depois
corrente oportunista no Partido, cuja teoria foi formulada por da derrota dos metalúrgicos ingleses; da conquista da maioria
Bernstein, nada mais é do que uma t&ntativa inconsciente de no parlamento — depois da revisão da Constituição saxônica
garantir o predomínio dos elementos pequeno-burgueses ade- e dos atentados contra o sufrágio universal! Mas o pivô da
rentes ao Partido, e de transformar a seu talante a política teoria de Bernstein não está, a nosso ver, em sua concepção
e os fins do Partido. No fundo, a questão de reforma e revo- das tarefas práticas da social-democracia, mas sim no que diz
lução, da finalidade e do movimento, não é senão a questão ele do curso do desenvolvimento objetivo da sociedade capita
do caráter pequeno-burguês ou proletário do movimento ope- lista, e que aliás se relaciona estreitamente com a sua concepção
rário, numa outra forma. das tarefas práticas da social-democracia.
Segundo Bernstein, um desmoronamento geral do capita-
Berlim, 18 de abril de 1899. lismo aparece como cada vez mais improvável de um lado,
porque o sistema capitalista manifesta uma capacidade de
adaptação cada vez maior e, de outro, porque a produção se
diferencia cada vez mais. A capacidade de adaptação do capi-
talismo manifesta-se, segundo Bernstein, em primeiro lugar no
ROSA LUXEMBURG desaparecimento das crises gerais, graças ao desenvolvimento
do sistema de crédito e das organizações patronais, das comu-
nicações e do serviço de informações; segundo, na tenacidade
das classes médias, como conseqüência da diferenciação cres-
cente dos ramos de produção, e da elevação de grandes cama-
das do proletariado ao nível da classe média; em terceiro
lugar, enfim, na melhoria de situação econômica e política do
proletariado, conseqüente à ação sindical.
Para a sua luta prática, decorre, do que, ficou dita, a
conclusão geral de que não deve a social-democracia dirigir a
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sua atividade no sentido da conquista do poder político, mas da organização e da consciência de classe do proletariado, que
da melhoria da situação da classe operária, e da instituição constitui o fator ativo da próxima revolução.
do socialismo, não como conseqüência de uma crise social e E' o primeiro desses três pivôs fundamentais do socialis-
política, mas por meio da extensão progressiva do controle mo científico que Bernstein suprime, pretendendo que o de-
social e aplicação gradual do princípio da cooperação. senvolvimento capitalista não se encaminha para um craque
O próprio Bernstein nada vê de novo em sua teoria. Ao econômico geral.
contrário, julga-a de conformidade tanto com certas declara- Mas, com isso, não é apenas uma determinada forma do
ções de Marx e Engels, quanto com a política geral da social- desmoronamento do regime capitalista que ele rejeita, é o
democracia. Contudo, parece-nos difícil negar que as con- próprio desmoronamento. Diz textualmente: "Poder-se-ia
cepções de Bernstein, estejam de fato, em formal contradição objetar que, quando se fala do desmoronamento da sociedade
com as concepções do socialismo científico. atual, se tem em vista outra cousa que uma crise comercial
Se o revisionismo de Bernstein consistisse apenas em geral e mais forte que as outras, isto é, um desmoronamento
afirmar que a marcha do desenvolvimento capitalista é muito completo do sistema capitalista, conseqüente às suas próprias
mais lenta do que se pensa em geral, isto, de fato, não teria contradições". E a isso respondeu ele: "Um desmoronamento
outra conseqüência que o adiamento da conquista do poder completo e mais ou menos geral do sistema de produção atual
pelo proletariado, com a qual, até agora, todos concordavam; se torna cada vez mais improvável, com o desenvolvimento
resultaria, no máximo, numa diminuição do ritmo da luta. crescente da sociedade, porque, com ele, aumenta de um lado,
Mas não é este o caso. Não é a rapidez do desenvolvi- a capacidade de adaptação, e do outro — isto é, por isso
mento da sociedade capitalista que Bernstein põe em causa, mesmo, — a diferenciação da indústria ( 1 )".
mas a marcha desse desenvolvimento mesmo, e por conseguinte Mas então se põe a questão capital: nesse caso, como e
da passagem ao regime socialista. por que havemos de chegar, em geral, à finalidade de nossas
aspirações? Do ponto de vista do socialismo científico, a ne-
Se a teoria socialista afirmava até agora que o ponto cessidade histórica da revolução socialista manifesta-se antes
de partida da transformação socialista seria uma crise geral de tudo na anarquia crescente do sistema capitalista, anarquia
e catastrófica, é preciso, a nosso ver, distinguir, a respeito, essa que o leva a um impasse. Mas se admitirmos com Bernstein
duas coisas: a idéia fundamental que se contém nessa teoria
que o desenvolvimento capitalista não conduz à sua própria
e sua forma exterior.
ruína, então o socialismo deixa de ser objetivamente necessário.
A idéia consiste na afirmação de que o regime capitalista, Das chaves-mestras da explicação científica do socialismo só
devido às suas próprias contradições internas, prepara por si restam, então, os dois outros resultados do regime capitalista,
mesmo o momento em que tem de ser desmantelado, em que isto é: a socialização do processo de produção e a consciência
se tornará simplesmente impossível. Que se tenha considerado de classe do proletariado. É também o que Bernstein tem em
esse momento sob a forma de uma crise comercial geral e catas- vista quando diz: "A supressão da teoria do desmoronamento
trófica, não deixa de ser de importância inteiramente secun- em nada diminui a força de persuasão da doutrina socialista.
dária para a idéia fundamental, embora houvesse para isso Porque, se os examinarmos atentamente, que são os fatores
muito boas razões. todos por nós enumerados, de supressão ou modificação das
Baseia-se o fundamento científico do socialismo, como é crises antigas? Na verdade, nada mais que condições, e até
sabido, em três resultados principais do desenvolvimento capi- mesmo, em porte, germes de socialização da produção e da
talista: primeiro, na anarquia crescente da economia capita- troca ( 2 )".
lista, a qual conduz à sua ruína inevitável; segundo, na socia-
lização crescente do processo de produção, que cria os germes (1) Neue Zeit, 1897/98, V. 18, p. 555.
do regime social futuro, e terceiro, no reforçamento crescente (2) Neue Zeit, 1897/98, V. 18, p. 554.
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Basta contudo um pouco de atenção para que se compreen- da sociedade, cai. A teoria revisionista está diante de um
da que esta conclusão é igualmente falsa. Em que consiste a dilema: ou a transformação socialista é, como em geral se
importância dos fenômenos caracterizados por Bernstein como admitia até agora, conseqüência das contradições internas do
meios de adaptação capitalista, isto é, dos cartéis, sistema de regime capitalista, e então, ao mesmo tempo que ele, se desen-
crédito, desenvolvimento dos meios de comunicação, melhoria volvem igualmente as contradições que o regime encerra, re-
da situação da classe operária etc.? Manifestamente, em que sultando daí que o seu desmoronamento de uma forma ou outra,
eles suprimem, ou pelo menos atenuam, as contradições inter- é inevitável, num momento dado, e nesse caso os "meios de
nas da economia capitalista, e impedem o desenvolvimento e a adaptação" são ineficazes e a teoria do desmoronamento é
agravação destas. Assim, a supressão das crises significa justa. Ou então os "meios de adaptação" são realmente de
supressão do antagonismo entre a produção e a troca na base natureza a impedir um desmoronamento do sistema capitalista
capitalista, a melhoria da situação da classe operária, quer e, por conseguinte, tornar o capitalismo capaz de se conservar
como classe operária, quer na medida em que algumas de suas com vida, portanto de suprimir as suas contradições; mas,
frações penetram na classe média, significa atenuação do nesse último caso, o socialismo deixa de ser uma necessidade
antagonismo entre Capital e Trabalho. Mas se os cartéis, o histórica, e será então o que se queira, menos o resultado do
sistema de crédito, os sindicatos etc., suprimem assim as con- desenvolvimento material da sociedade.
tradições capitalistas, e se, por conseguinte, salvam da ruína Este dilema leva a outro: ou o revisionismo tem razão no
o sistema capitalista, se permitem ao capitalismo conservar-se que diz respeito à marcha do desenvolvimento capitalista, e a
em vida — é por isso que Bernstein os chama de "meios de transformação socialista da sociedade não passa de utopia, ou,
adaptação" — como podem eles ao mesmo tempo ser "condições então, o socialismo não é utopia, e logo a teoria dos "meios de
e mesmo, em parte, germes" do socialismo? Manifestamente, adaptação" é errada. That is the question. E' assim que se
só no sentido de exprimirem eles, com maior clareza, o caráter põe a questão.
social da produção. Mas, conservando-a na sua forma capita-
lista, tornam supérflua, inversamente, nessa mesma medida, a
transformação dessa produção socializada em produção socia-
lista. Eis porque só podem ser germes ou condições do regime
socialista no sentido teórico, e não no sentido histórico, isto
é, são fenômenos que, nós o sabemos em virtude de nossa con-
cepção do sacialismo, lhe são afins mas, de fato, não só não
conduzem à revolução socialista, como a tornam, ao contrário,
supérflua. Portanto, resta apenas a consciência de classe do
proletariado, como fator do socialismo. Mas no caso vertente
esta última também é, não o simples reflexo intelectual das
contradições crescentes do capitalismo e de sua derrocada
próxima, uma vez que os meios de adaptação a impedem, mas
um simples ideal, repousando sua força de persuação unica-
mente nas perfeições que se lhe atribuem.
Em suma, chegamos assim a uma explicação do programa
socialista por intermédio da "razão pura", o que quer dizer,
em linguagem mais simples, uma explicação idealista, ao passo
que a necessidade objetiva do socialismo, isto é, a explicação
do socialismo por toda a marcha do desenvolvimento material
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as forças produtivas criadas à sua custa. Ao primeiro sintoma


da crise, o crédito desaparece, abandona as trocas, justamente
quando seria, ao contrário, indispensável, e, onde ainda se
oferece, apresenta-se como inútil e sem efeito, reduzindo assim
ao mínimo, durante a crise, a capacidade de consumo do
A ADAPTAÇÃO DO CAPITALISMO mercado.
Além desses dois resultados principais, o crédito age di-
versamente na formação das crises. Não constitui somente o
meio técnico de fornecer a um capitalista capitais alheios dis-
O sistema de crédito, os meios de comunicação aperfei- poníveis; é, ao mesmo tempo, para ele um estimulante para
çoados e as organizações patronais, são os meios mais impor- o emprego ousado e inescrupuloso da propriedade alheia, para
tantes que produzem, segundo Bernstein, a adaptação da especulações arriscadas, por conseguinte. Não só agrava a
economia capitalista. crise, na qualidade de meio dissimulado de troca das merca-
Quanto ao crédito, preenche ele, na economia capitalista, dorias, como lhe facilita a formação e a extensão, transfor-
diversas funções, mas o seu papel mais importante, como se mando toda a troca em um mecanismo extremamente complexo
sabe, é aumentar a capacidade de extensão da produção e e artificial, com um mínimo de metal por base verdadeira,
facilitar a troca. Onde quer que a tendência interna da pro- provocando assim, ao menor pretexto, perturbações nesse
dução capitalista à expansão ilimitada esbarre nos limites da mecanismo.
propriedade privada, nas dimensões restritas do capital pri- Assim, em vez de um meio de supressão ou atenuação das
vado, o crédito aparece como meio de ultrapassar esses limites crises, o crédito, ao contrário, não é senão um meio parti-
de maneira capitalista, de fundir num só capital muitos ca- cularmente poderoso de formação das crises. Aliás, não podia
pitais privados — sociedades por ações — e de permitir que ser de outro modo. A função específica do crédito consiste,
um capitalista disponha de capitais alheios — crédito indus- de fato — para falar de um modo geral — em eliminar o
trial. Por outro lado, na qualidade de crédito comercial, resto de fixidez de todas as relações capitalistas, em intro-
acelera a troca de mercadorias e, por conseguinte, o refluxo» duzir por toda parte a maior elasticidade possível, e em tornar
do capital para a produção, ou, em outras palavras, todo o todas as forças capitalistas extensíves, relativas e sensíveis ao
ciclo do processo de produção. É fácil compreender a influên- mais alto grau. E’ evidente que com isso ele só facilita e
cia que essas duas funções principais do crédito exercem na agrava as crises, que outra coisa não são senão o choque pe-
formação das crises. Se as crises nascem, como se sabe, em riódico das forcas contraditórias da economia capitalista.
conseqüência da contradição entre a capacidade de expansão, Mas isto nos leva a outra questão, a saber como pode o
a tendência à expansão da produção e a capacidade de consumo crédito, de modo geral, apresentar-se como "meio de adapta-
restrita do mercado, o crédito é, precisamente, pelo que ficou ção" do capitalismo. Quaisquer que sejam o prisma e a forma
dito acima, o meio específico de pôr em evidência essa con- sob os quais se imagine essa "adaptação" devida ao crédito,
tradição sempre que possível. Antes de tudo, aumenta de forma manifestamente ela só pode consistir na supressão de um dos
incomensurável a capacidade de expansão da produção e cons- antagonismos da economia capitalista, na supressão ou ate-
titui a força motriz interna que a leva constantemente a nuação de uma de suas contradições, e na liberdade de movi-
ultrapassar os limites do mercado. Fere, porém, por dois lados. mento assim facultada, num ponto qualquer, às forças enca-
Depois de ter provocado a superprodução, na qualidade de deadas. Todavia, se existe na economia capitalista atual um
fator do processo de produção, não deixa por isso de destruir meio de agravar ao máximo os seus antagonismos, é ele, pre-
com segurança, durante a crise, na qualidade de fator da troca, cisamente, o crédito. Agrava o antagonismo entre o modo de
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produção e o modo de troca, estendendo a produção ao extremo econômica e o resultado das associações patronais consistem
e paralisando a troca ao menor pretexto. Agrava o antago- em influir, por meio da supressão da concorrência interna,
nismo entre o modo de produção e o modo de apropriação, num ramo qualquer da produção, na repartição do total do
separando a produção da propriedade, transformando o capi- lucro realizado no mercado, visando aumentar a parte que toca
tal empregado na produção em capital social, mas transfor- àquele ramo de indústria. A organização só pode aumentar
mando também uma parte do lucro, sob a forma de juros do a taxa de lucro num ramo de indústria à custa dos outros, e
capital, em simples título de propriedade. Reunindo, em é precisamente por isso que não pode ser generalizada. Esten-
poucas mãos, pela expropriação de muitos pequenos capita- dendo-se a todos os ramos importantes da indústria, ela elimi-
listas, imensas forças produtivas, agrava o antagonismo entre nará com isso o seu próprio resultado.
as relações de propriedade e as relações de produto. Enfim,
tornando necessária a intervenção do Estado na produção (so- Mas, mesmo nos limites de sua aplicação prática, as asso-
ciedades por ações), agrava o antagonismo entre o caráter ciações patronais dão resultado precisamente contrário à su-
social da produção e a propriedade capitalista privada, pressão da anarquia. Em geral os cartéis só conseguem esse
aumento do lucro no mercado interno, empregando na produ-
Em suma, o crédito reproduz todos os antagonismos fun- ção para o Exterior, com uma taxa de lucro muito módica,
damentais do mundo capitalista, acentua-os, precipita o de- a parte suplementar do capital, que não podem utilizar para
senvolvimento, fazendo correr o mundo capitalista para a sua as necessidades internas, isto é, vendendo as suas mercadorias
própria supressão, isto é, para o desmoronamento. Por conse- no estrangeiro por preços mais baixos que no interior do país.
guinte, o primeiro meio de adaptação para o capitalismo com Daí resulta uma agravação da concorrência no Exterior, um
relação ao crédito deveria consistir em suprimir o crédito, que- reforçamento da anarquia no mercado mundial, quer dizer,
brá-lo. Tal como é, em vez de meio de adaptação do capita- precisamente o contrário do que se tinha em mira. Prova-o,
lismo, constitui, ao contrário, um meio de destruição do maior entre outras, a história da indústria açucareira mundial.
alcance revolucionário. Este caráter revolucionário do cré-
dito chegou até a inspirar planos de reforma socialista e fez Enfim, de maneira geral, como manifestação do modo de
aparecerem grandes representantes do crédito, tais como Isaac produção capitalista, as associações patronais só podem ser
Pereire em França, os quais eram meio profetas, meio ladrões, consideradas como uma fase provisória, como um período
como dizia Marx. determinado do desenvolvimento capitalista. E, com efeito,
os cartéis afinal nada mais são senão um meio do modo de
Igualmente frágil se nos apresenta, ao examiná-lo, o se- produção capitalista para reter a queda fatal da taxa de lucro
gundo "meio de adaptação" da produção: as associações pa- em certos ramos da produção. Mas qual o método empregado
tronais. Segundo Bernstein, essas associações patronais devem pelos cartéis, para esse fim? Essencialmente, não é outra coisa
pôr termo à anarquia e impedir o aparecimento das crises, senão o ato de alqueivar uma parte do capital acumulado, isto
regulamentando a produção. Sem dúvida, o desenvolvimento é, o mesmo método empregado nas crises, sob outra forma.
dos trustes e cartéis é um fenômeno ainda não estudado a Mas tal remédio se assemelha à doença tanto quanto uma gota
fundo em suas múltiplas repercussões econômicas. Representa dágua a outra e só até certo ponto pode ser considerado como
um problema que só com o auxílio da doutrina marxista se o menor mal. Comecem os escoadouros a restringir-se, estando
pode resolver, Em todo caso, uma coisa é certa: que não se o mercado mundial estendido ao extremo e esgotado pela con-
poderia falar de um represamento da anarquia capitalista corrência dos países capitalistas — e indubitavelmente não se
pelas associações patronais senão na medida em que os cartéis, pode negar que esse dia chegará, mais cedo ou mais tarde —
trustes etc., se tornassem, ainda que só aproximadamente, uma e então a alqueive parcial forçado do capital assumirá dimen-
forma de produção geral, dominante. Mas isto está excluído, sões tais que o remédio será transformado em moléstia e que
precisamente pela natureza mesma dos cartéis. A finalidade o capital, já fortemente socializado pela organização, retomará,
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a forma de capital privado. Diante da crescente dificuldade do Estado capitalista, porque se fazem sempre acompanhar
de encontrar escoadouros, cada uma das partes do capital pri- de uma guerra geral de tarifas, aguçando assim os antago-
vado preferirá experimentar isoladamente a sua sorte. Nesse nismos entre os diferentes Estados capitalistas. Acrescentem-se
momento, as organizações estourarão como bolhas de sabão, a isso as repercussões, revolucionárias no mais alto grau, que
dando lugar a uma concorrência agravada (3). exercem os cartéis na concentração da produção, no seu aper-
Por conseguinte, os cartéis asim como o crédito aparecem feiçoamento técnico etc.
de modo geral, como fases determinadas do desenvolvimento, Assim, não só os trustes e cartéis não aparecem, em suas
que, em última análise, não fazem mais que agravar a anarquia repercussões finais sobre a economia capitalista, como "meio
do mundo capitalista, exprimir e amadurecer todas as suas de adaptação" de natureza a atenuar as contradições, mas
contradições internas. Agravam o antagonismo existente entre antes como um dos meios que essa mesma economia cria em
o modo de produção e o de troca, aguçando a luta entre pro- vista do reforçamento de sua própria anarquia, do desenvol-
dutores e consumidores, como se dá principalmente nos Estados vimento de suas contradições internas, da aceleração de sua
Unidos. Agravam, além disso, o antagonismo entre o modo própria decadência.
de produção e o modo de apropriação, opondo à classe operá- Mas se o sistema de crédito, se os cartéis etc., não supri-
ria, do modo mais brutal, a força superior do capital organi- mem a anarquia do mundo capitalista, como se explica que
zado, e com isso levando ao extremo antagonismo entre Capital não tenhamos tido, durante duas décadas, desde 1873, nenhu-
e Trabalho. ma grande crise comercial? Não é este um sintoma de que o
Enfim, agravam a contradição entre o caráter interna- modo de produção capitalista "se adaptou", de fato, — pelo
cional da economia capitalista mundial e o caráter nacional menos nas linhas gerais — às necessidades da sociedade, con-
trariamente à análise feita por Marx? A resposta não se fez
(3) Numa nota de terceiro tomo de O Capital, F. Engels esperar. Mal acabava Bernstein de refutar, em 1898, a teoria
escreveu em 1894: "Depois de terem sido escritas as linhas de Marx sobre as crises, surgiu em 1900 uma profunda crise,
acima (1865), a concorrência aumentou consideravelmente no
mercado mundial, graças ao rápido desenvolvimento da indús- e outra sete anos mais tarde, que, vinda dos Estados Unidos,
tria em todos os países civilizados, principalmente na América se estendeu ao mercado mundial. Assim, mesmo a teoria da
e Alemanha. A constatação de que o rápido e gigantesco cresci- "adaptação" do capitalismo demonstrou ser falsa, à vista de
mento das forças produtivas modernas exorbita cada vez mais fatos evidentes. Os mesmos fatos provaram também que os
das leis da troca capitalista de mercadorias, em cujo quadro que abandonaram a teoria das crises de Marx, unicamente por
devem mover-se essas forças, é coisa que se impõe hoje com
evidência cada vez maior, até mesmo, à consciência dos capita- não se ter verificado crise alguma durante dois "termos" su-
listas. Em dois sintomas esta constatação se evidencia melhor. cessivos, confundiam a essência dessa teoria com um de seus
Primeiro, na nova mania protecionista que se generalizou e di- aspectos exteriores secundários — com o ciclo de dez anos.
fere do antigo sistema protecionista, principalmente no fato de Todavia, a fórmula do ciclo da indústria capitalista moderna,
proteger sobretudo os artigos mais aptos à exportação. Em
seguida, nos trustes em que os fabricantes de importantes es- como período decenal, não passava, da parte de Marx e Engels,
feras da produção regulamentam essa produção e, por conse- em 1860 e 1870, de simples constatação dos fatos, que por sua
guinte, os preços e lucros. E' evidente que só numa situação vez não se baseavam numa lei natural, mas sim numa série
economia relativamente favorável são possíveis essas experiên- de circunstâncias históricas dadas, relacionadas com o surto
cias. A primeira perturbação, as aniquilará, demonstrando que, inicial do capitalismo o qual se fazia por saltos.
se bem careça a produção ser regulamentada, seguramente não
é à classe capitalista que caberá fazê-lo. Por enquanto, esses Com efeito, a crise de 1825 resultou de grandes inversões
trustes ou cartéis têm um único fim: tomar todas as medidas de capital na construção de estradas e canais e usinas de gás,
para que os pequenos sejam comidos pelos grandes ainda mais que se verificaram no correr da década precedente, principal-
depressa do que antes". (O Capital, tomo IX, págs. 204-205. mente na Inglaterra, onde a crise eclodiu. Do mesmo modo,
edição Costes).
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a crise seguinte, de 1836-1839, foi conseqüência de formidáveis desenvolvimento das forças produtivas é entravado, a fim de
inversões na construção dos meios de transporte. Como se que não extravaze dos limites do mercado. A primeira hipó-
sabe, a crise de 1847 foi provocada pela febre de construções tese constitui uma impossibilidade material, e quanto à segunda,
de estradas de ferro na Inglaterra (de 1844 a 1847, isto é também se torna impossível em face dos progressos constantes
em três anos apenas, o Parlamento inglês deu em concessão da técnica, em todos os domínios da produção, criando dia a
linhas férreas no valor de um bilhão e meio de táleres, mais dia novas forças produtivas.
ou menos). Foram, por conseguinte, nestes três casos, formas Resta ainda um fenômeno que, segundo Bernstein, con-
diversas de nova constituição da economia capitalista, de esta- tradiz a marcha que acabamos de indicar do desenvolvimento
belecimento de novas bases do desenvolvimento capitalista, capitalista: a "falange inabalável das empresas médias".
que acarretaram as crises. Em 1857, foi principalmente a Vê-se nisso um sinal de que o desenvolvimento da grande in-
abertura súbita de novos escoadouros para a indústria euro- dústria não age num sentido tão revolucionário, nem exerce
péia na América e Austrália em conseqüência da descoberta tais efeitos, do ponto de vista da concentração das empresas,
de minas de ouro, e depois, em especial na França, onde se como seria de esperar segundo a "teoria" do desmoronamento.
seguiu o exemplo da Inglaterra, construindo-se numerosas Mas, aqui, Bernstein é vítima unicamente de sua própria in-
linhas férreas (de 1825 a 1856, construiram-se na França, compreensão. Porque, na verdade, imaginar que o desenvol-
com 1.250 milhões de francos, novas linhas férreas). Enfim, vimento da grande indústria deve necessariamente ter por
a grande crise de 1873 foi, como se sabe, conseqüência direta conseqüência a eliminação progressiva das empresas médias,
da nova constituição, do primeiro surto da grande indústria é compreendê-lo de modo inteiramente errôneo.
na Alemanha e na Áustria, seguindo-se aos acontecimentos
políticos de 1866 e 1871. Na marcha geral do desenvolvimento capitalista, os pe-
quenos capitais, segundo a teoria marxista, desempenham pre-
Por conseguinte, a extensão brusca do domínio da econo-
cisamente o papel de pioneiros da revolução técnica, e mesmo
mia capitalista, e não o seu retraimento, tem sido sempre até
sob dois aspectos, tanto no que concerne aos novos métodos
agora, a causa das crises comerciais. Que essas crises inter-
de produção nos ramos antigos e mais sólidos como no tocante
nacionais se tenham repetido precisamente de dez em dez anos,
à criação de novos ramos de produção, ainda não explorados
é fato puramente exterior, casual. O esquema marxista da
pelos grandes capitais. E' absolutamente errôneo imaginar-se
formação das crises, tal como o expuseram Engels e Marx, o
que a história das médias empresas capitalistas progride
primeiro no Anti-Dühring e o segundo nos 1.° e 3.° volumes
retilineamente no sentido do seu desaparecimento progressivo.
d'O Capital, só se aplica com justeza a todas as crises na me-
Pelo contrário, aqui também o curso real do desenvolvimento
dida em que descobre o seu mecanismo interno e suas causas
é todo dialético e move-se constantemente entre contradições.
gerais profundas.
Tanto quanto a classe operária, estão as classes médias capi-
E' possível que as crises se reproduzam depois de dez ou talistas sob a influência de duas tendências antagônicas, uma
de cinco anos, ou então sucessivamente em vinte e em oito anos. ascendente, outra descendente. No caso vertente, a tendência
Mas o que prova melhor a falsidade da teoria bernsteiniana descendente é a elevação contínua da escala de produção, que
é o fato de ter a última crise de 1907-08 atingido o máximo periodicamente transborda das dimensões dos capitais médios
de violência precisamente nos países em que são mais desen- e repetidamente os afasta do terreno da concorrência mundial.
volvidos os célebres "meios de adaptação" capitalistas: o cré- A tendência ascendente é a depreciação periódica do capital
dito, os meios de comunicação e os trustes. existente que, repetidamente, baixa, por um certo tempo, a
A idéia de que a produção capitalista poderia "adaptar-se" escala de produção, conforme o valor do mínimo de capital
à troca supõe, de duas uma: ou que o mercado mundial cresce necessário, e também a penetração da produção capitalista em
de modo ilimitado, ao infinito, ou então, ao contrário, que o esferas novas. A luta das empresas médias contra o grande
22 ROSA LUXEMBURG

capital não deve ser considerada como uma batalha regular,


com o aniquilamento cada vez mais direto e quantitativo dos
exércitos da parte mas fraca, e antes como uma ceifa perió-
dica dos pequenos capitais, que sempre tornam a brotar rapi-
damente para ser de novo ceifados pela grande industria.
Das duas tendências que jogam com as classes médias capi- A REALIZAÇÃO DO SOCIALISMO PELAS
talistas como com unia bola, é em última instância, a descen- REFORMAS SOCIAIS
dente que vence, ao contrário do que se dá no desenvolvimento
da classe operária. Não é, contudo, indispensável que isso
se manifeste pela diminuição numérica absoluta das empresas
médias, mas, em primeiro lugar, pelo aumento progressivo do Bernstein rejeita a "teoria do desmoronamento" como via
capital mínimo necessário ao funcionamento das empresas nos histórica que conduz à realização da sociedade socialista. Qual
ramos antigos de produção, e, segundo, pela diminuição cons-
então o caminho para essa realização, do ponto de vista da
tante do prazo de manutenção, por parte dos pequenos capitais,
"teoria da adaptação do capitalismo"? Só por alusões respon-
da exploração dos novos ramos. Resulta daí, para o pequeno
deu Bernstein a esta questão. Mas por outro lado Conrad
capital individual, uma existência cada vez mais breve e uma
mudança cada vez mais rápida de métodos de produção como Schmidt tentou expô-la detalhadamente, no sentido bernstei-
de formas de aplicação e, para a classe média em conjunto, niano. Ao que diz este, "a luta sindical e a luta política pelas
um processo de assimilação e desassimilação social cada vez reformas trarão um controle social cada vez mais vasto das
mais rápido. condições de produção" e, "por meio da legislação, rebaixarão
cada vez mais o proprietário do capital, com a diminuição de
Muito bem o sabe Bernstein, que aliás, o constata, por si seus direitos, ao papel de simples administrador", até que,
mesmo. Mas o que parece esquecer, é ser esta a própria lei finalmente, um belo dia, "a direção e administração da explo-
do movimento das empresas médias capitalistas. Se admitimos ração sejam tiradas das mãos do capitalista, domesticado ao
que os pequenos capitais só os pioneiros do progresso técnico, ver a sua propriedade ir perdendo cada vez mais qualquer
e se este constitui o pulso vital da economia capitalista, resulta valor para ele próprio", sendo afinal introduzida a exploração
daí, manifestamente, constituirem os pequenos capitais parte coletiva.
integrante do desenvolvimento capitalista, que só com ele pode
Por conseguinte, sindicatos, reformas sociais e — acres-
desaparecer. O desaparecimento progressivo das empresas
centa Bernstein — democratização política do Estado, — tais
médias — em sentido numérico absoluto, como diz Bernstein —
são os meios de realização progressiva do socialismo.
não traduziria, conforme o seu pensar, o curso revolucionário
do desenvolvimento capitalista, mas precisamente o contrário, No tocante aos sindicatos, sua principal função — e
isto é, uma parada, um arrefecimento desse desenvolvimento. ninguém a expôs melhor que o próprio Bernstein, em 1891,
"A taxa de lucro, isto é, o aumento relativo do capital — diz na Neue Zeit — está em constituirem para os operários um
Marx — é importante principalmente para os novos empre- meio de realizar a lei capitalista dos salários, isto é, a venda
gadores de capital, que se agrupam independentemente. E do da fôrça-trabalho ao preço corrente do mercado. Os sindicatos
momento em que caísse a formação do capital exclusivamente servem ao proletariado precisamente em que utilizam a favor
nas mãos de um punhado de grandes capitalistas, o fogo vivi- dele, a cada instante, as conjunturas do mercado. Mas essas
ficador da produção se extinguiria. Viria um arrefecimento". conjunturas, isto é, de um lado a procura de fôrça-trabalho
determinada pelo estado da produção, e do outro a oferta de
fôrça-trabalho criada pela proletarização das classes médias e
natural reprodução da classe proletária, enfim o grau de pro-
24 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 25

dutividade do trabalho, em dado momento, escapam à esfera dorias é fenômeno de data muito recente. Somente nestes
de influência dos sindicatos. Eis porque não podem eles supri- últimos tempos nós vemos aparecer — também na Inglaterra —
mir a lei dos salários. Podem, em hipótese mais favorável, tentativas nesse sentido. Pelo caráter e pelas tendências, pare-
impor à exploração capitalista os limites "normais" do mo- cem-se muito esses esforços com os precedentes. Pois a que se
mento, mas não estão absolutamente em condições de suprimir, reduz necessariamente a participação ativa dos sindicatos na
mesmo progressivamente, a própria exploração. fixação das dimensões e do custo da produção de mercadorias?
A um cartel de operários e empregadores contra os consumi-
Conrad Schmidt, é verdade, considera o atual movimento dores, principalmente por meio de medidas coercitivas contra
sindical como "um fraco começo" e espera que, "no futuro", os empregadores concorrentes, que em nada ficam aquém dos
o "movimento sindical vá exercer uma influência dia a dia métodos das associações patronais comuns. No fundo, não é
crescente sobre a regulamentação da produção". Mas só se mais uma luta entre Capital e Trabalho, mas uma luta do
podem entender, como regulamentação da produção, duas capital e da fôrça-trabalho, solidários, contra os consumidores
coisas: a intervenção na parte técnica do processo de produção em conjunto. Pelo seu valor social, é um empreendimento
e a fixação das dimensões da própria produção. Que natureza reacionário que não pode constituir uma etapa da luta pela
pode ter, nesses dois campos, a influência dos sindicatos? Está emancipação do proletariado, porque é antes o oposto de uma
claro que no tocante à técnica da produção o interesse do luta de classe. Pelo seu valor prático, é uma utopia que, como
capitalista concorda, até certo ponto, com o progresso e o de- se deduz de um rápido exame, não poderá estender-se a gran-
senvolvimento da economia capitalista. E' o seu próprio inte- des ramos de produção destinada ao mercado mundial.
resse que o leva aos aperfeiçoamentos técnicos. Mas é justa- Reuz-se, por conseguinte, a atividade dos sindicatos essen-
mente oposta a posição do operário isolado: cada transformação cialmente à luta pelo aumento de salários e redução do tempo
técnica contraria os interesses dos operários, atingindo-os dire- de trabalho, isto é, unicamente à regularização da exploração
tamente, agravando-lhes a situação, depreciando a fôrça-tra- capitalista de acordo com a situação momentânea do mercado:
balho, tornando o trabalho mais intenso, mais monótono, mais de conformidade com a natureza das coisas, é-lhes completa-
duro. Na medida em que os sindicatos podem imiscuir-se na mente vedada a ação sobre o processo de produção. Ainda
parte técnica da produção, a intervenção só poderá ser nesse mais, toda a marcha do desenvolvimento sindical se processa,
sentido, isto é, no sentido dos diferentes grupos de operários ao contrário do que admite Conrad Schimidt, no sentido da
diretamente interessados, opondo-se por conseguinte às ino- supressão completa de qualquer relação direta entre o mercado
vações. Mas, nesse caso, não agem no interesse da classe do trabalho e o mercado em geral. Temos a prova mais ca-
operária em conjunto e de sua emancipação, o que é mais racterística disso no fato de estar ultrapassado pelo desenvol-
conforme ao progresso técnico, isto é, ao interesse do capita- vimento histórico até mesmo o esforço tendente a estabelecer
lista isolado, e sim, pelo contrário, no sentido da reação. E, uma relação direta, pelo menos passiva, entre o contrato de
com efeito, encontramos o esforço tendente a agir sobre o lado trabalho e a situação geral da produção, com o emprego do
técnico da produção, não no futuro, onde Conrad Schmidt o sistema de escala móvel de salários, e de se afastarem dele, cada
procura, mas no passado do movimento sindical. Caracteriza vez mas, as trudeunions inglesas.
a fase mais antiga do trade-unionismo inglês (até 1860, apro-
ximadamente), ligado ainda, então, às sobrevivências corpo- Mas nem mesmo nos limites efetivos de sua ação se estende
rativas medievais, e inspirado caracteristicamente no princípio o movimento sindical de forma ilimitada, como o supõe a teoria
arcaico do "direito adquirido sobre o trabalho conveniente", da adaptação. Muito pelo contrário. Se se examinarem setores
conforme a expressão de Webb, em sua Teoria e prática dos amplos do desenvolvimento social, não se poderá deixar de ver
sindicatos ingleses. Inversamente, o esforço dos sindicatos ten- que, de um modo geral, não é para uma época de desenvolvi-
dente a fixar as dimensões da produção e os preços de merca- mento vitorioso das forças do movimento sindical que cami-
26 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVIS1ONISMO E OPORTUNISMO 27

nhamos, e sim de dificuldades crescentes. Uma vez que o de- igualmente, isto é, no interesse do Capital que as reformas
senvolvimento da indústria atinja o seu apogeu, e comece, acham seus limites naturais. Certamente, Bernstein e Conrad
para o capital, no mercado mundial, a fase descendente, a luta Schmidt só vêem também, no presente, simples "fracos está-
sindical redobrará de dificuldades: primeiramente porque se gios do começo", e esperam do futuro reformas que se esten-
agravarão para a fôrça-trabalho, as conjunturas objetivas do dam ao infinito, em favor da classe operária. Mas cometem
mercado, pois aumentará muito menos a sua procura em rela- nisso o mesmo erro que na sua crença em um desenvolvimento
ção à oferta o que não se dá atualmente; segundo, porque o ilimitado do movimento sindical.
próprio capital, para contrabalançar as perdas sofridas no A teoria da realização progressiva do socialismo por meio
mercado mundial, se esforçará com tanto maior energia por das reformas sociais supõe como condição (e é essa a sua base),
reduzir a parte que toca aos operários. Com efeito, é a re- certo desenvolvimento objetivo, tanto da propriedade capita-
dução dos salários, segundo Marx, um dos principais meios de lista como do Estado. No que respeita à primeira, o esquema
impedir a diminuição da taxa de lucro. Já a Inglaterra nos do desenvolvimento futuro tende, segundo Conrad Schmidt,
oferece o quadro do início da segunda fase do movimento sin- a reduzir cada vez mais o proprietário do Capital, pela redu-
dical. Reduz-se este último necessariamente cada vez mais à ção dos seus direitos, ao mero papel de simples administrador.
simples defesa das conquistas já realizadas, e até mesmo esta Dada a pretensa impossibilidade da brusca expropriação, de
se torna cada vez mais difícil. Tal é a marcha geral das coisas, uma só vez, dos meios de produção, Conrad Schmidt apela
que deverá ter como reverso o desenvolvimento da luta de classe para a teoria da expropriação por etapas. Com este objetivo,
política e social. estabelece ele, como condição necessária, uma divisão do direito
Conrad Schmidt cai no mesmo erro de perspectiva histó- de propriedade em uma "propriedade suprema", que atribui
rica no tocante à reforma social, esperando dela que "outorgue à "sociedade", e quer estender cada vez mais, e em um simples
à classe capitalista, ombro a ombro com as coalisões operárias direito de gozo que se reduz cada vez mais, em mãos do capi-
sindicais, as condições precisas em que poderá empregar as talista a uma simples gestão da sua empresa. Esta construção
forças operárias". E' no sentido da reforma social assim é, ou um simples jogo de palavras, e a teoria da expropriação
entendida que Bernstein qualifica a legislação operária de obra progressiva perde toda a base, ou um verdadeiro esquema de
de "controle social" e, como tal, de obra socialista. Da mesma desenvolvimento jurídico, e, neste caso, é completamente falso.
forma, ao falar das leis de proteção operária, Conrad Schmidt A divisão dos diversos direitos contidos no direito de proprie-
diz sempre: "controle social", e, assim tendo beatamente trans- dade, a qual serve a Conrad Schmidt de refúgio para cons-
formado o Estado em sociedade, acrescenta, cheio de confiança: truir sua teoria da "expropriação por etapas" do Capital,
"isto é, a classe operária ascendente", e, graças a esta operação, caracteriza a sociedade feudal, fundada sobre a economia
as inocentes leis de proteção do trabalho do Conselho Federal natural, no qual o produto era repartido em espécie entre as
alemão transformam-se em medidas socialistas transitórias do diferentes classes sociais e na base das relações pessoais entre
proletariado alemão. o senhor feudal e os rendeiros. A decomposição da proprie-
dade com diferentes direitos parciais era aí organização, dada
Salta aos olhos a mistificação. Precisamente, o Estado
de antemão, da divisão da riqueza social. Com a passagem
atual não é uma "sociedade" no sentido da "classe operária
para a produção de mercadorias, e a dissolução de todos os
ascendente", mas o representante da sociedade capitalista, isto
vínculos pessoais entre os diferentes participantes do processo
é, um Estado de classe. Eis porque a reforma por ele prati-
cada não é uma aplicação do "controle social", isto é, do con- da produção, reforçou-se, reciprocamente, a relação entre os
homens e as coisas, a saber, a propriedade privada.
trole da sociedade trabalhando livremente no seu próprio
processo de trabalho, mas um controle da organização de classe Já não se processando a repartição na base das relações
do Capital sobre o processo de produção do Capital. E' nisso, pessoais, mas por meio da troca, os vários direitos de partici-
28 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 29

pação à riqueza social não se medem mais por fragmentos de Também sob este prisma aparece o "controle social" com
direitos de propriedade sobre um objeto comum, e sim pelos outro aspecto do que o vê Conrad Schmidt. O que hoje fun-
valores que cada um traz ao mercado. Foi igualmente o de- ciona na qualidade de "controle social", isto é, a legislação
senvolvimento da propriedade privada absoluta, no próprio operária, o controle das sociedades por ações etc., absoluta-
seio das relações jurídicas feudais e de sua propriedade divi- mente nada tem de comum, na verdade, com uma participa-
dida, a primeira mudança introduzida nas relações jurídicas, ção do direito de propriedade, com uma suposta "propriedade
paralelamente aos progressos da produção de mercadorias nas suprema". Longe de ser uma limitação da propriedade capi-
comunas urbanas da Idade-Média. E esse desenvolvimento talista, como o supõe Conrad Schmidt, é, pelo contrário, uma
continua a processar-se na produção capitalista. Quanto mais proteção desta propriedade. Ou, para falar do ponto de vista
se socializa o processo de produção, tanto mais se baseia econômico, não é um golpe contra a exploração capitalista, é
exclusivamente na troca o processo de repartição, e quanto simplesmente uma regulamentação dessa exploração. E quando
mais inviolável e fechada a propriedade privada capitalista Bernstein põe a questão de saber se uma lei de proteção ope-
se torna tanto mais se transforma a propriedade capitalista, de rária contém socialismo em grau maior ou menor, podemos
direito que era o produto de seu próprio trabalho, em simples garantir que, na melhor das leis de proteção operária, há tanto
direito de apropriação do trabalho alheio. Enquanto o próprio "socialismo" quanto nas posturas municipais sobre a limpeza
capitalista dirige sua usina, a repartição ainda se liga, até de ruas e funcionamento dos lampiões, o que é também uma
certo ponto, à participação pessoal no processo de produção. espécie de "controle social".
Na medida em que a direção pessoal do capitalista se torna
supérflua, e é este inteiramente o caso nas sociedades por ações,
a propriedade do capital, na qualidade de direito de participar
da repartição, separa-se completamente de qualquer relação
pessoal com a produção, e aparece em seu aspecto mais puro,
mais fechado. E' só no capital-ação e no capital de crédito
industrial que o direito de propriedade capitalista chega a
completo desenvolvimento.
Por conseguinte, o esquema histórico de transformação do
capitalista "de proprietário em simples administrador", tal
como o expõe Conrad Schmidt, se apresenta como o inverso do
verdadeiro desenvolvimento, que ao contrário, transforma o
capitalista, de proprietário e administrador, em simples pro-
prietário. Dá-se aqui com Conrad Schmidt o que se deu com
Goethe:

O que é, ele o vê como um sonho.


E o que foi e não é mais, fica sendo
Para ele uma verdade.

E, assim como o seu esquema histórico retrograda, econô-


micamente, da sociedade moderna por ações à manufatura e
até mesmo ao atelier de artesãos, assim também quer ele, juri-
dicamente, enfeixar o mundo na concha da Idade Média.
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 31

não dura senão até certo ponto do desenvolvimento capitalista.


Quando este desenvolvimento tiver atingido certo nível, os
interesses da burguesia, enquanto classe, e os do progresso
econômico começam a chocar-se, mesmo no sentido capitalista.
Cremos que esta fase já começou, e isso se manifesta em dois
POLÍTICA ALFANDEGÁRIA E MILITARISMO fenômenos extremamente importantes da vida social atual: a
política alfandegária, de uma parte e o militarismo, de outra.
Ambos os fenômenos desempenharam na história do capitalis-
mo, o seu papel indispensável e, neste sentido, progressivo,
Conforme Bernstein, a segunda condição de realização revolucionário. Sem a proteção alfandegária, o desenvolvi-
progressiva do socialismo é a evolução do Estado para socie- mento da grande indústria nos diferentes países teria sido
dade. Já é lugar comum dizer que o Estado atual é um Estado impossível. Mas, atualmente, a situação é outra.
de classe. Todavia, como tudo que diz respeito à sociedade Agora a proteção alfandegária não serve para o desenvol-
capitalista, esta afirmação não deveria, a nosso ver, ser inter- vimento das indústrias novas, mas para manter artificialmente
pretada de um modo rígido, absoluto, e sim dialèticamente. as formas antiquadas de produção.
Com a vitória política da burguesia, o Estado passou a Do ponto de vista do desenvolvimento capitalista, isto é,
ser um Estado capitalista. Sem dúvida, o próprio desenvol- do ponto de vista da economia mundial, é agora completa-
vimento capitalista modifica essencialmente o caráter do Esta- mente indiferente que a Alemanha exporte mais mercadorias
do, alargando-lhe cada vez mais a esfera de ação, impondo-lhe para a Inglaterra ou que a Inglaterra exporte mais merca-
constantemente novas funções, notadamente no tocante à vida dorias para a Alemanha. Por conseqüência, do ponto de vista
econômica, tornando cada vez mais necessária a sua intervenção deste mesmo desenvolvimento, pode-se dizer que o negro tra-
e o seu controle sobre esta. Nesse sentido, prepara pouco a balhou e pode ir embora. Deveria mesmo fazê-lo. Dado o
pouco a fusão futura do Estado e da sociedade, por assim estado de dependência recíproca no qual se encontram atual-
dizer a volta das funções do Estado à sociedade. Nesta ordem mente os diferentes ramos industriais, os direitos alfandegários
de idéias, pode-se falar, igualmente, de uma evolução do protecionistas sobre não importa qual mercadoria devem re-
Estado capitalista para a sociedade, e é incontestàvelmente sultar necessariamente no encarecimento da produção das
neste sentido que Marx diz que a legislação operária é a pri- outras mercadorias no interior do país, isto é, entravar de
meira maneira consciente pela qual a "sociedade" se imiscui novo o desenvolvimento da indústria. Varia a questão, do
no seu processo vital social, frase sobre a qual se apoia ponto de vista dos interesses da classe capitalista. Para seu
Bernstein. desenvolvimento, a indústria não precisa de proteção alfan-
Mas, doutra parte, este mesmo desenvolvimento capita- degária, mas quanto aos industriais, esses necessitam dela para
lista realiza uma outra transformação na natureza do Estado. proteger os seus escoadouros. O que vale dizer que, atualmen-
O Estado atual é, antes de tudo, uma organização da classe te, não constituem mais as tarifas meio de proteger uma pro-
capitalista dominante. Se ele se impõe a si mesmo, no inte- dução capitalista em via de desenvolvimento contra outra mais
resse do desenvolvimento social, funções de interesse geral, é aperfeiçoada, mas instrumento de luta de um grupo de capi-
unicamente porque e somente na medida em que esses inte- talistas nacionais contra outro grupo. Além disso, as tarifas
resses e o desenvolvimento social coincidem, de uma maneira não são mas necessárias como meio de proteção da indústria
geral, com os interesses da classe dominante. A legislação para criar e conquistar um mercado indígena, mas como meio
operária, por exemplo, é feita tanto no interesse da classe indispensável de cartelização da indústria, isto é, de luta dos
capitalista, como da sociedade em geral. Mas essa harmonia produtores capitalistas contra a sociedade consumidora.
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 33
32 ROSA LUXEMBURG
classe sobre os trabalhadores, no interior — interesses esses
Enfim, o que mais claramente demonstra o caráter específico que nada têm de comum, em si, como o desenvolvimento do
da atual política alfandegária é que não é hoje em parte algu- modo de produção capitalista. E mais uma vez, o que melhor
ma a indústria, e sim a agricultura que desempenha na polí- demonstra o caráter específico do militarismo atual é, em pri-
tica alfandegária o papel predominante, o que significa ter-se meiro lugar, o seu desenvolvimento geral em todos os países,
tornado, esta, de fato, um meio de fundir e exprimir os inte- efeito por assim dizer de uma força motriz própria, interna,
resses feudais numa forma capitalista. mecânica, fenômeno completamente desconhecido há algumas
Produziu-se com o militarismo idêntica mudança. Se décadas e, em seguida, o caráter inevitável, fatal, da próxima
considerarmos a história, não como poderia ou deveria ter explosão entre os Estados interessados, malgrado a compita
sido, mas tal como realmente foi, constataremos que a guerra indecisão quanto ao motivo, ao objeto do conflito e a todas
constitui fator indispensável ao desenvolvimento capitalista. as demais circunstâncias. Também o militarismo, de motor
Os Estados Unidos da América do Norte, a Alemanha, a Itália que era do desenvolvimento capitalista, tornou-se hoje uma
e os Bálcãs, a Rússia e a Polônia (*) todos esses países devem doença capitalista.
às guerras as condições ou o surto de seu desenvolvimento
capitalista às guerras, qualquer que fosse o resultado delas, No conflito entre o desenvolvimento capitalista e os inte-
vitória ou derrota. Enquanto houve países cujas condições resses da classe dominante, coloca-se o Estado do lado desta.
eram a divisão interior ou o isolamento econômico as quais Sua política, assim como a da burguesia, entra em conflito
precisavam ser destruídas, desempenhou o militarismo um com o desenvolvimento social. Assim, perde cada vez mais o
papel revolucionário do ponto de vista capitalista. Mas a si- caráter de representante da sociedade em conjunto, para trans-
tuação atual é outra. Se é a política mundial c teatro de formar-se, na mesma medida, cada vez mais em um puro
conflitos ameaçadores, não é tanto por se abrirem novos países Estado de classe. Ou, precisando melhor, essas duas qualida-
ao capitalismo, mas sim por se terem já os antagonismos des se distinguem uma da outra e se intensificam, formando
europeus existentes transportado para outros continentes para uma contradição na própria natureza do Estado. Contradição
ali explodir. O que hoje se antepõe de armas em punho, quer essa que se torna cada dia mais aguda. Isso porque, por um
seja na Europa ou em outros continentes, não são de um lado lado, crescem as funções de interesse geral do Estado, suas
países capitalistas e de outro países de economia natural, e intervenções na vida social, seu "controle" sobre essa vida,
sim Estado levados ao conflito precisamente pela identidade e por outro lado o caráter de classe obriga-o cada vez mais a
de seu alto desenvolvimento capitalista. Em tais condições, transportar o centro de sua atividade e seus meios de coerção
se o conflito estoura, só pode ser fatal para este desenvolvi- para campos que só são úteis ao caráter de classe da burguesia,
mento, no sentido de que provocará em todos os países capi- tendo apenas para a sociedade uma importância negativa, isto
talistas profundíssimos abalos e transformações da vida eco- é, o militarismo e a política alfandegária e colonial. Em se-
nômica. Mas o caso se apresenta inteiramente diverso do ponto gundo lugar, também o seu "controle social" é com isso im-
de vista da classe capitalista. Para ela, sob três aspectos tor- pregnado e dominado por um caráter de classe (veja-se como
nou-se hoje o militarismo indispensável; primeiro, como meio é aplicada a legislação operária em todos os países).
de luta na defesa dos interesses "nacionais" concorrentes contra A extensão da democracia, em que Bernstein vê igual-
outros grupos "nacionais"; segundo, como a forma de emprego mente o meio de realização do socialismo por etapas, não con-
mais importante, tanto do capital financeiro como do capital tradiz esta transformação da natureza do Estado, mais pelo
industrial, e terceiro, como instrumento da dominação de contrário, corresponde-lhe inteiramente.
Como explica Conrad Schmidt, a conquista de uma maio-
(*) Torna-se supérfluo notar que esta obra foi escrita ria social-democrata no Parlamento deve mesmo constituir a
antes das transformações revolucionárias por que passaram a via direta desta socialização da sociedade por etapas. Ora, são
Rússia, a Polônia e outros países.
34 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 35

incontestàvelmente as formas democráticas da vida política propriedade privada torna-se cada vez mais a forma da ex-
fenômeno que exprime do modo mais claro a evolução do Estado ploração capitalista aberta do trabalho alheio, e o controle
para sociedade, constituindo, nesta mesma medida, uma etapa do Estado se impregna -cada vez mais dos interesses exclusivos
da transformação socialista. Mas o conflito existente no seio da classe dominante. Por conseguinte, na medida em que o
do Estado capitalista, e que acabamos de caracterizar, manifesta- Estado — isto é, a organização política — e as relações de
se ainda mais claramente no parlamentarismo moderno. Sem propriedade — isto é, a organização jurídica do capitalismo —
dúvida, serve o parlamentarismo, por sua forma, a exprimir na se tornam cada vez mais capitalistas e não cada vez mais so-
organização do Estado os interesses do conjunto da sociedade. cialistas, opõem-se à teoria da introdução progressiva do so-
Mas, por outro lado, é a sociedade capitalista o que o cialismo duas dificuldades intransponíveis.
parlamentarismo exprime aqui, isto é, uma sociedade em que Era sem dúvida muito fantástica a idéia de Fourier, de
predominam os interesses capitalistas. Por conseguinte, são as transformar em limonada, por meio do sistema de falanstérios,
instituições democráticas, nessa sociedade, pela forma e pelo a água de todos os mares do globo terrestre. Mas a idéia de
conteúdo, simples instrumentos dos interesses da classe Bernstein, de transformar em um mar de doçura socialista,
dominante. E' o que se manifesta de modo tangível no fato por meio da mistura progressiva de garrafas de limonada social-
de serem as próprias formas democráticas sacrificadas pela reformista, oceano de amargura capitalista, é apenas mais
burguesia e por sua representação de Estado, do momento em monótona, e não menos fantástica.
que a democracia tenda a negar o seu caráter de classe e a As relações de produção da sociedade capitalista aproxi-
transformar-se em instrumento dos verdadeiros interesses do mam-se cada vez mais das relações de produção da sociedade
povo. Eis porque a idéia da conquista de uma maioria par- socialista, mas, inversamente, as relações políticas e jurídicas
lamentar aparece como cálculo que está inteiramente dentro estabelecem entre a sociedade capitalista e a sociedade socia-
do espírito de liberalismo burguês, pois, preocupa-se unica- lista um muro cada vez mais alto. Muro este que não é arra-
mente com o aspecto formal, da democracia, sem ter em conta sado, antes, porém, reforçado, consolidado pelo desenvolvimento
absolutamente o seu conteúdo real. E o parlamentarismo em das reformas sociais e da democracia. Por conseguinte, é so-
conjunto não se apresenta absolutamente como elemento dire- mente o martelo da revolução que poderá abatê-lo, isto é, a
tamente socialista, penetrando pouco a pouco toda a sociedade conquista do poder político pelo proletariado.
capitalista, como o supõe Bernstein, mas ao contrário como
meio específico do Estado de classe burguês, visando desen-
volver e amadurecer os antagonismos capitalistas.
Dado esse desenvolvimento objetivo do Estado, a frase de
Bernstein e Conrad Schmidt sobre o "controle social" cres-
cente, tendo como resultado a introdução direta do socialismo,
transforma-se numa frase que dia a dia contradiz mais a rea-
lidade.
A teoria da introdução do socialismo por etapas equivale
à reforma progressiva da propriedade e do Estado capitalista
no sentido socialista. Mas, em conseqüência das leis objetivas
da sociedade atual, um e outro se desenvolvem no sentido pre-
cisamente oposto. Socializa-se cada vez mais o processo de
produção, e a intervenção, o controle do Estado sobre esse
processo se alargam cada vez mais. Mas ao mesmo tempo a
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 37

de perto a questão, percebe-se que são diametralmente opostas


estas duas concepções. Segundo a concepção comum no Par-
tido, pela experiência da luta sindical e política, o proletariado
chega à convicção da impossibilidade de transformar radical-
CONSEQÜÊNCIAS PRÁTICAS E CARÁTER GERAL mente a sua situação por meio desta luta, e da inevitabilidade
DO REVISIONISMO da conquista do poder. A teoria de Bernstein, ao contrário,
parte da impossibilidade da conquista do poder para afirmar
a necessidade da introdução do regime socialista unicamente
por meio da luta sindical e política.
No último capítulo, esforçamo-nos por mostrar que a teoria Por conseguinte, na concepção bernsteiniana, o caráter
de Bernstein tira da terra firme o programa socialista, colo- socialista da luta sindical e parlamentar reside na crença da
cando-o em base idealista. Liga-se isso à teoria. Mas como ação socializante progressiva que exerce ela sobre a economia
se traduz na prática a teoria? A princípio e de um ponto de capitalista, mas semelhante ação, como tentamos expô-la, é
vista formal, ela em nada se distingue da prática da luta social- puramente produto da imaginação. As relações de proprie-
democrata até aqui empregada. Sindicatos, luta pelas reformas dade e de Estado capitalista se desenvolvem numa direção
sociais e pela democratização das instituições políticas, eis o inteiramente oposta. Daí, a luta cotidiana, prática da social-
que constitui, de modo geral, o conteúdo formal da atividade do democracia, perde, em última análise, toda relação com o so-
Partido social-democrata. Portanto, a diferença aqui não está cialismo. A grande importância da luta sindical e da luta
no o que, mas no como. No atual estado de coisas, consideram-se política reside em que elas socializam o conhecimento, a cons-
a luta sindical e a luta parlamentar como meios de dirigir e ciência do proletariado, organizam-no como classe. Conside-
educar pouco a pouco o proletariado, tendo em vista a rando-as como meio de socialização direta da economia capi-
conquista do poder. Segundo a concepção revisionista, dadas a talista, perdem elas não só o efeito que se lhes atribui, mas
impossibilidade e inutilidade dessa conquista do poder, devem a também sua outra significação, isto é, cessam elas de ser um
luta sindical e a luta parlamentar ter em vista exclusivamente meio de preparação da classe operária para a conquista do
resultados imediatos, isto é, a melhoria de situação material dos poder.
operários, além da redução por etapas da exploração capitalista E' por isso que Eduardo Bernstein e Conrad Schmidt são
e extensão do controle social. Deixando de lado a finalidade de vítimas de um mal-entendido completo quando se consolam
melhoria imediata da situação dos operários, que é comum às afirmando que, mesmo que se reduza a luta às reformas sociais
duas concepções, a do Partido até hoje e a do revisionismo, é e ao movimento sindical, o objetivo final do movimento operá-
esta, em poucas palavras, a diferença entre as duas concepções: rio não deixa de existir por isso, pois cada passo para frente
segundo a concepção comum consiste a importância socialista da nesta via, ultrapassa os seus próprios fins e que, assim, o
luta sindical e política em preparar o proletariado, isto é, o objetivo socialista está implícito como tendência do próprio
fator subjetivo da transformação socialista, para a realização movimento. E', certamente, esse o caso da tática atual da social-
desta, ao passo que, segundo Bernstein, a importância está democracia alemã, isto é, quando o esforço consciente e firme
em dever a luta sindical e política reduzir por etapas a própria em vista da conquista do poder político impregna toda a luta
exploração capitalista, arrancar cada vez mais à sociedade sindical e o movimento para a conquista das reformas sociais.
capitalista o seu caráter capitalista, dando-lhe um caráter Mas se se separa do próprio movimento, esse esforço, e se se
socialista; em suma, realizar objetivamente a transformação fizer das reformas um fim em si, não só estas não conduzem à
socialista. Ao examinar mais realização do objetivo final socialista, mas precisamente
conduzirão ao seu contrário. Conrad Schmidt se louva
38 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 39

apenas no movimento, por assim dizer, mecânico, que, uma vez necessária, automaticamente da luta cotidiana da classe ope-
começado, não pode mas parar por si mesmo, pela simples rária. E' ele conseqüência apenas das contradições crescentes
razão de que "o comer e o coçar, tudo está em começar" e que da economia capitalista e da compreensão que tenha a classe
a classe operária não pode contentar-se com reformas enquan- operária da inelutabilidade da supressão dessa economia, por
to não for realizada a transformação socialista. Esta última meio de uma transformação social. Negando umas e afastando
condição é, certamente, justa, e a garantia disso está na insu- a outra, como faz o revisionismo, reduz-se o movimento ope-
ficiência das reformas capitalistas. Mas, a conclusão que dela rário a um simples movimento corporativo e reformista, enca-
se tira só poderia ser verdadeira se se pudesse construir uma minhando-se, naturalmente, em linha reta, para o abandono
cadeia ininterrupta de reformas sociais contínuas e crescentes, do ponto de vista de classe.
conduzindo do atual regime capitalista ao regime socialista. Tornam-se igualmente claras essas conseqüências quando
Mas isso é fantasia. Pela própria natureza das coisas, se considera a teoria revisionista por outro prisma, perguntan-
muito depressa se rompe a cadeia, e as direções que pode tomar do: qual o caráter geral desta concepção? Está claro que o
o movimento com esse ponto de partida são múltiplas e va- revisionismo não se coloca no terreno do capitalismo e não nega,
riadas. com os economistas burgueses, as contradições deste. Pressu-
O resultado mais próximo e mais provável é uma mu- põe, ao contrário, a existência destas contradições, do mesmo
dança de tática visando obter por todos os meios os resultados modo que a concepção marxista. Mas, por outro lado — e é
práticos da luta, isto é, as reformas sociais. O ponto de vista precisamente isto que constitui o ponto fundamental de sua
de classe, nítido e irreconciliável, que só tem razão de ser se concepção, e que, de modo geral, a diferencia da concepção
se tiver em vista a conquista do poder, tornar-se-á cada vez vigente até agora na social-democracia — não se baseia a sua
mais um obstáculo, a partir do momento em que os resultados teoria na supressão dessas contradições como resultado de seu
práticos imediatos venham a constituir a finalidade principal. próprio desenvolvimento lógico.
A conseqüência direta será a adoção de uma "política de com- Entre os dois extremos, a teoria revisionista ocupa uma
pensações", em outras palavras uma "política de barganha", posição intermediária. Não visa levar à maturidade as contra-
e uma atitude conciliacionista, habilmente diplomática. Mas dições capitalistas e suprimí-las por meio de uma transforma-
o movimento também não pode estancar por muito tempo. ção revolucionária, e sim atenuá-las, suavizá-las. Assim, a
Porque, uma vez que a reforma social em regime capitalista contradição entre a produção e a troca deverá atenuar-se com
não passa e não pode passar de uma concha vazia, qualquer a cessação das crises e a formação de associações patronais; a
que seja a tática empregada, a conseqüência lógica será a de- contradição entre Capital e Trabalho, pela melhoria da situa-
cepção também no tocante à reforma social, isto é, o porto
sereno a que são chegados atualmente os professores Schmoller
& Companhia, que também estudaram a fundo a gente graúda mais tarde, quando se agravou a luta contra a social-democracia,
e a miúda nas águas sociais-reformistas, para afinal entregar aqueles luminares do "socialismo de cátedra" votaram, na
qualidade de deputados no Reichstag, a favor da continuação da lei
tudo à mercê de Deus ( 4 ). Portanto, não surge o socialismo contra os socialistas. Afora disso, toda a atividade dessa Associação
consiste em assembléias gerais anuais em que são lidos alguns
relatórios acadêmicos sobre temas diversos. Além disso, a
(4) Em 1872, os professores Wagner, Schmoller, Brentano Associação publicou mais de cem pesados volumes sobre várias
etc., reuniram um congresso em Eisenach, para proclamar, com questões econômicas. Mas nada foi feito ainda a favor das
grande estardalhaço que tinha por finalidade a introdução de reformas sociais por esses mesmos professores que votam, aliás, a
reformas sociais para a proteção da classe operária. Esses mesmos favor das tarifas protecionistas, do militarismo etc. E mesmo a
senhores, ironicamente caracterizados pelo liberal Oppenheimer de Associação abandonou quaisquer reformas sociais para ocupar-se
"socialistas de cátedra", fundaram pouco depois a Associação exclusivamente da questão das crises, dos cartéis etc.
pró-reformas sociais. Apenas alguns anos
40 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 41

ção do proletariado e conservação das classes médias; entre o análise das relações sociais atuais — teoria da "adaptação"
Estado de classe e a sociedade, pelo controle crescente e pro- capitalista — não procedem. Vimos que nem o sistema de
gresso da democracia. crédito nem os cartéis podem ser considerados como "meios de
Por certo, a tática social-democrata atual não consiste em adaptação" da economia capitalista, e que nem a cessação mo-
esperar o desenvolvimento dos antagonismos capitalistas até mentânea das crises nem a conservação das classes médias
suas conseqüências mais extremas, para só então passar à sua podem ser consideradas sintomáticas da adaptação capitalista.
supressão. Ao contrário, a essência de toda tática revolucio- Mas — sem tomar em conta o seu caráter errôneo — todos
nária consiste em apoiar-se unicamente na direção do desen- esses pormenores da teoria da adaptação têm um traço ca-
volvimento, uma vez reconhecida, tirando daí todas as conse- racterístico comum. Nessa teoria, as manifestações todas da
qüências para a luta política. Assim, a social-democracia vida econômica que acabamos de citar não são estudadas nas
sempre combateu, por exemplo, a política alfandegária e o suas relações orgânicas com o conjunto do desenvolvimento
militarismo, sem esperar que se manifestasse completamente capitalista e com todo o mecanismo econômico, e sim fora dessas
o seu caráter reacionário. Mas, na sua tática, Bernstein não relações, como disjecta membra (partes esparsas) de uma má-
se apoia absolutamente no desenvolvimento e agravação, mas quina sem vida. E' o que se dá, por exemplo, com a concepção
pelo contrário na atenuação das contradições capitalistas. Ele do efeito de adaptação do crédito. Se considerarmos o crédito
mesmo a caracterizou muito bem, falando em "adaptação" da como etapa superior natural da troca e das contradições ine-
economia capitalista. Quando seria justa tal concepção? Todas rentes à troca capitalista, não poderemos absolutamente ver
as contradições da sociedade atual são simples resultados do nele "qualquer meio de adaptação" mecânica, fora do processo
modo de produção capitalista. Suponhamos que esse modo de da troca, do mesmo modo que não podemos considerar o di-
produção continue a desenvolver-se na direção atual; ele nheiro, a mercadoria, o capital, como "meios de adaptação"
deverá necessariamente continuar a desenvolver as próprias do capitalismo. O crédito é, exatamente, do mesmo modo que
conseqüências, as contradições continuarão a aguçar-se e a o dinheiro, a mercadoria e o capital, um elo orgânico da eco-
agravar-se, em vez de atenuar-se. Por conseguinte, esta última nomia capitalista em determinado período de seu desenvolvi-
hipótese pressuporia, como condição, um refreiamento do pró- mento, e constitui, tal como os outros, tanto uma engrenagem
prio modo de produção capitalista, em seu desenvolvimento. indispensável do mecanismo, como um instrumento de destrui-
Em suma, a condição mais geral da teoria de Bernstein é uma ção da economia capitalista, pois trazem como conseqüência a
cessação ao desenvolvimento capitalista. agravação das suas contradições internas.
Mas, com isso, a teoria traz em si uma dupla auto-conde- O mesmo exatamente com os cartéis e os meios aperfeiçoa-
nação. Primeiro, porque manifesta seu caráter utópico no to- dos de comunicação.
cante à finalidade do socialismo — está claro de antemão que Encontramos a mesma concepção mecânica e antidialética
um desenvolvimento capitalista defeituoso não pode conduzir expressa na representação de Bernstein da cessação das crises,
à transformação socialista — e temos aqui a confirmação de como sintoma de "adaptação" da economia capitalista. Para
nossa exposição quanto às conseqüências práticas da teoria. ele, as crises são simples desarranjos do mecanismo econômico,
Segundo, porque revela seu caráter reacionário no tocante ao e se cessam de produzir-se o mecanismo pode manifestamente
rápido desenvolvimento capitalista que efetivamente se pro- funcionar bem. Mas as crises, na verdade, não são "desarran-
cessa. E agora, coloca-se a questão: em face desse desenvol- jos" na verdadeira acepção da palavra ou por outra, são "desar-
vimento capitalista real, como explicar, ou, por outra, caracte- ranjos", mas a economia capitalista absolutamente não pode
rizar a concepção de Bernstein? desenvolver-se sem eles. Se é fato constituírem essas crises, em
Julgamos ter conseguido mostrar, no primeiro capítulo, poucas palavras, o único método possível na base capitalista,
que as condições econômicas em que Bernstein se baseia na e, por conseguinte, um método absolutamente normal de so-
42 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 43

lução periódica do conflito entre a capacidade ilimitada de como simples "desarranjos" de simples "meio de adaptação".
extensão da produção e os estreitos limites do mercado, então Para o capitalista isolado, são efetivamente as crises simples
as crises são ao mesmo tempo manifestações orgânicas insepa- desarranjos, e a cessação delas lhe dá um prazo maior de exis-
ráveis da economia capitalista. tência. Para ele, o crédito é do mesmo modo, um meio de
"adaptar" suas próprias forças de produção insuficientes às
E' bem antes numa marcha "sem desarranjos" da pro-
necessidades do mercado. Para ele, o cartel em que entra su-
dução capitalista que residem perigos mais graves para ela
prime efetivamente a anarquia.
que as próprias crises. Assim, por exemplo, a baixa constante
Em suma, a teoria bernsteiniana da adaptação nada mais
da taxa de lucro, resultante não da contradição entre a pro-
é do que uma generalização teórica do ponto de vista do capi-
dução e a troca, mas do desenvolvimento da produtividade do
talista isolado. Mas o que exprime esse ponto de vista teorica-
próprio trabalho, que tem a tendência extremamente perigosa
mente, senão o caráter da vulgar economia burguesa? Todos
a tornar impossível a produção aos capitais pequenos e médios,
os erros econômicos dessa escola repousam precisamente no mal-
e por conseguinte a limitar a extensão dos empregos e novas
entendido que resulta de se tomar os fenômenos da concorrência,
formações de capitais. São precisamente as crises, constituindo
considerados do ponto de vista do capital isolado, como
a outra conseqüência desse mesmo processo, que, pela depre-
fenômeno do conjunto da economia capitalista. E, assim como
ciação periódica do capital, pela diminuição dos preços dos
Bernstein considera o crédito, a economia vulgar ainda vê no
meios de produção e pela paralisia de parte do capital ativo,
dinheiro, por exemplo, um judicioso "meio de adaptação" às
resultam num aumento de lucros, criando assim possibilidades
necessidades da troca. Ela também procura nos próprios
de novos empregos de capital e, por conseguinte, de novos
fenômenos capitalistas o antídoto contra os males capitalistas.
progressos da produção. Aparecem as crises, assim, como meio
De acordo com Bernstein, ela crê na possibilidade de
de atiçar e desencadear constantemente o fogo do desenvolvi-
regulamentar a economia capitalista. Tal como a teoria de
mento capitalista. Cessando — não em certas fases do desen-
Bernstein, ela conduz sempre, em última análise, a uma ate-
volvimento do mercado mundial, como o admitimos, mas com-
nuação das contradições capitalistas e a um paliativo para as
pletamente — longe de resultar isso, como supõe Bernstein,
feridas capitalistas, ou, em outras palavras, a uma atitude
no desenvolvimento da economia capitalista, provocaria ao
reacionária em vez de revolucionária, e, por conseguinte, uma
contrário a sua ruína. Devido à concepção mecânica que ca-
utopia.
racteriza toda a teoria da adaptação, Bernstein esquece tanto
De um modo geral, pode-se portanto caracterizar assim a
a necessidade das crises como a de novos empregos de capitais
teoria revisionista: teoria de enterramento do socialismo, ba-
pequenos e médios que sempre tornam a brotar, o que explica,
seada, com o concurso da economia vulgar, numa teoria do
entre outras coisas, porque o reaparecimento constante do pe-
enterramento do capitalismo.
queno capital é para ele um sinal de cessação do desenvolvi-
mento capitalista, e não, como se dá efetivamente, um sinal de
desenvolvimento capitalista normal.
Há, por certo, um ponto de vista que nos apresenta real-
mente todos esses fenômenos tal como os vê a "teoria da
adaptação", isto é, o ponto de vista do capitalista isolado, re-
fletindo a manifestação dos fatos econômicos, deformados na
sua consciência pelas leis da concorrência. Com efeito, o
capitalista isolado considera cada parte orgânica do conjunto
da economia como um todo independente. Só as vê pelo prisma
em que influem nele, capitalista isolado, e, por conseguinte,
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 45

Querendo provar, por meio das sociedades por ações,


qualquer coisa contra a lei marxista do desenvolvimento indus-
trial, deveria buscar números inteiramente diversos. Pois
quem conheça a história das sociedades por ações na Alemanha
sabe que capital médio de fundação por empresa diminui
quase regularmente. Assim, ao passo que montava esse capital,
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIALISMO antes de 1871, a 10,8 milhões de marcos aproximadamente,
era em 1871 apenas de 4,01 milhões de marcos; em 1873, de
3,8 milhões; de 1882 a 1887, de menos de milhão; em 1891,
de 0,52; e em 1892, apenas de 0,62 milhões de marcos. Desde
Foi a descoberta de pontos de apoio, nas condições eco- então, oscilam esses números em redor de l milhão de marcos,
nômicas da sociedade capitalista, para a realização do socia- já tendo mesmo caído, de novo, de 1,78 milhões em 1895, a
lismo, a maior conquista da luta de classe proletária, no curso 1,19 milhões no correr do primeiro semestre de 1897 ( 5 ).
de seu desenvolvimento. Com isso, transformou-se o socialismo, Números espantosos! Provavelmente, Bernstein construiria
de "ideal" sonhado pela humanidade há milhares de anos, em com eles toda uma tendência antimarxista de retorno das
necessidade histórica. grandes às pequenas empresas. Mas, nesse caso, seria fácil
responder-lhe; para provar o que quer que seja com o con-
Bernstein contesta a existência dessas condições econômi- curso dessas estatísticas, é preciso primeiro provar que elas
cas do socialismo na sociedade atual. Sua argumentação a esse se referem aos mesmos ramos de indústria, que as pequenas
propósito sofreu interessante evolução. A princípio, contestava indústrias tomam o lugar das grandes, não aparecendo onde
simplesmente, na Neue Zeit, a rapidez do processo de concen- até então dominavam as pequenas empresas ou mesmo a indús-
tração da indústria, baseando-se numa comparação dos dados tria artesã. Não podereis, entretanto, apresentar essa prova,
de estatística profissional na Alemanha, de 1895 e 1882. Para porque a passagem de grandes sociedades por ações a empre-
poder empregar esses dados com o fim visado, era forçado a sas médias e pequenas só se explica, precisamente, pelo fato
adotar um processo inteiramente sumário e mecânico. Mas de penetrar sempre o sistema de sociedades por ações em ramos
mesmo no caso mais favorável, Bernstein não poderia pelo fato de produção, adaptando-se cada vez mais às empresas médias
de mostrar a tenacidade das empresas médias, informar de e mesmo às pequenas, quando, a princípio, só servia para um
modo algum a análise marxista. Porque esta não pressupõe número reduzido de grandes empresas. (Constatam-se mesmo
nem um determinado vulto da concentração da indústria, isto fundações de sociedades por ações com capitais inferiores a
é, um prazo certo para a realização da finalidade socialista, 1.000 marcos!).
nem, como já mostramos, um desaparecimento absoluto dos
pequenos capitais, ou em outras palavras, o desaparecimento Mas que significa, economicamente, a extensão cada vez
da pequena burguesia como condição de realização do so- maior do sistema de saciedades por ações ? Significa a socia-
cialismo. lização crescente da produção na forma capitalista, a sociali-
zação, já não só da grande como da produção média e pequena,
No curso do desenvolvimento ulterior de suas concepções, e por conseguinte não contradiz a teoria marxista, mas, ao
Bernstein fornece agora, no seu livro, novo material compro- contrário, confirma-a, e do modo mais brilhante.
vante, que é a estatística das sociedades por ações, para Com efeito, em que consiste o fenômeno econômico da
mostrar que aumenta constantemente o número de acionistas fundação de sociedades por ações? Por um lado, na unificação
e, por conseguinte, que a classe capitalista não mingua, mas,
ao contrário, cresce. E' espantoso ver-se a que ponto Bernstein (5 ) Van Der Borght: Handworterbuch der Staatswissens-
desconhece o material existente e a que ponto é falha a utili- chaften l.
zação que dele faz em benefício próprio!
46 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 47

de muitas pequenas fortunas em um grande capital de pro- Mas aqui, como ali, o erro econômico é em Bernstein so-
dução, e por outro na separação entre produção e propriedade mente a base teórica de uma "vulgarização" do socialismo.
do capital. Por conseguinte, em dupla vitória sobre o modo Transportando a noção de capitalista, das relações de produ-
de produção capitalista, sempre em base capitalista. Que ção para as relações de propriedade e "falando de simples
significa portanto, em face disso, a estatística citada por indivíduos em lugar de falar de donos de empresas", trans-
Bernstein, do número elevado de acionistas participantes de porta ele igualmente a questão do socialismo do domínio da
uma indústria? Nada mais, precisamente, do que o fato de produção para o domínio das relações de fortuna, da relação
não corresponder atualmente uma empresa capitalista, como entre o Capital e o Trabalho, para a relação entre ricos e
outrora, a um só proprietário do capital, e sim a um número pobres.
cada vez mais considerável de capitalistas, e por conseguinte Segue-se daí que somos reconduzidos felizmente de Marx
que a noção econômica de "capitalistas" não significa mais e de Engels ao autor do Evangelho do Pobre Pecador, apenas
um indivíduo isolado, que o capitalista industrial de hoje é com a diferença de que Weitling, com seu seguro instinto
uma entidade coletiva, composta de centenas e mesmo milhares proletário, via precisamente neste antagonismo entre ricos e
de indivíduos, que a própria categoria "capitalista" se socia- pobres, os antagonismos de classe sob sua forma primitiva e
lizou, que passou a ser uma categoria social nos quadros da queria fazer dele alavanca do movimento socialista, ao passo
economia capitalista. que Bernstein, ao contrário, busca na transformação dos
Mas como explicar, então que Bernstein considere, ao pobres em ricos a realização do socialismo, isto é, na atenuação
contrário, precisamente como esmigalhamento e não como dos antaeronisinos de classe e por conseguinte num sentido
concentração do capital, o fenômeno das sociedades Por ações, pequeno-burguês.
e veja a extensão da propriedade capitalista precisamente E' verdade que Bernstein não se limita à estatística das
onde Marx via, ao contrário, a "supressão desta mesma pro- rendas. Apresenta também estatísticas de empresas, e princi-
priedade"? Isso se explica por um erro econômico muito sim- palmente de vários países: Alemanha, França, Inglaterra,
ples: porque Bernstein não entende por capitalista uma certa Suíça, Áustria e Estados Unidos. Mas que representam essas
categoria da produção, mas sim do direito de propriedade, estatísticas? Não são de modo algum confrontos de dados de
não uma unidade econômica, mas uma unidade fiscal, e por épocas diferentes em cada país, mas de cada época em dife-
capital, .não um fator da produção, mas simplesmente certa rentes países Por conseguinte, à exceção da Alemanha, onde
quantidade de dinheiro. E' por isso que, no seu truste inglês, repete o velho confronto de 1895 e 1882, Bernstein não com-
de linhas para coser, não vê a fusão num só todo, de 12.300 para a estatística de empresas de determinado país em épocas
pessoas, mas 12.300 capitalistas diferentes, é por isso que o seu diferentes, mas somente os dados absolutos de diferentes
engenheiro Schulze, que recebeu como dote da mulher grande
quantidade de ações do rendeiro Muller, é igualmente para
que é muito diferente. Um exemplo: no mercado mineiro, estão
ele um capitalista, e é por isso, pois, que o mundo inteiro lhe entre outras as minas sul-africanas do Rand. As ações, como a
parece formigar de "capitalistas" ( 6 ). maior parte dos valores em minas, são de uma libra esterlina, ou
vinte marcos-papel. Mas custavam já em 1899, 43 libras esterlinas
( 6 ) Nota bene! Bernstein vê manifestamente na grande (vide as cotações do fim do mês de março), isto é, não mais vinte
difusão das pequenas ações uma prova de que a riqueza social marcos, mas 860 marcos! E acontece mais ou menos a mesma coisa
começa a derramar uma verdadeira chuva de ações sobre a gente em toda parte. Por conseqüência, na realidade, conquanto soem tão
pobre. Com efeito, quem poderia, senão os pequenos burgueses ou democraticamente, as pequenas ações são na maioria "bônus sobre
mesmo operários, comprar ações pela bagatela de uma libra a riqueza social" inteiramente burgueses, e de modo algum pequeno
esterlina ou vinte marcos! Infelizmente, esta suposição repousa burgueses ou proletários, pois são comprados a seu valor nominal
num simples erro de cálculo: opera-se com o valor nominal das apenas por uma ínfima minoria de acionistas.
ações, em lugar de operar com o valor no mercado,
48 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 49
países (da Inglaterra em 1891, França em 1894, e Estados mecanismo da economia mercantil valerá pela extensão desta
Unidos em 1890 etc.). A conclusão a que chega é que, "se a anarquia a proporções inauditas, até o desmoronamento. Mas
grande exploração já goza hoje efetivamente de supremacia se, mantendo-se o regime da proteção de mercadorias, Bernstein
na indústria, não representa todavia, incluídas as empresas espera transformar gradualmente em harmonia e ordem esse
que dela dependem, mesmo num país desenvolvido como a pouco de anarquia, mas uma vez vem ele cair num dos erros
Prússia, senão metade, no máximo, da população que trabalha mais fundamentais da economia política burguesa, que consi-
na produção". Assim também na Alemanha, Inglaterra, Bél- dera o modo de troca independente do modo de produção.
gica, etc. Não vem a pêlo mostrar aqui em toda a sua amplitude
O que se prova com isso não é manifestamente tal ou qual a surpreendente confusão de que Bernstein dá prova em todo
tendência do desenvolvimento econômico, mas unicamente a o seu livro, no que concerne aos princípios mais elementares
relação absoluta das forças das diversas classes. Se com isso da economia política. Mas há um ponto a que somos levados
quer provar a impossibilidade de realizar o socialismo, repousa pela questão fundamental da anarquia capitalista, e que é
esta argumentação na teoria de que é a relação de forças preciso esclarecer em poucas palavras.
numéricas materiais, dos elementos em luta, e por conseguinte Bernstein declara uma simples abstração a lei do valor-
o simples fator da violência, que determina a solução final dos trabalho de Marx, o que constitui evidentemente uma injúria
esforços sociais. Aqui, Bernstein que sempre pontifica contra em economia política. Mas se o valor-trabalho é uma simples
o blanquismo cai no mais grosseiro engano blanquista. Com abstração, "uma construção do espírito", todo cidadão normal
a diferença, todavia, que os blanquistas, na qualidade de ten- que fez o serviço militar e paga regularmente os impostos tem
dência socialista e revolucionária, reconheciam e achavam o mesmo direito que Karl Marx de fazer de qualquer disparate
natural a possibilidade de realização econômica do socialismo uma "construção do espírito", tal como a lei do valor. "Marx
e fundavam nela as perspectivas da revolução violenta, mesmo tem o mesmo direito de desprezar as qualidades das mercado-
de uma pequena minoria, ao passo que Bernstein, ao contrário, rias até se tornarem elas puras de encarnações de qualidades
tira da insuficiência numérica da maioria da população a de simples trabalho humano, como têm os economistas da escola
conclusão da impossibilidade de realização econômica do so- Boehm-Jevons de fazer abstração de todas as qualidades das
cialismo. A finalidade da social-democracia resulta tão pouco mercadorias exceto a utilidade delas".
da violência vitoriosa da minoria quanto da superioridade nu- São, por conseguinte, o trabalho social de Marx e a uti-
mérica da maioria, e sim da necessidade econômica — e da lidade abstrata de Menger exatamente a mesma coisa para
compreensão dessa necessidade — que leva à supressão do capi- Bernstein — uma pura abstração. Esquece-se completamente,
talismo pelas massas populares, necessidade essa que se ma- entretanto, de que a abstração de Marx não é uma invenção,
nifesta antes de tudo pela anarquia capitalista. e sim uma descoberta, que não existe na cabeça de Marx e sim
No tocante a esta questão decisiva, — a anarquia na eco- na economia mercantil, que não tem existência imaginária, e
nomia capitalista, — o próprio Bernstein não nega as crise sim existência social real, tão real que pode ser cortada e
parciais e nacionais, mas sé as grandes crises gerais. Nega martelada, pesada e cunhada. Sob sua forma desenvolvida,
com isso muito da anarquia, reconhecendo apenas um pouqui- não é o trabalho abstrato, humano, descoberto por Marx, outra
nho dela. Falando como Marx, dá-se o mesmo, na teoria de coisa senão o dinheiro. E é esta precisamente uma das mais
Bernstein, que na economia capitalista que com aquela virgem geniais descobertas econômicas de Marx, ao passo que, para
desassizada e seu filho "que era muito pequenininho". Mas a toda a economia política burguesa, do primeiro mercantilista
infelicidade, nesse caso, é que para coisas tais como a anar- ao último dos clássicos, a essência mística do dinheiro perma-
quia, o pouco e o muito são igualmente ruins. Se Bernstein neceu um enigma insolúvel.
reconhece a existência de um pouco de anarquia, o próprio Ao contrário, a utilidade abstrata de Boehm-Jevons não
é efetivamente mais do que uma construção do espírito, ou
50 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 51

melhor, uma representação do vazio intelectual, um disparate do "dualismo" "que se pode acompanhar através de toda a
individual, pelo qual não pode ser responsabilizada nem a so- obra monumental de Marx", "dualismo esse que consiste em
ciedade capitalista e nem qualquer outra sociedade humana, querer a obra ser um estudo científico e ao mesmo tempo
mas exclusivamente a própria economia vulgar burguesa. provar uma tese completamente elaborada muito antes de sua
Com esta "construção do espírito", podem Bernstein, Boehm redação, em ter por base um esquema que continha de antemão
e Jevons, com toda a comunidade subjetivista, continuar ainda o resultado a que se queria chegar. A volta ao Manifesto Co-
por vinte anos, em face do mistério do dinheiro, sem chegar munista (isto é, à finalidade do socialismo!) mostra aqui que há
a outra solução senão a já encontrada, sem eles, por qualquer um resto de utopismo na doutrina de Marx".
sapateiro, isto é, que o dinheiro também é coisa "útil". Mas o "dualismo de Marx" outra coisa não é que o dua-
Com isto, Bernstein perdeu completamente qualquer com- lismo do futuro socialista e do presente capitalista, do Capital
preensão da lei do valor de Marx. Tara alguém que esteja e do Trabalho, da Burguesia e do Proletariado, o monumental
familiarizado, por pouco que seja, com a doutrina econômica reflexo científico do dualismo que de fato existe na sociedade
de Marx, é absolutamente evidente que, sem a lei do valor, burguesa, dos antagonismos de classe existentes no seio do
toda a doutrina permanece inteiramente incompreensível, ou, regime capitalista.
mais concretamente falando, se não se compreende a essência E se Bernstein vê nesse dualismo teórico de Marx "um
da mercadoria e de sua troca, toda a economia capitalista, com resto de utopismo", só faz com isso confessar ingenuamente
todos os seus encadeamentos, deve necessariamente permanecer que nega o dualismo histórico da sociedade burguesa, os anta-
um enigma insolúvel. gonismos de classe capitalistas, e que o próprio socialismo é
Mas qual a chave mágica que permitiu precisamente a hoje para ele "uma sobrevivência do utopismo". O "monismo",
Marx penetrar os segredos mais íntimos de todos os fenômenos isto é, a unidade de Bernstein, é a unidade do regime capita-
capitalistas, resolver, como que brincando, problemas que os lista eterno, unidade do socialista que renunciou à sua finali-
maiores espíritos da economia política burguesa e clássica, tais dade para ver na sociedade burguesa una e imutável o fim
como Smith e Ricardo, nem mesmo vislumbravam? Nada mais, do desenvolvimento humano.
nada menos que a concepção de toda a economia capitalista Mas se Bernstein não vê na própria estrutura econômica
como fenômeno histórico, não só como a compreendeu, no me- do capitalismo a divisão, o desenvolvimento na via do socia-
lhor dos casos, a economia clássica — quanto ao passado da lismo, vê-se forcado, para salvar pelo menos em aparência o
economia feudal — mas também quanto ao futuro socialista. programa socialista, a recorrer a uma construção idealista, à
O segredo da teoria do valor de Marx, de sua análise do di- parte do desenvolvimento econômico, e a transformar o próprio
nheiro, de sua teoria do Capital, da taxa de lucro e, por con- socialismo, de determinada fase histórica do desenvolvimento
seguinte, de todo o sistema econômico atual, está no caráter social que é, em um "princípio" abstrato.
transitório da economia capitalista, no seu desmoronamento Eis porque o "princípio do cooperativismo", fraca de-
e, por conseguinte — este é apenas o outro aspecto — na cantação da finalidade socialista, com que quer Bernstein
finalidade socialista. E' precisa e unicamente porque Marx enfeitar a economia capitalista, aperece como concessão de sua
considerava em primeiro lugar como socialista, isto é, de um teoria burguesa, feita, não ao futuro socialista da sociedade,
ponto de vista histórico, a economia capitalista, que pôde de- mas ao passado socialista do próprio Bernstein.
cifrar os seus hieróglifos, e é porque fez do ponto de vista
socialista o ponto de partida da análise científica da sociedade
burguesa que pôde, por sua vez, dar ao socialismo uma base
científica.
E' por este estalão que se devem medir as observações
feitas por Bernstein no fim de seu livro, em que se queixa
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 53

rêsses dos operários, pela dissolução. São esses fatos que o


próprio Bernstein constata, mas que evidentemente não com-
preende quando, com a Sra. Potter-Webb, vê na falta de
"disciplina" a causa do fracasso das cooperativas de produção
na Inglaterra. O que aqui se qualifica vulgar e superficial-
SINDICATOS, COOPERATIVAS E DEMOCRACIA mente de "disciplina" outra coisa não é senão o regime absoluto
POLÍTICA natural do Capital, e que evidentemente os operários não
podem empregar contra si mesmos ( 7 ).
Resulta daí que só contornando a contradição que oculta
em si mesma, entre o modo de produção e o modo de troca,
subtraindo-se assim artificialmente às leis da livre concorrên-
Acabamos de ver que o socialismo de Bernstein tende a
cia, pode a cooperativa de produção assegurar sua existência
fazer os operários participar da riqueza social, a transformar
no seio da economia capitalista. Só tendo um mercado, um
os pobres em ricos. Como consegui-lo? Em seus artigos pu-
círculo constante de consumidores, garantido de antemão, pode
blicados na Neue Zeit sob o título: "Problemas do socialismo",
ela atingir esse alvo. Justamente, a cooperativa de consumo
só fazia a esta questão alusões muito vagas. Ao contrário,
lhe fornece esse meio. Mais uma vez, reside aí, e não na dis-
encontramos no seu livro todas as informações desejáveis: deve
tinção entre cooperativas de compra e de venda, como pretende
o seu socialismo realizar-se por dois meios: pelos sindicatos,
Oppenheimer, o segredo de que trata Bernstein, o de saber por
ou, para dizer como Bernstein, pela democracia econômica, e
que fracassam as cooperativas de produção independentes, e
pelas cooperativas. Quer suprimir pelos primeiros o lucro
por que só a cooperativa de consumo lhes pode assegurar a
industrial, e pelas últimas o lucro comercial.
existência.
Quanto às cooperativas, e antes de tudo, às cooperativas Mas, se com isso ficam as condições de existência das
de produção, são elas pela sua essência um ser híbrido dentro cooperativas de produção na sociedade atual ligadas às condi-
da economia capitalista: a pequena produção socializada ções de existência das cooperativas de consumo, vem resultar
dentro de uma troca capitalista. Mas, na economia capitalista, daí que as cooperativas de produção têm de limitar-se, na
a troca domina a produção, fazendo da exploração impiedosa, melhor das hipóteses, a um pequeno mercado local e a redu-
isto é, da completa dominação do processo de produção pelos zido número de produtos de necessidade imediata, de prefe-
interesses do Capital, em face da concorrência, uma condição rência produtos alimentícios. Todos os ramos mais importantes
d« existência da empresa. Praticamente, exprime-se isso pela da produção capitalista: indústria têxtil, mineira, metalúrgica,
necessidade de intensificar o trabalho o mais possível, de re- petrolífera, como a indústria de construção de máquinas, lo-
duzir ou prolongar as horas de trabalho conforme a situação do comotivas e navios, estão de antemão excluídas da cooperativa
mercado, de empregar a força de trabalho segundo as necessida- de consumo e, por conseguinte, das cooperativas de produção.
des do mercado ou de atirá-la na rua, em suma, de praticar Eis porque, sem ter em conta o seu caráter híbrido, as coope-
todos os métodos muito conhecidos que permitem a uma empresa rativas de produção não podem ser consideradas uma reforma
capitalista enfrentar a concorrência das outras. Resulta daí, por social geral, pela simples razão de pressupor a sua realização
conseguinte, para a cooperativa de produção, verem-se os
operários na necessidade contraditória de governar-se a si
( 7 ) "As fábricas cooperativas de operários são em si
mesmos com todo o absolutismo necessário e desempenhar entre mesmas, nos quadros de forma antiga, a primeira ruptura dessa
eles mesmos o papel do patrão capitalista. É desta contradição forma antiga, se bem sejam forçadas, naturalmente, a reprodu-
que morre a cooperativa de produção, quer pela volta à em- zir em tudo, na sua verdadeira organização, todos os defeitos
presa capitalista, quer, no caso de serem mais fortes os inte- do sistema existente" (Marx, O Capital, tomo III).
54 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 55

geral, antes de tudo, a supressão do mercado mundial e a trabalho, mas esta organização transborda constantemente em
dissolução da economia mundial atual em pequenos grupos virtude do processo de proletarização das classes médias, que
locais de produção e de troca, constituindo no fundo, por con- traz continuamente novos contingentes daquela mercadoria ao
seguinte, u m retrocesso da economia do grande capitalismo à mercado do trabalho. Segundo, os sindicatos propõem-se a
economia mercantil da Idade Média. melhorar as condições de existência da classe operária, a
Mas, mesmo nos limites de sua possível realização, no do- aumentar a parte da riqueza social que lhe cabe mas, com a
mínio da sociedade atual, as cooperativas de produção se re- fatalidade de um processo da natureza, esta parte é constan-
duzem necessariamente a simples anexos das cooperativas de temente reduzida pelo aumento de produtividade do trabalho.
consumo, as quais aparecem no primeiro plano, como base Não é de modo algum necessário ser marxista para compreen-
principal da reforma socialista planejada. Mas, com isso, der isso; basta que se tenha tido em mãos uma vez o livro de
reduz-se toda a reforma socialista por meio de cooperativas, Rodbertus intitulado: Para explicação da questão social.
de luta contra o capital de produção, isto é, contra a principal Por conseguinte, transforma-se a luta sindical, nessas
base da economia capitalista, a uma luta contra o capital duas principais funções econômicas, em virtude das condições
comercial e, principalmente, contra o pequeno e médio capital objetivas da sociedade capitalista, em uma espécie de trabalho
comercial, isto é, unicamente contra pequenos ramos do tronco de Sísifo. Aliás, esse trabalho de Sísifo é indispensável, para
capitalista. que de acordo com uma dada situação do mercado, o operário
Quanto aos sindicatos, que são, por sua vez, segundo receba a taxa de salário que lhe cabe, para que seja aplicada
Bernstein, um meio de luta contra a exploração do capital de a lei capitalista do salário, e a tendência depressiva do desen-
produção, já mostramos que não estão em condições de garan- volvimento econômico seja paralisada ou, com mais precisão,
tir aos operários qualquer influência no processo da produção, atenuada em seu efeito. Mas, se se pretende transformar os
nem no que concerne às dimensões da produção nem no que sindicatos em meio de redução progressiva do lucro em favor
concerne aos seus processos técnicos. do salário, pressupõe-se, antes de tudo, como condição social,
E no que diz respeito ao lado puramente econômico da primeiro, uma parada da proletarização das classe médias e
"luta da taxa de salário contra a taxa de lucro", segundo a conseqüente crescimento da produtividade do trabalho; por
denomina Bernstein, esta luta, como também já demonstramos, conseguinte, pressupõe em ambos os casos, tal como a realiza-
não se trava no firmamento azul, mas nos quadros bem deter- ção da economia cooperativa de consumo, um regresso às con-
minados da lei dos salários, que ela só pode aplicar, e não dições precapitalistas.
romper. O que se verifica também de modo muito claro ao Os dois meios, graças aos quais se propõe Bernstein
considerar-se a questão sob outro aspecto, colocando a questão a realizar a reforma socialista, isto é, cooperativas e sindicatos,
das verdadeiras funções dos sindicatos. evidenciam-se pois absolutamente incapazes de transformar
Os sindicatos, a que Bernstein atribui a tarefa de dirigir o modo de produção capitalista. Aliás, o próprio Bernstein
o verdadeiro assalto, na luta emancipadora da classe operária, tem disso uma vaga percepção, quando os considera apenas
contra a taxa de lucro industrial, transformando-o por etapas como meios de reduzir o lucro capitalista, enriquecendo assim
em taxa de salário, não estão absolutamente em condições de os operários. Mas, com isso, renuncia espontaneamente à luta
dirigir uma política de ofensiva econômica contra o lucro, contra o modo de produção capitalista, dirigindo o movimento
porque na verdade não são mais que a defesa organizada da socialista apenas no sentido da luta contra o modo de repar-
fôrça-trabalho contra os ataques do lucro, a expressão da re- tição capitalista. O próprio Bernstein várias vezes qualifica
sistência da classe operária contra a tendência opressora da o seu socialismo de esforço tendente a um modo de repartição
economia capitalista. Isto, por dois motivos. "justo", "mais justo", e até mesmo "ainda mais justo"
Primeiro: os sindicatos têm por tarefa influenciar, pela
sua organização, a situação do mercado da mercadoria fôrça- (Vorwaerts, de 26 de março de 1899).
56 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 57

Incontestàvelmente, em todo o caso é o modo "injusto" de tóricos de transporte mais seguros, àquele lamentável Rossi-
repartição do regime capitalista a causa direta que arrasta as nante que, levando às costas todos os Don Quixotes da his-
massas populares para o movimento social-democrata. E, lu- tória, galopou para a grande reforma do inundo, para afinal
tando pela socialização de toda economia, com isso aspira a trazer de volta para casa tristemente os seus cavaleiros amar-
social-democracia também, naturalmente, a uma repartição rotados .
"justa" da riqueza social. Mas, graças à compreensão alcan- A relação do rico para o pobre, como base social do so-
çada por Marx, de que o modo de repartição de determinada cialismo, o princípio de cooperação como seu conteúdo, a "re-
época não é mais que uma conseqüência natural do modo de partição mais justa" como seu objetivo final, e a Idéia de
produção dessa época, a social-democracia não luta contra a justiça como sua única legitimação histórica — com quanto
repartição nos quadros da produção capitalista, e sim tendo mais força, mais espírito e brio não defendeu Weitling, há
em vista a supressão da própria produção capitalista de mer- mais de 50 anos, esta espécie de socialismo! Sem dúvida,
cadorias. Em suma, a social-democracia quer estabelecer o aquele alfaiate genial ainda não conhecia o socialismo cientí-
modo de repartição socialista por meio de supressão do modo fico. E se hoje, meio século mais tarde, aquela concepção, espi-
de produção capitalista, ao passo que o método bernsteiniano caçada por Marx e Engels, é remendada e apresentada ao pro-
consiste, bem ao contrário, em combater o modo de repartição letariado como a última palavra da ciência, é esse, em toda
capitalista, na esperança de conseguir estabelecer progressiva- caso, também o feito de um alfaiate, mas que nada tem de
mente, por este meio, o modo de produção socialista. genial.
Mas, nesse caso, em que se pode fundar a reforma socia- * * *
lista bernsteiniana? Em determinadas tendências da produção
capitalista? Não, primeiro porque ele nega essas tendências,
e o segundo porque, infere-se de tudo que foi dito, a trans- Assim como os sindicatos e cooperativas são pontos de
formação socialista é para ele o efeito e não a causa da re- apoio econômicos, assim também é um desenvolvimento cres-
partição. Portanto, não pode o seu socialismo ter uma base cente da democracia a principal condição política da teoria
econômica, Depois de ter invertido completamente as finali- revisionista. Para o revisionismo, as atuais manifestações da
dades e meios do socialismo e, por conseguinte, suas condições reação não passam de "sobressaltos" que ele considera fortuitos
econômicas, Bernstein não pode dar ao seu programa uma e momentâneos, e que não leva em conta na elaboração das
base materialista; é obrigado, por conseguinte, a construir diretrizes gerais da luta operária.
uma base idealista. Segundo Bernstein, a democracia é etapa inevitável do
desenvolvimento da sociedade moderna, que se lhe afigura,
"Por que imaginar-se que o socialismo é uma conseqüên- com aos teóricos burgueses do liberalismo, ser a grande lei
cia da coação econômica?" objeta ele. "Por que degradar a fundamental do desenvolvimento histórico, devendo todas as
compreensão, o sentimento do direito, a vontade humana?" forcas ativas da vida política servir para a realização dela.
(Vorwaerts, 26 de marco de 1899). A repartição mais justa, Mas, sob esta forma absoluta, tal conclusão é completamente
pensa Bernstein, deve realizar-se, portanto, graças à livre errônea, não passando de uma vulgarização superficial, peque-
vontade humana, e não como conseqüência da necessidade no-burguesa, dos resultados de uma curta fase do desenvolvi-
econômica, ou, mais precisamente, uma vez que a própria von- mento burguês, dos últimos 25 a 30 anos. Se examinarmos de
tade é um simples instrumento, graças à compreensão da jus- perto o desenvolvimento da democracia na história e, ao mesmo
tiça, em suma, graças à idéia de justiça. tempo, a história política do capitalismo, chegaremos a con-
Chegamos assim com muita felicidade ao princípio da clusões totalmente diversas.
justiça, esse velho cavalo de batalha há milênios montado, por Quanto ao primeiro ponto, encontramos a democracia nas
todos os reformadores de todo o mundo, à falta de meios his- mais diversas formações sociais: nas sociedades comunistas
58 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 59

primitivas, nos Estados escravagistas da antigüidade, nas co- e cabem dentro de seus limites todos os diversos graus da escala,
munas medievais. Assim também, encontramos o absolutismo desde a monarquia absoluta até a república democrática.
e a monarquia constitucional nos mais diversos regimes eco- Portanto, se temos de renunciar a estabelecer uma lei his-
nômicos. Por outro lado, o capitalismo nascente, como sistema tórica geral do desenvolvimento da democracia, mesmo nos
de produção de mercadorias, dá origem a constituições demo- quadros da sociedade moderna, voltando-nos apenas para a
cráticas nas comunas municipais da Idade Média; mais tarde, fase atual da história burguesa, ainda aqui constataremos, na
em sua forma mais desenvolvida, como sistema de produção situação política, fatores que não conduzem à realização do
manufatureira, encontra na monarquia absoluta a forma política esquema bernsteiniano, mas antes pelo contrário, ao abandono,
que lhe corresponde. Por fim, como sistema de economia pela sociedade burguesa, das conquistas até aqui realizadas.
industrial desenvolvida, produz sucessivamente na França, a Por um lado, as instituições democráticas esgotaram com-
república democrática (1793), a monarquia absoluta de Napo- pletamente o seu papel no desenvolvimento da sociedade bur-
leão 1.°, a monarquia nobiliária do tempo da Restauração guesa, o que é da maior importância. Na medida em que
(1815-1830), a monarquia constitucional burguesa de Luís Fe- foram necessárias à fusão dos pequenos Estados e criação de
lipe, e depois, de novo, a república democrática, e depois, mais grandes Estados modernos (Alemanha, Itália), atualmente já
uma vez, a monarquia de Napoleão III, e enfim, pela terceira não são mais indispensáveis. Nesse ínterim, o desenvolvimento
vez, a república. Na Alemanha, a única instituição verdadeira- econômico produziu uma cicatrização orgânica interior.
mente democrática, que é o sufrágio universal, não é conquista O mesmo se pode dizer no tocante à transformação de
do liberalismo burguês, e sim um instrumento para a fusão toda a máquina política e administrativa de Estado, de me-
dos pequenos Estados, e por conseguinte só nesse sentido tem canismo feudal ou semifeudal, em mecanismo capitalista. Esta
importância para o desenvolvimento da burguesia alemã, que transformação, que historicamente foi inseparável do desen-
em tudo mais se contenta com uma monarquia constitucional volvimento da democracia, também já está hoje tão completa-
semifeudal. Na Rússia, longos anos prosperou o capitalismo mente realizada que os "ingredientes" puramente democráticos
sob o regime do absolutismo oriental, sem que tivesse a bur- da sociedade, o sufrágio universal, a forma de Estado repu-
guesia manifestado o mínimo desejo de ver introduzida a de- blicano, poderiam ser suprimidos sem a administração, as fi-
mocracia. Na Áustria, o sufrágio universal apareceu princi- nanças, a organização militar necessitassem voltar às formas
palmente como tábua de salvação para a monarquia em vias anteriores à revolução de Março.
de decomposição. Na Bélgica, enfim, a conquista democrática Se, por conseguinte, o liberalismo é em si mesmo absolu-
do movimento operário — o sufrágio universal — é incontes- tamente inútil à sociedade burguesa, tornou-se, por outro lado,
tàvelmente devida à fraqueza do militarismo, e por conseguinte um impecilho direto, sob outros pontos de vista importantes.
à situação geográfica e política toda especial da Bélgica, e é, Aqui, é preciso ter em conta dois fatores que dominam toda
acima de tudo, precisamente um "pouco de democracia" a vida política dos Estados atuais: política mundial e o mo-
conquistado, não pela burguesia, e sim contra ela. vimento operário — não passando ambos de dois aspectos dife-
rentes da fase atual do desenvolvimento capitalista.
O progresso ininterrupto da democracia, que, para o nosso O desenvolvimento da economia mundial, a agravação e
revisionismo como para o liberalismo burguês, se apresenta generalização da concorrência no mercado mundial, fizeram do
como a grande lei fundamental da história humana, ou pelo militarismo e do navalismo, na qualidade de instrumentos da
menos da história moderna, é por conseguinte, examinado-se-o política mundial, fator decisivo da vida dos grandes Estados,
atentamente, um espectro. Não se pode estabelecer, entre o tanto exterior como interior. Mas, se a política mundial e o
desenvolvimento capitalista e a democracia, qualquer relação militarismo representam tendência ascendente da fase atual
geral absoluta. A forma política é pois sempre resultante do do capitalismo, logicamente deve a democracia burguesa evoluir
conjunto dos fatores políticos tanto interiores como exteriores, em linha descendente.
60 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 61
Na Alemanha, a democracia burguesa pagou imediata-
mente com duas vítimas a era dos grandes armamentos, que está ligado à democracia burguesa, mas ao contrário a do de-
data de 1893 e a política mundial inaugurada com a tomada senvolvimento democrático que está ligada ao movimento so-
de Kiao-Tcheu: a decomposição do liberalismo e o esvazia- cialista. Que a democracia não vai sendo viável na medida
mento do Partido do Centro, que passou da oposição para o em que a classe operária renuncia à sua luta emancipadora,
governo. As últimas eleições para o Reichstag, em 1907, efe- mas, ao contrário, na medida em que o movimento socialista
tuadas sob o signo da política colonial alemã, são ao mesmo vai fortalecendo-se bastante para lutar contra as conseqüên-
tempo o enterro histórico do liberalismo alemão. cias reacionárias da polícia mundial e da deserção burguesa.
Que os que desejarem o reforçamento da democracia devem
Se a política exterior atira assim a burguesia nos braços desejar igualmente o reforçamento, e não o enfraquecimento,
da reação, isto não se verifica menos no caso da política inte- do movimento socialista, e que, renunciando aos esforços socia-
rior, graças ao surto da classe operária. O próprio Bernstein listas, renuncia-se tanto ao movimento operário quanto à
o reconhece, quando responsabiliza a lenda social-democrata própria democracia.
do proletariado "que quer devorar tudo" ( 8 ), ou em outras
palavras os esforços socialistas da classe operária, pela deser-
ção da burguesia liberal. Para que o liberalismo mortalmente
amedrontado saia da toca da reação, aconselha ele ao prole-
tariado a renúncia à finalidade socialista. Com isso, fazendo
da supressão do movimento operário socialista condição essen-
cial da democracia burguesa, o próprio Bernstein prova de
modo insofismável que esta democracia está tanto em contra-
dição com a tendência interna de desenvolvimento da sociedade
atual quanto o próprio movimento socialista é produto direto
desta tendência.
E prova ainda outra coisa. Fazendo da renúncia da classe
operária à sua finalidade socialista a condição essencial da
ressurreição da democracia burguesa, ele mesmo mostra, reci-
procamente, até que ponto é inexato pretender-se que a demo-
cracia burguesa seja condição indispensável do movimento e
da vitória socialista. Aqui, resulta num círculo vicioso a argu-
mentação de Bernstein, porque a conclusão destrói as premissas.
E' na verdade muito simples a solução do problema: do
fato de ter o liberalismo burguês exalado o seu último suspiro,
de medo do movimento operário crescente e de suas finalidades,
resulta apenas que é hoje precisamente o movimento socia-
lista operário o único apoio da democracia, que não pode haver
outro apoio e que não é a sorte do movimento socialista que

( 8 ) Bernstein se refere aí às "frases grandiloqüentes sobre


a expropriação geral violenta, que se produzirá de uma só vez
por toda parte". (Neue Zeit, 1898-1899, II, pág. 841).
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 63

desgraçadamente considera erro blanquista o que - há séculos


constitui o eixo e a força motriz da história humana. Desde
que existem sociedades de classe, e que a luta de classes cons-
titui o conteúdo essencial da história delas, a conquista da
poder político foi sempre a finalidade de todas as classes,
A CONQUISTA DO PODER POLÍTICO ascendentes, como também o ponto de partida e o coroamento
de todas as épocas históricas. E' o que constatamos nas longas
lutas do campesinato contra os financistas e contra a nobreza,
na Roma antiga, nas lutas do patriciado contra o alto clero
e nas do artesanato contra os patrícios nas cidades medievais,
A sorte da democracia, já o vimos, está ligada à do mo- assim como nas da burguesia contra o feudalismo, nos tempos
vimento operário. Trata-se agora de saber se o desenvolvimen- modernos.
to da democracia torna supérflua ou impossível uma revolu- Portanto, a reforma legal e a revolução não são métodos
ção proletária, no sentido da tomada do poder de Estado, da diferentes de desenvolvimento histórico, que se pode escolher
conquista do poder político. à vontade no refeitório da história, como se escolhe entre sal-
Bernstein liquida esta questão, pesando minuciosamente sichas frias ou quentes, e sim fatores diferentes do desenvol-
os aspectos bons e maus da reforma e da revolução, mas ou vimento da sociedade de classe, condicionados um ao outro e
menos da mesma forma por que se pesam a canela e a pimenta que se completam, ainda que se excluindo reciprocamente,
numa cooperativa de consumo. No curso legal do desenvolvi- como, por exemplo o polo Norte e o polo Sul, a burguesia e o
mento, vê a ação da inteligência; no curso revolucionário, a proletariado.
do sentimento; no trabalho reformista, um método lento; na E mesmo, qualquer constituição legal outra coisa não é
revolução, um método rápido de progresso histórico; na legis- que o produto da revolução. Ao passo que a revolução é o
lação, uma força metódica; na sublevação, uma força es- ato de criarão política da história de classe, a legislação outra
pontânea . coisa não é que a expressão política da vida e da sociedade.
Há muito que se sabe que o reformador pequeno-burguês Precisamente, o esforço pelas reformas não contém força motriz
vê em todas as coisas um lado "bom" e um "mau", e que própria, independente da revolução; prossegue em cada pe-
colhe uma espiga em cada seara. Mas também se sabe há ríodo histórico, somente na direção que lhe foi dada pelo im-
muito que o verdadeiro curso dos acontecimentos muito pouco pulso da última revolução, e enquanto esse impulso se faz
se preocupa com as combinações pequeno-burguesas e que o sentir, ou, mais concretamente falando, somente nos quadros
amontoado cuidadosamente reunido do "lado bom" de todas da forma social criada pela última revolução. Ora, é precisa-
as coisas imagináveis no mundo desmorona ao primeiro tronco. mente aí que reside o ponto central da questão.
Com efeito, vemos funcionar na história a reforma legal e o E' inteiramente falso e contrário à história representar-
método revolucionário, movidos pôs causas muito mais pro- se o esforço pelas reformas unicamente como a revolução
fundas que as vantagens ou inconvenientes de um ou outro desdobrada no tempo, e a revolução como uma reforma con-
método. densada. Não se distinguem uma transformação social e uma
Na história da sociedade burguesa, a reforma legal serviu reforma legal pela duração, mas pelo conteúdo. É precisa-
para o reforçamento progressivo da classe ascendente até se mente na transformação de simples modificações quantitati-
ter esta sentido bastante forte para se apossar do poder polí- vas em uma nova qualidade ou, mais concretamente falando,
tico e suprimir todo o sistema jurídico, substituindo-o em se- na passagem de um dado período histórico, de dada forma de
guida por outro. Bernstein, que ronca contra a conquista do sociedade, a outra, que reside todo o segredo das transforma-
poder político, classificando-a de teoria de violência blanquista, ções históricas pela utilização do poder político.
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 65
64 ROSA LUXEMBURG
graçado não tinha colarinho!" Ora, é precisamente esta a
Eis porque quem quer que se pronuncie a favor do método dificuldade.
das reformas legais, em vez de e em.oposição à conquista do "Todas as sociedades anteriores repousavam no antagonis-
poder político e à revolução social, não escolhe, na realidade, mo entre classe opressora e classe oprimida" (Manifesto do
um caminho mais tranqüilo, mais calmo e mais lento, levando Partido Comunista). Mas, nas fases precedentes da sociedade
para a mesma finalidade, e sim uma finalidade diferente, isto moderna, este antagonismo encontrava expressão em relações
é, modificações superficiais na antiga sociedade, em vez da jurídicas bem determinadas, e, justamente por isso, podia dar,
instauração de nova sociedade. Assim, partindo das con- dentro de certos limites, lugar a novas relações nos quadros
cepções políticas do revisionismo, a conclusão é a mesma a que das antigas. "Mesmo no seio da servidão, elevou-se o servo
se chegou tendo partido de suas teorias econômicas, isto é, à posição de membro da comuna" (Manifesto do Partido Co-
que no fundo, não tendem elas à realização da ordem socialista, munista). Como foi isso possível? Pela supressão progressiva
mas unicamente à reforma da ordem capitalista, não à supres- de todos os privilégios das regiões urbanas: corvéia, direito
são do assalariado, mas à diminuição da exploração, em suma; de vestir, taxa sobre a herança, direito a melhor moradia, im-
à supressão dos abusos do capitalismo e não do próprio ca- posto individual, casamento forçado, direito de sucessão etc.,
pitalismo. que precisamente constituíam em conjunto a servidão.
Mas, quem sabe se o que acabamos de dizer sobre o papel Foi também deste modo que conseguiu o burguês da Idade
recíproco da reforma legal e da revolução só vale para as lutas Média, debaixo do jugo do absolutismo feudal, elevar-se à
de classe do passado? Quem sabe se hoje, com o desenvolvi- categoria de burguês (Manifesto do Partido Comunista). Por
mento do sistema jurídico burguês, é à reforma legal que que meios? Pela supressão formal parcial ou pela distensão
incumbe a tarefa de fazer a sociedade passar de uma fase real dos laços corporativos, pela transformação progressiva da
histórica à outra, e a conquista do poder do Estado pelo pro- administração das finanças e do exército, na medida indis-
letariado "tornou-se uma frase vazia de sentido", como o pre- pensável.
tende Bernstein? Por conseguinte, ao estudar a questão do ponto de vista
Mas a verdade é precisamente o contrário. Como se dis- abstrato e não do ponto de vista histórico, pode-se em todo
tingue a sociedade burguesa das outras sociedades de classes o caso imaginar, em face das antigas relações de classe, uma
— a antiga e a medieval? Precisamente no fato de não re- passagem legal, pelos métodos reformistas, da sociedade feudal
pousar hoje a dominação de classe em "direitos adquiridos", à burguesa. Mas, na realidade, que vemos? Que nem aí as
e sim em verdadeiras relações econômicas, no fato de não ser reforma legais serviram para tornar inútil a tomada do poder
o salariato uma relação jurídica, e sim uma relação puramente pela burguesia, mas, ao contrário, para prepará-la e provocá-
econômica. Em todo o nosso sistema jurídico não se encon- la. Uma transformação formal político-social era indispensável,
trará uma só fórmula da dominação da classe atual. Se ainda tanto para a abolição da servidão quanto para a completa
restam vestígios de tais fórmulas, são precisamente sobrevivên- supressão do feudalismo.
cias da sociedade feudal, tal como o regulamento relativo aos Mas hoje a situação ainda é inteiramente diversa. Não é
criados. o proletariado obrigado por lei alguma a submeter-se ao jugo
do Capital e sim pela miséria, pela falta de meios de produção.
Por conseguinte, como suprimir progressivamente, "pela
Mas, nos quadros da sociedade burguesa, não haverá no mundo
via legal", a escravidão do assalariado, se ela não está absolu-
lei que lhe possa proporcionar esses meios de produção, porque
tamente expressa nas leis? Bernstein, que quer pôr mãos à
não foi a lei, e sim o desenvolvimento econômico que lhos
obra da reforma legal, para por esse meio suprimir o capita-
arrancou.
lismo, vai encontrar-se na mesma situação daquele polícia
Assim também, a exploração no interior do sistema do
russo de Uspiensky, que conta sua aventura: "Num movimento
salariato não repousa tampouco em leis, pois não são os salários
rápido, peguei o sujeito pelo colarinho! Mas, que vejo? O des-
66 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 67

fixados por via legal, e sim por fatores econômicos. E o fato Sem dúvida, Bernstein chega a conclusões muito diver-
mesmo de exploração não repousa em disposição legal, mas sas: Se o desenvolvimento da democracia conduzisse à agrava-
no fato puramente econômico de desempenhar a fôrça-trabalho ção, e não à atenuação dos antagonismos capitalistas, "a social-
o papel de mercadoria, que tem, entre outras, a agradável qua- democracia, para não tornar mais difícil a tarefa, deveria —
lidade de produzir valor, e mesmo mais valor do que consome diz ele — esforçar-se por impedir a todo custo a extensão das
nos meios de subsistência do operário. Em suma, todas as instituições democráticas". Sem dúvida, seria esse o caso se a
relações fundamentais da dominação da classe capitalista não social-democracia, seguindo o costume pequeno-burguês,
são possíveis de transformação pelas reformas legais na base achasse prazer nessa fútil ocupação que é aceitar todos os
da sociedade burguesa, porque não foram introduzidos por aspectos bons da história e rejeitar todos os maus. Entretanto,
leis burguesas, e nem receberam a forma de tais leis. Ignora-o, deveria ela logicamente "esforçar-se por impedir também todo
aparentemente, Bernstein, pois que se dispõe à "reforma" o capitalismo em geral, pois é incontestàvelmente ele o cele-
socialista, mas reconhece-o implicitamente ao escrever, à pá- rado que lhe opõe todos os obstáculos na via do socialismo".
gina 10 de seu livro, que "o móvel econômico age hoje livre- Na verdade, o capitalismo, com os obstáculos, fornece igual-
mente, quando outrora era mascarado por toda sorte de rela- mente as únicas possibilidades de realizar o programa socia-
ções de dominação e ideologias". lista. O mesmo exatamente quanto à democracia.
Mas não é tudo. E' ainda uma das particularidades do Se para a burguesia a democracia tornou-se supérflua ou
regime capitalista que, em seu seio, todos os elementos da so- mesmo incômoda, é, ao contrário, necessária e indispensável
ciedade futura, no seu desenvolvimento, tomam de início uma à classe operária. E' necessária em primeiro lugar porque
feição que, em vez de aproximar-se do socialismo, ao contrário cria formas políticas (administração autônoma, direito eleito-
se afastam dele. Cada vez mais tem a produção um caráter ral, etc.) que servirão de pontos de apoio ao proletariado em
social. Mas de que forma se exprime esse caráter social? Toma seu trabalho de transformação da sociedade burguesa. Em
a feição da grande indústria, da sociedade por ações, do segundo lugar, é indispensável porque só por meio dela, na
cartel, que agravam ao extremo, em seu seio, os antagonismos luta pela democracia, no exercício de seus direitos, pode o
capitalistas, a exploração, a opressão da fôrça-trabalho. proletariado chegar à consciência de seus interesses de classe
No exército, este desenvolvimento conduz à extensão do e suas tarefas históricas.
serviço militar obrigatório, ao encurtamento do tempo de ser- Em suma, a democracia é indispensável, não porque torne
viço, e por conseguinte, materialmente, a uma aproximação supérflua a conquista do poder político pelo proletariado, mas,
da milícia popular. Mas isso com a feição do militarismo mo- ao contrário, por tornar essa perspectiva necessária tanto como
derno, em que se manifestam com a maior clareza a dominação a única possível. Quando, em seu prefácio à Luta das classes
do povo pelo Estado militarista, o caráter de classe do Estado. em França, Engels fez uma revisão da tática do movimento
Nas relações políticas, o desenvolvimento da democracia, operário moderno, opondo às barricadas a luta geral, não teve
na medida em que encontra terreno favorável, conduz à parti- em vista — como se deduz claramente de cada linha desse tra-
cipação de todas as camadas populares na vida política e por balho seu — a questão da conquista definitiva do poder polí-
conseguinte, de certo modo, ao "Estado popular". Mas isso tico, e sim a da luta cotidiana atual; não a atitude do prole-
sob a forma do parlamentarismo burguês, o qual, longe de os tariado em relação ao Estado capitalista no momento da to-
suprimir, os antagonismos das classes, a dominação de classe, mada do poder, mas sim nos moldes do Estado capitalista.
patenteiam-se, ao contrário, a olhos vistos. E' por mover-se Resumindo, Engels dava diretivas, não ao proletariado vito-
o desenvolvimento capitalista através de contradições que o rioso, mas ao proletariado oprimido.
proletariado, para extrair de seu invólucro capitalista a se- Ao contrário, a célebre frase de Marx sobre a questão
mente da sociedade socialista, deve apossar-se do poder político agrária na Inglaterra: — "é provável que se resolvesse o pro-
e suprimir completamente o sistema capitalista. blema mais facilmente comprando as terras dos landlords",
68 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 69
frase em que Bernstein também se baseia, não se relaciona à
atitude do proletariado antes, e sim depois da vitória. Porque mação de que o programa socialista poderia, em qualquer mo-
evidentemente só pode compreender-se a compra dos bens das mento da ditadura do proletariado, abrir completa falência,
classes dominantes se a classe operária estiver no poder. Era esconde-se inconscientemente outra afirmação a de que o pro-
o exército pacífico da ditadura proletária a aventualidade que grama socialista é, de modo geral e em, todos os tempos, irrea-
Marx encarava, e não a substituição da ditadura pelas refor- lizável.
mas sociais capitalistas. Tanto para Marx como para Engels, E se são prematuras essas medidas transitórias? Esta per-
a necessidade mesma da conquista do poder político pelo prole- gunta encerra toda uma série de mal-entendidos relativamente
tariado sempre esteve fora de dúvida. Estava reservado a ao verdadeiro curso das transformações sociais.
Bernstein ver no poleiro do parlamentarismo burguês o órgão Primeiro, a tomada do poder político pelo proletariado,
indicado para realizar a mais formidável transformação social isto é, por uma grande classe popular, não se faz artificial-
da história, a passagem da sociedade capitalista à socialista. mente. Excetuando-se os casos como a Comuna de Paris, em
Mas Bernstein começou sua teoria afirmando apenas o que o poder não foi conquistado pelo proletariado em seguida
temor de ver o proletariado apossar-se prematuramente do a uma luta consciente de sua finalidade, mas veio cair nas
poder, e prevenindo-o contra aquele perigo. Deveria então o mãos dele de modo absolutamente excepcional, como um bem
proletariado, segundo Bernstein, deixar a sociedade burguesa desprezado por todos, essa tomada pressupõe, por si mesma,
no estado em que está, e sofrer uma horrível derrota. A pri- certo grau de maturidade das relações econômicas e políticas.
meira dedução desse temor expresso por Bernstein é que, caso Reside nisso a diferença essencial entre os golpes de Estado
o proletariado chegasse ao poder, uma só conclusão "prática" blanquistas realizados por uma "minoria ativa" e que explo-
deveria ele tirar da teoria de Bernstein: cruzar os braços. Mas, dem como tiros de revólver, de modo sempre inoportuno, e
com isso, tal teoria se julga imediatamente a si mesma uma a conquista do poder político pela grande massa popular cons-
concepção que condena o proletariado à inação, nos momentos ciente, conquista essa que por si mesma só pode ser produto
mais decisivos da luta, e, por conseguinte, à traição passiva da decomposição da sociedade burguesa e traz em si, por este
quanto à sua própria causa. motivo, a legitimação econômica e política de seu aparecimento
Com efeito, o nosso programa seria um miserável farrapo oportuno.
de papel e nada mais, se não nos servisse para todas as even- Por conseguinte, se a conquista do poder político pela
tualidades e em todos os momentos de luta, e isso pela sua classe operária não pode efetuar-se "cedo demais", do ponto
aplicação, e não pelo seu abandono. Se nosso programa contém de vista das condições sociais, deve necessariamente efetuar-se
a fórmula do desenvolvimento histórico da sociedade do capi- "cedo demais", do ponto, de vista do efeito político, da conser-
talismo ao socialismo, evidentemente deve formular também, vação do poder. A revolução prematura, cuja idéia só por si
em todos os característicos fundamentais, todas as fases tran- impede a Bernstein de dormir, ameaça-nos como a espada de
sitórias desse desenvolvimento e, por conseguinte, poder indicar Dámocles, e contra isso de nada servem orações e súplicas,
ao proletariado, a cada momento, qual a ação que lhes deve transes e angústrias. Isso, por duas razões muito simples:
corresponder, no sentido do encaminhamento para o socialismo. A primeira é que é inteiramente impossível imaginar-se
Resulta daí que não pode o proletariado ser forçado a aban- que uma transformação tão formidável como é a passagem da
donar às vezes o seu programa ou por ele ser abandonado, o sociedade capitalista à socialista, se realize de uma só vez, por
que praticamente, se manifesta em ele ser obrigado moral- meio de um golpe feliz do proletariado. Considerá-lo possível
mente uma vez que tenha sido colocado no poder pela força é, mais uma vez dar prova de concepções claramente blan-
das circunstâncias, e não deixar de estar em condições de tomar quistas. A transformação socialista pressupõe uma luta demo-
certas medidas que visem a realização de seu programa, certas rada e persistente, sendo de todo provável que, no seu curso, se
medidas transitórias tendentes ao socialismo. Atrás da afir- veja o proletariado mais de uma vez rechaçado, e por tal forma a
sua ascenção ao poder, da primeira vez, terá sido necessà-
70 ROSA LUXEMBURG

riamente "cedo demais", do ponto de vista do resultado final


da luta.
Mas, em segundo lugar, a conquista "prematura" do
poder de Estado pelo proletariado não poderá ser evitada,
precisamente por isso que estes ataques "prematuros" do pro- O DESMORONAMENTO
letariado constituem um fator, e mesmo fator muito impor-
tante, na criação das condições políticas da vitória final, pelo
fato de só no curso da crise política que acompanhará a to-
mada do poder, no curso de lutas demoradas e tenazes, poder
o proletariado chegar ao grau de maturidade política que lhe Bernstein começou a revisão do programa social-democra-
permita obter a vitória definitiva da revolução. Assim, os ta pelo abandono da teoria do desmoronamento capitalista.
próprios ataques "prematuros" do proletariado contra o poder Mas é essa teoria a pedra angular do socialismo científico, e
de Estado são fatores históricos importantes, que contribuem a rejeição desta pedra angular havia logicamente de levar ao
a provocar e determinar o momento da vitória definitiva. desmoronamento de toda a doutrina socialista em Bernstein.
Deste ponto de vista, a idéia de conquista "prematura" do E com efeito, no correr da discussão, ele foi abandonando,
poder político pelas classes laboriosas aparece como um dis- uma após outra, para poder sustentar o que afirmara de início,
parate político, proveniente de uma concepção mecânica do as posições do socialismo.
desenvolvimento da sociedade, e pressupõe para a vitória da Sem desmoronamento do capitalismo, é impossível a ex-
luta de classes um momento estabelecido fora e independente- propriação da classe capitalista. Bernstein renuncia então à
mente da luta de classes. expropriação, para estabelecer como finalidade do movimento
Por conseguinte, uma vez que o proletariado não está em operário a realização progressiva do "princípio cooperativo".
condições de apossar-se do poder político, a não ser "prema- Mas no seio da produção capitalista não pode realizar-se
turamente", ou, em outras palavras, uma vez que é absoluta- a cooperação. Por conseguinte, Bernstein renuncia à sociali-
mente forçado a apossar-se dele uma ou várias vezes "cedo zação da produção, e aspira unicamente à reforma do comércio,
demais", antes de poder conservá-lo definitivamente, a oposi- ao desenvolvimento das cooperativas de consumo.
ção à conquista "prematura" do poder outra coisa não é, no Mas a transformação da sociedade pelas cooperativas de
fundo, que uma oposição, em geral, à aspiração do proletaria- consumo, mesmo com sindicatos, é incompatível com o desen-
do a apossar-se do Estado. volvimento material real da sociedade capitalista. Eis porque
Por conseguinte, chegamos logicamente, deste lado, tam- abandona Bernstein a concepção materialista da história.
bém, assim como todos os caminhos levam a Roma, à conclusão Mas, sua concepção da marcha do desenvolvimento eco-
de que a recomendação revisionista de pôr-se de lado a fina- nômico é incompatível com a teoria marxista da mais-valia e,
lidade socialista leva a outra recomendação, que é a de re- com isso, toda a doutrina econômica de Karl Marx.
nunciar ao próprio movimento socialista. Mas não pode a luta de classe proletária ser conduzida
sem finalidade determinada e sem base econômica na socie-
dade atual. Bernstein abandona então a luta de classe e pro-
clama a reconciliação com o liberalismo burguês.
Mas, sendo a luta de classe uni fenômeno inteiramente
natural e inevitável numa sociedade de classe, Bernstein vem
a contestar a própria existência de classes na nossa sociedade.
Para ele, a classe operária não passa de um amontoado de
72 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 73

indivíduos, divididos não só política e intelectualmente, como Friedrich Albert Lange e Kant, M. Prokopovitch e o Dr. Ritter
ainda economicamente. E também a burguesia, no seu dizer, von Neupauer, Herkner e Schulze-Goevernitz, Lassalle e o
não está agrupada politicamente por interesses econômicos professor Jullius Wolff, trouxeram todos a sua contribuição
internos, mas unicamente por uma pressão exterior, de cima
ao sistema bernsteiniano. De cada um tirou ele um pouco.
ou de baixo.
Que de espantoso há nisso? Ao abandonar o ponto de vista de
Mas, se não há base econômica para a luta de classe e, classe, perdeu ele, o compasso político; ao abandonar o socia-
por conseguinte, nem tampouco classes, a luta do proletariado lismo científico, perdeu o eixo de cristalização intelectual que
contra a burguesia, não só a futura como até mesmo a pas- agrupa ao redor de si, no todo orgânico de uma concepção
sada, manifesta-se impossível, e a própria social-democracia e conseqüente do mundo, os fatos isolados.
seus sucessos são absolutamente incompreensíveis. Ou então Composta indistintamente de pedaços de todos os sistemas
só se explicam como resultantes da pressão política do governo, imagináveis, esta doutrina parece à primeira vista completa-
não como conseqüência natural do desenvolvimento histórico, mente isenta de preconceitos. Porque Bernstein não quer
e sim conseqüência fortuita da política dos Hohenzollern; não ouvir falar de "ciência de partido", ou, mais precisamente, de
como filho legítimo da sociedade capitalista, e sim filho bas- ciência de classe, como não quer que se fale de liberalismo
tardo da reação. E' assim que, com uma lógica rigorosa, de classe, de moral de classe. Julga representar uma ciência
Bernstein passa da concepção materialista da história à do abstrata, geral, humana, um liberalismo abstrato, uma moral
Frankfurter Zeitung e à do Vossische Zeitung. abstrata. Mas, como a verdadeira sociedade se compõe de classes
Depois de ter abjurado toda a crítica socialista da sociedade que têm interesses, aspirações, concepções, diametralmente
capitalista, só resta achar igualmente satisfatório o atual estado opostas, é pura utopia, ilusão, por enquanto, pensar-se em
de coisas, pelo menos de um modo geral. E também diante ciência humana geral nas questões sociais, em liberalismo
disso não recua Bernstein: acha que atualmente na Alemanha a abstrato, moral abstrata. O que Bernstein julga ser a sua
reação não é tão forte assim, que "nos países da Europa ciência, sua democracia, sua moral, gerais, humanas, nada mais
ocidental, não se pode falar de reação política"; e que, em é do que a ciência, a democracia, a moral reinantes, isto é,
todos os países do Ocidente, "a atitude das classes burguesas ciência burguesa, a democracia burguesa, a moral burguesa.
com relação ao movimento socialista representa, no máximo, E, com efeito, abjurando a doutrina econômica de Marx
atitude de defesa e não de opressão" (Vorwaerts, 26 de março para jurar fé aos ensinamentos de Brentano, de Boehm-Jevons,
de 1899). Longe de agravar-se, a situação dos operários, ao de Say, de Julius Wolff, que faz ele, senão trocar a base
contrário, melhora, a burguesia é politicamente progressista e científica da emancipação da classe operária por uma apologia
até mesmo moralmente sã. Não se pode falar em reação ou da burguesia? Falando do caráter geral humano do libera-
opressão. E tudo vai bem no melhor dos mundos. lismo e transformando o socialismo em uma variante do libe-
E' assim que Bernstein desce de A a Z, de modo inteira- ralismo, que faz ele, senão extirpar do socialismo o seu caráter
mente lógico e conseqüente. Começou por abandonar o objetivo de classe e, por conseguinte, seu conteúdo histórico, logo
final do movimento, mas, como não pode haver, de fato, movi- qualquer conteúdo, de um modo geral, e, reciprocamente, fazer
mento social-democrata sem finalidade socialista, vê-se forçado da classe que representa historicamente o liberalismo — a
a renunciar ao próprio movimento. burguesia — representante dos interesses gerais da hu-
Desmorona assim toda a concepção socialista de Bernstein. manidade?
A orgulhosa e admirável construção simétrica da doutrina so- E declarando guerra à "elevação dos fatores materiais à
cialista é doravante para ele um amontoado de escombros, em categoria de forças onipotentes do desenvolvimento", ao pre-
que jazem em vala comum destroços de todos os sistemas, pe- tenso "desprezo do ideal" reinante no seio da social-democra-
daços de pensamentos de todos os espíritos, grandes e peque- cia, fazendo falar o idealismo, a moral, e ao mesmo tempo
nos. Marx e Proudhon, Leo von Buch e Franz Oppenheimer, pronunciando-se contra a única fonte de ressurgimento moral
74 ROSA LUXEMBURG

do proletariado, que é a luta de classe revolucionária — que


faz ele, no fundo, senão pregar à classe operária a quintes-
sência da moral burguesa, a reconciliação com a ordem social
existente e a transposição de suas esperanças para o além que
é o mundo de representações morais?
Enfim, dirigindo contra a dialética as suas setas mais O OPORTUNISMO NA TEORIA E NA PRÁTICA
acertadas, que faz ele, senão combater o modo de pensar espe-
cífico do proletariado consciente em luta por sua libertação,
tantar quebrar o punhal que serviu ao proletariado na dila-
ceracão das trevas de seu futuro, a arma intelectual que o O livro de Bernstein é de grande importância teórica para
auxilia a triunfar da burguesia, embora ainda subjugado o movimento operário alemão e internacional: é a primeira
materialmente, porque a convenceu do caráter transitório dela, tentativa de dar às correntes oportunistas na social-democracia
provou-lhe a inelutabilidade de sua vitória, e já realizou a re- uma base teórica.
volução no domínio do espírito! Despedindo a dialética e
As correntes oportunistas há muito que existem em nosso
apropriando-se da gangorra intelectual do "por um lado —
movimento, se tivermos em conta suas manifestações esporá-
pelo outro", do sim — mas", do "embora — todavia", do
dicas, tais como a da célebre questão da subvenção para os
"mais — menos" etc., vem recair de maneira muito conse-
vapores. Mas é só a partir de 1890 mais ou menos, desde a
qüente no modo de pensar historicamente determinado da
supressão das leis de exceção contra os socialistas e a volta
burguesia em declínio, modo de pensar esse que não é senão
destes à atividade legal, que se verifica uma corrente unida
o fiel reflexo intelectual de sua existência social e de seu pri-
e de caráter claramente determinado. O socialismo de Estado
vilégio político. O "por um lado — pelo outro", político, o
de Vollmar, a votação do orçamento da Baviera, o socialismo
"se" e o "mas" da burguesia atual parecem-se impressionan-
agrário da Alemanha do Sul, a política de compensação de
temente com o modo de pensar de Bernstein, e este modo de
Heine, a política alfandegária e a milícia de Schippel, são
pensar, por sua vez, é o mais puro e mais fino sintoma de
estas as principais etapas do desenvolvimento da prática
sua concepção burguesa do mundo.
oportunista.
Mas, para Bernstein, a própria palavra "burguês" não é
expressão de classe, e sim noção social geral. Isso significa Qual a sua principal característica, exteriormente? A
hostilidade à "teoria". E é muito natural, pois nossa "teoria",
apenas que, lógico até o fim, ele trocou também — com a
isto é, os princípios do socialismo científico, impõe à atividade
ciência, a política, a moral e o modo de pensar — a lingua-
prática limites muito precisos, tanto no que diz respeito às
gem histórica do proletariado pela da burguesia. Classificando finalidades que se têm em mira como aos meios a empregar
de "cidadãos", indistintamente, o burguês e o proletário, e, para atingi-la, como também ao próprio método de luta. Daí
por conseguinte, o homem em geral, este se lhe afigura, na o esforço natural dos que buscam somente resultados práticos
realidade, idêntico ao próprio burguês, e a sociedade humana imediatos para libertar-se, isto é, separar nossa prática da
idêntica à burguesa. "teoria", tornar uma independente da outra.
Mas, a cada tentativa prática, encarrega-se essa teoria de
revelar por si mesma a própria nulidade: o socialismo de
Estado, o socialismo agrário, a política de compensação, a
questão da milícia, são outras tantas derrotas para o oportu-
nismo. Está claro que, para manter-se contra os nossos prin-
cípios, tal corrente devia logicamente acabar investindo contra
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 77
76 ROSA LUXEMBURG
de classe proletária, eram gigantescos sapatos de bebê,
a própria teoria, contra os princípios, em vez de ignorá-los; com que o proletariado aprendeu a caminhar na arena da
havia de tentar abalá-los e elaborar uma teoria própria. A história.
teoria de Bernstein é precisamente uma tentativa nesse sen- Mas, depois de ter o desenvolvimento da própria luta de
tido, e é por isso que vimos, no congresso de Stuttgart, todos classe e de suas condições sociais levado ao abandono dessas
os elementos oportunistas imediatamente cerrarem fileiras teorias e à elaboração dos princípios do socialismo científico,
junto à bandeira bernsteiniana. Se, na atividade prática do não pode existir — pelo menos na Alemanha — socialismo
Partido, as correntes oportunistas constituem fenômeno intei- algum que não seja o marxista, luta de classe socialista alguma
ramente natural, explicável pelas condições especiais de nossa fora da social-democracia. Doravante, socialismo e marxismo,
luta e seu desenvolvimento, é a teoria de Bernstein tentativa a luta proletária pela emancipação e a social-democracia, são
não menos natural de agrupar essas correntes, em uma ex- idênticos. Eis porque hoje a volta às teorias socialistas pré-
pressão teórica geral, elaborar condições teóricas próprias e marxistas nem mesmo significa mais a volta aos gigantescos
romper com o socialismo científico. Eis porque a teoria de sapatos de bebê do proletariado, mas a volta aos chinelos
Bernstein veio pôr à prova teoricamente o oportunismo, foi minúsculos e gastos da burguesia.
a sua primeira legitimação científica. A teoria de Bernstein foi ao mesmo tempo a primeira e
Que resultou desta prova? Já o vimos. O oportunismo não última tentativa de dar ao oportunismo uma base teórica.
se acha em condições de elaborar uma teoria positiva, capaz, Dizemos a última porque, no sistema bernsteiniano, tanto por
por qualquer forma, de suportar a crítica. Tudo que pode seu lado negativo, na abjuração do socialismo científico, como
fazer é, começando por combater a doutrina marxista em suas pelo positivo, no amálgama de toda a confusão teórica dis-
diversas teses isoladamente, chegar a investir contra todo o ponível, ele se adiantou tanto que nada mais lhe resta fazer.
sistema, desde o alicerce ao último andar, já que esta doutrina Com o livro de Bernstein, o oportunismo coroou o seu desen-
constitui edifício sòlidamente composto. Isto vem provar que, volvimento político (tal como completou o seu desenvolvimento
pela essência e pela base, a prática oportunista é irreconciliá- prático com a posição tomada por Schippel na questão do
vel com o marxismo. militarismo) e chegou às suas últimas conseqüências.
Mas, com isso, fica igualmente provado que o oportunismo E não só a doutrina marxista está em condições de re-
é incompatível com o socialismo em geral, que sua tendência futá-la teoricamente, como ainda é a única que pode explicar
interna é para canalizar nas vias burguesas o movimento o oportunismo como fenômeno histórico no desenvolvimento
operário, isto é, paralisar completamente a luta de classe pro- do Partido. A marcha para frente, de importância mundial,
letária. Sem dúvida, a considerá-la historicamente, não se pode do proletariado até a vitória final, não é, com efeito, "coisa
identificar esta luta à doutrina marxista. Porque houve, antes tão simples assim". Toda a particularidade desse movimento
de Marx e independentemente dele, um movimento operário e reside precisamente no fato de deverem as massas populares,
diversas doutrinas socialistas, que eram, cada uma em seu pela primeira vez na história e contra todas as classes domi-
gênero, a expressão teórica, correspondente às condições da nantes, impor uma vontade própria que só irão realizar pas-
época, da luta emancipadora da classe operária. A teoria que sando por cima da sociedade atual, saindo dela. Mas, por sua
fundava o socialismo na noção moral da justiça, na luta contra vez, só podem as massas formar esta vontade numa luta cons-
o modo de repartição, em vez de baseá-lo na luta contra o modo tante contra a ordem existente, nos quadros desta. A união
de produção, a concepção dos antagonismos de classe sob o de grandes massas populares para uma finalidade que ultra-
aspecto de antagonismos entre pobres e ricos, o esforço ten- passa toda a ordem social existente, a união da luta cotidiana
dente a enxertar na economia capitalista o "princípio corpo- com grande reforma mundial, eis o grande problema do movi-
rativo", tudo isso, que encontramos na doutrina de Bernstein, mento social-democrata, que deve logicamente abrir-se um ca-
já existia antes dele. E, apesar de toda a insuficiência delas, minho, em todo o curso do desenvolvimento, entre dois esco-
essas teorias, em seu tempo, eram verdadeiras teorias de luta lhos: o abandono do caráter de massa, e o abandono da fina-
78 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 79

lidade, a queda no sectarismo e a queda no movimento refor- solo e erguer-se de novo, mais formidável, enfrentando-as,
mista burguês, o anarquismo e o oportunismo. constantemente tornam a recuar diante da infinita imensidão
Sem dúvida, a doutrina marxista já há meio século for- de suas próprias finalidades, até criar-se enfim a situação que
neceu, de seu arsenal teórico, armas esmagadoras, tanto contra torne impossível um retrocesso, até que as próprias circuns-
tâncias gritem:
um como contra o outro extremo. Mas, sendo nosso movimento
precisamente um movimento de massa, e não decorrendo do Hic Rhodus, hic salta! (9)
cérebro humano, mas das condições sociais, os perigos que o
ameaçam, não podia a doutrina marxista, de uma vez por todas, Mesmo depois da elaboração da doutrina do socialismo
garantir-nos contra os desvios anarquistas e oportunistas. Só científico, este trecho permaneceu exato. Assim o movimento
depois de passar do domínio teórico ao prático é que eles podem proletário nem mesmo tornou-se, de uma só vez, social-demo-
ser sobrepujados pelo próprio movimento, isso, é verdade, só crata, nem ainda na Alemanha. Vai-se encaminhando para
com o auxílio das armas fornecidas por Marx. Com o "movi- lá de dia em dia, constantemente sobrepujando desvios extre-
mento de independência", já triunfou a social-democracia do mos para a anarquia e o oportunismo, que não passam, um
menor desses dois perigos — o infantilismo anarquista. Quanto e outro, de fases determinadas do desenvolvimento da social-
ao perigo mais temível, a hidropsia oportunista, ela o está democracia, considerado como processo.
sobrepujando agora mesmo. Eis porque não é o aparecimento da corrente oportunista
Dada a enorme extensão que o movimento adquiriu nestes que surpreende, e sim, ao contrário, a sua fraqueza. Enquanto
últimos anos, dado o caráter complexo das condições em que só se mostrou em casos isolados da atividade prática do Par-
deve travar-se a luta e das tarefas que devem ser empreendidas, tido, podia-se ainda supor que tivesse uma base teórica séria.
era forçoso que viesse o momento de se manifestarem no mo- Mas, agora que se manifestou completamente no livro de
vimento certo ceticismo no tocante à realização das grandes Bernstein, só se pode exclamar com espanto: então, é só isso
finalidades, hesitações no tocante ao elemento ideal do movi- que tem a dizer? Nem sombra de uma idéia original! Nem
mento. É assim, e não de outra forma, que pode e deve de- uma só idéia que já não tenha sido refutada, esmagada, escar-
senrolar-se o grande movimento proletário, e esses momentos necida, reduzida a zero pelo marxismo, e isso há várias dé-
de desânimo e hesitação, longe de constituir surpresa para os cadas!
marxistas, foram ao contrário há muito previstos e preditos Bastou que o oportunismo tomasse a palavra para mostrai
por Marx. que nada havia a dizer. E é somente nisso que consiste toda
a importância do livro de Bernstein para a história do Partido.
As revoluções burguesas — escrevia Marx há meio século,
cm seu "O 18 DE BRUMARIO, DE LUÍS NAPOLEÃO" — como E assim, despedindo-se do modo de pensar do proletariado
as do século XVIII, precipitam-se rapidamente de sucesso em revolucionário, da dialética e da concepção materialista da
sucesso, seus efeitos dramáticos ultrapassam um ao outro, ho- história, pode Bernstein dar-lhes graças pelas circunstâncias
mens e coisas parecem envoltos em resplendores do diamante, o atenuantes que concedem à sua conversão. Porque só a dia-
entusiasmo, que chega ao êxtase, é o estado permanente da so- lética e a concepção materialista da história, magnânimas que
ciedade — mas são de breve duração. Bem depressa atingem
o ponto culminante e grande mal estar se apodera da sociedade são, podiam apresentá-lo sob o aspecto do instrumento pre-
antes dela ter sabido apropriar-se calma e pausadamente dos destinado, inconsciente, por meio do qual se exprime o desfa-
resultados de sua fase tempestuosa. Ao contrário, as revolu- lecimento momentâneo da classe operária em ascensão, que,
ções proletárias, como as do Século XIX, sofrem constante auto- tendo-o visto de perto, depois o atira longe, com sarcasmos e
crítica, interrompem a cada momento o próprio curso, recon-
sideram o que parecia já consumado, para recomeçá-lo outra balançando a cabeça.
vez, escarnecem impiedosamente das hesitações, fraquezas e
misérias de suas primeiras tentativas, parecem só derrubar o
adversário para deixá-lo recuperar novas forças ao contato do (9) Rodes é aqui, aqui é preciso saltar!
APÊNDICES
1. OS ÓCULOS INGLESES (10)

Antes de lançar à discussão que se desenrolou na imprensa do


Partido a respeito do livro de Bernstein um olhar retrospectivo,
queremos examinar pormenorizadamente algumas questões
secundárias que, no correr dessa discussão, foram acentuadas de
modo particular. Desta vez, vamos tratar do movimento sindical
inglês. Entre os partidários de Bernstein, desempenha papel
considerável a palavra de ordem de "potência econômica", de
"organização econômica". E' dever da classe operária criar uma
potência econômica, escreve no n.° 93 da Imprensa Livre de
Elberfeld o Dr. Woltmann. Assim também, E. David fecha sua
série de artigos sobre o livro de Bernstein com a seguinte palavra
de ordem: "Emancipação pela organização econômica"
(Gazeta popular de Mayença, n.° 99). Segundo essa concepção
conforme à teoria de Bernstein, o movimento sindical, ligado às
cooperativas de consumo, deve transformar pouco a pouco o
modo de produção capitalista em modo de produção socialista.
Já mostramos (vide Reforma ou Revolução?) que uma tal
concepção repousa no completo desconhecimento da natureza e
das funções econômicas tanto dos sindicatos como das
cooperativas. Isso se pode provar de modo menos abstrato, com
um exemplo concreto.
E' de regra, sempre que se fala do papel considerável
reservado aos sindicatos no futuro do movimento operário,
citar-se imediatamente o exemplo dos sindicatos ingleses, tanto
para provar a "potência econômica" que se pode conquistar,
como para oferecer um modelo que a classe operária alemã
deve esforçar-se por acompanhar. Mas se há na história do
movimento operário um capítulo próprio para destruir com-
pletamente a fé na ação socializante e no surto geral dos sin-

(10) Leipziger Volkszeitung, 9 de maio de 1899.


84 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 85

dicatos no futuro, é precisamente a história do trade-unionis- em massa, de forças policiais e tropas por ocasião das mani-
mo inglês. festações operárias, justiça de classe, arbitrariedade policial,
Bernstein fundou sua teoria nas condições inglesas. Vê em suma, os cinqüenta primeiros anos do movimento operário
o mundo por meio de "óculos ingleses". Já é esta uma ex- inglês nos mostram todas as formas de repressão brutal da
pressão corrente no Partido. Se com isso só se quer dizer que classe operária ascendente e das mais modestas de suas reivin-
a mudança de orientação teórica de Bernstein é devida à vida dicações no sentido das reformas sociais (¹¹). Esse mesmo
que levou no exílio e às suas impressões pessoais da Inglaterra, Estado que, já naquela época, tal como hoje, não tinha mili-
esta explicação de ordem psicológica pode ser muito justa, mas tarismo algum, campesinato algum, burocracia alguma, encon-
é de nenhum interesse para o Partido e para a discussão atual. trou contudo os meios necessários para reprimir violentamente
Mas se se quer dizer pela expressão "óculos ingleses" que a o movimento operário. Se, a partir de meados do século XIX,
teoria de Bernstein convém à Inglaterra e é certa para a In- encontramos na Inglaterra outros métodos de tratar a classe
glaterra, é um erro, em contradição tanto com a história pas- operária, não se deve isso às particularidades de sua vida
sada como com o estado atual do movimento operário inglês. política, mas a outras circunstâncias que surgiram então.
Em que consistem as particularidades tantas vezes frisa- Com efeito, lá para o meio do século, sob duplo aspecto,
das da vida social inglesa, e como se explicam? Diz-se comu- produziram-se importantes modificações na situação da Ingla-
mente que a característica da Inglaterra é ser um Estado terra. Antes de tudo, foi nessa época que a indústria inglesa
capitalista sem militarismo, sem burocracia, sem campesinato, conquistou o domínio inconteste do mercado mundial. Até
que emprega maior parte de todo seu capital na exploração 1850, aproximadamente, a produção passou por crises muito
de outros países, e que tudo isso faculta tanto a liberdade violentas e freqüentes. Ao contrário, assistimos, a partir de
política em que se desenvolveu o movimento operário quanto 1856, a um surto considerável e contínuo da indústria inglesa,
a benevolência que a opinião pública manifesta relativamente 0 qual pôs a classe capitalista inglesa em conjunto na mesma
a esse movimento. situação de um capitalista individual quando os negócios vão
Se assim fosse, deveria o movimento operário inglês ter bem: os conflitos com a classe operária, a guerra industrial
gozado desde o seu nascimento, isto é, desde o começo do sé- permanente, tal como se desenrolaram até então, passaram a
culo XIX, da liberdade política e da opinião pública favorável ser extremamente desagradáveis para ela, que sentiu uma
de que goza hoje, pois todas aquelas particularidades da vida urgente necessidade de ordem, de estabilidade e "paz social".
social inglesa datam de mais de século. Mas a história do trade- E' por isso que constatamos uma mudança nos métodos
unionismo nos mostra precisamente o contrário. do combate empregados pelo patronato: de questões de força
Toda a primeira fase desse movimento, do começo do que eram, transformam-se os conflitos com a classe operária
século até perto de 1840-45, mostra-nos notadamente uma luta em objeto de negociações, acordos, concessões. A idade de
das coalisões operárias, tão encarniçada quanto a que desen- ouro da indústria torna as concessões aos operários tão neces-
volveu e ainda desenvolve, parcialmente, o proletariado do sárias no interesse da boa marcha dos negócios quanto mate-
continente, pela obtenção do direito a existir. Durante várias rialmente fáceis. Se, no decorrer da primeira fase, a burguesia
décadas, o "país das reformas sociais" recusou-se a conceder inglesa foi representada pelos partidários da política de vio-
aos operários a menor lei em benefício deles. No "país das lência do tipo Stumm, partidários das mais brutais medidas
reformas sociais", os operários tiveram de recorrer, na luta de rigor, o seu verdadeiro porta-voz, no novo período, é o
pela existência, aos mais extremos meios de violência, às de- industrial que, em 1860, declarou: "Considero as greves como
monstrações, às greves tumultuosas, aos assassinatos, a que
respondeu o governo por todos os meios consagrados, até hoje
empregados no continente. Prisões, processos terminando por
condenações draconianas, deportações, mobilização de espiões (¹¹) S. e B. Webb: História do trade-unionismo.
86 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 87

meio de ação e ao mesmo tempo resultado inevitável das ne- d e c lasse socialista é substituída pela luta burguesa pela exis-
gociações comerciais para a compra do trabalho" ( 12 ). tência burguesa.
Por outro lado, e em relação estreita, sem dúvida, com Por dois meios obtiveram as trade-unions esses resultados:
o que vem dito, verificam-se modificações importantes no l.º, por uma luta direta contra o patronato; 2.°, pela pressão
próprio movimento operário. De 1820 a 1840, e no começo exercida no Parlamento. Mas, em um como no outro caso,
do período de 1840 a 1850, vemo-lo entusiasmar-se pelas re- devem elas os seus sucessos precisamente ao terreno burguês cm
formas políticas e sociais, por projetos grandiosos, pelo so- que se colocaram. No tocante à luta contra o patronato, a
cialismo. No conselho, são (os operários) idealistas que sonham conferência geral dos sindicatos proclamou desde 1845 "um
um novo céu e uma nova terra, são humanitários, partidários novo método de ação sindical, isto é, a política de arbitragem
da instrução do povo, socialistas, moralistas ( 13 ). "Influen- e das sentenças arbitrais" ( 15 ). Mas a arbitragem e as sen-
ciados pelas teorias de Owen, escreve Francis Place, os trade- tenças arbitrais só são possíveis onde existe um terreno comum
unionistas chegaram a julgar possível obter-se, por meio de para os entendimentos. B esse terreno foi logo fornecido pelo
uma associação geral apolítica de todos os assalariados, elevação sistema muito espalhado da escala móvel de salários, que por
dos salários e redução do tempo de trabalho, em tais propor- sua vez repousa economicamente na harmonia de interesses do
ções que, dentro de um período bem curto, seria possível a patronato e da classe operária. B foi só por se terem colocado
aquisição da propriedade completa dos produtos de seu tra- patronato e classe operária nesse terreno que se tornou possí-
balho" ( 14). O movimento de classe daquela época na Inglaterra vel a extensão considerável do sistema de contratos coletivos,
encontrou expressão concreta na organização da União sindical d e instituições de acordos, dos tribunais de arbitragem, tais
operária geral (Grand National Consolidated Trade Unions), que como os vemos funcionar até 1880 mais ou menos. Mas, com
deu prova de completa inaptidão para a luta sindical, e aliás isso, transformaram-se os conflitos e choques entre Trabalho
logo desmoronou, tendo contudo exprimido precisamente a idéia e Capital, de lutas de classe, em conflitos entre compradores
da classe e de seu agrupamento geral em vista de uma e vendedores, como freqüentemente acontece por ocasião da
finalidade comum. Também no movimento cartista, vemos o compra e venda de qualquer mercadoria. Se por um lado o
proletariado inglês adotar finalidades socialistas — aqui por patronato chegou à concepção de que as greves eram "inevitá
meio da ação política. veis por ocasião das negociações comerciais para a compra do
A partir de 1850, tudo isso muda. Com a derrota do trabalho", o trabalho resignou-se, por outro lado, a só consi-
cartismo e do movimento owenista, a classe operária volta as derá-las como simples objeto de "negociações comerciais".
costas ao socialismo, dirigindo-se exclusivamente para as rei- Como base de toda a luta sindical, as trade-unions acei-
vindicações quotidianas. A classe operária, agrupada, embora taram a teoria da economia burguesa da oferta e da procura
de modo muito imperfeito, na Grand-Trad-Union de Owen, como único regulador dos salários, e "resultou daí, muito na-
esfacela-se completamente em diversos sindicatos, cada um turalmente, que o único meio em seu poder para garantir ou
trabalhando por conta própria. A emancipação da classe melhorar a sua situação era reduzir a oferta" ( 16 ).
operária é substituída pela procura de condições mais favo- Conseqüentemente, vemos o emprego, naquela época, da
ráveis possíveis do "contrato de locação de serviços", a luta supressão das horas suplementares, redução do número de
contra a ordem existente pelo esforço tendente a instalar-se aprendizes e a emigração (em certos ramos até 1880 aproxi-
o mais comodamente possível nesse regime, em suma, a luta madamente) — isto é, com exceção do primeiro, de métodos
puramente corporativos — como meios de luta sindical.

(12) S. e B. Webb: A teoria e a prática dos sindicatos in- (15) S. e B. Webb: História do trade-unionismo.
gleses .
(16) S. e B. Webb: Ibid.
(18) S. e B. Webb: História do trade-unionismo.
(14) S. e B. Webb: Ibid.
88 ROSA LUXÈMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 89

E' este também o caráter que assume o lado político da Aceitaram (os dirigentes das trade-unions) com inteira
luta sindical. Dois pontos de vista são característicos nesse boa-fé o individualismo econômico de seus adversários burgue-
sentido. Primeiro, a atitude política dos trade-unionistas in- ses e só reclamaram a liberdade de reunião, que os membros
esclarecidos da classe burguesa estavam inteiramente dispostos a
gleses: até 1885 mais ou menos, foram — e ainda o são hoje, lhes conceder... A compreensão de que deram prova, para o
na maioria dos casos — puros burgueses, liberais ou conserva- ponto de vista da burguesia, e a sua apreciação das dificul-
dores. E segundo, os métodos e meios que empregaram na dades reais da situação preservaram-nos de ser simples dema-
luta pelas leis de proteção ao trabalho. Não foi de modo algum, gogos... Embora possa isso parecer uma mesquinharia trivial,
como na Alemanha e em outros países do continente, a agitação as boas maneiras não eram a menor de suas qualidades.
Aliavam a um completo respeito de si mesmos e a uma inte-
popular, e sim um sistema complexo e todo particular no sen- gridade absoluta, a correção de linguagem, uma atitude abso-
tido de exercer influência sobre os parlamentares burgueses, lutamente inatacável na vida particular19e uma notável ausência
sem distinção de partidos, um conchavo, uma política de cor- d e tudo que possa lembrar o botequim ( ).
redores e escadas de serviço, sem o mínimo carácter de prin-
cípio ou de classe, tal a que aplicaram, muito particularmente, O fato de não terem sido tanto a luta puramente econô-
os fiandeiros e tecelões (17 ). Foi precisamente ao emprego mica das trade-unions como a sua luta pela legislação opera-
desses métodos que deveram os sindicatos os maiores sucessos ria, conduzidas de modo concertado pelo conjunto dos sindi-
no terreno legislativo. Até que ponto, ao contrário, uma ati- catos e em benefício da classe operária em conjunto, como se
tude que tivesse um caráter de classe mais pronunciado era deu na Alemanha, na França e por toda a parte, e sim em
obstáculo para a obtenção de resultados práticos, mostram-no grupos dispersos, agindo cada sindicato por conta própria e
as dificuldades com que lutou a Federação dos mineiros. com os meios próprios (veja-se a resistência oposta aos esforços
de Federação dos mineiros pelos representantes das províncias
Em relação com esta atividade, orientada nesse sentido, de Durham e de Northumberland) (20), não é mais que uma
vemos na segunda metade desse século modificar-se toda a
conseqüência lógica dessa política individualista diplomática.
estrutura e todo o caráter dos sindicatos ingleses A direção
A ausência de um terreno comum, econômico e político, de
do movimento passa das mãos de "entusiastas e agitadores
um ponto de vista geral de classe, os antagonismos entre sindi-
irresponsáveis" às de "uma classe de funcionários permanen-
catos grandes e pequenos, entre sindicatos de operários quali-
tes", que às vezes são mesmo contratados depois de um exame ficados e de não qualificados, entre sindicatos velhos e novos,
em regra (18). De escola de solidariedade de classe e de moral
condenaram as suas ações em comum, seus congressos em
socialista, transforma-se o movimento sindical em obra-de-arte
comum, e sua comissão parlamentar (21 ), à ruína e à esteri-
extremamente complicada, em casa de morada comodamente lidade. "O congresso, onde estão representados muitos interes-
instalada tendo em vista uma existência duradoura, e, em todo
ses divergentes e mesmo contraditórios nunca poderá ser senão
o movimento operário daquela época, reina "um espírito de
uma união muito frouxa... ( 22 )".
diplomacia prudente, se bem que um pouco estreita".
A esses dois fatores, isto é, o desenvolvimento crescente
* * * da indústria e o terreno burguês em que se colocou o movi-
19
Como já vimos, os operários e a burguesia colocavam-se, (20 ) S. e B. Webb: História do trade-unionismo.
na Inglaterra, tanto do ponto de vista econômico como do po- ( ) Webb: Teoria e prática dos sindicatos ingleses.
lítico e moral, no mesmo terreno. (21 ) Nova prova disso está na maneira de escrutínio in-
troduzida no congresso sindical de Cardiff, que "tende mani-
festamente a relegar todo o poder às mãos dos funcionários,
e especialmente dos funcionários de reduzido número de
(17) S. e B. Webb: Teoria e prática dos sindicatos ingleses, sindicatos importantes e antigos".
(18) S. e B. Webb: História do trade-unionismo. (22) Webb: Teoria e prática dos sindicatos ingleses.
90 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 91

mento operário, vem acrescer logicamente a terceira particula- mente abalada pelo desenvolvimento capitalista da Rússia, da
ridade das condições inglesas: a benevolência que a opinião Alemanha e dos Estados Unidos. Não só na perda de merca-
pública manifesta para com o movimento operário. O que ex- dos, um após outro, como também num sintoma sempre muito
plica a benevolência manifestada pela opinião pública inglesa grave e muito característico — a decadência dos métodos de
para com o movimento sindical, não é a "piedade inata no produção e de comércio — manifesta-se o rápido declínio da
homem", nem o emprego de capitais ingleses em grande quan- Inglaterra. Antes e mais seguramente que as próprias estatís-
tidade no estrangeiro, como muitas vezes se afirma. ticas de exportação, indicam sempre esses métodos, muito par-
Os que o afirmam só vêem um lado da influência exer- ticularmente, o desenvolvimento ou declínio de uma indústria
cida pela opinião pública sobre a classe operária, que é o auxí- capitalista. Assim como a classe capitalista de um país em
lio material por ela concedido. Mas não vêem o outro lado: vias de desenvolver-se se distingue antes de tudo pela habili-
a pressão moral por ela exercida sobre os operários. Não é ao dade e maleabilidade de seus métodos técnicos de produção e de
movimento operário em geral que a opinião pública manifesta comércio (veja-se a Inglaterra até 1870-80 mais ou menos e a
essa benevolência, e sim ao movimento operário bem determi- Alemanha atual); assim também, num país de desenvolvimento
nado que se constituiu no solo inglês: movimento que, tanto industrial em atraso manifestam-se como primeiro sintoma
do ponto de vista econômico como político, se põe no terreno infalível o caráter retrógrado e o entorpecimento dos métodos
da sociedade burguesa. Não sustenta a luta de classe, mas ao de produção e comércio. E' este o caso atualmente na Inglaterra,
contrário a previne. Por ocasião de greves, movimentos de e, de um certo tempo para cá, constituem rubrica especial nos
salários, a opinião pública, como se sabe, impõe a arbitragem, relatórios consulares ingleses as queixas contra a apatia e rigidez
os processos de entendimento, impede a luta de transformar-se dos comerciantes ingleses. No tocante aos métodos de
em prova de força, mesmo quando isso traria vantagens pre- produção, a Inglaterra atualmente — e esse fato ó de todo
cisamente à classe operária, e ai dos operários si não se subme- sem precedentes — se vê acuada pela concorrência estrangeira e,
terem à voz da opinião pública! O operário inglês, que, na para proteger o próprio mercado indígena, tem do importar do
luta contra o seu patrão, tem o apoio da sociedade burguesa estrangeiro aparelhamento de produção técnico moderno. Veja-
inglesa, tem-no na qualidade de membro dessa sociedade, na se, por exemplo, as transformações a que assistimos atualmente
qualidade de cidadão, de eleitor burguês, e esse apoio ainda na indústria de ferro esmaltado debaixo da pressão da
contribui para fazer dele membro fiel a essa sociedade. concorrência dos Estados Unidos ( 23 ).
O patrão razoável e o operário organizado igualmente ra- A insegurança e instabilidade da situação comercial e in-
zoável, o capitalista correto e o operário correto, o burguês dustrial têm por conseqüência uma profunda mudança de
de coração grande, amigo dos operários, e o proletário de es- atitude tanto dos patrões como dos operários ingleses. A de-
pírito mesquinho estreitamente burguês, estão condicionados pressão geral na indústria inglesa ainda é momentaneamente
um ao outro, são corolários (fenômenos que se completam contrabalançada pela procura de construções navais criadas
mutuamente) de uma só e mesma relação, cuja base comum pelo militarismo e pelo comércio, procura essa que por sua vez
era fornecida pela situação econômica que foi a da Inglaterra favorece toda uma série de importantes ramos de indústria,
a partir de meados do século XIX: estabilidade e domínio in- tais como a indústria metalúrgica. Mas, também nesse ter-
conteste da indústria inglesa no mercado mundial. reno, bem cedo será a Inglaterra ameaçada pela concorrência
Manteve-se esta situação na Inglaterra até 1880 aproxi- da Alemanha.
madamente. Mas, a partir dessa época, assistimos a uma pro- Se, nas fases de prosperidade, as concessões aos operários
funda modificação, de todos os aspectos, e principalmente na eram insensíveis para o Capital, torna-se este, atualmente, cada
base do desenvolvimento sindical, tal como se desenrolara até
então. A posição da Inglaterra no mercado mundial é forte- ( 23 ) Gazeta industrial alemã, dezembro de 1898.
92 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 93
vez mais sensível e excitável. Os processos de conciliação lhe trial, em organizações de luta de classe, do molde dos sindi-
são cada vez mais desagradáveis e ele se serve das sentenças catos alemães, franceses, austríacos.
das Câmaras de arbitragem para "pôr um cobro às reivindi- Em época muito recente, dois sintomas importantes de-
cações excessivas dos operários", ao passo que, outras vezes,
monstram que, tanto na burguesia como no proletariado inglês,
"aproveita sua posição estratégica para forçar os operários a se percebe a transformação realizada, e se fazem preparativos
aceitarem condições mais desfavoráveis que as que propõem para uma séria luta de classe. Para o patronato, é a União de
as sentenças das Câmaras de arbitragem" ( 24 ). Por outro lado, o luta contra a ação parlamentar dos sindicatos, e para a
sistema da escala móvel, que assegura aos operários uma classe operária, o reaparecimento da idéia de uma Aliança
participação na prosperidade industrial, lhes traz, com o o p e r á r i a geral, odiada tanto pelos capitalistas como pelos
declínio dos negócios, reveses cada vez mais freqüentes. Por trade-unionistas da velha escola e pelos partidários da "paz
isso, os sindicatos abandonam resolutamente este sistema. Mas, social", mas que exprime claramente, para a massa do prole-
com o abandono do sistema de escala móvel pelos operários e a tariado inglês, a necessidade de agrupamento, o despertar da
violação sistemática das sentenças arbitrais pelos patrões, consciência de classe, na verdadeira acepção da palavra.
desaparecem as condições favoráveis aos processos de arbitra-
gem e de acordos, que acompanharam a fase da prosperidade Desta história do trade-unionismo inglês, por nós esboçada
do trade-unionismo inglês e, com elas a paz social. Esta trans- em traços gerais, pode-se tirar toda sorte de conclusões dife-
formação foi oficialmente reconhecida há alguns anos, com a rentes, para a nossa controvérsia com Bernstein e seus adeptos.
supressão das leis de 1867 e 1872, que estabeleciam a obriga- Primeiramente, é completamente falsa a idéia de que os
toriedade de serem todos os conflitos entre Capital e Trabalho sindicatos têm importância direta para o socialismo. Precisa-
resolvidos por meio de arbitragem. Ao mesmo tempo, com a mente, o movimento sindical inglês, que lhes serve de argu-
constante prosperidade dos negócios e a estabilidade que dela mento, deve em grande parte ao seu caráter puramente
decorria para a situação do operário, desapareceu também a burguês, à sua hostilidade relativamente ao "utopismo" socia-
possibilidade de desenvolver tão "sabiamente" os sindicatos e lista, os resultados que obteve no passado. Os próprios histo-
fazer funcionar de modo tão simples como outrora o seu com- riadores do trade-unionismo, S. e B. Webb, constatam em
plicado mecanismo. Esse sábio mecanismo e a burocracia espe- várias ocasiões e expressamente que o movimento sindical na
cializada dos sindicatos tornaram-se igualmente inúteis em Inglaterra foi sempre derrotado na medida em que estava im-
conseqüência da supressão da escala móvel de salários, e do pregnado de idéias socialistas, e ao contrário obteve resultados
processo de arbitragem. Todos os sindicatos fundados nos na medida em que se encolhe, se curva, libertando-se do socia-
últimos quinze anos distinguem-se dos velhos sindicatos pela lismo (25).
grande simplicidade de organização e de funcionamento, apro- Precisamente, o trade-unionismo inglês, que tem por re-
ximando-se mais, nisso, dos sindicatos do Continente. Mas, à presentante clássico o operário-gentleman bem alimentado,
medida que se vai tornando cada vez mais ineficaz o processo correto, estreito, limitado, pensando e sentindo burguêsmente,
de conciliação, os conflitos entre Capital e Trabalho vão sendo prova por conseguinte, que o movimento sindical em si nada
cada vez mais simples questões de força, como já se constatou tem ainda de socialista e que, mesmo, em determinadas cir-
relativamente à greve dos metalúrgicos e dos mineiros gauleses. cunstâncias, pode constituir uma peia direta ao desenvolvi-
Também na Inglaterra, a "paz social" cede o terreno à guerra mento da consciência socialista, assim como, inversamente,
social, à luta de classe. Os sindicatos se transformam pouco a pode esta consciência, em determinadas condições, constituir
pouco, de organizações que têm por fim assegurar a paz indus- um obstáculo à obtenção de resultados puramente sindicais.

(24) Webb: Teoria e prática dos sindicatos ingleses. (26 ) Webb: História do trade-unionismo e Teoria e prática
dos sindicatos ingleses.
94 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 95

Na Alemanha como no Continente em geral, os sindicatos Ainda mesmo que o movimento operário alemão pudesse
se constituíram, desde o início, à base da luta de classe, por e quisesse abandonar, de conformidade com os conselhos opor-
vezes mesmo diretamente, como criação da social-democracia tunistas, a célebre lenda do proletariado que "tudo quer en-
(veja-se a Bélgica e a Áustria). Aqui, estão de antemão subor- g u l i r ", pela "potência econômica", isto é, deixar de lado o seu
dinados ao movimento socialista e — contrariamente ao que caráter socialista e seguir as pegadas do trade-unionismo inglês,
se dá na Inglaterra — só podem ter perspectiva de sucesso na nunca poderia conquistar a potência econômica que este
medida em que se baseiam na luta de classe socialista e são outrora possuiu. E isso por uma razão muito simples: porque
por ela apoiados (veja-se a atual ação social-democrata na não há oportunismo que possa criar artificialmente o terreno
Alemanha, pela defesa do direito de associação). Desse ponto econômico do velho trade-unionismo.
de vista, do ponto de vista dos esforços pela emancipação do Em suma, os "óculos ingleses" de Bernstein não passam,
proletariado, apesar de sua fraqueza, e em parte por causa na verdade, de um espelho côncavo em que todos os fenômenos
mesmo dessa fraqueza, os sindicatos alemães — como os do se refletem às avessas. O que nele se apresenta como o meio
Continente em geral — são mais adiantados que os ingleses. mais poderoso da luta socialista outra coisa não é, na verdade,
Mandá-los seguir o exemplo da Inglaterra, outra coisa não que um obstáculo à realização do socialismo, e o que ele julga ser
significa, na realidade, senão aconselhar aos sindicatos alemães a o futuro da social-democracia alemã nada mais é que o
abandonarem o terreno da luta de classe socialista para passado, que cada vez mais vai desaparecendo, do movimento
colocar-se no campo burguês. Mas, para servir à causa do operário inglês na sua evolução para a social-democracia.
socialismo, não são os sindicatos alemães que devem seguir as
pegadas dos ingleses, mas ao contrário os sindicatos ingleses
que devem seguir as dos alemães. Por conseguinte, os "óculos
ingleses" não convém à Alemanha, não porque sejam mais
adiantadas as condições inglesas, mas porque, do ponto de vista
da luta de classe, são mais atrasadas que as condições alemãs.

Além disso, se passarmos da significação subjetiva dos


sindicatos para o socialismo, da influência que exercem sobre a
consciência de classe do proletariado, à sua significação
objetiva, à "potência econômica" que dão, segundo a teoria
oportunista, à classe operária, e que deveria deixá-la em con-
dições de quebrar a força do Capital, veremos que também é
essa uma lenda, e mesmo uma "lenda dos tempos antigos".
Na Inglaterra mesmo sem ter em conta todos os fatores que a
determinaram, a potência inabalável dos sindicatos já é do
domínio do passado, em grande parte. Está ligada, como já
vimos, a uma fase muito particular, excepcional, do desen-
volvimento do capitalismo inglês, ao domínio inconteste desse
capitalismo no mercado mundial. Mas essa fase que constituía
exclusivamente, por estabilidade e prosperidade, o terreno do
trade-unionismo inglês, não terá segunda, no seu período de
verdadeira prosperidade, nem na Inglaterra e nem em qual-
quer outro país.
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 97

faz dela uma luta de classe. E não devemos compreender


por finalidade, como o disse Heine, tal ou qual representação da
sociedade futura, e sim o que deve preceder a qualquer socie-
dade futura, isto é, a conquista do poder político. (INTER-
2. DISCURSO SOBRE A TÁTICA (*) RUPÇÃO: Então, nós estamos de acordo!)
Esta concepção de nossa tarefa está em estreita ligação
com nossa concepção da sociedade capitalista, de que esta socie-
dade se embrenha em contradições insolúveis que tornam ne-
cessária, afinal, uma explosão, uma catástrofe em que desem-
Os discursos de Heine, como os de vários outros oradores, penharemos o papel do síndico encarregado de liquidar a so-
demonstraram que há certa confusão no nosso partido a res- ciedade falida. Mas se pensamos que só com a revolução
peito de ponto extremamente importante, que é a compreensão poderemos levar à vitória os interesses do proletariado, são
da relação entre nosso objetivo final e a luta cotidiana. inadmissíveis as concepções como as que nesses últimos tempos
Declara-se: o que se diz da finalidade constitui uma bela vêm sendo propaladas por Heine, de que também podemos
passagem de nosso programa, que sem dúvida não se deve es- fazer concessões no terreno do militarismo. Assim também a
quecer, mas que não tem relação direta alguma com nossa luta declaração feita por Conrad Schimidt no órgão central da
prática. Talvez haja mesmo alguns camaradas que pensem que maioria socialista no Parlamento, e declarações como as de
uma discussão sobre o objetivo final não passe de discussão Bernstein, que, a acreditar nelas, não poderemos, uma vez
acadêmica. Estou convencida, ao contrário, de que para nós, chegados ao poder, dispensar o capitalismo. Quando os li, re-
na qualidade de partido revolucionário proletário, não há fleti: Que felicidade não terem sido tão ajuizados os operários
questão mais prática que a da finalidade. E' preciso que se socialistas franceses em 1871, porque nesse caso teriam dito:
reflita: em que consiste, de fato, o caráter socialista de nosso Amigos, vamos deitar-nos, nossa hora ainda não soou, a pro-
movimento? Divide-se a luta prática propriamente dita em dução ainda não está suficientemente concentrada, para que
três partes principais: luta sindical, luta pelas reformas e possamos manter-nos no poder. Mas então, em lugar do espe-
luta pela democratização do Estado capitalista. São essas três táculo grandioso de sua luta heróica, teríamos assistido a
formas de nossa luta, de fato, socialismo? Absolutamente não! espetáculo inteiramente diverso e, nesse caso, os operários não
Examinemos, logo de início, o movimento sindical. Vejam teriam sido heróis, mas simplesmente umas mulheres velhas.
a Inglaterra! Nesse país, não só o movimento sindical não é Considero uma questão acadêmica a de saber se, uma vez no
socialista, como ainda constitui, em parte, um obstáculo ao poder, nós poderemos socializar a produção, e se já se acha
movimento socialista. No tocante às reformas sociais, "socia- ela bastante concentrada para isso. Para nós, não constitui
listas de cátedra", socialistas nacionais e outra gente de igual motivo de dúvida que devamos tender para a tomada do poder
quilate, todos o preconizam igualmente. Quanto à democrati- político. Um partido socialista deve estar sempre à altura da
zação, nada tem que não seja especificamente burguês. Antes situação. Nunca deve recuar diante das próprias tarefas. Por
de nós, já a burguesia inscrevera em suas bandeiras a demo- isso, devemos tornar o mais clara possível a nossa concepção
cracia. O que é então que faz de nós, em nossa luta cotidiana, do que é a nossa finalidade. Havemos de realizá-la, ainda que
um partido socialista f Só e unicamente a relação entre essas contra todos! (Aplausos).
três formas de luta prática e o nosso objetivo final. Somente
a finalidade dá à nossa luta socialista espírito e conteúdo, e

(*) (Pronunciado em 1898, no congresso de Stuttgart).


REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 99

Vollmar evocou aqui o espectro do blanquismo. Ignorará


Alô a diferença que há entre blanquismo e social-democracia?
Ignorará que, para os blanquistas, o poder político deve ser
conquistado por um punhado de emissários, em nome da classe
operária, ao passo que para a social-democracia é à própria
3. RESPOSTA AO DISCURSO DE VOLLMAR (*) classe operária que cabe essa tarefa? É esta uma diferença
que não se deveria esquecer, quando se é um veterano do mo-
vimento social-democrata. Vollmar acusou-me, por fim, de ser
partidária da violência. Não dei, nem em minhas declarações
Vollmar recriminou-me severamente por querer, eu, sol- nem aos meus artigos contra Bernstein na Gazeta Popular de
dado novo no movimento, dar lições aos velhos veteranos. Não Leipzig, o mínimo pretexto a uma tal afirmação. Penso, muito
é este o caso. Seria supérfluo, porque estou firmemente con- pelo contrário, que a única violência que nos conduzirá à vi-
vencida de que os veteranos compartilham de meu ponto de tória é a educação socialista da classe operária na luta co-
vista. Não se trata aqui absolutamente de dar lições a quem tidiana.
quer que seja, e sim de exprimir, de modo claro e inequívoco,
uma determinada tática. Sei muito bem que ainda me resta Para mim, não se poderia fazer maior elogio, quanto às
minhas declarações, do que dizendo que são coisa inteiramente
ganhar galões no movimento alemão. Mas quero fazê-lo na
evidente. Sem dúvida, devem ser coisa inteiramente evidente
ala esquerda, onde se quer lutar contra o inimigo, e não na
para um social-democrata, mas não o são para todos os que
ala direita, em que se quer firmar compromissos com ele.
se acham nesse congresso (Oh!), para o camarada Heine, por
(Protestos). Mas quando, para responder aos meus argumen-
exemplo, com a sua política de compensação. Como conciliá-la
tos, Vollmar diz: "Eu poderia ser seu avô, menina", para
com a conquista do poder? Em que pode consistir a política
mim isto é prova de que ele já esgotou todos os argumentos.
de compensação? Nós exigimos o reforçamento dos direitos
(Risos). Na verdade, há no seu discurso toda uma série de
do povo, as liberdades democráticas. O Estado capitalista, por
declarações que são pelo menos estranháveis na boca de um
seu lado, exige o reforçamento de seus meios de coerção, o
veterano. Ã sua citação esmagadora de Marx, sobre a legis-
aumento do número de seus canhões. Admitamos o caso mais
lação operária, oporei uma outra declaração de Marx, segundo
favorável, de ser o acordo concluído e observado honestamente
a qual a introdução da legislação operária na Inglaterra signi-
por ambas as partes. O que obtivermos só existirá no papel.
ficava, de fato, a salvação da sociedade burguesa. Vollmar
Boerne já dizia: "Não aconselho a ninguém aceitar a hipoteca
declarou, também, que é falso pretender que o movimento sin-
de uma Constituição alemã, porque todas as Constituições
dical não é um movimento socialista, e invocou o exemplo das
alemãs são bens móveis". Para terem qualquer valor, devem
trade-unions inglesas. Acaso ignorará Vollmar a diferença que
as liberdades constitucionais ser obtidas na luta, e não por
existe entre o antigo e o novo trade-unionismo? Não sabe ele
meio de contrato. Mas o que o Estado capitalista ia receber
que os velhos trade-unionistas compartilham inteiramente do
de nós, em troca, teria uma existência firme, brutal. Os ca-
mais limitado ponto de vista burguês? Não sabe que foi o
nhões, os soldados que lhe fornecemos modificam contra nós a
próprio Engels quem manifestou a esperança de que, de futuro,
relação material, objetiva, das forças em presença. Foi o próprio
o movimento socialista se desenvolvesse na Inglaterra, por ter
Lassalle que declarou: "a verdadeira Constituição de um país
esta perdido a supremacia no mercado mundial e que, por
não consiste na Constituição escrita, e sim na relação verdadeira
conseguinte, o movimento trade-unionista havia de seguir novos
das forças em presença". O resultado da política de
rumos?
compensação consiste, sempre, por conseguinte, em modificar
(*) Stuttgart, 1898. a situação a nosso favor somente no papel, modificando-a, na
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 101
100 ROSA LUXEMBURG
vista decadente do filósofo: "a finalidade nada é para mim,
realidade objetiva, a favor de nossos adversários; em última é o movimento que é tudo!". Não, pelo contrário: O movi-
análise, em enfraquecer nossas posições, ao passo que reforça- mento em si, sem relação com a finalidade, o movimento como
mos as dos nossos adversários. Pergunto se se pode dizer do finalidade em si, nada é, é a finalidade que é tudo! (Aplau-
homem que faz tal proposta que ele deseja seriamente a con- sos).
quista do poder político. Por isso creio que só por engano foi
votada a mim a indignação com que o camarada Fendrich
acentuou o caráter muito natural de nossa luta pela tomada
do poder. Na realidade dirigia-se ela a Heine; não era outra
coisa que a expressão do antagonismo brutal em que se colocou
Heine com relação à consciência proletária de nosso partido,
ousando falar de política de concessões para com o Estado
capitalista.
Em seguida, vem a declaração de Conrad Schmidt, que
reza poder a anarquia da dominação capitalista ser sobrepujada
por meio da luta sindical. Se houve algum pretexto para a
frase de nosso programa concernente à necessidade da conquista
do poder político, foi precisamente a idéia de que, no solo da
sociedade capitalista, não pode brotar erva alguma para a su-
pressão da anarquia capitalista. Cada dia aumentam a anar-
quia, os horríveis sofrimentos da classe operária, a insegurança
da existência, a exploração, a diferença entre pobres e ricos.
Pode-se dizer de um homem que quer obter a solução por meios
capitalistas, que ele considera necessária a conquista do poder
político pela classe operária? Por conseguinte, também aqui a
indignação de Fendrich e de Vollmar não é dirigida contra
mim, e sim contra Conrad Schmidt. E enfim, a declaração na
Neue Zeit: "A finalidade, qualquer que seja ela, nada é para
mim. É o movimento que é tudo!". Aquele que diz isso tam-
pouco está convencido da necessidade da conquista do poder
político.
Como se vê, alguns de nossos camaradas não se colocam
no terreno da finalidade de nosso movimento. E eis porque é
preciso dizê-lo claramente e sem equívocos. Isso é necessário
hoje mais do que nunca. Os golpes da reação estão desabando
em nossas cabeças, como uma saraivada. Temos que responder
ao último discurso do imperador. Devemos declarar, de modo
claro e preciso, como o velho Catão: "Penso que é preciso
destruir este Estado!" A conquista do poder político continua
sendo nossa finalidade, e a finalidade continua a alma da
nossa luta. A classe operária não deve colocar-se no ponto de
A PARTICIPAÇÃO SOCIALISTA
DO PODER NA FRANÇA
UMA QUESTÃO DE TÁTICA

A entrada de Millerand para o gabinete Waldeck-Rous-


seau merece ser estudada do ponto de vista da tática e dos
princípios tanto pelos socialistas franceses como pelos estran-
geiros. A participação ativa dos socialistas em um governo
burguês é em todo caso fenômeno que ultrapassa os moldes da
atividade habitual do socialismo. Trata-se aqui de uma forma
de atividade tão justificável e tão oportuna para os interesses do
proletariado como, por exemplo, a atividade no Parlamento ou no
Conselho municipal, ou, ao contrário, de uma ruptura com os
princípios e a tática socialistas? Ou então será a participação dos
socialistas no governo burguês um caso excepcional, admissível e
necessário em determinadas condições, mas condenável e mesmo
nefasto em outras?
Do ponto de vista da concepção oportunista do socialismo,
tal como se manifestou nestes últimos tempos em nosso partido e
particularmente nas teorias de Bernstein — isto é, do ponto de
vista da introdução progressiva do socialismo na sociedade
burguesa — a entrada de elementos socialistas no governo deve
parecer tão desejável como natural se se pode introduzir pro-
gressivamente por pequenas doses, o socialismo na sociedade
capitalista, e se o Estado capitalista pode por si mesmo, pouco
a pouco, transformar-se em Estado socialista, a admissão cada
vez maior de socialistas no seio do governo burguês seria
mesmo conseqüência muito natural do desenvolvimento pro-
gressivo dos Estados burgueses, correspondendo inteiramente
à pretensa evolução destes para uma maioria socialista nos
corpos legislativos.
Se destarte a participação ministerial de Millerand cor-
responde à teoria oportunista, não é menos concordante com a
prática oportunista. Uma vez que a linha diretora desta
prática é constituída pela obtenção de resultados imediatos e
106 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 107

tangíveis, por quaisquer meios, a entrada de um socialista no isso, à primeira vista é possível que se imagine que, um socialista
governo burguês deve significar um sucesso inapreciável para pode, no governo como no Parlamento, servir à causa do
os "políticos práticos". Com efeito, o que não saberá realizar proletariado, esforçando-se por arrancar em benefício deste
um ministro socialista no terreno das pequenas melhorias, de tudo que for possível obter no domínio das reformas sociais.
harmonização e apaziguamento social de toda sorte! Mas, aí ainda, vem à cena um fato que a política oportunista
Se, ao contrário, se partir do ponto de vista que só com sempre esquece, o fato de que, na luta da social-democracia,
a ruína da ordem capitalista pode ser encarada a introdução não é o que, mas o como o que importa. Quando os represen-
do socialismo, e que a atividade socialista no presente se reduz tantes sociais-democratas procuram realizar reformas sociais
à preparação objetiva e subjetiva desse momento, por meio nos corpos legislativos, têm, pela sua oposição, simultânea ao
da luta de classe, põe-se de outro modo a questão. E' sem governo e à legislação burguesa em conjunto — o que vem
dúvida evidente que a social-democracia, para que sua ação achar expressão clara, por exemplo, na recusa do orçamento —
seja efetiva, deve galgar todas as posições acessíveis no Estado ampla possibilidade de dar igualmente à luta pelas reformas
atual e que deve ganhar terreno de todos os lados. Mas com burguesas um caráter socialista e de princípio, o caráter de
uma condição: que essas posições permitam a continuação da luta de classe proletária. Ao contrário, procurando introduzir
luta de classe — a luta contra a burguesia e o seu Estado. as mesmas reformas sociais como membro do governo, isto é,
Ora, desse ponto de vista, há uma diferença essencial entre sustentando ao mesmo tempo o Estado burguês, o social-de-
os corpos legislativos e o governo de um Estado burguês. No mocrata que o faz é reduzir de fato o seu socialismo (na melhor
Parlamento, quando os operários eleitos não conseguem o das hipóteses) a um democratismo burguês ou a uma política
triunfo de suas reivindicações, podem pelo menos continuar a operária burguesa. Assim, enquanto o progresso dos sociais-
luta persistindo numa atitude de oposição. O governo, contra- democratas nas representações populares conduz ao reforça-
riamente, tendo por tarefa a execução de leis, a ação, não com- mento da luta de classe, a sua penetração nos governos só
porta em seus moldes uma oposição de princípios; tem de agir pode trazer às fileiras da social-democracia a confusão e a cor-
constantemente, e por cada um de seus órgãos; deve, por con- rupção. Em um só caso podem os representantes da classe ope-
seguinte, mesmo quando formado de membros de partidos dife- rária entrar num governo burguês, sem renegar a sua razão
rentes, como o são há alguns anos na França os ministérios de ser: para apossar-se dele e transformá-lo em governo da
mistos, ter constantemente uma base de princípios comuns que classe operária senhora do poder.
lhe dê a possibilidade de agir, isto é, à base da ordem reinante Sem dúvida, na evolução, ou antes no declínio da socie-
— em outras palavras, à base do Estado burguês. Em suma, dade burguesa, pode haver momentos em que a tomada final
pode o mais extremo representante do radicalismo burguês do poder pelos representantes do proletariado ainda não seja
governar ombro a ombro com o mais reacionário dos conser- possível mas onde, todavia, a sua participação no governo
vadores. Um adversário por princípio do regime existente burguês se apresente necessária: por exemplo, quando se trata
encontra-se diante da seguinte alternativa: ou fazer constante- da liberdade do país ou de conquistas democráticas tais como
mente oposição à maioria burguesa do governo, isto é, não ser a república, numa ocasião em que o governo burguês esteja
de fato membro ativo do governo, ou então colaborar, desem- precisamente comprometido e já desorganizado demais para
penhar cotidianamente as funções necessárias à conservação que o povo se resolva a segui-lo, sem o apoio dos deputados
e à marcha da máquina estatal, isto é, não ser de fato socialista, operários. Num tal caso, bem entendido, os representantes do
pelo menos nos limites de suas funções governamentais? povo trabalhador não teriam o direito de se esquivar à defesa
Sem dúvida, o programa da social-democracia contém rei- da causa comum, por simples amor abstrato aos princípios.
vindicações que — abstratamente falando — poderiam ser Mas, mesmo nesse caso, a participação dos sociais-democratas
aceitas por um governo ou por um Parlamento burguês. Por no governo deveria ser feita de forma a não deixar a menor
108 ROSA LUXEMBURG

dúvida, nem à burguesia nem ao povo, sobre o caráter passageiro e a


finalidade exclusiva de sua ação. Em outras palavras, a participação
dos socialistas, mesmo nesse caso, não deveria ir até a solidariedade,
em geral, com a atividade e existência deste último. Não me parece que
seja esta a atual situação em França, pois que os partidos socialistas,
de antemão e sem considerar a participação ministerial, se tinham
declarado prontos a apoiar qualquer governo republicano, ao passo
que hoje, com a entrada de Millerand no ministério, entrada essa que A CRISE DO MOVIMENTO
se deu, em todo caso, sem o assentimento de seus colegas, esse apoio
assusta até certo ponto os socialistas.
SOCIALISTA NA FRANÇA
Seja como for, não se trata aqui, de julgarmos o caso especial do
gabinete Waldeck-Rousseau, e sim de deduzir de nossos princípios
fundamentais uma regra de conduta geral. Desse ponto de vista, a
participação socialista em governos burgueses se apresenta como
experiência que só pode resultar num grande prejuízo para a luta de
classe.
Na sociedade burguesa, a social-democracia, pela sua própria
essência, está destinada a desempenhar o papel de partido de
oposição; só passando por cima das ruínas do Estado burguês poderá
ela ter acesso ao governo.
INTRODUÇÃO

O caso Millerand constitui a primeira questão interna do


movimento socialista de um país, merecedora do interesse
geral e internacional e objeto de discussão de um congresso
socialista internacional.
Infelizmente, o congresso de Paris considerou a tarefa
mais sob o ponto de vista teórico do que político-prático; à
resposta geral e teórica dada à nona questão da ordem do dia,
não foi acrescentada uma estipulação expressa sobre o caso
Millerand. Qualquer resolução de caráter geral, por melhor
formulada, dá lugar à interpretações diversas. Assim, imedia-
tamente depois do congresso, Jaurès na França e Bernstein
na Alemanha apressaram-se em apresentar a resolução do
congresso de Paris como sendo favorável a Millerand; por
fim, Vollmar intervém no número de dezembro dos Cadernos
mensais socialistas, para negar a Kautsky competência na in-
terpretação da resolução Kautsky e explicá-la como uma vitó-
ria de Millerand. Enquanto Vollmar exprime o seu entusias-
mo por Millerand ministro e as conseqüências bem-aventuradas
desse fato para o socialismo, enquanto declara, entre suspiros,
que a social-democracia alemã ficou muito atrasada — que
pena! — desses progressos do socialismo francês, nada há de
extraordinário nisso. Nunca duvidamos que, também nas nossas
fileiras, se encontrassem belas Helenas que só esperam o pri-
meiro olhar benévolo de Paris para com ele fugir, e podemos
dizer, por nossa vez, aquela pilhéria de Itzig quando lhe per-
guntavam se um escândalo como o caso do Panamá era possível
na sua terra, a Galícia: "Gente para isso, logo se encontraria,
mas o que falta é o canal". Nesse sentido, o artigo de Vollmar
nada traz de novo. Mesmo na argumentação positiva a favor
de Millerand, ele só faz reproduzir argumentos tantas vezes
empregados na França por Jaurès e outros. Mais adiante,
112 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 113

teremos ocasião de tratar da concepção de Jaurès, e com isso representante legítimo do Partido Socialista, assumindo este a
ficará esclarecida por si mesma a de Vollmar. Seu artigo só responsabilidade pela aceitação da pasta, seria absolutamente
exige uma réplica particular quando sai da exposição das incompreensível a oposição intransigente do Partido operário
opiniões particulares de Vollmar para arriscar-se a expor aos francês e da fração Vaillant, e ambos apareceriam na verdade
alemães os fatos na França e aos franceses as opiniões na Ale- como desmancha-prazeres da unidade socialista, tal como
manha, e isso, é preciso dizê-lo, com igual inexatidão em Vollmar se esforça por apresentá-los.
ambos os casos. Felizmente, não precisa o socialismo internacional retirar
Para julgar o caso Millerand, há dois pontos cardiais. Em o que até agora foi dito ou escrito sobre o caso Millerand,
primeiro lugar, o de saber se Millerand aceitou o posto de porque Vollmar foi vítima — isso acontece, bem entendido,
ministro com ou sem a aprovação dos socialistas franceses; em aos homens mais prudentes — de uma molecagem, e os seus
segundo lugar, o de precisar qual o julgamento do congresso "meios mais bem informados" lhe deram a engolir uma res-
de Paris em geral e da social-democracia alemã em particular peitável batata. A seguinte carta de Vaillant, de 4 de dezem-
sobre a entrada de Millerand no ministério, julgamento esse bro do ano passado, carta que ele nos permite publicar para
concretizado na adoção da resolução Kautsky. quaisquer fins úteis, precisa os fatos de modo absolutamente
Em primeiro lugar, o público alemão é informado de que claro.
Kautsky, por imprudência, o fez cair em engano prejudicial, Escreve Vaillant:
quando, em artigo publicado no n.° 2 de New Zeit ( 26 ), expôs
a entrada de Millerand no governo burguês como ato feito por Mais de uma vez tive ocasião de expor os fatos em público.
Dois dias antes da constituição do ministério, numa reunião
conta própria, sem que o Partido-Socialista tivesse dele conhe- da fração socialista da Câmara, Millerand contou, "como his-
cimento. Vollmar, que sem dúvida não é um estouvado como tória que de então por diante ia ser do domínio do passado",
Kautsky efetuou em Paris um minucioso inquérito sobre a que depois da queda do gabinete Depuy ele fora convidado a
questão e obteve dos "meios melhor informados" um relato entrar numa combinação ministerial, e que participou daquelas
negociações exclusivamente sob sua própria responsabilidade,
"exato" que tem a generosidade de levar ao conhecimento do d e ixando o Partido inteiramente fora de causa. Declarei ime-
público. diatamente que tomava nota das palavras de Millerand e que,
Por este relato, aparece Millerand como o menino bem se semelhantes tratos se repetissem excepcionalmente e fossem
educado que convocou, logo depois da proposta de Waldeck- ter qualquer resultado, eu exigiria da fração da Câmara como
do Partido uma declaração, para destacar inteiramente o Partido
Russeau, uma reunião da fração socialista da Câmara e, vol- de tal iniciativa individual, não podendo o Partido, de modo
tando-se para seus camaradas para pedir-lhes diretivas, não algum, participar do poder central da burguesia, no ministério.
só encontrou uma aprovação unânime de sua entrada no go- Depois destas palavras, Millerand fez um gesto de
verno, como ainda o seu ato recebeu uma bênção toda parti- assentimento, e em seguida fomos, a maioria de nós para a
cular dos blanquistas e esquerdistas, especialmente de Vaillant sessão da Câmara. Nenhum de nós pensava então que se pudesse
duvidar das palavras de Millerand, quando declarava serem
e Sembat, entre lágrimas de alegria, por assim dizer. "caso passado" as suas combinações ministeriais.
Se os fatos se tivessem dado como pretende Vollmar, isto Nessas condições, fiquei muito espantado quando, no dia
certamente não mudaria a nossa apreciação sobre a partici- seguinte, um amigo que se tinha por bem informado contou-me
pação de socialistas em governos burgueses em geral, mas viria que o gabinete estava constituído e compreendia Millerand ao
lado de Galliffet. Recusei-me a acreditá-lo e expedi imediata-
infirmar por completo o juízo que se vem fazendo das ações mente um bilhete expresso a Millerand, pedindo-lhe desmentir
de Millerand, das brigas intestinas do Partido Socialista sem demora aqueles rumores que eu considerava uma calúnia,
francês. Aparecendo Millerand, nessas circunstâncias, como e acrescentando que, caso fosse isso verdadeiro, ficavam sem
e f e i t o as minhas palavras pronunciadas na reunião da fração.
Queria dizer com isso que, em face da presença de Galliffet
(26) Neue Zeit, 1900-1901, tomo I. no Ministério, não nos bastaria mais declarar que Millerand
114 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 115

entrando para o ministério, não poderia representar nem com- maioria do Congresso de Paris, por essa mesma votação, ter-
prometer o Partido, mas que além disso nós deveríamos pro-
testar com toda a energia contra um ato que colocava um so- se-ia, pronunciado, não como o imaginara Kautsky, contra
cialista ao lado do carrasco da Comuna. Millerand, mas antes por Millerand. Em apoio da sua tese, ele
Também, no dia seguinte, quando recebi ao mesmo tempo compara e opõe uma série de declarações isoladas de chefes de
os jornais com a notícia da formação do gabinete Waldeck- partido, tanto em palavras como em gestos, no Congresso e
Millerand-Galliffet e um bilhete de Millerand que me dizia ter fora do Congresso.
recebido minha carta ao sair da primeira reunião do Conselho de
ministros, que o fato estava consumado, que ele julgava ter Como é lógico, o belga Vandervelde, por exemplo, sendo
cumprido o seu dever e que o futuro o decidiria, precipitei-me o porta-voz da resolução Kautsky, pronunciou-se incisivamente
ao encontro dos deputados de meu partido (P.S.R.) e dos
deputados amigos, e na mesma noite os jornais traziam o nosso contra o ministerialismo de Millerand. Mas Vollmar, como
protesto, a que demos outra sanção» positiva com a nossa sepa- profundo conhecedor dos homens, diz que as palavras de Van-
ração da fração socialista na Câmara e constituição em grupo dervelde sobre o assunto não podiam ser muito sérias porque
socialista-revolucionário.
file era precisamente o relator, e devia, como tal, agradar aos
Relendo a sua carta, vejo que, fiado na narrativa de um dois campos. De que Vandervelde, quase um ano antes tivesse
deputado, os nossos adversários de tendência acusam a mim (na Petite Republique de 21 de Setembro de 1899) exprimido
e a Sembat de termos rejeitado uma resolução proposta à fração
sobre o caso Millerand. O que vem dito acima é suficiente para a mesma opinião sobre o caso Millerand, Vollmar não se re-
desmentir essa narrativa, que já ouvi uma vez, mas não deixa corda absolutamente, é portanto muito compreensível que disso
por isso de ser falsa. Ou é erro, ou falsificação. ele não possa cientificar os seus leitores. Mas mesmo que Van-
dervelde tivesse sido realmente contra Millerand, em todo o
A coisa está bem clara, portanto. Millerand não convocou caso, Anseele, falando logo após Vandervelde, declarou-se
reunião alguma da fração socialista, não aventou a eventua- "sem restrições" a favor do ministro. E desde que um belga
lidade de sua entrada no ministério e não recebeu a aprovação falou contra, e um outro a favor de Millerand, é claro que a
dessa fração a esse respeito. Ao contrário, depois da exposição maioria dos belgas era por Millerand.
dele, a fração absolutamente não podia supor que se tratasse
de circunstância atual de significação positiva, e todo o modo Mas Vollmar não teve mesmo necessidade de ouvir um
por que Vaillant e outros acolheram aquelas vagas alusões de só delegado para se fixar sobre o julgamento da delegação.
Millerand não podia deixar-lhe a menor dúvida quanto ao fato Os ingleses, por exemplo, guardaram reserva sobre a questão
de que só contra a vontade dos representantes das velhas orga- Millerand, mas Vollmar sabe que, provavelmente eram a favor
nizações do Partido poderia ele entrar no governo. c não contra Millerand. De outra maneira não teriam aplau-
dido Jaurès mais calorosamente que a Guesde e a Vaillant, o
Aliás, se Vollmar tivesse começado por praticar aquela que Vollmar soube muito bem notar na confusão do congresso
consciência nas informações que tão calorosamente recomenda de Paris. O que não percebe um homem prevenido?
a Kautsky, poderia ter visto isso impresso já há meses, e não
contestado até hoje, que se saiba, no Anuário do Partido so- No que concerne à delegação alemã, não resta a Vollmar
cialista-revolucionário do ano de 1899-1900, Paris, 45, rua "nenhuma dúvida" que, em sua "maioria esmagadora", parti-
Terre-Neuve, págs. 39-43; isso lhe teria poupado o trabalho de lhava ela do entusiasmo de Vollmar por Millerand. E desde
espalhar notícias falsas e de querer acusar disso os outros. que Vollmar não duvida, o leitor não tem nenhuma necessi-
Já não é mais baseando-se em informações discretas, e dade de duvidar. E desta maneira está decidida a questão.
sim por meio de observações profundas e pessoais, e de sutis, Que, além do mais, esta aprovação da delegação alemã à
construções que Vollmar retifica as interpretações de Kautsky entrada de Millerand no ministério, corresponde à opinião do
sobre o sentido que se deve dar à sua própria resolução ado- Partido, está provado, segundo Vollmar, pelos "numerosos ar-
tada pelo congresso internacional. Segundo Vollmar, a grande tigos simpáticos" da imprensa do Partido, que tratam de
116 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 117

"ações isoladas de Millerand" e não se ocupam pois da questão dadeiro ponto de vista da maioria do congresso internacional de
de sua entrada no governo. Paris.
Os italianos também não escaparam à argumentação irre- A resolução de Kautsky diz:
sistível de Vollmar. Pois, Costa provou contra Ferri que a
maioria dos delegados italianos era pela resolução de Kautsky. "Em todo caso esta experiência perigosa (a entrada de um
E desde que os italianos votaram pela resolução, quem pode socialista no ministério), não pode ser vantajosa senão quando ela
é aprovada por uma organização de partido coerente, e se o
ainda duvidar de que eles a tenham compreendido, não no ministro socialista é e continua a ser mandatário de seu
sentido de Kautsky, e sim no de Vollmar? partido. Desde o momento em que o ministro socialista se torne
E melhor ainda, o próprio Ferri, o mais encarniçado dos independente do partido e deixa de ser seu mandatário, a
adversários de Millerand, foi transformado por Vollmar em entrada no ministério, de meio de fortificar o proletariado,
amigo. Para determinar o sentido do voto no congresso de torna-se um meio de o enfraquecer e, de meio de apressar a
conquista do poder, um meio de retardá-la".
Paris, Vollmar descobre que Ferri, dois meses mais tarde, "re-
fletiu ainda uma vez sobre o assunto" e que era Mântua teria Que Millerand não tenha aceitado o posto de ministro
falado em termos aprobativos da participação ministerial (27). como mandatário de seu Partido francês, isto não decorre só
Desta forma, a adoção da resolução Kautsky no congresso de da não existência de um Partido socialista coerente em França,
Paris se transforma em uma estrondosa manifestação interna- mas também de não ter sido Millerand autorizado nem pelas
cional era favor de Millerand. organizações isoladas nem pela fração socialista da Câmara.
Infelizmente, de toda esta argumentação profundamente Dos interessantes segredos daqueles "meios mais bem infor-
amadurecida, segue-se somente que, na Alemanha, estamos mados" que foram depois confiados a Vollmar em Paris, o
também a ponto de aceitar uma pasta ministerial, pois, não congresso internacional não tinha mesmo nem o pressentimento.
nos faltam advogados de talento. Mas, fiados no simples bom Ao contrário, o conjunto da social-democracia, sem exceção,
senso, cremos que o fato seguinte serve para descobrir o ver- pensava e pensa que a entrada de Millerand para o governo
fosse ato inteiramente pessoal e individual. E até o defensor
de Millerand, Jaurès, confirma esta concepção, invocando
( 27 ) Somos obrigados a retificar também esta afirmação diversas vezes essa iniciativa arbitrária como argumento em
de Vollmar que tem um caráter positivo. Em uma carta de favor da necessidade da unidade socialista.
12 de Dezembro deste ano (1900) que Kautsky nos transmite,
Enrico Ferri escreve: A maioria do Congresso declarou pois, ao adotar a reso-
"Depois, como antes, sou contra.. Em Mântua disse somente lução Kautsky, mesmo sem falar no nome de Millerand, que
que se a nova monarquia quer realmente entrar no caminho se devia considerar a participação deste no ministério como
das reformas (como nossos políticos o repetem depois do meio de enfraquecer o proletariado francês e de retardar em
atentado contra o rei e depois que a campanha de obstrução
lhes demonstrou a impotência das leis reacionárias), devia França a tomada do poder pela classe operária. E este fato
chamar homens capazes de fazer reformas e não velhos reacio- dá lugar ao menor equívoco.
nários (do gênero de Sonino), que hoje não fazem senão falar Por conseqüência quando Vollmar dá em seguida a seu
de reformas para melhor servir ao governo. voto uma interpretação favorável a Millerand, isto não passa
"E como a extrema esquerda é composta de socialistas, de um novo exemplo do procedimento bem conhecido, segundo
republicanos e radicais, (cujo líder, o deputado Sacili, aceitou
abertamente o monarquismo). Pelo contrário, sempre disse que o qual se assina uma resolução que significa a derrota do seu
a participação de republicanos ou de socialistas no ministério ponto de vista, a fim de contá-la mais tarde como uma vitória.
da monarquia italiana seria uma impossibilidade ou um No que concerne especialmente ao Partido alemão — é
absurdo. Isto foi repetido brevemente em discurso na Câmara
(3 de dezembro) em presença do programa da nova monarquia. importante fixar este ponto para os camaradas da França —
Não modifiquei portanto em nada minha opinião desde Paris". no inquérito internacional publicado pela Petite République,
118 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 119

com exceção de Vollmar, os velhos chefes do partido militantes ao mesmo tempo que a independência, e não foi, desde então,
em Alemanha, Liebknecht, Bebei, Singer, Kautsky, pronun- governada monàrquicamente. Em França, pelo contrario, o te-
ciaram-se contra a participação ministerial de Millerand. mor pelos destinos da República perece muito mais natural
Afinal de contas, Vollmar poderá decidir por si próprio se uma vez que esta já foi duas vezes conquistada com grandes
é ele ou os quatro chefes acima citados quem exprime as opi- lutas, para ser logo depois novamente escamoteada pela mo-
niões da social democracia alemã, tendo em mente a recordação narquia. E' pois o passado que projeta sombras sobre o pre-
dos casos práticos onde sua tática se opunha à de Liebknecht, sente e esconde a etapa do desenvolvimento histórico percor-
Bebei, Singer e Kautsky, e a solução que lhes foi dada. rido entre ambos.
Ainda que os dois golpes de Estado napoleônicos de 18
Brumário e 2 de Dezembro tenham sido estreitamente ligados
O GOVÊRNO DE DEFESA REPUBLICANA a circunstâncias exteriores, eles não explodiram subitamente.
O primeiro como o segundo império foram, antes de tudo, pro-
A entrada de Millerand é defendida por Jaurès e seus dutos imediatos das revoluções que os precederam, ponto morto
partidários por três motivos: a necessidade de defender a Re- do movimento de refluxo da vaga revolucionária, arrastada
pública, a possibilidade de realizar reformas sociais em pro- nos dois casos por duas poderosas classes da sociedade bur-
veito da classe operária enfim a concepção geral segundo a guesa: a grande burguesia e o campesinato.
qual a evolução da sociedade capitalista para o socialismo deve No primeiro caso vemos uma burguesia que, ultrapassando
passar por uma fase de transição na qual o poder político será
exercito em comum pela burguesia e pelo proletariado, o que a revolução os objetivos que aquela lhe havia assinalado, isto
se manifesta exteriormente pela participação dos socialistas no é, a fundação de um Estado jurídico burguês, e ameaçando
governo. esta os próprios fundamentos deste Estado jurídico, quis
quebrar o seu arremesso impetuoso, reconduzí-la a seu ponto
O argumento da defesa republicana foi o primeiro a ser de partida e aí sufocá-la. A seu lado, uma classe camponesa,
apresentado: "A República está em perigo!". Era pois indis- tendo-se libertado pessoalmente, tendo adquirido a proprieda-
pensável que um socialista se tornasse ministro do Comércio!
de do solo, e tão temerosa de uma inovação mais acentuada
A Republica está em perigo! por isso o socialista devia per-
quanto o retorno ao antigo regime, procurava assegurar suas
manecer no ministério depois dos massacres dos grevistas da
conquistas graças a um movimento que fosse igualmente hostil
Martinica e da Châlons. A República está em perigo! era ne-
à antiga monarquia e às revoluções. De outro lado, durante seu
cessário pois negar o inquérito sobre estes massacres, era ne-
reino efêmero, a classe operária tendo quebrado a pequena
cessário cancelar o inquérito parlamentar sobre esses horrores
burguesia e tendo-a lançado nos braços da reação, porém, ao
coloniais, era necessário votar a lei de anistia! Todos os atos
do governo, os votos dos socialistas, tudo é motivado pela con- mesmo tempo, revelando a carência de um programa seu de
sideração dos perigos que ameaçam a República e da necessi- ação realizável e independente, e completamente gasta no curso
dade da sua defesa. Já é tempo de sobra, sem nos deixarmos das lutas revolucionárias. Enfim, em face de tudo isto, uma
arrastar pelo turbilhão superficial das lutas cotidianas e suas coligação da Europa feudal e reacionária que punha em se-
palavras-de-ordem, de submetermos a uma análise profunda gundo plano todos os antagonismos e lutas interiores e que
da situação e de estudarmos principalmente mais de perto tornava antes de tudo indispensável o desenvolvimento de uma
esta questão: que há exatamente sobre este perigo e esta defesa? potência fortemente concentrada, voltada para o Exterior.
Nos Estados Unidos não ouvimos falar, apesar do calor No segundo caso, vemos no primeiro plano uma burguesia
das lutas internas de classes e de partidos, do perigo que esteja que, temendo, tanto quanto a grande propriedade fundiária
correndo a forma republicana do Estado. Coisa facilmente a ascensão revolucionária do proletariado e da pequena bur-
compreensível, pois a União americana conquistou a república guesia, esmaga a princípio, com a ajuda da pequena burguesia,
120 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 121

o proletariado nos massacres de Junho; depois, para acabar que sabe adaptar-se a seus interesses de maneira mais brilhante
com a pequena burguesia, fortifica progressivamente o poder do que qualquer monarquia.
governamental às expensas da representação popular para
O grosso da burguesia atingiu, pela primeira vez, na Terceira
finalmente meter ela mesma a cabeça no nó corrediço, com
República, uma soberania política integral que exerce desde
tanto maior resignação pois, tendo sido antes monarquista, de
1880 aproximadamente graças aos ministérios e às maiorias da
coração, só pôde reprovar a dinastia Bonaparte de não ser a
Câmara quase continuamente oportunistas. A política colonial e
dos Bourbons ou dos Orléans. Do outro lado, a classe cam-
o militarismo da França assim como a sua gigantesca dívida
ponesa, devotada desde o primeiro Império à tradição napo-
pública mostram que a República pode, nestas empresas mais
leônica, devia ver em um segundo Império o meio de governar
lucrativas da burguesia, concorrer com qualquer forma
por meio da mão forte do soldado, o elemento detestado e per-
monárquica. A negociata do Panamá e a da Estrada de ferro
turbador da cidade, de quem ela nada de bom podia esperar.
do sul da Franca demonstraram enfim que o Parlamento e
O esquema de golpe de Estado é pois, malgrado as curvas
administração da República se deixam utilizar tão comodamente,
opostas do desenvolvimento da revolução, absolutamente idên-
como instrumento de acréscimos dos dividendos capitalistas,
tico nos dois casos. No primeiro como no segundo, encontra-
como o aparelho político da monarquia orleanista. Para a
mos, de um lado, os grandes interesses políticos, econômicos,
pequena-burguesia, a terceira República mostrou-se um solo
positivos, de grandes classes da sociedade, ligadas à monarquia
fecundo por excelência, criando-lhe, graças à sua política da
e, do outro lado o elemento verdadeiramente republicano, a
dívida pública e à burocracia que cresce sem cessar, um imenso
classe operária, reduzida à impotência de antemão. Por fim,
exército de pequenos rendeiros do Estado e de empregados do
a monarquia encontra, nos dois casos, uma base preparada na
Estado ligados pelo próprio ser à existência pacífica da
função de um cônsul vitalício, e mesmo um presidente esco-
República.
lhido por plebiscito, função dotada, precisamente pela própria
marcha da contra-revolução, de todos os atributos de onipo- Mas, mesmo para os seus adversários mais antigos, os mais
tência do chefe da guerra e do governo. Conseqüentemente o encarniçados, os proprietários territoriais, os grandes ainda
que explodiu no golpe de Estado existia precisamente como mais que os pequenos, a cornucópia da abundância republi-
o fruto maduro da contra-revolução no seio da República, o cana derramou profusamente os seus benefícios.
golpe de Estado não criava novo estado de coisas, apenas o Se o campesinato, numa das suas partes, já tinha pro-
consagrava e lhe dava um nome. gredido bastante ao tempo do segundo golpe de Estado para
que pudesse renunciar à prova da sua fidelidade à monarquia
As circunstâncias, em França, que ocasionaram a crise por uma série de sublevações cruelmente reprimidas, teve ela
do caso Dreyfus foram inteiramente diversas. Aqueles que doravante largamente ocasião de mudar em grau superior as
viam nos excessos dos generais insubordinados ou dos nacio- suas idéias sobre a República. Toda uma série de medidas
nalistas os sinais precursores de um terceiro golpe de Estado que favorecem principalmente os camponeses mais abastados,
modelado pelos dois primeiros, esqueceram-se simplesmente de os quais são o apoio tradicional do bonapartismo, foram reali-
tirar as conclusões do conjunto da evolução social da França zadas nas duas últimas décadas. A redução dos impostos terri-
nos últimos trinta anos. Neste lapso de tempo deram-se, no toriais se eleva, depois de 1897, a 25.000.000 de frs.; o fardo
seio da sociedade francesa, grandes deslocamentos cujo resul- das contribuições da propriedade territorial foi aliviado de 1/6
tado em linhas gerais pode resumir-se assim: a República que, desde 1851, apesar do grande aumento do rendimento líquido.
nos dois primeiros casos foi estrangulada antes de se ter de- O sistema das tarifas protetoras, particularmente sobre o gado
sembaraçada dos restos dos revolucionários, teve enfim, pela e os cereais, visa, antes de tudo, o enriquecimento dos proprie-
primeira vez meios de manter-se bastante tempo para poder tários territoriais. Acrescentemos a isso a atribuição de cente-
levar unia existência normal e provar à sociedade burguesa nas de milhões de francos para os trabalhos de melhoramento,
122 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 123

construção de estradas vicinais para a redução das tarifas de exame, como o quartel-general do golpe de Estado, da mesma
transporte dos produtos do solo, para instituir prêmios de pro- maneira que nos habituamos a ver em todo reacionário como
dução de açúcar, etc. Méline, Barthou ou Ribaud, um monarquista, não representa,
Enfim, a interrupção quase completa das reformas sociais se o examinamos mais de perto, nada menos que um todo coe-
efetivas e o deslocamento de todo o peso das receitas do Estado rente e de uma constituição homogênea, na realidade, este
no sentido dos impostos indiretos — de 1869 a 1897 as receitas campo era antes, um apanhado de elementos diversos de ten-
das alfândegas aumentaram de 183%, as do monopólio do dências e interesses os mais opostos.
tabaco, de 49%, as do imposto sobre as bebidas, de 84%, e Vemos no centro os oficiais superiores comprometidos, o
isso malgrado o estado estacionarão da população. Tudo isto estado-maior e seu bando que, decerto, no seu temor de ser
prova que a terceira República oferece vantagens materiais, levado pelo poder civil republicano, a prestar contas, eram
muito palpáveis às classes possuidoras, cuja carga pesa mais impelidos à revolta contra este poder, mas que não podiam
decididamente sobre a única classe não possuidora, o prole- ter um verdadeiro interesse no restabelecimento da monarquia.
tariado. Pelo contrário, é precisamente a terceira República que, por
Acresce a isso ainda que, por sua aliança com o Império toda sorte de reformas de privilégios e por um culto chau-
dos czares, a República deu de maneira notável provas da sua vinista e delirante, fez do exército um ídolo que nunca havia
faculdade de adaptação, tanto na política interna como na sido antes. O caso Dreyfus, mostrou, de modo patente que, na
externa, fazendo assim da cabeça da reação européia, sua velha república, os quadros superiores levavam uma existência ver-
inimiga, protetora e aliada benevolente. dadeiramente paradisíaca. Pode-se afirmar sem temor, que
Os últimos trinta anos trouxeram pois ao país mudanças um arbítrio e uma autocracia de chefes militares, tais como
determinadas. A terceira República desenvolveu o seu conteú- prosperaram sob as asas da república oportunista, não seriam
do social e, de fantasma temido de alterações revolucionárias, tão facilmente imagináveis em regime monárquico. Os militares
tornou-se para a França a forma normal de existência da so- não podiam pois absolutamente desejar a monarquia. Sua
ciedade burguesa. atitude anti-republicana não era, no caso, senão um reflexo
Hoje, a República tem atrás de si o grosso da burguesia, natural de defesa de malandros que a república havia apa-
os que andam de pança cheia, largas camadas da pequena nhado com a mão no saco.
burguesia, tendo desarmado a desconfiança de seu adversário Em seguida, vemos o clero que, na república, vive, é ver-
principal de outrora, o camponês, para o qual demonstrou ser dade, desde sempre ao Deus-dará, e não espera senão a ocasião
mãe cheia de amor. E até a classe tratada como enteada e para a estrangular; que exerce sem dúvida, uma influência
que contudo lhe guarda sempre sua antiga fidelidade, a classe enorme sobre a opinião pública, mas que, sendo ele próprio
operária, é inteiramente diversa do que era ao tempo do pri- impotente para a ação, não pode agir senão por meio dos outros,
meiro e do segundo golpe de Estado. Está politicamente ins- podendo ser encenador e ponto mas não o ator.
truída, esclarecida, organizada, e ainda que dividido em fra- Na terceira linha, encontramos em Franca, país da pe-
ções, o proletariado socialista francês, cujo partido reuniu nas quena produção e da finança judaica, a pequena burguesia
últimas legislativas quase um milhão de votos, representa um mais fortemente anti-semita, que acessível, como toda corrente
temível reduto da República. reacionária, à agitação contra os dreyfusistas; fornecia terreno
E' claro que em um meio assim condicionado, o monar- propício à demagogia nacionalista, mas isso não significa
quismo reduziu-se a um papel bem diferente daquele desem- ainda que ela tivesse necessidade de se abandonar ao golpe
penhado no passado. Na campanha contra Dreyfus, o campo de Estado cesariano, e, de fato, ela não o fez.
nacionalista, que nos habituamos, sob a influência das pala- Enfim encontramos também monarquistas autênticos; re-
vras-de-ordem da política cotidiana, a considerar, sem mais presentantes dos camponeses das regiões mais atrasadas da
124 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 125

França, aristocratas que, no período pacífico, tinham sido criar as forças motrizes positivas da sublevação. O monar-
obrigados, em grande parte, pelo curso das coisas na terceira quismo era a superfície e não o conteúdo mesmo da crise.
República, a fazer abertamente a paz com esta, como novos, As raízes da crise eram inteiramente diversas. A terceira
aderentes, ou em todo o caso a submeter-se silenciosamente. República tornou-se a forma perfeita da dominação política
Encorajados então pela perturbação desta crise apareciam à da burguesia, mas, ao mesmo tempo, desenvolveu as suas próprias
superfície seguidos de seu cortejo de clientes, jornalistas e es- contradições internas. Uma das suas contradições intrín-
critores realistas. secas é a que opõe uma república baseada sobre a soberania do
parlamento burguês e um grande exército permanente
Estes elementos, fracos e impotentes por si mesmos, ajustado a uma política colonial e mundial. Reduzido, numa
tendo-se agrupado com os padres em torno de generais embara- monarquia forte ao papel de dócil instrumento nas mãos do
çados, para os impelir como uma catapulta e explorar a crise poder executivo, o exército, com seu pronunciado espírito de
em seu próprio benefício, tudo isso unido à atitude rebelde casta, tende naturalmente, numa república parlamentar de
do grande estado-maior teve evidentemente de dar a todo o governo central civil que muda a todo momento, e que tem
campo um verniz cesarista. Mas essas tendências monarquistas um chefe de Estado eletivo cuja função é acessível a quem
trazidas de fora não acharam base material alguma. Não só quer que seja da "canalha burguesa", tonoeiro ou advogado
em nenhuma classe da sociedade havia movimento sério desse eloqüente, a tornar-se uma potência independente que não tem
tipo, como nem mesmo havia ponto de contacto superficial que com o conjunto do estado senão laços muito frágeis.
fosse, por exemplo um pretendente ao trono, que pudesse ser
Na França, a evolução social que levou tão longe a cultura
tomado a sério. Um, tenente-coronel do exército russo, levava
da política de interesse da burguesia e deixou esta pulverizar-se
numa cidade de província do Império dos Czares uma obscura
em grupos isolados, os quais, não tendo nenhum sentimento
vida de guarnição, mas por um único título de legitimidade,
de responsabilidade pelo conjunto, faziam do governo e do
já não pode reclamar para si as glórias de Austerlitz e de
parlamento o joguete dos seus interesses particulares, levou,
Lena, mas de Metz e Sedan. O outro, nulidade que vagabun-
de outro lado, à transformação do exército, instrumento de
deia daqui para acolá, no estrangeiro, e cujos partidários,
algumas centenas de homens e mulheres, esgotam toda agi- interesse geral do Estado, em um grupo de interesse de fins
tação num banquete anual como foi o caso ainda recentemente, próprios e que estava pronto a defendê-los apesar da República
e no qual exprimem suas esperanças sobre a "marcha da revo- e contra ela.
lução" em discursos tradicionais. A contradição entre a República parlamentar e o exército
permanente não pode encontrar solução senão na integração
Em tais circunstâncias, a que devia chegar esta ação con- do exército na sociedade civil e na organização da sociedade
certada se não a provocar uma explosão de chauvinismo na- civil em exército, na transformação do exército de instrumento
cional, o desencadeamento do anti-semitismo e uma apologia d e conquista e de domínio colonial em instrumento de defesa
desenfreada do exército? Para um ato político sério, como o nacional, em suma, na substituição do exército permanente por
derrubamento da República, faltava todo o essencial: a coesão um exército de milicianos. Enquanto não for realizada esta
interna, um programa de ação, e antes de tudo, o desenvolvi- solução, continuará a produzir-se por crises periódicas e con-
mento interno das circunstâncias sociais, que, nos casos pre- tradição interna, conflitos entre a República e seu próprio
cedentes, tinha levado nos seus flancos a monarquia como um exército, nos quais aparecem à luz os resultados manifestos
fruto maduro, destinado a ser destacado dela pelo golpe de da constituição deste em corpo independente, sua corrupção
Estado. O caso Dreyfus podia agitar todos esses elementos, e indisciplina. Os casos Wilson, do Panamá, e das estradas
preparar o terreno para uma agitação monarquista, criar o de ferro do sul da França, tiveram o seu coroamento fatal no
momento de executar um golpe de Estado, mas não poderia caso Dreyfus.
126 ROSA LUXEMBUBG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 127

Assim, a rebelião nos quadros superiores do exército pro- escória nacionalista e a gente do Estado-Maior. Mas, hoje,
vinha do seu desejo de conservar a independência em relação depois do término da crise e apreciando-se o conjunto, rebai-
ao poder civil republicano e, de modo algum, do desígnio de xar o formulário da luta cotidiana, celebrar seriamente o mi-
perder inteiramente esta mesma independência em uma mo- nistério Waldeck-Rousseau, e notadamente Millerand, como
narquia . o verdadeiro "salvador" da República francesa é dar prova
Da situação assim esboçada decorreu naturalmente o da concepção histórica vulgar irmã gêmea da economia vulgar,
caráter burlesco desta ação só na aparência monarquista. Uma a qual concebe os elementos exatamente como se apresentam à
furiosa guerra jornalística, um ruído ensurdecedor dos vaga- superfície da vida política, como obra de ministros e outras
bundos anti-semitas, atropelamentos, uivos de aprovação em "sumidades" da história, em vez de os conceber em seu ver-
frente às redações das folhas nacionalistas, barulho de vidros dadeiro encadeamento interno. A salvação da República por
quebrados nas redações dos jornais partidários de Dreyfus, Millerand deve ser tomada com tanta seriedade quanto o pe-
pacíficos transeuntes molestados, e na rua Chabrol o forte de rigo monarquista que a ameaçava por parte de Déroulède e
Guérin, afinal o presidente da República agredido a cacetadas Guérin.
nas corridas pela jaunesse dorée; mas, nesta atmosfera Com efeito, se a defesa da República dependesse da ação
agitada, carregada de eletricidade, nenhuma ação política do gabinete "Waldeck-Rousseau, ela se teria despedaçado há
séria para realizar o golpe de Estado. O ponto culminante muito tempo. A farsa do golpe de Estado monarquista, cor-
desta efervescência foi o momento histórico em que Dérouléde, responde à farsa da defesa republicana.
polichinelo exaltado, segurou a brida do general Roger o qual, Raramente um governo tomou o poder em uma época
à frente das suas tropas, voltava à caserna, para o arrastar mais grave, raramente depositaram-se em um governo tão
para o Eliseu, sem ter a menor idéia daquilo que Roger ia grandes esperanças.
fazer ali e em que deveria dar toda esta aventura. O malandro Certamente, o perigo "monarquista", era antes um fan-
fardado mostrou-se aliás muito mais sabido que o bobo pai- tasma que uma realidade, porém mais séria que esse perigo
sano. Uma pancadinha de espada nos dedos de Déroulède foi imaginário, era a possibilidade de a República mostrar sua
a resposta ao "beau geste" do chefe antisemita. Assim acabou impotência na "guerrilha" contra os elementos da anarquia:
a única tentativa de golpe de Estado monarquista. os chefes insubordinados do exército e o clero que excitava à
Da curta exposição acima, segue-se que as circunstâncias revolta, e tornando assim inevitável a repetição de crises aná-
eram realmente muito diferentes do que poderiam aparecer logas. Os olhares do mundo inteiro estavam fixos sobre a
à superfície. Não menos que antigamente, a sorte da Repú- França. Tratava-se de provar a vitalidade da ordem republi-
blica não dependia então de "salvadores" isolados, e ainda cana, tratava-se de provar que a França burguesa tinha ainda
menos daqueles que estavam assentados nas cadeiras ministe- bastante força para expulsar e neutralizar os elementos de
riais, mas do encadeamento interno das condições econômicas desagregação que ela não cessa de produzir.
e políticas do país.
As medidas a tomar neste caso eram ditadas pela própria
E' bem compreensível que os perigos dum golpe de situação. Se o exército se tinha desenvolvido em um corpo
Estado em França pudessem parecer graves no tumulto da independente e se erguia contra a República era necessário
luta cotidiana onde os acontecimentos e fatos tomam natural- cortar cerce esta independência e provocar sua reintegração
mente dimensões exageradas e onde o exame das verdadeiras na sociedade civil, pela abolição da jurisdição militar e pela
causas sociais dos fenômenos é extremamente difícil, quase redução da duração do serviço militar. Se o clero apoiava
impossível, mesmo para os participantes diretos e, sem contes- os gestos subversivos dos chefes militares e os incitava à luta
tação, uma ação enérgica dos republicanos se impunha urgen- contra a República, era necessário enfraquecer sua potência
temente ao Parlamento, e sobretudo fora dele para conter a pela dissolução das congregações, pelo confisco de seus bens
128 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 129

e pela separação simultânea da Escola e da Igreja, e da Igreja à tribuna da Câmara, para narrar a defesa heróica... de um
e do Estado. E, antes de tudo, se a corrupção do exército e oficial de dragões, boicotado por seus colegas, porque havia
o assassínio judiciário explodindo com seu cortejo de mentiras, desposado uma mulher divorciada.
perjúrios e outros crimes, haviam quebrado completamente o Vem em seguida a luta gigantesca contra o Dragão, isto é,
prestígio da França no Interior e no Exterior, tratava-se então o clero. A guerra contra os padres estende-se através da
de restaurar a consideração e a autoridade da justiça repu- história da França no último século, como um fio vermelho.
blicana por um castigo exemplar dos culpados e pela libertação Só a terceira República fez amadurecerem trinta e três pro-
dos inocentes. jetos de leis anticlericais. Até aqui todas as medidas se mos-
Há dezenove meses que o ministério está no poder. traram impotentes, e isso porque não visavam a igreja em
Ultrapassou duas vezes a duração média de um governo francês, seu conjunto, mas somente uma parte inseparável do todo, o
os nove meses fatais. Onde estão suas obras, que fez ele? clero regular; e a este último elas só quiseram submeter ao
E' difícil imaginar uma contradição mais potente, entre Estado, não por uma interdição total, mas obrigando-o à auto-
o meio e o fim, entre as tarefas e a execução, entre a publi- mação legal. Malgrado todas as cláusulas legais, as congre-
cidade preparatória e o espetáculo que se segue, do que a gações aumentaram, sob a terceira República, seus efetivos de
existente entre as esperanças depositadas em Waldeck-Rous- duzentos mil indivíduos e triplicaram sua fortuna. Agora,
seau e seus atos. Tratando de reforma da justiça militar, sobrevém a machadada do "governo de Defesa republicana":
temos hoje uma promessa do ministro da Guerra, de intro- o projeto Waldeck-Rousseau, que, copiado de antigos modelos,
duzir no conselho de guerra, as "circunstâncias atenuantes". é novamente dirigido, só e unicamente, contra as ordens não
Tratando da democratização do exército — uma ordem sobre autorizadas. Para limitar-lhes o número estabelece-se uma
os jornais a serem lidos pelos oficiais. O socialista Pestre norma legal que põe em pé de igualdade as ordens religiosas
propôs à Câmara, na sessão de 27 de dezembro do ano passado de frades e as associações públicas, cuja aplicação é deixada
(1899), a introdução do serviço de dois anos; o general André, à boa vontade dos próximos ministérios, quando se trata dos
ministro radical da Defesa Republicana, responde que não socialistas. A República conserva, agora como antes, as ordens
pode tomar posição sobre esta reforma realizada pela Alema- autorizadas com sua fortuna de cerca de 400 milhões de fran-
nha, semi-absolutista. O socialista Dejeante, reclama, na
cos, o clero secular subvencionado pelo Estado com os seus
87 bispos, seus 87 seminários, seus 42 mil padres, o orçamento
mesma sessão, o afastamento de todos os padres das escolas
dos cultos atingindo cerca de 40 milhões. A força capital do
militares, a substituição do pessoal eclesiástico dos hospitais
clero está na influência que ele exerce na educação. Dois
militares por pessoal leigo, a abolição das despesas culturais
milhões de crianças francesas são atualmente envenenadas nas
do exército — o ministro da Defesa republicana que devia escolas clericais e educadas no ódio à República. O governo
laicizar o exército, responde por uma recusa pura e simples
se decide a desferir um grande golpe e proíbe a instrução...
das propostas e por uma glorificação do clero do exército, em pelas congregações não autorizadas. Ora toda a instrução reli-
meio a uma tempestade de aplausos por parte dos nacionalistas. giosa acha-se justamente nas mãos das congregações autoriza-
Os socialistas denunciam à Câmara (fevereiro de 1900), uma das, e por esta reforma radical um número formidável de
série de abusos flagrantes no exército, o governo se recusa a 15 mil crianças dos dois milhões é subtraído ao hissope.
qualquer inquérito parlamentar sobre o assunto. O radical
A capitulação do Governo diante da Igreja é precedida
Vigné d'Octon faz à Câmara (sessão de 7 de dezembro de
de uma homenagem de Waldeck-Rousseau ao Papa e selada
1900), revelações terrificantes sobre o regime militar francês
nas colônias, em Madagascar, na Indo-China, — o governo
com um voto de confiança dos nacionalistas.
repele o inquérito parlamentar como medida "perigosa e in- O ponto culminante da defesa republicana do ministério
justificada". Depois de tudo isto, o ministro da Guerra sobe é atingido pela lei de anistia de dezembro do ano passado.
130 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 131

Durante dois anos, a França consumiu-se no desejo da Ver- sidência. Em 1890, estes mesmos republicanos honestos che-
dade, da Luz e da Justiça. garam a obter a expulsão dos jesuítas, a instrução gratuita
Durante dois anos, um erro judiciário irreparável, pesou e obrigatória. Em 1883, o oportunista Jules Ferry expulsava
sobre a sua consciência. A sociedade quase sufocada na atmos- seiscentos juízes monarquistas de funções e, com a lei de di-
fera infestada de mentiras, perjúrios e de falsidades. vórcio, assestava no clero um severo golpe. Para sapar a base
Enfim o governo de Defesa republicana chegou. Todo o do boulangismo, os oportunistas Constant e Tirard reduziram
mundo retém a respiração. "O grande sol da Justiça vai o serviço militar de 5 a 3 anos.
raiar". E, para que o ministério radical Waldeck-Rousseau ficasse
E ele raia. A 19 de dezembro, o governo faz votar pé1 a atrás destas modestas medidas republicanas dos oportunistas;
Câmara uma lei, prometendo impunidade a todos os crimes, para que depois de uma série de manobras de fachada não
recusando às vítimas a satisfação legítima e abafando todos empreendesse nada em dezenove meses, nem sequer a menor
os processos iniciados. Aqueles que ontem eram declarados os reorganização da justiça militar, a menor redução do serviço
mais perigosos inimigos da República são hoje acolhidos com militar, a menor ação decisiva contra os monarquistas no
amor em seu seio como filhos pródigos. A fim de defender exército, na justiça c na administração, nem uma medida enér-
a República, concede-se perdão geral a todos os seus agresso- gica contra a padralhada; para que declarasse enfim, sempre
res; para reabilitar a justiça republicana, escamoteia-se a fazendo pose de intrepidez, inflexibilidade e honradez, atitude
reabilitação das vítimas do erro judiciário. clássica do pequeno-burguês do alto da sua vergonha política,
q u e a República não era capaz de acabar de uma vez por todas
O radicalismo pequeno-burguês continuou fiel a si próprio.
com o bando de malandros militares e era necessário abando-
O radical Bourgeois, chamado em 1893 ao gabinete Ribot para
ná-la simplesmente: era para isto que se exigia colaboração de
liquidar o escândalo do Panamá, pôs ao abrigo das investiga-
ções, sob pretexto de estar a República em perigo, todos os um socialista no ministério?
parlamentares incriminados e deixou todo o caso enterrar-se Afirmou-se que Millerand foi pessoalmente indispensável à
por si próprio. Waldeck-Rousseau, síndico da falência do formação do gabinete Waldeck-Rousseau, sob pena de pôr-se
caso Dreyfus, conduz o caso a um fiasco completo a fim de em dúvida a probabilidade mesma do ministério. Tanto que se
combater o perigo monarquista. O esquema continua o mesmo: saiba, a França não sofre de penúria de amadores de pastas
ministeriais e se Waldeck-Rousseau hoje encontra no exército
"A "ouverture" flamejante que anunciava o combate per- rebelde dois generais utilizáveis para o ministério da guerra,
de-se em um burburinho rouco, logo que aquele deve começar; tinha ele certamente no seu próprio partido uma meia dúzia
os atores deixam de levar-se a sério, e toda a ação cai em de ministros do comércio à sua disposição. Mas quando se viu o
cheio, como um balão que se fura com um alfinete. (MARX,
O Dezoito de B rumaria). gabinete agir, pode-se afirmar seguramente que Waldeck-
Rousseau podia tranqüilamente tomar qualquer radical como
E para pôr no mundo esta ação grotesca e mesquinha, colaborador. O aborto da Defesa republicana não poderia ser
ridícula não do ponto de vista socialista, ou de um partido de certo mais lamentável. Até o presente, os radicais soube-
radical apenas viável, não do ponto de vista de medidas repu- ram sozinhos e sem ajuda estranha, comprometer-se a fundo.
blicanas dos oportunistas como Gambetta, Jules Ferry, Cons- Vimos que o perigo monarquista, que acreditavam avistar
tant, Jirard, era necessária a participação de um socialista, a no curso da crise dreyfusista era antes um fantasma que uma
representação de toda a força de ação operária no governo? realidade. Assim, explica-se suficientemente o fato de não ter
Em 1879, o oportunista Gambetta, com seus republicanos ainda a "defesa" Waldeck-Millerand, entregue a República ao
moderados, exigia a expulsão de todos os monarquistas de todo golpe de Estado. Mas aqueles que hoje ainda falam do perigo
o serviço do Estado, e expulsava assim Mac-Mahon da pre- monarquista com a mesma convicção de há dois anos, e que,
132 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVI SIONISMO E OPORTUNISMO 133
antes como depois, justificam com este perigo a iniciativa de
Millerand, jogam uma cartada pouco perigosa. Porque, quanto anos, repousava sobre esta carta no jogo político. Durante
mais grave se pinta a situação, tanto mais digna de piedade dois anos, a luta em prol de Dreyfus foi o eixo de toda a sua
é a ação do ministério e mais contestável é o papel dos so- política, sendo para ele "uma das maiores batalhas do século, Uniu
cialistas . das maiores da história humana" (Jaurès, Petite Républi-
que, 12-8-1899) o dever mais honroso da classe operária; não
Se o perigo monarquista era diminuto como procuramos
corresponder a ele, seria, a "pior abdicação e a pior humilha-
expor, a ação salvadora do governo, anunciando-se por grandes
promessas e terminando em fiasco, é simplesmente ridícula. ção, a negação mesma do grande dever de classe do proleta-
Se pelo contrário, este perigo é grande e sério, então, o riado" (Petite Republique, 15-7-99). "Toda a verdade!", a luz
aspecto da ação do gabinete, é o de uma traição contra a Re- integral, tal era o fim da campanha socialista. Nada podia
pública e contra os partidos que nele confiavam. deter Jaurès e seus amigos, nem as dificuldades nem as mano-
E em ambos os casos a classe operária, com a participação bras dos nacionalistas, nem os protestos da outra fração do
ministerial de Millerand, não teve esta "larga parte de res- socialismo, conduzida por Guesde e Vaillant. "Nós continua-
ponsabilidade" que Jaurès e seus amigos reivindicaram tão mos a luta", brada Jaurès com nobre orgulho, "e se os juízes
orgulhosamente, e sim tomou parte na estrondosa desmorali- de Rennes, levados pelas manobras ignóbeis da reação, devem
zação "republicana", do radicalismo pequeno-burguês. ainda sacrificar o inocente para salvar os chefes militares
criminosos, amanhã ainda, malgrado os manifestos de excomu-
nhão, malgrado os supostos apelos à falsificação, à diminuição,
à deformação da luta de classe, nós nos levantaremos de novo,
A TÁTICA DE JAURÈS E O RADICALISMO malgrado todos os perigos, para gritar aos generais e aos juízes:
"Vós sois os carrascos e os criminosos!" (Petite Republique,
A contradição entre o que se esperava da defesa repu- 15 de junho de 1899).
blicana do gabinete Waldeck-Rousseau e o que ele de fato
realizou, colocou a fração do socialismo francês que apoiou a Durante o processo de Rennes, Jaurès brada com a con-
entrada de Millerand no gabinete diante desta alternativa: ou vicção radiosa da vitória: "Seja como for, a justiça se apro-
devia confessar sua desilusão, reconhecer a inulidade da xima! a hora da libertação se aproxima para o mártir, a hora
participação de Millerand no governo e exigir-lhe a demissão, do castigo se aproxima para os criminosos!" (Petite Republi-
ou declarar-se satisfeito com a política do gabinete, ou apre- que, 13 de agosto de 1899).
sentá-la como a realização de suas esperanças e conseqüente- Em novembro, ainda pouco tempo antes da lei da anistia,
mente e à medida que a degringolada da ação governamental declara em Lille: "Por mim, queria continuar, teria perseve-
se processava para o nada, devia ela moderar cada vez mais rado até que a besta venenosa fosse forçada a vomitar todo o
suas próprias esperanças e suas reivindicações: Jaurès e seus seu veneno. Sim, era necessário, perseguir todos os farsantes,
amigos escolheram o segundo método. todos os mentirosos, todos os carrascos, todos os traidores; era
necessário persegui-los "tanto com a ponta da verdade como
Enquanto o ministério girava em torno do ponto capital, com a ponta do gládio", até que eles fossem obrigados, à face
e continuava ainda na fase das escaramuças provisórias (e do mundo inteiro, a confessar os seus crimes, a ignomínia de
esta fase durou dezoito meses completos), a tendência de sua seus crimes". (Os dois métodos, Lille, 1900, pág. 5).
política e a posição dos socialistas, em face desta política, po-
E Jaurès tinha razão. O caso Dreyfus tinha revelado todas
diam ainda permanecer duvidosas. O primeiro passo decisivo,
as forças latentes da reação na França. O velho inimigo da
a lei da anistia, esclareceu de uma só vez a situação.
classe operária, o militarismo, fora desmascarado e era neces-
E' precisamente pelo grupo Jaurès que a liquidação do
sário dirigir todas as lanças contra o seu peito. Pela primeira
caso Dreyfus devia ser discutida. Toda a sua tática, desde dois
vez, a classe operária era chamada a travar uma grande luta
134 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 135

política. Jaurès e seus amigos conduziram-na ao combate e panha por Dreyfus; em um momento, Jaurès anulou tudo o
inauguraram assim uma nova época no socialismo francês. que havia feito em dois anos.
Por isso quando a lei da anistia foi proposta na Câmara, Depois deste abandono de seu principal objetivo político,
os socialistas da ala direita viram-se subitamente às margens a tática de Jaurès terminou sua evolução com uma facilidade
do Rubicão. Era claro que, chamado antes de tudo para li- e uma rapidez extraordinárias.
quidar o caso Dreyfus, em vez de propagar a "luz integral", De início, para salvar o governo, abandonou-se a contra-
de fazer valer, em "plena verdade", todos os seus direitos, e gosto o que se tinha de mais caro, os objetivos de dois anos
de pôr de joelhos o bando militar, o governo apresentava-se de combates gigantescos, "toda a verdade e a luz integral".
antes a extinguir a luz e a liberdade, e a cair ele próprio de Mas para justificar-se a ligação com um governo de fiasco
joelhos diante da quadrilha. Do ponto de vista de Jaurès e de político, é necessário negar o fiasco do governo. O passo se-
seus amigos significava isso o abandono das esperanças que guinte, é pois, a justificação da capitulação do governo.
haviam depositado no governo. O ministério patenteava-se um Abafou-se o caso Dreyfus, em lugar de o levar até o fim?
instrumento inútil para a política socialista e para a defesa Mas isso era necessário "para evitar aborrecidos processos e
republicana; o instrumento se voltava contra seu senhor. Se a já inúteis, para evitar a saciedade do público, que logo se
fração Jaurès queria permanecer fiel à sua atitude no caso fecharia à própria verdade". (Jaurès, Petite République, 18
Dreyfus, e ao dever da defesa republicana, devia imediata- de dezembro de 1900).
mente fazer voltar às suas armas e procurar por todos os meios E' certo que, há dois anos, "toda a França leal e honesta,
combater a lei da anistia. O governo havia enfim mostrado foi convidada a bradar: "Juro que Dreyfus é inocente, que
as suas cartas e era necessário contrariar-lhe o jogo. o inocente será reabilitado, que os criminosos serão
Mas a decisão sobre o projeto de anistia transformava-se, punidos" (Jaurès, Petite République, 9 de agosto de 1899).
ao mesmo tempo, em decisão sobre a própria existência do "Mas hoje todos os processos jurídicos seriam coisa ridí-
ministério. Como os nacionalistas se declararam contra a cula, os quais não fariam mais do que fatigar o país sem o
anistia e o gabinete havia pedido o voto de confiança, podia esclarecer, e perderiam a própria causa a que queremos
facilmente ser formada maioria contra o projeto e assim pro- servir". "A verdadeira sanção do caso Dreyfus" encontra-se
vocar-se uma crise ministerial. h o j e no "conjunto do trabalho republicano" (Jaurès, Petite
République, 18 de dezembro de 1900).
Jaurès e seus amigos tinham pois que escolher: ou renunciar Mais um passo avante, e os antigos heróis do caso Dreyfus
aos objetivos da sua campanha de dois anos em favor de Dreyfus, aparecerão como fantasmas importunos de que é preciso fugir
ou renunciar ao gabinete Waldeck-Rousseau, renunciar à "luz com bastante rapidez.
integral" ou ao ministério, à defesa republicana ou a
Zola, o "grande obreiro da justiça", o "orgulho da França
Millerand. A balança não vacilou mais que alguns mi-
e da humanidade", o homem que lançou o raio de "J'accuse",
nutos; Waldeck e Millerand pesaram mais que Dreyfus, o
lança um protesto contra a anistia. Antes como depois, ele
ultimato do ministério obteve o que não haviam podido obter
quer "toda a verdade e a luz integral", ele acusa novamente.
os manifestos de excomunhão: a fim de salvar o governo,
Que cegueira! Não vê ele, brada Jaurès, que já há "bastante
Jaurès e seu grupo abandonaram a campanha em favor de
luz", para que todos os espíritos dela possam ser penetrados!
Dreyfus e se.declararam em favor do decreto da anistia.
Que Zola se console com a sua justificação, inutilizada, pelo
Os dados estavam lançados. Aceitando a lei da anistia, fato de que "o grande juiz, a humanidade inteira", o glori-
a ala direita socialista fazia da manutenção do governo, e não f i c a diante do tribunal, e que agora pois nos deixe em paz
mais de seus próprios interesses políticos, a diretriz de sua com seu eterno "Acuso!". "Sobretudo, nada de queixas, nada de
conduta. O voto da lei da anistia foi o Waterloo de sua cam- repetições" (Petite République, 24 de dezembro de 1900).
136 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 137

"O conjunto do trabalho republicano", é aí que está o Um passo mais e mesmo a crítica da política governamen-
principal... t a l , à qual se sacrificou a campanha em prol de Dreyfus, pa-
O heróico Picquart, "honra e glória do exército francês", recerá um jogo frívolo com o governo da "defesa repu-
o "puro cavaleiro da verdade e da justiça", repele, como uma blicana".
ofensa, a reintegração no exército que lhe é oferecida assim No próprio campo de Jaurès, elevam-se, pouco a pouco,
como a anistia — que presunção! Não vê ele que o governo vozes desencantadas, sobre a ação do gabinete, para a "demo-
por sua reintegração projetada, assegura-lhe a "mais completa cratização do exército" e a "laicização" da República; que
satisfação"? E' verdade que o que interessa mais a Picquart, frivolidade! Como é perigoso "denegrir" sistematicamente com
é a consagração judiciária da verdade; mas que o amigo uma impaciência nervosa (depois de 18 meses!), as primeiras
Picquart não esqueça que a verdade não interessa somente a conquistas devidas aos esforços comuns!" — "De que serve
ele, Picquart, mas "à humanidade inteira", e que na humani- desencorajar o proletariado?" (Jaurès, Petite République, 5 de
dade, o seu caso, o caso Picquart, não desempenha senão um janeiro de 1901). Os projetos governamentais sobre as congre-
papel secundário. "Com efeito, em nossa aspiração pela justiça, gações, seriam acaso uma capitulação diante da Igreja? So-
não nos podemos limitar a casos individuais" (Gerault-Richard, mente "diletantes e virtuosos" podem afirmá-lo. De fato tra-
Petite République, 30 de dezembro de 1900). "O conjunto do ta-se "da maior batalha entre a igreja e a sociedade civil que
trabalho republicano", eis o essencial. se travou depois das leis sobre o ensino leigo" (Jaurès, Petite
Dreyfus, "este exemplo do sofrimento humano, em seu République, 12 de janeiro de 1901).
mais duro suplício, esta encarnarão da própria humanidade, E, em geral, se o governo registra os fiascos, um após
no auge da desgraça e do desespero" (Jaurès, Petite Repu- outro, não resta como uma consolação, "a certeza de vitórias
blique, 10 de agosto de 1898), Dreyfus, se defende desespera- futuras"? (P. R., 5 de janeiro). Não se trata de leis isoladas,
damente contra a anistia que lhe rouba sua última esperança "o conjunto do trabalho republicano", é o principal, mas o
da reabilitação, que homem insaciável! Seus carrascos não que afinal significa este "conjunto de trabalho republicano"?
sofrem ainda bastante? — Esterhazy, erra "maltrapilho e fa- Já não é a liquidação do caso Dreyfus a reorganização do
minto" pelas ruas de Londres, Boisdeffre, foi obrigado a fugir Exército e a submissão da Igreja.
do estado-maior. Sonse está fora de combate e se "arrasta Assim que o ministério ameaça cair, abandona-se tudo, e
abatido". De-Pellieux, "morreu em desgraça", Henry foi obri- basta que o governo peça, a propósito de não importa qual
gado "a cortar a garganta", Du Paty de Clan, "está fora de medida, o voto de confiança para submeter a seu jugo, Jaurès
serviço", mas o que ainda querem? "Os remorsos dos crimi- e seus amigos. Antes preconizavam a manutenção do governo,
nosos não são uma punição suficiente? E depois, se Dreyfus pura a salvação da República, e agora, a salvação do governo,
não se contenta com estes golpes da sorte, com os quais arra- pelo abandono da defesa republicana. O "conjunto do tra-
samos seus inimigos, mas se obstina a exigir por toda a parte balho republicano", é hoje a união de todas as forças repu-
uma punição pela justiça humana, paciência!" "Um dia a pu- blicanas, para a manutenção do ministério Waldeck-Rousseau.
nição se abaterá sobre estes desgraçados!" (Jaurès, Petite Re-
publique, 5 de janeiro de 1901). "Um dia! mais o bravo Dreyfus * * *
deve aperceber-se de, que há no mundo questões mais im-
portantes que os seus "processos inúteis e fatigantes" (ibidem) A atitude do grupo de Jaurès diante da política do go-
— "temos mais a tirar do caso Dreyfus que estas emoções e verno, é, na verdade, de um lado, diretamente oposta à sua
atos de vingança" (Gérault-Richard, Petite République, 15 de atitude no caso Dreyfus. Mas, de outro lado, é sua continua-
dezembro de 1900). O "conjunto do trabalho republicano" é ção direta. Com efeito, é o mesmo princípio de união com a
o importante. democracia burguesa, o qual há dois anos, serviu de base ao
combate encarniçado dos socialistas por uma solução definitiva
138 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 139

do caso Dreyfus, e que os leva hoje — pois a democracia bur- os resultados práticos reformas imediatas de caráter progres-
guesa abandona o seu dever — a se desinteressar também, da sista, a oposição de princípios é para todo partido em minoria,
liquidação do caso, assim como da reforma completa do Exér- em geral, e particularmente para o Partido socialista, o único
cito e das relações da Igreja com o Estado. meio eficaz de arrancar resultados práticos.
Isso prova que, na tática de Jaurès, não são as aspirações Estamos na impossibilidade de dar à sua própria política
do próprio Partido socialista que formam o elemento perma- a sanção direta da maioria parlamentar, os socialistas são obri-
nente, o elemento de base, e a aliança com os radicais, o ele- gados a arrancar à maioria burguesa concessões numa luta
mento variável, acessório, mas que, pelo contrário, a aliança incessante. Mas, graças à sua crítica de oposição, alcançam
com os democratas burgueses, constitui o elemento constante, esse objetivo por três meios: fazendo aos partidos burgueses
firme, e as aspirações políticas, que às vezes aparecem, não uma concorrência perigosa por suas reivindicações mais largas
passam do produto eventual desta aliança. Já durante a cam- e impelindo-os pela pressão das massas eleitorais, em seguida
panha por Dreyfus, a ala fiel a Jaurès não soube conservar denunciando o governo perante o país e influenciando-o pela
a linha de demarcação entre os campos burguês e proletário. opinião pública e, por fim, agrupando em torno deles, cada
Se, para os amigos burgueses de Dreyfus, tratava-se exclusiva- vez mais, pela sua crítica, na Câmara e fora dela, as massas
mente de extirpar os excessos do militarismo, de suprimir a populares, até tornar-se desse modo uma potência tal que o
corrupção no exército, de saneá-lo, a luta dos socialistas devia governo e a burguesia tenham de temê-la.
dirigir-se contra as raízes do mal, contra o próprio exército Com a entrada de Millerand no ministério, os socialistas
permanente. E se para os radicais, a reabilitação de Dreyfus, franceses agrupados em torno de Jaurès privaram-se destes
e a punição dos culpados no caso, eram o objetivo mesmo da três meios.
agitação, o caso Dreyfus não podia ser, para os socialistas, Em primeiro lugar, a crítica sem reservas da política go-
senão o pretexto para suscitar a agitação em prol da forma- vernamental tornou-se-lhes impossível. Se quisessem flagelar
ção de milícias. E' somente neste caso, que a questão Dreyfus o governo pela sua fraqueza, suas meias medidas e sua covar-
e os espantosos sacrifícios de Jaurès e seus amigos, teriam po- dia, os golpes lhes recairiam nas costas. Porque se a ação
dido, pela agitação, prestar ao socialismo, serviços enormes. republicana do governo é um fiasco, é claro que se põe ime-
De fato, a agitação do campo socialista, vista em seu con- diatamente a questão do papel que um socialista possa desem-
junto, com exceção de decorações isoladas, que penetravam penhar nesse poder. Assim, para não comprometer a pasta
mais profundamente a natureza do caso, manteve-se no mesmo Millerand, Jaurès e seus amigos se vêem obrigados a calar
caminho, que as dos revisionistas burgueses. Lá, os socialistas, tudo o que poderia abrir os olhos da massa operária a respeito
ainda que já tivessem ultrapassado o campo burguês, pela da fraqueza da política governamental. De fato, desde o início
duração da luta, o gasto de forças e o brilho da sua campanha, do ministério Waldeck-Millerand toda a crítica desta atividade
não foram os dirigentes, e sim os seguidores dos radicais. desapareceu do órgão da ala direita socialista, a Petite Répu-
Com a entrada de Millerand no ministério, colocaram-se eles blique e toda tentativa de crítica é combatida logo por Jaurès
inteiramente, no mesmo terreno que seus aliados burgueses. como "nervosismo", "pessimismo", "exagero". A primeira
O que distingue a política socialista, da política burguesa, conseqüência do ministerialismo socialista é pois a renúncia à
é que, sendo adversários da ordem existente, os socialistas são tarefa principal da social-democracia em geral e notadamente
obrigados por seus princípios, a colocar-se no terreno da no Parlamento, a qual é esclarecer e educar politicamente as
oposição no Parlamento burguês. A tarefa primordial da ati- massas.
vidade parlamentar dos socialistas a qual é esclarecer a classe Ademais, os partidários de Millerand, mesmo quando
operária, encontra solução antes de tudo, na crítica sistemática criticam o governo, têm tirado à sua crítica toda significação
da política governamental. Mas, longe de tornar impossíveis, prática. A sua atitude para com o projeto de anistia mostrou
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 14l
140 ROSA LUXEMBURG
d e garantir, a todo custo, a aprovação do projeto governamen-
que nenhum sacrifício lhes parece demasiado para manter o t a l , todo efeito político da manifestação de Viviani é destruído
governo no poder, que estão decididos de antemão a sustentá-lo por isso mesmo.
com seu voto uma vez que lhes seja apontado ao peito o revól- A participação ministerial de Millerand — e é a sua se-
ver da questão de confiança. Assim eles se entregaram intei- gunda conseqüência — transforma as críticas socialistas de
ramente ao governo. seus amigos na Câmara em discursos vazios, em exposições,
Evidentemente, num país governado pelos métodos parla- dos "horizontes longínquos do socialismo sem a menor influên-
mentares, os socialistas não são sempre tão livres nas suas cia sobre a política prática do governo.
atitudes como por exemplo, na Alemanha, onde, no Reichstag, Enfim, nesta situação, a pressão socialista sobre os par-
podem sempre dar à sua atitude de oposição uma nítida ex- tidos burgueses se revela como um sonho.
pressão por meio do voto de desconfiança. Atendendo à polí- Para assegurar a permanência do governo, os partidários
tica do "mal menor", os socialistas franceses muitas vezes de Millerand vêem-se obrigados a observar muito íntima soli-
vêem-se forcados, ao contrário, a impedir por seu voto a queda dariedade com relação aos outros grupos de esquerda. Mas
de um governo burguês. Mas, precisamente pelo regime par- como não é o resultado político que os interessa cada vez, mas
lamentar o voto dos socialistas torna-se uma arma que podem a fidelidade das esquerdas unificadas ao gabinete, vêem-se
brandir por cima da cabeça do governo como uma espada de obrigados a procurar por toda parte não os motivos de sepa-
Dámocles e pela qual podem sustentar suas críticas e reivin- rarão em relação aos outros grupos burgueses, mas, ao con-
dicações. Jaurés e seus amigos, tornando-se dependentes do trário, o que os aproxima deles. No caldo "republicano" da
governo pela participação ministerial de Millerand, tornaram união das esquerdas, cuja conservação é o grande pensamento
o governo independente deles; privando-se do meio de levar de Jaurès, o seu grupo desaparece completamente. Seus amigos,
o gabinete a fazer concessões pelo espectro da crise ministerial, atualmente a serviço de Millerand, desempenham o papel de
fizeram ao contrário, desta crise uma espada de Dámocles que radicais burgueses Sim, na maioria republicana de hoje, os
os ameaça a eles próprios e por meio da qual o gabinete pode radicais são o elemento avançado, o elemento de oposição e os
forçá-los a qualquer memento, a fazer concessões. socialistas da ala direita o elemento moderado, o elemento
As negociações atuais a respeito da lei sobre as associações governamental. Foram os radicais de Octon e Pélletan que,
ilustram de maneira patente a situação de Prometeu encadea- na sessão da Câmara, a 7 de dezembro deste ano, reclamaram
do, em que o grupo Jaurès se pôs a si mesmo. E' verdade que com toda a energia o inquérito parlamentar sobre as atrocidades
Viviani, amigo de Jaurès, é quem num brilhante discurso na coloniais, enquanto na ala direita dos socialistas se encontravam
Câmara arrasou o projeto governamental sobre as congrega- dois deputados para votar contra o inquérito! Foi o radical
ções e indicou a verdadeira solução do problema. Mas se, no Vaizeille quem se opôs a que fosse abafado o caso Dreyfus com a
dia seguinte, ao lado dos mais simpáticos elogios a este dis- anistia, ao passo que os socialistas votaram finalmente contra
curso, Jaurès põe na boca do governo a resposta pela qual Vazeille. Enfim foi o radical-socialista Pélletan que em La
deve aquele refutar a crítica ( 28 ) se antes da abertura dos Dèpêche de Toulouse do dia 29 de dezembro deu aos
debates, antes de toda tentativa de melhoria do projeto gover- socialistas a seguinte lição:
namental, ele dá aos socialistas e radicais a palavra de ordem
"Trata-se de saber se um governo existe para servir às
28
( ) Será demasiado fácil ao governo responder que se fica idéias do partido que o apóia, ou ao contrário para arrastar
atrás do que é programa da República, se ele não atinge a o partido à traição das suas idéias. Oh! os homens que apoia-
princípio senão as congregações, ele o faz porque quer primeiro mos no poder não nos estraguem. À parte dois ou três minis-
desviar os perigos maiores. Seu dever é pôr a liberdade em estado de tros, todos eles governam mais ou menos da mesma maneira
defender-se ela própria (Petite République, 17-1-1901). que o poderia fazer um gabinete Méline. E os partidos que,
no seu próprio interesse, deveriam advertir o ministério e
142 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 143

chamá-lo à ordem ARROJAM-SE AOS SEUS PÉS. Quanto a completamente sob a pressão das críticas dos seus próprios par-
mim, sou daqueles que acham excelente que o partido coleti- tidários), o começo feliz de uma grande era de renascimento
vista não se isole numa tática de luta sistemática, mesmo que democrático em França, baseado sobre a sólida aliança do so-
um dos seus chegue ao poder. Certamente, achava muito boa
esta idéia. Mas com que objetivo? A fim de que a política pro- cialismo com a democracia pequeno-burguesa.
gressista no gabinete ganhasse força e fosse garantida, e não
para que os piores recuos do gabinete tenham reféns cujo nome "Por causa disso, escreve Jaurès, a constituição de uma
basta para trazer-lhe os votos socialistas dispersos. maioria de esquerda, por mais tímida que seja ela, para sus-
Hoje Waldeck-Rousseau não é o aliado que desejavam, tentar solidamente um governo ainda tão vacilante e tão fraco
mas o diretor de consciência dos partidos progressistas e, na das esquerdas, é na minha opinião um acontecimento da mais
minha opinião, ele os conduz um pouco longe demais. E'-lhe alta importância. E' para mim um rudimento informe, mas
bastante tirar do bolso o espantalho da crise ministerial para necessário, do organismo legislativo e administrativo que con-
conseguir obediência. Atenção: a política do país perderá muito duzirá em breve a marcha da nossa sociedade para a realização
uma vez que se tenha feito dos nossos e dos vossos uma espécie de da mais completa igualdade para a qual nos tendemos". (PE-
sub-oportunistas". TÍTE RÉPUBLIQUE, 7 de janeiro de 1901).

Socialistas que procuram desviar democratas pequeno- Este largo olhar sobre a época próxima do poder comum
burgueses da sua atitude de oposição e democratas burgueses d o proletariado socialista e da pequena burguesia radical faz
que censuram aos socialistas arrojarem-se este diante do go- parecer necessário, numa segunda análise, a conservação do
verno e traírem as suas próprias idéias, é isso a mais profunda governo Waldeck-Rousseau ao preço do abandono dos objetivos
humilhação que jamais tenha sofrido o socialismo e, ao mesmo políticos imediatos, e a conservação da aliança com a esquerda
tempo, é a conseqüência última do ministerialismo socialista. burguesa, sacrificando a oposição independente socialista. Mas
Assim, a tática de Jaurès que queria atingir resultados Jaurès na sua grandiosa construção esqueceu simplesmente que
práticos sacrificando a atitude de oposição mostrou-se a menos o radicalismo pequeno-burguês que ele quer atualmente levar
prática do mundo. E em lugar de fazer crescer a influência ao poder político com ajuda e apoio socialista, desde muito
socialista no governo e no Parlamento burgueses, fez dos so- tempo, perdeu todo impulso precisamente por uma tática que
cialistas instrumento autônomo do governo e apêndice passivo se parece de uma maneira flagrante cora a tática atual de
da pequena-burguesia radical. Em vez de dar novo impuro Jaurès.
à política avançada na Câmara, deixou que se perdesse a opo- A base do papel político da pequena burguesia desde a
sição dos socialistas, único estímulo que poderia levar o Par- grande Revolução tem sido o programa republicano. Enquanto
lamento e o governo a uma política decisiva e corajosa. a grande burguesia entrincheirou-se atrás da monarquia, a pe-
Este o seu maior erro. O fiasco da ação de defesa repu- quena burguesia podia apresentar-se como condutora da massa
blicana esperada de Waldeck-Millerand não é um fenômeno popular, pois mesmo o antagonismo da classe operária com a
devido ao acaso, mas um produto lógico, tanto da impotência burguesia, assumia, em grande parte, a forma de oposição entre
na qual se encontrava o radicalismo na câmara, como também a República e a Monarquia, e formava a sólida espinha dorsal
da paralisia à qual os socialistas estavam, como sobrecarga, da oposição pequeno-burguesa.
condenados pela participação no governo radical. No curso da história da terceira República, as circuns-
tâncias mudaram. Ao passo que a maior parte da burguesia,
* * *
ontem adversária sua, tornava-se porta-voz da República e
Se, para todo homem imparcial, a pobre "ação" do Gabi- enquanto eram realizados os pontos principais do programa
nete Waldeck-Rousseau significa o triste fim da sua missão pequeno-burguês — forma republicana do Estado, "soberania
"republicana", não deixa de ser por isso para Jaurès, mal- do povo" pelo regime parlamentar, liberdade de imprensa, e
grado todas as fraquezas do governo (que ele não pode negar de associação, de consciência — a função política da pequena
144 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 145
burguesia perdia toda base material e se despedaçava o eixo
seu velho farrapo de programa de "defesa republicana" e
do seu antagonismo com a burguesia. Não restava pois ao
chegar por algum tempo ao leme do governo. Mas, cada vez
programa radical senão os acessórios secundários bons para
que acontece isso, reproduz-se um fato cujas conseqüências ele
enfeitar a República burguesa: o sistema de Impostos progres-
sivos, a reforma da instrução pública, a luta contra o cleri- se esquece de tirar, é que o radicalismo não dispõe de maioria
calismo. na Câmara para executar reformas.
Mas, enquanto o antagonismo político entre a pequena Para governar e manter-se no governo, é ele forçado assim
burguesia e a burguesia ia desaparecendo, desenvolvia-se o n negligenciar o seu próprio programa ou ocultar a sua inação
antagonismo social entre a burguesia e a classe operária. Ao por uma atividade de fachada, ou então, fazer diretamente a
mesmo tempo que o conteúdo essencial de seu programa, a política oportunista. Em ambos os casos, ele prova em breve
pequena burguesia perdia grande parte de seus partidários. à Câmara a sua própria nulidade, e ao país, sua inconsistên-
O proletariado entra em jogo, como partido autônomo, em cia, tornando-se assim, cada vez mais, um apêndice impotente
oposição irredutível tanto ao radicalismo como ao oportunismo. d a burguesia oportunista.
No próprio radicalismo, faz-se uma diferenciação interna. Ao A ação do gabinete Waldeck-Rousseau, é um reflexo fiel
passo que uma parte dos seus membros se sente atraída, pelos desta prática radical. Com efeito, há tanta exageração em
interesses essenciais, para a burguesia dominante, a outra conceber a "união das esquerdas", na qual Jaurès quer cons-
parte vê-se forçada a tingir-se de socialismo. t r u i r toda a política atual do socialismo, como um grupo
político compacto, que procura conseguir o saneamento e o
O radicalismo "puro" — reduzido assim na República aperfeiçoamento da República, como em considerar o campo
oportunista a um fraco partido intermediário — estava colo- nacionalista como uma massa coerente com sérias aspirações
cado, se quisesse realizar seu programa político, diante da
monarquistas.
alternativa de prestigiar a oposição dando-lhe a força necessá-
ria pela influência extraparlamentar das massas, ou de apoiar- Ao contrário, vemos aqui elementos os mais diversos, os
se apenas sobre combinações parlamentares com a perspectiva quais representam todas as nuanças, desde o socialismo até a
de chegar ao poder na sombra da burguesia oportunista. reação; a ala da extrema direita, os progressistas do grupo
Isembère, de mistura com a guarda pessoal de Méline. Divi-
O primeiro método, readquirir à margem do partido ope-
dida internamente, a esquerda de hoje só se encontra de novo
rário socialista as simpatias da massa popular, era duplamente
a si própria pela necessidade comum de restabelecer a calma
impossível ao radicalismo. Não só não podia oferecer coisa e a ordem aparentes. Uma vez executada esta tarefa, e, a fa-
alguma aos operários mas, dadas a predominância e a estabi- mosa lei da anistia aparece no caso como a solução clássica,
lidade relativa do artesanato em França, as aspirações sociais o interesse que as liga passa a segundo plano, decompõe-se a
do proletariado deviam assustar a pequena burguesia mais do esquerda e o governo de salvação republicana fica no ar. O
que em outro país qualquer. Persistindo no seu programa falo de que, no começo na mesma Câmara, o gabinete Méline
político intrincado, o radicalismo encaminhava-se exclusiva-
lenha podido, obter maioria, prova todo o caráter ocasional da
mente para o candomínio parlamentar com a burguesia opor-
maioria presente. A eleição recente de Deschanel para presi-
tunista. E foi assim que começou sua degringolada. dente da Câmara, eleição que só era possível pela traição de
Condenado nos períodos normais, ao lado dos oportunis- uma parte das esquerdas em relação ao seu próprio candidato
tas nos governos "mistos", ao papel de cúmplice pacífico, o Brisson, mostra que a desagregação das esquerdas, não é mais
radicalismo conseguiu de vez em quando tornar-se indispen- do que uma questão de tempo.
sável, e isso cada vez que a burguesia oportunista é compro-
Desta situação decorre logicamente o comportamento do
metida por um escândalo e que a República atravessa uma
gabinete Waldeck-Rousseau. Na impossibilidade de empreen-
crise. O radicalismo acha então ocasião de ajeitar de novo o
der alguma ação enérgica, ele se vê necessariamente reduzido
146 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 147

a atenuar, por uma série de capitulações, os antagonismos que classe operária, a legislação operária só foi retomada em 1875,
se tornaram agudos durante o caso Dreyfus, e, fiel às tradi- aproximadamente, se bem que, desde 1840, os resultados espan-
ções do radicalismo trai uma vez mais seu programa, tomando tosos da "acumulação primitiva" tivessem sido denunciados
o poder sem nenhuma garantia de realização deste. pelos economistas burgueses. Desde esse momento começa este
O governo Waldeck-Millerand, não é pois, como o admite estranho trabalho, de reforma social da terceira República que
Jaurès, começo de uma nova era, de dominação da democracia não encontra semelhança em nenhum outro país. Durante
na base da aliança radical-socialista. E' antes a continuação anos, cada projeto de lei erra através de diferentes comissões
da história da pequena burguesia radical, cujo destino não é de preparo e exame, faz de lançadeira, da Câmara ao Senado
realizar o seu próprio programa democrático, mas salvaguar- e do Senado à Câmara, aprovado aqui, rejeitado lá; aprovado
dar a existência normal da reação burguesa na sua forma re- aqui para ser rejeitado lá. Enfim, depois que, a força de
publicana, varrendo periodicamente, a estrumeira política supressões, de correções, de emendas, não é o projeto mais
acumulada pela burguesia oportunista, A nova era inaugurada do que um guisado, e obtém enfim, a bênção da Câmara e do
pelo ministério "Waldeck-Rousseau consiste unicamente em que,, senado, revela-se monstruoso na sua aplicação. E' por isso
pela primeira vez, o socialismo toma parte, nessa missão his- que, logo depois, se deve recomeçar tudo de novo para refor-
tórica da pequena burguesia, pelo fato de que, supondo servir mar a lei, trabalho que, depois de dez anos penosos, chega,
o programa socialista, presta realmente serviços de auxiliar por seu turno, a uma reforma social nascida morta. E a his-
ao radicalismo, da mesma maneira que este último, imaginan- tória pode recomeçar: a primeira lei da República, para a
do realizar o programa da democracia, sempre serviu de lacaio proteção do trabalho das mulheres e das crianças (1874), de-
à burguesia oportunista. monstra logo a sua esterilidade; depois de longos esforços,
A tática de Jaurès é, pois, edificada sobre a areia. A res- começados em 1883, foi melhorada e substituída pela lei de
surreição da democracia pequeno-burguesa, que devia servir à 1892. Mas esta última teve de ser, desde 1894, alterada por
participação de Millerand no governo e à qual a oposição so- um novo projeto do Senado e outras transformações que se
cialista, na Câmara, foi sacrificada, é uma miragem. Amar- arrastam até 1900.
rando o proletariado socialista ao cadáver do radicalismo pe- A primeira lei de proteção à saúde dos operários foi levada
queno-burguês, Jaurès paralisou, ao contrário, a única força a cabo em 1893, depois de um trabalho de reforma de sete
viva que poderia defender em França, a República e a de- anos do projeto governamental. A garantia do salário foi re-
mocracia . gulada legalmente em 1895. A primeira lei geral de seguros
de acidentes no trabalho afinal foi aprovada depois de uma
preparação de 20 anos. Enfim, uma lei sobre os seguros contra
AS REFORMAS SOCIAIS DE MILLERAND velhice e invalidez, que foi "preparada" há 25 anos e a qual
já passou por doze redações diferentes, não foi votada até
Além "da ação de defesa republicana" do ministério agora.
Waldeck-Rousseau, alegou-se como segundo motivo para a
Ao lado desta filtragem indefinida das leis de reforma,
participação ministerial de Millerand, as suas reformas em
matéria social. no lado da sua insuficiência congênita, a sua aplicação defei-
tuosa é também característica na França. O aparelho buro-
E, com efeito, em nenhum país, como na França, é uma
crático criado para fiscalizar-lhes a aplicação, a saber: as
necessidade tão premente, renovar, modernizar a política
Comissões departamentais e locais de proteção aos menores, etc.,
social. Depois de terem sido os primeiros passos decisivos da
nem mesmo entrou em funções. Foi apenas em 1892 que a ins-
Revolução de 1848, (a jornada de trabalho legal de 11 e de 10 peção das fábricas foi subtraída ao arbítrio dos conselhos
horas, em Paris e a Proibição da "marchandage" — a cessão
gerais, e modificada em seguida pelas vias governamentais.
de trabalho a tarefeiros), aniquilados pelo esmagamento da
148 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 149

Mas à indiferença e à inexperiência dos inspetores, à insufi- seguiu, poderiam ter, depois da tensão e emoção desta crise
ciência das comissões de inspeção ajuntam-se ainda a atitude d e d ois anos esgotado a paciência dos próprios socialistas. A
abertamente benévola dos órgãos administrativos e dos tribu- continuação do apoio socialista era pois desta vez para o go-
nais para com os patrões, e também o extraordinário retarda- verno radical uma tarefa bem mais penosa do que nos casos
mento da opinião pública do ponto de vista social. Para ca- precedentes. Era necessário, de antemão e sem condições, ofe-
racterizar, a este respeito, a burguesia francesa, basta indicar recer qualquer coisa à classe operária para compensar as suas
que, ainda em 1888, houve na Câmara 171 votos pela abolição decepções. As reformas sociais apresentavam-se por si mesmas
completa da inspeção do trabalho esboçado apenas em 1874, como esta compensação.
e que em 1891, foi apresentado um projeto que confiava aos
guardas campestres a inspeção do trabalho nos distritos rurais. O único meio que poderia levar os socialistas a passar
Ao lado da velha política social inglesa e da política alemã, por cima do seu fiasco político era para o ministério a feitura
suíça e austríaca, a ossificação da política social francesa é de leis favoráveis aos trabalhadores.
alguma coisa de único. Se não tivesse havido reformas, graças às quais os operários
foram atingidos de cegueira e os socialistas repousaram, a
O gabinete Waldeck-Rousseau tinha mais de uma razão própria influência de Jaurès não teria chegado a fazer com
para desenvolver uma ação enérgica neste terreno. O radica- que as suas hostes acreditassem na política de "defesa repu-
lismo francês, que ultrapassa ainda os oportunistas em matéria blicana" do gabinete. Só as leis e decretos sociais obnubilaram o
de bizantinismo social se tinha comprometido inteiramente aos julgamento político dos círculos socialistas tanto e tão bem
olhos dos operários por toda a sua conduta passada. Era uma que estes puderam ver, mais tarde, uma "grande obra repu-
necessidade tanto mais urgente de fazer tudo para alcançar
blicana", precisamente onde os próprios democratas burgueses
o apoio do proletariado, quanto as próprias tropas no radica-
não viam senão vergonha e traição. A anistia e o projeto sobre as
lismo, a pequena burguesia parisiense, se tinham mostrado
congregações só ousaram vir a lume depois da lei sobre a duração
pouco seguras tanto no caso de Dreyfus como nas eleições mu-
da jornada de trabalho e do projeto sobre o alargamento do
nicipais.
direito de coalisão. As reformas sociais de Millerand
Mas o fator determinante era a situação particular do asseguraram a impunidade da capitulação política de Waldeck-
ministério atual. O gabinete Waldeck-Rousseau era forçado, Rousseau. A atitude amistosa do governo para com os traba-
como os seus predecessores radicais, a apoiar-se nos socialis- lhadores foi o preço pelo qual se comprou a cumplicidade pas-
tas, e tal como os seus predecessores, aparecia na cena com a siva de uma parte da classe operária nessa capitulação.
traição das aspirações e esperanças socialistas como do seu E' por conseguinte desconhecer a lógica interna de toda
próprio programa político. a situação política afirmar que o ministro socialista é o inicia-
Nunca, anteriormente, os socialistas estiveram tão imedia- dor único da atividade social do ministério radical, inconce-
tamente interessados na atividade política do governo, nunca bível sem ele. Antes, pelo contrário, se o espírito mesmo, o
a atenção e a vigilância da classe operária tinham sido tão des- caráter, a extensão da obra social pudessem ser levados em
pertadas como depois do caso Dreyfus, cujo resultado imediato conta, somente a esse ministro, esta mesma obra era a base
foi a constituição do gabinete Waldeck-Rousseau, no curso do sobre a qual o gabinete Waldeck-Rousseau fundara a sua exis-
qual uma grande parte dos socialistas tinha desempenhado tência parlamentar em relação ao que abandonava politica-
um papel de primeira ordem na política cotidiana do país. E' mente.
por isso que nunca a impotência do radicalismo tinha contras- * * *
tado de maneira tão berrante com as esperanças das classes
operárias socialistas do que durante o ministério Waldeck-
Rousseau. A inação de 18 meses e a lei da anistia que se À primeira vista, a tática do ministro radical a qual aca-
bamos de expor parece um contra-senso. A fim de poder con-
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 151
150 ROSA LUXEMBURG

temporizar com os interesses políticos da reação, pôde ele de-


quatro anos depois da sua promulgação (1.° de abril de 1904).
cidir-se a sacrificar os seus interesses econômicos? Para poder Em quatro anos o Sena pode rolar muita água e muitos mi-
disfarçar os antagonismos políticos no interior da burguesia nistérios franceses podem ser mergulhados no Letes. Se até
decidiu-se ele a fazer luz sobre as contradições sociais entre a agora as leis de proteção operária serviram principalmente
burguesia e o proletariado? Mas esta tática só é absurda na pura enfeitar o "Journal Officiel", isso só se devia à resistência
aparência. Uma análise mais detida demonstra que afinal de concertada do patronato e dos órgãos administrativos e
contas ela não é uma negação, mas a continuação direta da judiciários. Em contraste entristecedor com as flutuações, as
ação política do gabinete. alternativas contraditórias, a efêmera existência dos ministé-
rios, essas forças de resistência formam em França uma sólida
O que é característico das reformas sociais de Millerand, e inquebrantável muralha. Uma lei que seja entregue à ação
é que elas provocaram, de um lado um entusiasmo delirante, eventual de governos futuros, com a reação como reduto, são
e de outro uma condenação total, e que foram em França, no máximo uma letra de câmbio sobre um banco que tem sede
como no estrangeiro, objeto dos mais contraditórios juízos. Ao nas nuvens. Mas a dúvida a respeito da sua realização futura
passo que de um lado nos apresentam como medidas nitida- não é a sombra única que se estende sobre a luminosa lei de
mente socialista, prenúncios da soberania futura da classe Millerand. A diminuição do tempo de trabalho para os adultos
operária, marcos da nova era da política social, de outro es- a onze horas e depois dez, foi obtida ao preço de um pesado
tigmatizam-nas como atos de traição para com a classe operá- sacrifício: a prolongação provisória de uma hora na jornada de
ria, ou em todo o caso como tentativas abortadas de reformas trabalho, dos menores.
sociais.
E' verdade que a jornada de dez horas fixada em 1892
A causa disso é muito simples. Não reside, como o poderia para os menores, foi tão pouco observada na prática como as
supor o observador superficial, numa diferença de princípios outras leis protetoras do trabalho. A malícia dos patrões fran-
daqueles que as julgam, mas no próprio caráter das medidas ceses tinha respondido à lei como o fizeram os seus colegas in-
de Millerand. Distinguem-se todas elas, com efeito, pela sua gleses depois de 1840, pela introdução de um complicado sis-
duplicidade, sua natureza contraditória. As três medidas de tema de turmas em que para empregar a expressão de Marx,
Millerand mais importantes, tanto na sua obra como no espí- as mãos dos trabalhadores eram misturadas como cartas de
rito do público: a lei sobre a duração da jornada de trabalho, baralho e o controle da aplicação da lei se tornava assim, quase
os projetos sobre os sindicatos e a greve obrigatória, estão assim impossível.
marcados. Portanto se a jornada legal dos menores era prolongada
A França que, no domínio da política social, estava atra- de uma hora, o sacrifício ao que nos asseguram os políticos
sada em relação à Inglaterra e à Alemanha, em geral ao realistas, era apenas imaginário. Podia-se abandonar leviana-
mundo capitalista inteiro, obtém nas indústrias mistas a jor- mente uma hora de lazer das crianças das fábricas, hora que
nada geral de onze horas e dentro de alguns anos de dez horas! só existia no papel, e em troca da diminuição da jornada de
De um pulo, o país clássico do manchesterianismo social colo- trabalho dos adultos, e da equiparação de seu horário de tra-
ca-se à frente do progresso, e a classe operária francesa, a
balho com o dos menores, graças ao qual — pelo menos o
"gata borralheira" de ontem, transforma-se de repente, aos
afirmava Millerand — o controle da aplicação da lei sobre a
nossos olhos espantados, em uma orgulhosa princesa. E' claro
jornada de trabalho se tornava possível. Na realidade a apro-
que só o ministro socialista pôde executar tal prodígio.
vação deste dispositivo da lei revela um diletantismo social
Mas, assim como o camarada Jaurès o notou filosofica-
que mesmo a legislação francesa não tinha ainda atingido.
mente depois da lei da anistia, a história não conhece vitórias
Proteger particularmente as crianças e os adolescentes das
puras. O que estraga a lei Millerand a qual é uma data na
história, é que a jornada de dez horas, não será aplicada senão
fábricas, assegurar-lhes um horário de trabalho mais curto que
152 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 153

o dos adultos, é o princípio mais elementar da legislação ope- A proteção das crianças é de qualquer maneira o estímulo da
rária, em todos os países capitalistas, é o ABC de toda a polí- evolução e do progresso da proteção do trabalho em geral.
tica social, mesmo da política burguesa mais primitiva, é a Millerand assimilando pois a duração do trabalho dos me-
primeira exigência da simples e sã razão humana, o resultado nores à dos adultos e nivelando, de uma só penada, todas as
direto das diferenças naturais de idade, é enfim a medida categorias naturais dos trabalhadores, não atirou apenas a
mais segura para limitar o número dos menores nas fábricas.
legislação operária francesa para aquém da dos outros países,
Prolongando provisoriamente de uma hora a jornada dos me-
nores, a lei Millerand não sacrifica unicamente esta hora ma- mas paralisou-a já desde os seus começos. De qualquer maneira
terial do seu repouso, não sacrifica, apenas esta prescrição de que a jornada máxima de trabalho seja aplicada, tornou-se
lei formal, mas alguma coisa de infinitamente mais impor- regra para a indústria francesa a mesma duração de traba-
tante : sacrifica o principia mesmo da proteção particular das lho para todas as categorias de trabalhadores. A realização
crianças. eventual da jornada de dez horas para os adultos é um ele-
mento problemático que dependerá da orientação de cada go-
Só a "política realista" habituada à trapaça, com a sua verno e dos seus órgãos, mas, ao contrário, a confusão da
concepção grosseiramente mecânica, podia ver, na redução duração do trabalho dos menores com a dos adultos, eis tudo o
futura da jornada de trabalho dos menores às dez horas re- que restará da nova reforma (29) .
gulamentares anteriores, uma compensação ao aumento atual Assim, vê-se cruamente toda a duplicidade da primeira
da jornada. Do ponto de vista da política social, para a qual das grandes reformas de Millerand, o qual, enquanto concede
o tempo de trabalho das crianças é uma grandeza relativa, e aos operários conquistas ilusórias, lhes impõe sacrifícios evi-
que varia na proporção do trabalho dos adultos, a assimilação dentes. Isso é confirmado pelo segundo projeto importante de
atual e futura do horário de trabalho das crianças e adoles- Millerand, o que diz respeito aos sindicatos.
centes ao dos adultos é uma monstruosidade social. Como não O direito de coalisão, garantido aos trabalhadores em 1884
se deve esperar uma redução da jornada do trabalho aquém permanece até agora sem proteção legal. Entregues ao arbí-
da duração legal de dez horas, nem em França, nem em outro
trio do patronato, os operários organizados são obrigados a
país, durante um espaço de tempo considerável, a "reforma" defender por uma luta desesperada o seu direito mais elemen-
Millerand outra coisa não é senão a condenação dos filhos dos tar. As maiores greves francesas, por exemplo, o de Carmoux,
proletários, de doze aos dezesseis anos ao trabalho forçado de a do Departamento do Nord, em 1885, a greve dos emprega-
dez horas, a serviço da exploração capitalista durante dezenas
de anos ainda.
E não são somente as crianças, são também os adultos
que são sacrificados. A proteção particular do trabalho dos (29) Acabamos de receber agora uma nova e interessante
confir mação das críticas que tínhamos formulado. A Petite
menores não cria realmente, se há uma inspeção séria, obstá- République de 9 de fevereiro publica um projeto de Millerand
culos à aplicação das leis sobre a duração do trabalho. Em que prevê toda uma série de aumentos excepcionais da jor-
todos os países, estas disposições são aplicadas malgrado a jor- nada de trabalho dos adultos (de uma a duas horas) nas
nada de trabalho dos menores que é, em toda parte, mais curta. indústrias mistas. As exceções à duração legal do trabalho são
elas próprias um fenômeno constante na prática da proteção do
E é só no Parlamento francês que um ministro pôde pretender operário. Mas se Millerand, depois de ter baseado sua lei sobre
o contrário sem ser acolhido por uma gargalhada geral. A pro- a igualdade da duração da jornada de trabalho dos menores e
teção particular dos menores tem aliás papel muito importante dos adultos, aumenta em seguida por decreto o tempo de
na proteção dos adultos. Toda a história dos países industriais, trabalho dos adultos, prova que não toma a sério nem a
e em particular, a da Inglaterra, mostra que a limitação do aplicação da sua lei, nem os motivos com que a justifica. Em
ambos os casos, o sacrifício dos filhos dos operários parece
trabalho dos menores acarreta mecanicamente a dos adultos. igualmente vão.
154 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 155

dos de ônibus de Paris, enfim a recente greve do Creusot permite aos sindicatos fundar cooperativas na qualidade de
foram provocadas por despedidas de operários. sindicato. Mas quando se conhecem as experiências feitas até
O projeto Millerand assegura ao direito de coalisão uma agora e as relações mútuas das duas organizações, tal inter-
garantia jurídica prevendo para o operário despedido por causa penetração imediata do movimento sindical com o movimento
da sua adesão ao sindicato, o direito pessoal de pleitear, contra cooperativista parece um benefício extremamente problemático,
o patrão, uma indenização, e estabelece punição legal deste sem corresponder a uma necessidade real do sindicato ou das
se usou de ameaças e violência. Mas não é tudo, o projeto de cooperativas, a inovação projetada não pode senão criar uma
lei reconhece ao sindicato e às suas federações a personalidade fonte de conflitos e flutuações contínuas entre as duas
jurídica, isto é, permite-lhes possuir bens limitadamente e em- organizações (30).
preender transações comerciais.
Mas a essas conquistas ilusórias correspondem perdas
À primeira vista, vemos aí ainda uma reforma social au-
reais e incontestáveis, porque o projeto de lei não só concede
daciosa a qual ultrapassa de muito longe a legislação operária
o direito de queixa aos operários despedidos, mas ao mesmo
dos outros países. Mas, infelizmente este belo fruto está tam-
tempo reconhece o do patrão contra os operários que deter-
bém roído pelos vermes.
minam o boicote do estabelecimento; não só mantém, em todo
O operário sindicalizado já tinha na França direito pessoal o seu rigor, o ignóbil artigo do Código Penal sobre "o entrave
de apresentar queixa contra o patrão na base do Código Civil à liberdade do trabalho", mas cria uma proteção penal parti-
(art. 1780 e art. 1382), mas a garantia do direito privado cular ao patrão e aos "voluntários do trabalho" contra "as
demonstrou ser totalmente ineficaz, por causa da pobreza dos ameaças ou violências" de parte dos grevistas. Assim, uma
trabalhadores que lhes torna impossível processos custosos e medida contra os grevistas, que tinha sido revogada já em 1884
da dificuldade de provar, perante a justiça a intenção do e em conseqüência de uma moção apresentada ao Parlamento
patrão, e da insignificância das multas cominadas aos capita- pelos reacionários em maio de 1890, foi revogada, e, desta
listas. Tratava-se de criar uma garantia penal que correspon- forma, a reforma inteira se transforma de pretendida amplia-
desse ao caráter público do direito de coalisão. E já por três ção em simulacro de garantias e em restrição do direito da
vezes (1890, 1892 e 1895), a Câmara havia aprovado, com coalisão operária.
este objetivo, um projeto de lei que se tinha quebrado sempre Temos enfim o projeto de lei que causou maior sensação: o de
contra a resistência do Senado. Quando Millerand em lugar arbitragem obrigatória e de greve obrigatória. Se alguém não
de impor a vontade dos trabalhadores ao Senado, se curva reconheceu ainda o caráter socialista das primeiras reformas de
diante deste e introduz como garantia do direito de coalisão Millerand, este projeto lhe deve abrir os olhos. Pois se as outras
um direito de queixa privada, oferece unicamente aos traba- medidas existem no círculo conhecido da legislação operária
lhadores, sob a capa de nova proteção jurídica, a antiga falta internacional, esta introduz um princípio completamente novo: a
de proteção contra os abusos patronais. obrigação da greve. Uma reforma não pode, evidentemente, ir mais
O segundo presente, o direito ilimitado de posse e transa- longe. O pulo dos projetos de trabalhos forçados ao projeto
ção também é de todo ilusório. Até aqui, os membros dos sin- Millerand sobre as greves é tão enorme que já supõe ver nisso a
dicatos já tinham o direito de, no quadro das suas funções ponta do nariz do Estado futuro, e se o primeiro projeto era uma
propriamente sindicais, possuir bens, móveis e imóveis, assim faca na garganta do operário,
como a possibilidade de fundar cooperativas de produção e
de consumo, se bem que apenas o tivessem independentemente (30) A Confederação Geral do Trabalho também, e o Con-
da sua organização peculiar. De fato, aproximadamente uma gresso das Bolsas de Trabalho Francesas, que se reuniu em 1900
quarta parte das cooperativas francesas foram formadas pelos em Paris, se pronunciaram decididamente contra a reforma. No
que concerne ao lado jurídico do projeto, ver o excelente artigo
sindicatos. A reforma projetada consiste somente em que de Marius, no Mouvement Socialiste, n.° 30.
156 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 157

este dá o golpe de graça no poder econômico exclusivo do Tomando como unidade na batalha econômica a oficina em vez
Capital. "O patrão — disseram imediatamente alguns jornais do sindicato, tira-se ao combate a alavanca da solidariedade
do Partido — cessou de ser o dono da sua própria casa". profissional e de toda a classe operária, assim como a força
Mas, se se examinar mais de perto o projeto, vêm ao es- motriz que dá às lutas a direção de classe do sindicato.
pírito dúvidas sérias. A aplicação da lei projetada não é asse- O projeto de lei sobre as greves opõe-se diretamente ao
gurada senão nas indústrias de Estado, pois nas indústrias pri- desenvolvimento normal dos sindicatos, como a lei sobre, a
vadas continua ela a depender do arbítrio do patrão. A arma jornada de trabalho, à evolução normal da legislação operária. Da
mortal contra o Capital é pois guardada no cofre dos capi- mesma maneira que esta nivela, de uma penada, as categorias
talistas. A minoria dos operários deve, nos termos mesmo da naturais dos operários, aquele procura desviar artificialmente
lei, submeter-se à decisão de greve, da maioria, mas a lei não os eixos naturais de cristalização da organização econômica da
prevê penas para o caso em que a minoria não se submete ao classe operária. O efeito nefasto que poderia resultar daí para
voto da maioria e continua o trabalho. O temível punhal posto o sindicato determinou o juízo dos peritos mais qualificados
na mão do patrão para que ele se suicide não tem gume, se que são os secretários dos sindicatos, e os levou, tanto na
se olha mais de perto. Enfim os operários têm absolutamente Alemanha, como na França e na Áustria a condenar a lei em
o direito, se apelarem debalde para as comissões de concilia- princípio (32).
ção, de decidir a greve por maioria de votos, mas, depois como Mas, na nossa opinião, a força obrigatória das decisões
antes, o patrão tem a possibilidade de, sem nenhum processo arbitrais constitui outro ponto nevrálgico. Dado que o projeto
de conciliação, mandá-los a todos para os infernos e substituí- parece excluir toda a possibilidade para o tribunal arbitral
los. Em última análise não é pois somente a lâmina que falta d e poder conseguir um entendimento, porque aliás os julga-
ao terrível punhal, é também c cabo. mentos da Câmara de trabalho têm força de lei sem ser apro-
Mas esta reforma, como todas as outras reformas de Mille- vados pelos grevistas, a finalidade da greve (a menos que se
rand, não engana o operário apenas de um lado, mas lhe rouba, trate apenas de uma obscuridade de texto) torna-se incom-
do outro, vantagens tangíveis. preensível. Os operários não têm manifestamente meio algum
Segundo as disposições do projeto de lei, só os operários d e rejeitar eventualmente a sentença arbitral, e continuando
empregados em uma indústria ou em uma oficina podem de- a greve, de obrigar de modo direto os patrões a ceder, ou de
cidir cada vez a greve e, portanto, também as reivindicações exercer influência indireta sobre o julgamento arbitral. O
que devem formular. Quando se trata de um contrato de tra- julgamento do tribunal de arbitragem não é pois, como seria
balho, não é pois com o sindicato que o patrão deve tratar, o caso de adoção voluntária, a expressão da relação real das
mas apenas com os operários da oficina. Esta medida mataria forças das duas partes tal como se revelou na luta. O curso
dois coelhos com uma cajadada só: dum lado, impediria que
pela generalização das reivindicações de conquistas máximas, fraco. Às Câmaras de Trabalho cabe julgar somente as reivin-
o espírito de unidade se desenvolvesse nos grupos isolados do dicações colocadas pelos operários de um mesmo estabeleci-
proletariado, e de outro, suprimiria qualquer ação comum de mento e não podem, em sua sentença, exceder essas reivindica-
greve na própria corporação, e em particular as greves polí- ções comuns que é decisiva, e isto somente o sindicato pode
fazer.
ticas ou de solidariedade tão freqüentes em França ( 31 ).
( 32 ) Ver o excelente comentário de Legien no Vorwaerts,
d e 25 de dezembro de 1900, como também os artigos da Cor-
( 31 ) Herbert, no Deutsche Worte, n.° l do corrente ano, respondense des Syndicats, ns. 47 e 51 do ano precedente; o
pretende que os conflitos de trabalho em cada região industrial Métallurgiste austrichien de 29 de novembro de 1900 e a Voix
são resolvidos pela mesma Câmara de Trabalho e que, por du Peuple, de 10 de fevereiro de 1900. A atitude de oposição
conseguinte, se produz um certo nivelamento, uma certa gene- franca de uma grande parte dos sindicalistas franceses é in-
ralização nas condições de trabalho. Este argumento é muito fluenciada notadamente pelo seu entusiasmo pela greve geral.
158 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 159

da greve, as possibilidades maiores ou menores de prossegui-las, aos operários com eloqüência a necessidade da organização
não tem a menor influência sobre o tribunal de arbitragem, sindical.
pois a sua decisão torna-se incondicionalmente obrigatória. Se as reformas mais importantes de Millerand chegam
Que função desempenha pois a greve no projeto de lei afinal de contas, a um resultado lamentável, isso não quer
Millerand? Ela não é senão um sinal que provoca a reunião dizer que o ministro socialista tenha má vontade. Certamente
do tribunal, resultado que podia ser atingido com tanto sucesso seria preciso má vontade para não reconhecer o extraordinário
pelo içar de uma bandeira à janela de uma oficina. labor que deve ter dado às repartições ministeriais a elabora-
Não é senão à luz da arbitragem obrigatória que aparece, ção penosa destes projetos alambicados. Onde a atividade de
de modo completamente claro, o "benefício" das greves obri- Millerand se nota mais bem intencionada, é no terreno em
gatórias: os trabalhadores são garantidos contra os furadores que o ministro do Comércio não é imediatamente obrigado pela
de greve, mas, ao mesmo tempo, tira-se à greve todo sentido legislação parlamentar, isto é, nos seus decretos, tais como a.
e todo objetivo. Da mesma maneira, as prescrições minuciosas outorga da jornada de oito horas aos empregados dos correios.
e complicadas sobre a maneira de votar, durante a greve e Entretanto as lacunas nas leis e dos projetos ministeriais não-
depois dela, sobre a atitude dos operários durante ou antes, da Hão devidas ao acaso, mas encadeiam-se uma a outra, através,
votação, revestem-se de interesse singular. O único sentido de toda a obra de reforma social.
real de todo esse cerimonial chinês é dado pelas rigorosas me-
Caracterizamos esta última pela tendência de acender uma
didas de proteção ensinadas a impedir qualquer influência
vela a Deus e outra ao Diabo, a tomar com uma mão o que
sobre os grevistas "de pessoas não interessadas". Dado que em
deu com a outra, enfim a unir as concessões aos operários às
França as grandes greves são regularmente conduzidas por
concessões aos patrões. E' o mesmo sistema de balança que
eminentes socialistas e sobretudo por deputados, as medidas de
caracteriza todas as medidas políticas do gabinete. Lá como
prudência previstas no projeto não são outra coisa senão um
aqui, a política de balança aspira não a resolver os antago-
meio de afastar os "agitadores e fautores de perturbações" so-
nismos, mas a atenuá-los. A lei da anistia era a liquidação
cialistas do campo de batalha econômico.
jurídica do conflito entre a sociedade civil e o exército perma-
No projeto Millerand não figura a greve aliás senão como
nente, a lei sobre as associações constitui uma tentativa de
uma vazia formalidade, que só é conservada, como o diz aber-
camuflar a hostilidade entre a República e a Igreja, as refor-
tamente a declaração ministerial, por condescendência para
mas sociais são a revogação jurídica da luta entre Capital e
com a classe operária e para não chocar os seus preconceitos,
Trabalho.
A tendência e finalidade da lei é chegar uma vez por todas,
à abolição da greve, que existe já na Nova Zelândia, país que A "maioria republicana" que modela fatalmente a polí-
serviu de modelo ao projeto. t i c a governamental, representa tão pouco os interesses do tra-
A nova reforma não significa pois apenas a ruptura da balho como os da democracia. E da mesma forma que na
unidade de profissão e de classe na luta econômica e sua pul- anistia aparentemente imparcial que pôs termo ao caso Drey-
verização em células isoladas, mas também a volta da luta fus, as vítimas da reação militarista lhe eram entregues de
econômica para os quadros da oficina. fato, da mesma maneira, a reforma social, que se diz iguali-
Esta reforma limita pois toda a função dos sindicatos às tária, se faz sobre as costas dos operários. Enquanto Millerand
eleições para as Câmaras do trabalho, e a da greve, a advertir faz presentes aos operários dos direitos de representação em
as Câmaras do trabalho a reunir-se em tribunal de arbitragem, toda a sorte de corpos deliberativos e paritários como o Con-
e assim toda a luta econômica proletária se transforma num selho Superior do Trabalho, as Câmaras de trabalho que, por
processo civil. si mesmas, representam no máximo meios auxiliares para a
Depois de ter, seu projeto de lei, cortado o nervo vital l u t a independente dos operários, vemo-lo, ao mesmo tempo,
dos sindicatos, Millerand, na sua exposição de motivos, prega fazer estancar as fontes vivas desta luta: desenvolvimento da
160 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 161

legislação operária, garantia do direito de coalisão, livre ex- as suas melhores intenções, é necessariamente uma meia me-
tensão da ação sindical. E se se pode dizer da obra social do dida, um reboco. E' isso muito natural. Fazendo-se abstração
gabinete que, como a sua obra política, aspira ela apenas à dos primórdios da legislação operária que se foi tornando obri-
atenuação dos antagonismos e à suavização das suas manifes- gatória por toda parte por considerações de conservação na-
tações, pode-se acrescentar que ela atinge aqui os seus obje- cional, a reforma social não é, em todos os países capitalistas,
tivos à custa dos interesses dos operários como, lá, à custa da senão um produto da luta encarniçada e tenaz entre classe
democracia. operária e as classes dominantes. As concessões se fazem
Por conseguinte, não é acaso nem monstruosidade o que apenas sob a pressão da necessidade política para apaziguar
vemos, quando se elaboram precisamente as leis para a pro- a classe operária estimulada pelo Partido socialista. A pre-
teção dos grevistas, massacres de grevistas em Châlons e na sença de um socialista no governo não altera em nada este
Martinica. Enquanto se encorajam oficialmente os operários estado de coisas, porque o ministro, na medida em que parti-
a organizar-se, são enviados soldados como fura-greves, como cipa de um ministério burguês, isto é, na medida em que os
agora mesmo para Montceau-Les-Minas (vide a Petite Repu- interesses do Capital e não da classe operária é que dominam
blique, 7 de fevereiro de 1901). Não é isso uma contradição no Estado, está amarrado ao voto da maioria burguesa do go-
da atividade reformista de Millerand, é o seu complemento verno e do Parlamento.
lógico. A idéia principal desta atividade, a salvaguarda legal A esperança de provocar, pois, graças ao ministro socia-
dos interesses operários e patronais, os primeiros por conces- l i s t a um desenvolvimento inaudito da reforma social, era de
sões ilusórias, os segundos por concessões materiais, exprime-se antemão uma utopia que não levava em conta absolutamente
pela elaboração simultânea de medidas de proteção que para as circunstâncias concretas. Ao contrário, o ministro socialista
os operários só existem no papel, e para o Capital na reali- pelo fato de despertar ilusões e esperanças vãs, pode tornar-se
dade do ferro das baionetas. obstáculo à evolução normal da reforma social. O principal
As lacunas das reformas sociais de Millerand se explicam meio de exercer pressão sobre a política social das classes domi-
pelo fato de serem as reformas apenas uma aplicação dos prin- mantes é a critica impiedosa do Partido socialista e a qual
cípios diretores da atividade política governamental no domí- se torna, desde que um socialista se faz porta-voz da
nio da política social. Em outros termos, Millerand age não política social oficial, ainda menos possível que a crítica de
como ministro socialista, mas como ministro radical. conjunto da política governamental. Porque se esta se exerce
E está aí o centro de gravidade da questão. Procuram sobre o conjunto dos atos aos quais o ministro socialista não
justificar a entrada de Millerand no ministério evocando sua está obrigatoriamente ligado, pelo menos de maneira direta,
atividade reformista. Mas Millerand não é somente o autor aquela se volta diretamente contra o ministro socialista e a
da obra social do gabinete — esta constituía a condição de sua própria obra.
existência do próprio ministério radical; ele, nem mesmo de- De fato os partidários de Millerand em França criaram
terminou o caráter da reforma social. As circunstâncias mos- um estado de cegueira e de hipnose no qual toda a medida
traram-se mais fortes do que os indivíduos. E o socialista que social do governo era acolhida a priori, como uma obra sócia-
entrou para o governo burguês não fez da política social do lista que faz época.
governo instrumento das aspirações socialista, mas ao contrá- A lei sobre a duração do trabalho, a única no mundo que,
rio, tornou-se na sua política social o instrumento do governo em princípio, autoriza o mesmo período de horas de trabalho
burguês. para crianças de 12 anos e adultos, é, segundo Jaurès, "um
* .* * dos maiores progressos de que possa aproveitar-se a classe
A reforma social no Estado burguês, se bem que não deva operária, um dos maiores sucessos do proletariado" (Petite
ser totalmente tão lamentável como a de Millerand, malgrado République , 16 de janeiro de 1900), e mais "a restauração
162 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 163

legal da33unidade operária" (Petite Republique, 20 de janeiro de único responsável, provido isso em grande parte da indiferença
1900) ( ).
da classe operária.
A circular do ministro do Comércio aos inspetores do tra- Como legado de numerosas revoluções, ficou ao proleta-
balho pela qual os convida a entender-se com os sindicatos é riado francês um pendor para duas tendências extremas: de
a "obra mais audaciosa", "uma data memorável nos anais do
proletariado organizado" (Gerault Richard, Pet. Rép. 21 de uma parte a estima excessiva da ação política e a esperança
janeiro de 1903. O modesto decreto pelo qual as condições de transformações políticas; de outra parte, um medíocre
locais de trabalho se tornam obrigatórias para as obras pú- desprezo da ação política e a confiança exclusiva "na ação
blicas, é uma "obra socialista de Millerand" (Pet. Rép. 7 de direta". Estes dois extremos deram em resultado a negligên-
outubro de 1899). cia da luta econômica de cada dia e da sua pressão política
sobre a reforma legal.
A glorificação de cada ato de Millerand vai até a patente Malgrado o número imponente de seus membros, pelo
negação pelos seus partidários de todas as suas próprias menos no papel (493.000 em 1899), os sindicatos franceses
opiniões. Jaurès, depois de ter defendido sistematicamente e
em todas as ocasiões a greve geral, apresenta o projeto sobre representam uma potência medíocre, a juntando-se à mais ex-
a greve obrigatória, pelo qual toda ação consertada e, com trema divisão — cada profissão é representada em cada loca-
maioria de razão, a greve geral, se tornou impossível, para a lidade por várias organizações — a caixa permanentemente
mais magnífica "preparação da ação coletiva do proletariado". vazia. O comitê da C.G.T., por exemplo (união que com-
(Pet. Rép. 20 de dezembro de 1900). preende mais de cem mil membros e tem numerosas ramifica-
ções) anuncia para um período de dois anos (1898-1900) uma
Bem melhor, até palavras e gestos isolados de Millerand receita de dois mil e cem marcos (2.625 francos aproximada-
são serviços ao público operário como os maiores triunfos dos
socialistas. Por exemplo, a viagem do ministro do Comércio a mente) e revela o caráter semi-anarquista dos sindicatos do-
Lille, onde, num banquete na Escola Industrial, o seu brinde minados pela idéia da greve geral.
é "um dos momentos maiores e mais proveitosos que a história Neste estado das organizações operárias, a melhor reforma
do socialismo na República tenha registrado" (Jaurès, Pet. social estaria condenada a permanecer, em grande parte, letra
Rép. 18 de outubro de 1899). Depois disso, deve-se retificar a morta. Em França, dado que a classe operária ela mesma se
opinião segundo a qual a Comuna de Paris foi considerada por desinteressa mais ou menos pelo desenvolvimento da reforma
engano, como o maior momento da história do socialismo em social, esta não sai dos quadros do bizantinismo oportunista-
França. radical. E precisamente, nestas experiências desordenadas de
Se a política social francesa ficou retardada em relação diletante que caracteriza a legislação operária francesa apa-
à de quase todos os Estados capitalistas, o conservantismo eco- rece nitidamente a falta de contacto da atividade reformista
nômico e político da sociedade burguesa em França não é o com um movimento sindical consciente e vigoroso e com a
prática do combate cotidiano.
(33) Jaurès pinta mesmo um quadro idílico que mostra Para remediar isso, seria necessário, antes de tudo, que
como os operários sairão da oficina todos juntos e alegremente. os sindicatos franceses travassem uma ação independente, uma
As moças para gozar da sua própria frescura sadia, as mães luta vigorosa para o melhoramento das condições de trabalho
para correr ao berço dos filhinhos, os homens para cultivar pelas vias legais e econômicas, mas a reforma social de Mille-
o espírito por um sério estudo a fim de se tornarem trabalha- rand age precisamente na direção oposta. Praticamente, ela
dores da Revolução, e as crianças para se embriagarem com o
clarão e a música da floresta. Jaurès esqueceu-se somente de quer minar a base dos sindicatos, e, de organismo de combate
que a hora em que as crianças, conforme a lei Millerand, saem que são, transformá-los em aparelhos de paz social; e ainda
da fábrica alegremente, já é escuro na floresta e que os passa- por cima torna impossível a crítica e a ação independente da
rinhos a essa hora já foram dormir há muito tempo. classe operária contra a política social e oficial.
164 ROSA LUXEMBURG

A participação ministerial de Millerand, bem longe de


inaugurar em França uma nova era de reformas sociais, signi-
fica a cessação da luta da classe operária em prol das reformas
sociais, antes mesmo de começar, isto é, a sufocação do único
elemento que poderia insuflar na política social ossificada da
França uma vida sã e moderna. EM TORNO DO CONGRESSO FRANCÊS
DE UNIFICAÇÃO

No dia 26 de maio abrir-se-á em Lyon o terceiro congres-


so de unificação dos socialistas franceses. Provavelmente as
fanfarras tradicionais de paz ressoarão uma vez mais nesta
ocasião e as exortações prementes e os bons conselhos não fal-
tarão aos nossos irmãos franceses, como foi o caso no congresso
internacional de Paris. Mas, ainda esta vez, será trabalho
perdido. O terceiro congresso de unificação inaugurar-se-á, ao
contrário dos dois precedentes, na certeza do fiasco. A maior
organização socialista francesa, o Partido Operário Francês
(guesdistas) não participa do congresso, e tampouco a Fede-
ração de Saône-et-Loire a qual abrange as bacias mineiras
desta região. Certamente, a outra antiga organização, o Par-
tido Socialista Revolucionário (blanquistas), fiel ao seu papel
de intermediário e pacificador, tomará parte nos debates de
Lyon, mas, ele próprio, sem ilusões quanto aos resultados a
esperar. E mesmo o velho chefe dos "possibilistas", partidário
atual de Millerand, Brousse, declara que, nessas circunstân-
cias, a tentativa de unificação está fadada ao fracasso. Nossa
tarefa é de, nestas condições, não nutrir ilusões vãs, não exortar
nem lamentar, mas procurar ver claro na situação interna do
socialismo francês e verificar as razões por que há tão pouca
probabilidade de sucesso do congresso de unificação.
E' certo que seria mais fácil descobrir o culpado, o sar-
nento, o bode expiatório sobre o qual se descarregaria todo o
mal, e fazer com que o Partido Operário Francês desempenhas-
se esse papel, pois ele volta obstinadamente as costas ao con-
gresso de Lyon, e explicar assim todo o fracasso da unificação
como obra "do velho espírito sectário" e das "rivalidades pes-
soais" entre os ambiciosos chefes do Partido.
Esta concepção cômoda encontra uma aparência de con-
firmação no fato de não diferirem senão sobre questões secun-
166 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 167

dárias os dois projetos de unificação elaborados de um lado Mas a lógica dos fatos mostrou-se mais forte do que as
pelo Comitê geral socialista, e de outro pelos blanquistas « promessas solenes e a boa vontade do grupo Jaurès. A primeira
guesdistas, de acordo com a Aliança Comunista. A questão da prova, as discussões sobre as leis de anistia, desmentia as de-
admissão dos sindicatos no partido político, a repartição de clarações de Viviani: os socialistas independentes logo votaram
títulos de membros para os socialistas pela central ou pelas contra a sua convicção própria, pelo abafamento do caso
organizações partidárias, enfim a composição do Comitê Cen- Dreyfus. Desde este momento, tornou-se manifesto que as con-
tral do partido unificado. Por mais importante que estas temporizações para com o gabinete tornavam impossível aos
questões sejam por si mesmas e especialmente a primeira, é partidários de Millerand uma política de oposição. Ora, a
claro que elas não podem entretanto bastar para conservar bancarrota política do ministério radical, a qual começou na
cindidas as fileiras socialistas francesas. Se não houvesse na lei de anistia, continuou, durante toda a sessão, com uma lógica
base da divisão do movimento socialista francês senão opiniões de ferro, para coroar-se com a lei sobre as associações. Para-
diferentes sobre a forma de organização, o fracasso de Lyon lelamente, precipitaram-se, em pouco tempo (dezembro de 1900
ficaria sem explicação. De fato, trata-se de outra coisa muito a março de 1901), todas as conseqüências intrínsecas da par-
diferente de meras formalidades de organização. ticipação ministerial de Millerand, sobre a tática parlamentar
de seus partidários.
* * *
A discussão da lei contra as congregações é uma série
Por menos animadora que tenha podido ser a conclusão contínua de derrotas e capitulações do "governo de defesa re-
do congresso geral francês, em 1900, no entanto, logo depois, publicana". Viciosa pela sua fonte, concebida tanto contra o
as circunstâncias se revelaram muito favoráveis à obra de uni- clero como contra os operários socialistas, a lei degringolou
ficação. De uma parte, o grupo Vaillant que assistiria ao con- cada vez mais no curso dos debates da Câmara, e ao passo que
gresso até o fim com os outros socialistas e que decidira pre- todos os traços da reforma radical que nela estavam contidos,
parar a unificação final, logo tomou contacto com o Partido desvaneciam-se pouco a pouco, ao contrário, desenvolviam-se
Operário que tinha deixado o congresso para elaborar o plano os seus germes reacionários. A princípio o governo abandonou
comum de unificação. Deste modo, o traço de união entre o seu projeto de atribuir os bens das ordens às caixas de aposen-
mais velho partido socialista de França e outros grupos socia- tadorias operárias, em seguida renunciou, em geral, ao direito
listas estava restabelecido. Do outro lado, os socialistas inde- de reclamar os bens das ordens dissolvidas para o Tesouro,
pendentes se preparavam para definir sua tática política, assim depois concedeu às "congregações autorizadas" um prazo de
como a dos antigos partidos no terreno da oposição socialista. trinta anos para resgatar os bens liberados. Ao mesmo tempo,
Quando se abriu a sessão da Câmara, em novembro de 1900, foi introduzida na lei a estipulação segundo a qual toda orga-
Vaillant, em nome da ala esquerda, Viviam, em nome da ala nização operária política ou sindical, de caráter internacional,
direita da fração, fizeram declarações quase idênticas pelas pode ser sempre dissolvida por decreto. Finalmente, toda a
quais entendiam regular a sua atitude em relação ao governo, ação contra o clero se reduziu, para as ordens não autorizadas,
independente de todas as considerações secundárias e agir, à interdição de ensinar.
em cada caso, segundo os interesses do socialismo. A lei sobre as associações era a prova de fogo, tanto do
Para os partidários de Millerand, a sessão parlamentar governo de "defesa republicana", como da teoria de Jaurès
que se inaugurou devia ter uma significação decisiva. Tratava- de que é possível um governo de união radical socialista, tendo
se de saber se a tática socialista independente no Parlamento sido para ambos esmagadora. A "maioria republicana" ma-
era compatível com a participação ministerial, se a atitude de nifestou ser, não o reduto da defesa republicana contra a
outros socialistas podia harmonizar-se com a aliança feita reação, mas o reduto da defesa capitalista contra a classe ope-
com a burguesia republicana. rária, o governo radical socialista mostrou-se servidor obediente
168 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 169

desta maioria capitalista e os socialistas ministeriais, instru- Vaillant e Grousser combateram com todas as suas forças
mento da aliança republicana. o famoso parágrafo 12 dirigido contra as relações internacio-
Doravante toda ilusão era impossível. Tinha-se dito, por nais operárias, ao passo que vinte e um deputados socialistas
ocasião da lei da anistia que a capitulação era necessária para da ala direita votaram a favor deste parágrafo, ao mesmo
"acalmar os espíritos", para pacificar a crise republicana que tempo que reacionários como Motte, Baudry d'Asson, Méline
ainda fervia, mas esta má desculpa nada vale para explicar e o conde de Mun. Vaillant e Zévaès, inspirando-se no discurso
a capitulação quanto à lei sobre as associações, discutida na de Viviani, apresentaram uma moção proibindo e dissolvendo
mais completa calma. O abafamento do caso Dreyfus não foi todas as ordens religiosas, mas Viviani e 22 dos seus amigos
senão a introdução, o acessório de preparação; a ação contra rejeitaram a moção com os clericais e os monarquistas. Grous-
o clero, ao contrário, foi a obra propriamente dita que fechou sier apresentou uma emenda assinada por todos os deputados
a "defesa republicana"; começou então a era das tergiversa- socialistas para ampliação do direito de coalisão: treze depu-
ções parlamentares habituais. Nenhuma consolação, nenhuma tados socialistas da ala direita votaram contra a sua própria
alusão às grandes tarefas vindouras podiam mais já desta vez emenda.
fazer com que se desculpasse a atitude da maioria da Câmara O mesmo espetáculo renovou-se a cada incidente que se
e do Ministério. deu no curso dos debates acerca das leis sobre as associações.
Com a lei sobre as associações, estava encerrado o pron- Por ocasião da interpelação sobre as provocações gover-
tuário da "defesa republicana" e afinal de contas revela ele namentais durante a greve dos mineiros de Montceau, Dejeante
a traição da burguesia republicana em relação aos seus aliados e seus camaradas apresentaram uma moção exigindo do go-
socialistas, a traição do governo radical para com o seu dever verno a retirada das tropas da região da greve e que fossem
republicano e a traição dos socialistas ministeriais em relação colocadas em "regie" as minas abandonadas: vinte deputados
aos socialistas. socialistas recusaram o apoio à moção. Mas o que foi melhor,
Por ocasião dos debates da lei de anistia, as circunstâncias na mesma sessão vinte e um socialistas votaram com os rea-
fizeram com que as duas frações socialistas, se bem que par- cionários uma moção de confiança ao governo por sua atitude
tindo de pontos de vista opostos, se encontrassem na sua ati- durante as greves. Enfim, ao passo que o grupo Vaillant-
tude. A ala direita aceitava a anistia, malgrado sua atitude Zévaès vota unanimemente contra o orçamento, oito deputados
no caso Dreyfus; a ala esquerda a aceitava para permanecer do outro grupo abstêm-se, e quatro votam o orçamento com
fiel à sua atitude durante a crise. Foi nesta ocasião que pela suas despesas para os cultos, as colônias, o exército e a
primeira vez o grupo Jaurès traiu as suas próprias con- marinha.
cepções. Assim a luta de Vaillant e de seus camaradas contra a
Durante os debates da lei sobre as associações, as circuns- reação transformava-se em luta entre as duas alas do grupo
tâncias assumiram outro aspecto. Não estando ligados na sua socialista na Câmara, e cada debate aprofundava mais o fosso
tática por nenhum obstáculo exterior Vaillant, Zévaès e seus que as separava. Da sessão parlamentar onde tinham entrado
amigos tomaram o único caminho praticável do ponto de vista unidas e aliadas, saem elas divididas em dois campos adver-
socialista: a saber, a luta pela conservação e reforçamento de sários.
todas as estipulações anticlericais e pelo enfraquecimento e re- Por trás da atitude contraditória na votação do orçamen-
vogação de todos os dispositivos anti-socialistas desta lei de to, ocultam-se concepções inteiramente opostas do papel do go-
duplo fundo. Viviani e seus camaradas tomaram o caminho verno burguês. Para os socialistas franceses da velha escola,
exatamente oposto. Seguindo em toda parte e sempre o governo ele não é outra coisa senão o conselho de administração da
com a maioria republicana traíram a cada passo os seus pró- burguesia, ao qual é preciso recusar os meios de existência;
prios camaradas de fração. para os partidários do "novo método", o governo burguês é
170 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO l7l

o gerente dos interesses de todas as classes que estão repre- E se Jaurès que tirou, com aquela coragem de pensamento
sentadas no ministério e que o sustentam. e força de persuasão que lhe são próprios, todas as conseqüên-
cias do primeiro tropeço do seu grupo, se acha hoje todo es-
A causa de sua conduta diferente em relação à "maioria
pantado diante da impossibilidade da unificação por cuja
republicana" da Câmara tem sua origem nas concepções
propagação ele fez mais do que ninguém na França, pode dizer
opostas dos partidos burgueses: para Guesde, 'Vaillant e seus
consigo mesmo: "Assim o quis este, Georges Dandin, tu mesmo
camaradas, são malgrado diversas nuanças, um campo inimigo, o quiseste!"
ao qual não se podem arrancar concessões senão por uma luta
* * *
sem tréguas; para o grupo Jaurès-Viviani certas frações da
burguesia são aliadas naturais do proletariado na sua marcha
para o socialismo e esta aliança lhe parece tão preciosa, que Os destinos da unidade socialista que representa um dos
para a conservar, não hesita em abandonar a política proletá- problemas mais importante do socialismo, estão ligados natu-
ria independente. ralmente ao desenvolvimento interno do movimento operário.
Uma vez que a necessidade da luta política se tornou um
E o socialismo mesmo é para uns o resultado da conquista dos princípios fundamentais do socialismo, tornou-se ela, ao
do poder político pelo proletariado, e de uma transformação mesmo tempo, condição prévia da unidade entre socialistas e
social completa, e para os outros o resultado de uma evolução o muro que delimita socialistas e anarquistas. O próprio Marx,
gradual no seio da empresa capitalista e do ministério burguês. cujas forças na antiga internacional tenderam durante sete
Compreende-se assim como Jaurès pouco se importe com os anos para a manutenção da união dos elementos díspares do
fatos, quando declara que o desacordo essencial entre os dois socialismo, dirigiu finalmente a ruptura com os partidários
campos socialistas, reside na questão da participação ministe- de Bakunin, mostrando assim que a comunhão de idéias quanto
rial, questão que poderia ser resolvida de uma maneira muito ao objetivo final socialista não era base suficiente para a uni-
simples, subordinando-se no futuro a participação ministerial dade socialista, mas que devia haver ainda uma concepção
à aprovação de dois terços do partido. O caso Millerand é a comum da luta em prol do objetivo final.
fonte evidente das atuais divergências. E se, no começo mesmo A social-democracia internacional guardou, até agora, a
da crise, enquanto a presença de Millerand no ministério era mesma linha de conduta e nos seus últimos congressos (Paris,
o único ponto de desacordo, Jaurès e seus amigos tivessem Bruxelas, Zurich, Londres) rejeitou a união com os socialistas-
largado Millerand de um modo decisivo e nítido, a situação anarquistas.
poderia ter ainda sido salva e a unificação possível. Mas hoje, Entretanto, na medida em que a luta política da classe
depois que Jaurès foi levado, ao contrário, por seu apego à operária de cada país ganhava envergadura, profundidade e
participação ministerial de Millerand a uma revisão total das diversidade de forma, novos problemas surgiam. Não é mais
noções socialistas e criou "um novo método" do socialismo, o reconhecimento da luta política geral, mas tal ou qual con-
método que já encontrou aplicação na ação parlamentar de cepção concreta desta luta que se tornou a questão fundamen-
seus amigos, o desacordo não pode mais ser afastado por uma tal do movimento operário, e, ao mesmo tempo, o eixo em torno
solução puramente formal da questão ministerial. Hoje, não do qual se agrupam as forças socialistas.
se trata mais de saber se Millerand deve ou não ficar no ga- Se na Alemanha, a união dos eisenachianos e dos lassallia-
binete, trata-se de toda a suma de questões políticas e econô- nos podia ser considerada desde a sua separação, malgrado
micas de princípio e de tática que representam a essência as lutas de fração mais encarniçadas, é, antes de tudo, porque
mesma da luta socialista. Há hoje duas concepções do mundo Bebel e Liebknecht podiam perfeitamente declarar que, do
que se opõem e entre as quais a luta parlamentar rasgou o ponto de vista dos princípios, estavam absolutamente no mesmo
Véu. terreno que a União geral dos operários alemães. Se os lassallia-
nos, como hoje os partidários de Jaurès, tivessem agido de
172 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 173

combinação com os conservadores e com os nacionais-liberais associações se revela "bluff" puro, abandona-se a luta contra
contra os elsenachianos não se podia tratar de unificação. o clero pela promessa das aposentadorias para os operários.
Bem melhor, seria suficiente a simples aparência de um Quando a utilização dos bens das congregações em favor das
"socialismo cortesão e governamental", bastaria uma simples caixas de aposentadoria se esvai em fumaça, ao mesmo tempo
suspeita de relações com o governo para obstar e retardar por que as medidas anticlericais, vota-se ainda pela lei, para não
longos anos a obra da unificação na Alemanha. Mas em França desagregar a maioria republicana. E quando a maioria repu-
o "socialismo cortesão e governamental" não é uma aparência, blicana decepciona todas as expectativas, não se deixa por isso
é uma realidade viva e se manifesta na prática atual. de submeter-se ao jugo dela para salvar o ministério.
Jaurès certamente tem plena razão quando invoca o fato Assim acontece com todos os motivos alegados para jus-
de ter a social-democracia alemã lugar nos seus quadros para tificar cada voto na Câmara. Vota-se contra a emenda socia-
concepções extremamente divergentes, como se revelou no curso lista de Goussier, sobre a garantia do direito de coalisão, a
das últimas discussões sobre os fins e o movimento. Mas esquece pretexto de que ela é sustentada por motivos maquiavélicos
que, até hoje, estas divergências de princípio não encontraram pelos partidos reacionários. E vota-se igualmente contra a
expressão, senão em artigos de imprensa, em produções lite- moção socialista de Zévaès sobre a dissolução de todas as
rárias e em parte alguma no trabalho prático do partido. Um ordens religiosas, se bem que desta vez a emenda seja comba-
grande partido, uma organização séria não se cinde por causa tida por toda a reação. Esta moção foi primeiro aprovada pela
de artigos de jornal ou por causa de desvios políticos isolados. ala direita por ocasião da sua elaboração na França; numa
Entretanto, se a traição aos princípios fundamentais do socia- segunda reunião, a ala direita a abandona ao grupo Vaillant-
lismo se torna sistemática na prática de uma fração do par- Zévaès; numa terceira adotam-na de novo para abandoná-la
tido, qualquer partido sério dirá, como disse Marx há trinta pela segunda vez ao mesmo grupo numa quarta reunião e votar
anos na Internacional: "Antes a guerra aberta do que uma finalmente contra unanimemente, na Câmara, com os parti-
paz vergonhosa". dários de Méline, os clericais e os monarquistas.
E' uma verdadeira existência de trapaceiros, uma política
De fato, em que resultaria hoje a unificação de todos os da mão à boca, do dia para a noite, regulada unicamente pelas
socialistas em França? Um entendimento com uma corrente tão combinações momentâneas do parlamentarismo, uma arrancada
diferente quanto possa ser, é mais ou menos possível se ela na direção de sucessos políticos na qual sucessivamente se
representa alguma coisa de determinado, de definido, de con- sacrifica tudo e de onde se volta derrotado; é um escorregar
sistente. Mas a união com a ala direita socialista em França, desesperado e contínuo no caminho das abdicações, uma per-
mesmo que se quisesse fazer abstração das divergências funda- pétua oscilação que não conhece senão um ponto fixo no es-
mentais — seria hoje um casamento com o caos. paço: as abas da casaca do ministro socialista. Fundindo-se com
"O novo método" do socialismo parece tão coerente e sis- este socialismo desengonçado, as antigas organizações socialistas
temático nas exposições de Jaurès, cheias de verve e ardor não teriam, nessas circunstâncias, nenhuma esperança de fazer
poético, como se mostra desesperadamente confusa nos atos de triunfar os princípios socialistas no partido unificado.
seus amigos. Não se pode encontrar na atitude da ala direita Primeiro, os partidários de Jaurès são a maioria. A ausência
socialista com seus zigue-zagues contínuos, nenhuma regra de disciplina e de programa une mais facilmente a maioria do
política fora do apelo ao ministério Millerand. Toda tomada que uma organização firme de um programa definido em
de posição é deduzida, não da apreciação socialista na questão termos nítidos. A predominância caberia assim muito
mesma, mas de considerações relativas a combinações políticas facilmente, no partido unificado, aos independentes, a massa
próximas. Primeiro renuncia-se ao esmagamento dos chefes flutuante.
militares e renuncia-se à anistia no caso Dreyfus a fim de Mas, supondo mesmo que os porta-vozes da prática socia-
tornar possível o esmagamento do clero. Quando a lei sobre as lista fundamental conseguissem impor uma série de decisões
174 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 175

obrigatórias sobre a tática, o problema nem por isso se resol- barrete de noite socialista-de-cátedra e, supondo atingir a
veria, pois os desacordos profundos não podem ser suprimidos estrela Sirius, preparar a colheita para o diabo quando se-
por meras resoluções. A esse respeito, também temos exemplos mearam para o Senhor. Só o socialismo nos dá o critério
edificantes: a resolução de Delassale votada pelo primeiro próprio para deduzir-se conscientemente os efeitos das causas,
congresso de unificação em 1899, a qual, via na participação e de conduzir a história aos seus próprios fins, em lugar da
ministerial uma medida excepcional cuja aplicação dependeria deixar-se conduzir por ela pela ponta do nariz. Mas aquele
de decisão do partido, não impedia os partidários de Millerand que renega os princípios socialistas, mesmo que imagine servir
de ficar afeiçoados à sua função ministerial. E a resolução o socialismo, torna-se o instrumento destes atos em vez de ser
do Congresso Internacional que declarava expressamente que senhor deles e demonstra ser ele próprio joguete, no momento,
a participação ministerial só era admissível em um caso ex- preciso em que se prepara para enganar a história.
cepcional, não impediu Jaurès e seus amigos de propagar desde
então a participação socialista como métodos normal da luta
socialista. * * *
Unir-se nestas condições aos partidários do socialismo
ministerial seria endossar a responsabilidade da sua política Precisamente na ocasião em que o socialismo parece hoje,
e, ao mesmo tempo, permanecer impotente em face deles. Em mais longe do que nunca, de realizar sua unidade, esta apa-
outros termos, seria pôr em jogo os destidos do socialismo e rece à vista no seio da própria divisão. E' a fusão das antigas,
da República em França. organizações socialistas e dos seus aliados: o Partido Operário
A escola de Jaurès substituiu a política socialista de prin- Francês, o Partido Socialista Revolucionário e a Aliança Co-
cípios pela política dos sucessos tangíveis e a ação indepen- munista.
dentemente do proletariado, sua ação de classe, pela ação dos Graças à crise dos últimos anos e em conseqüência do apa-
ministros socialistas que pretendem agir em nome do proleta- recimento do "novo método", os antigos partidos que tinham
riado. Cinco anos de propaganda desta doutrina sob os auspí- levado durante dezenas de anos uma guerra surda de guerri-
cios do partido socialista unificado oficial, e o socialismo estará lhas, ou, em todo o caso, se tinham conservado inteiramente
arruinado em França. estranhos uns aos outros, encontraram de novo a comunhão de
Resultados práticos? Mas o operário pode esperá-los ainda princípios e tática e depois agem concertadamente em todas as
mais dos partidos burgueses do que de "representantes operá- questões importantes, e na ação formam um todo coerente. A
rios" que não se distinguem em nada dos políticos burgueses, divisão que se tornou histórica — se bem que agora esses par-
senão nas suas perorações. Reformas sociais e ministeriais? tidos participem das mesmas idéias — não pode certamente
Mas qualquer pretendente a cesarete, não importa qual aven- apagar-se de um dia para o outro sem deixar traços e ser
tureiro, pode prometer "de cima" uma quantidade muito substituída pela fusão completa. Mas os antigos partidos se
maior de reformas do que um pobre ministro republicano. comprometeram já a seguir a estrada que leva a este objetivo,
Cinco anos de experiência neste terreno e a classe operária e a seguem resolutamente. A própria necessidade de opor aos
francesa estará politicamente corrompida até a medula dos partidários do socialismo governamental uma enérgica resis-
ossos e transformada em instrumento dócil de todos os políti- tência obriga os partidos de Guesde, Lafargue e Vaillant a criar
cos burgueses à espreita de resultados imediatos, de todos os um comitê central executivo comum e a realizar o projeto de
reformadores sociais e de todos os especuladores cesaristas. unificação elaborado. Uma vez concentradas no terreno da con-
Jaurès, o defensor infatigável da República, preparando cepção comum de princípios as velhas forças socialistas se tor-
o terreno para o cesarismo... Isso parece uma brincadeira de narão o centro de atração para todos os novos elementos real-
mau gosto. Mas tais brincadeiras são o trágico cotidiano da mente socialistas e o ponto central da verdadeira unidade so-
história. E' destino dos políticos burgueses pegar de um cialista.
176 ROSA LUXEMBURG

Para realizar inteiramente esta unidade em França, como


Jaurès quer hoje prematuramente, é necessária ainda uma
condição: o aniquilamento completo da doutrina do socialismo
ministerial. O governo e os partidos burgueses empregam, com
este objetivo, todas as suas forças. O lamentável fim da "de-
fesa republicana", na lei sobre as associações, o fiasco da re- DEPOIS DO CONGRESSO
forma social de Millerand na lei sobre a greve obrigatória que
foi lançada às urtigas pelos seus próprios partidários, o mas-
sacre militar do 1.° de maio em Grenoble, durante a qual foi
morto um socialista, as prosternações do gabinete radical-so- O congresso francês de unificação em Lyon terminou,
cialista diante do déspota russo, são'outros tantos golpes que como tínhamos previsto, por uma cisão. Era claro para aqueles
servirão de lições revolucionárias aos socialistas-de-Estado que seguiram de perto o movimento francês, nestes últimos
mais obstinados. Esperemos que não se levará o gabinete Wal- tempos, que os desacordos fundamentais na concepção da luta
deck-Rousseau ao cemitério ministerial antes de que tenha ele socialista deviam tornar mais que duvidoso o êxito da tenta-
furado como um crivo o "novo método", e preparado assim tiva de unificação. Mas cumpre saudar, como acontecimento
em definitivo e completamente a unidade socialista em França. feliz, o fato de ter-se produzido, ao contrário do que ocorrera
no congresso do ano passado na sala Wagram, a cisão no ter-
reno mesmo da origem do conflito o qual revelara seu caráter
de princípio.
Quando o Partido Socialista Revolucionário (blanquista)
se decidiu a ir a Lyon, declarou formalmente não querer, em
nenhum caso, apresentar ao congresso uma moção que pedisse
a exclusão de Millerand do Partido, compelindo-o a abandonar
a pasta. Muito ao contrário, Vaillant escrevia no Petit Sou
de 17 de maio: "O congresso foi convocado apenas para dis-
cutir a organização e a constituição do Partido e deve-se limitar
a esta ordem do dia".
E' pois claro que os blanquistas não procuraram absoluta-
mente "pretextos de ruptura", como Jaurès lhes censurou mais
tarde, e foram a Lyon sem intenção alguma de explorar a
questão Millerand de um estreito ponto de vista; mas antes
unicamente com o desejo sincero, todavia sem grandes espe-
ranças, de chegar a um entendimento sobre as questões gerais
de organização e de tática. Isto está confirmado pela declara-
ção oficial feita por Gautier em nome do Partido Socialista
Revolucionário no primeiro dia do congresso de Lyon. E'
muito importante sublinhar que parte da delegação do próprio
campo de Jaurès submeteu ao Congresso, na sessão de aber-
tura, uma resolução sobre o caso Millerand, colocando assim
a esquerda e a direita do congresso diante do Rubicão. Uma vez
178 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 179

levantada a questão ministerial, Vaillant e seus camaradas A resolução De La Porte fornecia assim de maneira ines-
deviam naturalmente tomar posição e tirar as conseqüências perada meio de liquidar inteiramente e de maneira satisfatória
do voto da maioria do congresso. a primeira dificuldade que se opunha à unificação. Se tivesse
E' preciso convir em que a resolução apresentada por De sido aceita pelo congresso, não teria ela certamente acarretado
La Porte, Lagardelle, Briand e seus camaradas, em nome de ainda o desaparecimento de todas as divergências profundas
várias federações era concebida em termos extremamente sobre a tática socialista que pudessem facilmente ter-se mani-
hábeis. Dizia: festado nos outros debates do congresso. Mas a questão Mille-
rand teria sido completamente afastada. O "ministro socialista"
"Considerando que o dever essencial do congresso consiste teria, em todo o caso, cessado de existir para o Partido.
em afastar os obstáculos que se opõem presentemente à unifi- Ora, estava aí precisamente o perigo da resolução de De
cação das forças revolucionárias francesas; que a função minis- La Porte para os partidários sistemáticos de Millerand; e
terial do deputado, o qual pertencia antigamente à fração Jaurès distinguiu-se sempre pelo seu talento extraordinário
socialista da Câmara, cria uma ambigüidade favorável às que- de descobrir os desígnios perigosos para ele e desfazê-los ime-
relas interiores do Partido; que a questão da participação no
governo foi bem resolvida para o passado e futuro, não para diatamente. A reunião de uma comissão "para examinar apro-
o presente, o Congresso declara uma vez por todas que Millerand fundadamente" e para evitar "surpresas (numa questão
que se pôs fora do Partido, entrando para o ministério sob discutida cotidianamente há três anos!) conseguiu levar todos
sua própria responsabilidade e iniciativa pessoal, não pode em os signatários da resolução salvo De La Porte a abandoná-la e
nenhum momento, comprometer o socialismo, mesmo porque não torná-la inofensiva. Briand não alterou senão duas palavras
o representa. O Congresso declara ainda que a atividade do
Partido a respeito do ministério atual deve ser a mesma que no texto original: em lugar de "fora do Partido", Millerand
em relação a todo ministério burguês". se teria posto "fora do controle do Partido", mas esta pequena
modificação deu à resolução de De La Porte um sentido com-
pletamente oposto.
Como se pode ver, esta resolução não reclama nem a ex-
A princípio logo que Jaurès e seus sectários notam que
clusão formal de Millerand do Partido, nem a sua demissão
a resolução Briand põe Millerand "fora do controle do Partido"
do governo. Constata-se simplesmente que, com sua entrada
e não declara este responsável pelos atos de Millerand, é sim-
no ministério, Millerand se pôs fora do Partido. Portanto sem
plesmente por causa dos elementos antiministeriais fortemente
atacar Millerand pessoalmente, sem o condenar, sem pedir a
representados em Lyon. Na realidade esta resolução só fazia
sua exclusão, o que teria provocado discussões e complicações
repetir o que o próprio Jaurès havia escrito tantas vezes e
infinitas, a resolução repele toda a responsabilidade do Partido
que, além disso, o que o comitê de entendimento de 1899 tinha
quanto à maneira de agir de Millerand.
declarado oficialmente. Ela não representava pois absoluta-
De outra parte, limita-se ela exclusivamente ao caso mente nova demonstração contra Millerand.
Millerand sem regular a participação do socialismo no governo O que a resolução de De La Porte continha de novo, era
por uma proibição geral, o que tornou impossível aos partidá- precisamente que tirava as conseqüências das declarações an-
rios de Jaurès colocar-se atrás de resolução Kautsky e atrás teriores e proclamava pela primeira vez que Millerand, estan-
de pretensas considerações gerais de princípio. Mas ao mesmo do fora do controle do Partido, estava também "fora do Par-
tempo, ela regula, da maneira mais precisa, a questão minis- tido". Em conseqüência desta pequena modificação nos termos,
terial no caso presente, declarando que um socialista que entra a resolução Briand dizia de ora em diante: Millerand é e per-
para o governo se coloca ele próprio fora do Partido. Em uma manece membro do Partido Socialista, se bem que fora do seu
palavra, a resolução diz o mínimo sobre a questão ministerial, controle.
mas este mínimo corta o nó do problema plenamente no seu Estava e está entendido no interesse da tendência de
centro. Jaurès de persuadir todo o mundo que a resolução Briand era
180 ROSA LUXEMBURG
REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 181
igualmente uma demonstração contra o ministro socialista e
que ela não se distingue da resolução de De La Porte senão blanquistas que tinham vindo a Lyon, decididos a não colocar a
pela ausência de um ponto pessoal. Mas esta interpretação questão Millerand, se acharam subitamente diante de um
falhou mesmo no campo de Jaurès, pois um dos mais ardentes ultimato que lhes impunha a admissão de uma decisão do con-
partidários, de Pressensé, caracterizou a resolução Briand, gresso favorável ao ministro. E' evidente que tal exigência
como "uma resolução vaga, mole, incolor, invertebrada”, a devia acarretar a cisão.
qual "parece ter sido voluntariamente concebida para deixar E' verdade que ninguém pleiteou, de maneira mais con-
escorregar entre as suas malhas o ministro do Comércio”. vicente que Jaurès, durante os três últimos anos, a necessidade
A resolução assim revista era manifestamente o maior de- da unidade socialista e dos sacrifícios em seu favor. Mas é
safio aos adversários de Millerand. Exigia-se deles uma decla- claro que ele só pensava nos sacrifícios que seus adversários
ração segundo a qual um socialista podia, da sua própria ini- deviam fazer; em todo o caso Millerand não devia ser sacrifi-
ciativa, aceitar um posto ministerial qualquer e abandonar cado. Para conservar no partido o ministro socialista preferiu
assim brutalmente o seu Partido, sem todavia perder a quali- sacrificar a unidade, e assim o "ministerialismo socialista"
dade de seu membro. Demais, para conservar Millerand no coroou, pela cisão em Lyon, a obra de desagregação executada
movimento socialista, pedia-se ao congresso que exprimisse uma por ele mesmo no socialismo em França nestes três anos.
berrante estupidez, a saber, como se pode permanecer no
Partido quando se está fora do seu controle, assim como per- * * *
guntava incessantemente De La Porte. E Jaurès-Briand não
podiam senão balbuciar que "condições anormais necessitam O Congresso de Lyon levou a um segundo reagrupamento
resoluções anormais". A resposta caracteriza entretanto de ma- importante das forças socialistas em França. O seu primeiro
neira notável o essencial no negócio: por essa resolução estú- resultado, que devemos saudar com satisfação sob todo ponto
pida, era a anomalia política da participação ministerial de vista é a fusão em um Partido, de todos os elementos agru-
que se queria fazer sancionar. pados em torno de Jaurès.
De fato, do ponto de vista dos adversários de Depois da saída dos blanquistas, Jaurès declarou no con-
Millerand, a resolução Jaurès-Briand, não fazia senão agravar gresso "que a França socialista não estava diminuída pelo fato
consideravelmente as coisas. Até aí era apenas opinião de ter-se afastado de uma seita" e o manifesto do jovem par-
privada (se bem que fortemente espalhada entre os socialistas) tido unificado redigido com a sua colaboração fala em nome de
que alguém podia muito bem ser socialista, membro do toda a Franca socialista. Mas isso prova somente que Jaurès
Partido, e, ao mesmo tempo, se lhe aprouvesse, membro do perdeu — pela primeira vez aliás — a medida e o equilíbrio, o
governo burguês; e eis que se queria, por uma decisão de que em um político do seu valor é sempre mau sinal. A "seita"
congresso, fazer desta concepção a opinião oficial do partido, que deixou o congresso de Lyon, forma com o partido operário
anulando assim também, indiretamente a decisão do que se conservou afastado do congresso, a elite do socialismo
congresso francês de 1899 e a resolução Kautsky. Até então francês, são as forças mais bem esclarecidas, organizadas e
a situação excepcional de Millerand tinha sido criada por ele temperadas por dezenas de anos de luta. Ao contrário, o que
mesmo, sem o concurso do' Partido e eis que se queria fazê- permaneceu em Lyon representa o verdadeiro rebotalho: ao
la sancionar pelo Partido, criando especialmente para lado de acadêmicos sinceros e convencidos, mas jovens e
Millerand uma nova categoria de camaradas, que certamente inexperientes, vemos nele organizações "socialistas" no gênero
estão "no interior do Partido", mas "fora do seu controle" e daquele grupo de Marselha representado em Lyon e o qual
de qualquer maneira "socialistas licenciados", segundo a conta entre os seus membros, o oportunista Peytral, antigo
espirituosa expressão de Vaillant. ministro do gabinete Dupuy; ao lado dos sindicalistas meio
Em resumo, de concessão aos adversários de Millerand, a anarquistas que trovejam contra todos os "políticos"
resolução tornava-se uma concessão aos seus partidários, e os radicais socializantes, para os quais a política e sobretudo o
182 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 183

parlamentarismo são a única convicção; ao lado dos adversá- fundamentais do projeto de unificação acima mencionado) não é
rios do ministerialismo socialista, como os alemanistas, parti- só possível, já foi feita no que nos diz respeito, no sentido de
que a todo momento, a partir de hoje pode ser definitivamente
dários ardentes do socialismo governamental, que esperam dele sancionada ou registrada, por meio de uma conferência
toda a salvação. extraordinária, isto é, por meio de um entendimento dos
Mas, a diversidade multicor dos elementos que ficaram delegados das organizações em questão”...
em Lyon, e cuja união com os antigos partidos socialistas era
ainda hoje impossível, faz precisamente com que a sua fusão É pois evidente que basta de ora em diante a aceitação
provisória em um partido seja um grande progresso, que cons- desta conferência extraordinária dos partidos guesdistas e
titui sob diversos aspectos o primeiro marco do desenvolvimen- blanquistas, visto que eles se afastaram do congresso de Lyon,
to da unidade socialista completa na França. A maneira pela para realizar a unificação.
qual o partido organizado em Lyon percorre este desenvolvi- Certamente, na última sessão (31 de maio) o conselho
mento depende essencialmente da atitude dos outros grupos nacional do Partido Operário Francês declara unanimemente
socialistas. que está "pronto" à espera e em favor da preparação da uni-
dade socialista, a qual é, agora como antes, a finalidade das
Depois de se terem definitivamente separado da tendên-
aspirações do Partido Operário Francês de fazer-se represen-
cia Jaurès, os partidos de Guesde-Lafargue, de Vaillant e seus
tar num comitê de entendimento que, segundo regras que se
amigos, a sua união num partido está igualmente na ordem
devem determinar, compreenderia todos os grupos que se colo-
do dia, e de ora em diante nada se opõe a isso. Se a fusão
cam "no terreno da luta de classe sem nenhum compromisso
com os elementos que se colocavam em terreno tão diferente
com a burguesia."
era impossível, é ela bem natural entre organizações que já
Mas não supomos entretanto que esta boa disposição para
provaram, por uma ação comum de dois anos o seu acordo sobre
criar ou para participar do "comitê de entendimentos" mal
todas as questões fundamentais de tática ou de princípio. Bem
delimitado e ainda não criado, seja o único esforço do Partido
melhor, esta união está já tão bem preparada que basta um
Operário Francês para a unificação. Seria não semente a abo-
último ato para realizá-la. Há muitos meses, com efeito, um
lição do projeto de unificação já elaborado, a renegação de
projeto comum de unificação foi elaborado com todos os por-
numerosas declarações do Partido Operário Francês, mas ainda
menores pelos grupos mencionados, o qual ainda mantendo
um recuo da questão da unificação a um ponto já ultrapassa-
provisoriamente as organizações partidárias existentes, prevê
do há dois anos. O único caminho razoável para a realização
a fusão em partido sobre a base das federações departamentais,
da unificação dos antigos partidos é a conferência extraordi-
de um comitê geral comum e de congressos nacionais anuais.
nária, já mencionada e a aplicação imediata de seu próprio
Este projeto foi submetido pelo Partido Operário Francês a
projeto de unificação.
um referendo dos seus grupos em toda a França e foi já
Esta unificação é aliás necessidade premente. Enquanto as
aceito com entusiasmo por numerosas seções. A 14 de
forcas socialistas da "velha escola" ficarem dispersas, a
fevereiro, foi unanimemente aceita pela federação central do
tendência organizada em um partido em Lyon tem em face
Partido Operário Francês e no dia 17 pela federação do
dela, malgrado toda a sua incoerência interna, certa superio-
Drôme. Encontrou a mesma acolhida entre os partidários e
ridade pelo fato mesmo de ser unificada. E ao contrário os
aliados do Partido Socialista Revolucionário.
elemento "anti-ministeriais" ficarão por cima imediatamente
Ainda por cima, o conselho nacional do Partido Operário
uma vez que se unifiquem em partido. Assim começarão eles
Francês que se reuniu a 24 de março deste ano em Ivry, de-
por destruir com obstinação a legenda espalhada por seus
clarou num manifesto que expunha os motivos da sua não
adversários os quais pretendem que os verdadeiros obstáculos
participação no congresso de Lyon:
"A unificação com todos aqueles que, de onde quer que para a unidade socialistas em França são as rivalidades pes-
venham, reconheçam esta tripla necessidade orgânica (os traços soais dos chefes ou um ambicioso "fanatismo sectário". Então,
184 ROSA LUXEMBURG REFORMA, REVISIONISMO E OPORTUNISMO 185

quando os dois partidos unificados se acharem um em face eles, já não havia, falando propriamente, divergências sérias
do outro, se manifestará a superioridade das forças discipli- nos dois campos e que os socialistas da tendência Millerand
nadas e experimentadas diante do amálgama e dos semi-socia- tinham felizmente voltado à velha plataforma do Partido ra-
listas e de socialistas da última hora, a superioridade da polí- dical. A concepção demasiada revolucionária para os socia-
tica conseqüente de oposição diante da política de palpite. Uma listas se revela de repente muito boa para radicais pequeno-
vez que estejam unidas as forças revolucionárias socialistas, burgueses. É bem natural que Jaurès decline com alguma ver-
o seu partido se tornará logo uma bússola segundo a qual se gonha este oferecimento público, mas, por outro lado, sente
orientarão espontaneamente os movimentos do partido que nitidamente a evolução natural da sua tendência para a fusão
acaba de constituir-se. com o partido da pequena burguesia radical. Por isso ele acha
Se seria erro admitir que só os partidários do ministeria- logo uma saída para esta difícil situação: a fusão com os radi-
lismo socialista permaneceram em Lyon, se a Federação de cais deve ser aceita, mas deve ser compreendida, não como um
Seine-et-Oise, a de Deux-Sèvres e da Vendéia com a Federa- recuo dos socialistas para radicalismo mas como uma aproxi-
ção do Doubs abandonaram o congresso ao mesmo tempo que mação dos radicais com os socialistas.
o Partido Socialista Revolucionário, ao contrário, toda uma
Eis o que escreve, a esse respeito, Jaurès, na Pet. Rép.
série de adversários convencidos do socialismo governamental,
de 4 de junho.
como os alemanistas, como o grupo do Mouvement Socialiste,
como numerosas federações autônomas só ficaram em Lyon
para realizar a unidade. Foi a hipnose na qual Jaurès os "Será preciso comover-se, de fato, o radicalismo obrigado
a desenvolver-se no sentido socialista, se decida a aceitar o
mantém há muitos anos com o seu cavalo de batalha da uni- programa de Saint-Mandé (a fórmula do socialismo Millerand
dade socialista que os fez esquecer, no momento, os pontos de aceito pela tendência Jaurès)? Acho que não temos nenhuma
divergência. Mas uma vez que a unidade seja realizada, estes pretensão de imobilizar nosso Partido, de fechar-lhe o afluxo
desacordos reaparecerão em primeiro plano. Hoje Jaurès ainda de novas forças e monopolizar o programa. E se forçássemos,
em virtude de nossa ação e de nossa propaganda, assim como
está obrigado a levar em conta elementos de esquerda no seu de potência crescente da organização proletária já não alguns
partido. "Estamos decididos, escreve ele ("Mão a obra" Pet. indivíduos isolados, mas toda uma seção da democracia bur-
Rép.) no período de luta pela organização, na qual entramos guesa a reconhecer a propriedade coletiva será a etapa próxima
a agir como se toda participação do socialismo no governo da evolução histórica e que cumpre apressar o s.eu advento, seria
fosse definitivamente posta fora de toda consideração", e isso, isso um dos maiores sucessos que um partido de classe pudesse
obter. É assim e não de outro modo que se preparam e se pro-
porque o Partido não é bastante maduro ainda, para assimilar duzem as grandes revoluções, por penetração e difusão. Em
este princípio ainda hoje "demasiado revolucionário" do so- torno do primeiro núcleo central uma espécie de corte, cujos
cialismo governamental. Mas já sérios sintomas nos indicam círculos um pouco indeterminados e pálidos acabam por envol-
que esta promessa de Jaurès influirá tão pouco sobre a prática ver toda a sociedade".
da sua tendência quanto a declaração feita por Viviani na
Câmara em novembro último. O que constitui "o núcleo central" nesta teoria cosmo-
O que caracteriza o jovem Partido é que, se na esquerda, gonico-poética das revoluções históricas, é visivelmente a con-
é ele muito nitidamente delimitado das organizações sociais- fissão de que o partido de Jaurès não se opõe a uma eventual
democratas, não pode traçar, na direita, nenhuma linha de união com a democracia pequeno-burguesa. E mesmo que esse
demarcação entre ele próprio e os radicais socialistas ou partido tivesse a ilusão de que não seria isso a própria queda
burgueses. no pantanal burguês, mas a subida da burguesia para os cimos
Precisamente neste momento, Pelletan e os seus partidá- socialistas, essa alucinação não poderia por muito tempo ser
rios dirigiram ao partido de Jaurès uma proposta pública e uma obsessão dos elementos de esquerda do jovem partido.
formal de constituir uma aliança radical, pois insinuavam Aqueles, dentre eles, que não perderam ainda de todo o ins-
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