A reforma trabalhista e o benefício da justiça gratuita
O que muda com a Lei 13.467/17?
Rogerio de Vidal Cunha
Juiz de Direito, Professor da Escola da Magistratura do Paraná,
Autor do “Manual da Justiça Gratuita” Siga no Facebook: @ManualJusticaGratuita
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No âmbito do processo do trabalho a distinção entre justiça
gratuita e assistência judiciária gratuita sempre foi melhor delineado do que no processo civil, na medida em que regido por normas distintas, sendo menor a confusão.
A assistência judiciária gratuita é regulada pela Lei 5.584/70
que determina, ordinariamente, que esta seja prestada pelo sindicato da categoria profissional (CLT, art. 511, § 2º) a que pertencer o trabalhador (Lei 5.584/70, Art. 14), independentemente de sua filiação à entidade sindical, que deve prestar assistência não só aos seus filiados mas à qualquer trabalhador da categoria (Art. 18), o que, antes da reforma trabalhista (Lei 13.467/13) era decorrência lógica do fato que todos os trabalhadores pagavam contribuição sindical obrigatória (contribuição especial de interesse de categoria profissional – CRFB, art. 149) equivalente a um dia de trabalho ao ano (CLT, art. 580, I) para o custeio do sistema sindical).
Contudo, após as alterações da CLT, especialmente a nova redação
do art. 579, tal contribuição deixou de ser obrigatória, passando à facultativa. Mas como não houve qualquer alteração do art. 592, I, a da CLT, ainda assim, deverão as entidades sindicais, obrigatoriamente, aplicar essa contribuição, dentre outras, na prestação de assistência jurídica, inclusive àqueles trabalhadores não filiados à entidade.
Já o instituto da justiça gratuita está delimitado pelo art. 790, §
3º da Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, e como no processo civil garante aos seus beneficiários a isenção do pagamento das custas processuais, inclusive traslados e instrumentos. Contudo na justiça do trabalho, como regra, o benefício será outorgado àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, para os trabalhadores que se enquadrarem nessa faixa de renda há presunção legal de necessidade, dispensando-se a comprovação de hipossuficiência.
O § 4º do art. 790 da CLT, incluído pela reforma trabalhista (Lei
13.467/17), complementa o § 3º garantindo aqueles que percebam salário acima de 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do RGPS o acesso ao benefício da justiça gratuita, só que, agora não haverá presunção de hipossuficiência como no § 3º do art. 790, devendo a parte que pretender o benefício comprovar a sua efetiva insuficiência de recursos.
No âmbito do processo do trabalho, o § 3º do art. 790 da
Consolidação das Leis do Trabalho permite aos juízes e tribunais do trabalho a concessão da justiça gratuita independente de provocação , regra que tem escopo no princípio da proteção do trabalhador, uma vez que ausentes custas iniciais naquela justiça especializada, bem como ante a possibilidade de postulação direta pela parte (CLT, art. 791), é possível que o trabalhador ajuíze a sua demanda sem sequer conhecer a existência do benefício, assim, acaso derrotado, percebendo o juiz do trabalho a situação de hipossuficiência poderá conceder o benefício que, excepcionalmente, terá efeitos retroativos. Nesse sentido: JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE ESTADO DE NECESSIDADE APOSTA NA PETIÇÃO INICIAL. AUSENTE ASSISTÊNCIA SINDICAL. DEVIDA O Autor, ao declarar na exordial a impossibilidade de arcar com as custas processuais sem prejuízo de sua subsistência e de seus familiares, atendeu à regra insculpida no art. 4.º da Lei n.º 1.060/50, tendo tal assertiva presunção de veracidade "juris tantum". Basta a declaração do estado de necessidade do trabalhador, ainda que constante apenas na petição inicial, para que o obreiro possa usufruir dos benefícios estatuídos na Lei n.º 1.060/50, sendo desnecessária a assistência sindical para a concessão de tal benesse, o que se exige apenas para o deferimento de honorários advocatícios. Ressalte-se ainda que a justiça gratuita pode ser concedida até mesmo de ofício pelo juiz, conforme § 3º do art. 790 da CLT, razão pela qual resta rechaçada a necessidade de apresentação de peça autônoma para declaração de pobreza, o que representaria formalismo exacerbado. Recurso ordinário da Ré a que se nega provimento, no particular.(TRT9, RO 1362520096907 PR 13625-2009-6-9- 0-7, Relator: UBIRAJARA CARLOS MENDES, 1A. TURMA, Data de Publicação: 21/01/2011)
Ante a regra do art. 15 do CPC/15, que determina que o novo
código tem somente aplicação subsidiária na justiça laboral não há incompatibilidade entre a regra especial (CLT, art. 790, § 3º) e a regra geral (CPC/15, art. 99).
A inclusão do § 4º no art. 790 da CLT pela Lei 13.467/13 reforça o
entendimento acerca da admissibilidade da concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, quando devidamente comprovada a sua dificuldade econômica . Como já se decidiu:
RECURSO DE REVISTA. JUSTIÇA GRATUITA.
EMPREGADOR. PESSOA JURÍDICA. O regional asseverou que o benefício da justiça gratuita a empregador será concedido desde que seja pessoa física, empregador doméstico ou firma individual, diante da simples declaração de insuficiência econômica. Circunstâncias as quais não foram preenchidas. Embora este não seja o entendimento prevalecente no âmbito desta Corte Superior, de fato, não estão preenchidos os requisitos para a concessão do pleito. A Lei 1.060/50 estabelece normas aplicáveis à concessão de assistência jurídica aos necessitados, ou seja, regra geral, às pessoas naturais que não dispõem de meios econômicos para praticar os atos de defesa de seus interesses ou direitos pela via judicial. Excepcionalmente, porém, a jurisprudência desta Corte vem admitindo a possibilidade de concessão dos benefícios citados na Lei 1.060/50 às pessoas jurídicas, sempre que houver prova inequívoca de dificuldade econômica, quer dizer, de não poderem arcar com o custo do processo, tais como custas, honorários e depósitos recursais (este último incluído pela Lei Complementar 132/2009). Não obstante a ampliação das hipóteses de isenção abrangidas pela justiça gratuita, pelas alterações trazidas pela LC 132/2009, a qual inseriu o inciso VII no art. 3º da Lei 1.060/50, o entendimento desta Corte é no sentido de a pessoa jurídica não se beneficiar da presunção de veracidade de hipossuficiência econômica, pois atribuída apenas à pessoa física. A pessoa jurídica, para ter direito ao benefício, tem de comprovar que não pode arcar com as despesas do processo, mesmo em se tratando de pessoa jurídica sem fins lucrativos. Por fim, destaque-se que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de a concessão e, ainda, de a concessão só abranger apenas as custas e não o depósito recursal. No caso concreto não há comprovação de hipossuficiência econômica. Requerimento indeferido. Assim, indevida a concessão dos benefícios da justiça gratuita à reclamada. Recurso de revista não conhecido. ADICIONAL NOTURNO. A decisão regional está em consonância com a OJ 388 da SDI-1 do TST, pois o que consta nos autos é que o reclamante laborava em escala 12x36, das 19 às 07 horas. Recurso de revista não conhecido. (TST - RR: 1537003820085150045, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 10/12/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/12/2014)
O regramento da justiça gratuita da CLT, mesmo após a reforma
trabalhista, se manteve é excessivamente simplificado motivo pelo qual será necessária a constante aplicação do art. 15 do CPC/15 com a aplicação subsidiária e supletiva do regime dos artigos 98 e 99 do CPC/15. Como leciona Teresa Arruda Alvin Wanbier (1) : Aplicação subsidiária x aplicação supletiva. Não se trata somente de aplicar as normas processuais aos processos administrativos, trabalhistas e eleitorais quando não houver normas, nestes ramos do direito, que resolvam a situação. 1.1. Aplicação subsidiária ocorre também em situações nas quais não há omissão. Trata-se, como sugere a expressão “subsidiária”, de uma possibilidade de enriquecimento, de leitura de um dispositivo sob outro viés, de extrair-se da norma processual eleitoral, trabalhista ou administrativa um sentido diferente, iluminado pelos princípios fundamentais do processo civil. 1.2. Aplicação supletiva é que ocorre apenas quando há omissão. Aliás, o legislador, deixando de lado a preocupação com a própria expressão, precisão de linguagem, serve-se de duas expressões. Não deve ter suposto que significam a mesma coisa, senão, não teria usado as duas, mas como empregou também a mais rica, mais abrangente, deve o intérprete entender que é disso que se trata.
Questões como a possibilidade de modulação da justiça gratuita,
bem como a irrelevância da representação por advogado particular para fins de concessão da justiça gratuita (CPC/15, art. 99, § 4º) ou a suspensão do preparo do recurso quando pendente recurso onde se postula a concessão do benefício (CPC, art. 101, § 1º) são plenamente compatíveis com as normas processuais trabalhistas e devem ser aplicadas de forma supletiva, como é o caso do inciso VIIIdo § 1º do artigo 98 do CPC de forma que mesmo o depósito recursal (CLT, art. 899), ainda que tenha natureza de garantia da execução, encontra-se coberto pela concessão do benefício da justiça gratuita. Conforme recentemente decidiu o TST: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. DESERÇÃO DO RECURSO DE REVISTA DECLARADA NO EXAME PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. COMPROVAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO AO DEPÓSITO RECURSAL. ARTIGO 98, § 1º, VIII, DO CPC/2015. Tendo em vista o reconhecimento do direito da reclamada à justiça gratuita e a extensão desse benefício ao depósito recursal, não subsiste a deserção aplicada ao recurso de revista em juízo prévio de admissibilidade, razão pela qual prossegue-se na análise dos pressupostos intrínsecos remanescentes do recurso de revista, nos termos da OJ nº 282 da SDI-1 deste Tribunal Superior. 2. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. DESERÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. COMPROVAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO AO DEPÓSITO RECURSAL. ARTIGO 98, § 1º, VIII, DO CPC/2015. Ante a demonstração de possível violação do art. 98, § 1º, VIII, do CPC/2015, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. DESERÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. COMPROVAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO AO DEPÓSITO RECURSAL. ARTIGO 98, § 1º, VIII, DO CPC/2015. 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à possibilidade de concessão da justiça gratuita à pessoa jurídica, desde que comprovada a insuficiência econômica, hipótese dos autos. 2. No tocante à extensão do benefício, o inciso VIIIdo § 1º do artigo 98 do CPC/2015 é expresso ao assegurar que a gratuidade da justiça compreende "os depósitos previsto em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório", sendo este preceito perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, por força do comando inserto no art. 769 da CLT c/c o art. 15 do CPC/2015, tendo em vista a inexistência de disciplina específica acerca da concessão da assistência judiciária gratuita e sua extensão na Norma Consolidada. 3. A norma em referência não faz nenhuma ressalva ou distinção no tocante à natureza jurídica do depósito previsto em lei para interposição de recurso, de modo que não há como afastar a abrangência da gratuidade de justiça ao depósito recursal fixado no artigo 899, § 1º, da CLT, ainda que possua natureza jurídica de garantia do juízo. Inteligência do aforismo jurídico ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus. 4. Acresça- se que a ilação ora exposta tem o escopo precípuo de assegurar o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório, em homenagem à garantia constitucional inserta no inciso LV do artigo 5º da Carta Magna. 5. Nesse contexto, na linha da sistemática processual contemporânea e do ordenamento jurídico constitucional, a gratuidade de justiça deve compreender a isenção do recolhimento do depósito recursal. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, Processo: RR - 230-15.2015.5.06.0102 Data de Julgamento: 07/06/2017, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/06/2017.)
Essa natureza supletiva do Código de Processo Civil deve ser
aplicada ao instituto da justiça gratuita no processo do trabalho, com a extensão àquela justiça dos institutos trazidos pela nova codificação naquilo que não for incompatível com a sistemática específica do processo laboral.
(01) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. DE MELLO. Rogério
Licastro Torres. RIBEIRO. Leonardo Ferres da Silva e CONCEIÇÃO. Maria Lúcia Lins. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: Artigo por Artigo. Ed. RT. 1ª. Ed. versão digital