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Feira de Santana-BA
2017
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Feira de Santana-BA
2017
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RESUMO
Esta pesquisa busca mostrar a variação haver/ter em estruturas existenciais do português, a partir de um estudo
bibliográfico e documental, expõem-se amostras de textos antigos e um referencial teórico embasado na
Linguística Histórica. Verificou-se o uso de tais verbos na variedade arcaica do português e como a variação é
tratada por gramáticos brasileiros. Os resultados revelam que tal variação realmente ocorre desde o período
arcaico da língua portuguesa, então foi desde essa época que já se apontava o fato de que a variação haver/ter
desencadearia nos dias atuais um processo de mudança linguística, ocorrendo, quiçá, uma implementação da
forma inovadora num futuro próximo.
INTRODUÇÃO
Nosso trabalho apresenta uma contextualização histórica dos verbos haver e ter na
língua portuguesa. Do período arcaico, passamos pelo cenário brasileiro, além de trazermos
algumas informações sobre o uso de tais verbos na perspectiva da literatura gramatical
brasileira. Por fim, à guisa de conclusão, apresentamos as considerações finais quanto aos
resultados encontrados na pesquisa.
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O verbo aver era escrito sem o ‘h’ gráfico-etimológico e o verbo teer ainda sem a representação gráfica da
fusão dos vogais idênticas.
3
MATOS e SILVA, 2002a, p. 125.
4
(1) e lhe dires de minha parte que eu ey por bem que ele os tenha, pera
lhos dar quando em bõa ora ordenar (Carta 329 de 1541)
(2) Como tinha ordenado que fosse, ouve por bẽ de ẽcarregar de capitãao
do gualeão Sam Miguel (Carta 368 de 1551)
(3) por que assy averey por muito meu serviço (Carta 323 de 1541)
(4) Ey por meu serviço arrematarse o dito trato por algữus anos (Carta 355
de 1552)
(6) ...epor ele nõ teer ajnda comjdo poseranlhe toalhas e veolhe vianda e
comeo (fol. 10v, 10-11)6
No entanto, a autora observou que em mais duas passagens onde o tempo composto
poderia ocorrer, o escrivão usou tempo simples:
4
Edição de um conjunto de obras, a saber: Grammatica da língua portuguesa (GLP), Ortografia (ORT), Diálogo
em louvor da nossa linguagem (DLNL), Diálogo da viciosa vergonha (DVV).
5
idem, 2002 b, p. 151.
6
idem, 1996 , p. 188.
5
(8) ...amdauam pela praya obra de bij ou biij sego os naujos pequenos
diseram por chegaram primeiro... (fol. 1v, 18-19) [terem chegado]7
Uma provável explicação do não uso do tempo composto, nesses contextos, seria o fato
de o verbo “chegar” ser da classe dos verbos ergativos8. Na Carta, há ainda casos em que o
verbo é transitivo e ao invés de utilizar o tempo composto com o particípio passado precedido
ou seguido de haver/ter, Caminha prefere o mais-que-perfeito simples, como em:
(9) ...cõ huữ paao dhuữa almaadia que lhes o mar leuara (fol. 5v, 5-6) [
tinha levado ]
(10) ...ante dise ele que lhe tomara huữ deles huữas continhas (fol. 8v,
2930) [tinha tomado]9
Já em meados do século XVI, a partir dos documentos analisados dos referidos corpora,
Mattos e Silva (2002a, 2002b) verifica que em João de Barros, o teer é “verbo vitorioso” para
expressões referentes ao passado e que o aver é mais usado em tempos futuros, não sendo
encontrado ocorrências deste verbo em estruturas de particípio passado. Predomina no uso de
teer + particípio passado de verbos [+ transitivo] a não-concordância do particípio passado
com o complemento direto (cf. (11) a (13)), como também ocorrem sequências em que os
escrivães das Cartas variam na concordância (cf. (14) a (17)). É importante salientar que, no
século XVI, o verbo ser era mais usado como auxiliar de tempo composto de verbos
[transitivo], como ocorre nas Cartas de D. João III (cf. (18) e (19)):
(11) nem por eu ter dirigido a su´alteza o trabalho ( DLNL 390, 12)
.........................................................................................................................
(14) que vos deve teer apresentada [sua provisom] (Carta 331 de 1541)
7
idem, ibidem, p. 188-9.
8
Verbos do tipo morrer, nascer, partir, chegar, etc.
9
idem, ibidem, p. 189.
10
idem, 2002a, p. 131-2.
6
(15) ...e que, tendo jaa assentada a gente que tenho mandado que vaa nella,
vão algữus cõ allvaraes meus pera se assentarem. (Carta 326 de 1542)
(16) pois já tendes dadas a Vosso Senhor as graças (Carta 335 de 1548)
(17) o que Nosso Senhor quis que fose feito, e de que elle vos já tendes
dado por isso muytas graças (Carta 335 de 1548)
No século XIV, fica evidente a preferência pelo aver e raro o uso de seer existencial.
Analisando a Carta de Caminha, registro do final do século XV, Mattos e Silva (1996)
encontra 24 ocorrências de aver em estruturas existenciais, nem uma do verbo seer e, ainda,
ressalta uma ocorrência em que o teer pode receber interpretação existencial:
(21) ...se metiam [eles] en almaadias duas ou tres que hy tiinham (fol. 5,
31-32)13
11
idem, 2002b, p. 154.
12
RIBEIRO, 1993, p. 373.
7
(22) Temos mais este verbo [h]ei, [h]ás que é de genero diverso pelo oficio
que tem. Quando se ajunta com nome soprimos muitos verbos da língua
latina que a nossa não tem: [h]ei vergonha, [h]ei medo, [h]ei frio e outros
muitos significados que tem quando ô ajuntamos a nomes substantivos desta
calidade. (GLP 327, 9 – 328, 2).
(23) Ésta lêtera N àçera de nós sérve no prinçipio e fim da sílaba e nunca
em fim de diçam... E muitos vezes o til ô escusa do seu trabalho quando é
final de sílaba, como faz ao m. Tem máis, que às vezes se quer dobrado em
algữas dições que reçebemos dos latinos, como anno.
(24) Porque partido Antã Gõçalve teue no caminho hữu temporal tã grande,
que dizia Baltazar que já vira o q desejaria, mas não sabia se o poderia
contar. (Déc. I, 31, 5)
(25) Concentrou-se com o infante dom Anrique sobre o que nellas [nas
ilhas] tinha, e elle passouse a ilha de Madeira onde assentou sua uiuienda
(Déc. I, 46-38)14
Esses indícios de teer existencial nos meados do século XVI também já apontam nas
Cartas de D. João III, coetâneo do ortógrafo João de Barros, ressaltando que o verbo
existencial, por excelência, como ocorre em todo o período arcaico, é o verbo aver. Eis os
exemplos:
(26) por que tenho Recado que no Cabo de Geez nõ he necessária mais
gente da que tem ( Carta 323 de 1541)
(27) Mandovos que ffaçais asentar o dito dom Pedro de Sousa no livro da
dita matricola, no tijolo dos fidalgos cavaleyros, com a dita moradia e
cevada, Riscandose primeiro o asento d´escudeiro que tem no dito livro
(Carta 370 de 1557)14
Assim sendo, de acordo com este esboço histórico, concluímos que, já no período
arcaico da língua portuguesa, conviviam como verbos existenciais o ser arcaizante, o haver de
uso regular e o emergente ter.
13
MATTOS e SILVA, 1996, p. 187.
14
idem, 2002a, p. 137-8.
14
idem, 2002b, p. 156.
8
Alguns estudos sobre o português brasileiro (PB) têm revelado que a variação
haver/ter, em estruturas existenciais, constitui uma das marcas que o caracteriza, porém, “tal
uso não constitui brasileirismo como julgam alguns, mas é herança arcaica que se projetou”. (
BUENO, 1958, p. 208).
Dessa forma, criaram-se condições para que o verbo ter ocupasse o lugar do haver em
orações existenciais, originando um processo de competição semântica. Esta variação ocorre
na modalidade escrita da língua e, principalmente, na falada porque esta modalidade se
transforma mais rápido (cf. AVELAR, 2005; VITRAL, 2006; LEITE; CALLOU &
MORAES, s/d.).
Dos quatro verbos auxiliares, somente ter não poder ser impessoal; constitui
erro grave, e todo o possível devemos fazer para evitá-lo, em empregar o
verbo ter com significação de existir. Não devemos permitir frases como
estas: “Não tem nada na mala.” (em vez de: “Não há nada...) – “Não tem de
que.” (em vez de: “Não há de que”) – “Não tem lugar” (em vez de: “Não há
lugar”) (ALMEIDA, 1975, p. 431).
Alguns normativistas chegam a mencionar sobre tal variação, alegando ser uma
“particularidade” do português não-padrão, como em Cegalla (1978) que afirma que “na
língua popular brasileira é generalizado o uso de ter impessoal por haver, existir.” (p. 302) Já
“na linguagem coloquial do Brasil é corrente o emprego do verbo ter como impessoal, à
semelhança de haver.” (p. 127). E para Bechara (1987):
15
Outra concepção de gramática é aquela considerada descritiva porque descreve o funcionamento de uma
língua, levando em consideração os fatos orais.
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Assim sendo, na língua portuguesa, no que se refere aos verbos existenciais, a norma
ideal, como prescrevem as gramáticas, está se distanciando da norma real porque uma língua
não é um sistema fechado. Conforme Bagno (2005), “existe uma pressão muito grande dos
defensores da norma-padrão de fazer com que ela fique inalterada, compacta e sólida”.
(p.167) Mas, mudanças ocorrem na língua ao longo de sua existência devido às variedades
[cultas] que sobem lentamente na escala social e vão sendo assimiladas pelos falantes
[+/cultos], até serem incorporados pelos falantes [+ cultos] na sua variedade.
É por isso que o uso de ter como verbo existencial não é considerado nos compêndios
gramaticais, porque ainda não se transformou em norma-padrão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, o nosso objetivo é contribuir para o estudo da variação haver/ter em estruturas
existenciais, a fim de mostrar que essa variação ocorre no Português Brasileiro porque é fruto
de uma variação que já vinha ocorrendo desde o período arcaico da língua portuguesa.
Esperamos, também, ter contribuído para um melhor entendimento do comportamento
linguístico.
REFERÊNCIAS
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PAIVA, Maria da Conceição; DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. In: PAIVA, Maria da
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PERINI, Mário Alberto. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola
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RIBEIRO, Ilza. A formação dos tempos compostos: a evolução histórica das formas ter, haver
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343-386.