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Gilson Aguiar
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E
FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO
graduação
PEDAGOGIA
MARINGÁ-pr
2012
Reitor: Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor: Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração: Wilson de Matos Silva Filho
Presidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinandi
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação
a distância:
“As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites PHOTOS.COM e SHUTTERSTOCK.COM”.
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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E
FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos.
A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para
liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no
mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos
nossos fará grande diferença no futuro.
Diante disso, o Cesumar almeja ser reconhecido como uma instituição universitária de referên-
cia regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de compe-
tências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão
universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação
da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social
de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também
pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação
continuada.
Todas as atividades de estudo presentes neste material foram desenvolvidas para atender o
seu processo de formação e contemplam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação,
determinadas pelo Ministério da Educação (MEC). Desta forma, buscando atender essas
necessidades, dispomos de uma equipe de profissionais multidisciplinares para que,
independente da distância geográfica que você esteja, possamos interagir e, assim, fazer-se
presentes no seu processo de ensino-aprendizagem-conhecimento.
Neste sentido, por meio de um modelo pedagógico interativo, possibilitamos que, efetivamente,
você construa e amplie a sua rede de conhecimentos. Essa interatividade será vivenciada
especialmente no ambiente virtual de aprendizagem – AVA – no qual disponibilizamos, além do
material produzido em linguagem dialógica, aulas sobre os conteúdos abordados, atividades de
estudo, enfim, um mundo de linguagens diferenciadas e ricas de possibilidades efetivas para
a sua aprendizagem. Assim sendo, todas as atividades de ensino, disponibilizadas para o seu
processo de formação, têm por intuito possibilitar o desenvolvimento de novas competências
necessárias para que você se aproprie do conhecimento de forma colaborativa.
Portanto, recomendo que durante a realização de seu curso, você procure interagir com os
textos, fazer anotações, responder às atividades de autoestudo, participar ativamente dos
fóruns, ver as indicações de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados,
pois tais atividades lhe possibilitarão organizar o seu processo educativo e, assim, superar os
desafios na construção de conhecimentos. Para finalizar essa mensagem de boas-vindas, lhe
estendo o convite para que caminhe conosco na Comunidade do Conhecimento e vivencie
a oportunidade de constituir-se sujeito do seu processo de aprendizagem e membro de uma
comunidade mais universal e igualitária.
Este trabalho é fruto de uma insistência em compreender melhor o que somos para traçar um
caminho para o desenvolvimento do pensamento ocidental e da educação no Brasil. É ainda
um desafio quando a função deste material é qualificar educadores, aqueles que terão em
suas mãos a capacidade de preparar o homem e lhe dar potencial para mudar seu destino.
Gostaria de lembrá-lo(a) que ser “pedagogo(a)” na Grécia Antiga é conduzir para a educação,
um desafio ainda nos dias de hoje. Mas há um exemplo que pode ser resgatado, o de Aristóteles.
Um dos maiores pensadores gregos nasceu na cidade de Estagira, mas migrou para Atenas,
principal cidade-estado grega para ingressar na Escola de Platão, o centro da cultura grega.
Buscar como Aristóteles é fruto de uma ação. Um ato necessário que deve partir de nós,
mais do que qualquer outra pessoa. Como afirma Sartre(1973, p. 13), o filósofo francês do
existencialismo:
O quietismo é a atitude das pessoas que dizem: os outros podem fazer aquilo que eu
não posso fazer. A doutrina que voz apresento é justamente a oposto ao quietismo,
visto que ela declara: só há realidade na ação; e vai mais longe, visto que acrescenta:
o homem não é se não o seu projeto, só existe na medida em que sem realiza, não é,
portanto, nada mais do que o conjunto dos seus atos, nada mais do que a sua vida.
Por isso temos que agir, ir além, fazer nossa vida, escrevê-la.
Espero que este trabalho possibilite esse despertar pelo gosto da filosofia, da história da
educação e pelo interesse em sua própria vida. Uma vida que não se resuma em seus próprios
Avançaremos para Sócrates, um pensador que preferiu a morte ao negar sua crença. Falaremos
também sobre Platão, um dos discípulos corrompidos pelos seus pensamentos, que descreveu
o julgamento do mestre e se colocou no desafio de dar continuidade à educação do homem
pleno, o homem sábio.
De Aristóteles já falamos, fez uma jornada para migrar para Atenas e ser educado por Platão.
Mas nem isso o fez se submeter ao pensamento do mestre. Sem jamais desrespeitá-lo, o
questionou, fez a crítica e construiu sua forma independente de compreender a existência. O
que se espera de um bom aluno? Talvez o comportamento de Aristóteles nos responda, ir além
do mestre, mas sem lhe perder o respeito. Hoje se assiste ao desrespeito ao educador sem se
ter um avanço na qualidade humana.
A segunda unidade ainda contemplará os grandes clássicos das ciências sociais. O positivismo
de Comte, o estruturalismo de Durkheim, o materialismo de Marx e a história cultural de
Weber. Mais que isto, resgataremos os pensadores contemporâneos do existencialismo e os
que resgatam por meio da fenomenologia a crise do indivíduo contemporâneo. E o homem
de hoje está em crise, necessitamos analisar com profundidade os fatores que a determinam.
Esse será um dos temas centrais da discussão desta unidade.
Espero que o objetivo que fez com que este trabalho surgisse seja atingido. Sempre haverá
algo a ser refeito. Sempre teremos que repensar nossa forma de compreender o mundo,
sempre descobriremos imperfeições. A imperfeição é nossa característica mais importante
e o repensar o nosso maior instrumento de superação. Um trabalho que peço a ajuda dos
meus leitores. Não rogo a plenitude, quando educar implica em reconhecer que se tem algo a
aprender. Por isso, mande observações, faça e refaça também a sua versão sobre o conteúdo
desta obra, ela é feita para você e deve ser revista a partir do momento em que você se
relaciona com o conteúdo que está presente nela.
“Um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, a frase de Heráclito nunca deve ser
esquecida. Este trabalho é como um rio, quando produzido como seu autor, eu sei que não
será visto por mim da mesma forma, como não sou o mesmo após tê-lo produzido. Espero
que você também se transforme ao entrar em contato com ele. Ele também irá mudar por tudo
isto, com certeza.
A mudança é uma necessidade, se a ciência puder promover as bases para que ela ocorra
sem perder o sentido que a vida tem para cada um de nós, preservando a convivência social
e respeitando-a, este trabalho terá cumprido o seu papel.
Muito Obrigado!
Gilson Aguiar
UNIDADE I
A ORIGEM DA FILOSOFIA
O NASCIMENTO DO ISLÃ......................................................................................................54
UNIDADE II
UNIDADE III
OS ILUMINISTAS...................................................................................................................108
OS PRIMEIROS TEMPOS.....................................................................................................146
DA COLÔNIA AO IMPÉRIO...................................................................................................154
UNIDADE V
CONCLUSÃO.........................................................................................................................182
REFERÊNCIAS......................................................................................................................185
UNIDADE I
A ORIGEM DA FILOSOFIA
Professor Me. Gilson Aguiar
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Ao final da unidade há uma ou mais citações de autores trabalhados durante a unidade. Esses
textos, originais, clássicos, são fundamentais para que você se familiarize com o pensamento
em uma expressão original, mas também reflita sobre as questões que envolvam o nosso
tempo. De nada adianta uma obra de filosofia que fique restrita a um simples relato de ideias.
Por isso, procure também desenvolver temas que possam vir a sua mente durante a leitura.
Esta unidade parte do pensamento clássico grego, demonstrando as teses de Sócrates, Platão
e Aristóteles como base do pensamento filosófico ocidental. É possível perceber que esses
autores são citados no decorrer da unidade, servindo de base para os demais filósofos.
Teóricos como Santo Agostinho, Santo Anselmo, São Abelardo e São Thomáz de Aquino
demonstram a corrente de pensamento organizada dentro do discurso católico. A relação
direta entre o conhecimento de Deus e a verdade dos homens. Por mais que superado na
Boa leitura!
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
A primeira obra que me ocorre é a “Apologia a Sócrates”, uma das obras de Platão. Nela, ele
relata o julgamento do pensador grego. O que se considera o maior dos filósofos, o “pai da
filosofia” 1.
1
O título de “pai da filosofia” é indicado a três grandes pensadores gregos, Sócrates, Platão e Aristóteles. Há
motivos para tentar condecorá-los com este título. Considero que os três têm importantes contribuições para a
construção do pensamento ocidental. O que tentaremos, de certa forma, contribuir para o entendimento nesta
simples obra.
O primeiro, Ânito, era um importante comerciante grego. Sua discórdia com Sócrates foi o filho,
um aprendiz do pensador. O comportamento questionador do aprendiz irritou o pai. Dessa
forma, juntou-se aos demais e fortaleceu a acusação assinada por Meleto.
Meleto era um poeta, pouco conhecido, mas segundo se levantou nas obras escritas por
pensadores gregos, teria se indisposto com Sócrates pela sua forma de propagar ideias e de
questionar o ganho de quem cobrava do ministério de ensinar, assim como Lícon, um professor
desconhecido, o prestígio de Sócrates irritava. “A inveja também mata, tanto quanto a vaidade”.
O pensamento socrático
Sócrates é um personagem controverso. Jamais deixou uma obra escrita, pelos menos até
agora nunca foi encontrado nenhum manuscrito de sua autoria. O que se sabe sobre vem de
relatos de outros pensadores. Discípulos, como Platão, ou inimigos e críticos, como Aristófanes.
Ele se negava aos manuscritos por considerar que a palavra escrita prenderia a ideia e a
colocaria limites, destruindo a capacidade de mudança e eternizando os erros. Hoje, são
exatamente estes erros escritos que nos faz reescrever o que somos. Mas em uma Grécia
onde a oralidade era o elemento determinante para a preservação da memória e repassar o
saber, não há o que julgar a postura.
Sua oposição aos sofistas, homens que percorriam as cidades discursando sobre temas da
natureza e da vida pública, lhe rendeu muitos inimigos. Sua crítica direcionava-se à prática de
discutir sem questionar, afinal os sofistas se prendiam ao que não discutia a essência humana,
mas apenas à manutenção da conduta ou à complexidade de raciocínios que os afastavam do
homem comum.
O papel de um filósofo seria colaborar para despertar o nascimento da reflexão, o que todo
mundo tem como potencial dentro de si. Permitir que essa capacidade se expresse e se
mantenha constante ao entender os elementos que dão sentido a vida humana.
Por isso, Sócrates não se considerava um denunciador da verdade, mas alguém que quer
despertar a capacidade das pessoas de buscá-la. Para ele, mais importante do que propagar
a certeza é estimular a dúvida.
Fico pensando se não seria essa a função dos educadores. Não só aqueles que se formam
hoje para a educação institucionalizada, como também os que têm a capacidade de nos
indagar sobre o que nos cerca, sobre o dia a dia e, enfim, toda a nossa vida. Desvendar o
sentido da existência é o verdadeiro sentido de existir, do que adianta existir se não se tem a
compreensão do por que se existe.
Mas como todo pensador que compreende além do senso comum o sentido da vida, Sócrates
pagou com a sua própria a audácia de romper com o esperado, de sair do controle.
Nasceu em uma família humilde em 469 a.C, e foi condenado em 399 a.C. Sua origem humilde
contracenou com grandes momentos da história grega em que foi protagonista. Ele liderou
tropas gregas na Guerra do Peloponeso (431 a.C a 404 a.C) e, ao ser derrotado, preferiu
preservar a vida de seus homens a trazer consigo os corpos dos mortos. Um crime para os
gregos, mas se livrou da sentença ao argumentar “que sem os vivos não se pode enterrar os
O interesse dos juízes era que Sócrates se calasse, que fugisse para não ser executado, ou
que tivesse a língua cortada. Ele preferiu morrer, considerava que era um ganho diante das
outras opções que demonstravam a perda de fazer o que mais gostava.
Para ele, morrer teria duas possibilidades desconhecidas, uma delas seria um sono eterno
para quem morresse, seria o bom sono de uma única noite; a outra, se caso existisse outra
vida, seria de imortalidade e com homens bem melhores do que ele deixava nesta vida.
Uma das críticas feitas pelos amigos ao pensador grego, entre sua condenação e a execução
(30 dias), era que ele não pensava nos filhos. Caso pensasse, deveria fugir para preservar
a integridade de sua família. Diante dessa questão, ele dizia que os filhos devem seguir seu
destino. Da mesma forma que eles não teriam que ser condenados pelo que o pai fez, não
cabe ao pai fugir da condenação por eles.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Sua trajetória dentro da filosofia grega tenta consolidar o pensamento filosófico e propagar
a universalidade do conhecimento. Sua busca por orientar a formação de um governo justo,
para ele, dirigido por um filósofo, o levou a Siracusa em três momentos. Neles, tentou mudar o
governo de Dionísio I e, depois, mais duas vezes, o governo de Dionísio II. Para Platão, o bom
governo tem um pensador à sua frente. A razão e a sabedoria são os melhores governantes.
Sua busca por propagar as ideias de justiça além das muralhas de Atenas lhe custou ser
vendido como escravo por Dionísio I. Foi resgatado por seus amigos atenienses que o
compraram e lhe devolveram a liberdade.
Entre suas idas e vindas da Magna Grécia (Sul da Itália) e de Siracusa, fundou a Academia
de Atenas. A primeira instituição acadêmica oficial do mundo ocidental. O modelo que se
propagaria e daria os moldes ao conhecimento desenvolvido pela civilização ocidental.
Uma das grandes contribuições de Platão é a divisão da verdade em dois elementos, o material
e o imaterial. O primeiro se refere às cosias em si, às que, pelos sentidos, percebemos em
sua existência física. A outra, a imaterial, é a que damos sentido, valor, aos elementos que nos
cercam. O conceito moral, a relevância social e o peso ético.
Da mesma forma que Sócrates, Platão considera a sabedoria nata, ela está em nós, mas
precisa ser despertada. Vivemos em um mundo de sombras que encobre a verdade sobre o que
nos cerca. Antes de nascermos, vivíamos em outro lugar, em um corpo celeste, onde tínhamos
a sabedoria sobre as coisas da terra, porque a víamos com um saber superior. Ao nascermos,
fomos jogados no mundo material e perdemos a consciência sobre nossa sabedoria. Cabe a
nós a busca de despertar o conhecimento e sairmos deste mundo de “sombras”, de ignorância.
Essa capacidade de elucidação eleva o homem e lhe dá uma importância maior diante dos
demais. Esses devem ter acesso ao comando social. São eles os melhores elementos para
conduzirem a vida de uma cidade, de uma comunidade.
É assim que Platão concebe o bom governo, o dos sábios. A ordem social perfeita teria
neles os elementos mais elevados. Seriam os membros de “ouro” de uma sociedade ideal.
Seriam seguidos pelos soldados, aqueles que garantem a ordem e mantêm a unidade entre
os elementos de uma mesma comunidade. Essa camada social teria com principal virtude a
coragem. Por fim, os elementos inferiores seriam os da “temperança”, os servos e escravos,
os trabalhadores, ligados às necessidades materiais constantes e necessárias.
Da mesma forma que o corpo social idealizado por Platão, o homem, segundo ele, deveria
seguir o mesmo modelo. Entender a necessidade de uma vida dirigida por valores superiores,
integrar o corpo a um ideal maior que conduzisse a coragem e agisse sobre as necessidades
materiais concretas.
Suponhamos que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente ele ficaria
ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz; depois, habituando-se, veria as várias
coisas em si mesmas; e, por último, veria a própria luz do sol refletida em todas as coisas.
Compreenderia, então, que estas e somente estas coisas seriam a realidade e que o sol
seria a causa de todas as outras coisas. Mas ele se entristeceria se seus companheiros
da caverna ficassem ainda em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das
coisas. Assim, ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo
da ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido como
um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles pensam ser
a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles o desprezariam (PLATÃO, 1997,
pp. 287-289).
Na Escola de Atenas, fundada por Platão, se destacou Aristóteles (384 a.C a 322 a.C), o mais
completo dos filósofos, o de maior destaque. Contudo, não foi o herdeiro oficial platônico. Vale
lembrar que a crítica ao mestre foi uma marca aristotélica. Mas esta é outra história contada
aqui aos poucos, enquanto entendemos o pensamento do preceptor2 de Alexandre, o Grande.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
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Preceptor é aquele que ensina, é um mestre. Alexandre, o Grande, foi o imperador macedônico que conquistou
a Grécia, assim como boa parte do mundo conhecido na antiguidade. Aristóteles foi seu aio, que lhe esclareceu
diante das dúvidas de compreensão dos seus atos como senhor do Império Helenístico.
Se fossemos pensar o que isso significaria na atualidade, seria considerar que Aristóteles
considera o conhecimento produzido uma continuidade direcionada para um determinado fim.
Não implicaria em uma dinâmica que pode apontar para diferentes formas de compreensão
da existência.
Tales, que viveu na Itália, não buscava nos elementos da natureza o princípio único de tudo o
que nos cerca, para ele, o saber deve ir além do princípio moral. Ou seja, se a água está em
quase todas as coisas, e o Planeta é formado em sua maioria por água, não significa que ela é
a essência de tudo o que existe, a sua natureza não é determinante sobre as demais.
Heráclito (537 -573 a.C) foi emblemático, ele é o responsável pela célebre frase: “um homem
não pode se banhar duas vezes no mesmo rio”. Ou seja, o mundo viveu um movimento
constante. Tudo é mudança. Mas o que muda?
Quem foi um pioneiro nesse princípio foi Parmênides. Em sua série de poemas com o título
de “Da Natureza”, ele considerava que o conhecimento é o saber dos deuses. São eles que
compreendem a lógica do que existe e sua função. O homem nomina as coisas, mas não sabe
sobre sua essência e o que ela é capaz de determinar.
Aqui temos mais um aprendizado fundamental. O saber é eterno, os homens não. Viver sem
conhecer a importância da ciência, da essência de tudo, não é viver. Ou, se é, é existir sem
dar um sentido à existência.
Mas como é possível conhecer as coisas se tudo está em constante mudança? Esta
é uma indagação que ainda hoje movimenta as teses filosóficas. Vivemos um mundo em
transformação, como seria possível conhecer sua lógica? Existira um meio de compreender a
permanência sem perder os elementos que explicam as constantes mudanças?
Zenão (490-430 a.C), vindo de Eleia, a mesma cidade italiana de Parmênides, condenava
Um dos antecessores de Sócrates que tratou do tema, por mais que com distúrbios das análises
de Zenão e Parmênides, foi Anaximandro. Pouco se sabe sobre sua data de nascimento ou
morte, mas foi um dos membros da escola de Tales de Mileto. Ele considerava que o ar, e não
a água, seria o elemento vital para a manutenção da vida, inclusive da alma.
Mas nem todos os pensadores comungaram com a ideia prática da filosofia, do homem que
deveria entender os elementos e interferir em sua existência. Pitágoras nasceu na Grécia, em
Samos, mas desenvolveu seus trabalhos e sua “escola filosófica” no sul da Itália, em Crotona.
Ele considerava que o papel do filósofo é a contemplação. Comparava a existência aos jogos
olímpicos, uns vão para comprar e vender, os inferiores; outros vão para competir, os agentes
da política, os soldados, os que determinam a vida das instituições; por fim, os que vão assistir
e contemplar, estes são superiores, estes são os filósofos.
Vale ressaltar aqui o que foi discutido ao longo desta unidade, a tentativa dos pensadores
da antiguidade em desvendar o sentido da vida e a lógica do que está por trás do mundo
aparente, o que seria o princípio da vida e qual o significado do seu resultado.
Em sua obra “História do Pensamento Ocidental”, Bertrand Roussell faz uma crítica ao
retrocesso filosófico religioso e ressalta a busca dos fatores que determinam os elementos da
natureza. Para ele:
O problema da sobrevivência significa, em primeiro lugar, que o homem precisa
tentar submeter as forças da natureza à sua vontade. Antes que isso fosse feito com
os meios que hoje podemos chamar de científicos, o homem praticava a magia. A
noção geral subjacente é a mesma em ambos os casos, pois a magia é uma tentativa
de obter resultados específicos com bases em certos ritos rigidamente definidos. [...]
Por outro lado, a religião se origina de sua fonte diferente e tenta obter resultados
independentemente da sequência regular (RUSSEL, 2001, p. 147).
Mas até que ponto a inteligência do homem, construída sobre a verdade, o colocaria diante de si
mesmo e dos outros seres humanos como alguém compreendido? Não há obra que descreva melhor
a angústia da “verdade” do que o Mito da Caverna (PLATÃO, 1979, p. 73).
Imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda a sua largura,
com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que esta caverna seja habitada, e seus habitantes
tenham as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham
de olhar apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Imaginemos ainda que, bem em
frente da entrada da caverna, exista um pequeno muro da altura de um homem e que, por trás desse
muro, se movam homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira,
representando os mais diversos tipos de coisas. Imaginemos também que, por lá, no alto, brilhe o sol.
Finalmente, imaginemos que a caverna produza ecos e que os homens que passam por trás do muro
estejam falando de modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna.
Se fosse assim, certamente os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das pequenas
estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco das vozes. Entretanto, por nunca terem
visto outra coisa, eles acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram
a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seriam o som real das vozes emitidas pelas sombras.
Suponhamos, agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das correntes que o prendem.
Com muita dificuldade e sentindo-se frequentemente tonto, ele se voltaria para a luz e começaria a
subir até a entrada da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria a se habi-
tuar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas
moverem-se por sobre o muro e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas
possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras que antes via na caverna, e que agora
lhes parece algo irreal ou limitado.
Se o conhecimento liberta, mas nem sempre é compreendido, como na citação anterior de Platão, em
Aristóteles selecionamos a compreensão do sentido da educação, ao que ela serve.
Em nossos dias, o debate sobre a importância da educação está entre os interesses particulares e
O que vimos aqui sobre o desenvolvimento do pensamento grego é apenas um fragmento, uma
pequena parte de uma discussão que tem uma “infinidade” de possibilidades de entendimento.
Mas procuramos demonstrar que a forma de compreender o mundo incomodou aqueles que
foram os fundadores do pensamento ocidental, a cultura helenística.
Para entendermos como este pensamento conseguiu ir além das fronteiras gregas, avançando
ao longo da história e chegando aos nossos dias, é necessário lembrar que os próprios gregos
sempre foram além de si fundando colônias e mantendo relações mercantis com vários povos
da antiguidade.
O momento inicial da expansão do pensamento grego, uma prévia do que viria a ser a
expansão do “ocidentalismo” 3, foi a conquista da Grécia pelos macedônicos, no Século IV.
Após conquistar os gregos, o Império Macedônico adotou a cultura grega como o princípio da
cultura a ser levada na expansão territorial.
A influência não foi superficial como uma mancha em um tecido, ela se aprofundou e passou
a ser incorporada nas práticas comerciais, na vida pública na produção do conhecimento,
a orientação filosófica dos pensadores gregos ganhou novo sentido. Muitos desses
conhecimentos os ocidentais iriam reencontrar com as “Cruzadas” promovidas pelos cristãos
3
Aqui uso o termo “ocidentalismo” para definir o pensamento ocidental que hoje se propaga por todos os cantos
do Planeta. Combatido, mesclado, adotado ou imposto, a compreensão ocidental do mundo se propagou
em conjunto com suas conquistas. Nas instituições ocidentais criadas ao longo da história, nas relações que
estabeleceu com outros povos, na forma como construiu sua identidade, há uma raiz grega.
O Império Macedônico não foi duradouro, na prática, sua decomposição começou com a morte
de Alexandre (323 a.C), o seu fundador. Dividido pelos generais, foi aos poucos conquistado
por romanos e árabes. Territórios foram retomados pelos persas, e os egípcios se libertaram
da dominação macedônica, mas a cultura grega ficou, deixou suas marcas e orientou o destino
do conhecimento do universo em muitas regiões onde os macedônicos percorreram.
O clima de insegurança em que o Império Macedônico se decompôs gerou uma angústia que
predominou também no pensamento filosófico do período. Um pensador que expressa esse
clima é Diógenes (404 a 323 a.C). Um discípulo de Antístenes, um seguidor de Sócrates, ele
questionava a vida mundana, a sedução pela matéria e buscava uma vida simples.
Segundo a lenda, Diógenes andava perambulando pelas ruas de Atenas e depois de ser
expulso, pela cidade de Corinto. Morava em um barril e andava pelas ruas em plena luz do dia
com uma lamparina. Ele afirmava que fazia aquilo por estar à procura de um honesto.
Sua atitude despertou a curiosidade do imperador Alexandre, que um dia quis conhecê-lo.
Quando o encontrou, ele estava deitado dentro do barril onde vivia. O imperador teria dito que
ele poderia fazer o pedido que quisesse e prontamente seria atendido. Diógenes teria dito para
que Alexandre saísse de sua frente e parasse de roubar sua luz com a sombra. Encantado
pela convicção do “andarilho” filósofo, o imperador teria afirmado que se não fosse Alexandre,
gostaria de ter sido Diógenes.
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Quando se fala da Renascença, movimento cultural que atingiu diversos campos do conhecimento, das ciências
naturais às ciências humanas, entre os Séculos XIV a XVI, na Europa, é necessário mencionar que um dos
fatores que a influenciou foi o deslocamento de pensadores do oriente para o ocidente. A decadência do Império
Bizantino levou à migração de empresários e intelectuais de Constantinopla para a Península Itálica, o berço da
Renascença.
A crítica ao apego à vida material está na forma como o homem se deforma diante do desejo
do prestígio adquirido com o enriquecimento. O que hoje é uma condição que atinge a uma
grande parte dos seres humanos. Uma denúncia da perda de princípios profundos que possam
conduzir a sociedade a uma condição superior, justa.
O cinismo cresceu, mas acabou se deturpando. Passou a ganhar a conotação de crítica, mas
incorporado aos desejos de sucesso material. Porém, não havia a preocupação da perda do
enriquecimento pelo cínico. Ele estava mais preocupado com seu imediatismo. Essa é uma
linha do cinismo que chegou até nossos dias. Viver o hoje sem se preocupar com o amanhã,
uma “filosofia de vida” expressa na propaganda dos cartões de crédito da atualidade.
Outra escola do período de crise macedônica foi o ceticismo. Apesar de já ser um tema tratado
pelos pré-socráticos, o “ser cético” cresceu no mundo helênico e teve em Epicuro (342 a 270 a.C)
O pensamento de negar toda a verdade absoluta, defendida por ele, gerava a necessidade de
conduzir um homem a um eterno questionamento sobre os fundamentos de sua existência e
questionar, até mesmo, as resposta que viesse a ter a partir de suas dúvidas. A angústia como
condutora e a crise como princípio definem o homem cético.
Um contraponto ao cínico é que o cético considera que os prazeres morais devem ser uma
busca e um direito do homem. A condição em que se vive, rodeada de prazeres materiais,
porque não saciar a mente e os desejos do corpo?
Para os céticos, a mente deve buscar na razão do mundo o espírito elevado da conduta, mas
não deve se eximir da existência. Ou seja, viver bem não impede uma compreensão apurada
da vida. Um contraponto que para muitos foi a solução para viver com satisfação material e
transformar a angústia em um ritual que não necessita de se desfazer da realização do desejo.
Nas teses de Epicuro, o homem não tem mais a sensação após a morte. A separação entre o
corpo e alma se dá quando o átomo da matéria se decompõe se libertando dos sentimentos de
prazer e dor. Desta forma, não há o que temer na morte, e ela não nos aproxima dos deuses,
os quais, por mais que tivessem nos gerado, não determinam nosso destino. Nossa alma
apenas se dispersa pelo mundo, sem sentido. Por isso, não há o que temer na morte, ela nada
significa no mundo sensível.
O pensamento romano foi expresso por pensadores como Zenão (340 a 264 a.C), o fundador do
estoicismo valoriza a rigidez do caráter, a ação que expressa os valores da moral incorruptível.
Filho de comerciantes, apesar de ser de origem fenícia, se erradicou no mundo grego e viveu a
expansão romana. Um homem de valor é constante em seu comportamento, independente das
condições em que se vê obrigado a conviver. Mudança do mundo não significa desprendimento
e mudança de valores. Estes eram princípios defendidos por Zenão.
Dessa forma, é fácil perceber como a ação ganha força e passa a ser determinante do caráter
humano. É preciso dar praticidade ao comportamento, ir além da reflexão, promover a ação.
O conhecimento passa a ser um valor impregnado, que se expressa no comportamento.
Até mesmo o valor divino, os deuses, está dentro dos seres humanos, nas condutas que
determinam sua proximidade ou não com um sentido superior da vida.
Mas se as leis mudam, o homem não muda seus valores? Essa talvez seja a principal crítica
ao estoicismo. Não é possível ser eternamente detentor de princípios, mas não podemos ser
5
Latino por ser a origem de Roma do Lácio, e ser o latino o povo que fundou a cidade de Roma e lhe deu
seus primeiros contornos culturais. Contudo, Roma teve, em sua origem, uma forte influência etrusca. Parte
considerável deste legado não atingiu os povos dominados por Roma, somente a língua latina, mesmo assim,
parcialmente. Os romanos acabaram por incorporar os princípios gregos, e transformá-los em instrumento de
sustentação do seu poder. O que mais tarde fariam com o cristianismo.
A história romana está recheada de uma glória à conduta e de contradições de quem deveria
expressá-la. Os personagens que apelam no discurso e na estética pública uma conduta moral
rígida são, em regra, os mesmos que têm, em sua privacidade, uma vida mundana.
Em uma de suas críticas a mulher do imperador Claudio, acabou sendo banido de Roma, mas
retornou quando as práticas da imperatriz foram descobertas. Ele mesmo tinha uma conduta
que dava espaço a críticas como cobrar impostos abusivos de súditos britânicos, quando o
Império Romano se estendia até a Bretanha. Ele mesmo foi convidado a cometer suicídio após
uma série de atos corruptos que o envolviam.
Outro estoico foi Epicteto (60 a 100), escravo, como o seu próprio nome sugere (adquirido), foi
liberto e passou a ministrar aulas em Roma. Mesmo sofrendo de doenças constantes, fruto de
seu tempo de sofrimento como escravo, jamais abandonou o ofício da educação e da crítica. A
Sua principal crítica era a conduta desonrosa do poder. Considerava que o governo justo não
se corrompe. Se, obrigados a aceitar as instituições públicas, elas devem cumprir com suas
funções. Para ele, o dever do governante está acima de seus interesses privados. Ele não
pode transformar o poder em um instrumento de suas particularidades.
O mais ilustre dos estoicos foi Marco Aurélio (121 a 180), imperador romano. Ele buscou
documentar sua vida no Império e seguir os princípios de fidelidade à Roma e suas instituições.
Dedicado a manter o poder em um império que já sofria as invasões dos povos vizinhos
(chamados de bárbaros) e convivia constantemente com revoltas internas, Marco Aurélio
buscou preservar Roma, garantir sua integridade, tanto na força física como no discurso moral.
Ter perseguido os cristãos, em seu período, não foi uma tradição ou hábito, foi a forma de
garantir a religiosidade romana e a lógica de sua autoridade a qual os cristãos incitavam
levantes. Para o imperador filósofo, é necessário que o homem público cumpra o seu papel.
Ele necessita executar o seu dever dentro do organismo social. Nesse ponto, Aurélio se
aproxima da concepção de Platão sobre a ordem perfeita da sociedade, em que cada um dos
seus elementos deve cumprir o seu papel de forma eficaz e se subordinar a ele.
A própria formação do Império Romano foi marcada pela ação violenta e conquista. O domínio
constante possibilitou a incorporação de inúmeros povos e a implantação de uma estrutura
militarizada em todo o território dominado pelos romanos.
O sucesso da expansão romana se deu sobre povos organizados das mais diferentes formas.
As fronteiras romanas foram os rios Danúbio e Reno, ao Norte, ao Leste, o deserto da Arábia
e o Rio Eufrates, ao sul, o deserto do Saara e, ao Oeste, o Atlântico. Em todo esse território,
ocorreu a integração e implantação de uma administração bem-sucedida. Ela alcançou seu
tempo de paz nos primeiros séculos da Era Cristã.
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No oriente, a legado grego se manteve subordinado à cultura predominante dos povos que
conquistaram as terras do Império Romano, principalmente os muçulmanos. Nem por isso
deixamos de reconhecer que a cultura grega também foi redescoberta pelo ocidente quando
da conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos (Século VIII), sendo necessário também
mencionar o contato que o ocidente teve com estes povos. O que já comentamos anteriormente.
O cristianismo foi criado por Roma e sobreviveu à sua decadência. Fez-se e refez aos
moldes do tempo e sobrevive até nossos dias. Podemos considerar que o homem ocidental é
“cristão”. Se não mais pela crença, a qual ele não é obrigado a professar, pela carga cultural
de compreensão do mundo que o cristianismo construiu e permitiu durante a expansão que a
civilização ocidental promoveu.
As ideias de maior expressão que se difundiram em Alexandria tem autoria de Plotino (204 a
270). O jovem egípcio estudou em Alexandria e manteve-se na cidade até 243, quando fugiu
após uma campanha desastrosa do imperador romano na África. Em Roma, cidade onde
propagou seus estudos e difundiu suas ideias, Plotino plantou o pensamento que viria a se
impor sobre todo o território europeu ocidental e, mais tarde, sobre boa parte do Planeta.
Plotino concebe que a vida é fruto de um encontro entre a “trindade”, aqui, diferente daquela
que concebem os cristãos da atualidade. Nela, na trindade de Plotino, há um elemento único
que integra, o “Uno”. Esse primeiro elemento conduz a força criadora do “Nous” (espírito), o
segundo, propagador da vida. Por fim, a “Alma” é o terceiro elemento, o qual dá vida a toda
Claro que o pensamento de Plotino não deu origem imediata ao pensamento cristão que
conhecemos. Sobre esse tema trataremos na próxima unidade. O que temos que ter claro é
que o desenvolvimento da civilização ocidental se deu com a construção de um legado grego.
Nossa busca incessante por respostas, o desejo de encontrar uma lógica determinante para
a existência e de dominar a natureza que nos cerca por meio da compreensão das leis que a
regem são, sem dúvida, legados gregos.
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Se lembrarmos da busca dos pré-socráticos pela construção do mundo material e de todas as coisas vivas
que nos cerca, eles desenvolveram a compreensão de que somos fruto da mistura de elementos vitais. Quais
seriam estes elementos? Demóstenes compreende que a terra, o ar, a água e o fogo são construtores da
existência.
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A decadência está relacionada à crise escravista, à falta de trabalhadores nas áreas agrícolas
e à constante tributação para manter a imensidão do império. A falta de trabalhadores gerou
uma queda de produtividade dentro das terras do Império. A tributação, por consequência, caiu
e a ineficiência do estado romano se ressaltou.
Mesmo antes da decadência do Império, os cristãos já não eram mais perseguidos e a religião
havia se oficializado. No governo de Constantino e Teodósio, a Igreja Cristã formou a estrutura
administrativa que acompanharia a sua existência por séculos.
Com o surgimento de uma estrutura de poder romana associada à Igreja Católica, um novo
personagem de poder assume a função da administração dos homens ocidentais, o Papa.
A construção de uma cúpula de comando da Igreja (Clero) permitiu a consolidação de uma
instituição política com forte influência sobre os demais povos que viriam a habitar os territórios
que um dia foi do Império Romano.
A conversão dos bárbaros por membros do clero e a construção de instituições que propagavam
o cristianismo foi uma prática constante na decadência romana e ascensão do medievalismo.
Muitos pensadores se dedicaram a difundir a fé cristã e aprimorar o pensamento religioso
fundado na Bíblia, o documento sagrado dos cristãos que foi compilada e produzida na
decadência do Império sobre a égide dos últimos imperadores romanos.
Uns dos princípios fundamentais da nova concepção que se estabelecia com o desenvolvimento
do cristianismo foi a separação entre o comando do Papa – da Igreja de uma forma geral –
e dos imperadores, monarcas europeus. Enquanto o primeiro deveria governar a alma dos
homens, o segundo deveria administrar a matéria.
A concepção do mundo se organizava dentro das instituições organizadas pela Igreja Católica.
Nelas, a filosofia se oficializa independente do império que se estabelece. Seja nas monarquias
dos francos, germanos, godos ou visigodos, o cristianismo orienta a concepção de homem
e garante a supremacia de suas ideias por toda a Europa. Chegou, por consequência, a
justificar o próprio poder dos monarcas. O que só foi questionado com o advento da Reforma
Protestante no Século XVI.
A supremacia dos cristãos acaba por ser também uma contradição em relação aos judeus,
religião da qual são dissidentes. No início, o cristianismo se colocava como um desdobramento
do judaísmo, sem lhe causar rompimento e reconhecendo sua validade. Mas com a ascensão
dos cristãos ao poder em Roma, os judeus passaram a ser vistos como negadores de
Cristo, o filho de Deus. A perseguição aos judeus se acentuou. Ironicamente passaram a ser
perseguidos por quem tinha sofrido perseguição7.
Uma das formas de romper com o judaísmo e iniciar sua perseguição foi o gnosticismo, um
encontro entre o cristianismo e o helenismo. Sua principal expressão foi Paulo de Tarso (5 a
67)8, um judeu helenizado e cristão. Ele construiu os elementos necessários de universalização
7
Mas o papel de perseguidor e perseguido ainda persegue o povo judeu. Durante o nazismo alemão, com
a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), os judeus foram caçados pelos nazistas. Cerca de oito milhões
de judeus foram mortos, a maioria nos campos de concentração. Na Polônia, durante a Guerra, os alemães
prenderam judeus no Gueto de Varsóvia, impedindo-os de circular pela cidade. Em 1947, dois anos depois com
o fim da Segunda Guerra Mundial, após a criação das Nações Unidas, os judeus tiveram seu território (Israel) de
volta. Cortaram a terra dos palestinos para abrigar o estado judaico. Invasões, guerras e anexações territoriais
por parte de Israel fizeram dos palestinos um povo enclausurado. Da mesma forma que sofreram perseguição,
os judeus perseguem.
8
Paulo de Tarso foi o mais importante pensador do primitivismo cristão. Ele teve sua conversão, segundo os
dogmas católicos, em sua viagem a Jerusalém, para capturar cristãos. Teria tido uma visão de Cristo, ficou
cego e passou a pregar o cristianismo após o retorno de sua visão em três dias. A pregação de Paulo converteu
principalmente os judeus da orla do Mediterrâneo. As epístolas da Bíblia (Novo Testamento) são atribuídas a
Um dos importantes pensadores cristãos do primitivismo foi Orígenes de Cesareia (I185 a 253).
Sua obra está relacionada à definição da vida espiritual. Ele concebe a existência do espírito
separado da matéria, sendo que, ao se juntar com o corpo, lhe dá vida no nascimento. A ideia
de eternizar a existência antes e depois da vida lhe dá a autoria de um dos principais elementos
que se consolidaria no ideário cristão, a eternidade da alma e sua relação com Deus.
Todos estes pensamentos foram incorporados à Igreja Cristã Católica com o governo do
imperador Constantino. Nele se organizou a estrutura dos dogmas católicos e o princípio
administrativo do clero. A centralização da administração clerical foi fundamental para, mais
tarde, quando da decadência do Império Romano, o cristianismo prevalecer não só como
culto, mas como instituição de poder político com forte centralização administrativa em torno
da figura do Papa.
Não seria por acaso que a Igreja Católica estaria preocupada, mais tarde, com a organização
das ordens religiosas que deveriam converter a população. Também, parte dessas obras
estava para ações missionárias de ajuda à população carente, servindo-lhe de abrigo e massa
de manobra para o exercício do poder clerical.
O Concílio do Niceia (325) foi fundamental para a organização dos dogmas católicos. Nele se
organizou a doutrinação dos fiéis e os princípios que deveriam nortear o poder papal. Naquele
momento, a Igreja Católica combatia o arianismo, doutrina cristã fundada no pensamento de
Ário (256 a 336)9.
Ambrósio está ligado diretamente à supremacia do poder papal sobre o estado. Filho de uma
família de nobres romanos, ele recebeu educação requintada para atuar na administração do
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Ário, ou Arius, foi discípulo católico em Alexandria. Sua doutrina separava Deus de Cristo e os colocava como
dois elementos distintos diante da construção da trindade. A materialização de Jesus como um homem comum
e passando por todas as dificuldades na condição meramente humana, chocou o comando da Igreja.
Sua doutrina, indiretamente, questionava a autoridade papal. O poder de unir os elementos da Igreja em torno
do clero não era concebido como necessário para Ário. Deus se humaniza e deixa de ser distante da condição
humana, teve que ser homem para viver entre eles.
Dessa forma, Ambrósio é lembrado pela sua capacidade de argumentar e agir em favor dos
interesses do clero, mantendo o poder da Igreja diante da decadência do Império Romano.
Santo Agostinho o admirava pela capacidade de argumentação, fator fundamental que
contribuiu para sua permanência diante dos cargos de administração do clero dentro da
estrutura de poder do Império.
Mas foi na produção documental da Igreja Católica que sobreviveu o instrumento vital para a
pregação da fé, a construção da Bíblia em latim. Este feito de tradução e organização do principal
documento sacro foi obra de Jerônimo. Nascido no Egito, mas com a sua vida dedicada aos
estudos em Roma, acabou se desentendendo com autoridades da Igreja Católica. Jerônimo
produziu documentos de condução ética e princípios morais do cristão.
Sua postura doutrinária acabou por se traduzir nos estudos dos documentos que formaram a
interpretação do Velho Testamento e organização dos documentos do Evangelho. Em função
de sua expulsão da Itália, por desentendimento com líderes religiosos, acabou por formar um
10
O massacre ocorreu por determinação do Imperador, fiel à Igreja Católica, que não admitia a presença de
não cristãos no Império. O fato mostra as transformações pelas quais o Império Romano passava em sua
decadência, assim como a submissão do imperador ao poder do clero. O Edito de Milão, assinado por
Constantino, também imperador romano, já havia colocado fim à perseguição aos cristãos, agora, em nome
deste mesmo cristianismo, Teodósio decretava o massacre dos não cristãos.
A originalidade dos documentos sacros acabou, mais tarde, dividindo a cristandade, permitindo
aos católicos eliminarem interpretações que fugissem aos interesses do clero estabelecido em
toda a Europa medieval.
O terceiro grande pensador cristão foi Santo Agostinho. Filho de nobres, ele nasceu no Norte
da África, na cidade de Cartago. Sua vida foi marcada por rompimentos entre uma formação
religiosa familiar e sua vida mundana durante a juventude. Por causa desta última, se mudou
para Roma, trazendo consigo sua concubina e o filho que teve com ela.
Criticado pela mãe, uma cristã ortodoxa, Agostinho viveu a culpa do pecado, o que sempre lhe
guiou em seus pensamentos acerca da religiosidade. Ele foi um dos principais responsáveis
por traduzir o pecado como um problema de conduta do indivíduo e não da condição em
sociedade12.
O Clero Regular seria oficializado durante o papado de São Bento de Núrsia (480 a 547) foi Papa e organizador
11
da Ordem Beneditina, primeira ordem monástica oficial da Igreja Católica. Com ele se instituiu os monastérios
com funções específicas de estudos de documentos sacros e formação de religiosos. As ordens teriam papel
importante na conversão dos homens europeus não cristãos. Durante as Cruzadas (Séculos XI a XIII), a luta
entre cristãos e muçulmanos contou com importantes ordens religiosas para a formação de tropas cristãs e
organização dos reinos católicos no Oriente.
12
Uma das principais questões que envolvem o cristianismo como nós o conhecemos hoje é a transferência da
culpa como condição coletiva para o âmbito da conduta privada. Aqui se coloca mais um elemento fundamental,
seria a culpa uma condição natural da própria existência humana, ou seria uma questão de escolha, o livre
arbítrio?
Ao aceitarmos a condição que Deus criou na Terra, estabelecemos uma relação de fé sem
questionamento da origem dos elementos materiais que nos cercam. Estes são, para Agostinho,
uma condição criada por Deus sem que tenhamos o direito ou a capacidade de questioná-la.
Temos que aceitar, por exemplo, que a criação de todo o Universo foi feita a partir do “nada”,
da inexistência de qualquer elemento anterior. Assim, Deus fez o tempo, fez a matéria. Ele cria
a partir do vazio e assim é, sem questionamento, acreditava Agostinho.
Este pensamento coloca a condição de existência como dádiva e não conquista. Ou seja, o
homem na terra é uma concessão divina. Sua existência está sequestrada por um destino que
não lhe pertence construir, apenas seguir os desígnios divinos.
Sua contribuição mais significativa foi a construção da identidade Papal, o “servo dos servos de
Deus”, segundo ele mesmo, ou sumo pontífice. Sua autoridade seria aceita por todo o território
europeu, fundando o legado de comando sobre diversas nações do Ocidente europeu. Uma
centralização que seria seguida e mantida como elemento de poder por todo o medievalismo.
É importante considerar que as ordens religiosas acabariam por propagar o sentido de poder
teológico que justificou o poder papal e o fez ser compreendido por toda a população europeia.
Em um continente marcado pelo analfabetismo da maioria da população, imersa em uma
ignorância sobre o mundo, seria a Igreja Católica que daria o sentido de existência, a sua
imagem e semelhança.
A relação de diplomacia da Igreja Católica com as invasões bárbaras explica por que, mesmo
com a queda de Roma, a instituição prevaleceu. Sua doutrina se estabeleceu sobre toda a
Muitos líderes bárbaros acabaram por incorporar o cristianismo com religião do monarca,
mesmo sem afetar a liberdade de culto. Foi o caso de Teodorico, herdeiro de Teodósio, o
conquistador ostrogodo, que era ariano e permitiu o culto livre em suas terras.
São Bento de Núrsia (480 a 547) é apontado como o pontífice que propagou os mosteiros
a partir da ordem que ele mesmo criou, Beneditina. O mais famoso mosteiro, fundado pelo
próprio Bento, foi o de Monte Cassino. Lá, o fundador dos monastérios acabou por encerrar sua
vida. Mas antes disso, foi Papa. O que lhe permitiu dar aos mosteiros a função de interpretação
dos desígnios divinos e propagar a fé.
Nesta vida de reclusão, boa parte dos membros do clero mantiveram-se distantes dos
conflitos que se desenvolveram na Europa entre os reinos bárbaros. Dentro do ambiente do
monastério, a regra que determinava a vida dos monges permitiu a execução de práticas ligada
às comunidades onde os mosteiros se instalaram, como também a preservação da cultura
clássica, permitindo o desenvolvimento do pensamento cristão. Os principais pensadores que
se destacariam por meio da construção da “escolástica” vieram das ordens religiosas.
Pensadores como Santo Agostinho são apontados como fundadores do pensamento cristão
europeu, contudo, ligados profundamente à particularização da relação do homem com Deus
por meio da fé. A Escolástica vai além, ela é abrangente ao ponto de pensar o papel da razão
sem abandonar a crença do elemento Criador.
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Nascido dentro dos mosteiros cristãos, o pensamento escolástico buscou aprofundar a tese
de Aristóteles na relação da fé e a conduta humana. Fugindo da imposição pura e simples de
crer sobre qualquer fenômeno da vida humana. Nem tudo o que se vive é resultado exclusivo
do “plano de Deus”. Há na existência uma responsabilidade dos homens pelos seus atos e a
construção de um destino mediante as escolhas individuais.
O principal autor da escolástica é, sem dúvida, São Tomás de Aquino (1225 a 1274). Filho
de uma nobreza italiana de ascendência germânica, Aquino estudou em Nápoles e em
Monte Cassino, mosteiro beneditino. Contudo, acabou ingressando na Ordem Dominicana,
contrariando a vontade da família que o queria um beneditino como o tio.
Sob a influência da escolástica tomista, a Igreja Católica viu proliferar o número de universidades
com a função de desenvolver a razão sintonizada com os preceitos da fé. Vale lembrar que o
estudo desenvolvido nas instituições católicas exalta o livre-arbítrio e permite a compreensão
do mundo sobre uma ótica fundada na racionalidade particular, na busca de um conhecimento
reflexivo. Mas nunca deixou de atender às decisões que a Igreja e seus aliados tomaram ao
longo das conquistas ocidentais13.
Uma das principais questões que envolveram o clero católico e as conquistas promovidas pelo ocidente foi
13
a escravidão. A utilização do trabalho compulsório nos territórios coloniais necessitou de uma justificativa
teológica e filosófica para orientar as ações dos estados monárquicos que se utilizaram deste trabalhador em
suas colônias. Um exemplo dessa prática foi Portugal e Espanha. Reinos fiéis ao catolicismo e que se utilizaram
do poder da Igreja como instrumento de legitimação da escravidão nos territórios coloniais.
Um exemplo dessa utilização da lógica religiosa para a finalidade escravista foi a Ordem Jesuíta. Construída
como instrumento de propagação da fé católica por meio da educação e conversão, os jesuítas se deslocaram
para as áreas coloniais dos países ibéricos e promoveram a catequese, mas também justificaram a escravidão
dos africanos.
Na Europa, a Ordem Jesuíta passou a controlar as instituições de ensino católicas, as universidades em
especial. A doutrina conservadora dos inacianos colaborou para um combate às medidas protestantes, ao
Renascimento Cultural, mas também legitimaram a autoridade do estado monárquico sobre os territórios da
América.
Vale lembrar que a sobrevivência da Igreja Católica enquanto instituição está relacionada
diretamente às alianças organizadas na Europa com a consolidação dos reinos cristãos.
A associação do cristianismo com o poder dos governantes bárbaros foi uma associação
gradativa, mas nenhuma delas foi mais eficiente do que a que uniu o Papa e o Império Franco.
A primeira dinástica franca não foi simpática à causa católica, mas acabou por cair na indolência,
eram os merovíngios. Incapazes de governar seu próprio reino, devido à desobediência da
nobreza, os reis acabaram por ser submetidos pelo majordomus (Século VIII).
O mordomo do paço se estabeleceu como rei durante o governo de Pepino o Breve, filho de
Carlos Martel. Pepino foi pai de Carlos Magno, o maior dos reis carolíngios. Vale lembrar que
cada um ao seu tempo, todos os reis da dinastia carolíngia eram fiéis à Igreja Católica e foi
deles que o papal teve o reconhecimento de sua autoridade e recebeu as terras do centro da
Península Itálica como terras da Igreja, o “patrimônio de São Pedro”.
Em sua decadência, diante da impossibilidade de conter as invasões dos povos vizinhos, o Império Romano
14
passou a fazer acordos com povos vindos do leste europeu para poder manter o controle sob seu território, era
os federatus. A organização de uma comunidade bárbara que se submete ao comando romano, tendo relativa
liberdade administrativa e acesso a terras cultiváveis. Submetidos pela hierarquia do poder do imperador
romano, pagando tributos e combatendo ao lado dos romanos em suas causas, os “imigrantes” pacíficos
poderiam manter-se dentro das terras de Roma.
Contudo, parte considerável desses invasores acabou por se voltar contra o próprio Império. A fraqueza
estrutural administrativa romana, a decadência de suas legiões e a dificuldade de manter o comando sobre o
território favoreceram as rebeliões. O Império Franco foi o maior exemplo do fracasso das federações dentro
das terras romanas.
A divisão do homem entre alma e corpo estaria integrada pela unidade que separadas retira
do homem a vida. Dessa forma, como a própria escolástica traduz, era preciso aliar fé e razão.
O desenvolvimento das instituições clericais associou o patrimônio do poder do estado aos
da Igreja, mais tarde, essa associação seria fundamental para a formação das monarquias
nacionais ou para a resistência a ela.
João Escoto (810 a 877) foi um dos expoentes da força de um membro do clero dentro da corte
de um monarca. Em plena corte do imperador franco Carlos, o calvo (845), Escoto desenvolveu
as teses de vinculação da criação do mundo com a existência de Deus. O princípio da origem
de todas as coisas que regem a vida. Existira, para ele, uma lei que determina a vida dos
homens e todo o universo que o cerca.
Escoto acabou perseguido por suas obras que tentaram resgatar o pensamento grego clássico
e aliá-lo ao cristianismo. Em sua principal obra, Divisão Natural, ele buscou a compreensão
da ordem do mundo pela razão que, para o pensador irlandês, seria o elemento que levaria a
Deus. Logo, a lógica divina estaria nos elementos naturais, o próprio Deus seria a natureza.
Sua compreensão lhe custou a condenação e perseguição pela censura clerical.
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O ocidente não permaneceria o mesmo após o nascimento da Religião Islâmica. Uma religião
construída nas mesmas bases que o cristianismo, mas que representou uma nova interpretação
do papel das divindades.
O islã nasceu da ação de Maomé (570 a 632), o fundador da religião islâmica. O profeta iniciou
sua pregação após, segundo a crença islâmica, ter recebido a visita do Anjo Gabriel, que lhe
entregou poemas enviados por Deus e a mensagem era de que ele era o último dos profetas.
Sua função seria a de unir o povo em torno da verdadeira religião.
Em 622, Maomé foi expulso de Meca e se refugiou em Medina (Yatreb), onde iniciou a
comunidade muçulmana. Desse núcleo se propagou o islã, conquistando os árabes unidos
ainda por Maomé. Posteriormente, os herdeiros e as dinastias que lideraram os muçulmanos
propagaram o império da Pérsia à Península Ibérica. Todas essas conquistas se deram de 622
Alguns fatores contaram para a conquista rápida efetuada pelos islâmicos: a condenação das
imagens, a austeridade religiosa, a reinterpretação do papel dos judeus e do cristianismo como
religiosidades que antecederam o Islamismo15. Outro fator foi o enfraquecimento militar dos
impérios dominados pelos árabes. Muitos se encontravam em guerras civis constantes, o que
promoveu uma instabilidade social e a facilidade de um invasor subordinar a população.
O mundo árabe viveu três momentos dinásticos em sua liderança. Os “escolhidos”, que foram
os herdeiros do profeta; os Omíadas, família militar sediada em Damasco; e os Abássidas,
que transferiram o poder para Bagdá. Quando os Omíadas tomaram o poder, se instalou a
cisão entre a religiosidade islâmica. Os xiitas16, que mantiveram a adoração aos herdeiros
15
Os princípios islâmicos não condenam o cristianismo ou o judaísmo. Eles consideram que estas duas religiões,
que deram as bases para a formação da religião fundada por Maomé, foram desvirtuadas pelos homens e que
necessitava ser resgatada a verdade sobre a palavra divina.
Para os islâmicos, a idolatria às imagens contraria os princípios da fé. Os muçulmanos condenam as imagens
dos santos. O que se justifica pela transubstanciação para o cristianismo católico, é uma distorção divina para o
islã. Quando Maomé condenava a idolatria em Meca, a crítica ao profeta se acirrou por ele condenar os deuses
da Caaba, centro de adoração dos árabes antes da unificação pelo islã. Hoje, a edificação que fica no centro
da cidade de Meca se tornou um abrigo para a Pedra Filosofal (Pedra Negra).
A própria figura de Cristo é reordenada. Não seria o filho de Deus, mas um profeta que antecedeu Maomé. As
palavras de Jesus são consideradas no Al Corão, o que mostra o sincretismo em que foi fundado o islã. Esse
conceito de humanização foi ao encontro da crença de muitos povos dominados pelos islâmicos.
Mesmo no caso dos judeus, há a compreensão do papel que os profetas do Velho Testamento executaram
na construção da palavra divina. Contudo, a cisão do povo israelense entre os demais, como os escolhidos, é
condenada pelos árabes.
16
Os xiitas se constituíram como conservadores dentro do mundo islâmico. Condenavam a desobediência aos
princípios fundamentais do Al Corão. O Império Persa foi o ponto de resistência dos xiitas. Hoje, nesse mesmo
A cultura islâmica poderia ter se mantido simplificada nos princípios religiosos fundados
por Maomé, mas cresceu e se difundiu. Uniu-se a princípios filosóficos gregos, bizantinos
e persas. Inclusive, foi neste último, no Império Persa, que se estabeleceu um dos centros
culturais islâmicos, o outro foi a Península Ibérica.
Um dos maiores califas da Dinastia Abássida foi Harun Al Rashid (766 a 809), que conseguiu
estabilizar o poder entre os califados árabes. Como uma construção híbrida do mundo persa,
indiano e árabe, o florescimento da cultura muçulmana alcançou uma identidade própria. Uma
das maiores expressões literárias deste tempo foi a obra “Mil e Uma Noites” 17.
O Islamismo teve expressões culturais relevantes ao longo de sua história. Alguns dos
conhecimentos desenvolvidos pelos árabes acabaram por atingir o mundo ocidental. O mais
conhecido foi o algarismo arábico, o desenvolvimento da álgebra e também a química.
Entre os intelectuais mais conhecidos do mundo árabe se destacam Avicena (980 a 1037) e
Averróis (1126 a 1198). O primeiro foi, sem dúvida, o mais importante pensador árabe. Seus
conhecimentos sobre medicina influenciaram universidades francesas. Áreas de conhecimento
como a física e a matemática também foram influenciadas; O segundo se destacou como a
maior fonte de análise de Aristóteles para o homem europeu. Mesmo sendo um muçulmano,
seus escritos chegaram na Europa e influenciaram as universidades europeias. Muito do que
se estudou de Aristóteles na Europa Medieval vem dos estudos de Averróis.
território, herdeiro dessa cultura islâmica, está o Irã. O país conservador viu emergir, em 1979, o retorno dos
aiatolás no poder, a Revolução Iraniana, comandada pelo Aiatolá Khomeini.
17
A obra é uma compilação de histórias populares, contos. Sua apresentação oficial, mas nem por isso legítima,
está relacionada à lenda da Xerazade, uma jovem virgem que se deixou ser desposada pelo rei Xaliar. O
monarca, desencantado pela traição de sua primeira esposa, desacreditou de todas as mulheres e passou a
desposar um virgem e matá-la no dia seguinte. A jovem Xerazade passou a lhe contar histórias que, ao final do
dia, interrompia para continuar no dia seguinte. Assim, se passaram 1001 noites e Xerazade teve três filhos com
o rei. Este se arrependeu de seus atos e fez da jovem sua rainha.
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Mas o gigantismo do império muçulmano pagou seu preço. Aquilo que recai sobre qualquer
grande império, uma crise de governabilidade. Internamente, a unidade começou a ruir com
as guerras constantes entre califas pelo predomínio regional. Povos buscaram sua autonomia
em territórios como o Egito e a Síria. Mesmo na Pérsia, a unidade se enfraqueceu e as guerras
internas eclodiram.
Para os cristãos, o conflito interno entre os árabes deu a oportunidade para atacar o império
islâmico, onde o interesse cristão mirava o domínio sobre a Palestina e a conquista de
Jerusalém18. Em seu exercício de autoridade, o Papa Urbano II (1042-1099) uniu os cristãos na
“Guerra Santa” e iniciou o processo de expansão ocidental fundado no discurso religioso. Um
discurso que acompanhou, de certa forma, as diversas incursões dos cristãos sobre o mundo.
Essa preocupação em justificar a conquista ocidental por meio de um homem que devia a
obrigação de sua existência à vontade divina estava em debate na Europa, ao mesmo tempo
em que as Cruzadas se desdobraram no Oriente Médio e no ocidente, na Península Ibérica19.
Vale lembrar que o domínio muçulmano sobre Jerusalém não significou um problema, inicialmente, para os
18
cristãos. Ao longo do tempo, as lutas internas pelo domínio da Palestina acabaram por ameaçar a condição dos
peregrinos cristãos. Alguns levados à condição de escravos.
Contudo, isto não justifica o combate que se seguiu após a convocação do Papa para combater o inimigo, o
“herege muçulmano”. Vale lembrar que a busca de conquistar a “Terra Santa” do domínio muçulmano tinha
outros interesses, a supremacia papal e reis cristãos e a riqueza comercial posteriormente.
Podemos considerar que, da mesma forma que as conquistas islâmicas provocaram a reação dos cristãos
19
no Oriente Médio, também na Península Ibérica (Séculos VIII a XV), ocorreu a reconquista cristã. As lutas
contra os árabes e sarracenos muçulmanos acabaram por formar os “reinos católicos” e, posteriormente, as
monarquias ibéricas.
O pioneirismo dos países ibéricos na expansão marítima é considerado uma herança cultural cruzadista que
impulsionou a busca por riqueza pelos navegadores portugueses e espanhóis. Na formação dessas duas
nações há uma forte carga do modelo católico de poder. Na própria organização dos estados nacionais ibéricos,
Não por acaso, a própria Itália se transformou no berço da economia mercantil europeia a
partir do Século XI, como também no centro cultural que gerou a Renascença (Séculos XIV a
XVI), a revolução cultural que mudou decisivamente os rumos do ocidente cristão.
o princípio cristão foi norteador da justificativa do poder monárquico. Mesmo nas forças que levaram à formação
dos estados nacionais de Portugal e Espanha a Igreja Católica tem um papel de destaque.
20
O antissemitismo ascendeu durante o período das cruzadas. O extermínio de judeus não foi uma exceção da
primeira marcha cristã para o oriente. Em diversas mobilizações dos cavaleiros cruzados, os judeus foram alvo
de sua ira. O sentimento de aversão aos judeus cresceu na Europa neste período. Em países como Inglaterra,
França e Alemanha a vida dos judeus ficou dificultada pelas perseguições. Eles passaram a depender da
proteção de nobres e príncipes para poderem sobreviver. Na Itália, em Veneza, por exemplo, os judeus viveram
em guetos, espaços urbanos delimitados para sua moradia, com restrições em relação aos demais cidadãos
católicos.
Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica consolidava seu poder e se impunha como
instituição, os pensadores cristãos reavaliavam o papel do homem na Terra e a influência da
formação divina e a razão como condutor das ações humanas.
Dois pensadores ganham destaque neste contexto, Anselmo (1033 a 1109) e Abelardo (1049 a
1142), considerados como a maior expressão da escolástica na busca de justificar a existência
de Deus dentro da razão filosófica. Um dos principais argumentos desses pensadores era
a questão dos universais, ou seja, daquilo que está em tudo, dá sentido a tudo, mas só se
percebe na particularidade.
Anselmo, por exemplo, desenvolveu a razão da existência de todas as coisas em Deus. Ele
seria o princípio que justifica tudo, mas não necessita ser justificado. Dessa forma, a fé é o
elemento que desvenda a verdade do Universo. Contudo, para ele, há uma razão para tudo o
que existe, ela deve ser buscada pelo conhecimento do homem.
Já para Abelardo, o homem usa da particularidade para dar sentido aos valores universais.
Segundo ele, não há outra forma de se constituir uma verdade se não for transformada em
palavra. Desta forma, o conhecimento universal só existe na medida em que o ser humano
consegue lhe dar um sentido, mas não significa que o domine, apenas o desvenda e lhe
conceitua.
É preciso, para que fique claro ao leitor, entender que a busca de um conhecimento universal
vai orientar a vida do homem ocidental ao longo de sua existência até nossos dias. Por meio
Em suas defesas, São Tomás de Aquino considerava que Deus é um construtor do Universo
com uma inteligência, com uma intenção. Diferente de Aristóteles que considerava a criação do
universo como uma obra do acaso, de uma divindade desinteressada em suas consequências
ou sem se preocupar com seus resultados finais.
Desta forma, para o homem ocidental, o universo tem uma razão lógica e um sentido comum,
por mais que marcado por contradições entre a existência particular e coletiva. Por mais que
marcado pela universalidade que se expressa na individualidade, ou se contrapõe a ela, a
busca de entender a lógica do universo mediante a experimentação sensorial particular é
fundamental. Estamos vivos, e a vida tem que ter um sentido para todos, este é o paradigma
do ocidente.
21
O homem como um ser que é capaz de dar sentido ao mundo e de conhecê-lo, coloca em xeque a existência
dos elementos que lhe dão sentido e também a existência de Deus. Seria como se desvendássemos no homem
a sua origem e tentássemos dar a ele uma paternidade não comprovada, podendo Deus desmascarar o ser
humano com um falseador de sua própria existência.
No Século XVIII, como veremos, pensadores iluministas, como Voltaire, irão desafiar o papel do criador e
colocá-lo na condição de criação humana. Deus é o criador de um homem a sua imagem e semelhança, ou o
homem, por não entender Deus, criou sua própria divindade?
Essa angústia, no mundo medieval, está no debate sobre as universalidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como fruto de uma expansão do ocidente, hoje, em praticamente todo o mundo, se sente a
influência do ideário cristão. A lógica que universaliza o homem, presente no entendimento
cristão sobre o mundo, estabelecendo a imposição cultural, construiu um legado indiscutível
de determinação sobre todo o Mundo.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
1. O pensamento grego foi marcado por dois pensadores fundamentais, Platão e Aristóteles.
Os dois pensadores partiam de princípios diferentes, um centrava-se em um mundo
perfeito, capaz de o homem compreendê-lo e aprender suas leis. Outro defendia o
inesgotável mistério do universo, o homem teria sempre que considerar a estabilidade e
desestabilidade constante. Defina qual o posicionamento de Platão e de Aristóteles em
relação ao homem diante do Universo.
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Pensadores como Galileu, Copérnico e Kepler são elementos que fundaram a ruptura com
a escolástica, corrente de pensamento predominante no mundo ocidental, durante o Período
Medieval. Dessa forma, o que temos nesta unidade é o desdobramento do pensamento
filosófico como condição para a racionalidade da conduta humana e de suas organizações
sociais, como o Estado nas teses de Maquiavel.
O que seria fundamental não deixar de perceber ao longo desta unidade é como o homem
ocidental compreendeu o desenvolvimento científico e a sua racionalidade. A capacidade
de dominar a natureza e a o desdobramento do conhecimento em campos específicos,
em especial, na economia, política, psicologia e sociedade. Áreas do conhecimento que
interessam, em especial, na formação do educador.
A razão ter se sobressaído sobre a fé foi o resultado de uma longa jornada. Não foi a construção
de um pensador específico, mas o resultado de diversos deles e de um contexto histórico que
gerou o ambiente necessário para esta construção.
Se dentro dos mosteiros e universidades europeias do Período Medieval foi gestada a lógica
de entender a universalidade do homem, dentro deste ambiente se resgatou o conhecimento
de Platão e Aristóteles, se aprofundou a visão do universo e da capacidade humana de
compreendê-lo. Esta compreensão influenciada pelo paradigma cristão.
Mas as mudanças na ordem econômica, social e política da Europa foram um campo fértil para
o desenvolvimento do pensamento moderno. As transformações pelas quais a Europa passou
entre os séculos XI a XVI abriram espaço para a emergência de novas forças sociais.
É interessante perceber como o pensamento ocidental científico busca uma verdade universal. Um elemento de
22
sobreposição inquestionável que se imponha como uma descoberta que oriente o homem em todos os lugares
onde esteja e lhe dê uma certeza.
Por mais que a ciência se separou da crença teológica. Por mais que o conhecimento científico se coloque
como negação da fé sem comprovação, a filosofia é o ponto de encontro destas duas negações. Elas caminham
em paralelo e buscam dar um sentido ao homem no caminho da compreensão racional da existência, mas
também lhe traçou o caminho do que a religiosidade anseia.
Em sua obra, Política como Vocação, Max Weber descreve com detalhes a importância da
transferência da autoridade dos senhores para os príncipes. A transição de poder das regiões
feudais, dos condados, para o estado nacional centralizado em torno do rei:
Em toda parte, o desenvolvimento do Estado moderno é iniciado através da ação
do príncipe. Ele abre o caminho para a expropriação dos portadores autônomos e
“privados” do poder executivo que estão ao seu lado, daqueles que possuem meios
de administração próprios, meios de guerra e organização financeira, assim como
os bens politicamente usáveis, de todos os tipos. A totalidade do processo é um
paralelo complexo ao desenvolvimento da empresa capitalista através da expropriação
gradativa dos produtores independentes. Por fim, o Estado moderno controla os meios
totais de organização política, que na realidade se agrupam sob um chefe único.
Nenhuma autoridade isolada possui o dinheiro que paga, ou os edifícios, armazéns,
ferramentas e máquinas de guerra que controla. No “Estado” contemporâneo – e isso
é essencial ao conceito de Estado – a “separação” entre o quadro administrativo, os
funcionários administrativos e os trabalhadores, em relação aos meios materiais de
organização administrativa, é completa (WEBER, 1982, pp. 102-103).
Um dos fatores fundamentais dessa formação do estado nacional se deu pela influência das
atividades mercantis e da emergência de uma racionalidade ligada à existência da vida em
coletividade.
23
A dominação territorial na Europa medieval era garantida pela aliança militar entre os senhores feudais. Com
uma ampla rede de unidades senhoriais, um príncipe ou monarca garantia sua supremacia enquanto governante,
o que não lhe permitia, contudo, a imposição de seus interesses sobre todo este território. A autoridade local
exercida pela classe senhorial se impunha mais sensível do que a autoridade do monarca.
Mesmo sendo combates em terras do Oriente Médio, os cristãos trouxeram para a Europa
uma compreensão diferente da existência. Não podemos esquecer que os “ocidentais”
construíram reinos católicos em Edessa, Chipre e Palestina. Formaram núcleos cristãos em
terras muçulmanas. A religiosidade cristã não livrou o homem europeu de ser influenciado pela
vida oriental. As cruzadas foram um confronto, mas também uma troca.
Vamos considerar que o desenvolvimento da vida material na Europa levou à busca de uma
compreensão desta vida material dentro da lógica científica, eficiente para dar respostas
ao que as necessidades materiais impunham. Não podemos negar que o desenvolvimento
material da humanidade foi resultado de um conhecimento científico que jamais cessou na
Europa, desde a Renascença.
Um franciscano, Bacon desenvolve a ideia de que para entender as coisas da natureza não se
deve subordinar a razão a uma crença que lhe imponha limites na busca da verdade. Para ele,
O que determina, em seu pensamento, uma compreensão básica do que seria o conhecimento
contemporâneo é a matemática. O conhecimento científico que parte da lógica dos números
(o que foi tão caro a Bacon). Ele acabou preso e permaneceu por 15 anos em cárcere, morreu
dois anos depois de sua libertação (1294).
Não podemos jamais deixar de considerar que o desenvolvimento mercantil, que teve na Itália
o seu centro entre os séculos XI a XV, estimulou a necessidade de dar ao conhecimento
científico uma ação prática. As descobertas da Astronomia, Física, Química e Biologia, durante
a Renascença, permitiram o desenvolvimento dos meios pelos quais a civilização ocidental se
impôs sobre o mundo.
Aqui podemos voltar à ideia de universalidade que predominou no ocidente medieval, sendo
utilizada para o aprimoramento científico que deu aos europeus a capacidade de domínio
sobre o planeta.
Huss (1369 a 1415) nasceu na Boêmia e desenvolveu sua vida dentro do clero católico, por
mais que fosse um crítico da atuação da Igreja em relação aos fiéis. Sua principal crítica se
dava pela forma como a dominação da dinastia Habsburgo se dava sobre os povos do leste
europeu. Uma dominação respaldada pelo clero católico, o qual ele criticava.
Huss era seguidor de John Wycliff (1320 a 1384), o mais importante pensador pré-reformista
da Europa. Inglês, originário de família de nobres e com grande quantidade de terras na região
de Yorkshire, sua vida dentro do clero foi de crítica ao poder do clero e à influência que este
exercia no poder monárquico.
Wycliff, assim como Huss, pregou a religiosidade em língua nacional. Foi um dos primeiros
tradutores da Bíblia em língua inglesa. O pensador inglês defendeu a transferência da autoridade
papal para os monarcas, por isso é considerado um precursor das teses do anglicanismo24.
24
Três Igrejas se desenvolveram durante o período inicial da Reforma Protestante, o luteranismo, calvinismo e
anglicanismo. A Igreja Anglicana é considerada a mais política das três primeiras instituições religiosas que
afrontaram o poder papal.
Um dos principais elementos do anglicanismo é a autoridade religiosa do Rei da Inglaterra, considerado o
verdadeiro chefe da cristandade britânica. Essa valorização do poder monárquico sobre os demais poderes
garantiu a autoridade do rei sobre o patrimônio clerical, assim como sobre o próprio clero.
A unidade nacional ganhou força com o reconhecimento da autoridade do monarca sobre a Igreja e sua
capacidade de impor dentro dos templos religiosos o discurso de dominação do estado nacional.
A língua inglesa era, ao mesmo tempo, a língua do estado e a língua da religiosidade cristã. Em muitos países
da Europa onde o protestantismo luterano ou calvinista se instalou a nacionalização dos documentos sacros foi
Para Roterdã, esses documentos bíblicos são a base do cristianismo que fundamentam a
relação de Deus com os homens e os documentos necessários para a compreensão da
existência do homem em contato com o Criador.
Com esse pensamento, Erasmo de Roterdã desafiou o poder Papa e clerical, o qual achava
desnecessário. Criticou a escolástica tomista ao considerar que a fé é o determinante da
salvação, assim como a ação humana é uma expressão da vontade de Deus. O homem por si
se salva, por meio de sua busca por Deus.
Por viver na Holanda, um país com uma liberdade imensa de convivência entre diferentes
facções de pensamento religioso, Roterdã não foi perseguido como seus antecessores. Ele
viajou por diversos países europeus e chegou a debater com Lutero, seu contemporâneo.
Uma das principais defesas de Roterdã era a educação que, para ele, deveria se constituir
como um interesse de todos, mas a educação requintada era apenas para os homens de
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Impossível deixar de entender o que Copérnico, Galileu e Kepler significaram para o mundo
moderno. Os três grandes astrofísicos mudaram o destino da humanidade, descobriram o
mundo para os seres humanos e geraram as possibilidades de um conhecimento que está em
todo o nosso cotidiano.
As transformações que assistimos nos últimos seis séculos em que a Europa conquistou o
planeta e lhe impôs uma integração mercantil e cultural tem no conhecimento científico o
Membro do clero, Copérnico viveu entre os estudos de medicina, lógica e astronomia e a vida
clerical. Acabou por viajar para a França e Itália na busca de aperfeiçoar seus conhecimentos
sobre a mecânica do Universo. Suas descobertas acabaram por demorar a serem publicadas
pelo temor do próprio cientista sobre a reação que a Igreja Católica teria de suas descobertas.
Sobre o que, de certa forma, Copérnico tinha razão.
Galileu (1564-1642), o italiano, também foi estudante de medicina, mas acabou por se interessar
por astronomia e matemática ao que se dedicou pelo resto de sua vida. Uma de suas principais
teses foram o desenvolvimento da física e o movimento dos corpos.
25
É importante entender que as teses de Copérnico vão muito além de uma simples descoberta. Elas reorganizam
a construção do pensamento do homem moderno. Até o momento em que o pensador polonês desvenda a
existência de um sistema solar e a sua lógica de funcionamento, se acreditava que a Terra era o centro do
Universo e que tudo girava em torno dela. Nosso Planeta estaria no centro de toda a criação divina. O homem,
nesta lógica, do Universo de Ptolomeu, estaria no centro de todas as criações de Deus.
Quando Copérnico lança seu conhecimento e desmonta a ideia de um Universo centrado na figura humana
enquanto criança divina, e que este Universo não corresponde à verdade, ele coloca por terra toda a ideia de
um homem construído à imagem e semelhança de Deus.
De repente estamos jogados na periferia de uma criação maior, de um Universo em que o homem é apenas
um elemento que segue leis naturais compreendidas pela razão, e que o próprio homem está sujeito a elas.
Contudo, essa condição que deveria dar humildade ao homem, não o humilha, o dá soberba.
A civilização ocidental irá se apoderar desse conhecimento, e irá aprimorar o saber sobre as leis universais
e naturais, e as utilizará no domínio planetário. As navegações estabelecidas por Portugal e Espanha se
sustentaram em princípios fundados pelas teses renascentistas.
Johannes Kepler (1571 a 1630) nasceu na Alemanha e foi matemático. Suas teses se
desenvolvem em torno dos movimentos dos astros, a que se dedica a observar e a buscar
entender a força que os atrai. Ele descobre que o movimento dos astros, devido à atração que
as massas dos planetas provocam, é elíptico e não circular como se acreditava.
Como Copérnico e Galileu, com quem se correspondeu, Kepler foi perseguido pelos
protestantes alemães, tendo que se mudar para Praga e para poder continuar suas
pesquisas. A ciência parecia incomodar a católicos e protestantes. As teses desenvolvidas
pelos pensadores renascentistas, que ironicamente eram religiosos, despertavam o temor do
fanatismo sustentado em verdades absolutas e inquestionáveis. Os administradores religiosos
demonstram ignorância no trato da ciência26
26
Nos relatos históricos, é fácil perceber o quanto a religiosidade acaba se afastando da ciência pela ignorância
de quem administra as instituições. Mas não se pode negar que os que têm fé também apresentam uma
incapacidade de entender o sentido do conhecimento.
Logo, podemos entender o quanto, ainda hoje, a ciência acaba sofrendo pela ignorância das lideranças
religiosas. Em alguns temas fundamentais para a vida humana, em que a razão demonstra a necessidade de
uma ação, a moralidade religiosa acaba por deturpar a conduta.
Na lógica do poder, essa contradição ficará cada vez mais expressa. Na Europa do Período Moderno (Séculos
XV a XVIII) e em nossos dias, os governos pendem a manter-se reféns da crença que ignora o saber e prejudica
a boa administração pública. Quantos temas racionalmente entendidos e com diagnósticos claros para uma
conduta governamental lúcida ficam limitados a uma religiosidade superficial e sem sentido. A eutanásia e o
aborto estão no centro deste debate hoje.
78 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
Essa cisão da cristandade tem em suas bases os mesmos princípios que teve o Renascimento
Cultural em sua origem, os elementos que determinaram as descobertas científicas, o
humanismo. A busca de valorizar o homem acima das crenças e dogmas impostos, como a
escolástica exigia.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Em vez do homem introspectivo, o que se deseja era um homem especulativo, que busca
conhecer-se ao conhecer o mundo que o cerca, sem limites de moral ou crença que impeça
de ir além do que se é.
Neste sentido, da mesma forma que a física foi fruto da especulação, a reinterpretação das
palavras divinas e a busca de uma relação direta com Deus também seguiu a liberdade, mas
apenas a princípio. Posteriormente, o temor das descobertas científicas abalou também as
Igrejas que nasceram da Reforma.
Não podemos deixar de mencionar o papel que a Igreja Católica teve nos primeiros anos da
Renascença. Papas, cardeais e bispos foram financiadores dos renascentistas. Obras como
as de Da Vinci, Michelangelo e Donatello foram dedicadas, em grande parte, a Igreja Católica.
Contudo, mais tarde, a própria Igreja viria a condenar os artistas da Renascença, consideran-
do-os uma ameaça. Censurando suas obras e descobertas. Foi o caso de Da Vinci, de Galileu
e Copérnico. Mas nada disso impediria a propagação do conhecimento que o Renascimento
gerou. O movimento humanista cresceu em um ambiente onde a autoridade papal estava
decadente, a burguesia mercantil emergia e a nobreza feudal enfraquecida se agarrava nos
direitos hereditários subsidiados por uma monarquia nacional que lhe sugava o poder político e
militar. Os mesmo monarcas que recebiam dos empresários mercantis os tributos para ampliar
poder territorial e consolidar a autoridade.
A força dos monarcas garantiu em muitos reinos europeus a cultura renascentista, a qual,
contudo, também foi perseguidas por eles. Um exemplo desta instabilidade ocorreu na
Península Ibérica que, carregada de religiosidade, soube usar o desenvolvimento da ciência
náutica como nenhuma outra nação da Europa. Os monarcas Ibéricos que se constituíram
como guardiões do poder papal, cobraram caro para proteger a Igreja Católica, transferiram o
poder do vaticano para os interesses do trono.
Se observarmos as grandes navegações, vamos entender por que o discurso religioso norteia
as conquistas ibéricas. A cruz estampada nas velas dos navios portugueses e espanhóis, o
prestígio que a religiosidade católica tinha ao orientar a conquista dos territórios e catequizar,
por exemplo, e os gentis americanos são exemplos da influência do ideário cristão.
Uma peculiaridade da Companhia de Jesus foi seu papel importante na educação das terras
coloniais da América. Ao mesmo tempo em que se responsabilizaram pela conversão dos
nativos, os inacianos se destacaram na formação de seminários e nas artes29.
Inácio de Loyola (1491 a 1556) nasceu na Espanha, na Catalunha. Militar, lutou na guerra de reconquista
28
do território ibérico pelos reinos católicos. Foi gravemente ferido em um dos conflitos. Sua recuperação está
associada a sua conversão. Buscou por meio da educação se aproximar do pensamento religioso, de forma
conservadora. As ideias inacianas significaram uma retomada do conservadorismo escolástico.
29
No Brasil o papel da Ordem de Jesus será fundamental na organização da educação. Durante dois séculos e
meio os inacianos instalaram seminários e reduções em diversas regiões brasileiras. A colonização portuguesa
acabou por expulsar os jesuítas das terras brasileiras no Século XVIII.
Fonte: PHOTOS.COM
Na reorganização do poder na Europa, a formação do Estado Nacional tem um papel relevante.
As monarquias nacionais conseguiram deslocar as forças sociais, culturais e econômicas
para a modernização da sociedade ocidental e para a conquista planetária que adveio da
organização do poder nacional.
Podemos considerar que os últimos 600 anos foram construídos pela relação entre as nações.
O modelo de governo que emergiu no ocidente cristão entre 1100 a 1800 escreveu a história
da humanidade e refez o mapa do Mundo. Um mapa político recortado por estados-nações.
O exercício de poder em que o monarca fortaleceu sua autoridade foi determinado pela
imposição da autoridade sobre os súditos que habitavam o território nacional. Mas para isso
A unidade territorial em torno do monarca não se deu de forma linear, foi diferente em cada
território da Europa cristã. Não obedeceram às mesmas forças econômicas e políticas, muito
menos teve como fator de unidade os mesmos elementos.
Se a unidade ibérica foi tutelada pela Igreja Católica, nos países ao norte da Europa a
unidade foi uma guerra, muitas vezes, contra a própria Igreja. A Inglaterra tem o caso mais
emblemático, a criação da Igreja Anglicana (Igreja Nacional Inglesa) com Henrique VIII de
Tudor30, no século XVI.
30
A formação da unidade inglesa foi uma relação de fatores que envolveram a luta entre a nobreza pelo controle
do trono e o fortalecimento do Parlamento como instituição representativa. Não podemos esquecer-nos do que
já trabalhamos anteriormente quando falamos dos pré-reformistas, em que o inglês John Wycliff questionou o
poder do clero católico. A Inglaterra tinha uma interferência patrimonial da Igreja. Um terço das terras britânicas
estava nas mãos do clero católico. Para a consolidação da autoridade monárquica e a supremacia do estado
nacional, era preciso confiscar os bens do clero. Foi isso que Henrique VIII fez, além de se tornar o chefe da
Igreja, substituindo a figura do Papa.
Aqui podemos entender a importância que a unidade nacional teve no futuro da Europa. As
grandes navegações, o que chamamos de “Expansão Marítima”, não poderiam ter ocorrido
sem a orientação dos estados nacionais absolutistas. Foi com a autoridade de seus monarcas
que nações como Portugal, Espanha, Inglaterra, França e, posteriormente, e de forma singular,
a Holanda31 promoveram as navegações.
Foi nesse ambiente de ebulição das monarquias nacionais que o pensamento político ganhou
as bases para o desenvolvimento de uma ciência que discutisse e transformasse o poder em
tema. Um dos principais expoentes deste pensamento foi Nicolau Maquiavel, Florentino, cuja
obra mais conhecida é “O Príncipe”.
A Holanda foi designada durante o Período Moderno (Séculos XV a XVIII) como parte dos Países Baixos. Sua
31
autonomia nacional só foi possível após uma guerra de independência em relação a Espanha (1579), a qual não
foi a única nação a dominar os “flamengos”.
A família Orange passou a governar os Países Baixos, mas com um conselho de empresários que já tinha
iniciado um longo processo de expansão marítima por meio de duas importantes companhias, a Companhia
das Índias Orientais e Companhia das Índias Ocidentais. Uma delas veio a dominar Pernambuco, no Nordeste
brasileiro entre 1630 a 1654.
Hoje, o preconceito recai sobre a obra do autor italiano e lhe associa a quem utiliza de meios
vis para chegar ao poder. Como se aquele que busca manter-se no governo estivesse livre para
todos os atos que achasse necessário para impor a dominação. O que não é uma verdade.
A obra estabelece o papel do governante como determinante para o equilíbrio de forças que,
até então, se encontravam dispersas. Canalizar esta “força” para o interesse comum que o rei
representa, é o objetivo da obra de Nicolau Maquiavel. Para ele, o Rei que se traduzir neste
equilíbrio e nesta força se mantém no poder.
Irônico imaginar que as primeiras navegações portuguesas e espanholas foram feitas com mapas de
32
navegadores e cartógrafos italianos. Mesmo Cristovão Colombo, que navegou com mercenário para Portugal e
Espanha, era italiano. O descobridor das terras da América (1492) era a demonstração de uma força da Itália a
serviço de outras nações por falta de uma unidade nacional.
33
Em sua obra, Max Weber compara o enriquecimento de famílias protestantes, principalmente puritanas –
calvinistas – com as famílias católicas. Pela análise do pensador alemão, a ética protestante de valorizar o
trabalho e o acúmulo de riqueza, considerando-as uma “benção” de Deus, favoreceu a dedicação aos negócios
e o incentivo ao lucro.
No caso brasileiro, a formação católica pode ter sido um fator cultural histórico que limitou o desenvolvimento da
empresa mercantil moderna. Nossa “vocação” agrária não foi superada, por muitos anos, ao longo da história
da economia política. Nos países ibéricos, que foram pioneiros nas grandes navegações, o desenvolvimento do
capitalismo também não se deu de forma plena.
O mais importante personagem dessa transformação pela qual a Europa passou foi, sem
dúvida, Nicolau Copérnico. Sua teoria heliocêntrica se transformou em um marco na concepção
de universo. Rompeu com as teses predominantes até o Século XVI da teoria de Ptolomeu
e deslocou a Terra do centro do Universo para um sistema solar. “Deus se apequenou e o
homem se agigantou diante desta descoberta”.
Quem faz referência ao olhar do ocidente sobre o mundo é o antropólogo francês François Laplantine. Em
34
seu trabalho “Aprender Antropologia”, faz uma análise da construção do discurso do ocidente ao longo da
história de conquista e exploração da América e África. O conceito estabelecido sobre o “bom” e o “mau”
selvagem. Independente de como o homem europeu conceituou os povos americanos e africanos, eles serão
enquadrados em um discurso de supremacia imposto pelo ocidente.
Esse discurso teve de início uma forte tendência religiosa. Inúmeros pensadores cristãos se dedicaram a
entender a origem dos africanos e indígenas. Debateu-se acerca de sua essência humana, ou se seria apenas
uma aparência, havendo ainda o dilema dos nativos terem ou não alma. Independente de qual será a sentença,
será o homem europeu que a decretou.
35
No Século XVI, diante da expansão protestante, a Igreja Católica lançou a Contrarreforma, ou o que alguns
chamam de Reforma Católica. O Concílio de Trento (1546 a 1562) foi marcado pela moralização da Igreja
Católica, pela fundação de novas ordens religiosas e pela reafirmação dos dogmas. Mas entre as ações tomadas
estava o Index (Índice de livros Proibidos). Por ele, a Igreja estabelecia os autores e obras que eram proibidos
Os complementos das teses de Copérnico foram feitos por Kepler e Galileu. Enquanto o
primeiro desenvolveu as teses de movimentação dos corpos celestes mediante um movimento
elíptico e não circular como previa Copérnico, o segundo desenvolveu a tese do movimento
dos corpos, a dinâmica.
Dessa forma, o estudo da Matemática e da Física ganhou um papel central. A partir da busca
da compreensão das chamadas “leis naturais”, aquelas que aprendemos nos “bancos das
escolas”, passando por Galileu, Newton e, posteriormente, Einstein, deram-se as bases para
as ciências naturais como conhecemos hoje.
Destaque, no pensamento racionalista, para Francis Bacon (1561 a 1626). O teórico inglês que
tem participação no parlamento britânico, indutivo. Nele, ao partir de premissas estabelecidas
e das diferenças entre os elementos, procura se chegar à classificação e compreensão
comparativa.
Segundo o pensador inglês, a função da ciência é servir ao homem, lhe dar condições de
dominação sobre as leis naturais e garantir a transformação do mundo para a satisfação hu-
mana. Dessa forma, o homem tem um poder natural sobre as coisas, mas para exercê-lo deve
desenvolver o seu conhecimento e sua racionalidade sobre o mundo. Se livrar dos “ídolos”,
segundo Bacon.
Para ele, os “ídolos” têm uma classificação diversificada, vão desde o senso comum ao
idealismo exagerado, por mais que racional. Dessa forma, só deve-se crer naquilo que se
em países católicos. Em muitos casos, a lista de obras e autores proibidos envolvia também personalidades.
O Index acabou servindo para os interesses dos monarcas em eliminar inimigos. Ideias que desafiavam a
autoridade do estado nacional acabavam por ser incluídos na lista de obras e autores proibidos.
Envolvido com o governo inglês em profunda transformação, é sempre bom lembrar que
o pensamento de Bacon se desenvolveu em uma Inglaterra marcada pelas mudanças das
primeiras revoluções liberais. Os primeiros momentos em que ao poder monárquico se limitava
diante da força do Parlamento. O próprio Bacon foi membro da Câmara dos Comuns36.
Na política, mas sustentado na racionalidade, Thomas Hobbes (1588 a 1679) foi uma das
expressões políticas e filosóficas que mudou a concepção de poder por meio da racionalidade.
Nesse aspecto, ele comunga com Maquiavel, autor que já trabalhamos. O princípio de
Hobbes está na função do poder monárquico, o rei é uma autoridade necessária diante da
impossibilidade do acordo entre os homens com uma natureza de constante conflito.
Assim como Bacon, mas o superando, Hobbes foi um empirista e defensor da matemática,
dedicando-se aos estudos da dedução. Assim como os pensadores de seu tempo, estava à
procura de uma lei natural que pudesse ser o elemento impulsionador da existência de todas
as coisas.
A trajetória de Hobbes como pensador lhe colocou no destino da política. O jovem inglês
perdeu o pai cedo e foi criado pelo tio. Estudando lógica e se dedicando ao estudo da conduta
humana, o pensador foi tutor de diversos nobres ingleses. Acabou por viajar para toda a
Europa, conhecendo Galileu em suas viagens (1636).
36
O Século XVII foi de profunda mudança para os ingleses. O desenvolvimento das teses liberais foi o resultado
das transformações ocorridas na economia, mas também na mentalidade religiosa. A organização dos
camponeses puritanos (protestantes) e as revoltas promovidas contra o abuso do estado absolutista tomaram
corpo. Perseguidos religiosamente pelo estado, os protestantes se colocaram contra o governo anglicano e
desejavam reformas na Igreja oficial inglesa. Tanto que o primeiro movimento a correr foi a Revolução Puritana
(1640), que leva o nome do movimento religioso. Os puritanos foram importantes na colonização da América
inglesa e na formação dos Estados Unidos. Eles fundaram o Havard College (1636).
Dessa concepção de Hobbes, é possível definir a necessidade do poder, que em nossos dias
ainda é discutida. Para movimentos políticos ideológicos como o Anarquismo, ou mesmo
para pensadores materialistas históricos, o estado representa o repressor, qualquer forma
de autoridade atende a interesses de classes ou grupos privilegiados na sociedade. Mas,
para os seguidores de Hobbes, ele é necessário. O poder garante a ordem entre os homens,
segundo ele.
Hobbes foi um ativista político e buscou influenciar o poder da sua época. Na França,
lançou “O Leviatã” à procura de esclarecimento acerca da função do poder, como foi citado
anteriormente, mas sua concepção acabou recebendo críticas tanto de monarquistas como
de republicanos. Dos primeiros por não reconhecer a origem divina do rei, dos segundos por
considerar que o homem necessita de uma autoridade absoluta sobre ele.
Manteve contato com os monarcas ingleses, mas jamais foi um influente no destino do governo
inglês. Suas obras ficaram mais conhecidas fora do reino britânico.
Vale destacar a importância que a matemática ganha como base do pensamento científico moderno. Ela
37
será o condutor lógico na busca de um método científico que resgate leis determinantes para a compreensão
de qualquer objeto a ser pesquisado. Mais tarde, veremos no pensamento positivista a importância que a
matemática tem como fonte lógica das ciências naturais e mesmo na construção de uma ciência social fundada
nas “leis naturais”.
Mas a maior influência no pensamento moderno foi René Descartes (1596 a 1650). Sua obra
marcou profundamente os fundamentos da ciência, a análise do conhecimento e as estruturas
filosóficas que foram construídas em seu tempo. Podemos considerar Descartes um pensador
completo.
O contraditório nesse autor francês, de formação conservadora, é que passou sua vida em
busca de entender a natureza e o homem. Chegou a se alistar em exércitos para ter tempo
de se dedicar aos estudos por meio de viagens pela Europa. Foi durante sua vida militar que
produziu a obra “O discurso do método”.
Apesar de francês, passou parte considerável de sua vida na Holanda, onde desenvolveu a
maioria de suas obras. Suas obras buscavam em Copérnico e Galileu uma referência. Em
especial no estudo do movimento do universo. Ele também era um defensor da matemática.
Quando Galileu foi julgado, Descartes não divulgou parte de seus trabalhos temendo as
controvérsias que poderiam gerar. Ele não gostava de perder tempo com embates que
considerava desnecessários38.
Algum dos princípios fundamentais do pensamento de Descartes está em não ser considerada
uma verdade científica aquilo que não fosse claro e distinto. Para ele, todo o problema deve
ser dividido em partes até que seja compreendido todo o seu funcionamento e compreendida a
lógica de seu funcionamento. Por isso, ao observarmos uma questão, deve se partir do simples
para o complexo, sempre nesta ordem. Quando a ordem não existir, deve-se estabelecer uma.
Por isso, sem um método é impossível entender uma questão.
38
Um detalhe a ser ressaltado é o quanto a produção intelectual na Europa do Período Moderno (Séculos
XVI a XVIII) gerou incômodo ao poder. Diversos autores contemporâneos como Galileu, Kepler, Copérnico,
Bacon, Maquiavel, Hobbes entre outros, foram perseguidos, tiveram que se refugiar e sofreram censura. O
conhecimento incomoda, gera obstáculos à manutenção do poder.
Católico fervoroso, jamais se meteu em embates que ameaçassem a sua existência. Descartes
defendeu manter-se no caminho, evitar os jogos da incerteza. A mudança só pode ser feita se
comprovada sua verdadeira necessidade. Como o pensador francês era um homem recluso,
pouco se sabe do que ele realmente defendeu e manteve como uma verdade em sua vida.
Quem usava de alternativas para fugir das perseguições era Spinoza (1632 a 1677), pensador
holandês, filho de família judaica e origem portuguesa. Ele desenvolveu suas teses por meio
da reinterpretação da Bíblia e dos documentos religiosos judaicos. Foi estudioso dos filósofos
clássicos. Sua postura crítica em relação à essência divina lhe deu a excomunhão da religião
dos judeus. Acabou por ficar recluso a uma vida simples como polidor de lentes, vivendo na
casa de famílias que admiravam seu trabalho.
Mas a admiração pelo trabalho do Spinoza foi muito além dos Países Baixos onde viveu. Foi
convidado a ser professor na Alemanha, em Heidelberg, mas recusou diante de ter sua liberdade
de pensamento limitada. Até mesmo o Rei Luis XIV o convidou para fazer parte de sua corte e
receber uma pensão em troca de escrever uma obra dedicada a ele. Spinoza se recusou.
39
Quantos em nossa sociedade não têm que ficar imóveis para poderem pensar. Quantos não se submetem para
poderem ser aceitos e continuarem a refletir com profundidade. O que o autor holandês viveu foi a forma de
produzir estando além de seu tempo e criando mecanismos de proteção para não se ver no centro de um debate
que necessitaria ser criado, mas que provocaria sua morte. Ainda hoje há quem queira sequestrar a mente
ameaçando o corpo, mas é impossível encarcerar o pensamento.
A busca pela realização pessoal diante do mundo será uma orientação necessária para
se efetivar a liberdade política do estado liberal iluminista que se iniciou sua trajetória de
implantação na Europa a partir das Revoluções Inglesas. Vale lembrar, que a Holanda de
Spinoza já era um exemplo de estado liberal com ampla liberdade aos seus habitantes.
Podemos até considerar que exista uma distância entre a produção intelectual e ação, mas é
impossível negar que uma não pode se manifestar sem a outra. Os pensadores que discutimos
até agora contribuíram para a construção de uma capacidade nova de estabelecer a relação
As principais mudanças na história do ocidente ainda estavam para ser traçadas pelo
desenvolvimento de uma economia cada vez mais integrada mundialmente. Pelo
desenvolvimento da eficiência do estado nacional que se traduziu em uma representação
constante das forças sociais na vida pública. Também, por isso, acabou direcionando
suas ações para atender a determinados interesses de parcela da sociedade por meio
do aprimoramento do conhecimento científico. A ciência serviu a civilização ocidental
como um instrumento de conquista, mas também refez o papel deste homem diante da
natureza e de sua existência.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
É importante ressaltar que um fator teve ligação direta com essa onda liberal. Enquanto nos
países católicos da Europa a resistência da Igreja se dava dentro do estado monárquico, muitas
vezes promovendo perseguições a pensadores racionalistas, como vimos na unidade anterior,
nos países protestantes, as religiões necessitavam da concessão do poder para poderem
existir. Vale lembrar, também, que as teses luteranas e calvinistas acabavam por valorizar a
individualidade, elemento importante no liberalismo.
John Locke foi a expressão entre essas duas nações. Sua vida se deu se deslocando, em
parte, de uma para outra. Aproveitando-se da tolerância à liberdade religiosa da Holanda
quando a Inglaterra se viu à volta de uma guerra civil fundada no movimento puritano40.
Um dos fatores que levou Locke a ser perseguido foi sua postura contrária ao governo dos
Stuarts, dinastia reinante na Inglaterra. Ele considerava que o poder não tem interferência
divina é uma obra dos homens. O poder é uma construção de um contrato social estabelecido
pela sociedade.
Parte de sua vida Locke dedicou à vida no Parlamento, foi secretário do Lorde Shaftesbury,
membro da Câmara dos Lordes e presidente do Conselho Privado, uma figura ilustre dentro do
40
A Revolução Puritana foi analisada por nós anteriormente. Na nota de rodapé (36) analisamos este movimento
do qual o pai de John Locke participou. Essa influência dos interesses paternos irá influenciar a vida do pensador
inglês.
Entre suas principais defesas estava a liberdade de conduta do homem. Defende a natureza
da propriedade e o direito à liberdade. Também estabelece os princípios da igualdade dos
homens perante a natureza. Segundo ele, todo o homem nasce capaz ao conhecimento. Cada
homem é uma página em branco que pode ser preenchida com o conteúdo da experiência e
da reflexão41.
Na relação entre o cidadão e o estado, cabe ao segundo respeitar os direitos naturais dos
primeiros, caso isso não ocorra é legítimo que se destitua o governante. Desta forma, Locke
considera que o papel do estado é expressar a vontade coletiva e os direitos naturais dos
homens. Contudo, ele considerava necessário garantir a permanência das instituições como
forma de garantir a unidade social, vital para a liberdade humana.
Locke foi um defensor da propriedade privada, mas sempre a considerando com um fim ao
interesse social. Para ele, ao se apoderar de uma parte da natureza e transformar esta parte
em um bem privado, se direcionado ao interesse coletivo e ao progresso social, é justa a
posse. Dessa forma, em locais onde a propriedade já está estabelecida e integrada à vida
social, tomar o que é do outro é um crime.
Ele também se dedicou à educação. Considerava que o exemplo e a repetição são meios
fundamentais na formação do homem educado. Para ele, todos devem estar comprometidos
para a formação de um homem ético, mas que tivesse para isso o pleno domínio do corpo. É
A ideia que fundamenta as teses de Locke serão as bases do behaviorismo, aprender com ensaios de tentativa
41
e erro. Esse princípio considera que a conduta do homem é uma relação de experiência permanente com as
coisas que cercam os homens. O que buscamos é aprimorar o saber diante do que já foi experimentado. A
experiência dos “outros” se estabelece no mundo da reflexão e construímos um saber, também, por meio das
nossas experiências.
O final da vida do pensador inglês foi marcado pelo retorno à Inglaterra, depois de um longo
período de refúgio na Holanda. A volta foi possível com o governo de Guilherme de Orange,
um holandês, que foi coroado pelo parlamento britânico após a queda de Jaime II de Stuart,
inimigo de Locke43.
Em sua volta, o pensador inglês se dedicou ao desenvolvimento de sua obra e à construção dos
princípios que iriam consolidar o liberalismo como teoria. Das suas teses seriam estabelecidas
as bases que levaram o Iluminismo a se espalhar pela Europa, em especial pela França.
Voltaire, que analisaremos ainda nesta unidade, pensador iluminista francês, considerava que
se devia a Locke o legado da liberdade.
No final do Século XVII, as teses liberais já se estabeleciam na França, mas de uma forma
discreta, dentro dos círculos acadêmicos. Ela tomaria as ruas na segunda metade do Século
XVIII, respaldaria as principais mudanças ocorridas no país, mas seria mais uma base teórica
dos acadêmicos do que um espírito de liberdade construído pelos franceses. O país nunca
teve uma tradição libertária para ter gerado uma revolução a partir desses princípios.
42
Preceptor é aquele que educa em casa, acompanha a formação de um jovem lhe servindo de modelo ou sendo
o seu instrutor diário. Locke chegou a cumprir esse papel para filhos de nobres de seu círculo de amizade.
43
A queda do monarca Stuart só foi possível pelo levante do Parlamento inglês. Mesmo sem uma guerra efetiva,
a tensão entre os parlamentares e o monarca foi marcada pela tendência católica do Rei Jaime II. Os atos
de intolerância do rei também se deram em relação às leis que o submetiam ao parlamento. Diante disso, os
parlamentares resolveram entregar o governo a filha de Jaime II, Maria de Stuart, casada com Guilherme de
Orange, rei da Holanda.
A política de privilégios na França contrastava com a produtividade dos que pagavam tributos.
Uma sociedade dividida entre nobres e plebeus, sendo que os empresários emergentes
estavam entre os que não tinham direitos políticos e pagavam a maioria dos tributos. O
descontentamento ganhou um clima tenso quando as classes populares começaram a sentir
as mudanças econômicas e o peso da carga tributária.
O resultado desse conflito foi a perda da unidade germânica e a influência da cultura francesa.
A busca por encontrar uma identidade intelectual para os alemães levou ao desenvolvimento
do “esclarecimento” e, aliado a ele, por meio do movimento cultural denominado Romantismo,
o nacionalismo44.
O desejo de formação de um Estado Nacional Alemão levaria a guerras constantes no Século XIX. A Prússia,
44
principal reino militar germânico passou a liderar a busca pela unidade nacional dos alemães. Dessa unidade
acabou sendo excluída a Áustria. Após inúmeras guerras entre os estados germânicos e os países vizinhos
(Dinamarca e França), a unidade se definiu em 1871, a favor da Prússia e da capital Berlim.
45
A ideia de consciência da classe operária das relações de produção que geram a sua vida material como
ponto de partida para sua libertação é um exemplo do romantismo. Também a idealização de uma sociedade
estabelecida pela igualdade material que poderia levar os homens a uma convivência harmônica e possível de
ser reproduzida por meio de uma revolução coesa pela unidade operária também pode servir de ilustração do
romantismo dentro do materialismo.
46
Filho de um nobre falido, do qual herdou o espírito de aventura e o desafio à ordem estabelecida, Byron foi
um poeta romântico que teve uma infância conturbada, marcada pelos maus-tratos da mãe e da governanta.
Instalou-se em Londres, onde nasceu. Sua fama foi atingida quando publicou a obra Childe Harold que relata
suas viagens pela Europa. Com postura desafiadora, foi nomeado ao Parlamento para a Câmara dos Lordes.
O dia de sua posse foi marcado por irreverência, contrariando todos os princípios do protocolo estabelecido
pela Casa. O momento mais trágico e polêmico de sua vida foi o romance que teve com sua irmã, Augusta,
deixando-a grávida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na leitura dessa unidade, pudemos ver que o romantismo foi uma busca do liberalismo
extremo e se expressou em comportamentos como o de Byron. As teses liberais originárias do
racionalismo avançaram ainda mais na busca de superar os problemas que afetaram o homem
europeu que vivia a crise das monarquias nacionais e questionava a sociedade de privilégios.
Não é por acaso que hoje vivemos em sociedade em que a ciência desempenha um papel
primordial na organização social dos homens. Temos uma vida justificada pela racionalidade.
Estamos a todo o momento tentando esclarecer nossas dúvidas por meio da ciência.
Rompemos com a dependência de uma explicação divina para nossas questões cotidianas.
Deus virou uma opção de crença e não uma imposição.
De ser determinado pela natureza, em que as leis são inegáveis, o homem passa a compreender
seu funcionamento para alterá-la. Mas não mais no limite de sua sobrevivência imediata, e sim
no domínio e transformação da natureza em larga escala. O homem contemporâneo depende
do desenvolvimento possibilitado pela ciência para elaborar seu futuro e gerar a eficiência
necessária para a superação de suas limitações.
Entre os autores apresentados nesta unidade, não podemos deixar de exaltar o papel que
Nicolau Copérnico desempenhou. Ele reconstruiu um universo com suas teses heliocêntricas
e desfez outro, fundado nas teses de Ptolomeu, que desenvolveu o pensamento geocêntrico.
Com essa mudança, o que Edgar Morin denomina “revolução copernicana”, o homem se
reposiciona diante do mundo. Dá um novo sentido à natureza e a si mesmo. Copérnico e muitos
dos pensadores do Renascimento e do Racionalismo reconstruíram o sentido da existência e
colocaram nas mãos dos homens a responsabilidade por suas vidas.
<http://www.youtube.com/watch?v=_E_g-P9v6eM>.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
2. Quando falamos da Reforma Protestante e o que ela significou para a Europa, nós temos
que considerar que houve uma reinterpretação da relação do homem com Deus. John
Huss foi um dos maiores representantes dessas teses que questionavam a Igreja Católica
a qual se propagou pela Europa nos Séculos XV e XVI. Uma das principais questões
discutidas no texto desta unidade foi o papel da Igreja em relação à sociedade e ao estado.
Desta forma, aponte qual a influência que a Reforma Protestante teve nas mudanças
econômicas e políticas ocorridas na Europa durante o Período Moderno (Séculos XV a
XVIII).
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Mas, o momento mais importante desta unidade está nos pensadores dos séculos XIX
e XX. Por isso, destacamos o estudo sobre as teses de Comte, Marx, Durkheim e Weber,
considerados autores clássicos das ciências sociais. Neles se sustenta a construção de toda
a estrutura metodológica contemporânea. Muito do que discutimos hoje como proposta para a
Pedagogia, como orientação política e ideológica da educação, passa por esses pensadores.
Por fim, também com uma importância significativa, está o drama da sociedade contemporânea.
Na parte final desta unidade, destacaremos pensadores como Pavlov, Freud, Sartre, Baudrillard,
Bruckner e Enzensberger. Uma coletânea de autores que discutem o comportamento do
homem em sociedade. Nos pensadores da segunda metade do século XX e início deste
século, procuro salientar a angústia da existência individual, o drama da existência sem um
sentido político mais amplo.
Dessa forma, procure trazer a filosofia para o campo do conhecimento prático, o que lhe faz
ter, como diz Sartre, uma proposta de não só contemplar, mas agir. É preciso transformar,
mas é fundamental saber o que e aonde quer se chegar. Vai de cada um uma busca na
educação, contudo, acredito que o bom educador tem uma proposta de homem e age na
busca de alcançá-lo, espero que esta unidade contribua para isso.
O Iluminismo enquanto um termo filosófico está ligado diretamente à defesa de ideias liberais
fundadas na razão científica. A obra que marcou a corrente iluminista foi a “Enciclopédia”.
Ela contém a reunião de inúmeros intelectuais que reuniram alguns de seus principais textos.
Neles, diversos temas tratavam do homem e de sua relação com a natureza, com a religião e
com a política.
Diderot (1713 a 1784) foi o responsável pela maior parte das obras contidas na Enciclopédia.
Seu trabalho abrangeu diversos temas ligados à política e religião. Criticava a religiosidade
institucionalizada, era um ateu. Escritor de peças teatrais e utilizando de um humor britânico,
apesar de ser francês, ele acabou tendo problemas com a Igreja Católica e com o Estado, mas
nada que levasse ao extremo. Foi preso por um curto período após escrever a obra Cartas
sobre os cego para o uso por aqueles que sabem ler.
Uma peça de sua autoria, A Religiosa, foi acusada por muito tempo de ser um instrumento de
inspiração das atrocidades que foram feitas a clérigos durante a Revolução Francesa (1789),
o que nunca se comprovou. Sua tendência era a de buscar a crítica direta, expondo de forma
irônica suas considerações, o que desagradava os alvos de sua crítica.
47
Na história pessoal de D’Alambert está o abandono de sua mãe verdadeira, uma nobre francesa, que o rejeitou
por ser um filho bastardo. O intelectual foi criado por um vidraceiro e sua mãe, a quem ele sempre considerou
seus verdadeiros pais. Quando se destacou, sua mãe biológica quis resgatar a maternidade, mas D’Alambert a
rejeitou como ela o tinha rejeitado.
Apesar dessas afirmações, Voltaire, diferente de Diderot, não era um ateu. Ele condenava
a religiosidade institucional, mas considerava a existência de Deus da mesma forma que
Spinoza, Ele era a natureza.
Aqui, apenas de passagem, já que trabalharemos essa questão mais à frente, está a obra
O homem máquina, de La Mettrie. O pensador materialista francês condenava a existência
cartesiana de dois mundos, o da matéria e da alma. Para ele, somente a matéria existe sem a
necessidade de um entendimento do que lhe deu vida, o acaso dos elementos para La Mattrie.
Para esse pensador francês, a religião era apenas um instrumento que trazia benefícios a
quem governava a sociedade beneficiando determinados elementos em detrimento de outros.
De certa forma, um pioneiro das teses de Karl Marx que considerava a Igreja o ópio do povo,
um instrumento de poder para submeter e alienar a classe operária.
Conhecido como um dos mais importantes Iluministas de sua época Jean-Jacques Rousseau
(1712 a 1778)48 merece destaque como um exemplo do romantismo. Mesmo tendo importantes
tratados sobre o governo, Contrato Social, sua autobiografia, Confissões, acabou por ganhar
mérito.
Embora tenha tido uma vida pessoal marcada por atos de moral duvidosa, Rousseau se
destacou como um dos principais teóricos do iluminismo. Sua obra maior foi o Contrato Social.
Nele, estabeleceu os princípios da liberdade individual limitada pela relação contratual com o
Um dos dados interessantes sobre a vida de Rousseau é sua opção por viajar quando ainda era um adolescente
48
morando em Genebra, ao se afastar da cidade por um determinado tempo, encontrou os portões da cidade
fechado ao retornar. Diante disso, resolveu vagar pelo mundo. Foi parar em Paris, França, onde teve amantes,
inclusive Madame de Warens, uma mulher bem mais velha, de quem foi amante, a qual desempenhou o papel
de mãe e tutora de Rousseau.
Afastou-se da protetora quando esta empobreceu. Teve uma criada, que fez de amante por anos, e com a
qual teve cinco filhos, todos foram parar em um orfanato. O mais irônico é que uma de suas obras, “Emílio”,
é dedicada à educação das crianças. Venceu um concurso de ensaios sobre a contribuição da ciência para
o desenvolvimento da humanidade (1750), o que o deixou famoso. Mudou-se para a Inglaterra e fez parte da
Corte de Jorge III, com quem acabou rompendo. Voltou à França (Paris) onde morreu pobre.
A base da democracia de Rousseau estava muito mais sustentada no seu romantismo do que
na racionalidade. Ele mesmo foi uma expressão romântica do liberalismo. Sua racionalidade
limitava-se quando tendia a colocar na emoção o sentido da existência individual. Considerava
que os homens corriam riscos ao delegarem ao estado os seus direitos. A sociedade civilizada
corrompe o homem. Ser civilizado é estar em estado de infelicidade constante, por isso a
necessidade dos contratos entre os indivíduos e o estado. Para ele, o selvagem é feliz e bom,
a sociedade civilizada corrompe.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Em 1789, a Revolução Francesa eclodiu e trouxe consigo uma onda de mudanças que assolou
a Europa. Dentro da França, o movimento teve diversas fases. De um movimento constitucional
que durou até 1792, passou para uma fase radical que se estabeleceu até 1795, o chamado
“terror jacobino”. Nessa fase, os revolucionários passaram a eliminar todos que eram
considerados inimigos da “revolução”. Para exemplificar a insanidade que o movimento francês
O momento de apogeu dessas conquistas se deu com o Período Napoleônico (1799 a 1815).
O império estabelecido pelo general francês partia dos princípios liberais da Revolução para
estabelecer a tirania. Quando as tropas francesas invadiram os países que eram governados
pelo absolutismo, foram recebidas como libertadoras, mas aos poucos a esperança virou ódio
e a “libertação” se transformou em dominação. A obra de Beethoven, a sinfonia Heroica, foi
composta em 1803 em homenagem a Napoleão Bonaparte. Contudo, o compositor alemão,
uma expressão do romantismo, arrependeu-se um ano depois e, em um ato de ódio, riscou o
nome de Bonaparte do texto original.
As ideias liberais nem sempre encontraram nos governantes europeus dos séculos XVIII e
XIX uma expressão a altura. Mas não se pode negar a influência que o imperador francês teve
sobre o destino da Europa. Mesmo derrotado e tendo o seu destino selado no Congresso de
Viena (1814 e 1815)49, as ideias liberais se propagaram e as monarquias absolutistas estavam
com seus dias contados, mesmo tendo vencido Napoleão.
Durante o Congresso de Viena, os países que lutaram contra Bonaparte e o venceram discutiram, junto com
49
Defensor da liberdade de conduta, Kant considerava que o homem deveria buscar, por meio
do esclarecimento, as condições necessárias para sua maturidade intelectual. Libertar-se da
mentalidade infantil é difícil pela autodeterminação, segundo ele. É necessária a busca do
conhecimento produzido e da experiência libertária. Os homens são presos às crenças por
causa de sua zona de conforto. O que impede o desenvolvimento intelectual. Por isso, segundo
ele, muitos permanecem na ignorância, por temer o peso das decisões e da responsabilidade
com a própria vida.
Sua principal obra foi a Crítica da Razão Pura, publicada em 1781, e que demonstra todo o
peso da compreensão racional do mundo. O desafio de se posicionar diante de uma percepção
maniqueísta da realidade, dividida naquilo que percebemos subjetivamente, herdamos
culturalmente, e aquilo que conhecemos pela experiência. Essa forma de compreensão do
mundo por um direcionamento subjetivo seria transformada nas bases do idealismo que tomou
a Alemanha no Século XIX.
Apesar de ter em Hegel sua maior expressão, o idealismo teve antecessores e está intimamente
ligado em suas bases às teses de Fichte (1762 a 1814) e Schelling (1775 a 1854). O primeiro
pode ser considerado um precursor do idealismo e do nacionalismo alemão.
Acusado de ateísmo, acabou por perder o emprego na Universidade de Jena. Em suas teses
de felicidade fundada na idealização racional, Fichte estabelecia que a crença em um elemento
divino fosse apenas uma forma da ideia de dar sentido à existência. O homem, que era para
ser criatura, passa a ser criador50.
Já a obra de Schelling apresenta o pensamento idealista sobre bases mais complexas. Uma
de suas principais contribuições foi a elaboração da dialética idealista. Ele considerava que
na construção de um terceiro elemento estará sempre a negação e a identificação dos dois
elementos que se negam e o geram. Nessa concepção, há uma noção clara da dialética dos
contrários, que seria fundamental às teses de Karl Marx e Friedrich Engels.
Mas no idealismo alemão, a posição de Hegel é incontestável. Sua influência sobre seu tempo
e, posteriormente, sobre a escola filosófica germânica é inquestionável.
Para compreendermos melhor o tempo de Hegel (1770 a 1831), temos que esclarecer o seu
tempo histórico no território germânico em seu tempo. Nele, a Alemanha enquanto estado
nacional não existia, ainda. Desde o Século XVIII, quando o Império Germânico havia se
desfeito, a influência da cultura francesa tinha se mantido como um elemento de diferenciação
da aristocracia, da nobreza.
50
Não podemos deixar de considerar o pensamento pangermanista que orientou as obras de Fichte. Ele não foi
o único a defender o resgate da cultura germânica e a luta contra a influência francesa. Quando era professor
da Universidade de Jane, em 1813, incentivou seus alunos a se alistarem para combater a presença do exército
de Bonaparte no território alemão. Seu sentimento nacionalista teve repercussão em parte considerável da
Alemanha e respaldou as lutas pela unificação nacional que culminou com a formação do Estado Nacional
Alemão, em 1871, como já citamos anteriormente.
Foi da política diplomática e militar prussiana que acabou por se organizar o movimento
nacionalista. Sob a liderança prussiana, as guerras para a formação do Estado Nacional
Alemãs obtiveram êxito em 1871. A formação do estado nacional liderado pela Prússia colocou
Berlim no centro do poder político e cultural alemão. Foi nesse centro que as obras de Hegel
ganharam reconhecimento, assim como de Fichte e Schelling.
Uma das principais obras de Hegel foi a Filosofia da História, em que desenvolve a tese de
construção dos estágios do pensamento e o relaciona com o desenvolvimento da história
humana. É nesse contexto que a dialética se expressa em sua obra com a construção dos
três elementos – tese, antítese e síntese – que estará presente no pensamento materialista
histórico que o sucedeu.
Dessa forma, nas teses do pensador alemão, não há uma substituição, destruição ou
exclusão, mas transformação sem extermínio dos elementos que se opõem. Toda a relação
se estabelece como uma condição de construção derivada da relação entre os elementos
contrários. Dessa forma, a própria história é uma construção de relações contrárias que vai
permitindo o desenvolvimento da experiência, o que Hegel chama de “absoluto”. Bertrand
Russell, em sua obra “História do Pensamento Ocidental” explica a dialética hegeliana:
Quanto ao processo dialético que conduz ao Absoluto, nos ajuda a compreender melhor
esta noção difícil. Exemplificar isto em linguagem simples está além do alcance de Hegel
e, sem dúvida, de qualquer outra pessoa. Mas neste ponto Hegel recorre a uma das
surpreendentes ilustrações tão abundantes em suas obras. O contraste se estabelece
entre alguém cuja noção do Absoluto não se apóia na sua passagem pela dialética,
e outro alguém que tenha passado por ela. Isso se comprara ao significado que uma
Esta totalidade da dialética será mais acentuada na obra de Karl Marx. Mas, por enquanto,
podemos considerar que Hegel tenta dar à história a capacidade de ser o relato das relações
de lutas que levam, dialeticamente, ao amadurecimento e, por conta disso, a superioridade de
uma determinada civilização. Para ele, a formação do Estado Alemão seria o resultado dessa
superioridade dialética.
Mais uma vez lembramos de que a valorização do germanismo está presente no período em
que Hegel desenvolveu seus trabalhos.
Para que você refl ita e possa compreender melhor a importância do pensamento iluminista, nós se-
paramos uma citação de Kant, o teórico alemão, que, em conjunto com Hegel, é o mais importante da
primeira metade do século XIX. O texto parte da compreensão do mundo fundada em uma defi nição
necessária de homem. Ou seja, a necessidade de um a priori 51. Por isso, para Kant, a importância de
uma lógica racional sustentada em bases fi losófi cas.
Kant (2010, p. 41), neste trecho da Introdução à metafísica dos costumes, afi rma:
Numa outra parte foi demonstrado que, no que tange à ciência natural, a qual diz respeito a objetos
sensorialmente externos, é preciso contar com princípios a priori e que é possível, com efeito necessá-
rio, pré-estabelecer um sistema desses princípios, chamados de uma ciência metafísica da natureza,
para a ciência natural aplicada às experiências particulares, ou seja, à física. Estes princípios têm que
ser originados de bases a priori para que tenham validade universal no sentido estrito. Mas a física (ao
menos quando se trata de manter suas proposições isentas de erro) é capaz de admitir muitos prin-
cípios como universais como base na evidência da experiência. Assim, Newton supôs, com base na
experiência, o princípio da igualdade da ação e reação na influência recíproca dos corpos e mesmo o
51
É importante entender que o termo “a priori” significa um conceito que não necessita de comprovação empírica,
ou seja, um conceito que não necessita ter vindo de uma experiência concreta.
Não demorou para que os problemas sociais se multiplicassem. Violência urbana associada a
assaltos, homicídios, suicídios. Também surgiram as epidemias. A fome foi outra questão a ser
resolvida nas grandes cidades. Em especial, naquelas que se multiplicaram os desempregados
e também a quantidade de indigentes nas ruas.
52
Talvez este seja o melhor momento para entendermos o porquê das escolas se multiplicarem, saindo a educação
do interesse privado e ganhando o interesse público. Até o século XIX, educar se restringia à prática de
instituições privadas que atuavam em benefício de uma coletividade ou de um número específico de indivíduos.
A Igreja Católica, nos países em que ela dominava o percentual de fiéis, foi fundamental para propagar a
educação secundária e superior. Mesmo quando as instituições de ensino eram laicas, a organização atendia a
poucos que poderiam investir na formação dos filhos. Podemos utilizar, como exemplo, a educação de inúmeros
filósofos que vimos anteriormente. Eles, quando de origem humilde, dependiam de um patrocinador, um patrono
Podemos considerar também até que ponto a educação poderia garantir uma melhora nas
competências humanas, atendendo ao processo de industrialização em andamento e até os
dias atuais. O analfabetismo, por exemplo, não impediria a capacidade de um ser humano
conseguir o ingresso dentro do “mundo do trabalho”. Mesmo em nossos dias, a educação que
as instituições de ensino propõem não corresponde de forma eficiente às necessidades da
produção de forma integral. Talvez nas qualificações específicas e vinculadas diretamente à
atividade produtiva.
que lhes financiassem os estudos. De certa forma, perderam-se talentos para a miséria, mas se valorizaram
os que foram felizmente detectados por homens de bom-senso, em detrimento do poder econômico e dos
discursos da falsa democracia que geram inclusão. Hoje, todos podem entrar nas instituições de ensino, mas
um número considerável não merece estar nela.
Alguns desenvolveram o elogio e o aprimoramento das teses liberais, promoveram sua “veia”
nacionalista e exaltaram o papel do Estado como instrumento de garantia dos interesses
coletivos e individuais. Outros desenvolveram a oposição, a crítica, a busca de se contrapor à
sociedade industrial capitalista que consideravam um ambiente de destruição das qualidades
humanas.
Outro expoente do seu tempo, nessa disputa entre o pragmatismo e neorromantismo, é Friedrich
Nietzsche (1844 a 1900). O pensador alemão foi um crítico do cristianismo, considerava uma
religião pessimista e vinculada aos exemplos dos derrotados ao estimular a piedade. Assim,
segundo Nietzsche, acaba por estimular a ação contrária ao progresso humano. Os modelos
que devemos buscar devem estar associados ao crescimento, ao orgulho e trazer à superfície
a superioridade do homem eficiente, segundo ele.
A grande curiosidade é Jeremy Bentham (1748 a 1832), inglês e um dos fundadores da Univesity
College. Para entender seu pensamento, é bom lembrar que o seu corpo até hoje está guardado
na universidade que ajudou a fundar a seu pedido. Ele desejava que seu esqueleto fosse
preenchido com cera e mantivessem seu corpo preservado. Foi um pragmático e criticava
o idealismo. Também foi um crítico da religiosidade a qual considerava um instrumento de
dominação de uma elite sobre a grande maioria da sociedade.
A propagação da educação seria a forma de libertar o homem dessa inconsciência, o que mais
tarde Marx chamaria de alienação. Inclusive, vale ressaltar, Bentham foi um dos precursores
do pensamento marxista que se constituiria como a grande crítica à sociedade capitalista.
Também pode ser considerado um defensor da busca da experiência material como elemento
de formação do pensamento, o que de certa forma estaria nas teses de Comte, o “positivista”.
Entre os pragmáticos, vale ressaltar Adam Smith (1723 a 1790), o “pai da economia política”.
Sua principal obra, “A Riqueza das Nações”. Seu trabalho de compreensão do desenvolvimento
da economia e o desenvolvimento dos meios de produção associados à divisão do trabalho
para o crescimento do capitalismo, ele deu base a uma sequência de pensadores econômicos
que tinham como fonte de pesquisa o entendimento da produção capitalista.
Smith também foi responsável pela inauguração da escola econômica inglesa que predominou
durante mais de cem anos. Por isso, e como fator estimulante, a Inglaterra foi a nação que
liderou a economia mundial entre os Séculos XVII e o início do Século XX53.
Sua tese se fundamenta na compreensão da economia como um fenômeno natural com leis
próprias. O domínio dessas leis econômicas pode permitir ao homem aprimorar a capacidade
produtiva e atender com mais eficiência a suas necessidades materiais. Dessa forma,
ao aprimorarem-se as relações de produção com a especialidade dos trabalhadores e o
desenvolvimento técnico, o volume e lucratividade da produção aumentam.
53
A liderança da economia inglesa foi iniciada com a hegemonia naval conquistada após a Guerra do Mar
do Norte (1654), quando os holandeses foram vencidos. Desse momento em diante, a Inglaterra passou a
administrar os mares e garantir para si parte considerável dos recursos do comércio mundial. A supremacia
comercial permitiu o deslocamento de uma grande quantia de capital para os bancos ingleses que foram
investidos, posteriormente, na produção industrial. A racionalidade em tratar os negócios públicos e privados foi
fundamental. A obra de Smith colaborou e foi uma expressão dessa racionalidade.
O socialismo moderno surge nesse momento chamado inicialmente de “utópico”. O termo foi
originado por Karl Marx em sua crítica ao idealismo dos primeiros críticos do capitalismo. O
pensador alemão considerava que os “socialistas utópicos” queriam mudar a sociedade “de
cima para baixo”. Acreditavam que a “boa vontade” dos homens mudaria seu comportamento.
Um dos que acreditou nessa possibilidade foi Saint-Simon (1760 a 1825).
Filho da baixa nobreza francesa, Simon teve uma educação conservadora, da qual só pode
se livrar depois de ingressar no serviço militar. Na sua vida de soldado, foi à América do
Norte atuar na Independência dos Estados Unidos. Sua estadia na nova nação republicana
e democrática o levou a ser simpático ao governo liberal democrático instalado na ex-colônia
inglesa. Ele considerava que nos Estados Unidos não há a fusão de privilégio econômico com
a vida política. Além de elogiar a liberdade de culto.
Ao voltar à França foi um dos atuantes na Revolução Francesa, onde desenvolveu a tese da
racionalidade absoluta e a promoção do homem pelo progresso econômico e científico. Para
ele, o desenvolvimento da humanidade dependia do conhecimento e dos benefícios materiais
chegarem a todos. Daqui se extraem seus primeiros princípios socialistas.
Para Saint-Simon, a igualdade não seria uma condição absoluta, mas o desempenho das
potencialidades humanas poderia aproximar o homem de uma condição material qualitativa,
na proporção em que sua conduta fizesse jus, ou seja, a teoria da meritocracia54.
54
A “meritocracia” tem ganhado destaque nos discursos sobre a reforma da educação. Entre os pensadores do
Século XIX, Comte será um destaque, consideravam que os cargos da administração pública deveriam ser
exercidos por pessoas com qualidades técnicas para ocupá-los. Essa qualidade deveria estar associada a uma
conduta de merecimento, a qual poderia ter uma avaliação moral desde que associada à função a ser exercida.
A experiência profissional também seria um dos critérios. Nas escolas, o tratamento dado aos alunos, sua
avaliação progressiva, deveria ser fundada na meritocracia, segundo o próprio Saint-Simon defendia.
Sua defesa da evolução do pensamento humano é um dos pontos altos do trabalho de Comte.
Seu pensamento é fundado no desenvolvimento científico ao longo da história da humanidade.
Um desenvolvimento que permitiu o aprimoramento da civilização ocidental, a qual considera
superior às demais pela capacidade científica. A organização racional de uma sociedade define
seu grau de habilidade em superar os problemas que ocorrem devido à complexidade social.
Dessa forma, Comte estabelece uma relação direta entre os elementos que definem um corpo
biológico do corpo social. A complexidade do organismo social o faz ficar sujeito a problemas
resultantes do desenvolvimento. Dessa forma, se faz necessária uma compreensão objetiva
dos fenômenos sociais. A física social seria a ciência capaz de responder a estes problemas.
55
A vida de Augusto Comte foi marcada pela admiração a Napoleão Bonaparte, que ele considerava o grande
governante francês. A eficiência do governo bonapartista seria o responsável pelo desenvolvimento vivido pelos
franceses no início do Século XIX. Outra admiração de Comte é o progresso dos Estados Unidos, que era uma
república jovem e que ele considerava ser destinado ao desenvolvimento pela sua eficiência na organização
social e econômica.
Uma curiosidade da vida de Comte é que ele foi secretário de Saint-Simon. Com o seu “mestre”, se dedicou
à busca de uma resposta para a crise social. Mas diferente dele, considerava que a organização social era
conduzida pela associação de uma ordem fundada na ciência e na positivação da política como uma condição
necessária. Mas os dois pensadores romperam. Uma das acusações de Comte a Simon era o roubo das ideias,
da produção intelectual. Comte não foi o único a acusar Simon disso.
O pensador positivista teve uma vida pessoal de pouco brilho. Viveu de forma simples em Paris e buscou o
reconhecimento acadêmico, mas acabou sendo desligado da Escola Politécnica. Em 1845, Comte viveu o seu
momento pessoal mais sublime e angustiante, conheceu a nobre, mas financeiramente falida, Clotilde de Vaux.
Eles se apaixonaram, mas ela era casada, mas, mesmo tendo sida abandonada pelo marido, não poderia se
divorciar. Ela se viu seduzida pelas ideias de Comte e contribuiu para o aprimoramento das teses da Igreja da
Humanidade, conhecida como “Igreja Positivista”. Apaixonados, sem poderem consolidar sua união, viveram
um amor angustiado, encerrado pela morte de Clotilde por tuberculose.
Em sua obra Conceitos Gerais e Surgimento da Sociologia, Comte faz considerações acerca
da Física Social, que tenta estabelecer como a ciência da sociedade:
Entendo por Física Social a ciência que tem por objetivo próprio o estudo dos fenômenos
sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos,
químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é
o objetivo especial de suas pesquisas. Propões-se assim, a explicar diretamente, com a maior
precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerando
em todas as suas essências; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de transformação
sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das
sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto que se encontra hoje
na Europa Civilizada [...].
É possível notar nessa citação que o teórico francês estabelece uma relação entre o
desenvolvimento da sociedade com as ciências naturais e justifica a superioridade ocidental
pela capacidade de se organizar fundada no conhecimento científico.
Durkheim considera que o indivíduo é uma expressão da coletividade que determina sua
condição e ação. Na sociedade industrial, o homem vive em uma rede complexa em que
as funções sociais se impõem e levam à coação sobre o indivíduo. Dessa forma, a conduta
particular é condição que as estruturas coletivas determinam. O sentimento de particularidade
e a individualidade exacerbada nada mais são do que uma precária visão que cada um tem das
relações com o todo. O comportamento de um único ser humano não é capaz de demonstrar
qual é a sua real condição e função dentro do corpo social, como também, de um comportamento
particular, em uma sociedade complexa, é impossível entender o comportamento coletivo. A
particularidade não expressa a coletividade para o pensador francês.
Mas a coletividade também pode ser vista como o resultado de um desenvolvimento econômico
determinado pelo controle das condições de produção da vida material. Ou seja, o que para
Durkheim seria o aprimoramento da vida em coletividade, que necessitaria de regulagem para
56
O autor será um dos nossos objetos de análise fundamental na Disciplina de Fundamentos Sociológicos e
Antropológicos da Educação. Ele é o alicerce fundamental das teses comportamentais na sociologia. Junto com
Karl Marx e Max Weber, representa o pensamento clássico das teses sociológicas.
Dessa forma, a teoria de Marx considera que o futuro desse antagonismo é a destruição
da própria sociedade capitalista. Destruição esta que poderia se dar pelo domínio da classe
operária sobre o estado, seja pela via político-partidária ou revolucionária.
As teses de Marx consistem em defender a dialética como o elemento que permite a elevação
das relações de produção capitalista em grau de exploração e desenvolvimento das forças
produtivas. Dessa forma, o capitalismo é, para ele, o resultado do aprimoramento de todas as
formas de produção existentes ao longo da história humana. Ao se libertar dessa exploração,
a classe operária poderia se apoderar de todo o desenvolvimento material promovido pela
economia capitalista e colocá-la a serviço da coletividade, uma sociedade sem classes. Do
socialismo ao comunismo57.
De uma forma equivocada, ou mesmo pelo senso comum, costuma considerar-se que o comunismo existiu
57
como forma de organização social em países como a ex-União Soviética, ou ainda existe, em Cuba, China e
na Coreia do Norte. Mas, segundo as teses de Marx, o que assistimos foi a implantação do socialismo nesses
países. O comunismo seria a abolição do estado, um estágio superior ao processo revolucionário socialista, que
o próprio Marx considerava uma utopia.
126 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
homem partido do confronto da condição existente a sua compreensão desta condição e ação.
Não é necessário ter apenas uma visão sobe o mundo, mas se faz necessário intervir para
mudá-lo. Ao agirmos, nossa compreensão muda, e nossa ação ganha um novo significado58.
Mas a busca de implantar um estado socialista não se realizou exatamente onde Marx
considerava mais próximo de acontecer, nos países industrializados da Europa. Alemanha,
França e Inglaterra seriam para ele as nações onde a classe operária estaria mais próxima de
sua consciência enquanto classe59. Os trabalhadores da Europa ocidental se mantiveram fiéis
à condição de trabalhadores e elegeram outras prioridades para sua vida do que a implantação
do socialismo. Temas como o nacionalismo e a cultura passaram a interessar intensamente
ao operário industrial.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
58
Se considerarmos o passado como uma representação de nossas justificativas presentes, fica fácil entender a
dialética. Os fatos que marcaram nossas vidas são reinterpretados pelos valores que construímos no presente.
Muitos dos atos dos quais nos orgulhamos em determinado momento, passam a ser repugnantes em outro.
59
Marx considerava que existem dois graus de consciência necessários para se atingir o processo revolucionário,
a “consciência em si” e a “consciência para si”. No primeiro estágio, se adquire a capacidade de compreender as
condições materiais em que vivemos e relações sociais que nos oprimem. A partir dessa condição, despertamos
a necessidade de romper com essa exploração e partimos para a “consciência para si”, quando a ação é
orientada pela superação da exploração.
Quem percebeu, de certa forma, essa ruptura entre o pensamento material e a forma como
ele se expressa na vida humana foi Max Weber (1864 a 1920). Filho de um empresário bem-
-sucedido na Alemanha, sendo a mãe filha de nobres, de formação calvinista conservadora,
Weber se destacou nos estudos em economia política e no estudo do desenvolvimento da ra-
cionalidade no ocidente. O capitalismo lhe interessou substancialmente. Principalmente como
resultado do desenvolvimento da racionalidade econômica associado a um legado cultural
propício para a ação econômica em busca da acumulação. Para ele, determinadas condições
sociais geram possibilidades de desenvolvimento em detrimento de outras. O que se justifica,
na compreensão de Weber, que o desenvolvimento do capitalismo não poderia ter se dado da
mesma forma em sociedades como modelos culturais distintos. É desse ponto de partida que
se organizou o principal trabalho de Weber, A Ética Protestante e o Espírito Capitalista.
60
Sempre gosto de lembrar que um milhão de reais pode se transformar em cinco milhões em um ano, ou
desaparecer completamente das mãos de um determinado indivíduo no mesmo tempo. Tudo depende do
significado associado ao valor. Para um, dinheiro representa investimento, para outro a realização de seus
prazeres materiais.
O importante de Weber é lhe contextualizar em seu tempo. Ele viveu na Europa em um período
de “Paz Armada” (1870 a 1914), uma fase marcada por potências europeias que dominaram
diversas regiões do planeta e transformaram a África e a Ásia em colcha de retalhos, dividida
entre as nações que buscavam o domínio da economia e da diplomacia mundial. O que se
convencionou chamar de neocolonialismo e imperialismo62.
Não é por acaso que Max Weber é apontado como um precursor do existencialismo. Um
pensador que deslocou da percepção humana os condicionamentos sociais, abordando muito
do que a teoria freudiana iria desenvolver no campo da psicologia. Mas a Europa, e o Mundo
Todas as vezes que analisamos a violência praticada entre jovens, fico avaliando qual o sentido futuro que
61
explica a ação imediata. A prática da violência apenas como uma reação à ofensa ou por um instinto animalesco
denuncia o empobrecimento da racionalidade humana em nosso tempo. Algo que devemos refletir.
62
O termo neocolonialismo e tempo que definidos de sua existência foram extraídos da obra de Eric Hobsbawm,
Era dos Impérios. Nela, o historiador inglês aborda a convivência entre os países europeus marcados por uma
cultura de valorização do homem ocidental. Em todos os países desenvolvidos na Europa predominava a ideia
de que se chegará ao apogeu da ciência e da organização social. Muitos dos pensadores que nós abordamos
demonstraram esse pensamento. Mas por de trás desta crença do apogeu do homem ocidental uma sombra
se propagava, a guerra mundial. Duas delas ocorreriam na sequência, justificada pela disputa entre as nações
imperialistas.
Para compreendermos melhor o dilema que apresentamos neste capítulo, escolhi dois trechos para
que vocês leiam e “refl itam” sobre. A primeira é de Karl Marx, em sua principal obra, O Capital (MARX,
1972, p. 41), na qual o teórico do socialismo fala sobre o fetiche estabelecido na mercadoria. Um tema
relevante para os nossos dias, em que a imagem publicitária tem propagado a fantasia sobre o mundo
da mercadoria, na sociedade de consumo que estamos vivendo:
A primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a,
vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias63 teológicas. Como valor
de uso, nada há de misterioso nela, quer a observemos sob o aspecto de que se destina a satisfazer
necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas proprie-
dades em conseqüência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modifi-
ca do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modifica, por exemplo, a forma da madeira,
quando dela faz mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo que
se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar
com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as idéias fixas de
sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria.
Nessa citação, está a consideração sobre como os homens se relacionam com a obra de seu trabalho.
Para Marx, esse seria um instrumento utilizado pela classe dominante para manipular a compreensão
que a classe operária tem sobre sua existência e separá-la da obra de seu trabalho.
Mas o contraponto fundamental a esse pensamento é Weber. Também teórico alemão, ele considera
que a racionalidade ocidental foi estimulada na atitude econômica pelo puritanismo cristão. Ele deixou
de condenar os interesses da particularidade e transformou a vida econômica em um dom divino, como
nesta citação extraída da sua obra Ética Protestante e o Espírito Capitalista (WEBER, 2004, p. 97):
Houve apenas dois caminhos coerentes para fugir às tensões entre a religião e o mundo econômico
de um modo interior, baseado num princípio, o paradoxo da ética puritana da “vocação. Como uma
religião de virtuosos, o puritanismo renunciou ao universalismo do amor, e rotinizou racionalmente
63
Sutileza de raciocínio, o que em si traz complexidade para sua compreensão. Poderíamos considerar para o
contraponto, a propaganda publicitária que associa valores a determinados objetos.
A euforia com os descobrimentos científicos no século XIX foi abalada com o advento de duas
guerras mundiais. A primeira entre 1914 e 1918, e a segunda entre 1939 e 1945. As duas
tiveram como objetivo impor a supremacia de interesses imperialistas que dividam as nações.
Alianças foram estabelecidas lideradas pela Inglaterra e Alemanha, as duas principais rivais
no campo econômico e diplomático europeu.
O resultado destes conflitos foi a emergência de um novo jogo de forças entre os Estados
Unidos e a União Soviética, a Guerra Fria (1945 a 1898), uma fase já superada, mas marcada
por um temor que até nossos dias assombra a humanidade, o temor nuclear. Temor marcado
inicialmente pela possibilidade de uma guerra utilizando armamentos atômicos. Hoje é a
energia que nos preocupa com os acidentes nucleares.
64
Teoria que nega a independência das coisas do mundo em relação a Deus. Ou seja, tudo o que acontece na
face da Terra é uma expressão da vontade divina.
Oposto a essa ideia está um dos inspiradores da arte surrealista, Sigmund Freud (1856 a
1939). O que o médico austríaco desenvolveu foi a representação do mundo material por meio
de uma lógica subjetiva. Esta, nem sempre consciente ao ser humano. A própria hierarquia
de valores que construímos aparentemente consciente seria, na verdade, filtrada por uma
escala pessoal. Nossas experiências sensíveis são retrabalhadas dentro do subconsciente,
uma espécie de depósito de sentimentos reprimidos.
Na relação entre os sentimentos natos e a ação racional existe uma escola de estágios em
que são filtrados nossos atos. Aqui, a teoria dos três estágios (id, ego e superego). O id como
a expressão e instinto, o ego como o filtro de sobrevivência e adaptação e o superego como
instrumento de imposição das exigências coletivas.
O indivíduo ganhou o ponto central das teorias filosóficas a partir da década de 1950. O
conhecimento sobre a capacidade de a ação individual conviver com as necessidades coletivas
acabou por ter um significado invertido do que o pensamento ocidental construiu ao longo
66
Aqui, quando falamos do desenvolvimento da psicologia comportamental, estamos falando do behaviorismo
clássico, desenvolvido também por John Watson. As teses se sustentam em colocar o foco no comportamento
e não na compreensão mental. Esta disposição estabelece que a conduta medida pela observação permita
entender as reações, que é fruto dos estímulos exteriores. Este é o campo em que o psicólogo deve atuar nas
reações aos estímulos, educando a uma mudança de comportamento manipulando os fatores condicionantes
do comportamento.
Nesta crise entre o todo e o particular, a filosofia existencialista foi uma expressão significativa
na segunda metade do Século XX. Ninguém a expressou de forma mais intensa que Jean Paul
Sartre (1905 a 1980). Fundador de um existencialismo que rompe com a dependência do legado
racional, Sartre coloca sobre a decisão dos homens a sua capacidade de universalizar o valor
– Quando tomamos um ato por decisão, estamos afirmando ele como uma escolha universal
– sendo o comportamento único, mas a escolha de uma posição do homem diante do mundo.
Algo que nos falta hoje, reconhecer o poder do ato, da ação particular sobre o mundo. Nossa
covardia diante da necessidade de fazer escolhas e se responsabilizar por elas. Sartre vai
além, de assinarmos nossa existência com as ações que decidimos tomar, não aquela que
tomam por nós. Esta por sinal, as escolhas que nos são impostas, permitem a muitos viverem
em uma “zona de conforto”, de eternos vitimados pela imposição autoritária que aceitam para
não correrem o risco da decisão.
Considero, porém, que a maior crise que o pensamento ocidental enfrenta está na angústia da
sociedade diante de um futuro sem ideologia. A perda de uma proposta mais substanciada da
existência humana. Alguns pensadores contemporâneos apontam para esse problema com
profundidade.
Nosso dilema se encontra nos conflitos civis que foram substituídos pelas guerras entre
nações. Conflitos sem sentido ideológico, mas que promovem a morte de milhares de pessoas
O primeiro autor de quem ressalto a obra é Jean Baudrillard (1929 a 2007), pensador francês
que tentava manter sua privacidade e fugir dos excessos que sua vida como intelectual lhe
impunha, criticou a forma como o homem está se relacionando com os símbolos em uma
sociedade midiática. Para ele, a cultura de massas tem se transformado em uma desinformação
e em uma imposição de “verdades prontas”, ou “falsas verdades”.
Essa aproximação aparente que vivemos, onde podemos nos relacionar com pessoas
distantes, só demonstram nossa falsa ideia de espaço, tempo e sentido. Estamos convivendo
com uma construção mercadológica, um produto apresentado, que é construído mediante
uma interatividade. Não nos relacionamos com o real.
Uma das críticas centrais de Baudrillard está na “sociedade de consumo”. O papel que o ato
de consumir ganhou na relação entre os homens. Como esses atos se transformaram em uma
A guerra civil está em andamento, segundo Enzensberger. Uma guerra constante e cotidiana,
ausente de qualquer fundamento ideológico, em que o culto à violência é o seu principal motor.
Para ele, o instinto humano está sendo acusado e a violência banalizada. Como Baudrillard,
considera que a mídia contemporânea se mostra como uma arma poderosa para o bem e o
mal. Muitas vezes propaga falsas ilusões sobre o mundo que pretende aproximar mediante
os meios de comunicação. Pela parabólica se propaga a ideia de “paraísos terrenos”, lugares
fantásticos, que movimentam migrantes em busca da “terra prometida”.
Este homem perdido por meios de comunicação eletrônicos que propagam valores também
constrói uma ausência. Esta ausência é a falta de consciência e o desejo de não se responsabilizar
por nada. Para o filósofo francês, Pascal Bruckner, um crítico do comportamento do homem
diante da sociedade de consumo, a vitimização tem sido o discurso oficial do mercado, uma
forma de induzir o homem a não sentir culpa pelos seus atos. Associada à infantilização, outra
crítica feita por Bruckner ao homem contemporâneo, o homem vitimado se sente no direito
de tudo sem ter que arcar com as consequências de suas escolhas. Assim como Baudrillard
e Enzensberger, Pascal Bruckner faz a crítica ao que se propaga como conteúdo na mídia
contemporânea. Segundo ele, não estamos atrás de conhecer outras pessoas na mídia
eletrônica, mas estamos atrás de cúmplices para nossos interesses mesquinhos.
Não estamos mais vivendo um tempo de ideologias, isto é claro. Estamos nos perdendo por
um imediatismo tolo e intenso. Essa é a principal questão que envolve esta unidade.
O maior dilema do homem contemporâneo é o que fazer com uma sociedade que produz em
escala mundial e perdeu a noção da importância da vida em coletividade para se construir a
existência de cada um de nós.
Nesta fase dos pensadores contemporâneos seria fundamental colocarmos algumas percepções so-
bre os indivíduos. Já que no particular se centrou a discussão da maioria dos pensadores da segunda
metade do Século XX.
Em um sentido inverso do que discutimos aqui, vamos trazer o pensamento de Jean Baudrillard
(19985, p.59) em sua obra “Sociedade de Consumo”, na qual o autor expressa o poder que os objetos
ganharam ao permitir a inclusão dos menos favorecidos:
Pelo número, redundância, superfl uidade, prodigalidade67 de formas, pelo jogo da moda e por tudo
o que neles excede a função pura e simples, os objetos conseguem unicamente simular a essência
social – O ESTATUTO – esta graça de predestinação conferida por nascimento só a uns quantos e
que a maioria, por destinação inversa, jamais alcançará. A legitimidade hereditária quer de sangue
(quer de cultura) faz parte do próprio conceito de estatuto, que orienta toda a dinâmica da mobilidade
social. No fundo de todas as aspirações, subjaz o refi nado ideal de um estatuto de nascimento, de
67
Abundância, excesso, esbanjamento.
68
É um termo em inglês para definir a parafernália de coisas que acumulamos. Um exemplo do que são gadgets
é o celular, smartphones e tablets, por exemplo.
138 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A chamada modernidade é pouco compreendida pela grande maioria de nós como uma
condição contraditória. Estamos com as discussões sobre os temas sociais focados na
particularidade, nos anseios individuais. Não estabelece com a racionalidade a relação do
homem com sua responsabilidade social.
Ao encerrarmos esta unidade, a qual encerra nosso conteúdo sobre a filosofia, se percebe
que os temas que norteiam as discussões sobre a existência humana, com uma proposta
de engajamento e de organização voltada à coletividade, agora se estabelece em um
particularismo “raso” e sem comprometimento.
Agora, para o educador o desafio é maior, educar aquele que necessita do conhecimento para
compreender que precisa ser educado, contudo se considera pleno de “direitos”, mas sem
obrigações. A ciência ainda é fundamental para mudarmos essa condição. No entanto, um dos
desafios de hoje é demonstrar a importância para a vida do homem.
Nesta obra, o ensaísta alemão faz uma crítica à perda de ideologia dos movimentos contemporâneos.
Ele associa a perda de ideologia à violência à que estamos assistindo na sociedade atual. Para
Enzensberger, o instinto tem tomado conta das manifestações de violência na sociedade.
ENZENSBERGER, Hans Magnus. guerra Civil. Tradução: Marcos Branda Lacerda e Sergio
Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Tradução: Artur Mourão. Rio de Janeiro: Elfos
Editores; Lisboa: Edições 70, 1995.
Aqui, o fi lósofo, também francês, identifi ca a individualidade como uma nova forma do homem se
posicionar no mundo. Os indivíduos se consideram eternamente vítimas de um sistema perverso, ou
são convencidos de quem têm pleno direito de fazerem o que bem desejarem. A obra é uma crítica ao
homem contemporâneo, o qual Pascal Bruckner considera viver a infatilização e a vitimização.
BRUKNER, Pascal. A tentação da inocência: ensaio. Tradução: Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997.
Aqui temos um belo trabalho que compila o pensamento de Baudrillard, com a participação do fi lósofo
e professor Ivo Luchhesi. Um resumo da obra do pensador francês. Veja!
<http://www.youtube.com/watch?v=EaRsYkWPvbE&feature=related>.
Aqui uma aula sobre Sartre. Ela foi dada pelo fi lósofo Franklin Leopoldo da Silva. O tema da aula é
fenomenologia e existencialismo.
Curtam!
<http://www.youtube.com/watch?v=Z2XPHjSYBfw&feature=related>.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
2. No Século XIX, o otimismo tomou conta dos pensadores europeus. Mas surgiram os
pragmáticos, aqueles que consideravam que a eficiência da sociedade capitalista está
fundada na ciência. O desenvolvimento e superação dos problemas da humanidade
seriam resolvidos. Aponte dois pensadores pragmáticos e contraponha suas teses.
3. Estamos vivendo uma crise da identidade humana. Estamos diante de uma incerteza
sobre qual o papel de cada indivíduo e da sociedade. Para Enzensberger, Baudrillard
e Bruckner, a crise está instalada pelo papel que a mídia e as mensagens publicitárias
promovem. Construa uma abordagem que perpasse por esses autores e sua abordagem
sobre a crise do homem contemporâneo.
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
Partindo do entendimento dos interesses que levaram o Estado Nacional Português a instalar
um processo de colonização associado também à conversão do elemento nativo, e a educação
dos primeiros colonizadores a uma doutrinação dirigida pela Igreja Católica, em pleno período
de guerras religiosas que assolaram a Europa.
Passamos pelo completo abandono, ainda durante o período colonial, do Período Pombalino
até a emancipação e a formação do Estado Nacional Brasileiro, constituído a fórceps pela
transferência da corte portuguesa, o que não vai contribuir para uma melhora das condições
de ensino nos primeiros anos após a independência.
A lacuna educacional manteve-se até meados do Império (1822 a 1889) quando a política
educacional começou a ser desenhada, sem atender à grande maioria da população,
característica que vai dominar até a Primeira República (1889 a 1930).
Boa leitura!
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Ao desembarcar no território no qual a colônia portuguesa viria a se organizar, os primeiros
representantes da coroa europeia estabeleceram as relações de ocupação e organização das
primeiras unidades produtivas, assim como os primeiros povoamentos de interesse luso.
É preciso considerar que não ocorreu uma padronização no território colonial, em algumas
regiões se estabeleceram os centros de interesses, as plantations, unidades produtoras
fundadas na produção extensiva, com mão de obra escrava e monocultora.
69
O trabalho escravo de indígenas ocorreu ao longo da história colonial. Em regiões mais pobres, ou de
economias periféricas, o índio foi largamente utilizado como trabalhador braçal. Foi essa prática que alimentou
as expedições bandeirantes na busca de apresar nativos para o comércio interno de escravos.
Bom lembrar que a Ordem Jesuíta foi criada por Inácio de Loyola, um nobre e militar espanhol
que lutou na expulsão dos Mouros da Península Ibérica (século XV). A Ordem é formada com
o espírito militar da expansão cristã, o que já tinha sido praticada nas cruzadas.
No Brasil, assim como nas colônias católicas onde a Ordem se estabeleceu, a prática dos
padres jesuítas era voltada à conversão dos nativos e instrução dos cristãos. Na Europa,
a Ordem ficou com o controle das instituições de ensino como universidades e colégios,
servindo de braço do Papa para manter uma educação conservadora.
A Companhia de Jesus71 foi quem introduziu a educação ocidental em território colonial. Com
seu caráter conservador buscou a formação religiosa com ensino de lógica, latim, canto e jogos
lúdicos, em que os princípios morais do cristianismo norteavam os conteúdos. O professor,
o padre jesuíta, era o elemento principal da educação. Tinha sobre sua responsabilidade
70
Diante da ameaça da expansão protestante, ocorreu a aliança entre monarcas e o papado. Em países
tradicionalmente católicos, como o caso de Portugal e da Espanha, essa aliança foi mais profunda e gerou
o monopólio religioso da Igreja Católica dentro das terras coloniais dos países ibéricos. Dessa forma, seria
proibida a presença de qualquer pessoa que não proferisse a fé católica no Brasil Colônia. Para as monarquias,
a Ordem Jesuíta serviria como um meio para o controle do estado e para a propagação da autoridade do rei.
A Companhia de Jesus foi fundada pelo nobre espanhol Inácio de Loyola. O combatente ibérico durante a
71
expulsão dos muçulmanos, durante a Guerra de Reconquista (Séculos VIII a XV) considerava a educação
uma forma de conversão ao catolicismo. Dessa forma, o interesse da Ordem era propagar a fé cristã com
sentido conservador, combatendo as heresias. Após a Reforma Protestante (Século XVI) a Companhia de
Jesus se transformou em um dos principais braços da Igreja Católica no combate aos protestantes, assim como
a propagação do cristianismo nas novas áreas coloniais.
Mas entre os nativos, a resistência da educação jesuítica também se fazia presente. Muitos
nativos fugiam dos aldeamentos para o interior da mata, preferindo a aventura, a vida nômade,
os combates, ou mesmo a educação familiar que os indígenas recebiam de seus familiares.
O encontro entre a cultura ocidental e indígena não foi harmônica. Muitos padres jesuítas
acabaram mortos na tentativa de constituir uma unidade catequética.
A educação da elite colonial também se fez pelas mãos dos jesuítas. A criação de seminários
e colégios nas principais cidades da colônia se constituiu como centro de formação de uma
elite culta. A educação se dava em tempo integral, e apenas 10% dos homens livres teriam
acesso a esta educação, que durava onze anos. Os que se destacavam poderiam continuar
seus estudos na Europa, já que nos trópicos portugueses não existia ensino superior72, 20%
dos formados nos seminários e colégios inacianos seguiam esse destino.
Até 1759, a Ordem Jesuíta construiu uma poderosa rede de ensino na colônia, com seminários
nas principais cidades coloniais e um imenso número de missões e aldeamentos em diversas
partes do território brasileiro. Para se ter uma ideia da dimensão que a Ordem representava,
ela tinha 670 membros espalhados pelo território português nos trópicos e, em sua região de
maior atuação, a Bacia do Prata, ela tinha aliciado 150 mil nativos.
Aos jesuítas está relacionada uma série de ações que foram marcos na história colonial
brasileira. Foram eles que iniciaram o estudo da língua indígena com a finalidade de catequese
e apresentaram as primeiras classificações dos dialetos nativos, o guarani e o jê. Também
resgataram, por meio de obras literárias, o cotidiano do território colonial e a análise dos
problemas que envolviam o território colonial.
72
As faculdades e universidades eram proibidas na colônia portuguesa, sob o temor de fugirem ao controle dos
interesses do estado, como também pelo seu elevado custo de manutenção. Contudo, vale lembrar que nas
áreas coloniais da Espanha elas existiram e se multiplicaram.
A “defesa” dos indígenas, por sinal, é uma das controvérsias na história dos padres da
Companhia de Jesus. A conduta em defesa dos nativos está aliada à empresa de catequese
que retirava os indígenas de sua organização original. As missões, ou reduções, como eram
chamadas as áreas que os padres constituíam em meio à mata para estabelecer sua “obra”
também é vista como uma violência contra o nativo. Se o bandeirante capturava o nativo para
o trabalho escravo, os jesuítas os destruíam pela imposição da cultura ocidental cristã.
Vale a pena lembrar que a primeira biblioteca da colônia pertenceu a Ordem Jesuíta e estava
instalada no Seminário de Olinda, em Pernambuco. O destino dessa biblioteca, após a expulsão
dos inacianos, foi cruel. Diante da negativa de compra, ou de quem quisesse os livros, eles se
tornaram papel de embrulho para comerciantes da cidade pernambucana.
73
O despotismo esclarecido foi uma forma de governo que se alastrou entre as nações de forte caráter
agrário e feudal na Europa. Na busca de acelerar o crescimento mediante o desenvolvimento das práticas
capitalistas, nações como Portugal, Espanha, Áustria, Prússia (Alemanha) e Rússia, buscaram a alternativa
estatal do crescimento. O governo daria as diretrizes para o crescimento por meio de medidas nacionalistas
e expulsando elementos estranhos ao interesse do desenvolvimento econômico. Foi neste contexto que os
jesuítas se transformaram em um problema. Além de obedecerem aos interesses do papado, não praticavam
uma educação fiel ao estado monárquico.
Fonte: PHOTOS.COM
Com a saída dos jesuítas, a educação passa a ser responsabilidade do Estado Português, o
qual não cumpriu com interesse sua função. Contudo, Portugal regulamentou diretrizes para
a prática educacional que deveria ser executada por professores, mestres, contratados pelo
estado. Poucos se interessaram pela tarefa, muitos que receberam para ministrar aulas não
cumpriram sua função.
Os materiais didáticos eram impressos pela coroa por meio da Imprensa Régia. Nas grandes
capitais, a educação foi direcionada aos filhos de fazendeiros, senhores de engenho e também
de funcionários do estado. O número de frequentadores das escolas representou um quinto da
população de homens livres.
Mesmo entre as famílias de elite agrária não existia um interesse em formar os filhos, a
herança das terras e as práticas das lavouras eram marcadas por relações brutas aprendidas
na lida com o trabalho, não nos estabelecimentos de ensino. Os poucos que conseguiam se
Em uma economia fundada no trabalho escravo, em que a produção agrícola para o mercado
externo não implicava na qualificação de mão de obra, as baixas técnicas de produção dos
engenhos se mantiveram por séculos no Brasil sem qualquer alteração. Nesse ambiente,
também estão as roças de subsistência, conduzida por pequenos produtores com trabalho
familiar. Em nenhuma dessas lavouras há a necessidade de especialização do trabalho.
No ambiente doméstico, a mulher do senhor era uma extensão de seus bens e se impunha
diretamente a sua autoridade. Existindo apenas para procriar, era plenamente submissa à
autoridade de seu marido. As filhas seguiam o destino da mãe. Tinham pouca formação,
quando a tinham. Caso recebessem alguma instrução, esta ocorria no ambiente doméstico.
As meninas não tinham acesso à educação, eram raros os casos, entre elas, de quem
conseguia o acesso a alfabetização. A instrução das mulheres ocorria dentro do ambiente
domiciliar, ainda por interesse da família. Quando ocorria, entre os privilegiados sociais, era
para preparar a jovem para um casamento, um complemento das prendas femininas. Por isso,
o casamento era um arranjo de interesses financeiros entre as famílias mais abastadas.
A presença dos indígenas na vida colonial não ocorreu apenas pela miscigenação, mas
mais que isso. A alimentação, assim como as próprias técnicas de produção agrícola eram
predominantemente uma reprodução do que os nativos promoviam. A língua guarani também
passou a ser utilizada costumeiramente em algumas regiões da colônia. O exemplo mais
significativo foi a vila de São Paulo. Nela, o guarani era língua corrente entre a população.
Assim, a educação ocidental não se sustentou e não foi priorizada. Ela não era uma necessidade
da vida colonial. A instrução formal foi limitada pela própria organização da economia agrária
exportadora, como as regiões de subsistência. Vale lembrar que o europeu que migrou para
o território colonial, em grande parte, era um desterrado, sem o interesse de uma atividade
específica nas terras portuguesas na América74.
Se compararmos os habitantes do território colonial inglês, as chamadas treze colônias, nota-se que eles
74
apresentaram uma migração de povoamento com um grau de qualificação elevado dos colonos, em sua
maioria protestantes. A formação religiosa puritana contribui para o colono inglês se dedicar à lavoura de
subsistência reproduzindo o ambiente europeu nas terras da América do Norte. Alfabetizado e especializado
na produção de subsistência, os puritanos promoveram o desenvolvimento da economia interna e o embrião
de uma comunidade colonial próspera. No Brasil, esse modelo de povoamento não ocorreu. A ocupação de
subsistência foi consequência de um desterrado que não optou pelo território colonial, foi depositado nele
contra a vontade.
A instrução não foi bem-sucedida tanto pela falta de incentivo do governo português quanto pela inexistência
de uma herança cultural voltada à educação dentro da própria sociedade que se estabeleceu no Brasil nesse
período.
A educação foi uma expressão dessa diferença. As escolas, muitas ainda ligadas à Igreja
Católica, atendiam aos filhos das elites. Esses faziam sua formação básica no Brasil e
depois ingressavam nas universidades europeias. Foi dessa “inteligência” que se organizou a
intelectualidade colonial que lideraria os movimentos de emancipação que se multiplicaram ao
longo dos séculos XVIII e XIX.
DA COLÔNIA AO IMPÉRIO
Obrigada a se refugiar em sua principal colônia, a coroa portuguesa chega ao território colonial
e transfere a estrutura administrativa de Lisboa para o Rio de Janeiro. Essa medida fez surgir
a necessidade de formação de especialidades necessárias aos membros da corte. Assim
surgiram as primeiras aulas de cirurgia em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. O que muitos
consideram a implantação do ensino superior no Brasil.
A segunda biblioteca brasileira quase teve o destino da primeira. Com a transferência da corte
portuguesa para o Brasil, chegaram com Dom João VI, e depois em mais duas etapas, os
livros da Biblioteca Real de Lisboa. Sem um lugar apropriado para ser instalada, ficou no Porto
O ensino superior implantado por Dom João acabou se restringindo a grupo específico
de membros da corte, sendo formados para atender aos interesses do estado ou para
exercerem sua profissão em um círculo seleto de habitantes da colônia. Em relação ao ensino
fundamental e médio, no período, não houve alteração em relação ao que a Ordem Jesuíta
tinha estabelecido e Pombal mantido.
Uma das primeiras medidas efetuadas foi a implantação de mestres para salas de aula de
até 30 alunos. Os professores elegiam monitores, os melhores alunos, em número de dez, os
quais ensinariam os demais alunos. Os livros eram manuseados pelos professores, os alunos
reproduziam o conteúdo em caixas de areia de pequeno porte, onde copiavam o conteúdo com
pedaços de madeira ou com o dedo.
75
Durante a presença da Corte Portuguesa no Brasil, Dom João VI assinou os Tratados de 1810. Neles, a Igreja
Católica perdia o monopólio religioso e era permitida a presença de Igrejas Protestantes. Contudo, regulamenta
a forma como elas deveriam manter suas sedes e como deveria ser estabelecida a relação entre o culto
protestante e a sociedade. Por exemplo, era proibida a pregação pública ou a identificação das Igrejas não
Católicas nas fachadas.
Foi durante o Período da Regência que uma das mais importantes instituições de ensino
público se estabeleceu, o Colégio Dom Pedro II. O qual foi administrado, durante a monarquia,
pelo próprio imperador. Era ele que escolhia professores, acompanhava a qualidade do que
era ensinado e interferia na organização da instituição educacional. O Colégio era para ser
um modelo para o surgimento de novas unidades de educação no país. A escola tinha um
currículo fundado em Gramática, Literatura, Latim, Grego, Botânica, Astronomia e princípios
de Física.
O Colégio Dom Pedro II teve no seu corpo docente ilustres personagens da literatura brasileira,
entre eles, Machado de Assis e Euclides da Cunha. Com formação exclusiva do ensino médio,
o Dom Pedro II foi e é uma das referências do ensino público no Brasil. Após seis anos na
instituição, os alunos ingressavam automaticamente nos cursos de Medicina, Engenharia e
Direito.
O reinado de Dom Pedro II foi marcado por mudanças profundas na organização social e
na organização da economia agroexportadora. Tais mudanças deram oportunidade para a
A abolição da escravidão foi um capítulo duro na vida da monarquia. Buscando atender aos
interesses de uma economia agrária herdada do império e que sustentava o país, o segundo
reinado manteve o quanto pode o trabalho compulsório. Contudo, sofreu os desgastes de tal
prática. O império perdeu popularidade e legitimidade junto às forças que o sustentavam.
Sofrendo pressões do imperialismo inglês para pôr fim ao trabalho escravo, a monarquia
fez da abolição uma guerra diplomática e um trauma social. Rompeu simbolicamente com
a Inglaterra, mas tomou todas as medidas para abolir o trabalho escravo sem prejudicar os
interesses da lavoura extensiva, em especial a cafeeira.
Uma das alternativas para a substituição da mão de obra escrava foi o imigrante europeu,
o qual já se dirigia ao Brasil, principalmente no Sul do país, para reproduzir parcialmente a
vida que tinha na Europa, mas com as características das terras gaúchas, catarinenses e
paranaenses. No Sudeste, o imigrante iria ser utilizado na grande lavoura de café, por meio da
parceria, o que gerou conflitos entre os trabalhadores livres de origem europeia e proprietários
de terra, acostumados com a escravidão.
Nicolau Campos Vergueiro, senador do Império, produtor de café no interior de São Paulo,
em Ibicaba, contratou o trabalho de 177 famílias de imigrantes alemães e suíços, por meio do
regime de parceria – forma de produção em que se dividiam os lucros da venda do produto com
as famílias produtoras. Contudo, a tentativa não foi bem sucedida. Tratados como escravos, os
imigrantes acabaram se revoltando e queimando as plantações de café em 1857.
Mesmo com o fracasso das primeiras tentativas, o trabalho imigrante no campo se propagou.
Após 1870, o governo estabelece a Lei de Imigração e passa a incentivar, com propaganda na
Europa e subsídios para as viagens de europeus para o Brasil, a importação de mão de obra.
A medida acabou por beneficiar também o trabalho urbano e o advento da indústria com a
Augusto Comte, pensador francês (1798 a 1853), deu início ao primeiro método científico voltado às ciências
76
sociais fundado nas estruturas de pensamento das ciências naturais. Comte considerava que o verdadeiro
conhecimento estaria na observação e comparação dos fatos sociais. Na busca do aperfeiçoamento das
sociedades por meio da organização racional do poder e da eficiência empírica das ações do estado. Do
pensamento de Comte se fundamentou a tecnocracia, em que os administradores públicos deveriam ser
especialistas em seu campo de atuação. De certa forma, os militares consideravam que o seu papel era
purificar o Estado e garantir sua eficiência.
77
A Guerra do Paraguai é um dos episódios mais importantes do período imperial. Considerada um dos fatores
que levou à decadência do regime monárquico, a Guerra foi um desdobramento de disputas territoriais na
Região do Prata, em sua maioria herdados do Período Colonial (1530-1808). O Brasil se viu invadido pelo
Paraguai. O principal interesse da nação Guarani era conquistar áreas produtivas e buscar uma saída para o
mar.
Com uma aliança com a Argentina e o Uruguai, o Brasil teve que organizar suas tropas e investir na modernização
do Exército. Mesmo vencendo o conflito, os militares passaram a ser influenciados pelas ideias republicanas e
abolicionistas. Muitos se transformaram em críticos do Imperador e defensores da república.
Uma das primeiras instituições que buscou o preparo do trabalhador visando à qualificação
para o ofício foram os liceus. O primeiro foi fundado em 1883, já na derrocada do Império.
Por meio da influência das ideias positivistas e com o apadrinhamento da Maçonaria, surge O
Liceu de Artes e Ofícios na cidade de São Paulo.
As mulheres, como já citamos, ampliaram, mas de forma lenta, sua participação na educação. A
instrução fundamental ganhou nela um dos principais agentes da docência. Estabelecimentos
de ensino especializados na educação feminina surgiram nas capitais brasileiras no segundo
reinado. Mas a subordinação à vida doméstica continua até hoje a ser uma atribuição imposta
à mulher78.
78
A trajetória da mulher dentro da educação tem sido objeto de pesquisas mais recentes, mas já nos dão uma
ideia da condição em que a mulher entrou no mundo da escola e para quê. Até o século XVIII, no Brasil, a
mulher estava subordinada ao espaço doméstico. Educada pela mãe a reproduzir a vida de uma dona de casa.
A partir do século XVIII a mulher passa a receber a instrução para a manutenção da saúde do lar. Ela era uma
extensão do Estado dentro do mundo privado. Com esse espírito, ela continuaria sendo vista ao longo do século
XIX e na primeira metade do século XX. Ela deveria receber a instrução para manter a higiene doméstica e
preparar o jovem líder em parceria com o poder público.
A presença de uma educação catequética no território colonial brasileiro tinha esta intenção:
se impor. Garantir o interesse do conquistador dando ao dominado uma imagem de mundo
concebida a partir do poder europeu. Uma Europa que vivia a crise da identidade cristã, da
vida econômica, da incerteza de um continente em mudança.
Muitos desses conflitos se transferiram para a área colonial e marcaram a vida daqueles que
viveram na colônia. A imposição do cristianismo e dos valores que ele expressou no território
brasileiro marcou o nosso futuro. Mas não se consolidou por toda a colônia esta educação
catequética, ela não terminou sua obra, os jesuítas foram expulsos.
A educação dita “laica” que foi implantada após a expulsão dos padres da Companhia de
Jesus não teve o efeito que os antecessores promoveram, não atingiu a mesma dimensão.
Fixou-se em áreas litorâneas mais desenvolvidas, não alterou a realidade dos que viviam à
margem e continuam, até hoje, de certa forma, marginalizadas.
A formação do estado nacional brasileiro não teve a participação popular, não foi um projeto da
sociedade organizada. A formação do estado nacional não foi uma realização de manifestações
culturais de identidade comum que poderia se chamar “brasileiros”.
Essa condição demonstra que não há uma educação que expresse a identidade comum.
O manuseio de uma língua portuguesa ficou restrito a determinadas regiões, os paulistas
falavam o guarani. A língua indígena era o meio prático da educação em diversas regiões. O
regionalismo, por sinal, será uma forte característica do país ao longo da história.
Foi e será o estado, como veremos em nossa próxima unidade, que fará da educação um
instrumento de construção do estado nacional. Uma imposição que nos fez, como tantas
imposições construiu nossa história até nossos dias.
Há algo para se deliciar neste vídeo, o encontro entre o elemento europeu e o indígena. O olhar eu-
ropeu sobre um povo que via os “recém-chagados” como divindades, mas na prática o início de uma
grande transformação que forjou o que somos, “O Brasil”.
<http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=hzGAcqGiV0g&NR=1>.
Uma mensagem de Darcy Ribeiro, e uma série que retratou sua obra “O Povo Brasileiro”. A origem das
terras que Portugal deu sentido, “O Brasil”. Destaque para os ÍNDIOS.
<http://www.youtube.com/watch?v=2gqz4BHYcck&feature=related>.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
3. Com a independência do Brasil (1822), a educação não estava presente como mudança.
Ao final, pouca coisa mudou na própria vida da sociedade. Quais fatores podem ser
apontados para justificar essa manutenção das condições da educação como havia se
estabelecido no período colonial?
162 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
UNIDADE V
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
A república não veio acompanhada de uma mudança na melhora da qualidade de vida para os
brasileiros. As mesmas condições que a cidade viveu durante a monarquia se mantiveram na
primeira fase da república. O que explica essa continuidade são as lideranças políticas que se
colocaram à frente do novo governo. Uma república proclamada pela elite agrária, com a ação
dos oficiais do exército e intelectuais, que estiveram no início do regime, mas depois foram
afastados pelos interesses dos grandes proprietários de terra. A república foi proclamada sem
a participação popular, “que assistiu bestializada a proclamação”, segundo Aristides Lobo, um
dos intelectuais que participou de sua proclamação.
Por meio da ação tecnocrata do Estado, a educação serviu aos interesses do poder estabelecido,
mas nunca a uma construção de um projeto de educação que demonstrasse eficiência
e criasse condições de superação da sociedade de suas condições de marginalização no
mercado de trabalho. Mesmo durante o período em que Vargas esteve no poder (1930 a 1945),
a educação técnica ficou a serviço dos centros econômicos e não preparam a população de
regiões marginais com a qualificação que atraísse investimentos.
No Regime Militar (1964 a 1985), o sistema educacional se modernizou, mas ainda permaneceu
com resultados precários para as classes populares. Os programas de alfabetização de adultos
e a multiplicação das instituições públicas não vieram acompanhados de qualidade, o que, de
certa forma, ainda é um dilema na educação nacional.
Com o advento da república (1889), a educação passou a estar presente na retórica dos
homens públicos, mas sem um efeito prático. Mesmo que a Constituição de 1891 viesse a
prever a alfabetização para a garantia do voto ao cidadão, a escola não conseguiria executar
esta inclusão para a maioria dos brasileiros. Não se multiplicaram as instituições de ensino
público, como idealizaram políticos e intelectuais como Rui Barbosa. Os imigrantes, por
exemplo, que ingressaram no país desde o império, eram alfabetizados. O elemento nacional
não tinha por parte do estado esta prerrogativa.
Uma das contradições da República Velha era que uma das exigências para o exercício da
cidadania seria o voto, restrito aos alfabetizados, homens acima de 21 anos, além de ser
facultativo. O processo de instrução permaneceu cerceado à maioria da população, em sua
maioria residente na zona rural, à mercê de grandes proprietários de terras, os “coronéis”.
Outro dado curioso do regime republicano instalado no Brasil foi o papel que as mulheres
passaram a desempenhar nas instituições de ensino. Incentivadas a se dedicarem à educação,
mas com baixos salários, elas foram incorporadas ao sistema de ensino para cuidar do ensino
fundamental e normal. Elas passaram a ter uma escolha a mais em um destino marcado
pela submissão à figura masculina. Para a maioria das mulheres, o destino era casar, serem
operárias, trabalhadoras agrícolas, lavadeiras ou parteiras.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Mas a educação infantil não atingiu a todos os brasileiros. As fábricas que se multiplicaram na
Primeira República arregimentavam um grande número de crianças para o trabalho operário.
Principalmente durante e após a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), foi necessária a política
de substituição de bens importados. Associado ao número de trabalhadores assalariados no
país, o mercado interno brasileiro aumentou a demanda de bens de consumo.
Podemos considerar que o Brasil estava descobrindo o “Brasil”. Mas não seria uma descoberta
fundada na pesquisa e no autoconhecimento dos brasileiros por si. O Estado teria a batuta dos
conteúdos que poderiam ser conhecidos e os maquiaria para justificar sua autoridade.
Após uma série de movimentos culturais conhecidos como “Modernismo”, a Semana de Arte
Moderna (1922)80 foi o grande exemplo, a produção literária e a intelectualidade brasileira tinha
expoentes dedicados ao sonho de uma nação do futuro. O desejo de construir uma nação para
o futuro viria, infelizmente, pelo intervencionismo do Estado.
O que pronunciou a autoridade estatal sobre a vida social foi o Movimento Tenentista. Jovens
oficiais se organizaram para a defesa do que consideravam o bem público maior, a pátria.
Mas seu conceito de valor patriótico vestia “verde oliva”, nome que acabou sendo dado ao
Clube fundado pelos “tenentes”. Hermes da Fonseca, marechal que já tinha sido presidente da
república, foi o presidente honorário da associação dos jovens militares.
Levantes militares marcaram os anos de 1922 a 1926. O primeiro no Rio de Janeiro, depois em
São Paulo e no Rio Grande do Sul. E, por fim, desembocou na Coluna Preste, uma tentativa
de derrubar o governo de Arthur Bernardes, mas que naufragou. O descontentamento
80
A Semana de Arte Moderna buscava o resgate da brasilidade, ou pelos menos entender suas origens. Em
diversos campos da cultura, literatura, artes plásticas, música, autores e artistas se destacaram. Parte
considerável desses símbolos da cultura do país integrou o aporte da intelectualidade do período varguista
(1930 a 1945). Como, por exemplo, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Heitor Villa-Lobos,
Cecília Meireles e Cândido Portinari.
Anísio Teixeira se destaca pela preocupação com a integração da educação no país. Unir o
destino do brasileiro na escola pública à universidade. Promover condições para que todos
tivessem acesso à instrução, que, para Teixeira, era a forma de conter o atraso do país.
O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932) declara abertamente a educação para todos
e como uma obrigação do estado, afirmando a defesa do interesse de formar a população para
superar a desigualdade instalada no país, uma herança do seu passado.
Sempre bom lembrar que a grande maioria da população não esteve presente nessas ações. Distante, o povo
81
assistiu aos desdobramentos dos fatos tentando sobreviver em condição de miséria. O desconhecimento das
relações de poder e a ausência de mecanismos políticos em que se fizesse ouvir condenavam os populares à
margem de toda a ação social de relevância dentro do estado. Tanto como massa de manobra, mas sempre no
centro dos discursos, o povo se constituía como um vazio na teoria e um excedente de uma realidade imutável.
A educação também tinha como prioridade a formação sintonizada com o mundo do trabalho.
Para isso, os cursos profissionalizantes passaram a ser uma das prioridades do Estado.
A reforma da educação promovida pelo então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo
Capanema, priorizou essa meta.
Capanema foi ministro da Educação de 1934 a 1945. Ele foi o que mais tempo permaneceu
à frente do ministério e promoveu mudanças para estrutura da educação contemporânea no
país. Entre as suas realizações está a reforma que leva seu nome “Capanema”.
Por esta reforma, a educação deveria exaltar o civismo associado ao valor do trabalho e à
qualificação da sociedade em seus diferentes segmentos. Preparar o operário, mas também
qualificar as elites. As universidades deveriam estar preparadas para o desenvolvimento
da liderança com caráter patriótico. O trabalhador deveria ser qualificado e voltado a uma
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
A alfabetização de adultos passou, também, a ser preocupação do Estado Brasileiro. Era
preciso tirar uma grande leva de brasileiros da ignorância por meio das letras e prepará-los
para as atividades profissionais. A urbanização fortalecida pelo êxodo rural e a redução da
imigração europeia impunham a necessidade de preparação do elemento nacional.
Uma das realizações de Capanema, em sua reforma, foi a instituição do SENAI (Serviço Nacional de
82
Aprendizagem Industrial), criado pelo estado e hoje sobre o controle de instituições privadas do setor. O
interesse era preparar o trabalhador com o ensino técnico para a indústria brasileira, desenvolvendo habilidades
direcionadas para fins específicos do parque industrial em desenvolvimento no Brasil.
A queda do Estado Novo, em 1945, não significou uma mudança na política econômica do
país, já que a saída de Getúlio Vargas do poder manteve os grupos políticos, parcialmente,
que lhe deram suporte na esfera de comando do estado. Sempre é importante lembrar que
as classes populares eram afastadas dessa discussão. Os dados sobre a população eram
trabalhados por especialistas. Eles é que desenhariam a estratégia para resolver o problema
do analfabetismo, por exemplo.
Formado em direito, nunca tendo exercido a profissão, preferiu trabalhar como professor de
língua portuguesa em Recife. Acabou sendo indicado para o cargo de Secretário de Estado da
Educação, Cultura e Serviço Social de Pernambuco (1946). Encontrava-se nessa oportunidade
a possibilidade prática de colocar seu método em funcionamento.
Quando recebeu apoio do governo federal, na presidência de João Goulart, com as Reformas
de Base83, para propagar seu método de ensino em todo o país, o Regime Militar (1964 a 1985)
se estabeleceu e foi abortada a iniciativa de Freire.
O Método Paulo Freire, como ficou conhecido, buscava alfabetizar a partir da realidade que
a pessoa vivia. O seu cotidiano e elementos de existência seriam a matéria-prima para a
orientação à ciência. Desta forma, considerava fundamental que a consciência fosse o
83
As Reformas de Base foi um amplo programa de reformas enviado pelo presidente da república ao Congresso
Nacional. O documento buscava uma nova orientação do país para diversos temas, como reforma agrária,
política de saúde pública, desenvolvimento econômico industrial e educação entre outros. O conteúdo da
proposta não foi recebido bem pelos setores conservadores da sociedade, os quais passaram a se organizar
contra os interesses de Goulart.
Tentando minar o poder do Congresso em debilitar seu mandato, o presidente da república incentivou o apoio
popular as suas medidas. Manifestações foram organizadas no país. A mais famosa foi a concentração da
população na Central do Brasil quando o presidente assinou em público as Reformas de Base.
172 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO | Educação a Distância
elemento de impulso para a aquisição do conhecimento formal. Para ele, a liberdade do ser
humano está ligada diretamente à capacidade de racionalizar a existência dentro da condição
que o cerca. Por isso, parte considerável de seus postulados metodológicos está ligada às
tendências de esquerda. Por isso, acabou sendo perseguido pelo Regime Militar84.
O Golpe Militar instalado no Brasil em 1964 foi um desdobramento da crise política que o país
vivia desde final da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). O desenvolvimentismo como uma
política de crescimento econômico permitiu a transformação da educação como elemento de
profissionalização, o aumento do capital estrangeiro no país modernizou a economia, mas
aprofundou as diferenças regionais.
Na luta pelo poder, o presidente João Goulart (1961 a 1964) buscou na população o apoio que
não conseguia no Congresso Nacional. Entre os meios para atingir o poder, o presidente lançou
84
Mesmo tendo sido perseguido pelo Regime Militar e tendo sido preso e depois exilado, na Bolívia primeiramente,
o educador brasileiro passou a frequentar importantes instituições de ensino internacionais. Acabou sendo
convidado como professor visitante em Harvard, atuou também em órgãos da ONU (Organização das Nações
Unidas) e nos países de língua portuguesa. Em 1971, publicou sua mais importante obra, “Pedagogia do
Oprimido”. O livro foi publicado em diversas línguas, mas no Brasil, por causa do regime militar, só foi publicado
em 1974.
Freire voltou ao país com a anistia, em 1979. A partir daí passou a trabalhar na busca de implantar seu método.
Filiou-se ao PT (Partido dos Trabalhadores) e desenhou a estratégia educacional do partido. Em prefeituras
onde a administração petista está presente, o método ganha destaque, mesmo em administrações municipais
orientadas por outras tendências partidárias.
Em primeiro de abril de 1964, uma junta militar tomou o poder e o entregou ao General Castelo
Branco.
No regime dominado pelos generais, o domínio sobre as instituições educacionais foi constante,
impedindo que se colocasse contra os interesses do estado uma camada social crítica, uma
vez que era dentro dessas instituições que estavam expressões da intelectualidade que
discordavam das ações do regime.
Mas a experiência de alfabetização dos militares não foi bem-sucedida. Impregnado por
corrupção e falta de uma ação mais eficaz para fazer executar o plano de alfabetização
nacional, a proposta minguou.
As duas medidas mais significativas do regime foram a implantação das Leis 4.024 e 5.692. A
primeira deu ao regime condições de interferência direta nas instituições de ensino, a segunda
implantou as diretrizes e bases da educação, em 1971. Ironicamente foi a primeira LDB
nacional, implantada por um regime autoritário.
Dentro de uma diretriz ideológica, sintonizada com o contexto mundial, a educação proposta
pelos militares teve uma carga ideológica anticomunista. O que fez do regime, de certa forma,
“uma caça às bruxas”, ironicamente a educação seria, para os generais, o caldeirão dos ideais
de esquerda.
Como ocorre em toda ditadura, a busca pela perpetuação desgasta a sociedade. O autoritarismo
excessivo fez com que setores que apoiaram o regime inicialmente começassem a declinar e
engrossar a oposição aos militares.
A falta de recursos por parte do Governo Federal fez com que se paralisassem obras de
grande envergadura que davam sentido ao regime e propunham a construção de uma potência
econômica no futuro. Discurso que predominou em diversos governos, como um ideário a ser
cumprido, mas que nunca se realizou.
Sarney assumiria o governo após a morte de Tancredo, enfermo e afastado do poder. A posse
de eleito foi simbólica, feita pelo seu vice. O titular jamais saiu de hospitais onde foi tratado até
a morte, em abril de 1985.
Em 1988, ficou pronta a Constituição do país que coroava a reabertura política e a defesa
da democracia. Para a educação, as verbas foram estabelecidas em porcentagens acima do
que o governo militar designava – União deveria investir 18%, estados-membros 25% – o que
acabou não se realizando na prática, com manipulações de recursos para outros fins, tirados
da educação.
Em 1996, a nova LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação) é aprovada. Nela, a educação
infantil é incluída como parte do processo educacional e obrigatória sua oferta pelo estado.
São as novas formas de organização do ensino fundamental. A educação média também é
reformulada, assim como, o ensino superior85.
A educação superior passa a ter sua organização curricular fundada no regime seriado, substituindo o regime
85
de crédito. Buscava-se com isso a integração da educação universitária e lhe dar autonomia na organização
dos currículos. O ensino de EPB é abolido e as disciplinas de Geografia e História retornaram ao ensino médio
e fundamental.
O número de alunos que abandonam o ensino superior após o primeiro ano chega a 20%. Um
desperdício que também chega às instituições públicas de ensino. Associada a isso, a qualida-
de da educação superior, média e fundamental se torna uma ameaça no país. Investiu-se em
quantidade, mas a qualidade é cada vez mais duvidosa.
Outro grande avanço na educação nacional foi o ProUni, instituído pelo governo do presidente
Lula, ele permite o financiamento do ensino superior em universidades privadas, mas
condicionado as notas do ENEM e com comprovação de carência de recursos por parte do
candidato.
Outros temas têm tomado a educação no país, como a inclusão na escola. A polêmica sobre
as cotas nas instituições de ensino superior, ou a educação de excepcionais nas escolas de
ensino fundamental e médio. A questão racial tem sido debatida nos conteúdos de história,
literatura e geografia. Além disso, há o desafio de incluir na educação 660 mil brasileiros entre
7 e 14 anos que ainda estão fora da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), há muito que fazer pela educação brasileira, isso é uma certeza. Ela tem
muitos descaminhos, muitas vezes fantasias. Propostas de uma educação que esbarram no
idealismo estão expressas nos planos educacionais de muitas instituições de ensino.
Não podemos condenar a busca de um ideal, mas temos que ter algumas necessidades
básicas cumpridas na formação do ser humano para libertá-lo de seus limites: a
instrução básica, o acesso à informação escrita e a capacidade de entendimento sobre
o que se lê.
Propostas de uma educação melhor que esbarram no idealismo de quem projeta os planos
educacionais e pouco sentido prático de um ser humano que precisa ser educado com
mecanismos básicos e fundamentais para sua formação
Outro tema constante dentro da “sala de aula” brasileira é a desigualdade que rege nossas
vidas e se expressa no desempenho dos educadores e dos educandos. As incontáveis
pesquisas feitas sobre o desempenho da escola brasileira e as inúmeras demonstrações do
fracasso da educação pública revelam sua incapacidade de emancipar o homem e lhe dar
o mínimo. A instrução debilitada expressa a miséria em que muitos vivem, mais pela falta de
qualidade humana do que de condições materiais. A primeira precede a segunda. A instrução
debilitada expressa o foco da miséria.
HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira. São Paulo: Thomson
Learning, 2007.
Uma entrevista com o Reitor de Ciência e Tecnologia de São Paulo sobre ensino técnico.
<http://www.youtube.com/watch?v=qqs_nvcoG_w>.
Paulo Freire é um bom educador. Ele agora é o Patrono da Educação Brasileira. Eis uma crítica entre
tantos elogios.
<http://www.youtube.com/watch?v=30JorAfWCBg&feature=related>.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
1. Nós analisamos que a educação no Brasil, desde a instalação do processo colonial no país,
expressa o interesse do estado na formação da sociedade. Ou seja, uma marginalização
da educação popular. Quais os fatores que levaram a essa prática por parte do estado em
relação à educação?
2. Getúlio Vargas governou o Brasil em dois momentos. O primeiro foi durante o período
entre o golpe de 1930, que se convencionou chamar de “Revolução de 30” e o golpe
que o derrubou do poder em 1945, a segunda fase entre 1951 e 1954, quando foi eleito
presidente da república. Em sua primeira fase, a educação foi assumida e implantada.
Mas há um interesse nessa política educacional. Como podemos relacioná-la com o
desenvolvimento industrial que o país viveu no mesmo período que Getúlio governou?
3. Os governos populistas (1945 a 1964), assim como os militares, que governaram o país
entre 1964 a 1985, defendiam a alfabetização de adultos, mas ela nunca conseguiu
eficiência. Ainda hoje, o país convive com um grande número de analfabetos funcionais.
Analise essa questão e aponte os principais fatores históricos que geraram essa
incapacidade de as políticas educacionais superarem o analfabetismo.
Em toda esta jornada, caro(a) leitor(a) e aluno(a), eu só tenho agradecer. Espero que a proposta
feita no início desta obra tenha se concluído. Se não em sua totalidade, despertando, então,
seu interesse em buscar mais informações sobre a formação do pensamento ocidental e a
história da educação no Brasil.
Da mesma forma que confeccionar este trabalho foi fruto de um esforço que acarretou
mudanças no autor, espero que a leitura dele também tenha lhe modificado. Não teria sentido
me propor a trabalhar dois temas tão complexos, como a filosofia e a história da educação, se
ela não tiver um significado que reinterprete e desloque o nosso olhar para questões novas.
Quero apenas lembrá-lo(a) de que desde o início deste trabalho procurei trazer algumas
questões atuais a serem pensadas com os dilemas que nos acompanham há muito. Desde o
pensamento grego sobre o significado da vida, da verdade e da natureza, por exemplo, como
da educação em sua trajetória no Brasil.
Quando analisamos a filosofia na antiguidade grega e romana percebemos que ela dá bases
ao pensamento medieval, escolástico; notamos o quanto a reinterpretação da filosofia grega
vai ser aprimorada no ocidente pelo ideário cristão, o ideário que incentivou a conquista do
homem ocidental usando a ciência que nasceu da complexidade que a filosofia representa.
Já a religiosidade é outro caso. O pensamento teológico cristão gerou alicerces para que a
filosofia promovesse sua capacidade de investigação que buscasse um significado universal
da existência e da relação do homem com a natureza, a qual por inúmeros pensadores foi
considerada o próprio Deus. Não teríamos chegado tão longe nas conquistas, no aprimoramento
da política e na conquista promovida pelo ocidente sem a influência do paradigma cristão.
O pensamento e conhecimento estão sempre lado a lado, assim como tudo o que eles são
capazes de produzir por meio da reflexão. Foi com esses elementos, aliados a outros, que
a economia capitalista conheceu o grau de sofisticação que apresenta nos dias de hoje.
Não seríamos nada sem o conhecimento científico, principalmente, sem a capacidade de
compreender este significado, o papel da filosofia.
Nós, brasileiros, estamos a todo o momento enfrentando números desfavoráveis sobre a nossa
produção científica, mais que isso, da nossa incapacidade de promover o crescimento do ser
humano e seu aprimoramento. A educação tem um papel central nessa questão. A história nos
dá uma importante resposta.
Para que a educação tenha um papel de importância na vida de cada um, ela tem que ter um
significado em nossa vida diária. Ir além da mera formalidade institucional. Ela tem que ser
todos os dias um meio de dar sentido as nossas ações. Por isso, a ciência tem que sair da sala
de aula, dos laboratórios escolares, tem que avançar sobre nossos dilemas e refazer nossa
imagem “rasa”, propagada muitas vezes pelos meios de comunicação.
86
Essa é a conclusão de um estudo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq - HC), publicado na
edição deste mês da revista científica Clinics.
Este trabalho, que chega agora a sua conclusão, será sempre um ponto de partida para uma
nova revisão. Uma necessidade constante de tudo o que se faz rever e buscar melhorar,
sempre, infinitamente. Espero que você também parte dele para mudanças, análises e o
supere. Supere-se sempre!
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de Angelo Ricci. São Paulo: Editora Abril, 1973.
AQUINO, São Tomás; ALIGHIERI, Dante; SCOT, John Duns; OCKHAM, William of. Seleções
de textos. Tradução de Luis João Baraúna. São Paulo: Editora Abril, 1979.
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Folha de São Paulo, 2010.
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Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
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André Koch Torres Assis. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010.
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ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do contrato social. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Folha de
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WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LCT –
Livros Técnicos e Científicos S.A., 1982.