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(Copyright® 2007 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com Andrea Bobbio. Logotipo. copyright © Centro de Estudos Norberto Bobbio ‘Titulo do original. Dalla struttura alla funcione: nuovi studi di teoria det divtto Tradupdo: Daniela Beccaccla Versiani Traducto do preficio a edict brasileira: Marcela Varefio Revisho téenioa: Orlando Seixas Bechara ‘Renata Nagamine Projeto grafico: Departamento Editorial da Editora Manole Editoracdo eletrOnica: Know-How Editorial Lida. Capa: Eduardo Bertolini Imagem da cape: Ateadas da Ilia iStockphoto.com. ‘Dados Internactonais de Catalogagao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP Brasil) Bobbio, Norberto Daestrutura func : novos estudos de teria do diteto / Norberto Bobbio; ‘radugio de Daniela Beccaccia Versiani revisio téeniea de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine.~Basueri, SP: Mano, 2007 ‘Titulo oxiginal: Dalla swuttura alla funzione, ISBN B5-204-2556-9 1. Direito- Filosofia I. Titulo. 06-8387 cDu-340.12 Indices para catélogo sistematica: 1. Direlto: Filosofia 340.12 2. Filosofia do Direito 340,12 Todas os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderd ser reproduzida, por qualquer processo, ser a ‘permissdo expressa dos editores, Eproibida 2 reproducdo por xerox Edigao brasileira ~2007 altora Manole Ltda, ‘Av, Ceci, 672 Tamboré (06460-120- Barueri ~ SP Brasil ‘Tels (11) 4196-6000 ~ Fax: (11) 4196-6021 wwwunanole.com.br info@manole.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazit ESTRUTURA E FUNCAO NA TEORIA DO DIREITO DE KELSEN ‘SUMARO— 1, Signifieado da obra de Kelsen na histOria da teotia geral do diteto no titimo séeulo -2,Fatose valores na tworia do diteito de Kelse: ‘ ideal da cléncia e @ néo-cientificidade dos idenis -3. A teoria pura do iseto como teoria do ordenamento jurdico ~ 4, Estrutura e fungao na ‘eorla de ditto, 1. Bm 1910, Hans Kelsen, sem ter ainda completado trinta anos, publicou Hauptprobleme der Staatsrechislehre, uma volumosa obra de setecentas paginas, coma qual colocou, mais do que a primeira pedta, 0s fundamentos daquela que, no prefiicio a segunda edigo (1923), denomi- nou de “uma teoria pura do direito como teoria do direito positivo"." Em 1934, quando aparece a primeira edigio daquele livro-sintese, progra- ma e manifesto, como € Reine Rechtslehre, 0 edificio pade dar-se por acabado, Entre 1911 ¢ 1914, reuniu-se em torno de Kelsen um grupo de Jovens estudiosos ao qual se deuo nome de Escola de Viena, No ambito da escola, Adolf Merid, em uma obra de 1923 (Die Lelie von der Rechtskraft entwickelt aus dem Rechtsbegri(f), desenvolveu a teoria dinamica do ordenamento juridico, a chamada Stufentheorie des Rechts, que Kelsen acolheu e incorporou a Aligemeine Staatslehre, de 1925. Depois de 1934 até a segunda edicao da Reine Rechtslehre (1960), que contém todos 6s sucessivos enriquecimentos da doutrina - a ponto de adquirir uma 16 tal into € Haoptprobieme der Staatvactsoheenzwicket as der Ltr vom chee Mohs, ‘Tubingen, 1910. segunda edi € um fc ime da primeira, com o acrescimo de wna important Introdoeao (p39, que pontuao desenvolvimento da tora pura do delta nos Utimos dex anos. ‘Annas srple bidbogeda das bres de Kelsen eso Kelson enconua-so no apéndice a R.A. MED, Fans Kobe. Leber und Werks Fane Deatees, Viena, 199,121, AlGo ano de 1965 esthatualzada 3 bibliogratin dae bas de Kelsen que se eneontra como apendlce so Sagi itradatva de M. Losis0, ‘que acompania a eigd italiana da sequada cdc da Reine Rechte. Kesen, La dourina pura (el drt. ana Ta, 1966, pEXTEC, Da estrutura a funglo ~ novos estudos de tecria do dirste dimensfo trés vezes maior do que a da primeira edicao e ter assumi- Norberto Bobbio do o carter de verdadeiro tratado —, o sistema foi aperfeicoado, com- pletado, corrigido aqui e ali, mas as linhas mestras néio mais foram modificadas. Desde a aparigaio de Hauptprobleme, havia se transcor- rido, entdo, meio século. A obra de Kelsen constitui uma etapa fundamental na hist6ria da teoria do direito. Tirou parte da sua importancia das obras anterio- res, como as de Jhering, Thon ¢ Jellinek, salvo se as considerarmos ailuentes que confluiram para 0 grande rio, Teorias que tomaram outros caminhos, como aquela também celebrada de Duguit, foram abandonadas. As duas principais obras de teoria do direito surgidas nesses tiltimos vinte anos, Law and Justice, de Alf Ross (1958), € The Concept of Law, de Herbert L. Hart (1961), mesmo tendo sido escritas por autores educados em uma tradicao juridica nao exatamente bem situada no sentido do tao censurado mal-compreendido formalis- ‘mo kelseniano, reconhecem 0 débito que contrairam com a teoria pura do direito. Apesar dos dissensos em relagao & obra do mestre, ambas sao obras claramente pés-kelsenianas, no exato sentido de que nao podem ser entendidas sem Kelsen. © maior reconhecimento do lugar estratégico que a teoria pura do direito tem ocupado na historia da jurisprudéncia teérica” velo de seus adversdrios mais irredutiveis. Durante décadas, a obra de Kelsen foi identificada pelas correntes adversérias (as que Kelsen colo- cara em dificuldade ou retirara de seu caminho) como 0 inimigo por exceléncia, Para os jusnaturalistas, a obra de Kelsen tornou-se 0 limi- te ultimo e, ao mesmo tempo, 0 protstipo do positivismo juridico; para os realistas, do formalismo; para os juristas soviéticos, da juris- prudéncia burguesa. A teoria pura do dieito foi, por vezes, denun- ciada como sede de todos os erros do século, 0 resultado de todas F yambém esta expresso “Jusopruncia ica” (heontical Jurisprudence) encontr-ae em Kelson, por exeaplo em General they of law and Site, Hart University Press, Cambri, ‘Moss ats {ee agora ex dante ceado como GTLS) p14 (radu Kaian, Erion di Comunit Mino, 195, p13) foie gored do to eo ada, 3. ed rad. port. Luis Carls Borges, $20 Paul Martins Fontes, 2000, Norbert Baba as aberragdes de uma ciéncia que pretende substituir a metafisica, caindo no agnosticismo; a nua empiria, condenando-se a esterilida- de; a ideologia, sendo ela mesma uma ideologia mascarada. ‘Nao obstante tenha sido muitas vezes declarada morta (sobre- tudo por aqueles que acreditavam té-la matado), a teoria kelseniana nunca cessou, inclusive nesses tiltimos anos, de ser objeto de estudo e de novas reflexdes.’ Em 1970, foi fundada uma revista de teoria do direito intitulada “Rechtstheorie’, da qual Kelsen era diretor, ao lado de K. Engisch, H. L. A. Hart, U. Klug e K. Popper. Seu objetivo é aprofundar, mais do que foi feito até agora, a critica dos fundamentos doconhecimento juridico, e parece que se propoea tarefa de desenvol- ver os “analytische Anstitze” presentes na obra kelseniana.‘ Num dos volumes do primeito ano, foi publicado um artigo de Robert Walter sobre o presente estado da teoria pura do direito, no qual se pode ler que a nova revista nao pode prescindir dos resultados dessa teoria.? direito sempre foi um jardim fechado ¢ refratério aos nao- juristas. Dos grandes juristas deste ultimo século, apenas a obra de Jhering tivera alguma ressondncia fora desse recinto, ainda que por aspectos marginais ao sistema. Mas Jhering invadira, em Der Zweck im Recht, sua obra filoséfica, o campo da ética e, em geral, do costu- me social (resvalando na sociologia). Kelsen, ainda que nao alheio & historia do pensamento juridico, 4 qual deu contribuig6es originais, @ exceto por uma exploracao no campo da etnologia com o objetivo de trazer uma confirmacao histérica da grande dicotomia entre natu- reza e cultura, entre mundo do ser e mundo do dever-ser, entre esfera_ das relagoes de causalidade e esfera das relagdes de imputacao, sobre as quais fundou a autonomia da ciéncia juridica, foi essencialmente tum jurista: logo, um jurista puro para uma teoria pura do diteito. 4 Limjto-me a recorday, depois da ctata bibliografia de Metall, 2 monografia, para dizer a verde tum poco etcolisties, de R Hass, Norm chs und Saat. beregungen su Hans Keen Taare ler reinen Recs Springer Verlag Vien, 1988 4 specttgore. Zaleilt fir log methodeniehre, kyberneie und sozilogle des recht Duneker nd Humble, Beli, 170 5p. waren, Dr gopomintrige Sto der rine rechserein Rechistheore I 1970, 5385. ‘veeja9 @p oyp op e093 eu O€Suny 8 exnanuasy 183 Da estrutura & fungio — novesestudos de teola do dirste Norberto Bobbio [ No entanto, de Kelsen em diante, e, sobretudo, por meio de Kelsen, os problemas da jurisprudéncia tedrica adentraram 0 circulo das discussbes gerais sobre metodologia, ética e meta-ética, logica e, de modo mais geral, ilosofia da ciéncia, Um exemplo convincente esig- nificativo: no amplo compéndio de problemas de logica e filosofia da ciencia, dirigido por Jean Piaget para a “Encyclopédie de la Pléiade’, no breve pardgrafo em que 6 introduzido o problema da ciénela juridica, 0 tinico ponto de referéncia é o sistema Kelseniano, a propésito do qual se diz: “0 direito constitui, em si mesmo, um sistema de nor- ‘mas, cujas articulagoes ¢ construtividade foram trazidas & luz com grande profundidade por H. Kelsen’.” (© que faz da teoria pura do direito um momento decisivo da jurisprudéncia te6rica e, portanto, uma etapa obrigatoria dos estudos de teoria do direlto, inclusive para os reticentes, sto alguns tragos fun- damentais, seja quanto ao método, seja quanto a perspectiva sobre 0 proprio objeto, seja quanto A implantagao teérica geral da disciplina, ‘0s quals a teoria pura do direito tem em comum com as teorias gerais que se desenvolviam, aproximadamente nos mesmos anos, em outros campos das ciéncias humanas. A literatura kelseniana, embora vvastissima, jamais se deteve com a devida atengio neste ponto, isto €,no fato de que a empreitada cientifica de Kelsen desenvolve-se em consondncia com as grandes empreitadas cientificas de seu tempo no campo das ciéncias sociais e com elas partilha algumas caracteris- ticas fundamentais. Os habituais confrontos entre a teoria de Kolsen e outras teorias do diteito,infelizmente, nfo vio muito além de corre- tos, mas estéreis, exercicios académicos, sem conseqiiéncias relevan- tes para uma melhor compreensao do sistema kelseniano. 0 confron- tomais interessante e mais esclarecedor éaquele que proprio Kelsen 5, ac Ls dus probes principe Tepstimologie des seienoe cde Thommen Lagi anole scone, vol XXIt da “Eneyeopédie do Ia Place’ Pais, 1967, p.107 0s dois Fetes problemas da epstemolopa ca ctncashumanas i Lge concent cnc Peete tad pore Souza Dies, Prt Czas, 1980-1961). Sobre arelagio Pepe Kelsen ct. Rees incdonan deltepatemolegia genetca lla tworia de! fondamens del dic, in WA, Sean Plaget el slece scl La Noova Tain orang, 1973, 71-11% Norberto Bobbio instituiu entre a teoria pura do direito e a jurisprudéncia analitica de John Austin, entendida como primeiro exemplo de jurisprudéncia te6rica.” Também 0 estudo das fontes filosGficas, ou, em geral, cul- turais, do movimento para uma teoria pura do direito foi, até agora, surpteendentemente pobre: criticos, mesmo recentes, limitam-se a retomar as conhecidlas mengoes do proprio Kelsen a uma convergén- cia significativa, mesmo que casual, com 0 neokantismo da Escola de Marburg, Ainda hoje, Kelsen passa por um neokantiano, embora ‘© nome de Hermann Cohen nao seja citado nem uma tinica vez na segunda edicao de Reine Rechislehre, que constitui, como ja foi dito, © ponto de chegada de seu pensamento. Kelsen pode ser considerado kantiano apenas na medida em que se liga & grande dicotomia, que remonta a Kant, entre a esfera do Sein ¢ a esfera do Sollen.® Para defender essa dicotomia hoje, em ‘um clima cultural diverso, um autor preferitia apresentar outras cre- dencials, in primis, a distingao humiana entre ise ought. Com efeito, entre a dicotomia kantiana, que separa o reino da necessidade do reino da liberdade, e a dicotomia kelseniane, que distingue natureza de sociedade, hé toda a diferenca existente entre uma elaboragao filosofica uma elaboracao cientifica do problema: a dicotomia kel- seniana tesume-se na contraposi¢ao entre dois sistemas de represen- taco da realidade, um fundado em relacdes de causalidade, 0 outro, em relagdes de imputagdo. Nao € necessdrio incomedar Kant para explicar a origem e entender 0 significado de qualquer das teses de Kelsen, mesmo que este tenha flertado intimeras vezes com a Critica della ragion pura. 74 Kaan, Pare theory of law and analyleal jurisprudene, in “Havard Lave Review" DY 294, p46-70 (uadugto llana, in Lnowront di dorrina pura det dry, organiza po R.Teres Elnaud, Turi, 1967 p.173208) (A eoia pum do deta ea urispradénci analta” wad. port, Lars Cario Boge, © ve ase, ed, Sto Pal, Matas Foe, 2001 5 Uma longa discusedo em relagdo « Kant pode ser encontada na sogwids edkto de Reine ‘ochre, Prana Deutek, Vien, 1960 ade de gorse dante como RAE 2.30.5 trad 0 taion, Einaudi Trim, 1965. 11920) Teoria pura do diet, 6.2, od. port. Fon Bepista chao Sa0 Pa Martine Fons, 1898). Pare as elses ene Keene oncokantao, nds ‘ental embem Rev I fordamenta lin del trina pura del rt di Hane Keer, ‘Aa dels Ae delle Scienze dh Torino XI. 1834 (pl, excert) 9 earanaaeg oeSuny 03 eu Uesioy |p oysup op ey wore do deta Da estrutura & funglo - novor ertdos dh Norberto Bobbio Quem desejar perceber a fungao de ruptura que a teoria pura do direito teve no desenvolvimento da jurisprudéncia te6rica, deveré alargar 0s pr6prios horizontes e examinar mais de perto.o movimento do saber cientifico e da reflexiio sobre a ciéncia que se desenvolve nas primeiras décadas do século. Como jé fot observado intimeras vezes, ‘na mesma Viena onde Kelsen formou sua escola, nascera, poucos anos antes, a psicandlise, e apareceria, poucos anos depois, o Wiener Kreis, Embora o interesse de Kelsen por ambos tenha sido marginal (mas as relagoes entre a teoria pura do direito e a psicanilise, de um lado, e 0 Circulo de Viena, de outro, mereceriam ser melhor estuda- das), 0s trés movimentos se desenvolveram no mesmo elima cultural ‘Tao logo apareceram os primeiros estudos de Freud sobre a psicolo- gia de massa, Kelsen 0s acolheu com interesse e tratou deles na obra de maior destaque escrita naqueles anos depois de Hauptprobleme. A sua participagtio na atuagao cultural dos neopositivistas ocorre muito depois, nos grupos da diéspora p6s-nazista. Colaborou com dois artigos para a nova revista “The Journal of the Unified Science’, que continuava “Erkenntnis";"" a primeira edigao da obra Vergeltung und Kausalitit. Eine soziologische Untersuchung, que posteriormente, na edigdo norte-americana de 1943, receberia o titulo de Society and nature, foi impressa na Holanda, em 1941, pela “Library of Unified Science’, criada pelos neopositivistas que fugiram da Austria ¢ da ‘Alemanha, mas no fora publicada, devido & ocupacio alema."" No mesmo ano de 1916, surgiram duas obras sobre cuja im- portdincia para a elaboracao teGrica e para a reconstrucao sistematica cfc pagal nto “Die Libido ale Kieu der sozialen Verbindung’ nor Der saci. pc und der rstgce Staasbef Mob, Tubingen, 1822, 19-33. Ha um aceno picaalise Kerabeun im Daw Vrhalins von Stat und Recht ae chee der Banntisrit, “Zest ‘fences wee 1821, S06. 10 1, Rain, De Ensihung der Kausaleetes ax de Vergttagapringip, in “the Journal of United Science Vil 1999, p68120; e Causality and reributon, idem, p23i-40 CauslKade rctibuigd! ead. port, Ll Case Borges iO que usa? 2 ol, Sd Paulo, Martins Fonte, ant 11 pare eos informagoes emetoo etor aA. Mert Hans Kose, i, p67 e110. también -e tuon Ineo pstsmetgie Edion 6 Fosoba, Tarim, 1853, 247 dos respectivos campos de investigacao 6 desnecessério dispensar muitas palavras: Cours de linguistique générale, de Ferdinand de Saussure, e Trattato di sociologia generale, de Vilfredo Pareto, Publicada ‘primeira, na Franca, ea segunda, na Itilia, durante a Primeira Guerra ‘Mundial, ambas nasceram na pacifica Suiga, onde o mesmo Kelsen viria a exilar-se em 1983, depois da chegada de Hitler ao poder. Nao ‘ha tracos do conhecimento da sociologia de Pareto na obra de Kelsen, a quem, alids, néo escapara a importancia do mestre de Lausanne.’* Contudo, um dos pouces juristas que atrairam a atengio de Pareto foi o seu colega de Lausanne Ernest Roguin, que publicara, ainda em 1889, um livro de “ciéncia juridica pura’, como o préprio autor decla- 1a, e depois, em 1923, os trés volumes de La science juridique pure, que constitui a tinica obra comparvel (ainda que raramente compa~ ada) ~ mais por inspiragio, entenda-se, do que pelos resultados ~ & obra de Kelsen."* 12 Em uma nota de Yom Wen der Gemokrare, Moby, Tbingen, 1620 (que cto da radu is- Hana, Buena # lore della democraria i 1, XESE4, Demoeracae culture I Mulino, Bolan, 1855) "Esti valor da deroeracl tra, port. Vera Birkow nt democraci, 2.4, S40 Paul, Marlins Fontes 2000), Keven cieute a fcnativa de Goberto Michels epundoo qual ofsesmo, ‘nn sua tendenia apartament epolrs-e em Pareto, 8 rela considerando que apestira de $aveio a considecaglo do paviamente corespondia 8 de um liberal (45-7) O Juan de Michels Ihnava-ce no ensaio puretano Pook! puts di wn futuro andinamento cosiucionate, que ele ests public loge Sopot da sort de Pareto in"La vita alias” etebroeouraro de 1923, 65-3, eptesentando-o coma otestementa polio do maior sociologee pensidor da stad 2c, detaco« todos os jovens Ilias, sem distingte de patio” (agora la Pause, Seri pol feb organic por G,Hosino, Ue Tarim 197, wel. 795-80). A mesma relerncla a Pareto feconttase também crm uth ensalo posterior de Kuses, Das Problem des Parlamentarins. W, ‘Deum, Vens-Lipela, 1924 0 problema do parlamentarismo’ trad port. Ver Barkow, in A deminer, 2. el SiO Pale Martins Fontes, 200), como fl destacad por P.Toxtasse, fa Conception partons dea derail” exe desta ele de sence polii= (Guo, V0, 1975 p20, que ta, ne p23, oeneaio Keleniano da segunda edieao de 1968 (em que S eeho comeniado enconta-se nat pl2-), Desue ecto Kelseniann ext tarbém ura veha tredugto tina in Nov stad. d to, economia pol, I, 1825, p182-208, Como todos podem ve, parc desas ages, oencont de Kelzn com Pare oj asin edo se eer Ferma tora do dt do primeira, nem a oria sceoigtes do segunda 13 No preci a primeira obra, inclads Zale de roy, F Rouge, Lausanne 1889, eseeva:*ns estudamasoditete do ponte de vata analtene sini, como dulce estuda es corpos que ‘e dovompde = lace, ln sua propria matures, as nosas conclastes eo slvoengana tle ‘igoroas quanto ae da ciel dos corpos materiis (pV, No peficio t segunda obra, Easconze Jrdique pur Rouge, Lausanne, 123, cits como antecessor Astin, nao maenciona Kelsen rel fra que os verdes demonstudas no seu stem “naoimplicam, em si mestas, qualquer fico {de slor em elacao a0 mente ot a0 demo as slugs das istituighes Judas (p30. Sabie as relates ents Pareto © Rogan charow a stengio G BUEDD, East Poguine Viledo Pareto naar Ved Part, 1964, 14 p.188-210. Sobre as relagaes ents Kelsen Roguin Uasjoy 9p oyeup op cosy eu ogSuny a eamynnsy Da estrutura 8 funglio ~ novos tudes de Norberto Bobbio Nos mesmos anos em que Kelsen elaborava a propria teoria, apareceram os ensaios fundamentais de Max Weber, Uber einige Kategorien der verstehenden Soziologie (Sopra alcune categorie della sociologia comprendente, 1913) € Der Sinn der Werifreihett der soziolo- sgischen und ékonomischen Wissenschaften (Ilsignificato dell'avalurati- vita delle science sociologiche ed economiche, 1917). Em 1921, aparece # obra péstuma fundamental de Weber, Wirtschaft und Gesellschaft (Bconomia e societa). Embora Kelsen tenha passado por um periodo de estucdos em Heidelberg, em 1908, néio teve qualquer contato com Weber, que entéio ocupava a catedra de economia politica. Todavia, maistarde, estudou cuidadosamenteo pensamentoweberiano, encon- trando algumas afinidacles com 0 seu pensamento no que se tefere & relago entre Estado e direito e & concepeao juridica do Estado." 2. E bem conhecida a importancia da descoberta dos motivos nao racionais que determinam a conduta do homem em sociedade para o desencadeamento de uma reviravolta nas ciéncias humanas. Segundo Pareto, as aces Iogicas ocupam um pequeno espago na ‘economia total de um sistema social, se comparadas as ages ndo- Jogicas. Max Weber colocou, ao lado da ago racional em relago ao objetivo, outras formas de agao social: a agiio racional em relagao a0 valor, a agao afetiva, a acdo tradicional. Ainda que com diferentes acentos, Pareto e Weber foram os mais rigidos e obstinados defenso- res da condenag&o de qualquer contaminagao da ciéncia pelos jufzos de valor. Ambos estavam fortemente inclinados a acreditar (atuan- do, conseqiientemente, como cientistas) que, em uma sociedade dominada por forgas irracionais, a ciéncia fosse a nica empreitada humana em que o dominio ea orientagao da razao deveriam manter-se Goma La slence jure pure. Roguin« Keen. n “Zeist fr scheizersches Rechts IL J500,p207-8 Sobee Rogein, escrevetrmesmowum ensalo: Un dimentcatoteorce del dirt: [Brust gun, ue seven brave publicado nos Sri ix onan dSaatore Pugh 1M cio psig "Der Sst al Rechtsordoung in den Kategorien de 'erstehenden’ Silo sn Der seolagche und der jrtache Statsegr ft, p196-70. Sobre a estadia de Koen em Heidlbece cr B-A, Mov, Hans Keen, ci, p Dem dant incontestaveis; e que, portanto, cabia ao homem de ciéncia a respon sabilidado de preservar 0 saber cienttfico da corrupcao das fés indi- viduais e coletivas, dos sentimentos, das concepgoes de mundo que nao eram racionalmente, mas apenas praticamente, justificaveis. Em Pareto ¢ em Weber, a feroz defesa de uma ciéncia destituida de procedimentos valorativos caminha pari passu com uma concepcao fundamentalmente inracionalista do universo ético: a ética do cientis~ ta consiste, precisamente, na defesa, até as tltimas conseqiiéncias, do tinico ¢ limitado reduto da razao face aos assaltos da ndo-razio, ‘como se revela na enunciagao dos jufzos de valor. Fssa postura ética ‘comum diante da ciént © outro foram, em geral, diferentissimos no que concerne aos valores da vida e da sociedade: Pareto foi um libertario, Weber, um espirito religioso. Entretanto, os dois acreditaram firmemente terem sido chamados a salvar pelo menos a ilha da ciéncia da tempestade das paixdes humanas. No primeiro pardgrafo do Prefiicio a sua obra-manifesto, que é Reine Rechislehre, Kelsen escreve estas palavras: 6 tanto mais importante & medida que um Antes de tudo, o mew objerive fol elevar a jurisprudéncia, que, de modo patente ov ocult, se dissolvera quase que inteiramente no raciocinio ppoltico-juridico, @ altura de uma cléncia auténtica, xana ciéncia do cespirito. Tratava-se de desenvolver as suas tendéncias dirigidas nao ara a criagéo, mas, exclusivamente, para 0 conhecimento do direito, ede apraximar ao maximo os seus resultados dos ideais da cltncia: ‘abjesividadee exatidao. ‘Sem jamais ter lido Pareto e sem citar Max Weber, Kelsen perse- guia o mesmo objetivo no campo do direito e tendia a ele confiando na mesma inspiracéo fundamental, que era a separagao entre pesqui- sa cientifica e programas politicos e 0 impedimento de que os juizos de valor corrompessem a pureza da pesquisa. No Prefaicio a General 15 eine techtsiehre, Franz Deuticke Verlag, Lipsia- Viena, 1954, Prafazione (eltado de agora em ian como RRL 1} [Torta pa do dirt, port. Fornando de Miranda $0 Paul, Saraiva. 1938), Ussiey) ep oyeup op eos; eu oeSun, @ eaninnsy Norberto Bobbio theory of law and State, que contém, muito mais do que a segunda edigdo da Reine Rechtslehre, a summa do seu pensamento, afirma muito claramente: (Chamando tat doutrina de ‘eoria pura do direito, pretende-se dizer ‘que ela permanece livre de todas os elementos estranhos ao método tespecifico de uma ciéncia cujotinico objetivo éoconhecimento do direi- to, € ndo a sua formacio. Uma ciéncia deve descrever 0 proprio objeto como ele efetloamente & ¢ ndo prescrever como ele deveria ou nio tdeverla ser com base era alguns julzos de valor especifica, Este limo ‘éum problema politico e, como ta, diz respetto & arte do governo, uma latividade que se ocupa dos valores endo é um objeto da eléncia, a qual seocupa da reatidade.” Kelsen estava perfeitamente ciente do fato de que, perseguin- do esse objetivo, inscrevia o seu projeto de uma teoria cientifica do direito no movimento geral das ciéncias sociais dele contempordaneo. | Um dos textos kelsenianos metodologicamente mais importantes, 0 Preficio & segunda edigo de Hauptprobleme (1923), termina com este augitio: (Da estrutura & Fungo — roves estos de tools do dito Talvez eu possa ter esperaneas de que 0s nassos esforgas no sentido de ‘aprofundar flosficamente os problemas da doutrina do direitae do Estado, ligando-os aoe problemas andiogos das outras cidncias ¢ Wbe- rand, assim, a nossa cidncia do sou isolamento insano, inserindo-2, como mermbro digno, no sistema das ciancias, encontrem wma correta ‘compreenséo também junto aos adversdrios ‘Também em Kelsen, o projeto de elevar a ciéncia do direito a0 patamar das outras ciéncias, perseguindo o ideal cientifico da “obje~ tividade” e da “exatidao”, é acompanhado por uma concepcao irra- cionalista dos valores, tao radical quanto a de Pareto e a de Weber. Se quer ser bem-sucedido em seu intento de construir uma teoria universalmente vilida, 0 cientista deve manter os juizos de valor sob 16 Gr4s, pXIV (radgao tatiana pDO. 1 Feaupprobleme pT. Norberto Bobbio vigilancia tanto quanto Ihe for possivel, precisamente porque os valo- res representam a esfera do irracional. Onde quer que o cientista deixe que se insinuem as proprias preferéncias, expressas em juizos de valor, a empreitada cientifica est destinada ao fracasso, pela simples raziio de que os juizos de valor néio stio passiveis de ser sub- metidos aos controles constitutivos do universo cientifico. Em outras palavras, a empreitada cientifica s6 € possivel quando procura ser avalorativa, Naturalmente, para nao se deixar influenciar pelas pr6- prias preferéncias ético-politicas, o cientista deve renunciar a preten- ssio de oferecer receitas para a ago. A tarefa da ciéncia descrever, nao prescrever. Qualquer urn que tenha alguma familiaridade com, as obras de Kelsen sabe muito bem a importancia que tem, em sua. concepgdo da ética do cientista, o compromisso de nada prescrever: Kelsen leva esse compromisso tao longe a ponto de estendé-lo da teo- ria geral do direito, na qual parece mais Sbvio, ao trabalho dos juristas, que deveriam limitar-se a propor as varias interpretagdes posstveis de uma norma ou de um complexo de normas, jé que qualquer escolha, implicando uma valoracao, seria cientificamente insustentével."” 0 valor por exceléncia a que o direito esta relacionado é 0 valor da justiga. Como todo valor (ou, mais precisamente, como todo valor tiltimo ou fina)), a justica nao é passivel de ser submetida a qual- quer forma de controle empirico ou racional. Uma das afirmagoes recorrentes em toda a obra kelseniana 6 que a justiga € um ideal irra- cional. “Justica” — escreve ele em Reine Rechtslehre, no significado que Ihe é proprio eque a diferencia do direto,expresca (Jum valor abscluo, Ose conteido ndo pode er deserminado pela ddotrina pura do diet. Alig, ele nao & de modo algun determindvel pelo conhecimento racional."® E mais adiante: 18 yer elt que Kelsen amas a inscreveu em qualquer part plea, porque comsierava ‘gue pevtenar am pared colori em perigh ou lina a independéacta cents (ope a3, 19 pe 1,83 191 ; 3 2 3 i 3 8 Norberto Bobo Como € impossivel (tanto quanto se possa pressupor) determinar, mediante 0 conhecimento cientiic, isto &, por meio de wm conhect ‘mento racional orientado para a experiencia, a esséncla da idéia ow dda coisa em si, da mesraa maneira ¢ imposstvel responder, pela mesma la, a pergiunta: om que consist ajustica” Em General theory of law and State, abandonando a compara- cao kantiana e acolhendo argumentos neopositivistas, afirma que o juizo de valor pelo qual se declara que algo constitui um fim tltimo “6 sempre determinado por fatores emotivos".”’ Neste sentido, juizo 6 juizo subjetivo, valido somente para o sujeito que julga, e, por isso, relativo, Dado que nao se pode responder se uma norma ou um orde- namento inteiro é justo ou injusto a nao ser por meio de um juizo de valor, o problema da justica nao é um problema do qual a ciéncia possa se ocupar, de modo que a teoria pura do direito, se pretende ser ciéncia, deve desinteressar-se dele: “Uma teoria pura do direito — uma ciéneia ~ ndo pode responder & pergunta sobre 0 que é justo e ‘0 que é injusto, porque a ela nao se pode, de modo algum, responcer cientificamente’” Foi intimeras vezes observado que a construgao das ciéncias sociais avanga pari passu com a relativizagao de todos os valores: 0 relativismo cultural permite estudar a sociedade humana, as vérias formas de sociedades humanas, sem preocupacdes ético-politicas. A condicio sine qua non para estudar cientificamente as sociedades humanas seria uma certa indiferenca quanto ao valor @ atribuir a cesta ou aquela forma social, a esta ou aquela postura do homem em sociedade. Pois bem, este estado de indiferenga ¢ tanto mais acessi- vel quanto mais estivermos dominados pela convicgao de que nao ha valores absolutos, de que uma civilizagao, uma cultura, um ordena- mento juridico (no caso especifico de Kelsen) vale o mesmo que um. 20 ea 1,88. 21 GIS, 97 endo tahana, 22.6115, ps rade Kelis, p Norbert Robb outro. Por mais que nao seja aceito por todos que exista um vinculo necessirio entre teoria positivista do direito e relativismo ético, ¢ cer- to que no pensamento de Kelsen esse vinculo existe: A cxigencia, que avangou sob o pressuposto de uma doutrina relativis- 1a dos valores, de separar o direiro da moral, e, consequentemente, 0 Adireito da justiga, significa apenas que, ao avaliar um ordenamento juridico como moral ou imonal, justo ou injusto, expressanios somen- te a relacéo do ordenamento juridico com um dos muitos sistemas ‘morals possiveis (ho com. %a" moral) e enunciamos urn juizo de valor nao mais absolute, sim, relativa Na hist6ria do pensamento jurfdico, 0 absolutismo ético é representado pela teoria do direito natural, que pretende deduzir regras de conduta universalmente validas do estudo objetivo, “cienti- fico’, da natureza humana, Com base nessa pretensdo, o jusnaturalis- ‘mo sempre atribuiu & teoria do direito a tarefa de distinguir o direito justo do injusto e, portanto, de prescrever qual direito deve ser, em vez de descrever o direito que é. Contudo, dado que essa pretenstio — para ‘um telativista como Kelsen —¢ infundada, o jusnaturalismo terminow por submeter a andlise da realidade jurfdica a jufzos subjetivos e, portanto, por dificultar, quando nao diretamente impossibilitar, uma teoria cientifica do direito. A construcao de uma teoria cientifica do direito esta estreitamente ligada, na obra kelseniana, a uma critica ferrenha, continua e impiedosa ao jusnaturalismo. Diz-se que, para abrir caminho a ciéncia juridica, € necessario liberté-la dos juizos de valor. Uma vez, que a manifestacdo mais importante, e também mais freqiiente, de intrusdo de juizos de valor &, conforme Kelsen, o modo de se comportar diante do direito que atende pelo nome de jusmatu- ralismo, 6 necessério, se desejamos fazer com que a ciéncia juridica progrida, tirar definitivamente o jusnaturalismo do caminho. © modo pelo qual Kelsen critica a pretensao da teoria do direito natural de ser uma teorla cientifica insere-se no processo, t40 Bamas aS|ey ep OyBup op eU0= eu oRSuny @ eumanass Norberto Baio caracteristico dessa fase de desenvolvimento das ciéncias sociais, de “desideologizacao’. O jusnaturalismo nao é uma teoria (cientifica), ‘mas uma ideologia, ou, em outras palavras, nao é uma teoria racional de um campo particular da experiéncia humana, mas € a racionaliza- ‘cdo postuma de uma necessidade fundamental, que é, geralmente, de conservar 0 status quo, Ao denunciar 0 jusnaturalismo como ideo- logia, Kelsen emprega expressiies que nao podem deixar de nos fazer pensar em Pareto ou em Freud, ainda que, provavelmente, a fonte direta de Kelsen seja 0 proprio pai da critica as ideologias, Karl Marx Annecetsidade de justificar nassos atos emortvos € ro forte que procura- mos satsfazé-Ia ainda que sob orisco do auto-engano. Ea justificagao racional de um: postulado basoado em wm jutzo subjerivo de valor, isto 6 em um desejo, por exemplo,o de que todos os homens sea livres, ou de que todas os homens Sejantrasados igualmente, wy auso-engano ou uma ideologia, o que, afinal, consiste na mesma coisa. Ideologias ‘picas deste genero sao as afirmagdes de que urs fie itm qualquer @, portanto, um regulamenta qualquer determinado pelo comporta- mento humano, deriva da ‘natureza’, isto é da nanureza das coisas dda raziio humana, ou da vontade de Deus, Esta doutrina sustenta que existe um ordenamento das relacdes hunanas distinto do direito posi- tivo, mais alto e absolutamente valido ¢ justo, una ves que emana da natureza, da racio humana, ou da vontade de Deus. Da estrutura & fungle —noves ertudos de teria do dito Cabe a Emst Topitsch, estudioso, ndo por acaso, de Pareto € de Weber, 0 mérito de ter chamado a atengio dos estudiosos, para além do restrito circulo dos juristas, para a importanela que a critics as ideologias assume na obra kelseniana.”* A teoria pura do direito 6 (pretende ser), posto que teoria cientifica, uma doutrina comple- tamente desideologizada (exatamente como a sociologia de Pareto), 28 Gris pa (madugtoialana p@. E ainda: "Um etude mais eprofundado das fonts revelnia (que atas tenes toa ses dosjusaturaistassobreo deo natural eomo ndamento do det ‘S pose, eran abscutamente relevant para avalide do dito positivo: erstor da dow ‘Sina jonomaratsta em geil «ds sua prinipa erent eaigorosamenteconsercador © reo “Tatra como aftnade pela oss, ora senciaimente wna Keoiogia, que seria par stent, ‘Reuter tomar sbeolatoo dts positive ou, o que 6a mesma coisa, aautoridade do Estado’ TG (uacug alana, p25. 25. kevas, aude zur Kelogcril com introdugso © erganizacto de E. Topiech, Hermann, Luuhteriand Verlag, Newied am Rhein, 1908, ee Norbert Bobbio ‘Uma das operagoes a que Kelsen se dedica com enorme satisfagao é ade ellminar partes inteiras da dogmatica juridica tradicional, desta- cando a sua origem ideolégica e rebaixando as teorias anteriores a Ideologias mascaradas: para Kelsen, assim como para Pareto, todas | as teorias que precederam a teoria pura so pseudo-teorias (a expres- séo 6 de Pareto, mas também serve bem para Kelsen). Ideol6gicos sio 08 conceitos de direito subjetivo e de sujeito jurfdico, as distingoes cléssicas entre direitos reais e direitos de obrigacao, entre direito pri- ‘vado ¢ diteito pablico, e o dualismo entre direito ¢ Estado. Que o juiz declare, e néo crie, o direito nao é uma teoria, mas uma ideologia (6 a ideologia que quer manter a ilusio da certeza do direito). Da mesma ‘maneira, 6 uma ideologia, e nao uma teoria, a afirmativa de que exis- tem lacunas na lei (¢ a idenlogia que permite ao legislacor limitar, com regras ad hoc, a liberdade do juiz). Defendendo a concepgao do UBs[ay 8p Ovjsup op euoas eu oBSUN) @ eanynaaea primado do diteito internacional sobre o diteito estatal, contra ateo- | ria dualista e contra a teoria do primado do direito estatal, Kelsen nao hesita em afirmar como conclusio de seu livro-manifesto: a.dissolugtio teoréica da dogma da soberania, deste instramento ma ‘mo da ideoiogia imperialist dirigida contra o delta internacional, consttui um dos resultados mais importantes da dowtrina pura do aireito® 3. Nunca seré demais insistir no fato de que foi com Kelsen. ‘que, pela primeira vez, a teoria do direito orientou-se definitivamente para o estudo do ordenamento juridico como um todo, considerando como conceito fundamental para uma construgao tedriea do campo do diteito néo mais o conceito de norma, mas o de ordenamento, entendido como sistema de normas. Comparemos a teoria de Kelsen | com uma das obras mais importantes de teoria geral do direito que a precedeu, Subjektives Recht und juristische Norm (Diritto soggettivo e norma giuridica, 1878), de Augusto Thon. O que falta totalmente na | 26 pax 1.95, 195 Da estrutura & fungi — noves estudes do toorla do drsita Norberto Bobbie obra de Thon, em meio a tantas analises sutis de algumas partes do sistema juridico, é a idéia do ordenamento juridico como sistema. O diteito, afirma ele, é um conjunto de imperativos. Que tipo de con- junto? Era precisamente a esta pergunta que a obra de Thon no oferecia nenhuma resposta. Por volta dos mesmos anos em que Kelsen inicia seu trabalho te6rico, a teoria normativa tradicional é abandonada e substitutda, sobretudo na Franca e na Italia, pela teoria da instituicao, a qual des- cobre que nao basta ocupar-se das arvores (as normas individuals), énecessario ocupar-se também da floresta (precisamente, as institui- Ges). Mas a floresta que essa teoria descreve, a instituicdo entendida como sociedade organizada, ¢ estranhamente desprovida de arvores, isto , de normas. A empreitada de Kelsen consiste, pelo contrario, nao em aban- donar o ponto de vista normativo na passagem do estudo das normas individuais para o estudo do ordenamento, mas, sim, em levé-lo as titimas conseqiiéncias, buscando o elemento caracteristico do direito no modo pelo qual as normas, as quais habitualmente damos 0 nome ispOem-se em e compoem 0 sistema. Assim, a0 de normas juridicas, lado da nomostatica, que € a teoria da norma juridica, ganha espago no sistema kelseniano a nomodinamica, que éa teoria do ordenamen- to juridico. Ainda que a primeira talvez seja, por hébitos arraigados, ‘mais conhecida, a segunda 6 certamente mais importante. De agora em diante, segundo a nova perspectiva kelseniana, a esséncia do direito nao sera buscada nesta ou naquela caracteristica das normas, mas na caracterfstica daquele conjunto de normas que formam 0 ordenamento juridico. O direito 6 um ordenamento coati- ‘vo (Zwangsordnung). Dai a inversio do modo tradicional de apresen- tar o problema da definic¢ao do direito: nao é ordenamento juridico aquele que é composto de normas coativas, mas so normas jurfdi- ‘cas aquelas que pertencem a um ordenamento coativo. A teoria do direito s6 esté em condigdes de solucionar o famoso caso do bandido (do qual parte também Hart) se partir do ordenamento, € nao das Notbere Bobbie ‘uos|93{ 9p oyulp op evo) eu eeSun; @ einynasy normas individuais. Por que nao atribuimos 0 sentido objetivo de nor- ma juridica 4 ordem de um bandido acompanhada de uma ameaga de morte? Kelsen responde: ‘Tratando-se do ato ‘colada de ups tnico individu, ele nao pode ser qualifcado cori ato juridico,¢0 seu sentido ndo pode ser consderado | ‘como ta norma juridiea, pelo sinaples fat de que o direito(u.) nos tua tinica norma, as, sim, umn sistema de normas, um ordenamento, | social € uma norma particular deve ser considerada norma jurtdica | apenas na media om apes ta ordnamenta” Parece-me que até agora nao se chamou a devida atengao para o fato de que essa orientacio, voltada para a representacao de tum determinado campo de investigagao como um sistema, isto é como um conjunto de elementos em relagao de interdependéncia entre si e com 0 todo, 6 uma orientagdo geral das ciéncias sociais daqueles anos, Quem desejar buscar a ligagao entre 0 proceso de formagdo da teoria kelseniana do direito € o espirito da época nao pode deixar de também incluir no debate a seguinte observacio: Kelsen partilhou com alguns dos maiores estudiosos contempora- neos, no ambito das ciéncias sociais, a tendéncia a descoberta do sistema como meta tiltima da pesquisa, entendido o sistema como a totalidade cuja estrutura, uma vez individualizada, permite explicar a composi¢ao, o movimento ¢ a mudanga de cada uma das partes. desnecessério recordar que 0 Trattato di sociologia generale de Pareto uma tentativa ambiciosa e grandiosa, apesar de rude, de represen- tara sociedade humana como um sistema (em equilibrio dinamico). A guinada da lingiistica te6rica, que remonta ao Cours de linguistique ‘générale, de Saussure, consiste na concepsao da lingua como um. sistema. Embora a jurisprudéncia teérica ainda esteja extremamente atrasada em relacdo a lingilfstica te6rica, a tendéncia, nascida com Kelsen, a uma teoria do direito como sistema de normas relacionadas Fr RRL2 $6.6 197 Da estrutura & Fungo —nover erties de teria do Norbert Bobbio centre si nao pode deixar de trazer sugestdes esclarecedoras pelo con- fronto coma guinada saussuriana na lingtifstica, Em Reine Rechtslehre, Kelsen expressa-se desta maneira: 0 posicionamonto da dowerina pura do direito&(.) em sudo objetivi tae universalisa. Ela estdvoltada fundamentatmente para a toalida- de do diretroe busca compreender cada fendmeno individual somente fem seu nexo sstemiticn com todos as outros, busca eamspreener em ‘cada parte do dielto a funcito da totalidade do direito, Neste sentido, tla é wma concepeo verdadeiramenteorganica do direte.” Nesta passagem, nao parece que Kelsen jé tenha claro em stua mente o nexo entre concepcao sistemética do direito e teoria dina- mica do ordenamento juridico. A totalidade do direito da qual fala, aparece mais como uma totalidade funcional (definida, pois, por sua fungao) do que como uma totalidade estrutural (a ser definida, pois, por sua estrutura especifica). Contudo, jé escrevia Adolf Merk], muitos ‘anos antes, a propésito da teoria dinamica do ordenamento juridico kKelseniana, da qual ele mesmo faria a primeira exposicao: ‘A teoria do ordenamento jurdico ema graus, como Kelsen ja estabele ‘eu, €a primeira aplicagao consciente do modo sistemético de pensar ‘6 mundo dos fendmenos juridicns, que aié agora permanecet quase hota aos jurstas Somente em General theory of law and State, Kelsen apresenta a propria teoria, com extrema clareza, como uma teoria sistemética do direito, referindo-se expressamente a estrutura interna especifica do sistema juridico-normativo: CO diveito é wm ondenansento do comportamerto iuumano. Ue orden ‘mento é um sistema de regras. direlto nao é uma regra, como por vezes seafirma. Ele é um conjunto de regras que possui aque tipo de unidade 28 p19 26. Ch, também, REL 2,833, 23 son, Die Lee on der Rechts enol aus dem ecbegiff Fre Dewticks Lipsia feviena 1923 228 Norberte Sebo ‘que concebemos como um sistema. Bimposstvel apreender anarureza do direito limitando a nossa atengio @regra singular isoladamente. As rela- ‘edex que ligam as normas partculares de um ordenamentojuridico entre Si sto, noentanto,essenctals 2 nacureza do direite. Somente come base em ‘uma clara compreensao destasrelacdes que constituem o ordenamento Jurtaicoé possive entender plenamente a natureca de direita™” Nunca foi dado 0 devido destaque a novidade deste uso de “sis- tema” na teoria do diteito. Na linguagem dos juristas, ha um significa~ do tradicional para essa palavra, segundo o qual “sistema” nao signifi- canada mais que 0 conjunto das divis6es da matéria juridica para uso didético, mais do que cientifico (0 chamado sistema externo).” Quanto ‘0 sistema interno, a tinica concep¢ao do ordenamento como sistema que surgiu entre 0s juristas do século passado foi a de ordenamento juridico como sistema funcional. Com Kelsen, ou seja, com a teoria di- namica do ordenamento juridico, aparece, pela primeira vez na teoria do direito, a representacao do ordenamento juridico como um sistema que possui uma certa estrutura e que é caracterizado precisamente por ossuir esta, e nao aquela estrutura, O termo “estrutura’ é usado pelo proprio Kelsen em algumas passagens cruciais da sua teo ciéncia” —a doutrina pura do direito — “considera-se obrigada apenas a “Como compreender o direito positivo na sua esséncia ea entendé-lo median- te uma andlise da sua estrutura (Seruktur)". E, mais adiante, a andlise cestrutural é claramente colocacia em contraposigdo & analise funcional do direito: ‘Esta douzrina fa doutrina pura do direito) nao considera, de fato, 0 “objetivo que € perseguida ealcangado por meio do rdenamento jurii- ‘co, mas considera apenas o ordenamento juridico mesmio; e considera 30 rts, p3 tradug iaans, 3) 21 sour as vias noySes de sista Jurdico, fe G. Luz, Linterpretacone sistmatica deta Teg Cappichll Turin 1955, espciamenteo cap pare ura histla dai de itera, com cacin eneto ec juice a det, eft M. Lovo, Sn sua nel drt, 0 ‘Gapoichell, Tarim, 1963 Tamblém dsersce‘algums consierapes sobre o ema no ensaio Pera. tec d eoria gnc cia, St memoria rico Guieiardl, dn, 1975 135-46 32 pa 1,58. ‘op eos eu oBduny 8 eumnnsg Da estrutura & fungi ~ novos estudes de tootia do dito Norberto Bobbio este ordenamento na autonomia propria do seu contetdo de sentido Ginngehalt), endo relativamente a este sew objetivo: Foi corretamente observado que “no basta simplesmente fazer uso do termo ‘estrutura’ para nos tornarmos estruturalistas’,”* contudo, 6 inegavel que a tendéncia de Kelsen a considerar 0 direito ‘como um universo estruturado responde a mesma exigéncia da qual partiram as pesquisas estruturais em lingifstica e antropologia. Kelsen dedica-se a refletir sobre qual é a estrutura especifica do sistema juridico em relagao a outros sistemas normativos, sobre- tudo quando enfrenta diretamente, em um ensaio de 1928, 0 cléssi- co problema da relagao entre direito natural ¢ direito positive. Para distinguir o sistema do direito natural do sistema do diteito positivo, Kelsen introduz a distingdo entre sistema normativo estttico, cujas regras esto interligadas pelo contetido, e sistema normative dinami- co, cujas regras estao interligadas pelo modo como sao produzidas. O ordenamento juridico é um sistema dinamico.” Em um sistema estitico, diz-se que uma norma pertence a0 sistema quando é dedutivel do contetido do postulado ético que esté em sua base; em um sistema dinamico, diz-se que uma norma perten ce a0 sistema quando 6 produzida de acordo com o modo previsto na norma que institui o poder soberano (a chamada norma fundamen- tal), Nao obstante as criticas assinaladas, e nao obstante os acrésci- mos ¢ aperfeicoamentos que sofreu e que ainda podem ter lugar,” 5B pn § 14,6 Twa Smngehalipor” eur” esowtr adoro italian e152 p40. © tautr tatiana ds segunda edhe M.Losno tre pa espresso ekeniana Seni cs truco grad onstcaocangou porn gore error, aes Aoalgan techos nes quo prdpro Keben sao terme Skt comreerénc examen cons {Sour qs agra So rdonoment ae a dtr prada PSC [NA Aer Nt nocapiito“Em dzeioa ums toi felon do di 3AM, Lomo, op tt, AXCIK 35 H, Kasen, Die phlosophischen Grundlagen der Narurecichre and des Rechspostivismus (as25) que cto de tad alana oo spine & GES p407 (A down do eno nara 0 posismo juries in Tori geal do dro edo ado, wad. port. Li Carlos Borges. 2, So rule, Martine Fontes, 2000) Ci também BRL 28 34,0. 28 em do atign de R Walker, ct, ef Ask, Anyi of ene and law sacrum a, State ‘and tnterational legal order es in honor of Has Koso, etd by E. Engel and R.A. Beta, ‘The Univesity of Teanesve Pes, Kner, 1964, 2-20, € certo que a teoria dinamica do ordenamento juridico constitui 0 ponto de partida, ou, se quisermos, a etapa obrigatoria, de uma andili- se estrutural do direito, Talvez seja surpreendente que uma distingao. tao fundamental e merecedora de mais amplos desenvolvimentos, como 6 distingdo entre sistema normativo estatico e sistema norma- tivo dinamico, tenha sido téo pouco recebida e utilizada.” Ja foi observado que a construgao do ordenamento juridico srarqui- zado de muitos niveis normativos, nasce da observagdo da natureza complexa da organizacao do Estado constitucional moderno, em par- ticular da reflexdo, aberta depois da Primeira Guerra Mundial, sobre © valor ético-politico das constituigdes rigidas, nas quais a distingao entre leis ordinérias ¢ constitucionais, com a conseqtiente subordi- nado hierérquica das primeiras as segundas, introduz um grau a thais no sistema juridico e torna imediatamente mais visivel a forma. piramidal do ordenamento. No fim da guerra, Kelsen fora chamado pelo chanceler do governo provisério ausirfaco, Karl Renner, para colaborar na redacao definitiva da constituigao da nova repiiblica, como edificio constituido de muitos planos, um sistema que foi aprovada em 1° de outubro de 1920. Como se sabe, deve-se & sua contribuigao pessoal a inovacao historicamente mais significati- va daquela constituicdo, isto €, a instituigao de uma corte suprema chamada para controlar a legitimidade das leis ordinarias. Como rela- ta o seu bidgrafo, Rudolf Metall, Kelsen tinha especial orgulho dessa inovacdo, porque a efetivacto do principio da conformidade da legislagao 2 constitui- {do e do principio da legitimidade do poder executivo (jursdizao administragao), ate via a mais efteaz garansia da constiruigo eo trago caracteristico da constiruigao federal austrfaca.”® 57 Nao esi que ashame aprfudem ese aepecio do problem do omdenamento jroo 08 ols teros recente sobre o tems, por mela de outs vertentes importantes e meecedors de ‘num eonsidearac: | Re, The eonept of tga ye, Clarendon ese, Oxford, 197 « C. ‘Aestoomrese E. Boiowes, Normative yates Spenge, Viena, 197 35R.A. Monti Hans Kei ct, 36 — U2s|99 @p ova op eu09) eu ogbun @ euminasg Da estrutura & fungio — novos estos de eoria do dreto Norberto Bobbio De qualquer maneira, é certo que a instituigo de leis consti- ‘tucionais hierarquicamente superiores as leis ordindrias, isto 6, aque- Jas normas do sistema que eram tradicionalmente consideradas as ‘normas tiltimas, permitia, ao introduzir um grau ulterior no sistema normativo, ver também os demais graus com maior nitidez do que ocorrera até entao. Nao por acaso, Hart, um tebrico do direito que constr6i a sua teoria com base na constituigao inglesa, a qual falta ‘© grau superior das normas constitucionais, detem-se na distingao entre normas primérias e secundérias e reflete, sem aprofundé-lo, sobre 0 principio da estrutura hierérquica do ordenamento (dese onto de vista, a teorla de Hart constitui um passo atras em relacio a teoria de Kelsen). Com maior razao, a teoria dinamica do ordena- mento juridico dificilmente poderia ter nascido da reflexao sobre a constitui¢ao de um Estado absoluto ou de uma sociedade primitiva. Contudo, isso nao impede que a representaao do ordenamento juridico como sistema hierarquico com muitos graus sirva para com- preender melhor também os ordenamentos mais simples, isto 6, pa- ra entender que também estes tém uma estrutura e constituem um sistema, nfo sendo, pois, um amontoado de normas. (A anatomnia do homem, diria Marx, serve para compreender melhor a anatomia do macaco). O que, pelo contrétio, até agora nao fol observado— ao menos nao que eu saiba~¢ que a teoria kelseniana sobre a estrutura interna de um sistema juridico pode ser proveitosamente comparada com a contemporanea teorla weberiana do processo de racionalizagao (for- mal) do poder estatal, da qual deriva aquele tipo de Estado adminis- trative ou burocratico cuja legitimidade 6 dada pela forma de poder que Weber, com razéio, chama de “legal’, em virtude do nexo que ele estabelece entre racionalizagao e legalizacao. A construcao em graus do ordenamento jurfdico bem pode ser considerada a representagao mals adequada daquele Estado racional ¢ legal ~ racional porque regulado pelo direito em todos os niveis ~ cuja formago constitui, segundo Weber, a tendéncia do grande Estado modermo (capitalista Norbert Babiolo ‘endo capitalista). Uma vez mals, isso no significa que Kelsen, no obstante a sua pretensdo de elaborar uma teoria geral do direito vali- da para todos os sistemas juridicos de todos os tempos, na realidade teorize uma forma histérica de Estado. Significa que uma teorizagéo acabada do sistema juridico como sistema normativo complexo ndo poderia nascer seniio de uma continua reflexao sobre a formagao do Estado moderno, no qual a racionalizagao dos processos de pro- ‘ducio juridica torna mais evidente a estrutura piramidal do ordena- ‘mento, ou sea, permite perceber com maior perspicécia que aquele ‘ordenamento normativo a que damos o nome de ordenamento juri- dico é um universo estruturado de um certo modo. (© que aqui importa destacar € que, quando Kelsen descreve a progressiva juridificacao do Estado moderno, capaz de levar a famo- sa ou famigerada redugao do Estado a ordenamento juridico, revela 0 mesmo proceso que Weber percebe na formaco do poder legal, que ‘acompanha 0 desenvolvimento do Estado no mesmo periodo hist6- rico, O Estado € 0 préptio ordenamento juridico (Kelsen], porque 0 poder é completamente legalizado (Weber). O que distingue 0 Estado ‘como ordenamento juridico de outros ordenamentos jurtdicos, co- mo 0s ordenamentos das sociedades pré-estatais ou o ordenamento internacional, 6 um certo grau de organizacdo, ou seja, a existéncia de érgfos “que trabalham segundo as regras da divisao do trabalho para a produgao e aplicag’io das normas de que ele é constituido".” Quando Kelsen especifica que a presenga dessa organizagao para a producio e aplicagao do direito comporta a conseqtiéncia de que a relaco definida como poder estatal diferencia-se das demais relagdes de poder pelo fato de ser ela mesma regulada por normas jurfdicas, parece descrever aquela forma de poder legitimo que ¢, pre- cisamente, 0 poder legal, cuja principal caracteristica é ter aparatos especializados, como 0 aparato judiciério e o administrative (Kelsen SO eR 2 641.3 uss|2y ep Oyauip op epoar eu opSuny @ eumnnisy 203 Da estrutura & fungi — novesastads de teoris do dicite Norberto Bobbio ainda acrescentaria 0 aparato legislative}, os quais agem nos limites de regras gerais e abstratas postas pelo sistema, Nao hé diivida de que a descrigao Kelseniana encontra-se em ‘um nivel superior de abstrago em relagio a weberiana, mas Kelsen propée-se a elaborar uma teoria geral do Estado, enquanto Weber descreve um tipo ideal de Estado, que nao é 0 tinico tipo historicamen- te existente. Nao diferente de Weber, Kelsen se dé conta da enorme importéncia dos grandes aparatos administrativos para a formagao do Estado moderno, Contudo, enquanto Weber identifica a burocrati- zaca0 da maioria das atividades do Estado como a especificidade do poder legal, Kelsen distingue nela uma fase daquele processo de pro- sgressiva centralizacao das atividades de produc e aplicagao do direi- to, na qual acredita consistir a caracteristica do ordenamento juridico estatal (processo que ele denomina de passagem do Gerichtsstaat para © Verwaltungsstaat)."° Pode-se também acrescentar que, para além dessa convergéncia entre a concepgao tedrica de Kelsen e a descrigao weberiana do processo a que tende o Estado modemo, era claro para ‘ambos que o ponto de vista do jurista€ diferente do ponto de vista do socidlogo. O que Weber diz sobre 0 direito, como sociélogo, ou seja, que um ordenamento juridico passa a existir quando se forma, em um determinado grupo social, um aparato coerctivo, pode ser literalmen- te subscrito por Kelsen. No entanto, Weber poderia subscrever a tese kelseniana segundo a qual, para entender o que 6 0 direito, é necessé- rio observar ndo as regras, mas o seu conjunto, isto é, 0 ordenamento como um todo." 4. O significado hist6rico da obra kelseniana estd ligado a ise estrutural do direito como ordenamento normativo especi- 30 aL 2, $48, c, 0 RRL, $41, b 41 Una reforencla& Kelson, mas apenas em ela ao Werteetvismus,encontra-se no enslo sobre 0 pensamento juridico waberano do K Evian, Max Wither ale Rechiphilosoph und Rechtsctooge in bac Weber Gadihinisshaf der Lud Maxiians Unters Michon um 100. Wiederte eines Geburcrages 1953, Dancer & Humblot, Berlin, 1985, 67-08. Noberto Bobbio fico, cuja especificidade consiste, precisamente, nao nos contetidos normativos, mas no modo pelo qual as normas esto unidas umas as ‘outras no sistema, Esse tipo de andlise constitui, também, o limite da teoria pura do direito, Esta claro que o desenvolvimento da andlise estrutural ocorreu em prejuizo da analise funcional: em comparacéo ‘com o destaque dado por Kelsen aos problemas estruturais do direi- to, € extremamente restrito 0 espago que ele reservou aos problemas relativos a funcdo do direito. £ significative que precisamente o tre- cho jé citado, no qual afirma que a teoria pura estuda 0 direito na sua estrutura, pertenga a um contexto cujo objetivo é negar que essa teoria deva ocupar-se dos fins do ordenamento juridico. ‘Axazao pela qual Kelsen ndio se preocupou com o fim do orde- namento juridico est no fato de ele ter do diteito, entendido como forma de controle social, uma concepgdio meramente instrumental, que, é necessétio repetir, esta perfeitamente de acordo com o relati- ‘vismo ético ¢ o irracionalismo dos valores. Uma das afirmages recor- rentes em toda a obra kelseniana é que o direito no é um fim, mas um meio, Como meio, pode ser usado para atingir os mais diversos fins, como ensina a hist6ria do direito, Entretanto, exatamente por- que serve para atingit os mats diversos fins, uma andlise que parta dos fins, ou, pior, do fim (como a dos jusnaturalistas), jamais permiti- +4 que se aproenda a esséncia do direito, Para Kelsen, o di “técnica de organizagao social’ dos meios coe fazer ou a niio fazer algo. O direito é um “mecanismo coativo’. O que 6comuma todos os ordenamentos sociais que denominamos de juri- dicos é a presenga de uma organizacao mais ou menos centralizada ito é uma sua especificidade consiste no uso ivos para induzir 0s membros de um grupo social a para obter, recorrendo, em altima instanela, & forga, a execucao de certas obrigacées de fazer ou a observancia de certas obrigagdes de niio fazer. Desse ponto de vista, entende-se por que 0 direito pode ter ‘05 mais diversos objetivos: de acordo com as circunstancias, possui todos 0s objetivos a que um grupo social atribul tanta importancia f@ ponto de considerar que devam ser alcangados recorrendo até ‘Uasj9y 9p o1jaup op e403) eu opSun, 2 esninnsy 205 Da estrutura & fungao ~ novos estos de te Norberto Bobbio mesmo a forca. Para usar a terminologia dos sociélogos, que, alias, Kelsen no emprega, o direito é uma das possiveis formas de controle social, mais especificamente, éa forma de controle que se vale do uso da forca organizada. Considerado o direito como meio, ¢ nao como fim, e definido como especifica técnica social, a andlise funcional do direito logo se exauriu. A fungao do diteito € permitir a consecugio daqueles fins sociais que nao podem ser alcangados por outras for- mas (mais brandas, menos constritivas) de controle social. Quais so esses fins varia de uma sociedade para outra: 6 um problema histéri- co, nao. um problema que possa interessar & teoria do direito. © problema funcional nao é de todo evitado. Todavia, nada ‘mostra mais o quanto Kelsen desejava evitar comprometer-se demais com 0 problema do fim do direito do que a corregio, “nao leve’,? feita na segunda edigao de Reine Rechtslehre, nos dois parégrafos da General theory of law and State, em que deixara escapar a afirma- ‘¢A0 de que o direito tem, sim, um objetivo, o qual é a paz social: “o direito” — afirmara ele ~"¢ indubitavelmente um ordenamento para a promocao da paz’.** Uma frase desse tipo dd margem a uma discus- sao teleolégica: de fato, como organizagao da forca monopolizada, 0 direito limita 0 uso indiscriminado da fora; definindo-se a paz“como. a.condigao em quea forga nao é usada’, deve-se concluir que o direito “assegura a paz da comunidade’. A corregao “nao leve” que ele intro- duz nesse trecho da dltima obra consiste em refutar a paz. como fim, do direito e em colocar em seu lugar um conceito bem mais genérico menos comprometedor, como é o de “seguranga coletiva’, mani- festamente derivado do direito internacional: como organizagdo da fora monopolizada, o direito asseguraria nao tanto a paz quanto a seguranca coletiva, que nao é, ela mesma, a paz, mas “visa a paz’. Neste sentido, pareceria que a paz nao seria o fim do direito, mas 2 pL 2 pao tendugio talans, pt 48 GI1S,p2 (rade taiana, 2). 44 G71s,p2 (radu ans, 2). 58 x 2 p39 tuadustoHallana, p50), uma espécie de ideal-limite a que o direito tende. Logo em seguida, com efeito, Kelsen apressa-se em especificar que, nos ordenamentos juridicos primitivos, fundados no prinefpio da autotutela (e 0 direito internacional é um deles), ‘ndio se pode falar seriamente de uma paci- ficagdo, ainda que apenas relativa, da comunidade juridica’."* Dai a conclusio: “Nao se pode com razo considerar que o estado de dire to seja, necessariamente, um estado de paz e que assegurar a paz seja uma fungéo essencial do direito”,“” Ou seja, o direito tem um fim, mas um fim minimo, intermediério, um fim que tem valor instrumental, porque serve de condigao preliminar para atingir outros fins. O direi- to nao tem um fim diltimo (como a justica, o bem comum, o interesse coletivo). 0 seu fim no ¢ sequer o fim hobbesiano da paz, que jé € ‘manifestamente um fim intermediario, No retrocesso da busca desse fim minimo, da paz A seguranca coletiva, Kelsen revela, em suma, a cagada impiedosa que empreende contra qualquer tentativa de deter- minar, para empregar expresstio de Jhering, a “finalidade do direito”. Kelsen se da conta perfeitamente de que, do ponto de vista da anélise funcional, as suas afirmativas nada fazem além de reproduzir, mesmo que de maneira ainda mais drastica ¢ ideologicamente sem- pre mais esterilizada, um dos fundamentos do positivismo juridico, Introduzindo 0 debate sobre a coacao, na primeira edicao de Reine Rechislehre, tem o cuidado de advertir que “neste ponto, a doutrina pura do direito continua a tradicao da teoria positivista do direito do século XIX". Sob este aspecto, que é precisamente o aspecto fun- cional, parece nao ter nada de particularmente importante a dizer. Os problemas aos quais 0 positivismo jurfdico nao respondera eram aqueles relativos & estrutura desse mecanismo coativo em que con- siste 0 direito, Por isso, posto de lado o problema da fungéo, volta sua atengdo essencialmente para a andlise estrutural. Mas isto faz {5 aL 2 ps (wage lana, 90 47 ap. 2, pad (waduco italian, 23). 8 ant, 12, + ‘Uos|ay @p oyeup op e100) eu oeSuny 0 eamnnsy 207 Da estrutura 8 funglo —novos ectudes de teria do dito Norberto Bobbio com que, enquanto nesta anilise a sua contribuigao ¢ fundamental endo mais contestada ~ a ndo ser por jusnaturalistas tardios (que, alids, esto desaparecendo), os juristas soviéticos, devido a precon- ceitos ideologicos dificeis de morrer, ¢ alguns dentre 0s mais radicais realistas norte-americanos, devido a uma espécie de fobia contra qualquer tipo de teoria geral -, a anélise funcional permanece, na teoria Kelseniana, mais ou menos estancada no ponto em que ele a encontrara, exatamente no momento em que, com rapidez, a socie- dade se transformava nos paises industrialmente mais desenvolvidos {(transformagao que faria aparecer uma diferente functio do qual os juristas do século passado sequer puderam prever). Nao se pode, por certo, censurar Kelsen por nao ter percebido um processo ireito, a em curso, que, de resto, foi pouco observado inclusive por aqueles que vieram depois dele, Contudo, se tivéssemos de fazer um balan- 50, seria inevitavel constatar 0 quanto a velha teoria do direito como ordenamento coativo, acolhida in toro pelo fundador da teoria pura do direito, 6 hoje inadequada. Como tive a oportunidade de afirmar alhures, Kelsen nunca teve diividas de que a técnica de controle social prépria do direito consistisse na ameaga e na aplicagdo de sangBes negativas, isto & das sangdes que infligem um mal aqueles que praticaram agoes socialmente indesejaveis. Todas as vezes que tepete a sua definigao do direito como ordenamento coativo, tem 0 cuidado de especificar que o direito ¢ tal porque esta em condigdes de provocaro mal, ainda que sob a forma de privacao de bens ao violador das normas. Ordena- ‘mento coativo e ordenamento baseado em sangbes negativas sao, na sua linguagem, sindnimos. Hoje, no entanto, a constatagao de que a funcio do direito deixou de ser exclusivamente protetivo-repressiva, desde que 0 Estado deixou de ser indiferente ao desenvolvimento econémico, impoe-se cada vez mais ao observador sem pré-concel- tos. 0 instrumento juridico cléssico do desenvolvimento econdmico, ‘em uma sociedade na qual o Estado nao intervém no processo eco- némico, foi o negécio juridico, a que o direito, precisamente como ordenamento coativo, limita-se a garantir a eficdcia. Mas a partir do momento em que o Estado assume a tarefa nao apenas de controlar 0 desenvolvimento econdmico, mas também de dirigi-lo, o instrumen- to id6neo para essa funcdo nao € mais a norma reforcada por uma ‘sancao negativa contra aqueles que a transgridem, mas a diretiva eco- nomica, que, freqtientemente, é reforgada por uma sangao positiva em favor daqueles que a ela se conformam, como ocorre, por exem- is de incentivo, que comecam a ser estuda- plo, nas denominadas I das com atengao pelos juristas. Daf a funcao do direito nao ser mais apenas protetivo-repressiva, mas também, e com freqiiéncia cada vez maior, promocional. Nos dias de hoje, uma andlise funcional do direi- to que queira levar em consideracao as mudangas ocorridas naquela “especifica técnica de orgenizacao social” que € 0 direito nao pode deixar de integrar a sua fungao promocional ao estudo da sua tradi- cional fungao protetivo-repressiva. A meuver, essa integragao éneces- séria se 0 que se deseja é elaborar um modelo tedrico representative do direito como sistema coativo. Trata-se de passar da concep¢ao do direito como forma de controle social para a concepgao do direito como forma de controle e direcio social. Isso posto, & preciso acrescentar, ainda, que as mudancas ocorridas na funcao do direito nao anulam a validade daanalise estru- tural tal como foi elaborada por Kelsen. O que ele disse acerca da estrutura do ordenamento juridico permanece perfeitamente de pé, ‘mesmo depois dos desenvolvimentos mais recentes da andlise funcio- nal. A construcao do direito como sistema normative dinamico nao € minimamente abalada pelas revelagdes que dizem respeito ao fim do duzida nas formas previstas, isto 6, em conformidade com outras nor- mas do ordenamento, em particular aquelas que regulam a produgao das normas do sistema, Que uma norma vise reprimir ou promover um determinado comportamento nao tem, em relagaio & estrutura do ordenamento, qualquer relevancia. Aliés, a especificidade do ordena- mento jurfdico em relagao a outros ordenamentos sociais continua, ito. Para ela, uma norma ¢ jurfdica sempre que tenha sido pro- Ussjey 8p ousuip op eos eu oBSuny a eaminaisy, 209 a estrutura & fungi - novesestudos do teria do deito uma vez mais, confiada a especificidade da sua estrutura, e nao a sua fungdo, que, qualquer que seja, realiza-se na forma que é prépria a um ordenamento dinamico. A guinada que a teoria pura do direito representou para 0 desenvolvimento da jurisprudéncia teérica é, em suma, uma daquelas guinadas para além das quais é possivel avanar, mas nao ¢ licito retroceder. Prova disto é que a maior obra de juris- pmudéncia tedriea depois de Kelsen, a de Hart, prosseguiu.no mesmo ‘caminho, buscando na estrutura especifica do ordenamento juridico, caracterizada pela “unio de normas primérias e de normas secunda- Has’, a determinagao do “conceito do direito”,

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