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© Paulo Guérios
Coordenação editorial
Rachel Cristina Pavim
Revisão
Camila Cesário Lérco
Revisão final
Do autor
Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica
Andrius Leopoldo
FICHA TÉCNICA E-BOOKS
Coordenação editorial
Rachel Cristina Pavim
Preparação do livro para E-book
Neydiane Hernandes de Souza
Série Pesquisa, n. 282
Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas.
Biblioteca Central. Coordenação de Processos Técnicos.
G932p - Guérios, Paulo
Práticas do filme etnográfico / Paulo Guérios. - Curitiba: Ed. UFPR, 2016
(Série pesquisa: n. 282).
Bibliografia: p. 157-166
ISBN 978-85-8480-066-7
1. Cinema. 2. Antropologia visual. 3. Cinema na etnologia. I. Título. II. Série.
CDD: 791.433
Bibliotecária: Paula Maschio - CRB 9/921
ISBN 978-85-8480-066-7
Ref. 852
Direitos desta edição reservados à
Editora UFPR
Rua João Negrão, 280, 2º andar – Centro
Tel.: (41) 3360-7489
80010-200 – Curitiba – Paraná – Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2016
Sumário
Introdução
Capítulo 1: Os trabalhos pioneiros
Robert Flaherty e a reconstrução participante
Margaret Mead e a ciência das imagens
Capítulo 2: Os filmes expositivos
Jerry Leach, Gary Kildea e o estudo da mudança cultural em Trobriand Cricket
Robert Gardner e a solução simbolista
Capítulo 3: O cinema observacional
John Marshall: slots e a “sequência de eventos”
Timothy Asch: explorando a “sequência de eventos”
Os filmes observacionais de David MacDougall
Capítulo 4: Os filmes compartilhados
Jean Rouch e a “Antropologia Compartilhada”
O projeto “Vídeo nas Aldeias”
Perspectivas
Notas
Filmografia citada
Referências
Introdução
Suponhamos que você, leitor, seja um antropólogo formado, ou mesmo que tenha
tido uma formação básica de Antropologia em um curso universitário. Suponhamos
também que você tenha em mãos um equipamento de filmagem básico, capaz de captar
imagens e sons com um mínimo de qualidade, e que você saiba operá-lo. Você teve a ideia
de realizar uma pequena etnografia sobre uma questão pontual que lhe interessou, ou um
trabalho de campo abrangente em um dado grupo social, usando esse seu equipamento.
Por onde você começaria?
Uma primeira solução seria ir diretamente a campo com a câmera, começar a fazer
contatos com seu grupo de interesse e captar imagens e sons. No entanto, haveria
inúmeras formas de trabalhar com a câmera, e logo várias questões surgiriam. Como
apresentar a câmera a seus interlocutores em campo e como inseri-la na pesquisa? Como
trabalhar com a consciência de que estão sendo filmados e com as consequên-
cias desse fato? Devo conversar com meus interlocutores enquanto filmo ou apenas
observar suas práticas? Devo ter um problema de pesquisa delineado antes de começar a
filmar, e focar a filmagem apenas nas dinâmicas relevantes para resolver esse problema, ou
captar imagens de forma mais abrangente? Na hora de editar o que filmei, devo fazer uma
narração ou inserir textos escritos no filme para explicar do que se trata minha pesquisa,
ou é melhor montar o filme todo apenas com as imagens captadas em campo? Como
evitar as “cabeças falantes” – que o filme seja estruturado como uma série de entrevistas,
apenas entremeadas de outras imagens na edição? E o que fazer com o som – devo usar
apenas o som direto, ligado às imagens, ou trabalhar também com sons relacionados às
imagens, mas captados em momentos diferentes? Na hora da edição, quanto devo ou não
fragmentar meu material? Devo utilizar a edição como uma montagem ou me esforçar
para preservar a estrutura dos eventos filmados?
As dúvidas metodológicas que surgem quando se produz um filme etnográfico são
recorrentes, e todos os pesquisadores que trabalham nessa área se deparam com elas.
Alguns deles, entretanto, destacaram-se ao dar respostas consistentes – e diferentes entre
si – para a resolução desses problemas. Seus nomes aparecem de modo recorrente na
bibliografia a respeito, e seus trabalhos são citados e analisados à exaustão. Mesmo se
submetidas a fortes críticas, suas propostas fornecem parâmetros para a discussão de novas
questões. Esses pesquisadores se tornaram, assim, referências obrigatórias no estudo e na
produção de filmes etnográficos.
Este livro tem a intenção de apresentar e discutir as questões que esses autores de
filmes etnográficos elaboraram em seus processos de pesquisa fílmica e as diferentes
respostas metodológicas que ofereceram a elas em suas produções e em seus textos.
Abordaremos aqui os trabalhos de Robert Flaherty, Margaret Mead e Gregory Bateson,
John Marshall, David e Judith MacDougall, Robert Gardner, Timothy Asch, Jerry Leach,
Jean Rouch e aqueles ligados ao projeto brasileiro “Vídeo nas Aldeias”. Discutiremos
alguns de seus filmes, leremos alguns de seus textos metodológicos e analisaremos textos
publicados por seus seguidores e por seus críticos. Veremos como suas propostas foram
colocadas em prática e apresentaremos análises dos resultados por eles obtidos. Outros
nomes poderiam ser incluídos nessa lista, e alguns poucos poderiam ser trocados; no
entanto, todos os que estão presentes na lista acima são inegavelmente atores que
polarizam os debates nessa área de conhecimento. Por esse motivo, terão seus trabalhos
apresentados e discutidos aqui. Como este é um livro introdutório, ele focará
principalmente esses desenvolvimentos, que são hoje já considerados clássicos na
disciplina.
É importante deixar claro a que este livro não se propõe. Em primeiro lugar, não
tem a intenção de resolver todos estes problemas metodológicos ou de esgotar o assunto
em questão. É um livro introdutório, e assim seu objetivo não é buscar solução para os
debates abordados, mas sim apresentá-los. Não visa tampouco a defender a opinião do seu
autor acerca do melhor modo de se fazer filmes etnográficos. Embora seja impossível que
a escrita seja neutra, o projeto aqui adotado para a apresentação dos temas e dilemas da
área prevê contemplar a visão de cada um dos pesquisadores discutidos em seus próprios
termos, antes de destacar as críticas feitas a eles por outros autores. O leitor poderá, ao
final, julgar se este esforço foi ou não bem-sucedido.
Em segundo lugar, este livro é direcionado a quem já tem uma compreensão, ao
menos básica, da metodologia e dos dilemas do trabalho de campo em Antropologia e
deseja iniciar-se nas questões que o uso do recurso audiovisual coloca a esta área de
conhecimento. Não apresentaremos aqui, então, uma introdução geral às metodologias da
pesquisa etnográfica. Há outros livros que se dedicam a este assunto, e, nesta obra, o foco
será destinado à questão fílmica. A fotografia em still também apenas será abordada
quando ajudar a compreender o trabalho de um dado pesquisador, como ocorre no caso
de Margaret Mead e Gregory Bateson.
Em terceiro lugar, este não é um livro de Antropologia Visual geral. Não faremos
aqui discussões detidas acerca do estatuto epistemológico da linguagem visual, a não ser
até o ponto em que elas sejam necessárias para compreender as práticas dos pesquisadores
abordados. Isso significa que o leitor encontrará aqui apenas as reflexões epistemológicas
necessárias para dar conta de uma discussão que se pretende prioritariamente heurística.
Ao falarmos dos filmes, adotaremos uma perspectiva similar à que nos parece permitir a
melhor compreensão da metodologia de escrita de etnografias: buscar fazer uma espécie
de “engenharia reversa” das produções realizadas pelos pesquisadores aqui abordados.
Como os filmes foram feitos? Como foram construídos os dados que os constituem? Qual
o estilo de narrativa adotado? Quais as limitações de sua proposta, e o que ela deixa de
fora? E também: qual a formação e a postura metodológica do autor? Qual a postura
epistemológica que transparece na substância fílmica apresentada?
Por fim, este livro não tratará das questões técnicas inerentes ao fazer fílmico: como
trabalhar com a iluminação ou com a captação de som, como construir imagens a partir do
enquadramento e da atenção à abertura e ao tempo de exposição do obturador, como
proceder à edição e à finalização das imagens nos softwares dedicados. Tais questões são
fundamentais no fazer dos filmes etnográficos, e é inútil pensar em aventurar-se nesta área
sem que se tenha um domínio de tais técnicas – sem que se saiba captar e organizar
imagens e sons com uma qualidade mínima. Sugerimos, assim, que os leitores busquem
tais subsídios em obras especializadas no assunto.
***
A produção de filmes etnográficos é uma área que levou mais tempo para se
estabelecer, se comparada a outras áreas da Antropologia. Atualmente, há um forte
investimento nesta subárea, mas, ao longo do século XX, diante do campo total da
disciplina, foram relativamente poucos os estudiosos que se dedicaram a seu
desenvolvimento. As razões que explicariam o menor investimento teórico e de pesquisa
dos antropólogos no domínio da imagem são diversas, e mesmo controversas. Ao se
perguntar sobre o assunto em 1975, por exemplo, Margaret Mead encontrou as seguintes
explicações: em parte, os antropólogos teriam se restringido a operar com palavras e não
imagens porque por muito tempo enfatizaram que seus objetos eram as manifestações
culturais em extinção – ou já extintas – dos povos “primitivos” e que deste modo
poderiam apenas falar sobre estas manifestações, já que em sua maior parte elas não
poderiam mais ser registradas; por outro lado, a produção de filmes exigiria habilidades
especializadas, em geral não desenvolvidas nas escolas de Antropologia, e envolveria altos
custos de equipamento e suprimentos, dificuldades que não teriam sido superadas pelos
antropólogos por negligência e descuido1. Três anos depois, David MacDougall criticou
estas explicações, indicando que, em sua opinião,
se os antropólogos têm rejeitado consistentemente os filmes como um meio analítico [...], a razão pode não ser
meramente uma relutância conservadora para empregar uma nova tecnologia, mas um julgamento perspicaz de
que a tecnologia envolve uma mudança de perspectiva que levanta problemas centrais para a conceptualização
científica2.
Dez anos mais tarde, Jack Rollwagen afirmou o contrário: a perspectiva científica
deveria prevalecer sobre a construção de filmes etnográficos feitos por cineastas sem
formação antropológica. Para ele, o problema do pouco investimento dos antropólogos na
produção de filmes se deve ao fato de que estes “têm sido tão pouco críticos e tão
desejosos de aceitar uma posição de que [filmes] registram a realidade que permitiram que
indivíduos sem treinamento antropológico dominassem estes meios de comunicação”3.
Os últimos anos, contudo, têm testemunhado um aumento progressivo tanto na
quantidade de produções fílmicas quanto no grau de institucionalização da área da
Antropologia Visual. Seja pelo fato de que as novas tecnologias digitais aumentam a
acessibilidade a equipamentos de produção audiovisual, o que muda o panorama descrito
por Mead, seja pela incorporação de novos instrumentais críticos à epistemologia corrente
da disciplina, o que muda o panorama descrito por MacDougall e Rollwagen, o fato é que,
aos poucos, o uso dos filmes em etnografias tem aumentado e um número cada vez maior
de pesquisadores tem buscado incorporar estas linguagens a seu instrumental de pesquisa
– ou, em certos casos, mesmo construir um instrumental próprio para gerar
conhecimento por pistas diferentes da escrita.
Os autores cujos trabalhos serão abordados aqui já podem ser considerados, como
afirmado acima, clássicos. De modo diverso ao que ocorre na Teoria Antropológica geral,
vários deles não completaram sua formação – seja em Antropologia, seja em Cinema. Ao
examinarmos a bibliografia da área, vemos que autores ligados a instituições universitárias
criticam a falta de academicismo dos autores que não o são, julgando seus trabalhos como
pouco rigorosos4. Já os autores não acadêmicos afirmam que as dificuldades encontradas
pelos antropólogos no universo da produção fílmica são devidas justamente ao seu excesso
de academicismo, visto por eles como algo negativo5. Neste mesmo sentido, as diferentes
definições do objeto “filme etnográfico” delineadas por cada autor seguem tais clivagens.
As definições apresentadas a seguir são muitas vezes tributárias, mesmo que não
exclusivamente, das posições de cada autor no campo.
O antropólogo Jay Ruby, que dedicou sua carreira ao estudo de filmes etnográficos,
afirma que um filme é etnográfico apenas se tiver como base uma metodologia etnográfica
– ou seja, se os seus fundamentos forem dados pelo saber antropológico. Este filme deve,
assim, ter um objeto, que será, segundo o pertencimento teórico de seu autor, a descrição
de uma “cultura”, ou de uma “sociedade”, ou de “processos sociais”; seguir uma teoria que
ordene a narrativa fílmica, defina a seleção dos eventos para a filmagem e articule a edição
das imagens; apresentar uma metodologia consistente, que permita ao espectador perceber
que as decisões no processo de feitura do filme foram tomadas a partir dela; e utilizar o
léxico ou o vocabulário antropológico6. Para Ruby, assim, a produção de filmes
etnográficos deverá seguir os requisitos fundamentais da ciência antropológica: em suas
palavras, seus autores “têm a obrigação primária de cumprir as demandas e necessidades
das investigações e apresentações antropológicas”7. Coerentemente, Ruby afirma que,
enquanto a maior parte dos filmes é potencialmente útil para os antropólogos como
testemunho de uma dada cultura, apenas serão etnográficos aqueles que seguirem uma
metodologia científica que esteja em conformidade com as exigências correntes da
Antropologia.
A partir da discussão de Ruby, Jack Rollwagen, professor de Antropologia na State
University of New York, estabeleceu uma exigência ainda mais restrita: para ele, o uso do
termo “etnográfico” neste campo se refere a uma equivalência pouco problematizada entre
“etnografia” e “observação da realidade”, sem a mediação de qualquer teoria. Ele introduz
a expressão “filmes antropológicos” para chamar a atenção sobre as limitações dos “filmes
etnográficos” produzidos por cineastas “não antropólogos” e afirma que as “‘soluções’ para
os problemas da produção de filmes antropológicos devem advir de cineastas informados
antropologicamente”8.
Ao estabelecerem parâmetros que definem uma fronteira entre filmes etnográficos e
outros tipos de filme, Ruby e Rollwagen excluem daquele campo pesquisadores como
Robert Gardner9, cujos projetos fílmicos não seguem os ditames da ciência antropológica,
mas que mesmo assim são aceitos como produções inspiradoras por muitos outros
antropólogos10. Esta concepção fechada do campo apresentada por estes dois antropólogos
reflete, assim, a cisão fundamental mostrada acima entre autores “acadêmicos” e “não
acadêmicos”.
Já o antropólogo Karl Heider propõe uma definição menos restritiva, apesar de
ainda fortemente ligada às exigências do campo antropológico. Segundo ele, o uso
analítico da cisão ciência versus arte para julgar se um filme é ou não etnográfico tem suas
limitações. Por um lado, o campo do cinema tem suas próprias teorias, não constituindo
um fenômeno puramente estético; por outro lado, o saber etnográfico encontra suporte
na experiência vivida do antropólogo em campo, e não em uma ciência “pura”11. Heider
prefere, assim, não dividir os filmes entre “etnográficos” e “não etnográficos”, mas falar do
grau de “etnograficidade” [ethnographicness] de cada filme. Deste modo, sem assumir a
existência de uma categoria absoluta ou delimitada, as novas questões passam a ser: “Que
características tornam um filme mais ou menos etnográfico?”, ou “Em que sentido este
filme é etnográfico?”. Para Heider, os elementos envolvidos nessa ethnographicness ou na
“qualidade etnográfica” de um filme seriam: uma “descrição detalhada” dos fatos
registrados, resultante de uma observação longa, que capte com consistência aspectos da
etnografia feita no filme (por exemplo, no caso de uma iniciação, uma etnografia que
contemple todas suas etapas, implicações sociais, relações com a estrutura do grupo,
consequências para o prestígio social dos participantes, a separação entre sexos, etc.); o
“estabelecimento de relações entre os eventos filmados e o contexto social ou cultural” em
que eles ocorrem; e um esforço para buscar a verdade possível, ou seja, para “minimizar as
distorções” na realidade apresentada pelo filme12. Ao mesmo tempo, para Heider, os
filmes terão uma maior “filmicidade” quando recorrerem menos a elementos exteriores às
tomadas feitas em campo (como a narração exterior, a inserção de intertítulos ou de sons
externos).
A definição de Heider, assim, mantém a cisão entre acadêmicos e não acadêmicos,
mas evita criar uma fronteira que impeça, a priori, a existência de um debate entre
diferentes atores do campo. Já o cineasta Luc de Heusch, formado na área de cinema e
posteriormente atuante como professor de Antropologia em Bruxelas e pesquisador
associado ao Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) em Paris, rompe
completamente com tal cisão:
Para começar, de que cinema e de que realidade se trata? Brandir o conceito de “filme sociológico”, isolá-lo na
imensa produção mundial, esta não é uma busca quimérica, acadêmica? A noção mesma de sociologia é fluida,
variável segundo os países e as tradições científicas locais. [...] Não seria esta uma mania desesperante de nossa
época de catalogar, de recortar em categorias arbitrárias o magma confuso de ideias, de valores morais, de
pesquisas estéticas de que se alimentam, com uma avidez extraordinária, estes artistas complicados que são os
criadores de filmes? O que o pesquisador científico vem fazer aqui? Não está enganado em embarcar na aventura
cinematográfica, tão distante do caminho tradicional? Arrisquemo-nos nesta viagem. Embarquemos com o
cientista e o artista e tentemos encontrar uma linguagem comum13.
Nosso percurso pelas diferentes definições feitas para o “filme etnográfico” pode se
encerrar com as reflexões do cineasta e antropólogo francês Jean Rouch. Afirmando que
os filmes etnográficos devem “unir o rigor científico à linguagem cinematográfica”14, ele
inverte, no entanto, os termos desta relação: para ele, as experimentações fílmicas
levariam a uma necessária revisão dos próprios métodos e conceitos científicos. Tomando
o exemplo das consequências de se discutir os filmes com as próprias populações filmadas,
assevera:
Este tipo de trabalho a posteriori é apenas o começo do que já é um novo tipo de relação entre o antropólogo e o
grupo que ele estuda, o primeiro passo no que alguns de nós chamaram de “Antropologia Compartilhada”.
Finalmente, então, o observador deixou a torre de marfim; sua câmera, gravador e projetor o levaram, por uma
estranha estrada iniciática, ao coração do próprio conhecimento. E pela primeira vez seu trabalho não é julgado
por um comitê de tese, mas pelas próprias pessoas que o antropólogo foi observar15.
No presente livro, interessa-nos não defender uma dada posição neste debate, mas
compreender os termos em que ele ocorre. Nosso objetivo aqui não é chegar a uma
definição “correta” ou mesmo “melhor” do que seja o objeto do campo ou da forma ideal
de se fazer filmes etnográficos, mas sim apresentar as diferentes propostas que os
pesquisadores enfocados, sejam eles antropólogos ou não, fazem para sua produção. A
partir da apresentação dos pontos de vista destes pesquisadores e de seus críticos, espera-
se que o leitor tenha acesso a uma introdução a diferentes práticas desenvolvidas para a
produção desses filmes.
Neste sentido, optamos por denominar os autores aqui abordados não de “cineastas”
ou “antropólogos”, mas “pesquisadores” ou “autores”: apesar da heterogeneidade em suas
formações, a característica que eles possuem em comum, de fato, é o esforço de buscar,
pela prática de pesquisa, construir uma estratégia consistente para a produção fílmica
etnográfica. Todos os pesquisadores aqui abordados se destacaram pelo resultado de suas
propostas, mesmo que atingindo de formas diferentes objetivos definidos diversamente.
***
Resta-nos, agora, apresentar o modo pelo qual dividimos a discussão dos diferentes
autores aqui tratados.
No primeiro capítulo, “Os trabalhos pioneiros”, trataremos das propostas de Robert
Flaherty e de Margaret Mead e Gregory Bateson, que produziram filmes etnográficos
antes de ser possível a gravação síncrona de sons e imagens em campo. A discussão dos
trabalhos de Flaherty, Bateson e Mead permitirá uma primeira abordagem de várias das
questões metodológicas que guiarão nossa reflexão nos capítulos seguintes. No item “A
reconstrução participante”, apresentamos o trabalho de Robert Flaherty. Visto como um
importante iniciador do campo dos filmes etnográficos e mesmo dos filmes
documentários em geral, ele elaborou um método de trabalho que inclui a participação
ativa dos sujeitos filmados. Esta problemática tomou grande proporção entre os
produtores contemporâneos. No item “A ciência das imagens”, discutimos as propostas de
Margaret Mead e Gregory Bateson para o uso científico das imagens fílmicas (e, no caso
deles, fotográficas). Sua pesquisa conjunta, realizada em Bali entre 1936 e 1939, foi
retrabalhada por Mead na década de 1950. Mais tarde, Bateson reveria suas posições a
respeito do papel das imagens na construção do conhecimento antropológico. Mead
manteria suas posturas originais.
A seguir, iniciaremos a discussão das diferentes estratégias metodológicas
construídas por produtores de filmes etnográficos cujos trabalhos se impuseram como
referências para outros pesquisadores. Os capítulos 2, 3 e 4 descrevem três destas
estratégias, que, apesar de se sobreporem em parte e de coincidirem em vários pontos,
partem inicialmente de posturas de pesquisa distintas. Elas levam, assim, a três modos
diferentes de empregar a câmera e os microfones no momento do registro das imagens em
campo e de proceder à edição e à montagem no estágio de pós-produção.
Os autores dos “filmes expositivos”, tratados no capítulo 2, colocam em primeiro
plano seus problemas de pesquisa, que guiam todas as suas tomadas em campo. Os
equipamentos de filmagem são utilizados, neste caso, como ferramentas subordinadas à
resolução de uma dada questão – que serve como guia para determinar aquilo que será
enfocado e registrado por eles. Os filmes Trobriand Cricket, de Jerry Leach e Gary Kildea,
Dead Birds e Forest of Bliss, de Robert Gardner, servirão como bases para esta discussão.
Aqueles que optam por fazer o “cinema observacional”, a ser tratado no capítulo 3,
priorizam, ao contrário, o uso dos equipamentos audiovisuais como meio de observação.
Inspirados por desenvolvimentos do cinema de ficção do pós-guerra, estes pesquisadores
propuseram uma técnica para registrar e apresentar em filme sequências de eventos dos
grupos observados sem a intervenção da câmera ou da equipe de filmagem. Neste caso,
são os próprios acontecimentos registrados em campo que têm prioridade na definição de
quais serão as tomadas feitas com a câmera. No referido capítulo, trataremos das propostas
de trabalho de John Marshall, dos projetos realizados por Timothy Asch e por Napoleon
Chagnon entre os índios Yanomami e dos primeiros filmes de David e Judith MacDougall.
Uma terceira forma de utilizar a câmera em campo parte da ideia de que ela é
necessariamente a mediadora de uma relação que ocorre entre quem filma e quem é
filmado: a observação seria assim impossível, pois, desde o início, a presença da câmera e
do pesquisador alteraria de maneira indelével o que ela é capaz de registrar. Esta decisão
tem implicações definitivas para a percepção da posição do pesquisador e,
consequentemente, para a forma como o ato de filmagem ocorre em campo e a pós-
produção é levada a cabo: para estes “filmes compartilhados”, que serão discutidos no
capítulo 4, a presença do pesquisador e da câmera toma importância central na hora da
filmagem, implicando que as imagens captadas sejam constituídas tanto pelo pesquisador
quanto por seu interlocutor. Estes estudiosos buscaram, assim, explorar, antes que tal
discussão entrasse em voga na teoria antropológica geral, as consequências
epistemológicas da construção conjunta de conhecimento dos antropólogos e de seus
pesquisados, aqui considerados como colaboradores. Os materiais utilizados como
referências para esta discussão serão as produções de Jean Rouch, além de alguns filmes de
David e Judith MacDougall. Examinaremos também o projeto brasileiro “Vídeo nas
Aldeias”. Ele constitui a tentativa mais longa e consistente de explorar o que ocorre
quando colocamos os equipamentos de filmagem nas mãos dos próprios grupos
pesquisados, de modo que eles possam produzir filmes a partir de seus próprios interesses
e de suas próprias lógicas culturais.
Encerramos nossa discussão com um balanço das propostas heurísticas apresentadas
nesses capítulos e com uma análise prospectiva de possíveis desenvolvimentos do campo, a
partir do estudo de textos de autores que se dedicaram ao assunto.
Para finalizar esta introdução, cabe precisar dois pontos. Em primeiro lugar, a
distinção entre as diferentes estratégias metodológicas esboçadas acima não é estanque.
Cada um dos capítulos brevemente já apresentados utiliza determinados autores e filmes
para enfocar alguns modos de construir produções etnográficas. Isto não significa,
contudo, que apenas estes pesquisadores específicos tenham se dedicado a certas questões
ou que seus filmes tratem exclusivamente das questões aqui apresentadas. Assim como,
em certa medida, todos os filmes aqui trazidos servem às discussões de vários assuntos, o
trabalho de um dado autor não trata exclusivamente de uma problemática. Algumas
produções e autores, no entanto, tematizam questões específicas de modo privilegiado, e
são estas que serão abordadas neste livro.
Por fim, uma última observação acerca da ordem de apresentação dos capítulos. Ela
foi estabelecida não no sentido de indicar uma evolução do pensamento acerca da
produção de filmes etnográficos, mas por motivos didáticos. Como os primeiros autores a
serem apresentados são criticados por aqueles abordados posteriormente, buscamos aqui,
antes, trazer a proposta de cada um para, depois, mostrar as posições de outros autores
cujos trabalhos envolvem uma oposição crítica a eles. O objetivo de tal lógica é facilitar ao
leitor a compreensão de cada proposta aqui examinada. Seu risco, contudo, é suscitar a
impressão de que há “progresso” na produção de conhecimento de um autor a outro e de
que as propostas dos estudiosos apresentados em primeiro lugar teriam sido “superadas”
pelos trabalhos mais recentes. Ao contrário, todas as práticas de pesquisa aqui abordadas
para a produção de filmes etnográficos são válidas, e, como ficará claro ao longo do texto,
nenhuma delas teve suas possibilidades de desenvolvimento esgotadas. Talvez mesmo todas
elas sirvam de matrizes a propostas metodológicas futuras. Como frequentemente ocorre
na dinâmica própria das disputas metodológicas, é possível que alguns de seus argumentos
retornem sob forma alterada, integrando, assim, críticas feitas a elas no passado.
Capítulo 1
Os trabalhos pioneiros
Flaherty afirmou, a esse respeito, que “muitas vezes você tem que distorcer algo
para captar seu verdadeiro espírito”15. Neste sentido, a reconstrução operada em Nanook
serviria para apelar não à racionalidade da plateia, mas à sua sensibilidade e emoção: como
diz Grimshaw, “podemos interpretar que a técnica visual distintiva de Flaherty opera para
engajar sua audiência empaticamente [...]. Ao render-se a esta experiência, o público
move-se além das barreiras da linguagem ou da cultura para captar um novo humanismo
universal”16.
No final da década de 1960, o pesquisador Asen Balicki reeditaria os esforços de
Flaherty coordenando a pesquisa antropológica da série de filmes Netsilik Eskimos. Com
uma proposta também similar à de Flaherty, esta série era direcionada aos alunos das
escolas de ensino fundamental no Canadá, para que “desmistificassem o exotismo” e
“sentissem empatia pelos atores”17. Balicki explicou também que tinha por objetivo
“reconstruir parcialmente sequências de comportamento tradicional” com a finalidade de
“reverter os processos de aculturação e salvaguardar elementos de comportamento
tradicional para a posteridade”18. Por não acreditar que a câmera fosse “estritamente um
instrumento de pesquisa [que] supostamente registra diretamente a realidade social
espontânea”, Balicki defendeu esta prática afirmando que “não existe a objetividade da
câmera. Um filme é sempre uma construção”19.
Também defendendo este método de Flaherty, Heusch afirmou, em 1962, ser
necessário acatar o elemento de reconstituição envolvido na produção de Nanook. Em sua
opinião, a tentativa de usar a câmera como um instrumento de observação direta do fluxo
cotidiano da atividade social resultaria apenas na captação de momentos pouco
significativos. Se, ao contrário, vislumbrarmos a filmagem como um testemunho possível
de uma situação já conhecida, perceberemos que esta situação paradoxal caracterizaria, de
fato, todas as pesquisas sociológicas. A reconstrução é, para Heusch, incontornável, pois é
o único caminho para que as câmeras captem um testemunho cinematográfico
aprofundado20.
Como veremos no capítulo 3, pesquisadores como David MacDougall, que
trabalharam anos depois desenvolvendo o “cinema observacional”, discordariam da
afirmação de Heusch de que “a pesada maquinaria do cinema sufoca a espontaneidade que
ela mesma busca revelar”21. Heider sugeriu mesmo uma outra solução para o impasse
indicado por Heusch: segundo ele, um bom conhecimento etnográfico da realidade a ser
filmada permite ao pesquisador antecipar onde e como ocorrerão cenas importantes, de
modo que possa estar preparado e a postos quando elas, de fato, acontecerem – para ele,
“um filme etnográfico será tão bom quanto a compreensão que antecede a filmagem. Ou,
dito de outro modo, o grau em que um filme é etnográfico depende do grau de
compreensão etnográfica prévia que informou a filmagem”22. Os defensores de Flaherty,
contudo, ainda assim questionariam se toda pesquisa não envolve necessariamente um
certo grau de reconstrução.
Os dilemas levantados pelos trabalhos de Flaherty não parecem, de fato, ter uma
resolução simples no campo da Antropologia. Um segundo aspecto dos métodos usados na
produção de Nanook constitui hoje tema central da área de estudos dos filmes etnográficos:
a construção conjunta do filme, feita com a participação intensa e constante dos sujeitos
filmados. Flaherty levou a campo um equipamento para projetar as tomadas feitas em uma
tela, de modo que “os esquimós pudessem ver e entender se foram cometidos erros”23.
Outros jovens foram recrutados e treinados como técnicos, e o próprio Nanook sugeria
temas para serem filmados a seguir. De fato, como afirma Heusch,
Flaherty obteve, para a rodagem do filme, o concurso efetivo, a participação consciente de Nanook. [...] Nanook
interpreta o papel de Nanook: ele exprime a si mesmo, no quadro de um relato preestabelecido apresentado
artificialmente, por fragmentos, ou seja, por planos, segundo as ordens de um diretor24.
Esta forte restrição, imposta pela necessidade de existência de registros físicos para
o material final, parece implicar assim a necessidade de um planejamento prévio mais
cuidadoso da pesquisa. Sem que se determine previamente um foco mais restrito para a
filmagem, a tendência é que o pesquisador acumule materiais heterogêneos, cuja
montagem em um relato consistente na edição será problemática. Ao mesmo tempo, a
filmagem baseada apenas neste foco mais restrito pode levar aos problemas detectados
pelos críticos nos filmes de Bateson e Mead, implicando um uso meramente ilustrativo das
imagens em relação aos problemas de pesquisa. Percebe-se assim como as especificidades
do fazer fílmico levam a questão do equilíbrio entre problema do pesquisador e pesquisa
de campo a seu paroxismo.
O trabalho de Bateson e Mead deixa-nos assim com uma questão em aberto: como
obter em campo dados fílmicos relevantes, sem que as tomadas a serem feitas sejam
determinadas a priori, a partir do problema do pesquisador? Vários pesquisadores se
dedicaram posteriormente a criar técnicas para responder a este problema. As diferentes
soluções por eles propostas serão abordadas ao longo dos próximos capítulos.
Uma segunda questão levantada pelo trabalho de Bateson e Mead diz respeito à
relação entre a linguagem visual e a linguagem verbal ou escrita. Qual o estatuto
emprestado a cada um destes modos de expressão? Quais as relações possíveis de serem
estabelecidas entre eles?
Novamente, cada prática de pesquisa e cada autor empregarão de forma própria
cada uma destas linguagens. Vimos como Flaherty construiu, em Nanook, uma
argumentação visual para retratar a luta do homem contra uma natureza hostil: neste
filme, os intertítulos são utilizados apenas para construir os personagens, enquanto o
problema do autor é tratado de forma eminentemente visual. Já Bateson e Mead
estabeleceram uma relação complementar entre textos e imagens: estas últimas são
importantes para captar e transmitir aspectos da experiência humana difíceis de serem
transmitidos em forma textual, como a velocidade dos movimentos, sua relação com o
“ritmo de vida cultural” dos balineses, ou a relação entre o aprendizado motor e a
formação do caráter em uma dada cultura. O registro fotográfico e fílmico de crianças que
aprendiam a andar possibilitou assim a Mead desenvolver sua teoria das relações entre o
processo de socialização e a “manutenção de um baixo tônus muscular”, que estariam
relacionados à “falta de orientação objetiva” da personalidade dos balineses40. No trabalho
de Bateson e Mead, contudo, o texto tem precedência sobre a imagem. Como afirma
Samain, nos ensaios apresentados em Balinese Character – e, podemos dizer, também nos
filmes editados sobre o material desta pesquisa – “o texto conduz a imagem, dirige-a. O
texto [nos] induz a ver a imagem e, nela, a reencontrar o conceito antes formulado. A
imagem [...] serve a ‘traduzir’, a ‘fazer entender’, a ‘justificar’ aquilo que as palavras não
consigam mostrar com tanta eficácia”41.
A prioridade heurística da escrita, que nos filmes editados por Mead surge na ênfase
emprestada à narração descritiva feita sobre as imagens, é um dos registros possíveis da
relação entre imagem e texto. Como vimos, Flaherty construiu argumentos visuais em
Nanook, emprestando maior ênfase às imagens – mas, deste modo, alterando a
possibilidade analítica de seu uso, visto que “a capacidade despertadora da imagem não [se]
pode igualar à função enunciativa da linguagem”42. A questão que estes estudos pioneiros
levantam e deixam para nós em aberto, então, diz respeito aos diferentes regimes de
relação que podem ser estabelecidos entre texto e imagem. Deverão ser eles trabalhados
separadamente, justapostos ou em uma interação dinâmica? Podem ambos trabalhar
conjuntamente, sem que um sobreponha-se ao outro? Ou será irredutível a diferença de
natureza entre os saberes possíveis de serem transmitidos pela linguagem verbal e aqueles
trabalhados pela linguagem visual? Novamente, veremos que os pesquisadores cujos
trabalhos serão discutidos ao longo deste livro ofereceram diferentes soluções para mais
este dilema do campo aqui apresentado.
Por fim, um último ponto que será levantado a partir da obra imagética de Bateson e
Mead é a discussão a respeito do estatuto de objetividade das imagens. Conforme
colocamos acima, Mead e Bateson afirmaram buscar uma maior objetividade em seus
trabalhos ao registrar imagens em suas pesquisas do final da década de 1930. Em meados
da década de 1970, no entanto, eles se reencontraram e discutiram a respeito desta
questão. Sua conversa foi registrada e publicada em 1976.
Neste momento, Bateson tomou uma posição completamente oposta à que tinha
guiado seu trabalho quarenta anos antes. Questionando a possibilidade de efetuar um
registro efetivamente objetivo tendo em mãos equipamentos audiovisuais, ele se contrapôs
frontalmente à posição de Mead, que defendeu aguerridamente o trabalho feito por ambos
em Bali. Vale a pena reproduzir parte de sua conversa:
Bateson: Acho que o registro fotográfico deve ser uma forma de arte.
Mead: [...] Se [um registro visual] é uma forma de arte, ele foi alterado.
B: Sem dúvida, foi alterado, não acho que ele exista inalterado.
M: Acho que é muito importante, se você vai ser científico sobre comportamentos, que você dê a outras pessoas
um acesso ao material tão comparável quanto possível ao acesso que você teve. Você, então, não altera o
material. [...] [Se] você ficar correndo ao redor [da cena], [...] você introduziu uma variação nela, que é
desnecessária.
B: Assim, eu consegui a informação que eu achava que era relevante neste momento. [...] Se você coloca a
maldita [câmera] em um tripé, você não consegue nada relevante.
M: Não, você consegue o que aconteceu.
B: Não é o que aconteceu. [...] Estou falando de ter controle de uma câmera. Você está falando de colocar uma
câmera morta no topo de um maldito tripé. Ela não vê nada.
M: Bom, eu acho que ela vê o bastante43.
Bateson e Mead discutem a partir de posições extremas: Mead defende ainda que a
câmera seja posicionada em um tripé e deixada em um ponto fixo, sem ser tocada,
afirmando que assim o registro feito por ela é puramente objetivo e “científico”. Bateson
reconhece, ao contrário, que, uma vez registrada, a imagem passara por uma série de
recortes, já não sendo mais objetiva – defendendo então uma postura extremamente
oposta, ao afirmar que todo trabalho com imagens deveria assumir um viés “artístico”.
Bateson diz que é impossível captar tudo; Mead considera que o pesquisador deve fazer
esforços para captar tudo.
As posições assumidas por Bateson e Mead têm relação tanto com suas posturas
intelectuais quanto com as posições institucionais tomadas por ambos ao longo de suas
carreiras. Na discussão reproduzida acima, vemos em ação o viés crítico e desconstrutivo
permanente de Bateson, desenvolvido em inúmeros pertencimentos institucionais, em
contraste com a defesa intransigente e rigorosa dos métodos científicos de Mead, cuja
atividade constante nos meios acadêmicos a tornou uma figura central na Antropologia
norte-americana. Para nós, suas ideias são interessantes por colocarem com clareza os
polos do debate acerca da objetividade das imagens: Bateson defendendo uma completa
abertura ao caráter impreciso da linguagem visual, Mead argumentando pela domesticação
de seu uso enquanto instrumento de ciência. A pesquisa de Bali serviria para defender
ambos os argumentos: por um lado, Trance and dance in Bali é uma demonstração da
dificuldade de se fazer o registro objetivo de uma dinâmica social de modo espontâneo –
de fato, o filme advém da gravação de duas performances rituais separadas, feitas com três
anos de intervalo, o que não é explicitado na edição final. Por outro lado, o registro
etnográfico dos rituais efetivamente torna possível que Mead retorne às filmagens mais de
dez anos depois e reexamine estes materiais a partir de leituras e preocupações de
pesquisa elaboradas após o registro das imagens.
Hoje, talvez poucos antropólogos concordassem em emprestar um estatuto de
objetividade às imagens de forma tão intensa quanto Mead o fez; é possível que poucos
também defendessem uma pesquisa cujo viés fosse explicitamente “artístico”, como faz
Bateson. Mas a questão subjacente a essa discussão – o possível estatuto de objetividade da
imagem – segue em aberto e é mais um dos tópicos de debate que tornam a área de
produção de filmes etnográficos tão dinâmica. Com relação a este tema, segue também
em aberto uma importante pergunta: até que ponto é possível contar com a possibilidade
de uma pesquisa audiovisual não interferir de modo impeditivo nas dinâmicas sociais nela
registradas? Ou, em outras palavras: é possível uma câmera filmadora efetuar registros
sem que sua presença altere de forma definitiva o que está sendo registrado?
Capítulo 2
Os filmes expositivos
Trobriand Cricket é tido como um filme exemplar dentre aqueles que aqui
caracterizamos como filmes etnográficos expositivos. Ele é frequentemente utilizado
como fonte etnográfica para tratar das discussões de processos de mudança social e de
reações ao poder colonialista, assim como uma ferramenta didática para apresentar o olhar
antropológico a estudantes em formação.
Logo após seu lançamento, foi objeto de duas resenhas críticas de outra antropóloga
que trabalhava na Papua-Nova Guiné na mesma época que Leach: Annette Weiner
destacou como “Leach permitiu que o críquete exemplificasse certas premissas básicas da
sociedade trobriandesa”13, capturando com a câmera “a exuberância e o orgulho
demonstrados por todos que se associam com o jogo”14. Afirmou ainda que alunos
britânicos sem formação em Antropologia riam ruidosamente no início do filme, mas, ao
seu final, entendendo o ponto de vista trobriandês, torciam pelos jogadores retratados,
cumprindo o objetivo de Leach de comunicar o ponto de vista nativo a qualquer plateia15.
Weiner destacou, no entanto, seu estranhamento com o fato de as negociações com o
movimento de Kasaipwalova não terem sido exploradas no filme, criando, ao contrário,
para os espectadores, a impressão de que ele constituiria um registro espontâneo, e não
um ritual performatizado especialmente para as câmeras. A plateia não poderia saber
assim que parte da atitude exuberante dos jogadores se relacionava com a intensidade do
contexto político contemporâneo em que a filmagem ocorreu. Novamente, vemos em
ação a questão levantada originalmente pelo método de Flaherty: até que ponto a
reconstrução de situações para registros fílmicos compromete o conteúdo que seu
produtor deseja transmitir no produto final? Será tal opção válida, como diria Flaherty, no
sentido de transmitir à audiência uma “verdade mais profunda”? O filme teria um caráter
mais etnográfico se enfocasse, como faz Appadurai em um texto de sua autoria, as
diferentes dimensões envolvidas na indigenização de um esporte do colonizador16?
O filme de Leach também foi apropriado por diferentes estudiosos para tratar de
diferentes questões teóricas. Em sua discussão sobre rituais, por exemplo, Stanley Tambiah
cita-o como uma ilustração da ideia de Lévi-Strauss de que os rituais se diferenciam dos
jogos por estabelecer uma simetria entre os dois lados participantes, ao invés de ter um
efeito disjuntivo: “os trobriandeses [...] transformaram o competitivo (e ritualizado) jogo
inglês de críquete [...] em uma demonstração elaborada e formalizada do ritual kayasa, em
que não uma vitória, mas uma quase equivalência de uma troca [...], é o resultado”17. Já
James Clifford utiliza uma das imagens do filme para exemplificar o que seria uma “atitude
surrealista etnográfica”18, causando assim estranhamento em um comentador que
considera que o filme é “prazeroso” e “um excelente exemplo de análise estrutural-
funcionalista”, mas que é “difícil enxergar como tal trabalho ajudaria a reinventar a
Antropologia segundo as linhas propostas por Clifford”19. Sally Ness, por fim, realiza a
partir do filme um estudo dos movimentos rituais dos trobriandeses a partir do
instrumental analítico de Laban, buscando nos registros visuais feitos por Leach e Kildea
como os trobriandeses efetuam um trabalho simbólico ao incorporar elementos do
colonizador em suas danças rituais20.
Estas diferentes leituras parecem dar suporte à hipótese de Mead, quando ela se
referiu à possibilidade de que registros fílmicos poderiam ser submetidos a análises
posteriores, instrumentalizadas por ferramentas analíticas não utilizadas pelos autores dos
registros originais. Ao mesmo tempo, contudo, Weiner utiliza Trobriand Cricket para
contrapor-se à ideia de Mead de que um filme retrata a realidade pura, demonstrando
como sua construção reflete o olhar epistemológico dos seus autores21.
Por outro lado, Trobriand Cricket também se tornou uma referência negativa para os
pesquisadores que criticam o uso excessivo da linguagem verbal em um meio audiovisual.
MacDougall toma-o como um exemplo das limitações dos filmes que chama de
“ilustrativos”, por enfatizar a linguagem verbal em detrimento da visual22. Esta questão é
apresentada de forma clara por Karl Heider:
Uma característica essencial da etnografia é que ela relaciona comportamentos observados específicos com as
normas culturais. [...] Afirmações culturais gerais são especialmente desafiadoras porque devem quase sempre
ser feitas em palavras, enquanto o filme é por natureza específico e visual. [...] A solução mais comum, usada na
maioria dos filmes, é fazer o narrador ler palavras que colocam imagens visuais específicas em um contexto
cultural generalizado. Mas isto força o filme a tomar em parte a qualidade de um livro, em detrimento da sua
pureza imagética. Existe uma tentação real em carregar a narração de muitas informações, enfraquecendo a
“filmicidade” do filme e às vezes mesmo contradizendo a informação visual23.
Esta questão fica explícita quando lemos o texto que o próprio Leach escreveu para
acompanhar o filme quando ele foi distribuído pela Universidade da Califórnia. Em suas
notas, Leach apresenta 3 diferentes leituras da estrutura geral do filme, 17 “pontos
fundamentais sobre o jogo” nele apresentados, 23 diferentes transformações operadas
pelos trobriandeses no críquete inglês, 25 maneiras pelas quais o críquete trobriandês é
uma resposta ao colonialismo, entre várias outras estruturações complexas de seu
conteúdo. Um espectador jamais conseguiria assimilar todas estas informações ao ver o
filme, o que indica que ele foi tratado por Leach como uma monografia textual: ele exige
que o espectador retorne ao filme várias vezes e se esforce em realizar uma leitura detida
dos dados apresentados para que compreenda a densidade dos argumentos de seu autor.
Trobriand Cricket parece assim constituir um exemplo paradigmático das virtudes e
das limitações dos filmes aqui incluídos sob a rubrica de “expositivos”. Já os filmes de
Robert Gardner, que incluímos aqui dentre os expositivos, são tidos por alguns
comentadores mesmo como exemplares para o desenvolvimento de novas vertentes na
produção de filmes etnográficos. São eles que discutimos no item a seguir.
A crítica antropológica mais recente vê ainda nos projetos de Gardner uma dose
inaceitável do que veio a ser chamado de “autoridade etnográfica”: em seus filmes ele era
um diretor onisciente, capaz de “saber o passado, estar com os sujeitos no presente e
contar-nos o que vai acontecer com eles no futuro do filme”; dominava o andamento da
narrativa ao editar as cenas filmadas em campo de modo a defender seus argumentos;
sugeria ao espectador, através de comentários ou da apresentação descontextualizada de
certas cenas, traços de caráter que atribuía aos sujeitos filmados, que se tornavam assim
representativos de tipos ideais imaginados por ele; e, de modo consistente, assinava seus
filmes desde o início como sendo de autoria exclusivamente sua, usando o jargão do
cinema comercial – “um filme de Robert Gardner”31. Pode-se afirmar assim que, neste
sentido, Gardner ocupa uma posição diametralmente oposta à de outro pesquisador de
que trataremos no capítulo 4, Jean Rouch, que propõe em seus filmes fazer uma
“Antropologia Compartilhada”.
Desta forma, para antropólogos pertencentes ao meio acadêmico como Jay Ruby, a
aceitação de que se trate Robert Gardner como um produtor de filmes etnográficos
apenas pode ser entendida como um sintoma da desestruturação deste campo, que para
ele não conseguiu ainda ter uma produção suficientemente consistente para que
antropólogos profissionais produzam filmes baseados nas diferentes propostas teóricas da
disciplina. Ruby lamenta que “o filme etnográfico tenha sempre sido um campo dominado
por cineastas de documentários que fantasiam que são antropólogos amadores”, enquanto
“muitos antropólogos parecem contentes com filmes feitos por pessoas com pouco ou
nenhum conhecimento antropológico meramente porque os filmes parecem ser
politicamente corretos ou de alguma forma satisfatórios artisticamente”32. Para ele, como
vimos na introdução deste livro, o critério essencial para a classificação de um filme como
“etnográfico” é que ele siga as regras metodológicas da Antropologia – uma exigência que
Gardner, evidentemente, não cumpria. Contudo, parece claro que o campo tem muito a
perder com uma proibição sumária de se discutir filmes feitos com intenções etnográficas
– mesmo aqueles relativamente distantes, em seus princípios, das metodologias
antropológicas. A intenção deste livro é antes submeter a um cuidadoso escrutínio todos
os trabalhos que pareçam interessantes para a produção de conhecimento nesta área.
Entre os defensores de Gardner está Peter Loizos, que argumenta que Gardner pode
ser compreendido como um pesquisador experimental. Para Loizos, a Antropologia como
um todo deve ser mais pluralista e acolher propostas diversas no interior de seu campo33.
Interessa-nos aqui especialmente a interpretação que esse autor apresenta da obra de
Gardner. Para ele, seus filmes distanciam-se intencionalmente de um registro realista,
buscando, ao contrário, uma solução para a representação da realidade similar àquela
encontrada pelos pintores simbolistas do final do século XIX. Nas palavras de Loizos, “a
essência do Simbolismo é a crença de que uma realidade complexa pode ser apreciada
através de metáforas ou símbolos isolados do fluxo dos eventos e enfatizados pelo
observador”34. Neste sentido, Gardner utilizaria em seus filmes artefatos narrativos para,
como afirmou Flaherty, “captar o verdadeiro espírito de uma coisa”, sem nunca ter tido a
intenção de fazer filmes realistas – e, portanto, não devendo ser julgado a partir destes
critérios.
Loizos argumenta ainda que mesmo os críticos mais agudos de Gardner reconhecem
que seus filmes são poderosos, imaginativos e convincentes. Este é o caso de Dead Birds,
sua primeira grande produção, lançada em 1964. Por colocar um problema para reflexão e
organizar as cenas obtidas em campo para resolver este problema, este filme pode ser
incluído dentre os que aqui são categorizados como “expositivos” – mesmo que a postura
de Gardner seja expositiva apenas no momento da edição, como veremos.
Dead Birds foi rodado sem captação direta de som. Heider comenta que, quando os
equipamentos para a expedição que resultou no filme foram comprados, em 1960, o som
síncrono era ainda uma fantasia35. Ruby discorda: no mesmo ano, Jean Rouch na França e
Robert Drew e Richard Leacock nos Estados Unidos realizavam experimentos de captação
de imagens e sons sincronizados. Seja como for, Gardner não se ocupou com a
possibilidade de empregar estas novas tecnologias. O filme inclui sons captados no local
das filmagens, mas inseridos junto às imagens apenas no momento da edição. Gardner
também usou o recurso de dublar seus personagens: em seus comentários ao DVD de
Dead Birds, ele afirma que seu filho dublou o choro de uma criança, que ocorre no meio do
filme.
Dead Birds é uma reflexão de Gardner acerca da mortalidade humana, construída a
partir da edição de cenas captadas entre os Dani. O filme, inteiramente narrado pelo
próprio Gardner, inicia-se com a imagem de um pássaro em voo, enquanto é apresentada
uma “fábula” (um mito) deste povo segundo a qual, na origem dos tempos, uma luta teria
decidido que os homens seriam mortais como os pássaros, e não imortais como as cobras,
capazes de trocar suas peles e de ter assim vida eterna. Após uma rápida cena de um ritual
funerário, o filme segue com a apresentação do terreno em que vivem os Dani e dos dois
personagens, cujas imagens servirão para ilustrar o roteiro criado pelo autor.
As cenas centrais de Dead Birds tratam dos combates ritualizados que ocorrem com
grande frequência entre os Dani. O personagem adulto, Weyak, é acompanhado em todas
as suas ações referentes à guerra: sua vigia nas torres construídas na “terra de ninguém”, a
tecelagem das faixas mortuárias que ornam o corpo dos mortos, sua angústia quando um
garoto é morto próximo a seu posto de guarda. A criança, Pua, segundo personagem do
filme, é apresentada como frágil, desajeitada, distraída, menor que outras crianças de sua
idade – objetivando, segundo o comentário do próprio Gardner no DVD do filme, induzir
o espectador a pensar que ela será vítima da morte que se anuncia desde o início.
O roteiro do filme foi construído na sala de edição. Assim, uma tomada em que
Weyak olha para o lado foi utilizada no roteiro para afirmar que, neste instante, ele estava
em alerta contra o inimigo – quando nada indica que esta tomada tenha sido feita no
mesmo momento daquele das que são apresentadas no filme como adjacentes. Sempre que
Gardner queria que o espectador tivesse o presságio de uma morte, colocava a imagem de
pássaros em cena. As cenas da atividade de tecelagem de Weyak também são distribuídas
ao longo de todo o filme – o personagem começa a fazer uma faixa mortuária no início do
filme e a conclui no final. Gardner comentou posteriormente que esta atividade serve
como uma analogia ao mito grego do fio de Ariadne, indicando ao espectador que ele deve
aplicar esta lógica para compreender o argumento do filme. Cenas alusivas também
ocorrem ao longo de todo o filme – como quando um inimigo é morto e Gardner
comenta em sua narração que “seu sangue ainda não se misturou à lama”, indicando por
analogia que sua morte ainda causa efeitos nas comunidades Dani.
Dead Birds foi criticado por utilizar todas as convenções de roteiro que o cinema de
ficção normalmente emprega para criar na plateia a ilusão de que o que ocorre no filme é
real – algo que um espectador mais atento percebe como sendo uma construção do
cineasta. Ao mesmo tempo, contudo, ele estabelece um diálogo, mesmo que autoral, com
imagens captadas em campo sem a intervenção de Gardner. Cenas de combates rituais e
de um elaborado ritual funerário se desenrolam em frente à câmera de Gardner sem que
ela interfira nas ações dos sujeitos filmados – que estão totalmente absorvidos pelos
acontecimentos. Toda esta documentação visual é colocada, no momento da edição, a
serviço da reflexão que o diretor – aqui cabe o uso desta categoria – constrói sobre a
mortalidade humana. O próprio título, segundo Gardner, alude à terminologia Dani para
as armas e ornamentos conquistados na guerra, e que simbolizam as vítimas inimigas – ou,
em última instância, a própria morte36.
Dead Birds concentra assim todos os elementos que são criticados nos filmes de
Gardner. Heider, que trabalhou com o diretor quando este realizava o filme, é cuidadoso
em suas críticas, ressalvando apenas que a postura filosófica de Gardner acerca da morte
parece diferir daquela dos próprios Dani e que sua leitura dos rituais de guerra deste povo
não abrange todas as manifestações observadas pelo próprio Heider em seu trabalho de
campo37. Talvez o que gere a maior polêmica, no entanto, é a postura do diretor, que não
se preo-cupa em conformar-se às exigências metodológicas da etnografia – ou mesmo a
suas exigências éticas – e que confronta diretamente as regras do campo antropológico, ao
mesmo tempo em que se apresenta como cientista social38. Esta postura se combina ainda
com sua importante posição institucional como diretor do Centro de Estudos de Filmes da
mais prestigiosa universidade americana.
Em 1986, Gardner lançou um filme que gerou uma repercussão ainda mais intensa e
polêmica no campo dos filmes etnográficos. Na definição proposta por Paul Henley, Forest
of Bliss, filmado em uma cidade sagrada indiana – Benares –, para onde são levados os
mortos, é um “ambicioso projeto de tentar comunicar os princípios da escatologia Hindu
através de imagens das características concretas particulares do mundo material no qual
ocorre a eliminação dos seus corpos”39. Ao contrário do que ocorre com Dead Birds,
inteiramente narrado por Gardner, Forest of Bliss não conta com o uso das palavras – seja do
narrador, seja dos personagens retratados – e é construído exclusivamente pelo
encadeamento das imagens e sons captados por Gardner e sua equipe. As próprias falas
dos personagens em língua nativa são apresentadas sem legendas, refletindo a pouca
importância a elas atribuída pelo diretor.
As imagens do filme são sempre alusivas e metafóricas, referindo-se a ideias
abstratas que Gardner tentava transmitir ao espectador em um registro simbólico. Na
leitura feita por Henley a partir das interpretações de vários comentadores e do próprio
Gardner, cenas de crianças empinando pipas sobre as correntes térmicas que são geradas
pelo fogo das cremações dos corpos “evocam leveza, vitalidade e vulnerabilidade ao
mesmo tempo”40; a queda de uma pipa no rio Ganges ao mesmo tempo em que um corpo
é jogado na água tem o objetivo de gerar uma analogia entre céu e rio, espírito e corpo,
vida e morte; o som emitido pelos remos junto às cordas em que eles são amarrados
funciona como “uma metáfora sonora para o sofrimento terrestre, dor, trabalho e
desarmonia”41; os três personagens principais apresentados no filme são utilizados para
representar contrastes simbólicos entre valores positivos (sabedoria, serenidade e pureza),
expressos por um sacerdote, negativos (ganância, arrogância e feiura), emblemados por
um intocável que tem o monopólio do serviço das piras funerárias, e de um tipo
intermediário que contém características positivas e negativas, representado por um
curandeiro; o filme como um todo, enfim, tem o objetivo de tratar não apenas a morte em
Benares, mas “as jornadas para qualquer margem distante”42.
Forest of Bliss inicia-se com a citação de um trecho de um livro sagrado indiano: “tudo
neste mundo come ou é comido, a semente é alimento e o fogo a devora”. Akos Ostor,
antropólogo que acompanhou Gardner neste projeto, afirmou que, “unidas às imagens
iniciais, ao som de machados cortando a madeira e de árvores caindo, estas palavras
alertam o espectador para esperar associações, metáforas, narrativas, e tempo cíclico”43.
Em um livro sobre o filme, contudo, os próprios Ostor e Gardner “especulam
repetidamente em sua conversação acerca de quantas das conexões e associações
pretendidas pelo filme chegarão até a audiência”, como percebeu MacDougall44. Este foi
um dos pontos fundamentais das críticas mais agudas escritas acerca de Forest of Bliss.
Alexander Moore reclama que o espectador seja “deixado por si só para compreender o
filme a partir das imagens”45, enquanto Jonathan Parry, que fez trabalho de campo em
Benares, afirma que, “sem este conhecimento interior [de alguém que fez pesquisa no
local], eu imagino como poderia começar a me relacionar com o filme, ou como Gardner
esperaria que eu o ‘lesse’”46. Adicionalmente, Henley questiona o fato de que Gardner
deseja comunicar uma experiência, mas que “o significado que ele oferece a esta
experiência é fortemente mediado pela sua própria subjetividade [...], em conflito com
alguns dos princípios fundamentais da Antropologia”47. Parry destaca ainda falhas na
etnografia que deveria dar fundamento ao filme: ele não contempla a complexidade das
interações entre os diferentes especialistas nos rituais funerários de Benares, não explica o
que fazem de fato os diferentes personagens tratados como tipos ideais por Gardner, não
trata as dinâmicas que ocorrem entre os parentes dos mortos e estes especialistas, não
esclarece o motivo de várias pessoas disporem dos corpos de seus próximos nesta cidade,
e não desenvolve as diferenças entre as “boas mortes” e as “más mortes” para os Hindus,
que determinam os diferentes modos pelos quais os corpos são tratados. Sob tais
condições, segundo Parry, fica difícil entender como Forest of Bliss possa ser “(de modo
inacreditável) tratado como um ‘documentário antropológico’”48.
Quando Moore e Parry publicaram suas críticas em um periódico especializado em
filmes etnográficos, Gardner foi convidado a responder a elas, mas enviou uma carta ao
editor afirmando que o texto de Moore
contém tantas afirmações factuais equivocadas e trabalha sob tal carga de ignorância sobre o meio [fílmico] que
não vejo utilidade em produzir algo para, como você coloca, um “debate centrado sobre o meu filme” [....],
imagino se não é chegado o tempo de membros de certas ortodoxias na Antropologia repensarem suas doutrinas
puídas49.
De modo similar, Henley indica que este filme “representa uma atitude corajosa de
oferecer uma leitura sobre o significado de uma dada realidade cultural por meio de um
simbolismo inteiramente não verbal e pelo princípio da associação metafórica” e que os
antropólogos muito ganhariam em “explorar em que sentido as técnicas de Gardner [...]
poderiam ser adaptadas para servir a seus próprios objetivos”53.
Neste sentido, encerraremos a discussão dos trabalhos de Gardner referindo-nos
brevemente a suas técnicas de filmagem e montagem – como ele opera seus equipamentos
para atingir seus objetivos. MacDougall destaca do livro publicado por Gardner e Ostor
sobre Forest of Bliss trechos em que Gardner indica como parte em seu trabalho de uma
realidade complexa e em constante fluxo para chegar a colocar em destaque alguns
símbolos capazes de sintetizá-la: “[...] ele optou por começar com uma observação
detalhada das ‘realidades ordinárias’ – cães, madeira, pipas, flores, etc. –, confiando em
que suas inter-relações poderiam ser desenvolvidas gradualmente”. Após o registro de
várias destas tomadas ao longo da pesquisa, aos poucos Gardner trabalhou na “criação de
camadas simbólicas em que cada elemento assume múltiplos significados a partir de suas
associações em diferentes contextos”. A concepção metodológica de Gardner parte assim
da captação, com a câmera, de determinados elementos concretos recorrentes no campo
estudado por ele. Aos poucos, estes elementos configuram certas ideias simbólicas que
serão desenvolvidas na edição final. Cabe destacar que ao longo da filmagem de Forest of
Bliss o próprio Gardner acreditava que o filme seria estruturado a partir do lançamento de
um barco no rio Ganges, fazendo várias tomadas que servissem a este argumento, mas no
momento da edição decidiu estruturar seu material de modo que o filme parecesse
ocorrer em apenas um dia, do amanhecer ao anoitecer54.
Quanto ao uso dos equipamentos de filmagem, vale citar a apreciação especialmente
perceptiva de Henley, que destaca como Gardner filma em campo de modo quase
observacional:
Ele continua a filmar sem som síncrono na maior parte do tempo. Talvez por esta razão ele frequentemente
trabalha com um operador de som que não é profissional, mas um colaborador envolvido no projeto em outras
bases. Seu estilo de câmera é predominantemente realista, mas, dentro deste registro estilístico, mistura uma
grande variedade de tomadas, da câmera na mão até o uso do tripé com lentes teleobjetivas. Ele parece filmar
principalmente em tomadas longas e estáveis de uma posição única, mas bem escolhida, apesar de não ser
contrário a cortá-las na fase de edição e usar trechos de alguns segundos. Com poucas exceções notáveis, ele
evita ângulos dramáticos, movimentos exagerados do zoom, ou outras demonstrações autoconscientes de
virtuosismo. [...] sua câmera está tipicamente engajada com os sujeitos, mas, apesar de ele frequentemente
parecer apenas seguir a ação, está claramente preparado para intervir e dirigir seus principais sujeitos conforme
necessário55.
Por fim, a técnica de montagem dos filmes empregada por Gardner na mesa de
edição inspira-se, segundo Mac-
Dougall, na tradição surgida no cinema russo de, através da montagem, “integrar
fragmentos de experiência em uma rea-
lidade temática – uma ‘verdade do filme’”. Em outras palavras, é através da edição e da
justaposição estudada de certas imagens que Gardner cria seus argumentos fílmicos. Esta é
a ideia fundamental da “escola russa de edição”, que, segundo Barbash e Taylor, segue os
seguintes preceitos:
[...] primeiro, o significado de uma tomada é nuançado por aquelas colocadas próximas a ela. Segundo, seu
significado depende da ordem em que elas são montadas. E terceiro, a realidade cinematográfica criada pela
sucessão de tomadas é maior que a soma de suas partes56.
A fala de Marshall é muito similar àquela de Gardner acerca de suas filmagens para
Dead Birds, que reproduzimos no capítulo anterior. Contudo, enquanto Gardner manteve
sua opinião acerca da validade de priorizar as ideias do diretor do filme, Marshall descreve
sua postura ao filmar The Hunters com o objetivo de criticá-la diante do trabalho que
desenvolveria depois:
Editei The Hunters para guiar a história ao invés de explorar o contexto das atividades em que os homens estavam
efetivamente envolvidos. [...] Tinha apenas começado a aprender a língua Ju/’hoansi quando filmei The Hunters,
mas poderia ter perguntado mais coisas para eles. [...] Segui as instruções de Laurence para filmar o melhor
registro possível, mas The Hunters era energicamente artístico. [...] Substitutos foram usados para representar
alguns dos quatro personagens do filme. O problema é, de quem é a realidade que estamos vendo e quem somos
nós quando estamos vendo através de uma câmera? [...] Não me arrependo de ter feito The Hunters. O filme é
um bom exemplo de documentário narrativo, mas Laurence ficou desconfortável quando foi lançado em 1957.
Achou que eu tinha que ter me esforçado mais com os registros. Acho que Laurence estava certo. The Hunters é
um filme romântico de um garoto americano e revela mais sobre mim do que sobre os Ju/’hoansi15.
Ao mesmo tempo, contudo, para ele um filme não é capaz de fornecer informações
contextuais suficientes que permitam ao espectador entender a ação registrada. Como
coloca em outro texto,
enquanto o filme é um meio efetivo de capturar os detalhes visuais e conversacionais de uma dada interação
social, ele não pode conter em si mesmo as informações de fundo necessárias, porque os sujeitos não deixam
muitas delas expressas. E, no entanto, essas informações de fundo são cruciais para possibilitar que a plateia
construa um sentido para as imagens e conversações inseridas no filme42.
Como, para Asch, uma narração que explicasse este contexto seria muito pesada,
prejudicando a percepção que o espectador poderia construir do filme, ele buscou
produzir materiais escritos de apoio, sob a forma de “Guias do Filme” ou “Guias de
Estudo”43. Alternativamente, para evitar que a narração competisse com as imagens pela
atenção do espectador, ele desenvolveu ainda uma outra estratégia: em The feast, por
exemplo, antes de efetivamente mostrar as filmagens ao espectador, Asch fez slides das
principais cenas filmadas e mostrou-os com uma narração explicativa com o objetivo de
“apresentar os personagens, o contexto e o evento”44.
Mas The Ax Fight é considerado exemplar especialmente devido à forma pela qual
Asch trabalha com a edição do evento nele registrado. Vimos que a técnica da “sequência
de eventos” preconiza que as tomadas feitas em campo têm que ser tão longas quanto
possível, de modo que a estrutura do evento seja mantida. A primeira parte do filme
mostra assim o material bruto obtido em campo, pois é ele que delimita o evento como
um todo. Este material bruto é reorganizado apenas nas outras partes do filme, o que
permite ao espectador acompanhar o trabalho operado pelo pesquisador entre sua
experiência de campo e a apresentação de um produto final. O espectador percebe, na
segunda parte, que a primeira hipótese feita acerca de um evento pode se provar errada;
na terceira, como a teoria é aplicada pelo pesquisador sobre seu material de campo; e, na
quarta parte, como a “versão final editada” de um filme se distancia da percepção confusa
que todos os participantes constroem de um dado evento no momento em que ele está
ocorrendo. São explicitados assim tanto as dificuldades de realização de uma pesquisa
quanto o processo de construção de um sentido para o que ocorre em campo – processo
feito sempre a posteriori, seja em filmes ou em monografias escritas. The Ax Fight é assim
uma das raras produções em Antropologia em que o espectador (ou leitor) pode
acompanhar o trabalho de elaboração que o pesquisador opera sobre seu material bruto e
refletir sobre as consequências epistemológicas e as implicações heurísticas deste trabalho.
Na verdade, em entrevista a Ruby, Asch explicita que esta estratégia não teria sido
pensada desde o início, mas construída a partir da interação com Chagnon e com seus
alunos sobre o próprio material bruto, “realmente usando o filme como se fosse argila”45.
Mas, como afirma o próprio Ruby, “pouco importa, porque seja intencional ou não, o
impacto do filme é criar dúvidas sobre as convenções da representação no filme
etnográfico e sobre a natureza das explicações antropológicas”46. É então a opção de
explicitar o processo de pósprodução das tomadas em campo que empresta um destaque
especial a The Ax Fight, já que em geral os filmes etnográficos apresentam ao espectador
apenas uma “versão final editada” similar à quarta parte do filme de Asch.
The Ax Fight permite ainda que tratemos de uma última questão: o fato de que os
autores de filmes etnográficos devem sempre estar atentos à imagem que seu filme
transmite das populações enfocadas. Devido à ilusão de transparência da linguagem
fílmica, que cria no espectador a impressão de que ele está vendo a realidade pura, o
pesquisador deve assumir o compromisso ético de não construir um discurso fílmico que
possa redundar na criação (ou perpetuação) de um estereótipo acerca destas populações.
Em artigo publicado na revista Cultural Anthropology, Alcida Ramos destaca que justamente
os Yanomami têm sido um dos grupos mais prejudicados neste sentido, devido à aura de
“ferocidade” a eles atribuída nos trabalhos de Chagnon. Como afirma Ramos, outras etnias
também apresentam comportamentos violentos, mas não têm este traço constituído como
sua peculiaridade47. Adicionalmente, outras monografias a seu respeito os retratam a
partir de outros estereótipos – como devassos ou como intelectuais –,
indicando que de fato estas imagens, mais do que descrições dos Yanomami, parecem
constituir “projeções narcísicas” de seus autores, que podem “tornar-se devastadoras” para
a população a elas submetida48. O próprio Asch manifestou, a este respeito, estar ciente de
que suas filmagens poderiam ser empregadas por instituições governamentais para
justificar violências sobre a tribo, no sentido de assimilá-la à sociedade englobante49. Mas o
fato é que seu filme reproduz e, para certas audiências, pode servir como uma
comprovação da teoria de Chagnon de que os Yanomami são um “povo feroz”.
Questionamentos éticos também foram feitos por outros autores de livros e de filmes
documentários acerca das atitudes de Asch e Chagnon em campo, de iniciativas de
Chagnon no sentido de forçar Asch a documentar apenas aspectos ligados a seus interesses
de pesquisa, e mesmo das reações de ambos os pesquisadores a uma epidemia que dizimou
boa parte da população alvo de seus trabalhos ainda quando de sua permanência em
campo. Não aprofundaremos aqui esta discussão, mas é necessário indicar que estes
trabalhos costumam estar no centro dos debates acerca da ética no uso de imagens
etnográficas.
Por fim, é interessante comentar as reflexões de Asch a respeito das vicissitudes da
colaboração entre antropólogos e outros profissionais na produção de filmes etnográficos.
Como vimos, Asch esforçou-se, em sua carreira, para construir para si uma posição de
“cineasta etnográfico”, visando a trabalhar em conjunto com pesquisadores em projetos
antropológicos. Esta intenção de Asch constitui um caso raro, visto que em geral os
pesquisadores da área são antropólogos acadêmicos ou pesquisadores com formação em
cinema, que, como também vimos, entram em conflito com o olhar acadêmico. Sua
posição permitiu-lhe, assim, chegar a algumas conclusões a respeito das possíveis
colaborações entre pessoas com diferentes formações neste campo.
O primeiro ponto que Asch abordou foi relativo à necessidade de o antropólogo
contar com um cineasta em campo. Seu colega Loizos comentou que, ao concluir seu
doutorado, decidiu produzir um filme a respeito de seu tema de pesquisa. Não tendo
operado a câmera, convidou Asch para um trabalho conjunto. A resposta de Asch foi:
“Você não precisa de um cameraman. Você sabe como um filme deve ser feito, então o faça
você mesmo”50. No mesmo sentido, em outro texto, Asch destacou que os antropólogos
mostraram pouco interesse na exploração do potencial do uso de filmes em suas pesquisas,
o que resultou na falta de desenvolvimento de uma metodologia apropriada para o uso
deste meio51. Deste modo, é possível depreender de suas falas que, no caso de não
dominar a linguagem fílmica, o antropólogo pode contar com o apoio de um especialista
no assunto; contudo, dominando-a, deve produzir suas filmagens por si mesmo.
Um ponto importante a destacar a este respeito é que a tarefa de realizar tomadas
síncronas de imagens e sons sem contar com uma equipe de apoio é até possível, mas
exige um amplo domínio técnico dos equipamentos. Se o pesquisador não está apenas
gravando entrevistas, com a câmera fixa em um tripé e gerando assim sinais constantes
tanto para a câmera quanto para o microfone, terá que atentar ao mesmo tempo para a
operação da câmera, para a correta captação do som e para a definição do que será
enquadrado. Ainda assim, se não estiver em uma situação que permita o uso de microfones
de lapela, seu microfone captará apenas as fontes sonoras próximas à câmera, o que pode
implicar a perda de informações preciosas. Deste modo, o ideal é que a equipe de
filmagem conte ao menos com um operador de câmera e um operador de som. Ambos
devem estar atentos ao trabalho um do outro, para que registrem os mesmos dados.
Ainda assim, preso no visor da câmera, o cameraman pode não perceber elementos
importantes que estejam acontecendo fora de seu campo de visão, e para estas oca-siões o
ideal é contar com mais um olhar, externo à câmera, para ajudar a dirigi-la. Jacknis
comenta que Mead e Bateson trabalhavam dessa forma: Mead atuava como uma diretora,
que guiava a filmagem operada por Bateson52. Ao mesmo tempo, o terceiro elemento
pode fornecer apoio logístico quando for necessária a troca de cartões de memória,
baterias ou lentes da câmera53.
Para definir o tamanho da equipe, no entanto, é necessário considerar a situação que
será vivida em campo. Como observa Asch, em certos contextos, como o
acompanhamento do trabalho dos curandeiros tradicionais em Bali, a presença de três
pessoas pode interferir exageradamente nos acontecimentos. Em outras situações, como
no caso de seu registro da luta entre os Yanomami, ela não faria diferença alguma. Ao
mesmo tempo, é ideal que a equipe somente entre em campo após o antropólogo já ter
estabelecido uma relação de confiança com o grupo enfocado54.
A maior dificuldade do trabalho em equipe talvez esteja em definir e seguir com
clareza a divisão de tarefas entre cada componente. Como afirma Asch, o ideal é que as
decisões sejam tomadas em conjunto e que haja uma negociação aberta e constante entre
os membros da equipe a respeito. A dificuldade de levar isto a cabo está ligada tanto às
divergências acerca do que seja relevante para ser registrado no momento da filmagem
quanto à definição hierárquica dos papéis: caso haja um cineasta e um antropólogo
trabalhando em conjunto, como afirma Asch, a relação dificilmente funcionará a contento
se o antropólogo for apenas um consultor para o cineasta, ou se o cineasta for um técnico
a serviço do antropólogo55. Asch chega a construir uma tabela para a divisão de tarefas, no
intuito de auxiliar na definição dos papéis em equipes constituídas de pessoas de
formações diversas. Nela, o antropólogo é apontado como o responsável por informar
sobre as etiquetas locais, construir o problema de pesquisa, atuar como intérprete da
língua nativa e dirigir as filmagens, enquanto o cineasta realiza todas as tarefas técnicas e
edita o material56. A solução ideal, no entanto, é a construção conjunta, antes das
filmagens, de um contrato escrito, no qual ambas as partes definam qual será o papel de
cada um. Asch sugere também vários pontos que devem fazer parte deste contrato, como
a definição dos objetivos da pesquisa, as responsabilidades e deveres de cada membro da
equipe, e a decisão acerca de quem será o detentor do material produzido após as
filmagens57. Ainda a este respeito, Asch compartilha suas experiências acerca da relação
que estabeleceu ao longo da carreira com diferentes parceiros. É ideal, contudo, que o
leitor coteje seus comentários com suas falas em outros textos e entrevistas, pois eles são
às vezes divergentes entre si e revelam, a partir de seu confronto, as dificuldades do
trabalho em equipe quando de uma filmagem etnográfica58.
Finalmente, Asch fornece algumas sugestões práticas a respeito do processo de
produção do filme, como prever verbas para transcrição das falas registradas, realizar
anotações do material ao longo da filmagem para facilitar a pós-produção e testar os
equipamentos e a relação entre os membros da equipe em um pequeno projeto piloto
antes de se deslocar a campo59. Com seu viés prático diante das questões colocadas pela
produção de filmes etnográficos, os escritos de Asch constituem de fato referências
interessantes para pensar tanto as estratégias possíveis de serem empregadas nesta tarefa
quanto as questões cotidianas do gerenciamento das pesquisas com imagens na
Antropologia.
Esta fala de MacDougall foi publicada em um texto escrito em 1973, logo após o
lançamento do filme, e tinha como objetivo justamente falar das limitações do cinema
observacional. Para ele, assim, a limitação desta proposta não está na obtrusividade da
presença da câmera – argumento de que todos os seus críticos lançaram mão para
desqualificá-la. Sua percepção, a partir de sua experiência, é que as pessoas filmadas se
acostumavam com a presença da câmera e seguiam adiante com suas vidas. Se Asch, como
vimos, defendia que a câmera poderia se tornar invisível em situações muito absorventes
para quem é filmado, MacDougall afirma que ela se torna também invisível pelo costume.
Em alguns momentos do filme, de fato, os Jie ou o representante do governo dirigem-se à
câmera ou comentam sua presença, como nas cenas em que uma criança olha fixamente
para o espectador, em que os Jie falam frases como “ele está filmando o gado de novo”, ou
em que o emissário do governo central explica à câmera o que pretende falar na aldeia a
que ele e os MacDougall se dirigem. Ao manter estas cenas na edição final, MacDougall
indica que sua presença era de fato percebida por seus interlocutores. Mas fica claro para o
espectador que, ao longo do filme como um todo, seu autor entende que a presença do
aparato fílmico não alterou de forma significativa o que era registrado e que seu caráter
observacional pode ser tido como válido.
Seja como for, To live with herds documenta o dilema que os Jie vivem diante das
intervenções externas em seu modo de vida – algo retratado de forma sintética e
evocativa, como destaca Grimshaw, em uma cena em que uma tempestade de areia varre
completamente o cenário em que suas vidas se desenrolam67. O filme deixa claro também
o grau de esforço exigido pela técnica do cinema observacional, que pede uma imersão
integral e uma atenção constante e intensiva ao que se passa em campo. Adicionalmente, é
necessário que o pesquisador que emprega esta estratégia cultive sua sensibilidade para
perceber o que é relevante nas dinâmicas cotidianas que observa, visto que seu filme será
construído no momento mesmo do registro: o momento da edição privilegiará a estrutura
interna do próprio material obtido – a integridade dos eventos observados – e evitará que
o sentido da narrativa seja construído a partir da justaposição e da montagem de cenas
curtas.
To live with herds permite ainda comentar brevemente um último aspecto da
estratégia observacional. Como nestes casos em geral o pesquisador atua com apenas uma
câmera, ele tem que se esforçar para prever os possíveis desdobramentos da ação
registrada, de modo que seu enquadramento consiga captar as informações essenciais para
que ela seja compreendida pelos espectadores. Em uma cena de diálogo, por exemplo,
MacDougall optou por fechar seu enquadramento nas pessoas que falavam. Quando seu
interlocutor retrucava, ele era obrigado a virar bruscamente a câmera em sua direção. Na
edição, ele foi obrigado a inserir outras tomadas dos participantes que acompanhavam as
discussões, para substituir as imagens borradas registradas nos movimentos rápidos da
câmera. Como já afirmava Marshall a respeito, o operador da câmera deve estar atento
para o fato de que, “quanto mais próximo a câmera chega das pessoas, mais rápida é a
ação”68.
***
O método observacional como um todo foi alvo de críticas devido ao fato de ser
compreendido como uma defesa da objetividade dos registros fílmicos. Peter Loizos, por
exemplo, referiu-se a ele em 1999 como o “movimento realista observacional”, dizendo
que pertencia ao passado – “o estilo observacional foi fortemente influente entre 1960 e
1980”. Assimilando suas propostas às de pintores realistas como Degas, afirmou que “seu
naturalismo e populismo [...] implicaram certas limitações [...] que incluíam um
estreitamento do escopo narrativo e uma fundamentação da imaginação em atualidades
empíricas e imediatamente visíveis”. Após os anos 1980, para ele, os autores de filmes
etnográficos “distanciaram-se de uma aderência automática às austeridades do ‘estilo
básico’ naturalístico e observacional”, de modo que, mesmo “sendo descoberto novamente
por cada geração de documentaristas [...], após fazê-lo, cada cineasta particular tende a ir
adiante para outros formatos”69. Tanto Loizos quanto Grimshaw ainda argumentam que a
edição dos filmes observacionais, mesmo se feita a partir de tomadas longas, era
fortemente interventiva, implicando a condução do espectador por parte do autor –
afinal, de várias horas de tomadas em campo, produzia-se sempre um filme de alguns
minutos70.
Em seu texto de 1973, MacDougall também considerava que o cinema
observacional tinha que ser superado. Como vimos, logo após concluir seus filmes, ele
sempre enfocava as limitações do que havia feito e alterava suas práticas de pesquisa. Ao
escrever um epílogo para este mesmo texto, em 1992, no entanto, MacDougall afirmou
que os pesquisadores que seguiam o cinema observacional nunca defenderam que ele fosse
assimilado a um estilo de filmagem objetivo:
Apesar de que muitos cineastas observacionais podem ter desejado filmar “como se a câmera não estivesse ali”,
nenhum dos melhores dentre eles acreditava que estivesse produzindo documentos completos e não mediados
[...]. O método observacional sempre implicou o estatuto contingencial e provisório de seus achados, e talvez
tenha sido mais culpa das audiências e dos críticos a falha em ler os filmes observacionais pelo que eles eram71.
Para MacDougall, assim, como já foi colocado, a limitação dos filmes observacionais
não dizia respeito a seu suposto caráter objetivante. Sua questão era outra: para ele, a
presença da equipe de filmagem na superfície do próprio filme levava a uma atitude
passiva, tanto do pesquisador quanto dos espectadores que a ele assistiriam:
[...] os cineastas exaurem a maior parte de suas energias fazendo a câmera responder ao que está à sua frente.
Esta concentração induz uma certa passividade, da qual é difícil livrar-se. [...] O olhar distanciado é
frequentemente reforçado por uma identificação com a plateia que pode levar o cineasta a mimetizar sua
impotência72.
Após concluir To live with herds, David MacDougall buscou ir “além do cinema
observacional” através do emprego de uma estratégia de pesquisa chamada por ele de
“participativa”. Nesta proposta, a “participação” da câmera e do cineasta na própria
substância fílmica deve ser acompanhada pela “participação” de quem é filmado. Ambos os
lados abandonariam assim a atitude passiva diante da presença da câmera e da realização do
filme, permitindo que a situação de filmagem fosse explicitada na produção e reconhecida
enquanto constituinte da construção fílmica.
Conforme colocado na introdução a este livro, a última forma de produzir filmes
etnográficos que será abordada aqui parte desta ideia de que a câmera é necessariamente a
mediadora de uma relação que ocorre entre quem filma e quem é filmado. Esta decisão
tem implicações definitivas para a percepção da posição do pesquisador e,
consequentemente, para a forma pela qual o ato de filmagem ocorre em campo e a pós-
produção é levada a cabo. Neste caso, o pesquisador e quem é filmado participam
ativamente da filmagem e assumem papéis também ativos na definição dos caminhos que
serão seguidos na conformação da versão final do filme.
Para construir sua proposta de filmes “participativos”, MacDougall contava com o
trabalho de dois importantes predecessores: Robert Flaherty, que, como vimos, construiu
Nanook of the North conjuntamente com o próprio Nanook, mostrando-lhe as tomadas já
feitas e decidindo com ele o que seria registrado a seguir; e Jean Rouch, que na década de
1950 produziu vários filmes nos quais a participação dos sujeitos filmados era condição
fundamental. Em sua série seguinte de filmes, Turkana conversations, MacDougall
desenvolveu sua própria estratégia participativa.
Sua proposta é retratada simbolicamente nas cenas iniciais do segundo filme dentre
os três que compõem esta série. Os MacDougall aparecem no filme discutindo com as
mulheres Turkana sobre o assunto que será tratado, e seguem--se imagens de David e
Judith feitas pelas próprias mulheres em uma câmera de 8 mm. Estas imagens retratam a
prática da proposta feita pelo autor em 1992, ao comentar seu texto Beyond observational
cinema que os filmes etnográficos poderiam seguir um “princípio de autoria múltipla,
conduzindo a uma forma de cinema intertextual”1. Para Grimshaw, contudo, esta
representação concreta da participação da população filmada na produção não é levada às
suas últimas conse-
quências nas Turkana conversations. Como afirma esta autora, a proposta de enfocar como
objeto do filme o próprio encontro fílmico se limita no trabalho dos MacDougall a uma
troca ou intercâmbio de informações: “[...] apesar da tentativa dos MacDougall de iniciar
uma conversação através de seus filmes Turkana, há apenas interação (uma troca de fato
unilateral) e não participação”2.
Anos mais tarde, MacDougall viria a elaborar outra proposta, a de utilizar o meio
fílmico para retratar os sentidos e o corpóreo, que não abordaremos mais detalhadamente
aqui3. A participação de fato a que Grimshaw se refere tem talvez no trabalho de Jean
Rouch sua referência insuperável. É a ele que dedicamos o item que se segue.
Esta “aspiração visionária”15 do fazer fílmico de Rouch guarda relação íntima, como
afirma Stoller16, com o projeto dos artistas surrealistas, cuja influência o próprio Rouch
coloca em destaque. No Manifesto do Surrealismo por ele citado, André Breton defende o
resgate do poder da imaginação diante da razão:
Esta imaginação que não admitiria limites, não se permite mais exercê-la senão sob as leis de uma utilidade
arbitrária. [...] a mais alta liberdade de espírito nos deixou. [...] Reduzir a imaginação à escravidão [...] é se
eximir de tudo que diria respeito ao que se chama grosseiramente de felicidade, é se eximir de tudo que se
encontra, no fundo de si, de justiça suprema. Apenas a imaginação dá conta daquilo que pode ser [...]. A atitude
realista, inspirada pelo positivismo, tem o ar hostil a todo impulso intelectual e moral. [...] Vivemos ainda sob o
reino da lógica [...], mas os procedimentos lógicos, nos nossos dias, apenas se aplicam à resolução de problemas
de interesse secundário. [...] a própria experiência se viu submetida a limites. Ela ocorre em uma jaula da qual é
cada vez mais difícil retirá-la. [...] A imaginação está talvez prestes a retomar seus direitos17.
Rouch visa assim a criar na plateia uma experiência controlada dos eventos
registrados no filme. Este uso da narração é assim muito diverso da voz explicativa
empregada nos filmes expositivos. Rouch não pretende esclarecer o que se passa nas
imagens, algo que ele critica diretamente enquanto um “discurso objetivo suposto como
um tipo de exposição científica, um manual provendo a maior quantidade possível de
informações”52. A narração serve-lhe antes para propiciar ao espectador uma experiência
da alteridade registrada na tela – apelando novamente para a imaginação da plateia, em
detrimento de sua razão.
A inventividade e a ousadia das experimentações de Rouch, aliadas à ressonância que
suas propostas encontraram nas críticas metodológicas surgidas no campo da Antropologia
a partir da década de 1980, levaram-no a ser talvez o único pesquisador aqui tratado cuja
obra pôde servir de referência para o avanço das discussões mais gerais deste campo de
conhecimento. Especialmente na última década, muitos antropólogos têm se inspirado em
sua inventividade e em suas ideias para tentar levar adiante as fronteiras da disciplina. Por
um lado, seus trabalhos permitem o avanço do conhecimento na área específica à qual ele
se dedicou, como a compreensão que ele construiu em seus filmes de que os rituais de
possessão africanos escapam ao domínio religioso para tornar-
-se um modo de conhecimento a respeito do mundo53. Por outro lado, Rouch inspira
reflexões sobre as implicações da inserção do antropólogo em campo54, sobre a
possibilidade de tratar concepções de populações não ocidentais “como se fossem
antropologia”55, e mesmo sobre o próprio fundamento do projeto antropológico de
construir um saber a partir da experiência da alteridade – ao “querer ultrapassar uma
oposição concebida em termos de uma filosofia bipolar [...], desestabilizando o lugar do
sujeito/objeto na construção da etnografia”56. Mesmo tendo sido alvo de críticas de seus
próprios interlocutores africanos, que o acusaram de não construir um retrato que
contemplasse suas visões acerca de suas vidas57 ou de elaborar fantasias rouchianas e não
deles próprios em seus filmes58, Rouch firmou propostas que se mantêm como algumas
das principais fontes de inovações metodológicas para a produção de filmes etnográficos.
Em todos estes casos, o vídeo teve para as populações nativas funções instrumentais,
visando à preservação e à transmissão de elementos culturais ou ao atendimento das
reivindicações de cada grupo. Ao mesmo tempo, os estudiosos do projeto “Vídeo nas
Aldeias” aproveitaram a observação do uso deste instrumental para tentar compreender
como estas populações se apropriavam do meio audiovisual. Neste sentido, Gallois e
Carelli afirmaram que tal meio se presta perfeitamente à comunicação em sociedades de
tradição oral, devido à sua capacidade evocativa ao recorrer a imagens culturalmente
legíveis82. Esta ideia foi contestada por estudiosos como James Weiner, que questionou se
as tecnologias ocidentais de produção de imagens não estariam imbuídas de uma
“metafísica particular” inerente, afastando-se assim dos “modos de articulação relacional”
de populações não ocidentais – tidos por ele como não representacionais83. Os estudiosos
envolvidos no projeto, contudo, afirmaram que as populações que utilizaram o vídeo
construíram um olhar próprio a seu respeito. Os Waiãpi, por exemplo, seguiam práticas
profiláticas para defender-se das possíveis consequências das projeções de rituais de
xamanismo guarani. Interpretando as oscilações de cores das TVs de tubos catódicos como
sendo as substâncias manipuladas pelos xamãs em seus rituais, evitavam que pessoas em
estados liminares assistissem aos vídeos, protegiam-se pela pintura corporal ou por regras
de comportamento, e contavam com a presença de xamã em frente à tela como escudo
para estas substâncias agressoras84. Já os Kayapó, ao produzir seus próprios vídeos,
seguiram, segundo Turner, a lógica dos rituais que filmavam para estruturar o próprio
filme, construindo-o a partir das atitudes e valores de sua cultura. Sua noção de
representação enquanto imitação e replicação também se refletiu na “mimese
performativa” do drama ritual em frente às câmeras85.
Concomitantemente, as práticas do projeto demonstraram que o uso do meio
audiovisual gerou transformações no modo pelo qual as populações indígenas percebem a
realidade ao seu redor. Gallois e Carelli compararam o impacto da memória audiovisual
contida nas produções fílmicas ao impacto do surgimento da escrita em sociedades de
tradição oral, conforme as reflexões de Goody a respeito do assunto: “[...] da mesma
forma que a introdução da escrita estudada por este autor, o acesso ao vídeo permitiria aos
povos indígenas tomar consciência das diferenças e das alternativas”, por prestar-se à
criação de um pensamento construtivo e acumulativo86. Sua percepção do tempo, da
historicidade e da coexistência de povos indígenas com características diversas possibilitou
a geração de esquemas de classificação que escapavam aos raciocínios míticos empregados
tradicionalmente. De modo similar, para Turner “a noção de uma realidade social
determinada objetivamente, [...] que muitas sociedades não letradas adquirem pelo meio
da escrita, surgiu para os Kayapó e alguns outros povos através do meio do filme e do
vídeo”87. Ao invés de operar assim com uma visão segundo a qual “toda e qualquer
apropriação dos elementos de nossa civilização pelos índios é vista como uma degradação,
uma perda da [...] ‘pureza’ de sua cultura original”88, os estudiosos do projeto se
esforçaram por compreender como o vídeo foi tomado como uma “tecnologia de
mediação”89, como um instrumento empregado para “produzir relações sociais, valores e
identidades para si próprios”90.
A prática de produção de filmes no escopo do projeto “Vídeo nas Aldeias” é descrita
da seguinte forma por Carelli:
Sem roteiro pré-concebido, a captação do material dos cineastas indígenas nas oficinas se dá de maneira intuitiva,
empírica e livre, atenta ao imprevisto, ao espontâneo, à livre expressão e criação dos seus personagens. Filmes
que brotam naturalmente da interação e cumplicidade dos cineastas indígenas com seus personagens, que são tão
autores dos filmes quanto seus cinegrafistas. [...] O espaço da oficina é um espaço aberto, pelo qual toda a aldeia
circula. Todas as noites são realizadas projeções a céu aberto, onde são exibidos filmes de outras comunidades,
documentários, ficções, e momentos especiais produzidos pelos alunos ao longo da oficina. De modo que,
durante três semanas, um mês, os alunos, os personagens e a comunidade como um todo se veem imersos em
cinema91.
Introdução
1 MEAD, 1995 [1975], p. 5-6.
2 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 190. Todas as traduções são nossas.
3 ROLLWAGEN, 1988, p. 309.
4 Cf., por exemplo, Rollwagen (1988).
5 Cf. Loizos (2004, p. 76) sobre Asch e ver a entrevista de MacDougall a Grimshaw e a Papastergiadis (1995, p. 11).
6 RUBY, 1975, p. 107.
7 Ibid., p. 105.
8 ROLLWAGEN, 1988, p. 308.
9 Cf. RUBY, 1989.
10 Cf., por exemplo, Henley (2007).
11 HEIDER, 2006 [1976], p. X.
12 Ibid., p. 2, 5, 6.
13 HEUSCH, 1960, p. 9.
14 ROUCH, 2003a [1973], p. 45.
15 Ibid., p. 44.
Capítulo 1
1 FLAHERTY, 1922, p. 632.
2 RUBY, 1980, p. 435.
3 FLAHERTY, op. cit., p. 633.
4 PIAULT, 2000, p. 13.
5 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 181.
6 HEIDER, 2006 [1976], p. 18.
7 Cf. TACCA (2001, 2005).
8 RUBY, 1980, p. 446.
9 GRIMSHAW, 2001, p. 46-49.
10 ROTHMAN, 1997, p. 1-20.
11 BARNOUW, 1974, p. 39, apud RUBY, 1980, p. 451.
12 FLAHERTY, 1985.
13 Ibid., p. 60.
14 Ibid., p. 57-60.
15 Entrevista à revista New Yorker, citada em Rotha (1983, p. 47).
16 GRIMSHAW, 2001, p. 51.
17 BALICKI, 1988, p. 41-42.
18 BALICKI, 1975, p. 181.
19 Ibid., p. 183-184.
20 HEUSCH, 1960, p. 37.
21 Ibid., p. 38.
22 HEIDER, 2006 [1976], p. 9.
23 FLAHERTY, 1922, p. 633.
24 HEUSCH, 1960, p. 37.
25 Balinese Character, p. 12, citado em Heider (2006 [1976], p. 28).
26 MEAD, 1995 [1975], p. 10.
27 Ibid., p. 7, 10.
28 JACKNIS, 1988, p. 163, 165.
29 HEIDER, 2006 [1976], p. 29.
30 MEAD, 1995 [1975], p. 5, 6.
31 Fala de Mead em Bateson e Mead (1976).
32 Ver levantamento dos tipos de personalidade feito por Mead em Samain (2004, p. 30).
33 JACKNIS, 1988, p. 161.
34 MALINOWSKI, 1988 [1922], p. 23.
35 Balinese Character, p. 49, citado em Heider (2006 [1976], p. 30).
36 Balinese Character, p. 50, citado em Jacknis (1988, p. 168).
37 HEIDER, 2006 [1976], p. 30.
38 JACKNIS, 1988, p. 170.
39 HEIDER, 2006 [1976], p. 8, 9.
40 Cf. MENDONÇA, 2010, p. 327-330.
41 SAMAIN, 2004, p. 70.
42 Ibid., p. 69.
43 BATESON; MEAD, 1976.
Capítulo 2
1 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 184.
2 FRANCE, 1998, p. 305.
3 NICHOLS, 1991, p. 32.
4 Ibid., p. 33.
5 Ibid., p. 34.
6 Ibid., p. 35.
7 Ibid., p. 38.
8 Ibid., p. 39.
9 Ibid., p. 59, 61.
10 WEINER, 1978, p. 754.
11 Cf. entrevista de Kildea a Alan McFarlane. Disponível em:
<http://www.alanmacfarlane.com/DO/filmshow/kildea_fast.htm>. Acesso em: 29 maio 2012.
12 WEINER, 1977, p. 506.
13 WEINER, 1978, p. 756.
14 WEINER, 1977, p. 506.
15 WEINER, 1978, p. 756.
16 Cf. APPADURAI, 2004, p. 123-154.
17 TAMBIAH, 1985, p. 128.
18 CLIFFORD, 1988, p. 148.
19 RUOFF, 1998, p. 53, nota 2.
20 NESS, 1988.
21 WEINER, 1978, p. 752.
22 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 184.
23 HEIDER, 2006 [1976], p. 5.
24 Ver a apresentação que Gardner fez de seu currículo em: <http://www.robertgardner.net/about/>. Acesso em:
02 maio 2012.
25 LOIZOS, 1993, p. 142.
26 Ver as páginas do Centro em: <http://www.filmstudycenter.org>. Acesso em: 02 maio 2012.
27 HEIDER, 2006 [1976], p. 40.
28 Correspondência citada em Loizos (1993, p. 143).
29 RUBY, 1991a, p. 5.
30 GARDNER, 1972, p. 4.
31 LOIZOS, 1993, p. 142, 145-146.
32 RUBY, 1991a, p. 4.
33 LOIZOS, op. cit., p. 139, 141.
34 Ibid., p. 140, 152.
35 HEIDER, 2006 [1976], p. 39.
36 GARDNER, 1972, p. 4.
37 HEIDER, 2006 [1976], p. 39.
38 Cf., por exemplo, Gardner (1972, p. 4).
39 HENLEY, 2007, p. 38.
40 Ibid., p. 39.
41 Ibid., p. 42, citando uma leitura feita por Michael Oppitz.
42 Ibid., p. 47, citando uma frase do próprio Gardner.
43 OSTOR, 1989, p. 6.
44 MACDOUGALL, 2001, p. 78.
45 MOORE, 1988, p. 1.
46 PARRY, 1988, p. 4.
47 HENLEY, 2007, p. 52.
48 PARRY, op. cit., p. 5-7.
49 GARDNER, 1988, p. 3.
50 MACDOUGALL, 2001, p. 69, 79.
51 OSTOR, 1989, p. 6-7.
52 MACDOUGALL, op. cit., p. 71.
53 HENLEY, 2007, p. 53-54.
54 Ibid., p. 49.
55 Ibid., p. 35.
56 BARBASH; TAYLOR, 1997, p. 373.
Capítulo 3
1 YOUNG, 1975, p. 102.
2 GRIMSHAW, 2001, p. 76.
3 Ibid., p. 82-83.
4 LOIZOS, 2004, p. 77.
5 HENLEY, 2004, p. 109, 114.
6 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 135).
7 MARSHALL, 1993, p. 22.
8 Ibid., p. 24.
9 Cf. a página <http://www.raytheon.com/ourcompany/history/early/index.html> no site da empresa. Acesso
em: 04 jun. 2012.
10 MARSHALL, 1993, p. 24.
11 Ibid., p. 26.
12 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 136).
13 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 136).
14 MARSHALL, 1993, p. 36.
15 Ibid., p. 36, 37, 39.
16 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 142).
17 MARSHALL, 1993, p. 39.
18 Id.
19 Id.
20 MARSHALL, 1993, p. 83.
21 Ibid., p. 84.
22 Ibid., p. 84, 85.
23 Ibid., p. 84.
24 MARSHALL, 1975, p. 133.
25 Ibid., p. 141.
26 Ibid., p. 133.
27 Ibid., p. 135. Para uma apreciação cuidadosa da proposta de Vertov, ver Piault (2000, p. 53-67).
28 HEIDER, 2006 [1976], p. 9.
29 Ibid., p. 133.
30 MARSHALL, 1975, p. 144.
31 Cf. REICHLIN; MARSHALL, s.d.
32 MARSHALL, op. cit., p. 133.
33 LEWIS, 2004, p. 2.
34 RUBY, 1995, p. 20.
35 LOIZOS, 2004, p. 76.
36 LEWIS, 2004, p. 3.
37 Cf. entrevista de Asch a Ruby em Ruby (1995, p. 21).
38 ASCH; MARSHALL; SPIER, 1973, p. 179, 182.
39 ASCH, 1988, p. 2.
40 LEWIS, 2004, p. 8.
41 ASCH; MARSHALL; SPIER, 1973, p. 179.
42 ASCH, 1988, p. 14.
43 Por exemplo, Asch (1975a, 1975b).
44 ASCH, 1975b, p. 2.
45 Fala de Asch em Ruby (1995, p. 26).
46 RUBY, 1995, p. 29.
47 RAMOS, 1987, p. 302.
48 Ibid., p. 298.
49 ASCH, 1988, p. 18.
50 LOIZOS, 2004, p. 82.
51 ASCH, op. cit., p. 2.
52 JACKNIS, 1988, p. 164.
53 ASCH, 1988, p. 5.
54 Ibid., p. 5, 6.
55 Ibid., p. 4.
56 Ibid., p. 25, nota 14.
57 Ibid., p. 10.
58 Ver, por exemplo, Asch (1988, p. 8), Ruby (1995, p. 24, 28) e Lewis (2004, p. 9).
59 ASCH, 1988, p. 7, 8, 14.
60 Fala de MacDougall em Grimshaw e Papastergiadis (1995, p. 11, 12).
61 GRIMSHAW, 2001, p. 122.
62 Ibid., p. 121.
63 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 128.
64 Id.
65 Ibid., p. 126.
66 Ibid., p. 128, 129.
67 GRIMSHAW, 2001, p. 126.
68 MARSHALL, 1993, p. 84.
69 LOIZOS, 1999, p. 81-83.
70 LOIZOS, 1999, p. 83; GRIMSHAW, 2001, p. 130-132.
71 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 137.
72 Ibid., p. 130.
73 Ibid., p. 133.
74 Ibid., p. 134.
Capítulo 4
1 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 138.
2 GRIMSHAW, 2001, p. 140, grifo do autor.
3 Cf. MACDOUGALL, 2006, cap. 10.
4 ROUCH; TAYLOR, 2003, p. 129-131.
5 ROUCH, 2003c, p. 106.
6 Id.
7 STOLLER, 1992, p. 5, 6.
8 ROTHMAN, 1997, p. 105.
9 ECO, 2002.
10 SZTUTMAN, 2004, p. 61.
11 GRIMSHAW, 2001, p. 95.
12 SZTUTMAN, op. cit., p. 55.
13 STOLLER, 1992, p. 206.
14 ROUCH, 2003a [1973], p. 35.
15 ROTHMAN, 1997, p. 99.
16 STOLLER, 1992, p. 204-206.
17 BRETON, 1924.
18 Cf., por exemplo, Stoller (1992, p. 204), Rouch e Taylor (2003), Piault (2008) e Altmann (2010).
19 LOIZOS, 1993, p. 47.
20 SZTUTMAN, 2004, p. 55.
21 GRIMSHAW, 2001, p. 98.
22 ROUCH; TAYLOR, 2003, p. 141.
23 GONÇALVES, 2008, p. 66.
24 Cf. LOIZOS, 1993, p. 63.
25 ROTHMAN, 1997, p. 77, 78.
26 Ibid., p. 86.
27 ROUCH, 2003b, p. 99, grifo nosso.
28 ROUCH, 2003a [1973], p. 39.
29 ROUCH, 2003b, p. 100.
30 ROUCH, 2003a [1973], p. 39.
31 ROUCH, 2003b, p. 101.
32 GONÇALVES, 2008, p. 190.
33 ROUCH, 2003a [1973], p. 44.
34 ROUCH; TAYLOR, 2003, p. 137.
35 SZTUTMAN, 2004, p. 55.
36 ROTHMAN, 1997, p. 94.
37 ROUCH, 2003b, p. 101.
38 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 137.
39 ROUCH, op. cit., p. 98.
40 DELEUZE, 2005, p. 183, apud GONÇALVES, 2008, p. 144.
41 Fala de Rouch (apud ROTHMAN, 1997, p. 74).
42 Fala de Rouch (apud ROTHMAN, 1997, p. 78).
43 Narração de Rouch em Moi, un noir.
44 GONÇALVES, 2008, p. 113, 115.
45 QUIST, s.d., apud GONÇALVES, 2008, p. 137.
46 ROUCH, 2003a [1973], p. 39.
47 Citação de Vertov em Rouch (2003a [1973], p. 40). Sobre a proposta de Vertov, cf. Piault (2000, p. 53-67).
48 GONÇALVES, 2008, p. 191.
49 ROTHMAN, 1997, p. 103.
50 GRIMSHAW, 2001, p. 99, 100.
51 GONÇALVES, 2008, p. 73, 74.
52 ROUCH, 2003a [1973], p. 40.
53 Cf. ROUCH; MARSHALL; ADAMS, 2003, p. 194; GONÇALVES, 2008, p. 75; SZTUTMAN, 2009.
54 Cf. GONÇALVES, 2008, p. 58, 59.
55 SZTUTMAN, 2009, p. 112.
56 GONÇALVES, op. cit., p. 153, 154.
57 Cf. SZTUTMAN, 2004, p. 58.
58 Cf. GONÇALVES, 2008, p. 160, 161.
59 ROUCH, 2003a [1973], p. 46.
60 GINSBURG, 1995, p. 67.
61 WORTH; ADAIR, 1972, p. 253, 254.
62 Ibid., p. 252, 254.
63 RUBY, 1991b, p. 56.
64 PRINS, 2002, p. 62, 63.
65 Ibid., p. 63.
66 GINSBURG, 2002, p. 42, 45, 47.
67 GINSBURG, 1994, p. 8.
68 GINSBURG, 2011 [1988], p. 172.
69 CARELLI, 2011, p. 46.
70 Id.
71 CARELLI apud AUFDERHEIDE, 2011, p. 182.
72 AUFDERHEIDE, 2011, p. 185.
73 Ibid., p. 182.
74 GALLOIS; CARELLI, 1995, p. 67.
75 Ibid., p. 62.
76 GINSBURG, 1995, p. 70.
77 AUFDERHEIDE, 2011, p. 183.
78 GALLOIS; CARELLI, 1992, p. 27.
79 Ibid., p. 29, 35.
80 GINSBURG, 2011 [1988], p. 174.
81 AUFDERHEIDE, 2011, p. 185, 186.
82 GALLOIS; CARELLI, 1995, p. 64.
83 WEINER, 1997, p. 198, 202, 205.
84 GALLOIS; CARELLI, 1992, p. 29, 30.
85 TURNER, 2002, p. 82-84.
86 GALLOIS; CARELLI, 1995, p. 65.
87 TURNER, op. cit., p. 87.
88 CARELLI, 2011, p. 49.
89 GINSBURG, 2011 [1988], p. 174.
90 TURNER, 2002, p. 80.
91 CARELLI, 2011, p. 48-49.
92 ARAÚJO, 2011.
93 CARELLI, op. cit., p. 49.
94 RUBY, 1991b, p. 54.
95 HENLEY, 2009, p. 118.
96 RUBY, op. cit., p. 58.
97 HENLEY, 2009, p. 118.
98 GINSBURG, 1995, p. 65.
99 Ibid., p. 68.
100 Ibid., p. 65.
Perspectivas
1 Cf., por exemplo, Peixoto (1995).
2 Cf. MONTE-MÓR, 1998.
3 ROUCH, 2003a [1973], p. 37.
4 FRANCE, 2000, p. 18.
5 Ibid., p. 19, 25, 26.
6 Ibid., p. 25, 19.
7 GRIMSHAW; RAVETZ, 2009, p. 553.
8 Ibid., p. 543.
9 Ibid., p. 552.
10 HENLEY, 2009, p. 122.
11 Ibid., p. 103.
12 GRIMSHAW; RAVETZ, 2009, p. 550, 551.
13 Cf. HENLEY, 2009, p. 119, 124.
14 MACDOUGALL, 2006, p. 271.
Filmografia citada
A ARCA dos Zo’é. Dominique Gallois e Vincent Carelli. 1993.
22 min.*
AN ARGUMENT about a marriage. John Marshall. 1969.
18 min.**
A WIFE among wives. David e Judith MacDougall. 1981. 75 min.
CHRONIQUE d’un été. Jean Rouch. 1961. 85 min.***
DEAD Birds. Robert Gardner. 1965. 85 min.**
FOREST of Bliss. Robert Gardner. 1986. 90 min.**
JAGUAR. Jean Rouch. 1967. 110 min.***
LES MAÎTRES fous. Jean Rouch. 1954. 35 min.***
LES TAMBOURS d’avant: Tourou et Bitti. Jean Rouch. 1971.
12 min.***
MOI, un noir. Jean Rouch. 1958. 70 min.***
NANOOK of the North. Robert Flaherty. 1922. 55 min.****
NAVAJO film themselves (série). Organização: Sol Worth e John Adair. 1972.
NETSILIK Eskimos. At the winter sea ice camp (série). Asen Balicki. 1965.**
O ESPÍRITO da TV. Vincent Carelli. 1990. 18 min.*
PRIMARY. Robert Drew, Richard Leacock, Albert Maysles. 1960. 60 min.*
SHOMÕTSI. Valdete Pinhanta. 2001. 42 min.*
THE AX Fight. Timothy Asch e Napoleon Chagnon. 1977.
30 min.**
THE FEAST. Timothy Asch e Napoleon Chagnon. 1970. 29 min.**
THE HUNTERS. John Marshall. 1957. 72 min.**
THE WEDDING camels. David e Judith MacDougall. 1977.
108 min.
TITICUT Follies. Direção: Frank Wiseman. 1967. 84 min.
TO LIVE with herds: a dry season among the Jie. David e Judith MacDougall. 1971. 70 min.*****
TRANCE and dance in Bali. Gregory Bateson e Margaret Mead. 1952. 22 min.*****
TROBRIAND Cricket: An Ingenious Response to Colonialism. Jerry Leach e Gary Kildea. 1976. 54 min.**
TURKANA conversations: Lorang’s way. David e Judith MacDougall. 1979. 70 min.*****
* Disponível para compra em: <http://www.videonasaldeias.org.br>.
** Disponível para compra em: <http://www.der.org>.
*** Disponível para compra no Brasil em coleção da Videofilmes.
**** Disponível para compra em: <http://www.amazon.com>.
***** Disponível para compra em <http://www.berkeleymedia.com/catalog> e disponível para assistir no site
<http://www.youtube.com>. Acesso em: ago. 2014.
O acesso aos filmes comentados neste livro ainda é, infelizmente, bastante difícil no Brasil, devido aos altos preços
praticados, em geral, pelos distribuidores oficiais. Trechos de alguns dos filmes podem ser encontrados em sites de
divulgação na internet.
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estium reri omnienis remolup tatecepuda audit expercit labori debit et qui ommoluptatet ex expedi officte di berro
occaborro doluptat.
Uga. Quiam aut aut dolut antur ad unt re sequatem ditiantotam quis expella cepudipsa qui bea pernatis est, omniendici
recum seque nonsedit od et et aut modigendunt, num ipsam voluptatia dia verum enitat od que susaper umetur? Aque
num harum alibus, que core, solluptatiis a que et omnimus est, comnimi liquamet et errum reperfero que et landis repro
que magnam, sum eos et aut es
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Tat. Aximinu llupta non ea quae explignis everiosam faceaquis as dis ea aute aceptatem et maionsequidi
natem rehent dolorit esequo testorero vel ini qui rerchil laboreh enihilit pelici nost eatur aceatur samus et
officiti con nis moluptibus net incto cum lacea que coriam, invelec eribus et etur? Idigent.
Deles alictassecum sa voloruntur atio etur aligendae peria iniatia aut et earum iminum dolumetus sitae pa
adist harum quuntiu mquatessunt volorio necusciisqui nosant qui offici nis modignati dolum nos aut dus
min renihicius vel magnis apidem sitae conseriberum ipsae doluptatur abor aut od que cor sim sinveli
atempores ma pel idiam antiis veliam autem. Il ma con reres eium aut ad et harcips anihili quibusti dolupta
tiatur magnis aut aped quaecti deligene molorit aut plitempore cones et premquiate nonsequi omnisto blaut
volorpor a ant voluptae aut voloreptusto veritius velique invelenessit eum quam excepud aestis dus erit
doluptiunt.
Axim con nam anim il ipid mo molum ant, odis num quia doluptas eum esent arum ut laboria idelitiatur,
arum antem hil inverunt odipidu cienda dolupta doloria cus dolupti nctatas aut aut eaqui voluptaerum
ducipsum dolorro omnihicillis assus voluptassus.
Tempost oremped mo coribus modici nitectia que diciis providi orporecabor molorep uditatur antibus
ciatis volessitis dolupta tentio consequaeri simin cus apel ma velectent