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Reitor
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Vice-Reitor
Rogério Andrade Mulinari
Pró-Reitora de Extensão e Cultura
Deise Cristina de Lima Picanço
Diretora da Editora UFPR
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Naotake Fukushima
Sérgio Luiz Meister Berleze
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© Paulo Guérios

Coordenação editorial
Rachel Cristina Pavim
Revisão
Camila Cesário Lérco
Revisão final
Do autor
Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica
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FICHA TÉCNICA E-BOOKS
Coordenação editorial
Rachel Cristina Pavim
Preparação do livro para E-book
Neydiane Hernandes de Souza
Série Pesquisa, n. 282
Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas.
Biblioteca Central. Coordenação de Processos Técnicos.
G932p - Guérios, Paulo
Práticas do filme etnográfico / Paulo Guérios. - Curitiba: Ed. UFPR, 2016
(Série pesquisa: n. 282).
Bibliografia: p. 157-166
ISBN 978-85-8480-066-7
1. Cinema. 2. Antropologia visual. 3. Cinema na etnologia. I. Título. II. Série.
CDD: 791.433
Bibliotecária: Paula Maschio - CRB 9/921

ISBN 978-85-8480-066-7
Ref. 852
Direitos desta edição reservados à
Editora UFPR
Rua João Negrão, 280, 2º andar – Centro
Tel.: (41) 3360-7489
80010-200 – Curitiba – Paraná – Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2016
Sumário
Introdução
Capítulo 1: Os trabalhos pioneiros
Robert Flaherty e a reconstrução participante
Margaret Mead e a ciência das imagens
Capítulo 2: Os filmes expositivos
Jerry Leach, Gary Kildea e o estudo da mudança cultural em Trobriand Cricket
Robert Gardner e a solução simbolista
Capítulo 3: O cinema observacional
John Marshall: slots e a “sequência de eventos”
Timothy Asch: explorando a “sequência de eventos”
Os filmes observacionais de David MacDougall
Capítulo 4: Os filmes compartilhados
Jean Rouch e a “Antropologia Compartilhada”
O projeto “Vídeo nas Aldeias”
Perspectivas
Notas
Filmografia citada
Referências
Introdução
Suponhamos que você, leitor, seja um antropólogo formado, ou mesmo que tenha
tido uma formação básica de Antropologia em um curso universitário. Suponhamos
também que você tenha em mãos um equipamento de filmagem básico, capaz de captar
imagens e sons com um mínimo de qualidade, e que você saiba operá-lo. Você teve a ideia
de realizar uma pequena etnografia sobre uma questão pontual que lhe interessou, ou um
trabalho de campo abrangente em um dado grupo social, usando esse seu equipamento.
Por onde você começaria?
Uma primeira solução seria ir diretamente a campo com a câmera, começar a fazer
contatos com seu grupo de interesse e captar imagens e sons. No entanto, haveria
inúmeras formas de trabalhar com a câmera, e logo várias questões surgiriam. Como
apresentar a câmera a seus interlocutores em campo e como inseri-la na pesquisa? Como
trabalhar com a consciência de que estão sendo filmados e com as consequên-
cias desse fato? Devo conversar com meus interlocutores enquanto filmo ou apenas
observar suas práticas? Devo ter um problema de pesquisa delineado antes de começar a
filmar, e focar a filmagem apenas nas dinâmicas relevantes para resolver esse problema, ou
captar imagens de forma mais abrangente? Na hora de editar o que filmei, devo fazer uma
narração ou inserir textos escritos no filme para explicar do que se trata minha pesquisa,
ou é melhor montar o filme todo apenas com as imagens captadas em campo? Como
evitar as “cabeças falantes” – que o filme seja estruturado como uma série de entrevistas,
apenas entremeadas de outras imagens na edição? E o que fazer com o som – devo usar
apenas o som direto, ligado às imagens, ou trabalhar também com sons relacionados às
imagens, mas captados em momentos diferentes? Na hora da edição, quanto devo ou não
fragmentar meu material? Devo utilizar a edição como uma montagem ou me esforçar
para preservar a estrutura dos eventos filmados?
As dúvidas metodológicas que surgem quando se produz um filme etnográfico são
recorrentes, e todos os pesquisadores que trabalham nessa área se deparam com elas.
Alguns deles, entretanto, destacaram-se ao dar respostas consistentes – e diferentes entre
si – para a resolução desses problemas. Seus nomes aparecem de modo recorrente na
bibliografia a respeito, e seus trabalhos são citados e analisados à exaustão. Mesmo se
submetidas a fortes críticas, suas propostas fornecem parâmetros para a discussão de novas
questões. Esses pesquisadores se tornaram, assim, referências obrigatórias no estudo e na
produção de filmes etnográficos.
Este livro tem a intenção de apresentar e discutir as questões que esses autores de
filmes etnográficos elaboraram em seus processos de pesquisa fílmica e as diferentes
respostas metodológicas que ofereceram a elas em suas produções e em seus textos.
Abordaremos aqui os trabalhos de Robert Flaherty, Margaret Mead e Gregory Bateson,
John Marshall, David e Judith MacDougall, Robert Gardner, Timothy Asch, Jerry Leach,
Jean Rouch e aqueles ligados ao projeto brasileiro “Vídeo nas Aldeias”. Discutiremos
alguns de seus filmes, leremos alguns de seus textos metodológicos e analisaremos textos
publicados por seus seguidores e por seus críticos. Veremos como suas propostas foram
colocadas em prática e apresentaremos análises dos resultados por eles obtidos. Outros
nomes poderiam ser incluídos nessa lista, e alguns poucos poderiam ser trocados; no
entanto, todos os que estão presentes na lista acima são inegavelmente atores que
polarizam os debates nessa área de conhecimento. Por esse motivo, terão seus trabalhos
apresentados e discutidos aqui. Como este é um livro introdutório, ele focará
principalmente esses desenvolvimentos, que são hoje já considerados clássicos na
disciplina.
É importante deixar claro a que este livro não se propõe. Em primeiro lugar, não
tem a intenção de resolver todos estes problemas metodológicos ou de esgotar o assunto
em questão. É um livro introdutório, e assim seu objetivo não é buscar solução para os
debates abordados, mas sim apresentá-los. Não visa tampouco a defender a opinião do seu
autor acerca do melhor modo de se fazer filmes etnográficos. Embora seja impossível que
a escrita seja neutra, o projeto aqui adotado para a apresentação dos temas e dilemas da
área prevê contemplar a visão de cada um dos pesquisadores discutidos em seus próprios
termos, antes de destacar as críticas feitas a eles por outros autores. O leitor poderá, ao
final, julgar se este esforço foi ou não bem-sucedido.
Em segundo lugar, este livro é direcionado a quem já tem uma compreensão, ao
menos básica, da metodologia e dos dilemas do trabalho de campo em Antropologia e
deseja iniciar-se nas questões que o uso do recurso audiovisual coloca a esta área de
conhecimento. Não apresentaremos aqui, então, uma introdução geral às metodologias da
pesquisa etnográfica. Há outros livros que se dedicam a este assunto, e, nesta obra, o foco
será destinado à questão fílmica. A fotografia em still também apenas será abordada
quando ajudar a compreender o trabalho de um dado pesquisador, como ocorre no caso
de Margaret Mead e Gregory Bateson.
Em terceiro lugar, este não é um livro de Antropologia Visual geral. Não faremos
aqui discussões detidas acerca do estatuto epistemológico da linguagem visual, a não ser
até o ponto em que elas sejam necessárias para compreender as práticas dos pesquisadores
abordados. Isso significa que o leitor encontrará aqui apenas as reflexões epistemológicas
necessárias para dar conta de uma discussão que se pretende prioritariamente heurística.
Ao falarmos dos filmes, adotaremos uma perspectiva similar à que nos parece permitir a
melhor compreensão da metodologia de escrita de etnografias: buscar fazer uma espécie
de “engenharia reversa” das produções realizadas pelos pesquisadores aqui abordados.
Como os filmes foram feitos? Como foram construídos os dados que os constituem? Qual
o estilo de narrativa adotado? Quais as limitações de sua proposta, e o que ela deixa de
fora? E também: qual a formação e a postura metodológica do autor? Qual a postura
epistemológica que transparece na substância fílmica apresentada?
Por fim, este livro não tratará das questões técnicas inerentes ao fazer fílmico: como
trabalhar com a iluminação ou com a captação de som, como construir imagens a partir do
enquadramento e da atenção à abertura e ao tempo de exposição do obturador, como
proceder à edição e à finalização das imagens nos softwares dedicados. Tais questões são
fundamentais no fazer dos filmes etnográficos, e é inútil pensar em aventurar-se nesta área
sem que se tenha um domínio de tais técnicas – sem que se saiba captar e organizar
imagens e sons com uma qualidade mínima. Sugerimos, assim, que os leitores busquem
tais subsídios em obras especializadas no assunto.
***
A produção de filmes etnográficos é uma área que levou mais tempo para se
estabelecer, se comparada a outras áreas da Antropologia. Atualmente, há um forte
investimento nesta subárea, mas, ao longo do século XX, diante do campo total da
disciplina, foram relativamente poucos os estudiosos que se dedicaram a seu
desenvolvimento. As razões que explicariam o menor investimento teórico e de pesquisa
dos antropólogos no domínio da imagem são diversas, e mesmo controversas. Ao se
perguntar sobre o assunto em 1975, por exemplo, Margaret Mead encontrou as seguintes
explicações: em parte, os antropólogos teriam se restringido a operar com palavras e não
imagens porque por muito tempo enfatizaram que seus objetos eram as manifestações
culturais em extinção – ou já extintas – dos povos “primitivos” e que deste modo
poderiam apenas falar sobre estas manifestações, já que em sua maior parte elas não
poderiam mais ser registradas; por outro lado, a produção de filmes exigiria habilidades
especializadas, em geral não desenvolvidas nas escolas de Antropologia, e envolveria altos
custos de equipamento e suprimentos, dificuldades que não teriam sido superadas pelos
antropólogos por negligência e descuido1. Três anos depois, David MacDougall criticou
estas explicações, indicando que, em sua opinião,
se os antropólogos têm rejeitado consistentemente os filmes como um meio analítico [...], a razão pode não ser
meramente uma relutância conservadora para empregar uma nova tecnologia, mas um julgamento perspicaz de
que a tecnologia envolve uma mudança de perspectiva que levanta problemas centrais para a conceptualização
científica2.

Dez anos mais tarde, Jack Rollwagen afirmou o contrário: a perspectiva científica
deveria prevalecer sobre a construção de filmes etnográficos feitos por cineastas sem
formação antropológica. Para ele, o problema do pouco investimento dos antropólogos na
produção de filmes se deve ao fato de que estes “têm sido tão pouco críticos e tão
desejosos de aceitar uma posição de que [filmes] registram a realidade que permitiram que
indivíduos sem treinamento antropológico dominassem estes meios de comunicação”3.
Os últimos anos, contudo, têm testemunhado um aumento progressivo tanto na
quantidade de produções fílmicas quanto no grau de institucionalização da área da
Antropologia Visual. Seja pelo fato de que as novas tecnologias digitais aumentam a
acessibilidade a equipamentos de produção audiovisual, o que muda o panorama descrito
por Mead, seja pela incorporação de novos instrumentais críticos à epistemologia corrente
da disciplina, o que muda o panorama descrito por MacDougall e Rollwagen, o fato é que,
aos poucos, o uso dos filmes em etnografias tem aumentado e um número cada vez maior
de pesquisadores tem buscado incorporar estas linguagens a seu instrumental de pesquisa
– ou, em certos casos, mesmo construir um instrumental próprio para gerar
conhecimento por pistas diferentes da escrita.
Os autores cujos trabalhos serão abordados aqui já podem ser considerados, como
afirmado acima, clássicos. De modo diverso ao que ocorre na Teoria Antropológica geral,
vários deles não completaram sua formação – seja em Antropologia, seja em Cinema. Ao
examinarmos a bibliografia da área, vemos que autores ligados a instituições universitárias
criticam a falta de academicismo dos autores que não o são, julgando seus trabalhos como
pouco rigorosos4. Já os autores não acadêmicos afirmam que as dificuldades encontradas
pelos antropólogos no universo da produção fílmica são devidas justamente ao seu excesso
de academicismo, visto por eles como algo negativo5. Neste mesmo sentido, as diferentes
definições do objeto “filme etnográfico” delineadas por cada autor seguem tais clivagens.
As definições apresentadas a seguir são muitas vezes tributárias, mesmo que não
exclusivamente, das posições de cada autor no campo.
O antropólogo Jay Ruby, que dedicou sua carreira ao estudo de filmes etnográficos,
afirma que um filme é etnográfico apenas se tiver como base uma metodologia etnográfica
– ou seja, se os seus fundamentos forem dados pelo saber antropológico. Este filme deve,
assim, ter um objeto, que será, segundo o pertencimento teórico de seu autor, a descrição
de uma “cultura”, ou de uma “sociedade”, ou de “processos sociais”; seguir uma teoria que
ordene a narrativa fílmica, defina a seleção dos eventos para a filmagem e articule a edição
das imagens; apresentar uma metodologia consistente, que permita ao espectador perceber
que as decisões no processo de feitura do filme foram tomadas a partir dela; e utilizar o
léxico ou o vocabulário antropológico6. Para Ruby, assim, a produção de filmes
etnográficos deverá seguir os requisitos fundamentais da ciência antropológica: em suas
palavras, seus autores “têm a obrigação primária de cumprir as demandas e necessidades
das investigações e apresentações antropológicas”7. Coerentemente, Ruby afirma que,
enquanto a maior parte dos filmes é potencialmente útil para os antropólogos como
testemunho de uma dada cultura, apenas serão etnográficos aqueles que seguirem uma
metodologia científica que esteja em conformidade com as exigências correntes da
Antropologia.
A partir da discussão de Ruby, Jack Rollwagen, professor de Antropologia na State
University of New York, estabeleceu uma exigência ainda mais restrita: para ele, o uso do
termo “etnográfico” neste campo se refere a uma equivalência pouco problematizada entre
“etnografia” e “observação da realidade”, sem a mediação de qualquer teoria. Ele introduz
a expressão “filmes antropológicos” para chamar a atenção sobre as limitações dos “filmes
etnográficos” produzidos por cineastas “não antropólogos” e afirma que as “‘soluções’ para
os problemas da produção de filmes antropológicos devem advir de cineastas informados
antropologicamente”8.
Ao estabelecerem parâmetros que definem uma fronteira entre filmes etnográficos e
outros tipos de filme, Ruby e Rollwagen excluem daquele campo pesquisadores como
Robert Gardner9, cujos projetos fílmicos não seguem os ditames da ciência antropológica,
mas que mesmo assim são aceitos como produções inspiradoras por muitos outros
antropólogos10. Esta concepção fechada do campo apresentada por estes dois antropólogos
reflete, assim, a cisão fundamental mostrada acima entre autores “acadêmicos” e “não
acadêmicos”.
Já o antropólogo Karl Heider propõe uma definição menos restritiva, apesar de
ainda fortemente ligada às exigências do campo antropológico. Segundo ele, o uso
analítico da cisão ciência versus arte para julgar se um filme é ou não etnográfico tem suas
limitações. Por um lado, o campo do cinema tem suas próprias teorias, não constituindo
um fenômeno puramente estético; por outro lado, o saber etnográfico encontra suporte
na experiência vivida do antropólogo em campo, e não em uma ciência “pura”11. Heider
prefere, assim, não dividir os filmes entre “etnográficos” e “não etnográficos”, mas falar do
grau de “etnograficidade” [ethnographicness] de cada filme. Deste modo, sem assumir a
existência de uma categoria absoluta ou delimitada, as novas questões passam a ser: “Que
características tornam um filme mais ou menos etnográfico?”, ou “Em que sentido este
filme é etnográfico?”. Para Heider, os elementos envolvidos nessa ethnographicness ou na
“qualidade etnográfica” de um filme seriam: uma “descrição detalhada” dos fatos
registrados, resultante de uma observação longa, que capte com consistência aspectos da
etnografia feita no filme (por exemplo, no caso de uma iniciação, uma etnografia que
contemple todas suas etapas, implicações sociais, relações com a estrutura do grupo,
consequências para o prestígio social dos participantes, a separação entre sexos, etc.); o
“estabelecimento de relações entre os eventos filmados e o contexto social ou cultural” em
que eles ocorrem; e um esforço para buscar a verdade possível, ou seja, para “minimizar as
distorções” na realidade apresentada pelo filme12. Ao mesmo tempo, para Heider, os
filmes terão uma maior “filmicidade” quando recorrerem menos a elementos exteriores às
tomadas feitas em campo (como a narração exterior, a inserção de intertítulos ou de sons
externos).
A definição de Heider, assim, mantém a cisão entre acadêmicos e não acadêmicos,
mas evita criar uma fronteira que impeça, a priori, a existência de um debate entre
diferentes atores do campo. Já o cineasta Luc de Heusch, formado na área de cinema e
posteriormente atuante como professor de Antropologia em Bruxelas e pesquisador
associado ao Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) em Paris, rompe
completamente com tal cisão:
Para começar, de que cinema e de que realidade se trata? Brandir o conceito de “filme sociológico”, isolá-lo na
imensa produção mundial, esta não é uma busca quimérica, acadêmica? A noção mesma de sociologia é fluida,
variável segundo os países e as tradições científicas locais. [...] Não seria esta uma mania desesperante de nossa
época de catalogar, de recortar em categorias arbitrárias o magma confuso de ideias, de valores morais, de
pesquisas estéticas de que se alimentam, com uma avidez extraordinária, estes artistas complicados que são os
criadores de filmes? O que o pesquisador científico vem fazer aqui? Não está enganado em embarcar na aventura
cinematográfica, tão distante do caminho tradicional? Arrisquemo-nos nesta viagem. Embarquemos com o
cientista e o artista e tentemos encontrar uma linguagem comum13.

Nosso percurso pelas diferentes definições feitas para o “filme etnográfico” pode se
encerrar com as reflexões do cineasta e antropólogo francês Jean Rouch. Afirmando que
os filmes etnográficos devem “unir o rigor científico à linguagem cinematográfica”14, ele
inverte, no entanto, os termos desta relação: para ele, as experimentações fílmicas
levariam a uma necessária revisão dos próprios métodos e conceitos científicos. Tomando
o exemplo das consequências de se discutir os filmes com as próprias populações filmadas,
assevera:
Este tipo de trabalho a posteriori é apenas o começo do que já é um novo tipo de relação entre o antropólogo e o
grupo que ele estuda, o primeiro passo no que alguns de nós chamaram de “Antropologia Compartilhada”.
Finalmente, então, o observador deixou a torre de marfim; sua câmera, gravador e projetor o levaram, por uma
estranha estrada iniciática, ao coração do próprio conhecimento. E pela primeira vez seu trabalho não é julgado
por um comitê de tese, mas pelas próprias pessoas que o antropólogo foi observar15.

No presente livro, interessa-nos não defender uma dada posição neste debate, mas
compreender os termos em que ele ocorre. Nosso objetivo aqui não é chegar a uma
definição “correta” ou mesmo “melhor” do que seja o objeto do campo ou da forma ideal
de se fazer filmes etnográficos, mas sim apresentar as diferentes propostas que os
pesquisadores enfocados, sejam eles antropólogos ou não, fazem para sua produção. A
partir da apresentação dos pontos de vista destes pesquisadores e de seus críticos, espera-
se que o leitor tenha acesso a uma introdução a diferentes práticas desenvolvidas para a
produção desses filmes.
Neste sentido, optamos por denominar os autores aqui abordados não de “cineastas”
ou “antropólogos”, mas “pesquisadores” ou “autores”: apesar da heterogeneidade em suas
formações, a característica que eles possuem em comum, de fato, é o esforço de buscar,
pela prática de pesquisa, construir uma estratégia consistente para a produção fílmica
etnográfica. Todos os pesquisadores aqui abordados se destacaram pelo resultado de suas
propostas, mesmo que atingindo de formas diferentes objetivos definidos diversamente.
***
Resta-nos, agora, apresentar o modo pelo qual dividimos a discussão dos diferentes
autores aqui tratados.
No primeiro capítulo, “Os trabalhos pioneiros”, trataremos das propostas de Robert
Flaherty e de Margaret Mead e Gregory Bateson, que produziram filmes etnográficos
antes de ser possível a gravação síncrona de sons e imagens em campo. A discussão dos
trabalhos de Flaherty, Bateson e Mead permitirá uma primeira abordagem de várias das
questões metodológicas que guiarão nossa reflexão nos capítulos seguintes. No item “A
reconstrução participante”, apresentamos o trabalho de Robert Flaherty. Visto como um
importante iniciador do campo dos filmes etnográficos e mesmo dos filmes
documentários em geral, ele elaborou um método de trabalho que inclui a participação
ativa dos sujeitos filmados. Esta problemática tomou grande proporção entre os
produtores contemporâneos. No item “A ciência das imagens”, discutimos as propostas de
Margaret Mead e Gregory Bateson para o uso científico das imagens fílmicas (e, no caso
deles, fotográficas). Sua pesquisa conjunta, realizada em Bali entre 1936 e 1939, foi
retrabalhada por Mead na década de 1950. Mais tarde, Bateson reveria suas posições a
respeito do papel das imagens na construção do conhecimento antropológico. Mead
manteria suas posturas originais.
A seguir, iniciaremos a discussão das diferentes estratégias metodológicas
construídas por produtores de filmes etnográficos cujos trabalhos se impuseram como
referências para outros pesquisadores. Os capítulos 2, 3 e 4 descrevem três destas
estratégias, que, apesar de se sobreporem em parte e de coincidirem em vários pontos,
partem inicialmente de posturas de pesquisa distintas. Elas levam, assim, a três modos
diferentes de empregar a câmera e os microfones no momento do registro das imagens em
campo e de proceder à edição e à montagem no estágio de pós-produção.
Os autores dos “filmes expositivos”, tratados no capítulo 2, colocam em primeiro
plano seus problemas de pesquisa, que guiam todas as suas tomadas em campo. Os
equipamentos de filmagem são utilizados, neste caso, como ferramentas subordinadas à
resolução de uma dada questão – que serve como guia para determinar aquilo que será
enfocado e registrado por eles. Os filmes Trobriand Cricket, de Jerry Leach e Gary Kildea,
Dead Birds e Forest of Bliss, de Robert Gardner, servirão como bases para esta discussão.
Aqueles que optam por fazer o “cinema observacional”, a ser tratado no capítulo 3,
priorizam, ao contrário, o uso dos equipamentos audiovisuais como meio de observação.
Inspirados por desenvolvimentos do cinema de ficção do pós-guerra, estes pesquisadores
propuseram uma técnica para registrar e apresentar em filme sequências de eventos dos
grupos observados sem a intervenção da câmera ou da equipe de filmagem. Neste caso,
são os próprios acontecimentos registrados em campo que têm prioridade na definição de
quais serão as tomadas feitas com a câmera. No referido capítulo, trataremos das propostas
de trabalho de John Marshall, dos projetos realizados por Timothy Asch e por Napoleon
Chagnon entre os índios Yanomami e dos primeiros filmes de David e Judith MacDougall.
Uma terceira forma de utilizar a câmera em campo parte da ideia de que ela é
necessariamente a mediadora de uma relação que ocorre entre quem filma e quem é
filmado: a observação seria assim impossível, pois, desde o início, a presença da câmera e
do pesquisador alteraria de maneira indelével o que ela é capaz de registrar. Esta decisão
tem implicações definitivas para a percepção da posição do pesquisador e,
consequentemente, para a forma como o ato de filmagem ocorre em campo e a pós-
produção é levada a cabo: para estes “filmes compartilhados”, que serão discutidos no
capítulo 4, a presença do pesquisador e da câmera toma importância central na hora da
filmagem, implicando que as imagens captadas sejam constituídas tanto pelo pesquisador
quanto por seu interlocutor. Estes estudiosos buscaram, assim, explorar, antes que tal
discussão entrasse em voga na teoria antropológica geral, as consequências
epistemológicas da construção conjunta de conhecimento dos antropólogos e de seus
pesquisados, aqui considerados como colaboradores. Os materiais utilizados como
referências para esta discussão serão as produções de Jean Rouch, além de alguns filmes de
David e Judith MacDougall. Examinaremos também o projeto brasileiro “Vídeo nas
Aldeias”. Ele constitui a tentativa mais longa e consistente de explorar o que ocorre
quando colocamos os equipamentos de filmagem nas mãos dos próprios grupos
pesquisados, de modo que eles possam produzir filmes a partir de seus próprios interesses
e de suas próprias lógicas culturais.
Encerramos nossa discussão com um balanço das propostas heurísticas apresentadas
nesses capítulos e com uma análise prospectiva de possíveis desenvolvimentos do campo, a
partir do estudo de textos de autores que se dedicaram ao assunto.
Para finalizar esta introdução, cabe precisar dois pontos. Em primeiro lugar, a
distinção entre as diferentes estratégias metodológicas esboçadas acima não é estanque.
Cada um dos capítulos brevemente já apresentados utiliza determinados autores e filmes
para enfocar alguns modos de construir produções etnográficas. Isto não significa,
contudo, que apenas estes pesquisadores específicos tenham se dedicado a certas questões
ou que seus filmes tratem exclusivamente das questões aqui apresentadas. Assim como,
em certa medida, todos os filmes aqui trazidos servem às discussões de vários assuntos, o
trabalho de um dado autor não trata exclusivamente de uma problemática. Algumas
produções e autores, no entanto, tematizam questões específicas de modo privilegiado, e
são estas que serão abordadas neste livro.
Por fim, uma última observação acerca da ordem de apresentação dos capítulos. Ela
foi estabelecida não no sentido de indicar uma evolução do pensamento acerca da
produção de filmes etnográficos, mas por motivos didáticos. Como os primeiros autores a
serem apresentados são criticados por aqueles abordados posteriormente, buscamos aqui,
antes, trazer a proposta de cada um para, depois, mostrar as posições de outros autores
cujos trabalhos envolvem uma oposição crítica a eles. O objetivo de tal lógica é facilitar ao
leitor a compreensão de cada proposta aqui examinada. Seu risco, contudo, é suscitar a
impressão de que há “progresso” na produção de conhecimento de um autor a outro e de
que as propostas dos estudiosos apresentados em primeiro lugar teriam sido “superadas”
pelos trabalhos mais recentes. Ao contrário, todas as práticas de pesquisa aqui abordadas
para a produção de filmes etnográficos são válidas, e, como ficará claro ao longo do texto,
nenhuma delas teve suas possibilidades de desenvolvimento esgotadas. Talvez mesmo todas
elas sirvam de matrizes a propostas metodológicas futuras. Como frequentemente ocorre
na dinâmica própria das disputas metodológicas, é possível que alguns de seus argumentos
retornem sob forma alterada, integrando, assim, críticas feitas a elas no passado.
Capítulo 1
Os trabalhos pioneiros

Os desenvolvimentos tecnológicos que permitiram a pesquisadores realizar o


registro simultâneo de sons e imagens em campo ocorreram apenas a partir da década de
1960. À primeira vista, a inexistência de tal registro tornaria impossível o
desenvolvimento de certas estratégias para a produção de filmes etnográficos. Esta
dificuldade técnica poderia implicar seja uma objetificação incontornável dos grupos
observados, cujo ponto de vista teria que ser necessariamente destacado pelo observador,
seja uma incompletude dos dados apresentados aos espectadores, caso o pesquisador
tivesse uma postura mais objetivista.
Nas décadas de 1920 e 1930, contudo, Robert Flaherty, Margaret Mead e Gregory
Bateson foram pioneiros na produção de registros fílmicos sem captação de som direto,
criando estratégias de filmagem que não recaíram nestes dilemas. As práticas que
desenvolveram ao produzir seus registros fílmicos têm características comuns às de
trabalhos que iniciam um dado campo de investigações: por um lado, já submetidas a
décadas de críticas, hoje são tidas por muitos como “inocentes” ou simplificadoras. Por
outro lado, suas produções propõem questões abrangentes, que servem até hoje como
matrizes para as discussões contemporâneas da área da Antropologia Visual. De maneiras
opostas e complementares, Flaherty, Mead e Bateson colocaram ao campo dos filmes
etnográficos questões acerca da objetividade das imagens, dos corolários da participação
dos sujeitos filmados na produção dos registros fílmicos, dos limites entre realidade e
reconstrução etnográficas.
Neste capítulo, abordaremos os pontos estabelecidos para a prática da produção de
obras etnográficas pelos filmes Nanook of the North, lançado em 1922 por Flaherty, e Trance
and dance in Bali, rodado por Bateson e Mead entre 1936 e 1939 e lançado no início da
década de 1950.

Robert Flaherty e a reconstrução participante


Robert Flaherty é considerado uma figura fundadora não apenas da produção de
filmes etnográficos, mas também do cinema documentário em geral. Nascido no Canadá,
desde criança acompanhou seu pai em trabalhos de prospecção de minas de ferro no
círculo polar ártico. A partir de 1910, começou a explorar a região a serviço de William
McKenzie, que construía uma ferrovia no norte daquele país. Durante seis anos, realizou
buscas por jazidas de ferro e, já a partir de 1913, viajava equipado de um equipamento de
filmagem1. Após 1914, conforme indicado no diário de sua esposa, começou a considerar
a possibilidade de tornar-se cineasta em tempo integral. Entretanto, todos os seus
negativos produzidos até 1916 foram consumidos por um incêndio, e ele passou os anos
seguintes buscando financiamento para criar um novo filme2. Em junho de 1920, tendo
obtido apoio de uma empresa de comércio de peles de animais francesa, iniciou a
expedição que resultaria em sua primeira produção, Nanook of the North3.
No início da década de 1920, eram raros os filmes que tratavam das chamadas
populações “primitivas”: Piault refere-se às filmagens de índios norte-americanos feitas
por William Dickson, já em 18944; MacDougall cita as filmagens de Haddon na Expedição
do Estreito de Torres, em 18985; Heider menciona os registros de danças dos aborígenes
australianos feitos por Baldwin Spencer em 1901, os filmes da Hamburg South Sea
Expedition realizados entre 1908 e 1910, os documentários de Gaston Méliès feitos no
Taiti e Nova Zelândia, os filmes de Edward Curtis sobre os índios Kwakiutl feitos em 1914
e as produções romanceadas de Martin e Osa Johnson6. No Brasil, o tenente Luiz Thomas
Reis filmou Rituais e festas bororo em 1917, no quadro da expedição Rondon, realizando
mostras de suas filmagens na capital do país e no interior7. Flaherty foi, no entanto, o
único que deixou reflexões metodológicas ainda utilizadas como inspirações por seus
sucessores. Ao mesmo tempo, apesar de dedicar-se à filmagem de populações não
ocidentais, não buscou uma educação formal em Antropologia: os poucos registros de suas
aproximações em relação aos antropólogos de sua época dizem respeito não à tentativa de
construção de um diálogo acerca da produção de conhecimento na área, mas à busca de
assistência financeira e de promoção para suas produções8. Cineastas de gerações seguintes
interessados no tema sempre buscariam aproximações, mesmo que temporárias, com os
antropólogos acadêmicos. No início do século XX, contudo, a situação era diferente. O
próprio saber antropológico estava em constituição, encontrando-se ainda no início de seu
processo de institucionalização: Franz Boas, nos Estados Unidos, e Seligman e Rivers, na
Inglaterra, ainda começavam, nessa época, a formar uma primeira geração de
antropólogos em universidades.
Nanook foi lançado em 1922. A coincidência de datas com a publicação da primeira
edição de Argonautas do Pacífico Ocidental, de Malinowski, não passou despercebida dos
estudiosos de Flaherty – ainda mais porque, à primeira vista, suas propostas de trabalho
parecem apresentar fortes similaridades. Tanto Malinowski quanto Flaherty colocam no
centro de suas práticas de pesquisa a necessidade de um contato próximo e prolongado
com as populações enfocadas, a relevância heurística da experiência do pesquisador com
elas, e a importância das atividades cotidianas como objetos de análise. Ambos também
entenderam que a imersão no dia a dia dos grupos observados não deveria se deter a uma
mera observação, mas sim envolver uma busca ativa da compreensão de suas vidas sociais.
Neste sentido, Anna Grimshaw argumentou recentemente que ambos adotaram uma
postura romântica em suas buscas de conhecimento: a ênfase metodológica dos dois na
validade heurística de suas experiências subjetivas com as populações observadas tornaria
seus projetos similares, mesmo que apenas Malinowski tenha buscado constituir, a partir
destas experiências, um projeto propriamente científico9.
Nanook apresenta-se como um documento da força, da bravura e da inteligência de
uma família esquimó – e mais especificamente, de seu chefe, que dá nome ao filme – na
luta contra os rigores que a natureza impõe à vida humana no Ártico. O filme inicia-se
mostrando à plateia as terras inóspitas em que vivem os esquimós, depois apresenta seus
personagens: o bravo pai de família, a sorridente esposa, os filhos e os animais de
estimação. Todos saem de um mesmo caiaque, surpreendendo o espectador. Segue-se a
apresentação das atividades cotidianas da família: a pesca, a caça, a construção dos iglus
para passar a noite, as brincadeiras de Nanook com seus filhos, a preparação dos trenós e o
gerenciamento das brigas entre os cães que os conduzem.
As situações vividas por Nanook e seu grupo são descritas em intertítulos, mas estes
servem mais para Flaherty construir seus personagens do que para descrever os eventos.
Como afirma Rothman, sequências como as da caça às morsas ou à foca são feitas de modo
totalmente visual: vê-se como Nanook se esgueira para não ser visto pelas morsas e corre
para atacá-las quando é percebido ou como ele fica de tocaia à beira de um buraco feito
pela foca para respiração até que possa atirar nela um arpão e lutar, junto com seus
camaradas, para içá-la à superfície. Os intertítulos não são necessários para a compreensão
destas cenas10. O filme encerra-se com o mesmo retrato do ambiente inóspito do Ártico
feito no início, sugerindo ao espectador a continuidade da força inexorável da natureza a
que Nanook e sua família estão submetidos.
Uma percepção mais atenta do filme e a leitura dos depoimentos de Flaherty acerca
de sua produção, contudo, indicam que Nanook é, de fato, a reconstrução de um modo de
vida esquimó que já não existia na época de sua filmagem. No início da década de 1920, as
armas de fogo já eram amplamente usadas nas atividades de caça dos grupos Inuit, mas elas
sequer aparecem nas cenas registradas. Os contatos comerciais com os ocidentais também
eram constantes, enquanto o filme apenas retrata os comerciantes de pele (que
financiaram o filme de Flaherty!) como simpáticos introdutores de novidades
tecnológicas. Mesmo as cenas de construção do iglu envolveram artefatos: como os iglus
originais eram pequenos e pouco iluminados para acomodar as câmeras e possibilitar as
filmagens em seu interior, Nanook e seus companheiros construíram um iglu “cênico”, de
tamanho muito maior e sem teto, apenas para a rodagem das cenas que aparecem no
filme11. Nanook foi, assim, submetido a fortes críticas por não registrar em sua etnografia
as questões reais e contemporâneas com que os esquimós se deparavam quando da
filmagem, mas por se esforçar, ao contrário, em reconstituir um passado imaginado do
grupo, apresentado como homogêneo e imutável.
Vale destacar, no entanto, que Nanook é consistente com o projeto que Flaherty
tinha ao fazer o filme. Ao escrever sobre “a função do documentário”12, ele afirmou que
este gênero seria um caminho rápido para que os homens comuns se inteirassem dos
problemas de seus semelhantes, promovendo, assim, a mútua compreensão entre os
povos. Segundo assevera, sua intenção, e a de seus colaboradores esquimós, no filme, foi
“captar o espírito da realidade que queríamos representar”13. Entretanto, para Flaherty,
representar a vida da forma sob a qual ela é vivida [...] não implica, em absoluto, [...] filmar, sem nenhuma
seleção, uma série cinza e monótona de fatos. A seleção subsiste, e talvez de modo mais rígido que nos filmes de
ficção. Uma hábil seleção e uma cuidadosa mistura de luz e sombra, de situações dramáticas e cômicas, com uma
gradual progressão da ação de um extremo a outro, são características essenciais do documentário. [...] Mas não
são estes os elementos que o distinguem. [...] O ponto de divergência está no fato de que o documentário se
roda no próprio lugar, com os indivíduos locais. Assim, quando se faz o trabalho de seleção, ele é feito sobre
material documental, perseguindo o fim de narrar a verdade da forma mais adequada [...]14.

Flaherty afirmou, a esse respeito, que “muitas vezes você tem que distorcer algo
para captar seu verdadeiro espírito”15. Neste sentido, a reconstrução operada em Nanook
serviria para apelar não à racionalidade da plateia, mas à sua sensibilidade e emoção: como
diz Grimshaw, “podemos interpretar que a técnica visual distintiva de Flaherty opera para
engajar sua audiência empaticamente [...]. Ao render-se a esta experiência, o público
move-se além das barreiras da linguagem ou da cultura para captar um novo humanismo
universal”16.
No final da década de 1960, o pesquisador Asen Balicki reeditaria os esforços de
Flaherty coordenando a pesquisa antropológica da série de filmes Netsilik Eskimos. Com
uma proposta também similar à de Flaherty, esta série era direcionada aos alunos das
escolas de ensino fundamental no Canadá, para que “desmistificassem o exotismo” e
“sentissem empatia pelos atores”17. Balicki explicou também que tinha por objetivo
“reconstruir parcialmente sequências de comportamento tradicional” com a finalidade de
“reverter os processos de aculturação e salvaguardar elementos de comportamento
tradicional para a posteridade”18. Por não acreditar que a câmera fosse “estritamente um
instrumento de pesquisa [que] supostamente registra diretamente a realidade social
espontânea”, Balicki defendeu esta prática afirmando que “não existe a objetividade da
câmera. Um filme é sempre uma construção”19.
Também defendendo este método de Flaherty, Heusch afirmou, em 1962, ser
necessário acatar o elemento de reconstituição envolvido na produção de Nanook. Em sua
opinião, a tentativa de usar a câmera como um instrumento de observação direta do fluxo
cotidiano da atividade social resultaria apenas na captação de momentos pouco
significativos. Se, ao contrário, vislumbrarmos a filmagem como um testemunho possível
de uma situação já conhecida, perceberemos que esta situação paradoxal caracterizaria, de
fato, todas as pesquisas sociológicas. A reconstrução é, para Heusch, incontornável, pois é
o único caminho para que as câmeras captem um testemunho cinematográfico
aprofundado20.
Como veremos no capítulo 3, pesquisadores como David MacDougall, que
trabalharam anos depois desenvolvendo o “cinema observacional”, discordariam da
afirmação de Heusch de que “a pesada maquinaria do cinema sufoca a espontaneidade que
ela mesma busca revelar”21. Heider sugeriu mesmo uma outra solução para o impasse
indicado por Heusch: segundo ele, um bom conhecimento etnográfico da realidade a ser
filmada permite ao pesquisador antecipar onde e como ocorrerão cenas importantes, de
modo que possa estar preparado e a postos quando elas, de fato, acontecerem – para ele,
“um filme etnográfico será tão bom quanto a compreensão que antecede a filmagem. Ou,
dito de outro modo, o grau em que um filme é etnográfico depende do grau de
compreensão etnográfica prévia que informou a filmagem”22. Os defensores de Flaherty,
contudo, ainda assim questionariam se toda pesquisa não envolve necessariamente um
certo grau de reconstrução.
Os dilemas levantados pelos trabalhos de Flaherty não parecem, de fato, ter uma
resolução simples no campo da Antropologia. Um segundo aspecto dos métodos usados na
produção de Nanook constitui hoje tema central da área de estudos dos filmes etnográficos:
a construção conjunta do filme, feita com a participação intensa e constante dos sujeitos
filmados. Flaherty levou a campo um equipamento para projetar as tomadas feitas em uma
tela, de modo que “os esquimós pudessem ver e entender se foram cometidos erros”23.
Outros jovens foram recrutados e treinados como técnicos, e o próprio Nanook sugeria
temas para serem filmados a seguir. De fato, como afirma Heusch,
Flaherty obteve, para a rodagem do filme, o concurso efetivo, a participação consciente de Nanook. [...] Nanook
interpreta o papel de Nanook: ele exprime a si mesmo, no quadro de um relato preestabelecido apresentado
artificialmente, por fragmentos, ou seja, por planos, segundo as ordens de um diretor24.

Essa proposta de construção conjunta do conteúdo do filme por parte do


pesquisador e do grupo filmado foi explorada profundamente a partir do final da década
de 1950 por Jean Rouch, de quem falaremos no capítulo 4. Ela parece ser ao mesmo
tempo similar às discussões que ganharam destaque no campo da Antropologia após
meados da década de 1980, quando as pesquisas “dialógicas” foram propostas como
soluções para dilemas percebidos por determinados autores em todas as produções
antropológicas. Flaherty pôde, assim, ser considerado um precursor de reflexões
contemporâneas tanto no campo da Antropologia quanto no campo do cinema. Sua obra,
como ocorre muitas vezes em obras fundadoras, contém em germe várias das discussões
que animam o campo da produção de filmes etnográficos até hoje. Ao assistir a Nanook,
um pesquisador contemporâneo depara-se com questões basilares desse fazer: Quais as
implicações das relações constituídas com os grupos sociais filmados? Qual a dinâmica
existente entre a reconstrução e a tentativa de retratar uma dada realidade social? Quais
são, enfim, os limites entre documentário e ficção? Será mesmo possível delimitar com
clareza a fronteira entre estes dois gêneros?
Essas questões vão nos acompanhar até o final deste livro. Desde já, é importante
destacar que elas não têm respostas simples. Nossa tarefa aqui é entender suas implicações
para o fazer dos filmes etnográficos. Uma vez compreen-
didas, possibilitarão que o leitor se posicione e desenvolva suas próprias soluções para
estes dilemas. Diferentes opções metodológicas implicam diferentes técnicas de trabalho
em campo e desembocam em resultados de diferentes naturezas. O fundamental é que o
pesquisador da área esteja ciente destas questões e de suas implicações quando for
produzir seus próprios filmes.

Margaret Mead e a ciência das imagens


Gregory Bateson e Margaret Mead são, até hoje, os dois únicos nomes de grande
destaque da teoria antropológica geral que desenvolveram pesquisas e reflexões heurísticas
e epistemológicas utilizando filmes. Mead, figura central da Antropologia norte-
americana, foi a responsável por introduzir no campo da produção de filmes etnográficos
uma boa parte dos pesquisadores que serão discutidos nos próximos capítulos. Em um
trabalho de campo feito em Bali e na Nova Guiné entre 1936 e 1939, ela e Bateson
utilizaram fotografia – publicando como resultado final dessa pesquisa o livro Balinese
Character, em 1942 – e filme, produzindo a partir de seu material bruto seis películas de
vinte minutos de duração cada, que foram editadas e lançadas por Mead no início da
década de 1950.
Bateson e Mead começaram a utilizar imagens em suas pesquisas para responder às
críticas feitas a seus trabalhos anteriores – para “preencher visualmente as abstrações
despersonalizadas de Bateson e fornecer documentação verificável às descrições amplas e
impressionistas do comportamento humano de Mead”25. Este uso das imagens para
emprestar um registro objetivo ao trabalho de campo marcou todo o empreendimento
dos dois pesquisadores na década de 1930 e foi defendido por Mead até o final de sua
carreira. Em 1975, ela afirmou que “longas sequências tomadas a partir de um único
ponto de vista são as únicas que fornecem os trechos não editados de observação
instrumental nos quais um trabalho científico deve se basear”26. Neste sentido, suas
pesquisas marcaram um segundo viés na produção de filmes etnográficos: ao contrário de
Flaherty, que enfatizou a experiência do pesquisador junto às populações estudadas e a
interação entre ambos, Mead refletiu sobre a possibilidade de realizar com imagens um
estudo científico e objetivo (Bateson, mais tarde, mudaria sua posição a este respeito).
Mead defendeu que “a câmera, ou gravador, que fica em um ponto, que não é tocada
pelo pesquisador, torna-se, de fato, parte da cena de fundo, e o que ela registra acontece
de fato”. Se tais equipamentos fossem incorporados como instrumentos de pesquisa de
campo, permitiriam que “certos registros mínimos [...] fossem trazidos de cada
expedição”, fornecendo, assim, “massas de materiais objetivos que poderiam ser
reanalisados à luz de novas teorias”27. Bateson e Mead criaram, assim, ao longo de sua
pesquisa em Bali e na Nova Guiné, técnicas para registro dos dados imagéticos coletados.
Eles anotavam as informações contextuais relativas a cada trecho fotografado e filmado,
como a data do registro, uma descrição resumida da situação registrada, as pessoas
presentes, o equipamento usado, os temas discutidos e a reação dos sujeitos à presença da
câmera e do pesquisador28. Quanto a este último ponto, Bateson refletiu em um capítulo
específico de Balinese Character acerca da consciência que os sujeitos de pesquisa têm de
estarem sendo filmados ou fotografados, sugerindo como diminuir sua influência, assim
como acerca das decisões do pesquisador quando seleciona o material, edita-o ou faz
retoques nas imagens29. O trabalho de ambos, assim, buscou desenvolver técnicas para a
criação de fundos de pesquisa, que poderiam ser revisitados por outros estudiosos
posteriormente.
“Objetividade” é então a palavra-chave do trabalho visual desses pesquisadores.
Neste sentido, Mead criticou a produção de filmes etnográficos a partir da lógica do que
chamou de “produções artísticas”. Para ela, além de colocarem uma demanda exorbitante
sobre os antropólogos – afinal, afirma, “não exigimos que um pesquisador de campo
escreva com a habilidade de um romancista ou de um poeta”30 – e de constituírem, assim,
mais um determinante do pouco uso de imagens por esses profissionais, os filmes já
produzidos segundo este registro “artístico” seriam pobres etnograficamente: “um cineasta
artístico pode construir uma maravilhosa noção do que ele acha que acontece em campo,
[mas] você não consegue fazer nenhuma análise com [este material], de tipo algum”31.
O trabalho de Bateson e Mead feito no final da década de 1930 foi financiado pelo
Comitê de Estudos da Demência Precoce, instituição norte-americana de pesquisa ligada
aos saberes psiquiátricos. Pertencente ao grupo de alunos de Boas reunidos sob a alcunha
de “Escola de Cultura e Personalidade”, Mead desejava completar um esquema descritivo,
que vinha desenvolvendo, dos diferentes tipos de personalidade desenvolvidos por
diferentes grupos culturais. Bali foi escolhida como local da pesquisa porque, ao ler e
discutir as etnografias escritas a respeito dos grupos que viviam na ilha, Mead concluiu
que eles pareciam representar justamente o tipo de personalidade que faltava a seu
esquema32. Paralelamente, os comportamentos dissociativos que ocorriam nos rituais de
transe balineses poderiam ser utilizados para uma análise comparativa com
comportamentos similares que eram lidos como esquizofrênicos no Ocidente33.
Mead e Bateson buscaram, assim, com suas fotos e filmagens, registrar
objetivamente sequências de comportamentos dos balineses para demonstrar suas teorias.
Algumas fotos de Bateson são apresentadas em Balinese Character, por exemplo, para
mostrar padrões de comportamento das mães balinesas em relação a seus filhos que
desenvolveriam comportamentos emocionais dissociativos. A abordagem de ri-
tuais em que os oficiantes entram em transe, presente no filme Trance and dance in Bali, é
apresentada igualmente como um registro objetivo de tais rituais, pontuado pela narração
feita pela voz grave de Mead, que se pretende puramente descritiva. As filmagens feitas
por ambos, como afirmado acima, foram depois reunidas e editadas em seis filmes, que
compõem a série Formação do caráter em diferentes culturas. Trance and dance in Bali é um
deles.
A discussão dos filmes e os ensaios fotográficos resultantes deste esforço de pesquisa
de Bateson e Mead permitem que apresentemos aqui três questões centrais dos debates
sobre as práticas de produção de filmes etnográficos: a relação entre o problema de
pesquisa e a produção de registros fílmicos; a relação entre imagem e texto, seja sob a
forma de narração, de intertítulos ou de textos escritos que acompanhem o filme; e a
questão, já apresentada acima, relativa ao possível estatuto objetivo da linguagem visual.
Abordemos então a primeira delas. Qual a relação entre o problema elaborado pelo
pesquisador e as imagens que ele pode obter em campo? De fato, este é um problema
presente em qualquer empreitada etnográfica. Já na introdução a Argonautas do Pacífico
Ocidental, escrita no início da década de 1920, Malinowski pergunta-se a esse respeito:
Se alguém empreende uma missão determinado a comprovar certas hipóteses, e se é incapaz de a qualquer
momento alterar suas perspectivas e de as abandonar de livre vontade perante as evidências, escusado é dizer que
o seu trabalho será inútil. Mas quanto mais problemas ele levar para o campo, quanto mais habituado estiver a
moldar suas teorias aos fatos e a observar estes últimos na sua relação com a teoria, em melhores condições se
encontrará para trabalhar. As idéias preconcebidas são prejudiciais em qualquer trabalho científico, mas a
prefiguração de problemas é o dom principal do investigador científico [...]34.

Este difícil equilíbrio entre o interesse e a formação prévios do pesquisador e sua


inserção em campo para trabalhar um dado problema resulta em uma situação ambígua,
como indica Malinowski: o olhar não treinado pouco enxerga; já o olhar treinado em
excesso pode enxergar apenas o que foi preparado para colocar em relevo. O jogo entre o
problema de pesquisa e os dados obtidos em campo, assim, deve ser feito constantemente
e ativamente pelo pesquisador.
Os filmes editados por Mead na década de 1950 foram bastante criticados por
deixarem claro em sua própria constituição que a estes estudiosos interessava somente
captar imagens que fossem capazes de demonstrar suas teorias prévias. Apesar de Bateson
afirmar em Balinese Character ter “tratado as câmeras em campo como instrumentos de
registro, e não como equipamentos para provar nossas teses”35, ao “reservarem a câmera
filmadora para os momentos mais ativos e interessantes”36 Bateson e Mead acabaram por
filmar apenas aqueles momentos e eventos que serviam a seus problemas de pesquisa.
Heider diz que seus “relatórios etnográficos finais, como os filmes, foram escritos para
provar suas teses. Isto é, foram feitas seleções dos dados e das tomadas, e os resultados
finais foram interpretativos”37; Jacknis também afirma que “todos os filmes foram editados
para retratar uma interpretação teórica definida do material”38 e que Balinese Character foi
organizado em seções temáticas cujas definições deixam transparecer os focos dos estudos
de Cultura e Personalidade: orientação espacial, aprendizado, estágios do desenvolvimento
infantil. A definição estrita do objeto da pesquisa gerou, assim, para estes críticos, a
necessidade de captação de certas imagens: o problema de pesquisa definiu o que seria
filmado e fotografado. A projeção da teoria sobre os dados e sobre o planejamento da
pesquisa de campo levou à produção de um registro restrito ao que se desejava registrar
desde o início, implicando uma seleção de dados para comprovar as teses existentes antes
da pesquisa.
No caso da produção de filmes, a questão da relação entre o problema do
pesquisador e a pesquisa de campo assume um papel ainda mais central no que diz respeito
à metodologia. Isto ocorre porque, no final da pesquisa, ao publicar seus resultados, o
estudioso somente poderá contar com o material que foi registrado nas imagens captadas
em campo, o que torna mais premente a questão concreta dos “dados a serem obtidos”.
Ao contrário do que ocorre com a produção textual, que pode ser alimentada por trechos
extraídos do diário de campo, lembranças de interações ocorridas na época da pesquisa, e
discussões de experiências que ocorreram em diferentes momentos, entre vários outros
materiais, um filme apenas pode ser alimentado por tomadas de câmera feitas
concretamente, em momentos determinados e a partir de um ponto único no espaço.
Heider descreve esta limitação com a seguinte imagem:
Imagine por um momento uma situação comparável em etnografia. O etnógrafo fica alguns meses em campo
escrevendo observações em seus cadernos. Depois, volta para casa, faz uma fotocópia do caderno e, com
tesouras e cola, começa a construir uma etnografia a partir das sentenças e parágrafos que escreveu no campo.
Ele toma sentenças de diferentes páginas do caderno e as justapõe em novos parágrafos. Mas não pode escrever
novas palavras ou sentenças.
Na realidade, o etnógrafo escreve e reescreve, analisa e reanalisa; [...] a etnografia final dificilmente contém uma
frase sequer conforme escrita nos registros de campo. Já o filme etnográfico final, ao contrário, exceto por
alguns títulos impressos, contém apenas as imagens que foram fotografadas originalmente39.

Esta forte restrição, imposta pela necessidade de existência de registros físicos para
o material final, parece implicar assim a necessidade de um planejamento prévio mais
cuidadoso da pesquisa. Sem que se determine previamente um foco mais restrito para a
filmagem, a tendência é que o pesquisador acumule materiais heterogêneos, cuja
montagem em um relato consistente na edição será problemática. Ao mesmo tempo, a
filmagem baseada apenas neste foco mais restrito pode levar aos problemas detectados
pelos críticos nos filmes de Bateson e Mead, implicando um uso meramente ilustrativo das
imagens em relação aos problemas de pesquisa. Percebe-se assim como as especificidades
do fazer fílmico levam a questão do equilíbrio entre problema do pesquisador e pesquisa
de campo a seu paroxismo.
O trabalho de Bateson e Mead deixa-nos assim com uma questão em aberto: como
obter em campo dados fílmicos relevantes, sem que as tomadas a serem feitas sejam
determinadas a priori, a partir do problema do pesquisador? Vários pesquisadores se
dedicaram posteriormente a criar técnicas para responder a este problema. As diferentes
soluções por eles propostas serão abordadas ao longo dos próximos capítulos.
Uma segunda questão levantada pelo trabalho de Bateson e Mead diz respeito à
relação entre a linguagem visual e a linguagem verbal ou escrita. Qual o estatuto
emprestado a cada um destes modos de expressão? Quais as relações possíveis de serem
estabelecidas entre eles?
Novamente, cada prática de pesquisa e cada autor empregarão de forma própria
cada uma destas linguagens. Vimos como Flaherty construiu, em Nanook, uma
argumentação visual para retratar a luta do homem contra uma natureza hostil: neste
filme, os intertítulos são utilizados apenas para construir os personagens, enquanto o
problema do autor é tratado de forma eminentemente visual. Já Bateson e Mead
estabeleceram uma relação complementar entre textos e imagens: estas últimas são
importantes para captar e transmitir aspectos da experiência humana difíceis de serem
transmitidos em forma textual, como a velocidade dos movimentos, sua relação com o
“ritmo de vida cultural” dos balineses, ou a relação entre o aprendizado motor e a
formação do caráter em uma dada cultura. O registro fotográfico e fílmico de crianças que
aprendiam a andar possibilitou assim a Mead desenvolver sua teoria das relações entre o
processo de socialização e a “manutenção de um baixo tônus muscular”, que estariam
relacionados à “falta de orientação objetiva” da personalidade dos balineses40. No trabalho
de Bateson e Mead, contudo, o texto tem precedência sobre a imagem. Como afirma
Samain, nos ensaios apresentados em Balinese Character – e, podemos dizer, também nos
filmes editados sobre o material desta pesquisa – “o texto conduz a imagem, dirige-a. O
texto [nos] induz a ver a imagem e, nela, a reencontrar o conceito antes formulado. A
imagem [...] serve a ‘traduzir’, a ‘fazer entender’, a ‘justificar’ aquilo que as palavras não
consigam mostrar com tanta eficácia”41.
A prioridade heurística da escrita, que nos filmes editados por Mead surge na ênfase
emprestada à narração descritiva feita sobre as imagens, é um dos registros possíveis da
relação entre imagem e texto. Como vimos, Flaherty construiu argumentos visuais em
Nanook, emprestando maior ênfase às imagens – mas, deste modo, alterando a
possibilidade analítica de seu uso, visto que “a capacidade despertadora da imagem não [se]
pode igualar à função enunciativa da linguagem”42. A questão que estes estudos pioneiros
levantam e deixam para nós em aberto, então, diz respeito aos diferentes regimes de
relação que podem ser estabelecidos entre texto e imagem. Deverão ser eles trabalhados
separadamente, justapostos ou em uma interação dinâmica? Podem ambos trabalhar
conjuntamente, sem que um sobreponha-se ao outro? Ou será irredutível a diferença de
natureza entre os saberes possíveis de serem transmitidos pela linguagem verbal e aqueles
trabalhados pela linguagem visual? Novamente, veremos que os pesquisadores cujos
trabalhos serão discutidos ao longo deste livro ofereceram diferentes soluções para mais
este dilema do campo aqui apresentado.
Por fim, um último ponto que será levantado a partir da obra imagética de Bateson e
Mead é a discussão a respeito do estatuto de objetividade das imagens. Conforme
colocamos acima, Mead e Bateson afirmaram buscar uma maior objetividade em seus
trabalhos ao registrar imagens em suas pesquisas do final da década de 1930. Em meados
da década de 1970, no entanto, eles se reencontraram e discutiram a respeito desta
questão. Sua conversa foi registrada e publicada em 1976.
Neste momento, Bateson tomou uma posição completamente oposta à que tinha
guiado seu trabalho quarenta anos antes. Questionando a possibilidade de efetuar um
registro efetivamente objetivo tendo em mãos equipamentos audiovisuais, ele se contrapôs
frontalmente à posição de Mead, que defendeu aguerridamente o trabalho feito por ambos
em Bali. Vale a pena reproduzir parte de sua conversa:
Bateson: Acho que o registro fotográfico deve ser uma forma de arte.
Mead: [...] Se [um registro visual] é uma forma de arte, ele foi alterado.
B: Sem dúvida, foi alterado, não acho que ele exista inalterado.
M: Acho que é muito importante, se você vai ser científico sobre comportamentos, que você dê a outras pessoas
um acesso ao material tão comparável quanto possível ao acesso que você teve. Você, então, não altera o
material. [...] [Se] você ficar correndo ao redor [da cena], [...] você introduziu uma variação nela, que é
desnecessária.
B: Assim, eu consegui a informação que eu achava que era relevante neste momento. [...] Se você coloca a
maldita [câmera] em um tripé, você não consegue nada relevante.
M: Não, você consegue o que aconteceu.
B: Não é o que aconteceu. [...] Estou falando de ter controle de uma câmera. Você está falando de colocar uma
câmera morta no topo de um maldito tripé. Ela não vê nada.
M: Bom, eu acho que ela vê o bastante43.

Bateson e Mead discutem a partir de posições extremas: Mead defende ainda que a
câmera seja posicionada em um tripé e deixada em um ponto fixo, sem ser tocada,
afirmando que assim o registro feito por ela é puramente objetivo e “científico”. Bateson
reconhece, ao contrário, que, uma vez registrada, a imagem passara por uma série de
recortes, já não sendo mais objetiva – defendendo então uma postura extremamente
oposta, ao afirmar que todo trabalho com imagens deveria assumir um viés “artístico”.
Bateson diz que é impossível captar tudo; Mead considera que o pesquisador deve fazer
esforços para captar tudo.
As posições assumidas por Bateson e Mead têm relação tanto com suas posturas
intelectuais quanto com as posições institucionais tomadas por ambos ao longo de suas
carreiras. Na discussão reproduzida acima, vemos em ação o viés crítico e desconstrutivo
permanente de Bateson, desenvolvido em inúmeros pertencimentos institucionais, em
contraste com a defesa intransigente e rigorosa dos métodos científicos de Mead, cuja
atividade constante nos meios acadêmicos a tornou uma figura central na Antropologia
norte-americana. Para nós, suas ideias são interessantes por colocarem com clareza os
polos do debate acerca da objetividade das imagens: Bateson defendendo uma completa
abertura ao caráter impreciso da linguagem visual, Mead argumentando pela domesticação
de seu uso enquanto instrumento de ciência. A pesquisa de Bali serviria para defender
ambos os argumentos: por um lado, Trance and dance in Bali é uma demonstração da
dificuldade de se fazer o registro objetivo de uma dinâmica social de modo espontâneo –
de fato, o filme advém da gravação de duas performances rituais separadas, feitas com três
anos de intervalo, o que não é explicitado na edição final. Por outro lado, o registro
etnográfico dos rituais efetivamente torna possível que Mead retorne às filmagens mais de
dez anos depois e reexamine estes materiais a partir de leituras e preocupações de
pesquisa elaboradas após o registro das imagens.
Hoje, talvez poucos antropólogos concordassem em emprestar um estatuto de
objetividade às imagens de forma tão intensa quanto Mead o fez; é possível que poucos
também defendessem uma pesquisa cujo viés fosse explicitamente “artístico”, como faz
Bateson. Mas a questão subjacente a essa discussão – o possível estatuto de objetividade da
imagem – segue em aberto e é mais um dos tópicos de debate que tornam a área de
produção de filmes etnográficos tão dinâmica. Com relação a este tema, segue também
em aberto uma importante pergunta: até que ponto é possível contar com a possibilidade
de uma pesquisa audiovisual não interferir de modo impeditivo nas dinâmicas sociais nela
registradas? Ou, em outras palavras: é possível uma câmera filmadora efetuar registros
sem que sua presença altere de forma definitiva o que está sendo registrado?
Capítulo 2
Os filmes expositivos

Iniciaremos agora a apresentação das diferentes práticas de produção de filmes


etnográficos cujas características básicas foram destacadas na introdução a este livro: os
filmes expositivos, o cinema observacional e os filmes compartilhados. Nos próximos
capítulos, discutiremos estas três estratégias, que, apesar de coincidirem em vários pontos,
partem de posturas de pesquisa distintas. Elas levam assim a três modos distintos de
relacionar-se com as pessoas filmadas, de empregar a câmera e os microfones no momento
do registro das imagens em campo, e de realizar a edição na etapa de pós-produção.
É importante explicitar que esta divisão tripartite não é um recorte consensual
entre os estudiosos de filmes etnográficos. Diferentes autores apresentam o campo a partir
de diferentes divisões. David MacDougall, por exemplo, distingue, dentre os filmes
etnográficos, aqueles que chama de “ilustrativos” – definidos como filmes que dão ênfase à
linguagem verbal, “usando imagens ou como dados a serem elucidados por meio do
comentário falado ou como suportes visuais para afirmações verbais” – daqueles que
chama de “revelatórios” – definidos como “filmes que requerem que o espectador
interprete continuamente tanto o material verbal quanto o visual, articulados pelo
cineasta”1. Já Claudine de France traça outra tipologia, distinguindo “filmes de exposição”
– que utilizam o meio audiovisual para explorar os resultados de outros meios de
investigação – de “filmes de exploração” – que utilizam a linguagem audiovisual em si
como meio de descoberta2. Para fins didáticos e com base na leitura das reflexões de
diferentes autores acerca dos diferentes modos pelos quais os filmes etnográficos são
feitos, optamos por adaptar a nossos propósitos uma terceira divisão deste campo, aquela
feita pelo estudioso do cinema documentário Bill Nichols em seu livro Representing Reality:
Issues and Concepts in Documentary.
Nichols propôs uma divisão dos diferentes modos de produção utilizados pelos
cineastas documentaristas em quatro tipos: o expositivo, o observacional, o interativo e o
reflexivo. Segundo ele, estes modos constituem “práticas de filmagem que os próprios
documentaristas reconhecem como propostas distintas para a representação da realidade”3.
Ao mesmo tempo, contudo, em determinados casos certos elementos de cada um destes
modos podem ser utilizados simultaneamente: “[...] os modos também tendem a ser
alterados ou combinados em filmes individuais [...], permanecendo como partes de uma
contínua exploração da forma em relação ao seu propósito”4.
Para Nichols, os “filmes expositivos” são os que buscam “expor informações sobre o
mundo histórico [...], dirigindo-se diretamente ao espectador, com títulos ou vozes que
defendem um argumento sobre o mundo histórico”. Segundo o autor, este é o “modo mais
próximo ao ensaio expositivo clássico”, constituindo o “principal meio de transmitir
informações e defender argumentos através da persuasão desde ao menos os anos 1920”5.
As imagens servem, aqui, como ilustrações à fala ou ao argumento defendidos pelo
narrador, ou são apresentadas em contraponto a seus comentários. Neste caso, é o texto
do narrador que organiza a narrativa fílmica, e assim a linguagem verbal se impõe sobre a
linguagem visual como a pista principal sobre a qual o pesquisador constrói as ideias que
pretende transmitir em seu filme. O uso desta prática gera no espectador “uma impressão
de objetividade e de um julgamento bem fundamentado”6.
O “cinema observacional”, ao contrário, “enfatiza a não intervenção do cineasta”,
“abrindo mão do controle sobre os eventos” e cedendo-o aos próprios acontecimentos
registrados7. O pesquisador aqui se esforça para interferir o menos possível nos eventos
que registra, utilizando sons síncronos e fazendo tomadas de longa duração. A ideia é que
o espectador tenha, ao longo do filme, uma experiência comparável àquela que um
observador teria se estivesse diante dos acontecimentos, emprestando um efeito de
“realidade” aos eventos registrados. O esforço de não interferir na realidade filmada, como
afirma Nichols, costuma ser a fonte de questionamentos éticos relativos ao grau de
envolvimento do pesquisador com o grupo, à legitimidade da representação do grupo feita
no filme e às consequências de sua divulgação para a vida social de seus membros.
Os “filmes interativos”, por sua vez, colocam em evidência a participação do cineasta
na fatura do filme, que pode mesmo aparecer fisicamente à frente da câmera. A interação
social entre o cineasta e quem é filmado assume aqui uma centralidade metodológica: o
trabalho de produção e os aparatos cinematográficos não são invisibilizados, mas, ao
contrário, têm seus efeitos explicitados na própria substância fílmica. Em vários casos, o
próprio tema do filme é a interação causada pela presença da câmera, utilizada aí como
um elemento provocador de acontecimentos fílmicos8.
O modo de representação “reflexivo”, por fim, é aquele em que a própria
representação cinematográfica da realidade é colocada em questão. Este modo opera com
a metalinguagem, conduzindo o espectador a perceber as construções arbitrárias que
estruturam o discurso cinematográfico e, assim, a colocá-lo em questão. Mesmo a
possibilidade de haver interação entre o cineasta e aqueles que ele retrata é negada neste
caso, dado que o modo de representação fílmica é, para estes cineastas, de natureza
distinta das interações sociais não mediadas pelas câmeras. A dúvida epistemológica é,
aqui, central: a intervenção do aparato cinematográfico no processo de representação é
tida nos filmes reflexivos como intrinsecamente deformadora9.
A divisão de Nichols para os filmes documentários parece bastante adequada para
descrever o estado atual do campo dos filmes etnográficos. São necessárias, no entanto,
algumas adaptações, que propomos a seguir.
A cisão feita por Nichols entre “cinema observacional” e “filmes interativos” é pouco
polêmica: ela impôs-se nos últimos anos entre os documentaristas, a partir das críticas
feitas pelos seguidores do segundo tipo aos trabalhos que seguem o primeiro. No campo
dos filmes etnográficos, no entanto, a centralidade da obra de Jean Rouch dentre os
seguidores desta vertente levou-nos a adotar o qualificativo “compartilhado”, por ele
empregado, para esta prática de pesquisa.
Vários filmes etnográficos, no entanto, não são nem observacionais nem
compartilhados. Eles se caracterizam por colocar em primeiro plano os problemas de
pesquisa de seus autores, que guiam suas tomadas em campo de acordo com a questão que
se propõem a investigar ou a elucidar. Apesar de a maior parte destes filmes efetivamente
utilizar a narração verbal ou intertítulos para contextualizar as imagens, o emprego da
expressão “filmes expositivos”, originalmente proposta por Nichols, visa aqui menos a
colocar em relevo a ênfase ao discurso verbal em detrimento do imagético do que a
destacar aquilo que os filmes etnográficos que não são observacionais nem participativos
têm em comum: para seus autores, o meio audiovisual serve para o autor expor – ou seja,
elaborar, comunicar e elucidar – seus problemas de pesquisa. Estes pesquisadores não
enfatizam assim nem o registro de eventos reais de modo a constituir o filme sobre eles,
como no caso do cinema observacional, nem o encontro fílmico como a origem de um
acontecimento próprio, como no caso dos filmes compartilhados, mas sim o uso da
linguagem visual para elaborar e responder a uma questão de caráter etnográfico – seja
como um instrumento, seja como uma linguagem alternativa para explorar esta questão.
Por fim, não nos parece que, dentre os filmes etnográficos de destaque, justifique-se
a necessidade da adoção da categoria “filmes reflexivos”. Vários deles, como veremos,
dedicam-se a uma reflexão epistemológica sobre os limites da linguagem audiovisual como
um meio possível de produção de conhecimento. Mas não há, neste campo, um
movimento suficientemente significativo no sentido de realizar filmes cujo norte temático
e metodológico esteja em explorar estes limites através de uma estratégia metalinguística.
Esta é talvez uma das possíveis vertentes futuras de desenvolvimento das práticas de
pesquisa na produção de filmes etnográficos, mas por ora ainda não foi objeto de
desenvolvimentos específicos.
Após esta apresentação mais nuançada da divisão entre as três estratégias que
constituem o cerne deste livro, enfoquemos a primeira delas: os “filmes expositivos”.
Jerry Leach, Gary Kildea e o estudo da mudança cultural em Trobriand
Cricket
No início dos anos 1970, o antropólogo Jerry Leach realizou a pesquisa de campo
para seu doutorado nas Ilhas Trobriand, na Papua-Nova Guiné. Ele enfocou em sua tese
um movimento político local liderado por um jovem universitário chamado John
Kasaipwalova. A Kabisawali Village Economic Association, criada por Kasaipwalova, buscava
implementar amplas mudanças econômicas e políticas, e seu projeto acabou por gerar um
intenso faccionalismo, envolvendo vários episódios de violência e um longo conflito entre
diversas tendências locais10.
Em meio ao desenvolvimento deste movimento político, Leach solicitou o auxílio de
Kasaipwalova para realizar um filme sobre o modo como os trobriandeses adaptaram o
jogo inglês de críquete a seus rituais tradicionais. Ele chamou então Gary Kildea, um
jovem australiano que desde 1970 havia assumido um posto de “diretor e cineasta” na
Unidade de Filmes do Departamento de Informações do governo da Papua-Nova Guiné,
para tomar a câmera e realizar a filmagem de um jogo de críquete organizado
especialmente pelos seguidores de Kasaipwalova para este registro11. O resultado deste
encontro foi o filme Trobriand Cricket: An Ingenious Response to Colonialism, lançado em 1976.
O filme tem por objetivo demonstrar como os trobriandeses transformaram o
críquete, um jogo da nobreza inglesa, em um ritual de guerra nativo. Em sua versão
trobriandesa, o críquete baseia-se ainda no arremesso de uma bola, que deve ser rebatida
por um jogador equipado de um taco e impedida por outro jogador de derrubar as traves
colocadas na extremidade oposta do campo. As semelhanças, contudo, encerram-se neste
ponto. No críquete trobriandês, os dois times podem ser compostos de qualquer número
de participantes, dependendo de quantos homens estejam disponíveis para jogar – é
necessário que ambos os lados tenham o mesmo número de jogadores, que pode chegar a
mais de 40 de cada lado. Ambos os times utilizam vestimentas e pinturas de guerra, e
executam cantos e danças rituais no momento da apresentação dos times e a cada desarme
do time oposto. As bolas e os tacos são submetidos aos mesmos rituais mágicos utilizados
na fabricação das canoas do kula, descritos por Malinowski em Argonautas do Pacífico
Ocidental. Os jogos ocorrem ao longo de todo um dia e são seguidos de trocas de
presentes, apresentados aos líderes da aldeia que organizou o jogo.
A apresentação da lógica nativa que organiza o jogo local de críquete é feita a partir
de uma entrevista levada a cabo por um trobriandês, que conversa com os anciãos de sua
aldeia e pergunta como se iniciou a manifestação local do críquete. Os anciãos falam com
orgulho acerca de como seu ritual substituiu o “lixo inglês” original, incorporando as
vestimentas de guerra, a mágica local e as danças. Também explicam como as
transformações no próprio jogo resultaram no desenvolvimento de novas técnicas de
arremesso mais “naturais e masculinas”, na necessária substituição das traves por outras
menores por causa da precisão dos arremessos dos trobriandeses e na readaptação do
formato dos tacos para o estilo local de jogo. A entrevista com os anciãos é intercalada
com citações de trechos de livros de Malinowski e com explicações históricas, narradas
pelo próprio Leach, contextualizando os desenvolvimentos que eles descrevem.
Após esta caracterização do críquete trobriandês, Leach e Kildea apresentam a
performance do jogo feita especificamente para a filmagem de 1974. O jogo, que durou na
realidade todo um dia, é comprimido pela edição e apresentado em cerca de 30 minutos.
A intenção de Leach é retratar como o jogo, que à primeira vista gera estranhamento em
plateias habituadas ao críquete inglês, pode ser compreendido como uma “atividade
sofisticada, refletida e criativamente adaptada pelo povo local, [...] refletindo a
importância de premissas culturais fundamentais”12. Ao longo do próprio jogo,
novamente, Leach explica através de uma narração o significado de cada canto de guerra,
o modo pelo qual os trobriandeses incorporam em seus cantos elementos trazidos pelo
colonizador inglês, como as gomas de mascar e os aviões, e a transformação do papel do
árbitro, que no críquete trobriandês incorpora atribuições de um especialista em magia de
guerra, usando feitiços para proteger suas traves ou afetar o desempenho dos lançadores
adversários. Leach também explica como a vitória de um time sobre o outro é substituída
pela convenção de que o time anfitrião é sempre o “vencedor”, por pequena margem,
evitando o que seria visto como um insulto a quem recebe os visitantes. O filme encerra-
se com as seguintes palavras de Leach:
Os líderes do movimento político que patrocinou este filme queriam que ele fosse feito para mostrar aos seus
compatriotas o seu jogo. O críquete de Trobriand tem evoluído do jogo padrão nos últimos 70 anos. Em cada
década, é vista uma criativa adaptação da tradição para circunstâncias contemporâneas. O jogo ainda está
evoluindo.

Trobriand Cricket é tido como um filme exemplar dentre aqueles que aqui
caracterizamos como filmes etnográficos expositivos. Ele é frequentemente utilizado
como fonte etnográfica para tratar das discussões de processos de mudança social e de
reações ao poder colonialista, assim como uma ferramenta didática para apresentar o olhar
antropológico a estudantes em formação.
Logo após seu lançamento, foi objeto de duas resenhas críticas de outra antropóloga
que trabalhava na Papua-Nova Guiné na mesma época que Leach: Annette Weiner
destacou como “Leach permitiu que o críquete exemplificasse certas premissas básicas da
sociedade trobriandesa”13, capturando com a câmera “a exuberância e o orgulho
demonstrados por todos que se associam com o jogo”14. Afirmou ainda que alunos
britânicos sem formação em Antropologia riam ruidosamente no início do filme, mas, ao
seu final, entendendo o ponto de vista trobriandês, torciam pelos jogadores retratados,
cumprindo o objetivo de Leach de comunicar o ponto de vista nativo a qualquer plateia15.
Weiner destacou, no entanto, seu estranhamento com o fato de as negociações com o
movimento de Kasaipwalova não terem sido exploradas no filme, criando, ao contrário,
para os espectadores, a impressão de que ele constituiria um registro espontâneo, e não
um ritual performatizado especialmente para as câmeras. A plateia não poderia saber
assim que parte da atitude exuberante dos jogadores se relacionava com a intensidade do
contexto político contemporâneo em que a filmagem ocorreu. Novamente, vemos em
ação a questão levantada originalmente pelo método de Flaherty: até que ponto a
reconstrução de situações para registros fílmicos compromete o conteúdo que seu
produtor deseja transmitir no produto final? Será tal opção válida, como diria Flaherty, no
sentido de transmitir à audiência uma “verdade mais profunda”? O filme teria um caráter
mais etnográfico se enfocasse, como faz Appadurai em um texto de sua autoria, as
diferentes dimensões envolvidas na indigenização de um esporte do colonizador16?
O filme de Leach também foi apropriado por diferentes estudiosos para tratar de
diferentes questões teóricas. Em sua discussão sobre rituais, por exemplo, Stanley Tambiah
cita-o como uma ilustração da ideia de Lévi-Strauss de que os rituais se diferenciam dos
jogos por estabelecer uma simetria entre os dois lados participantes, ao invés de ter um
efeito disjuntivo: “os trobriandeses [...] transformaram o competitivo (e ritualizado) jogo
inglês de críquete [...] em uma demonstração elaborada e formalizada do ritual kayasa, em
que não uma vitória, mas uma quase equivalência de uma troca [...], é o resultado”17. Já
James Clifford utiliza uma das imagens do filme para exemplificar o que seria uma “atitude
surrealista etnográfica”18, causando assim estranhamento em um comentador que
considera que o filme é “prazeroso” e “um excelente exemplo de análise estrutural-
funcionalista”, mas que é “difícil enxergar como tal trabalho ajudaria a reinventar a
Antropologia segundo as linhas propostas por Clifford”19. Sally Ness, por fim, realiza a
partir do filme um estudo dos movimentos rituais dos trobriandeses a partir do
instrumental analítico de Laban, buscando nos registros visuais feitos por Leach e Kildea
como os trobriandeses efetuam um trabalho simbólico ao incorporar elementos do
colonizador em suas danças rituais20.
Estas diferentes leituras parecem dar suporte à hipótese de Mead, quando ela se
referiu à possibilidade de que registros fílmicos poderiam ser submetidos a análises
posteriores, instrumentalizadas por ferramentas analíticas não utilizadas pelos autores dos
registros originais. Ao mesmo tempo, contudo, Weiner utiliza Trobriand Cricket para
contrapor-se à ideia de Mead de que um filme retrata a realidade pura, demonstrando
como sua construção reflete o olhar epistemológico dos seus autores21.
Por outro lado, Trobriand Cricket também se tornou uma referência negativa para os
pesquisadores que criticam o uso excessivo da linguagem verbal em um meio audiovisual.
MacDougall toma-o como um exemplo das limitações dos filmes que chama de
“ilustrativos”, por enfatizar a linguagem verbal em detrimento da visual22. Esta questão é
apresentada de forma clara por Karl Heider:
Uma característica essencial da etnografia é que ela relaciona comportamentos observados específicos com as
normas culturais. [...] Afirmações culturais gerais são especialmente desafiadoras porque devem quase sempre
ser feitas em palavras, enquanto o filme é por natureza específico e visual. [...] A solução mais comum, usada na
maioria dos filmes, é fazer o narrador ler palavras que colocam imagens visuais específicas em um contexto
cultural generalizado. Mas isto força o filme a tomar em parte a qualidade de um livro, em detrimento da sua
pureza imagética. Existe uma tentação real em carregar a narração de muitas informações, enfraquecendo a
“filmicidade” do filme e às vezes mesmo contradizendo a informação visual23.

Esta questão fica explícita quando lemos o texto que o próprio Leach escreveu para
acompanhar o filme quando ele foi distribuído pela Universidade da Califórnia. Em suas
notas, Leach apresenta 3 diferentes leituras da estrutura geral do filme, 17 “pontos
fundamentais sobre o jogo” nele apresentados, 23 diferentes transformações operadas
pelos trobriandeses no críquete inglês, 25 maneiras pelas quais o críquete trobriandês é
uma resposta ao colonialismo, entre várias outras estruturações complexas de seu
conteúdo. Um espectador jamais conseguiria assimilar todas estas informações ao ver o
filme, o que indica que ele foi tratado por Leach como uma monografia textual: ele exige
que o espectador retorne ao filme várias vezes e se esforce em realizar uma leitura detida
dos dados apresentados para que compreenda a densidade dos argumentos de seu autor.
Trobriand Cricket parece assim constituir um exemplo paradigmático das virtudes e
das limitações dos filmes aqui incluídos sob a rubrica de “expositivos”. Já os filmes de
Robert Gardner, que incluímos aqui dentre os expositivos, são tidos por alguns
comentadores mesmo como exemplares para o desenvolvimento de novas vertentes na
produção de filmes etnográficos. São eles que discutimos no item a seguir.

Robert Gardner e a solução simbolista


Robert Gardner é talvez o mais polêmico dos autores que serão tratados neste livro.
Seu trabalho incorpora algumas das exigências feitas a um trabalho antropológico, mas ao
mesmo tempo se afasta da maior parte delas. Assim, as leituras feitas de seus filmes são as
que permitem perceber de forma mais clara a opinião dos comentaristas que as produzem
– seja em relação a uma leitura acadêmica da Antropologia, seja em relação a uma
abertura do campo a estudiosos que não comungam de alguns de seus princípios básicos.
Gardner afirmava que foi atraído para a área de Antropologia após a leitura de
Patterns of Culture, de Margaret Mead. Esta leitura o levou a produzir, por conta própria,
Blunden Harbour, um filme de curta-metragem sobre os índios Kwakiutl concluído em
195124. Este filme, como afirma o estudioso Peter Loizos, “é marcado por seu estilo não
realista, não descritivo, evocativo e alusivo, e por suas estudadas qualidades pictóricas” e
utiliza como trilha sonora gravações de poemas míticos nativos, que são utilizados por sua
“sonoridade portentosa”25. Em 1952, Gardner ingressou no doutorado em Antropologia
da Universidade de Harvard, onde cursou disciplinas, mas não chegou a concluir sua tese.
Ele integrou a equipe de John Marshall que foi ao Kalahari em 1955 e chegou a colaborar
na edição de The Hunters, filme de que falaremos no próximo capítulo. A partir de então,
mesmo continuando a trabalhar com populações não ocidentais, direcionou sua carreira às
Artes Visuais, trabalhando em alguns momentos com outros antropólogos e em outros
isoladamente. Em 1957, fundou o Centro de Estudos de Filmes, um dos principais polos
de produção fílmica de caráter humanístico dos Estados Unidos. Este Centro pertencia
originalmente ao Museu Peabody, de Harvard, mas foi realocado para o Centro de Artes
Visuais da mesma universidade em 1964. Sua missão é apresentada em sua página na
internet como “dar suporte à prática artística e ao trabalho criativo” em filmes que tenham
por objetivo “interpretar o mundo, especialmente o tecido da existência humana e a
diferença cultural, através de imagens estáticas e em movimento e de sons”26. Esta pode
ser considerada uma descrição do projeto fílmico do próprio Gardner, que dirigiu o
Centro por quarenta anos, até 1997. Neste período, ele lecionou e formou vários
cineastas naquela universidade, auxiliando vários estudantes e profissionais na produção de
filmes etnográficos. Como afirma Heider, contudo, “infelizmente, a promessa de uma real
cooperação entre o Centro de Estudos de Filmes e o Departamento de Antropologia de
Harvard nunca se materializou”27.
De maneira provocadora, Gardner incluía na rubrica de filmes etnográficos aqueles
de ficção, como Tempos Modernos, de Chaplin, por entender que “o completo poder
observacional que ilumina estes filmes contribui mais para uma compreensão da condição
humana do que a grande maioria dos outros documentos fílmicos”28. Ao mesmo tempo,
em suas próprias produções ele não seguiu a maior parte dos procedimentos estabelecidos
pelas metodologias correntes do campo da Antropologia: não aprendeu as línguas nativas
das populações com que trabalhou; não deixou de lado em seus projetos concepções tidas
como datadas na área, como a divisão da humanidade em padrões ecológicos ou uma
concepção purista da existência de sociedades tradicionais intocadas; atribuiu pensamentos
aos sujeitos filmados em campo29; e deixou claro que seus interesses reflexivos se
sobrepunham, em seus projetos, às opiniões e às práticas dos grupos observados:
Até agora, houve alguns enganos a respeito de minhas intenções. Não quis em 1961 [ano da produção de seu
primeiro grande filme, Dead Birds] fazer um filme que excluísse meus próprios sentimentos e julgamentos. O
oposto é mais próximo da realidade. Agarrei a oportunidade de falar sobre certos assuntos fundamentais da vida
humana. Os Dani [grupo registrado em Dead Birds] eram então menos importantes para mim que esses assuntos. De
fato, os Dani [...] eram importantes para mim apenas porque forneciam evidências tão claras sobre as quais um
julgamento, ou ao menos certas reflexões sobre assuntos de alguma urgência humana, poderia ser levantado30.

A crítica antropológica mais recente vê ainda nos projetos de Gardner uma dose
inaceitável do que veio a ser chamado de “autoridade etnográfica”: em seus filmes ele era
um diretor onisciente, capaz de “saber o passado, estar com os sujeitos no presente e
contar-nos o que vai acontecer com eles no futuro do filme”; dominava o andamento da
narrativa ao editar as cenas filmadas em campo de modo a defender seus argumentos;
sugeria ao espectador, através de comentários ou da apresentação descontextualizada de
certas cenas, traços de caráter que atribuía aos sujeitos filmados, que se tornavam assim
representativos de tipos ideais imaginados por ele; e, de modo consistente, assinava seus
filmes desde o início como sendo de autoria exclusivamente sua, usando o jargão do
cinema comercial – “um filme de Robert Gardner”31. Pode-se afirmar assim que, neste
sentido, Gardner ocupa uma posição diametralmente oposta à de outro pesquisador de
que trataremos no capítulo 4, Jean Rouch, que propõe em seus filmes fazer uma
“Antropologia Compartilhada”.
Desta forma, para antropólogos pertencentes ao meio acadêmico como Jay Ruby, a
aceitação de que se trate Robert Gardner como um produtor de filmes etnográficos
apenas pode ser entendida como um sintoma da desestruturação deste campo, que para
ele não conseguiu ainda ter uma produção suficientemente consistente para que
antropólogos profissionais produzam filmes baseados nas diferentes propostas teóricas da
disciplina. Ruby lamenta que “o filme etnográfico tenha sempre sido um campo dominado
por cineastas de documentários que fantasiam que são antropólogos amadores”, enquanto
“muitos antropólogos parecem contentes com filmes feitos por pessoas com pouco ou
nenhum conhecimento antropológico meramente porque os filmes parecem ser
politicamente corretos ou de alguma forma satisfatórios artisticamente”32. Para ele, como
vimos na introdução deste livro, o critério essencial para a classificação de um filme como
“etnográfico” é que ele siga as regras metodológicas da Antropologia – uma exigência que
Gardner, evidentemente, não cumpria. Contudo, parece claro que o campo tem muito a
perder com uma proibição sumária de se discutir filmes feitos com intenções etnográficas
– mesmo aqueles relativamente distantes, em seus princípios, das metodologias
antropológicas. A intenção deste livro é antes submeter a um cuidadoso escrutínio todos
os trabalhos que pareçam interessantes para a produção de conhecimento nesta área.
Entre os defensores de Gardner está Peter Loizos, que argumenta que Gardner pode
ser compreendido como um pesquisador experimental. Para Loizos, a Antropologia como
um todo deve ser mais pluralista e acolher propostas diversas no interior de seu campo33.
Interessa-nos aqui especialmente a interpretação que esse autor apresenta da obra de
Gardner. Para ele, seus filmes distanciam-se intencionalmente de um registro realista,
buscando, ao contrário, uma solução para a representação da realidade similar àquela
encontrada pelos pintores simbolistas do final do século XIX. Nas palavras de Loizos, “a
essência do Simbolismo é a crença de que uma realidade complexa pode ser apreciada
através de metáforas ou símbolos isolados do fluxo dos eventos e enfatizados pelo
observador”34. Neste sentido, Gardner utilizaria em seus filmes artefatos narrativos para,
como afirmou Flaherty, “captar o verdadeiro espírito de uma coisa”, sem nunca ter tido a
intenção de fazer filmes realistas – e, portanto, não devendo ser julgado a partir destes
critérios.
Loizos argumenta ainda que mesmo os críticos mais agudos de Gardner reconhecem
que seus filmes são poderosos, imaginativos e convincentes. Este é o caso de Dead Birds,
sua primeira grande produção, lançada em 1964. Por colocar um problema para reflexão e
organizar as cenas obtidas em campo para resolver este problema, este filme pode ser
incluído dentre os que aqui são categorizados como “expositivos” – mesmo que a postura
de Gardner seja expositiva apenas no momento da edição, como veremos.
Dead Birds foi rodado sem captação direta de som. Heider comenta que, quando os
equipamentos para a expedição que resultou no filme foram comprados, em 1960, o som
síncrono era ainda uma fantasia35. Ruby discorda: no mesmo ano, Jean Rouch na França e
Robert Drew e Richard Leacock nos Estados Unidos realizavam experimentos de captação
de imagens e sons sincronizados. Seja como for, Gardner não se ocupou com a
possibilidade de empregar estas novas tecnologias. O filme inclui sons captados no local
das filmagens, mas inseridos junto às imagens apenas no momento da edição. Gardner
também usou o recurso de dublar seus personagens: em seus comentários ao DVD de
Dead Birds, ele afirma que seu filho dublou o choro de uma criança, que ocorre no meio do
filme.
Dead Birds é uma reflexão de Gardner acerca da mortalidade humana, construída a
partir da edição de cenas captadas entre os Dani. O filme, inteiramente narrado pelo
próprio Gardner, inicia-se com a imagem de um pássaro em voo, enquanto é apresentada
uma “fábula” (um mito) deste povo segundo a qual, na origem dos tempos, uma luta teria
decidido que os homens seriam mortais como os pássaros, e não imortais como as cobras,
capazes de trocar suas peles e de ter assim vida eterna. Após uma rápida cena de um ritual
funerário, o filme segue com a apresentação do terreno em que vivem os Dani e dos dois
personagens, cujas imagens servirão para ilustrar o roteiro criado pelo autor.
As cenas centrais de Dead Birds tratam dos combates ritualizados que ocorrem com
grande frequência entre os Dani. O personagem adulto, Weyak, é acompanhado em todas
as suas ações referentes à guerra: sua vigia nas torres construídas na “terra de ninguém”, a
tecelagem das faixas mortuárias que ornam o corpo dos mortos, sua angústia quando um
garoto é morto próximo a seu posto de guarda. A criança, Pua, segundo personagem do
filme, é apresentada como frágil, desajeitada, distraída, menor que outras crianças de sua
idade – objetivando, segundo o comentário do próprio Gardner no DVD do filme, induzir
o espectador a pensar que ela será vítima da morte que se anuncia desde o início.
O roteiro do filme foi construído na sala de edição. Assim, uma tomada em que
Weyak olha para o lado foi utilizada no roteiro para afirmar que, neste instante, ele estava
em alerta contra o inimigo – quando nada indica que esta tomada tenha sido feita no
mesmo momento daquele das que são apresentadas no filme como adjacentes. Sempre que
Gardner queria que o espectador tivesse o presságio de uma morte, colocava a imagem de
pássaros em cena. As cenas da atividade de tecelagem de Weyak também são distribuídas
ao longo de todo o filme – o personagem começa a fazer uma faixa mortuária no início do
filme e a conclui no final. Gardner comentou posteriormente que esta atividade serve
como uma analogia ao mito grego do fio de Ariadne, indicando ao espectador que ele deve
aplicar esta lógica para compreender o argumento do filme. Cenas alusivas também
ocorrem ao longo de todo o filme – como quando um inimigo é morto e Gardner
comenta em sua narração que “seu sangue ainda não se misturou à lama”, indicando por
analogia que sua morte ainda causa efeitos nas comunidades Dani.
Dead Birds foi criticado por utilizar todas as convenções de roteiro que o cinema de
ficção normalmente emprega para criar na plateia a ilusão de que o que ocorre no filme é
real – algo que um espectador mais atento percebe como sendo uma construção do
cineasta. Ao mesmo tempo, contudo, ele estabelece um diálogo, mesmo que autoral, com
imagens captadas em campo sem a intervenção de Gardner. Cenas de combates rituais e
de um elaborado ritual funerário se desenrolam em frente à câmera de Gardner sem que
ela interfira nas ações dos sujeitos filmados – que estão totalmente absorvidos pelos
acontecimentos. Toda esta documentação visual é colocada, no momento da edição, a
serviço da reflexão que o diretor – aqui cabe o uso desta categoria – constrói sobre a
mortalidade humana. O próprio título, segundo Gardner, alude à terminologia Dani para
as armas e ornamentos conquistados na guerra, e que simbolizam as vítimas inimigas – ou,
em última instância, a própria morte36.
Dead Birds concentra assim todos os elementos que são criticados nos filmes de
Gardner. Heider, que trabalhou com o diretor quando este realizava o filme, é cuidadoso
em suas críticas, ressalvando apenas que a postura filosófica de Gardner acerca da morte
parece diferir daquela dos próprios Dani e que sua leitura dos rituais de guerra deste povo
não abrange todas as manifestações observadas pelo próprio Heider em seu trabalho de
campo37. Talvez o que gere a maior polêmica, no entanto, é a postura do diretor, que não
se preo-cupa em conformar-se às exigências metodológicas da etnografia – ou mesmo a
suas exigências éticas – e que confronta diretamente as regras do campo antropológico, ao
mesmo tempo em que se apresenta como cientista social38. Esta postura se combina ainda
com sua importante posição institucional como diretor do Centro de Estudos de Filmes da
mais prestigiosa universidade americana.
Em 1986, Gardner lançou um filme que gerou uma repercussão ainda mais intensa e
polêmica no campo dos filmes etnográficos. Na definição proposta por Paul Henley, Forest
of Bliss, filmado em uma cidade sagrada indiana – Benares –, para onde são levados os
mortos, é um “ambicioso projeto de tentar comunicar os princípios da escatologia Hindu
através de imagens das características concretas particulares do mundo material no qual
ocorre a eliminação dos seus corpos”39. Ao contrário do que ocorre com Dead Birds,
inteiramente narrado por Gardner, Forest of Bliss não conta com o uso das palavras – seja do
narrador, seja dos personagens retratados – e é construído exclusivamente pelo
encadeamento das imagens e sons captados por Gardner e sua equipe. As próprias falas
dos personagens em língua nativa são apresentadas sem legendas, refletindo a pouca
importância a elas atribuída pelo diretor.
As imagens do filme são sempre alusivas e metafóricas, referindo-se a ideias
abstratas que Gardner tentava transmitir ao espectador em um registro simbólico. Na
leitura feita por Henley a partir das interpretações de vários comentadores e do próprio
Gardner, cenas de crianças empinando pipas sobre as correntes térmicas que são geradas
pelo fogo das cremações dos corpos “evocam leveza, vitalidade e vulnerabilidade ao
mesmo tempo”40; a queda de uma pipa no rio Ganges ao mesmo tempo em que um corpo
é jogado na água tem o objetivo de gerar uma analogia entre céu e rio, espírito e corpo,
vida e morte; o som emitido pelos remos junto às cordas em que eles são amarrados
funciona como “uma metáfora sonora para o sofrimento terrestre, dor, trabalho e
desarmonia”41; os três personagens principais apresentados no filme são utilizados para
representar contrastes simbólicos entre valores positivos (sabedoria, serenidade e pureza),
expressos por um sacerdote, negativos (ganância, arrogância e feiura), emblemados por
um intocável que tem o monopólio do serviço das piras funerárias, e de um tipo
intermediário que contém características positivas e negativas, representado por um
curandeiro; o filme como um todo, enfim, tem o objetivo de tratar não apenas a morte em
Benares, mas “as jornadas para qualquer margem distante”42.
Forest of Bliss inicia-se com a citação de um trecho de um livro sagrado indiano: “tudo
neste mundo come ou é comido, a semente é alimento e o fogo a devora”. Akos Ostor,
antropólogo que acompanhou Gardner neste projeto, afirmou que, “unidas às imagens
iniciais, ao som de machados cortando a madeira e de árvores caindo, estas palavras
alertam o espectador para esperar associações, metáforas, narrativas, e tempo cíclico”43.
Em um livro sobre o filme, contudo, os próprios Ostor e Gardner “especulam
repetidamente em sua conversação acerca de quantas das conexões e associações
pretendidas pelo filme chegarão até a audiência”, como percebeu MacDougall44. Este foi
um dos pontos fundamentais das críticas mais agudas escritas acerca de Forest of Bliss.
Alexander Moore reclama que o espectador seja “deixado por si só para compreender o
filme a partir das imagens”45, enquanto Jonathan Parry, que fez trabalho de campo em
Benares, afirma que, “sem este conhecimento interior [de alguém que fez pesquisa no
local], eu imagino como poderia começar a me relacionar com o filme, ou como Gardner
esperaria que eu o ‘lesse’”46. Adicionalmente, Henley questiona o fato de que Gardner
deseja comunicar uma experiência, mas que “o significado que ele oferece a esta
experiência é fortemente mediado pela sua própria subjetividade [...], em conflito com
alguns dos princípios fundamentais da Antropologia”47. Parry destaca ainda falhas na
etnografia que deveria dar fundamento ao filme: ele não contempla a complexidade das
interações entre os diferentes especialistas nos rituais funerários de Benares, não explica o
que fazem de fato os diferentes personagens tratados como tipos ideais por Gardner, não
trata as dinâmicas que ocorrem entre os parentes dos mortos e estes especialistas, não
esclarece o motivo de várias pessoas disporem dos corpos de seus próximos nesta cidade,
e não desenvolve as diferenças entre as “boas mortes” e as “más mortes” para os Hindus,
que determinam os diferentes modos pelos quais os corpos são tratados. Sob tais
condições, segundo Parry, fica difícil entender como Forest of Bliss possa ser “(de modo
inacreditável) tratado como um ‘documentário antropológico’”48.
Quando Moore e Parry publicaram suas críticas em um periódico especializado em
filmes etnográficos, Gardner foi convidado a responder a elas, mas enviou uma carta ao
editor afirmando que o texto de Moore
contém tantas afirmações factuais equivocadas e trabalha sob tal carga de ignorância sobre o meio [fílmico] que
não vejo utilidade em produzir algo para, como você coloca, um “debate centrado sobre o meu filme” [....],
imagino se não é chegado o tempo de membros de certas ortodoxias na Antropologia repensarem suas doutrinas
puídas49.

De forma mais ponderada, MacDougall tomou partido da tentativa de Gardner de


produzir filmes etnográficos em um registro diferente daquele preconizado para a escrita
de monografias. Afirmando que os antropólogos em geral desconhecem tanto as
especificidades e dificuldades de se produzir um filme quanto as motivações e realidades
do processo criativo envolvido nesta tarefa, MacDougall aponta que
as avaliações [feitas pelos antropólogos] frequentemente dimensionam os filmes de acordo com uma visão
específica de “verdade” histórica ou etnográfica, diante da qual eles sempre serão avaliados como falhos. [...]
Apesar do grande esforço despendido na organização de um filme, muito de sua força como uma fonte de
entendimento necessariamente reside no nível das sensações e de possibilidades ambíguas. [...] O problema que
frequentemente ocorre de intelectuais que são incapazes de “ver” um filme é que eles estão muito ocupados
tentando pensar o que se supõe que devam pensar sobre ele. A consequência, é claro, é que eles então concluem
que o filme “não tem” significado ou é “incompreensível”50.
Do mesmo modo, Ostor afirma que um filme é apenas um dos possíveis resultados
de um projeto de pesquisa – fotografias, livros e artigos escritos seriam outros deles, cada
um com suas potencialidades e fraquezas. A proposta de Gardner envolve assim a
produção de filmes autorais que constituem invenções e relatos mediados, não registros de
uma suposta “realidade”. Para Ostor, se o leitor busca explicações sociológicas, pode então
recorrer a monografias escritas, que resolverão sua demanda de modo muito mais
completo do que o que poderia ser atingido em meio audiovisual51.
É interessante aqui destacar como, apesar de ser tão expositivo – nos termos aqui
definidos – quanto Trobriand Cricket, Forest of Bliss pode constituir um esforço tão
simetricamente oposto ao do filme de Leach e Kildea. Se o primeiro tenta efetivamente
contemplar em seu conteúdo todas as informações etnográficas levantadas para resolver o
problema de pesquisa de seu autor, o segundo propõe um uso radicalmente diverso do
meio audiovisual para cumprir a mesma tarefa. Leach expõe verbalmente sua questão de
pesquisa, constituindo-a com o apoio das imagens feitas em campo. As imagens servem
assim efetivamente como ilustrações de seu argumento, apresentado de forma oral. Já
Gardner se esforça, em Forest of Bliss, em apresentar um olhar sobre a passagem
representada pela morte, através do uso exclusivo de imagens, de modo alusivo e
simbólico. Ambos, assim, tentam resolver uma questão de pesquisa proposta por seu
autor, mas com estratégias opostas. Os resultados serão assim atingidos de forma
totalmente diferente – e implicando leituras mais fechadas e dirigidas, no caso de Leach, e
mais abertas e alusivas, no caso de Gardner. O esforço de Gardner ainda indica que filmes
expositivos podem não ser necessariamente dependentes da linguagem textual ou verbal.
No âmbito deste livro, interessa-nos destacar que o projeto fílmico de Gardner,
mesmo se realizado em frontal oposição a várias das regras estabelecidas pelo campo
antropológico, pode fazer-nos refletir mais atentamente sobre diferentes possibilidades do
uso da linguagem audiovisual em Antropologia e sobre as implicações destas escolhas.
MacDougall afirma não ter
problemas em ver Forest of Bliss como um filme etnográfico [...] porque ele parece marcar a abertura de novas
possibilidades para a Antropologia Visual. [...] A etnografia em filmes [...] é aberta a uma variedade de
estratégias: ilustrativa, didática, narrativa, e associativa. Gardner é um dos poucos cineastas que tentaram a
última52.

De modo similar, Henley indica que este filme “representa uma atitude corajosa de
oferecer uma leitura sobre o significado de uma dada realidade cultural por meio de um
simbolismo inteiramente não verbal e pelo princípio da associação metafórica” e que os
antropólogos muito ganhariam em “explorar em que sentido as técnicas de Gardner [...]
poderiam ser adaptadas para servir a seus próprios objetivos”53.
Neste sentido, encerraremos a discussão dos trabalhos de Gardner referindo-nos
brevemente a suas técnicas de filmagem e montagem – como ele opera seus equipamentos
para atingir seus objetivos. MacDougall destaca do livro publicado por Gardner e Ostor
sobre Forest of Bliss trechos em que Gardner indica como parte em seu trabalho de uma
realidade complexa e em constante fluxo para chegar a colocar em destaque alguns
símbolos capazes de sintetizá-la: “[...] ele optou por começar com uma observação
detalhada das ‘realidades ordinárias’ – cães, madeira, pipas, flores, etc. –, confiando em
que suas inter-relações poderiam ser desenvolvidas gradualmente”. Após o registro de
várias destas tomadas ao longo da pesquisa, aos poucos Gardner trabalhou na “criação de
camadas simbólicas em que cada elemento assume múltiplos significados a partir de suas
associações em diferentes contextos”. A concepção metodológica de Gardner parte assim
da captação, com a câmera, de determinados elementos concretos recorrentes no campo
estudado por ele. Aos poucos, estes elementos configuram certas ideias simbólicas que
serão desenvolvidas na edição final. Cabe destacar que ao longo da filmagem de Forest of
Bliss o próprio Gardner acreditava que o filme seria estruturado a partir do lançamento de
um barco no rio Ganges, fazendo várias tomadas que servissem a este argumento, mas no
momento da edição decidiu estruturar seu material de modo que o filme parecesse
ocorrer em apenas um dia, do amanhecer ao anoitecer54.
Quanto ao uso dos equipamentos de filmagem, vale citar a apreciação especialmente
perceptiva de Henley, que destaca como Gardner filma em campo de modo quase
observacional:
Ele continua a filmar sem som síncrono na maior parte do tempo. Talvez por esta razão ele frequentemente
trabalha com um operador de som que não é profissional, mas um colaborador envolvido no projeto em outras
bases. Seu estilo de câmera é predominantemente realista, mas, dentro deste registro estilístico, mistura uma
grande variedade de tomadas, da câmera na mão até o uso do tripé com lentes teleobjetivas. Ele parece filmar
principalmente em tomadas longas e estáveis de uma posição única, mas bem escolhida, apesar de não ser
contrário a cortá-las na fase de edição e usar trechos de alguns segundos. Com poucas exceções notáveis, ele
evita ângulos dramáticos, movimentos exagerados do zoom, ou outras demonstrações autoconscientes de
virtuosismo. [...] sua câmera está tipicamente engajada com os sujeitos, mas, apesar de ele frequentemente
parecer apenas seguir a ação, está claramente preparado para intervir e dirigir seus principais sujeitos conforme
necessário55.

Por fim, a técnica de montagem dos filmes empregada por Gardner na mesa de
edição inspira-se, segundo Mac-
Dougall, na tradição surgida no cinema russo de, através da montagem, “integrar
fragmentos de experiência em uma rea-
lidade temática – uma ‘verdade do filme’”. Em outras palavras, é através da edição e da
justaposição estudada de certas imagens que Gardner cria seus argumentos fílmicos. Esta é
a ideia fundamental da “escola russa de edição”, que, segundo Barbash e Taylor, segue os
seguintes preceitos:
[...] primeiro, o significado de uma tomada é nuançado por aquelas colocadas próximas a ela. Segundo, seu
significado depende da ordem em que elas são montadas. E terceiro, a realidade cinematográfica criada pela
sucessão de tomadas é maior que a soma de suas partes56.

Todas estas características do trabalho de Gardner o distanciam definitivamente de


uma proposta “observacional” de filmagem, que coloca como objetivo retratar o que é
filmado da forma mais fidedigna possível. É esta prática de pesquisa que será objeto de
discussão no próximo capítulo.
Capítulo 3
O cinema observacional

Os pesquisadores que fazem o que aqui chamamos de “cinema observacional”


priorizam o uso dos equipamentos audiovisuais como instrumentos de observação.
Operando de forma indutiva, de uma maneira similar àquela definida para o trabalho de
campo pelas tradições anglo-saxãs da Antropologia, eles propõem que os próprios
acontecimentos registrados em campo definam quais serão as tomadas feitas com a
câmera.
As fontes de inspiração destes pesquisadores têm diferentes origens. Alguns citam
como a base de suas práticas o cinema de ficção feito na Itália logo após o final da Segunda
Guerra Mundial pelos cineastas neorrealistas, como Roberto Rosselini e Vittorio de Sica.
No final da guerra, Rosselini começou a filmar a vida dos italianos em meio à reconstrução
da capital, Roma. Com os estúdios em ruínas, criou um cinema que não se utilizou de
recursos de estúdio ou de atores profissionais. Sua busca cinematográfica era definida por
uma proximidade com a vida real e uma abertura para o fluxo da vida social. A câmera
passou a ser tratada como uma extensão do corpo do cineasta, realizando uma observação
intensa dos detalhes da vida cotidiana, a partir de tomadas longas, e deixando todos os
elementos da imagem em foco – evitando o que em fotografia é chamado de uma
“profundidade de campo rasa”, em que apenas os elementos de interesse do fotógrafo
estão em foco.
Posteriormente, este esforço dos neorrealistas seria lido como uma empreitada
cinematográfica “democrática”, refletindo o fim dos poderes totalitários da década de
1930. Na prática, neste método de fazer cinema, o diretor assume outro papel: os atores
não seguem scripts feitos por ele e não é ele quem organiza ou decide a ordem dos eventos,
ou o que será comunicado pelo filme – a plateia é engajada para assumir uma postura ativa
na interpretação do que vê na tela. Assim, rompe-se tanto com a preeminência do papel
do diretor na definição do conteúdo do filme quanto com uma relação entre diretor e
espectador na qual o primeiro conduz o segundo na compreensão dos conteúdos
apresentados na tela – uma relação compreendida, a partir de então, como hierárquica.
Como afirma Colin Young,
o cineasta considerado como pioneiro na adaptação da estratégia observacional aos filmes
etnográficos a partir de seu trabalho na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, na
década de 1960, os filmes que não seguiam este modo de produção “eram onipotentes:
[...] apenas o cineasta sabe tudo ao certo. Ele segura todos os ases, controlando o fluxo de
informação e deixando-nos ver apenas o que ele quer e o que cabe em sua estória ou em
sua tese”1. Nos filmes observacionais, ao contrário, o cineasta torna-se um mediador: seu
papel é “menos sobre dirigir e apresentar a ação, e mais um processo de filtragem, em que
a própria audiência é engajada na criação de significado”2.
Outro modo de produção desenvolvido no campo do cinema que é citado como
referência para os pesquisadores de que falamos neste capítulo é aquele dos
documentários do chamado Direct Cinema norte-americano. Diretores como Robert Drew
e Richard Leacock desenvolveram um método de filmagem muito similar ao do cinema de
ficção dos neorrealistas italianos, mas utilizando material documental. Aproveitando-se
dos desenvolvimentos tecnológicos que, surgidos no início da década de 1960, permitiram
a gravação síncrona de imagens e sons, começaram a “capturar a vida como ela se
desenrolava, sem direção ou ideias preconcebidas”3, com registros feitos ao vivo a partir da
imersão na vida cotidiana. Utilizando uma equipe de filmagem pequena, sem o apoio de
luzes ou tripés, sem o uso de roteiros predefinidos e sem repetir tomadas, estes diretores
buscavam registrar eventos da forma mais completa possível, para depois entender o que
havia acontecido. O primeiro filme a ser lançado com a utilização desta estratégia foi
Primary, produzido por Robert Drew e filmado por Leacock, que enfocou o processo que
resultou na indicação de John Kennedy como candidato dos democratas à presidência dos
Estados Unidos. São vários os pesquisadores de filmes etnográficos que, como Timothy
Asch, consideraram que “o impacto de Primary sobre nós dificilmente pode ser
exagerado”4.
A partir destas duas influências advindas do campo do cinema, vários pesquisadores
adaptaram as ideias do cinema observacional à produção de filmes etnográficos. Paul
Henley resume com clareza como um pesquisador ligado a esta prática de pesquisa
compreende sua tarefa e o uso dos equipamentos audiovisuais em seu trabalho de campo:
No centro deste método, está a ideia de que, através da rigorosa observação das minúcias dos eventos e
interações sociais, é possível ter insights significativos, não apenas acerca das motivações pessoais dos sujeitos
imediatos, mas também das realidades sociais e culturais mais abrangentes de seu mundo social. O modo de fazer
filmes que se baseia neste processo de observação empresta particular ênfase em seguir as ações dos sujeitos e
registrá-las em sua completude, ao invés de dirigi-las de acordo com alguma agenda intelectual ou estética
preconcebida. [...] O método observacional busca efetuar um engajamento entre sujeito e audiência através de
uma cinematografia baseada em uma única câmera “não privilegiada”, que oferece o ponto de vista, em um
sentido muito literal, de um ser humano normal participante dos eventos retratados. Esta câmera deve ser
móvel, seguindo sujeitos e eventos, ao invés de solicitá-los a representar de modo pré-arranjado diante dela.
Sempre que possível ou apropriado, tomadas longas devem ser empregadas para preservar a integridade dos
eventos na totalidade em que eles ocorrem espontaneamente. [...] estilisticamente o trabalho da câmera deve ser
discreto [...], sem sufocar as configurações espaciais e temporais dos eventos, nem a estética social e cultural
característica do mundo dos sujeitos, em demonstrações de virtuosidade técnica ou estética5.
No presente capítulo, apresentaremos o modo pelo qual alguns autores de filmes
etnográficos criaram e empregaram estratégias observacionais. Iniciamos nossa discussão
comentando o trabalho de John Marshall.

John Marshall: slots e a “sequência de eventos”


Quando John Kennedy Marshall completou 17 anos de idade, em 1949, seu pai
decidiu levá-lo em uma viagem à África para “conhecer melhor seu filho”6. Laurence
Marshall, um engenheiro eletrônico, havia fundado, em 1922, uma empresa chamada
Raytheon. A empresa fabricava um tubo de elétrons utilizado para substituir baterias em
equipamentos eletrônicos. No final da década de 1940, a Raytheon tinha se transformado
em uma das principais fornecedoras da indústria bélica norte-americana, desenvolvendo e
fornecendo radares e equipamentos eletrônicos para o exército. Em 1949, contudo,
Laurence Marshall havia decidido se aposentar para ficar mais próximo de sua família.
Décadas depois, John especularia que seu pai “pode ter tido a ideia de fazer um filme
porque ele previa o futuro das comunicações em micro-ondas e acreditava que a televisão
poderia ser usada para educar e informar”, visto que “seu ódio pela guerra tinha se
tornado profundo quando um jovem soldado havia morrido em seus braços após um
general americano ter ordenado um ataque sem sentido logo após o armistício de 1918”7.
Laurence teria desejado “reduzir a dependência da Raytheon em contratos militares, [...
mas] esta visão não era apoiada pelos novos diretores da empresa”8. A empresa
prosseguiria atuando na área bélica e criaria décadas mais tarde mísseis como os Patriot e
Tomahawk, utilizados na Guerra do Golfo, assim como o sistema de vigilância implantado
sob o nome de SIVAM na Amazônia brasileira, faturando mais de 25 bilhões de dólares em
20119. Já durante a Segunda Guerra Mundial, como afirma John, “o valor das ações da
Raytheon cresceu, provendo os fundos que Laurence utilizou posteriormente para
financiar nossas viagens a Nyae Nyae [na região do deserto do Kalahari, atualmente parte
de Botswana, Namíbia e África do Sul]”10.
Ao escrever e falar sobre seu pai mais de 40 anos depois, John ainda se referia com
grande respeito a suas ideias, dentre elas a convicção de que “a verdade poderia ser
descoberta por métodos objetivos em qualquer campo”11. Segundo John, após procurar
em vão nas universidades americanas por algum doutorando em Antropologia que
desejasse integrar uma expedição mais longa à África para estudar os San, que viviam em
Nyae Nyae, “o resultado foi que papai disse: ‘Ok, Lorna [sua esposa], você vai fazer a
etnografia; Elizabeth [sua filha], você vai escrever um livro; John, você fará os filmes’”12.
Deste modo, a partir do início da década de 1950, iniciou-se o contato da família
Marshall com os San e seus vizinhos, os Ju/’hoansi e os !Kung – um contato que duraria
décadas e resultaria em várias etnografias a seu respeito escritas por Lorna, no clássico
livro The harmless people, escrito por Elizabeth, e em vários filmes editados a partir das
filmagens feitas por John. Os Marshall tiveram ao mesmo tempo uma atuação contínua e
intensa em defesa dos direitos destes povos aborígenes diante dos colonizadores Bôer (de
origem holandesa, alemã e francesa) que ocuparam a região, retratando sua situação em
todos os materiais que produziram e intervindo junto às autoridades coloniais em prol dos
interesses dos nativos.
John Marshall começou então suas filmagens no Kalahari aos dezoito anos de idade,
sem ter tido formação alguma anterior em cinema e contando apenas com as instruções
acerca de como fazer filmes que vinham com as câmeras de 16 mm que seu pai havia
adquirido13. Sua primeira grande produção foi o filme The Hunters, lançado em 1957, feito
ainda sem som síncrono. Robert Gardner, que trabalhava então no Museu Peabody, de
Harvard, com Marshall, participou também do processo de edição do filme.
The Hunters é hoje considerado um dos grandes filmes etnográficos clássicos, ao lado
daqueles de Flaherty, Mead e Bateson. Ele retrata uma caçada de girafas feita pelos
Ju/’hoansi ao longo de vários dias. Composto na verdade a partir da edição de várias cenas
pertencentes a diferentes expedições, sofreu as mesmas críticas feitas aos filmes de
Flaherty quanto à montagem, na mesa de edição, de uma narrativa afastada dos eventos
ocorridos em campo. Um dos maiores críticos do filme é o próprio Marshall, que nos
anos seguintes passaria a dedicar-se ao cinema observacional, tornando-se um de seus
principais desenvolvedores. Segundo ele próprio afirmou em 1993,
The Hunters foi filmado em 1952-1953. A realidade do que eu via enquanto os homens estavam caçando era
muito menos importante para mim do que a maneira pela qual eu estava filmando e interpretando essa realidade
para refletir minhas próprias percepções. [...] Filmava várias girafas para ilustrar aquela que os homens estavam
perseguindo. E usava ângulos e distâncias que projetavam minhas interpretações sobre o que via através do
visor14.

A fala de Marshall é muito similar àquela de Gardner acerca de suas filmagens para
Dead Birds, que reproduzimos no capítulo anterior. Contudo, enquanto Gardner manteve
sua opinião acerca da validade de priorizar as ideias do diretor do filme, Marshall descreve
sua postura ao filmar The Hunters com o objetivo de criticá-la diante do trabalho que
desenvolveria depois:
Editei The Hunters para guiar a história ao invés de explorar o contexto das atividades em que os homens estavam
efetivamente envolvidos. [...] Tinha apenas começado a aprender a língua Ju/’hoansi quando filmei The Hunters,
mas poderia ter perguntado mais coisas para eles. [...] Segui as instruções de Laurence para filmar o melhor
registro possível, mas The Hunters era energicamente artístico. [...] Substitutos foram usados para representar
alguns dos quatro personagens do filme. O problema é, de quem é a realidade que estamos vendo e quem somos
nós quando estamos vendo através de uma câmera? [...] Não me arrependo de ter feito The Hunters. O filme é
um bom exemplo de documentário narrativo, mas Laurence ficou desconfortável quando foi lançado em 1957.
Achou que eu tinha que ter me esforçado mais com os registros. Acho que Laurence estava certo. The Hunters é
um filme romântico de um garoto americano e revela mais sobre mim do que sobre os Ju/’hoansi15.

Após lançar The Hunters, Marshall começou a trabalhar na equipe do próprio


Richard Leacock16. Alguns anos mais tarde, Frederick Wiseman, outro dos grandes
diretores do Direct Cinema americano, convidou-o para operar a câmera no que se tornaria
um dos principais filmes do movimento, Titicut Follies, que tratava de um manicômio
judiciário do estado de Massachusetts. Marshall desenvolveria assim várias reflexões e
estratégias no sentido de produzir filmes que seguissem a vertente observacional,
conforme a proposta do Direct Cinema. Preocupado com as limitações impostas pela
filmagem devido ao recorte operado pelo visor da câmera, a seu ver fortemente restritivo
em relação ao olhar possível acerca da realidade que cerca o cineasta, passou a buscar
estratégias que possibilitassem “entrar nos eventos ordinários e filmar os mundos sociais
de dentro”17. Para tanto, duas questões lhe pareceram fundamentais como bases para suas
reflexões: por um lado, passar a enfocar “as interações dentro de eventos e mostrar as
relações [estabelecidas] entre as pessoas que estava filmando”18; por outro, perceber que “a
maior parte do conteúdo de um filme é não vista ou é invisível”, já que trata “do que as
pessoas estão dizendo e fazendo quando a câmera está olhando para um outro lugar”, de
“eventos técnica ou praticamente impossíveis de filmar” ou “do fato de que a maior parte
das pessoas não nos deixa enxergar longe em suas vidas privadas ou contar sobre o que
está pensando”19. A partir destas reflexões, Marshall desenvolveu suas duas principais
estratégias de filmagem: a “sequência de eventos” e a técnica dos slots.
Marshall define slots como “os lugares imaginários em que ocorre a ação que está se
passando fora da tela”20. Eles são assim elementos a que a pessoa que opera uma câmera
deve estar atenta justamente por escaparem àquilo que aparece em seu visor. Estando
ciente daquilo que sua filmagem não enfoca, o operador da câmera terá mais elementos
para decidir para onde apontará suas lentes: sua decisão levará em conta não apenas o que
vê em seu visor, mas o que está deixando de ver devido às limitações impostas pelo fazer
fílmico – que apenas contempla um ponto de vista e um recorte específico da realidade.
Marshall afirma que existem dois tipos de slots: os visuais e os da estória. Os slots
visuais dizem respeito às imagens que rodeiam a câmera e que são deixadas de lado
quando ela é apontada em uma dada direção. A atenção aos slots visuais lembra ao
operador da câmera que existem outros pontos de vista – aqueles percebidos a partir da
perspectiva de outros participantes dos acontecimentos registrados. Quem filma é assim
lembrado de mudar seus “ângulos e distâncias” para contemplar estes outros pontos de
vista e “registrar mais do que está acontecendo”21. A plateia também perceberá, deste
modo, que está sendo orientada a ver a cena a partir de um recorte operado pela câmera e
criará assim uma percepção de que o espaço do evento não se restringe àquilo que está
sendo mostrado na tela. Para esclarecer este ponto, Marshall cita o exemplo dos filmes de
terror, que trabalham constantemente com os slots visuais para criar na audiência a
expectativa de que “o vampiro”, por exemplo, surja a partir de um determinado lado da
imagem.
Os slots de estória se referem aos eventos que fornecem um enquadramento à ação
vista na tela, mas que se passam em outros lugares. Isso significa que a pessoa que filma
deve ter por referência, ao dirigir sua atenção ao que se passa à sua frente, não apenas o
que vê; deve também ter em mente eventos relacionados, que ajudam a emprestar sentido
à cena que está registrando. Nas palavras de Marshall, através dos slots de estória o
operador da câmera “é convocado a pensar sobre pessoas e eventos distantes e sobre como
eles se relacionam com o evento que está sendo filmado”, visto que “incidem sobre as
pessoas que estou filmando e não desaparecem quando não os estou vendo”22.
Considerando este contexto mais amplo da estória que está sendo registrada pela câmera,
os eventos, que “se ramificam em várias direções”, serão apresentados a partir de uma
dada leitura, pois “nós temos que escolher que estória seguir. Os slots podem ajudar a
descobrir [qual] e a registrá-la”23.
Já a “sequência” é definida como “um registro de filme verificável de um pequeno
evento”24. Marshall parte da ideia de que os sujeitos filmados reconhecem as fronteiras
destes eventos durante ou logo após sua conclusão. Seria assim possível para o pesquisador
“encontrar unidades administráveis no fluxo da vida”25, que serviriam como balizas para o
ato de filmagem. O pesquisador enfoca assim os eventos como unidades de interação
social que podem ser utilizadas integralmente em seu filme quando acabado. A lógica
apresentada no filme acerca do que ocorreu em campo é assim estruturada pelo próprio
acontecimento: “[...] a filmagem de sequências substitui o processo ordinário de filmar e
editar um filme temático pela tentativa de relatar os próprios eventos, em tantos detalhes
e de forma tão longa quanto possível”26. Deste modo, por um lado, evita-se, segundo
Marshall, que as palavras e ações dos sujeitos filmados possam ser confundidas (ou
misturadas) com o que a plateia quer ver ou com o que o cineasta quer dizer. Por outro,
evita-se que o processo de edição imponha uma ordem externa aos eventos ocorridos em
campo.
Marshall propõe assim, com o uso desta técnica, o abandono do processo de
montagem do filme na edição conforme o método da chamada “escola russa” – que, como
vimos no capítulo anterior, informa o trabalho de Robert Gardner. Marshall cita os
cineastas russos Vertov e Eisenstein como mentores deste “processo editorial” pelo qual “o
editor seleciona tomadas que, em justaposição, pareçam contar a história que ele tem em
mente”27. Este “tratamento” implica uma ordenação do material externa a suas
características intrínsecas, estruturando o filme a partir de situações selecionadas por
quem o organiza. É tal atitude, vista por Marshall como uma limitação, que pode ser
superada pelo uso da técnica da sequência de eventos.
O uso da sequência de eventos parece ser uma solução interessante para uma das
grandes dificuldades relacionadas ao cinema observacional. Vimos que, ao discutir com
Mead, Bateson afirmou que uma câmera fixa em um tripé, posicionada de forma a
registrar um campo de visão amplo, provavelmente não captaria nada de relevante. De
fato, uma das grandes dificuldades de se realizar um filme etnográfico é contar, ao final das
filmagens, com um material suficientemente rico para montá-lo. Como também vimos,
Heider colocou em relevo esta dificuldade utilizando a analogia do etnógrafo que apenas
pudesse contar com excertos recortados de seu diário de campo para construir sua
monografia. A questão fundamental então é: como fazer em campo tomadas significativas,
de modo que elas possam resultar em um filme?
Os filmes de Flaherty propõem uma solução a esta questão: reconstruir junto às
pessoas filmadas cenas que sejam relevantes. Autores como Jean Rouch, como veremos no
próximo capítulo, desenvolveram a ideia de Flaherty engajando os sujeitos representados e
o próprio cineasta para gerar acontecimentos fílmicos, a fim de que fossem registrados
pela câmera. Já Bateson e Mead, para realizarem Trance and dance in Bali, comissionaram a
performance de dois rituais, de modo que eles pudessem ser filmados. A mesma solução foi
adotada por Leach para realizar Trobriand Cricket. Seria possível, no entanto, obter cenas
relevantes ao filmar eventos sem que o pesquisador esteja na origem de sua ocorrência, de
uma forma ou de outra?
Vimos que o próprio Heider sugere que uma boa etnografia, feita previamente ao
trabalho de filmagem, deixa o pesquisador preparado para captar cenas relevantes. Ela
gera uma certa previsibilidade acerca de quando os eventos relevantes ocorrerão e do
ponto a partir do qual eles podem ser captados de forma ótima. Um bom domínio da
etnografia permitiria assim ao pesquisador antecipar o bom acontecimento, a boa tomada,
o bom ângulo28. Adicionalmente, a técnica da sequência de eventos proposta por Marshall
permite ao pesquisador organizar seu trabalho de modo a enquadrar sua filmagem de
acordo com uma lógica supostamente presente nos próprios acontecimentos. Ela implica
apenas a necessidade de atentar a esta lógica interna dos eventos e, como diz Marshall,
“filmar em tantos detalhes e de forma tão longa quanto possível”29.
Um exemplo da aplicação desta técnica é o filme An argument about a marriage,
lançado por Marshall em 1969 a partir de tomadas feitas em 1958 entre os Ju/’hoansi.
Nas décadas que se seguiram aos dez anos que passou no Kalahari, Marshall, junto a um
jovem estudante chamado Timothy Asch, dedicou-se a editar os materiais ali filmados. O
resultado foi a produção de vários pequenos filmes, que compõem a série !Kung short films.
An argument about a marriage, um destes filmes, registra a seguinte situação: em 1955,
fazendeiros Bôer haviam convencido dois grupos !Kung a trabalhar em suas fazendas. Após
um ano, proibiram-nos de deixar o local. Um dos grupos conseguiu fugir. Dois anos mais
tarde, em 1958, um membro deste grupo pediu aos Marshall apoio para resgatar os que
haviam ficado. Os Marshall fizeram contato com as autoridades coloniais e trouxeram o
restante das pessoas para sua aldeia. Ao longo destes três anos, um homem do grupo que
havia escapado tomou a esposa de um dos que haviam ficado na fazenda e teve um filho
com ela. Durante estes anos, entretanto, seu esposo havia continuado a trabalhar para o
pai da jovem como pagamento do dote. O filme de Marshall registra a discussão entre os
envolvidos quando todos se reencontram em sua aldeia natal.
An argument about a marriage é assim o registro deste evento – a “discussão sobre a
legitimidade de um caso amoroso que produziu uma criança”, nas palavras de Marshall30.
A sequência do evento é enquadrada por explicações narradas pelo próprio Marshall, mas
o filme é todo estruturado pelo próprio evento. Ele é também acompanhado por um “guia
de estudos” que explicita os detalhes etnográficos que permitem a compreensão total do
evento: o contexto anterior, as circunstâncias que envolveram a realização do filme, a
situação do grupo dentro da comunidade nacional englobante, as regras de parentesco do
grupo, os modos de resolução de conflito entre os !Kung, a transcrição de entrevistas
feitas com os próprios envolvidos após eles terem assistido ao filme, e as referências
bibliográficas para quem quiser se aprofundar no assunto31.
Este filme ilustra uma das potenciais utilizações da técnica da sequência de eventos.
Como afirma Marshall, “as sequências podem ser combinadas em uma variedade de
formas, mas as conexões entre elas não podem ser feitas editorialmente”32. Neste caso, a
sequência, exposta em sua integralidade, serve à apresentação etnográfica de várias
questões relativas à vida social !Kung, organizadas posteriormente pelos pesquisadores.
Após trabalhar alguns anos na edição dos materiais de Marshall, Timothy Asch
desenvolveu alguns dos principais trabalhos que lançaram mão das técnicas criadas por ele.
São estes filmes que comentamos a seguir.

Timothy Asch: explorando a “sequência de eventos”


No início dos anos 1950, quando Marshall começou seu trabalho na África, Timothy
Asch iniciou seus estudos de fotografia com Minor White e Ansel Adams. Em poucos
anos, decidiu enfocar pessoas em seus trabalhos, e não paisagens, como faziam seus
mestres. Em 1955, a partir do contato com a Antropologia de Margaret Mead, na
Universidade de Columbia, decidiu dedicar-se à filmagem etnográfica33. Após assistir a The
Hunters, escreveu uma carta elogiosa ao Museu Pea-
body, de Harvard, onde Marshall havia se estabelecido para desenvolver produções a partir
de suas filmagens no Kalahari. Robert Gardner, que dirigia o Centro de Estudos de Filmes
do Museu, precisava de alguém que se dispusesse a editar o volumoso material filmado por
Marshall. Escreveu então a Mead pedindo referências acerca de Asch; após receber
recomendações positivas, contratou-o34. Foi assim que, entre 1959 e 1962, Asch editou as
tomadas de Marshall, em uma colaboração que se provou determinante para o
desenvolvimento de seu método de trabalho.
Entre 1963 e 1965, Asch completou seu mestrado em Estudos Africanos, na
Universidade de Boston. Após concluir sua dissertação, como afirma seu colega Peter
Loizos, Asch “queria fazer um ‘estudo de comunidade’, mas tinham-
-lhe dito que esse projeto não era mais considerado aceitável. [Ele disse]: ‘você tem que
ter interesse em teoria agora. Eles não querem etnografia por si só. E eu não quero esse
tipo de antropologia...’”35. Asch decidiu então não se dedicar ao doutorado em
Antropologia. Seu desejo era criar para si uma posição de cineasta especialista em filmes
etnográficos, acompanhando outros antropólogos, que seriam responsáveis por realizar as
pesquisas que dariam subsídios a seu trabalho de filmagem. Talvez devido a este projeto de
carreira, Asch tornou-se o pesquisador que mais refletiu sobre as contingências da
colaboração entre antropólogos e cineastas, dentre os que aqui citamos.
Entre 1967 e 1976, Asch lecionou disciplinas de Antropologia Visual em várias
universidades americanas. Sem ser obrigado a assumir as outras incumbências envolvidas
na carreira acadêmica, ele tinha a liberdade para realizar longas expedições em campo, e
divulgou seu interesse em acompanhar outros antropólogos em suas pesquisas36. Já em
1968 Napoleon Chagnon, um antropólogo que trabalhava com os índios Yanomami no
Brasil e na Venezuela, fez contato para que trabalhassem juntos37. Foi com Chagnon, nos
três anos seguintes, que Asch realizou entre os Yanomami os dois filmes que o tornaram
conhecido: The Ax Fight e The Feast.
The Ax Fight é uma aplicação direta da técnica da sequência de eventos desenvolvida
por Marshall. O filme inicia-se com um mapa que indica ao espectador que a cena a seguir
se passa em meio à Amazônia. Após um texto explicativo que mostra o caráter “volátil” e
“violento” das tribos Yanomami, seguem-se cerca de onze minutos de tomadas brutas da
câmera, sem edição, que registram uma discussão e uma briga entre membros de duas
dessas tribos. No momento mais tenso, um dos índios desfere em outro um golpe com a
parte cega do machado; quando se prepara para atingi-lo com a parte cortante, é contido.
Ao final da briga, a bobina do filme termina, mas o gravador de som continua registrando
a discussão entre Chagnon, Asch e o operador de som, Craig Johnson. O espectador
acompanha então, diante da tela preta, como Chagnon lança a hipótese de que a luta teria
ocorrido devido a uma suposta relação incestuosa entre membros das duas tribos. Inicia-se
então a segunda parte do filme, em que textos apresentados em intertítulos explicam que
a briga na verdade se originou de um desentendimento: uma índia da tribo anfitriã
recusou-se a oferecer comida a um visitante e foi espancada por ele. Asch então retoma as
imagens brutas da primeira parte e as edita. Chagnon faz uma narração sobre as imagens,
acompanhadas de recursos gráficos que indicam as relações de parentesco entre os
contendores. Esta explicação indica que, de fato, o desentendimento deveu-se às tensões
preexistentes entre as duas linhagens e que os diferentes atores se distribuíram na briga de
acordo com seu pertencimento a elas. Segue-se então um diagrama com a árvore
genealógica das tribos, também explicado em uma narração de Chagnon. O filme se
encerra com a quarta e última parte, precedida pelo seguinte intertítulo: “Segue-se uma
versão final editada da luta”. Nela, as tomadas brutas são recortadas e reorganizadas em
uma sequência linear.
Em 1973, Asch e Marshall publicaram um artigo em que afirmaram que o melhor
modo de “preservar a estrutura nativa de um evento [...] conforme interpretada pelos
participantes” seria enfocar um “segmento completo de vida”38. The Ax Fight é talvez ainda
mais exemplar do que o próprio filme de Marshall, An argument about a marriage, neste
esforço de registro de uma “sequência de eventos”. A filmagem abarcou o início, o meio e
o fim do evento, que constitui assim, conforme sugere Marshall, uma unidade delimitada
para análise. A partir desta unidade, Asch pôde organizar, no momento da edição, um
argumento de caráter antropológico acerca da interação ocorrida em campo. Como ele
mesmo afirmou, a filmagem tornou-se então um “texto”, similar ao que é obtido em
linguística quando se transcreve uma gravação de áudio. Este texto fílmico “é selecionado
em relação a um objetivo de pesquisa, é adequado para análise e é resultado de uma fala ou
ação tão acuradas quanto um analista pode produzir”39. Esta mesma intenção focal e
objetiva também esteve presente no primeiro filme que Asch fez com Chagnon, The Feast,
cujo objetivo era criar uma documentação visual para servir ao propósito de ilustrar o
texto de Mauss sobre a Dádiva.
Ao mesmo tempo, The Ax Fight deixa claro que, nos filmes observacionais, o
problema de pesquisa é construído apenas após a captação das imagens (cabe, no entanto,
destacar que isto não se aplica a todos os filmes produzidos por Asch com Chagnon).
Voltamos aqui ao dilema apontado por Malinowski, discutido no capítulo 1. O etnógrafo
já sabe o que pode ocorrer, pois conhece as dinâmicas sociais próprias ao grupo que
estuda. O início da filmagem, não à toa, registra a seguinte fala de Chagnon: “Traga a
câmera aqui. Vai começar”. Mas o problema antropológico tratado no filme (a relação
entre a luta e a lógica de parentesco dos Yanomami) apenas é definido a partir do registro
do evento. É o contrário do que ocorreu com o projeto de Mead e Bateson e Bali, pois,
como vimos, na prática as filmagens feitas por eles ocorriam já direcionadas aos problemas
de pesquisa que tinham em mente – apenas eram registrados os dados que interessavam
para tratar de um problema predefinido pelos próprios pesquisadores.
Adicionalmente, o filme de Asch e Chagnon demonstra um ponto interessante, que
já era visível em Dead Birds, de Gardner: em eventos muito absorventes para seus
participantes, o aparato de filmagem pode de fato tornar-se invisível e implicar uma
interferência mínima sobre o que ocorre. Tanto as cenas de luta entre os Dani quanto
aquelas registradas por Asch entre os Yanomami não foram alteradas pela presença dos
pesquisadores ou das câmeras, e o evento teria se desenrolado da mesma forma se eles não
estivessem ali. Este é um caso em que certamente a presença da câmera não interfere nos
acontecimentos que ela registra.
A experiência de Asch com o cinema observacional também o levou a uma
determinada compreensão da especificidade da linguagem visual e de sua relação com o
texto escrito. Ao projetar suas tomadas ainda não finalizadas para seus alunos em test
screenings, ele percebeu que, isoladamente, o filme não lhes transmitia a ideia de que os
eventos que haviam sido filmados se referiam a outra cultura, que deveria ser respeitada
em seus próprios termos. Asch afirmava que seus alunos “reagiam negativamente, mesmo
com repugnância, quando confrontados com imagens em movimento vívidas de
comportamento situacionalmente apropriado, mas bizarro sob um prisma intercultural”40.
Isto o convenceu de que os filmes precisavam ser acompanhados de textos escritos que os
explicassem aos espectadores.
Deste modo, para Asch, a linguagem visual tinha sua própria especificidade. Como
ele afirma em seu artigo com Marshall,
o valor da câmera reside em sua habilidade de fazer e registrar o que o olho humano não consegue. O filme pode
parar o tempo, apenas torná-lo mais lento, ou comprimir horas em segundos. Pode, assim, abordar assuntos tão
pequenos quanto gestos, expressões faciais e sincronizações corporais, ou tão grandes quanto [...] padrões de
deslocamento ou uso da terra, que o olho não instrumentalizado jamais poderia perceber41.

Ao mesmo tempo, contudo, para ele um filme não é capaz de fornecer informações
contextuais suficientes que permitam ao espectador entender a ação registrada. Como
coloca em outro texto,
enquanto o filme é um meio efetivo de capturar os detalhes visuais e conversacionais de uma dada interação
social, ele não pode conter em si mesmo as informações de fundo necessárias, porque os sujeitos não deixam
muitas delas expressas. E, no entanto, essas informações de fundo são cruciais para possibilitar que a plateia
construa um sentido para as imagens e conversações inseridas no filme42.

Como, para Asch, uma narração que explicasse este contexto seria muito pesada,
prejudicando a percepção que o espectador poderia construir do filme, ele buscou
produzir materiais escritos de apoio, sob a forma de “Guias do Filme” ou “Guias de
Estudo”43. Alternativamente, para evitar que a narração competisse com as imagens pela
atenção do espectador, ele desenvolveu ainda uma outra estratégia: em The feast, por
exemplo, antes de efetivamente mostrar as filmagens ao espectador, Asch fez slides das
principais cenas filmadas e mostrou-os com uma narração explicativa com o objetivo de
“apresentar os personagens, o contexto e o evento”44.
Mas The Ax Fight é considerado exemplar especialmente devido à forma pela qual
Asch trabalha com a edição do evento nele registrado. Vimos que a técnica da “sequência
de eventos” preconiza que as tomadas feitas em campo têm que ser tão longas quanto
possível, de modo que a estrutura do evento seja mantida. A primeira parte do filme
mostra assim o material bruto obtido em campo, pois é ele que delimita o evento como
um todo. Este material bruto é reorganizado apenas nas outras partes do filme, o que
permite ao espectador acompanhar o trabalho operado pelo pesquisador entre sua
experiência de campo e a apresentação de um produto final. O espectador percebe, na
segunda parte, que a primeira hipótese feita acerca de um evento pode se provar errada;
na terceira, como a teoria é aplicada pelo pesquisador sobre seu material de campo; e, na
quarta parte, como a “versão final editada” de um filme se distancia da percepção confusa
que todos os participantes constroem de um dado evento no momento em que ele está
ocorrendo. São explicitados assim tanto as dificuldades de realização de uma pesquisa
quanto o processo de construção de um sentido para o que ocorre em campo – processo
feito sempre a posteriori, seja em filmes ou em monografias escritas. The Ax Fight é assim
uma das raras produções em Antropologia em que o espectador (ou leitor) pode
acompanhar o trabalho de elaboração que o pesquisador opera sobre seu material bruto e
refletir sobre as consequências epistemológicas e as implicações heurísticas deste trabalho.
Na verdade, em entrevista a Ruby, Asch explicita que esta estratégia não teria sido
pensada desde o início, mas construída a partir da interação com Chagnon e com seus
alunos sobre o próprio material bruto, “realmente usando o filme como se fosse argila”45.
Mas, como afirma o próprio Ruby, “pouco importa, porque seja intencional ou não, o
impacto do filme é criar dúvidas sobre as convenções da representação no filme
etnográfico e sobre a natureza das explicações antropológicas”46. É então a opção de
explicitar o processo de pósprodução das tomadas em campo que empresta um destaque
especial a The Ax Fight, já que em geral os filmes etnográficos apresentam ao espectador
apenas uma “versão final editada” similar à quarta parte do filme de Asch.
The Ax Fight permite ainda que tratemos de uma última questão: o fato de que os
autores de filmes etnográficos devem sempre estar atentos à imagem que seu filme
transmite das populações enfocadas. Devido à ilusão de transparência da linguagem
fílmica, que cria no espectador a impressão de que ele está vendo a realidade pura, o
pesquisador deve assumir o compromisso ético de não construir um discurso fílmico que
possa redundar na criação (ou perpetuação) de um estereótipo acerca destas populações.
Em artigo publicado na revista Cultural Anthropology, Alcida Ramos destaca que justamente
os Yanomami têm sido um dos grupos mais prejudicados neste sentido, devido à aura de
“ferocidade” a eles atribuída nos trabalhos de Chagnon. Como afirma Ramos, outras etnias
também apresentam comportamentos violentos, mas não têm este traço constituído como
sua peculiaridade47. Adicionalmente, outras monografias a seu respeito os retratam a
partir de outros estereótipos – como devassos ou como intelectuais –,
indicando que de fato estas imagens, mais do que descrições dos Yanomami, parecem
constituir “projeções narcísicas” de seus autores, que podem “tornar-se devastadoras” para
a população a elas submetida48. O próprio Asch manifestou, a este respeito, estar ciente de
que suas filmagens poderiam ser empregadas por instituições governamentais para
justificar violências sobre a tribo, no sentido de assimilá-la à sociedade englobante49. Mas o
fato é que seu filme reproduz e, para certas audiências, pode servir como uma
comprovação da teoria de Chagnon de que os Yanomami são um “povo feroz”.
Questionamentos éticos também foram feitos por outros autores de livros e de filmes
documentários acerca das atitudes de Asch e Chagnon em campo, de iniciativas de
Chagnon no sentido de forçar Asch a documentar apenas aspectos ligados a seus interesses
de pesquisa, e mesmo das reações de ambos os pesquisadores a uma epidemia que dizimou
boa parte da população alvo de seus trabalhos ainda quando de sua permanência em
campo. Não aprofundaremos aqui esta discussão, mas é necessário indicar que estes
trabalhos costumam estar no centro dos debates acerca da ética no uso de imagens
etnográficas.
Por fim, é interessante comentar as reflexões de Asch a respeito das vicissitudes da
colaboração entre antropólogos e outros profissionais na produção de filmes etnográficos.
Como vimos, Asch esforçou-se, em sua carreira, para construir para si uma posição de
“cineasta etnográfico”, visando a trabalhar em conjunto com pesquisadores em projetos
antropológicos. Esta intenção de Asch constitui um caso raro, visto que em geral os
pesquisadores da área são antropólogos acadêmicos ou pesquisadores com formação em
cinema, que, como também vimos, entram em conflito com o olhar acadêmico. Sua
posição permitiu-lhe, assim, chegar a algumas conclusões a respeito das possíveis
colaborações entre pessoas com diferentes formações neste campo.
O primeiro ponto que Asch abordou foi relativo à necessidade de o antropólogo
contar com um cineasta em campo. Seu colega Loizos comentou que, ao concluir seu
doutorado, decidiu produzir um filme a respeito de seu tema de pesquisa. Não tendo
operado a câmera, convidou Asch para um trabalho conjunto. A resposta de Asch foi:
“Você não precisa de um cameraman. Você sabe como um filme deve ser feito, então o faça
você mesmo”50. No mesmo sentido, em outro texto, Asch destacou que os antropólogos
mostraram pouco interesse na exploração do potencial do uso de filmes em suas pesquisas,
o que resultou na falta de desenvolvimento de uma metodologia apropriada para o uso
deste meio51. Deste modo, é possível depreender de suas falas que, no caso de não
dominar a linguagem fílmica, o antropólogo pode contar com o apoio de um especialista
no assunto; contudo, dominando-a, deve produzir suas filmagens por si mesmo.
Um ponto importante a destacar a este respeito é que a tarefa de realizar tomadas
síncronas de imagens e sons sem contar com uma equipe de apoio é até possível, mas
exige um amplo domínio técnico dos equipamentos. Se o pesquisador não está apenas
gravando entrevistas, com a câmera fixa em um tripé e gerando assim sinais constantes
tanto para a câmera quanto para o microfone, terá que atentar ao mesmo tempo para a
operação da câmera, para a correta captação do som e para a definição do que será
enquadrado. Ainda assim, se não estiver em uma situação que permita o uso de microfones
de lapela, seu microfone captará apenas as fontes sonoras próximas à câmera, o que pode
implicar a perda de informações preciosas. Deste modo, o ideal é que a equipe de
filmagem conte ao menos com um operador de câmera e um operador de som. Ambos
devem estar atentos ao trabalho um do outro, para que registrem os mesmos dados.
Ainda assim, preso no visor da câmera, o cameraman pode não perceber elementos
importantes que estejam acontecendo fora de seu campo de visão, e para estas oca-siões o
ideal é contar com mais um olhar, externo à câmera, para ajudar a dirigi-la. Jacknis
comenta que Mead e Bateson trabalhavam dessa forma: Mead atuava como uma diretora,
que guiava a filmagem operada por Bateson52. Ao mesmo tempo, o terceiro elemento
pode fornecer apoio logístico quando for necessária a troca de cartões de memória,
baterias ou lentes da câmera53.
Para definir o tamanho da equipe, no entanto, é necessário considerar a situação que
será vivida em campo. Como observa Asch, em certos contextos, como o
acompanhamento do trabalho dos curandeiros tradicionais em Bali, a presença de três
pessoas pode interferir exageradamente nos acontecimentos. Em outras situações, como
no caso de seu registro da luta entre os Yanomami, ela não faria diferença alguma. Ao
mesmo tempo, é ideal que a equipe somente entre em campo após o antropólogo já ter
estabelecido uma relação de confiança com o grupo enfocado54.
A maior dificuldade do trabalho em equipe talvez esteja em definir e seguir com
clareza a divisão de tarefas entre cada componente. Como afirma Asch, o ideal é que as
decisões sejam tomadas em conjunto e que haja uma negociação aberta e constante entre
os membros da equipe a respeito. A dificuldade de levar isto a cabo está ligada tanto às
divergências acerca do que seja relevante para ser registrado no momento da filmagem
quanto à definição hierárquica dos papéis: caso haja um cineasta e um antropólogo
trabalhando em conjunto, como afirma Asch, a relação dificilmente funcionará a contento
se o antropólogo for apenas um consultor para o cineasta, ou se o cineasta for um técnico
a serviço do antropólogo55. Asch chega a construir uma tabela para a divisão de tarefas, no
intuito de auxiliar na definição dos papéis em equipes constituídas de pessoas de
formações diversas. Nela, o antropólogo é apontado como o responsável por informar
sobre as etiquetas locais, construir o problema de pesquisa, atuar como intérprete da
língua nativa e dirigir as filmagens, enquanto o cineasta realiza todas as tarefas técnicas e
edita o material56. A solução ideal, no entanto, é a construção conjunta, antes das
filmagens, de um contrato escrito, no qual ambas as partes definam qual será o papel de
cada um. Asch sugere também vários pontos que devem fazer parte deste contrato, como
a definição dos objetivos da pesquisa, as responsabilidades e deveres de cada membro da
equipe, e a decisão acerca de quem será o detentor do material produzido após as
filmagens57. Ainda a este respeito, Asch compartilha suas experiências acerca da relação
que estabeleceu ao longo da carreira com diferentes parceiros. É ideal, contudo, que o
leitor coteje seus comentários com suas falas em outros textos e entrevistas, pois eles são
às vezes divergentes entre si e revelam, a partir de seu confronto, as dificuldades do
trabalho em equipe quando de uma filmagem etnográfica58.
Finalmente, Asch fornece algumas sugestões práticas a respeito do processo de
produção do filme, como prever verbas para transcrição das falas registradas, realizar
anotações do material ao longo da filmagem para facilitar a pós-produção e testar os
equipamentos e a relação entre os membros da equipe em um pequeno projeto piloto
antes de se deslocar a campo59. Com seu viés prático diante das questões colocadas pela
produção de filmes etnográficos, os escritos de Asch constituem de fato referências
interessantes para pensar tanto as estratégias possíveis de serem empregadas nesta tarefa
quanto as questões cotidianas do gerenciamento das pesquisas com imagens na
Antropologia.

Os filmes observacionais de David MacDougall


O último pesquisador ligado ao cinema observacional cujo trabalho comentaremos
aqui é David MacDougall. Junto com Robert Gardner, ele é um dos poucos cineastas de
formação que se destacaram na produção de filmes etnográficos. Em entrevista a Anna
Grimshaw, MacDougall comentou que seguiu algumas disciplinas de Antropologia em seus
estudos de literatura inglesa em Harvard. Decidiu então se inscrever para a pós-graduação
em Antropologia em Berkeley e, ao mesmo tempo, para cinema na UCLA. Aceito por
ambos os programas, acabou decidindo seguir o curso na UCLA60.
MacDougall teve assim uma formação consistente em cinema, da qual lançou mão
ao escrever seus vários textos sobre o fazer fílmico. Ao contrário de outros pesquisadores
não vinculados diretamente à academia ou à Antropologia, ele é autor de diversos livros e
artigos, nos quais explora suas práticas em campo e as submete a uma racionalização
intelectual constante. Dedicado integralmente ao fazer fílmico, MacDougall tornou-se
também uma referência obrigatória para os antropólogos dedicados à Antropologia Visual,
pela consistência e pela relevância de suas observações – assim como pela inegável
qualidade de seus filmes. Não à toa, os diferentes trabalhos de MacDougall poderiam se
distribuir entre todas as categorias aqui colocadas em relevo, visto que ao longo de sua
carreira ele repensou continuamente suas práticas, submetendo-as a um forte escrutínio.
Com um trabalho “marcado por uma busca por clareza”, como diz Grimshaw61, ele
percebeu limitações em cada projeto que concluiu, experimentando então, nos projetos
seguintes, estratégias diversas para tentar responder às falhas dos anteriores. MacDougall é
assim um autor constantemente atento às questões metodológicas envolvidas em seu fazer
fílmico. Grimshaw destaca ainda a relevância da presença de sua esposa, Judith, em todos
os seus projetos, nos quais atua como operadora de som62. Apesar de MacDougall ser o
único autor de seus textos escritos, nos desenvolvimentos do trabalho de campo as
reflexões de ambos são indissociáveis.
Os primeiros filmes de MacDougall, feitos no início da década de 1970 entre os Jie
da África, seguiram a proposta observacional. Admitindo a influência do Direct Cinema e
dos filmes neorrealistas italianos nestes trabalhos, MacDougall afirmou que “as imagens do
filme de ficção [...] eram [então] as evidências das quais [a plateia] deduzia a estória.
Falava-se pouco aos espectadores. Eles eram apresentados a uma série de eventos
contíguos. Aprendiam pela observação”63. Os filmes observacionais de MacDougall
seguem assim esta proposta do cinema de ficção dos neorrealistas – mas utilizando
materiais documentais. Como ele mesmo afirma, “parecia que uma tal relação entre
espectador e sujeitos do filme seria possível com materiais do mundo real”64.
A descrição do cinema observacional que MacDougall seguiu nestes primeiros
filmes é consistente com o que vem sendo discutido neste capítulo: trata-se de “focar
eventos isolados ao invés de conceitos ou impressões abstratas”; “tentar apresentar
fielmente os sons, a estrutura e a duração naturais dos eventos”; “colocar o espectador no
papel de um observador, uma testemunha dos eventos”; e produzir assim “filmes
reveladores e não ilustrativos, porque exploram a substância [do que é filmado] antes da
teoria”65. O principal filme em que MacDougall levou esta proposta a cabo foi To live with
herds: a dry season among the Jie, de 1971.
O filme inicia-se já em meio a uma cena cotidiana em que o espectador vê um
adulto e algumas crianças Jie falando sobre o gado e sobre a estação da seca. Logo a seguir,
um dos nativos filmados por MacDougall discorre diante da câmera sobre a extensão das
terras dos Jie e seus limites com as populações vizinhas. Ele é interrompido algumas vezes
pelo chamado de uma mulher, o que é mantido na edição final por MacDougall, mas
conclui sua tarefa de apresentar o território. Com estas cenas, o pesquisador já marca
tanto o caráter observacional das tomadas e da edição do filme que se seguirá quanto o
fato de que acompanhará os nativos para definir o que será mostrado a seguir.
O filme acompanha a rotina das mulheres, crianças e idosos Jie que ficaram em suas
terras na estação seca, enquanto os homens (exceto um deles, que fica para cuidar das
terras e destas pessoas) se mudaram com o gado para um local onde os animais têm acesso
à água. MacDougall filma a rotina da aldeia e as diversas interações entre seus habitantes e
os representantes do governo central de Uganda. Este país havia deixado de ser uma
colônia britânica cerca de dez anos antes das filmagens, mas o novo governo perpetuava as
rotinas (e os preconceitos) do antigo colonizador. O espectador percebe assim como
novos valores, uma educação estrangeira para as crianças e novos modos de vida são
impostos a este povo pastoril, cujas atividades e cuja percepção do tempo são
violentamente colocadas em questão por um poder externo. MacDougall filma aulas nas
escolas do governo, conversa com os pais cujos filhos foram trabalhar fora da aldeia, e
acompanha os emissários do governo em suas tentativas de promover ações de
“desenvolvimento” diante das populações Jie.
A câmera de MacDougall permanece neutra ao longo de quase toda a filmagem. Seu
uso, de acordo com a estratégia observacional, coloca a plateia na posição de testemunha
dos eventos, e estes parecem se desenrolar sem que a câmera interfira no que acontece à
sua frente. Em um texto em que comenta este ponto, MacDougall é explícito a respeito:
Frequentemente fiquei impressionado em meu próprio trabalho pela prontidão das pessoas em aceitar serem
filmadas, mesmo em sociedades em que se esperaria que a câmera fosse particularmente ameaçadora. Esta
aceitação é evidentemente auxiliada pela falta de ênfase do processo de filmagem, tanto a partir das atitudes
quanto da técnica [do cineasta]. Quando estava filmando To live with herds entre os Jie de Uganda, usei uma
embraçadeira para a câmera, que permitia que a mantivesse em posição de filmagem por doze ou mais horas por
dia, em um período de várias semanas. Vivia olhando através do visor. Porque a câmera não fazia ruídos, meus
sujeitos logo desistiram de tentar decidir quando eu estava filmando e quando não estava. Até onde lhes
interessava, eu estava sempre filmando, um pressuposto que, sem dúvida, contribuiu para sua confiança de que
suas vidas estavam sendo vistas de forma completa e justa. [...] Eu sugeriria que às vezes as pessoas se
comportam mais naturalmente quando estão sendo filmadas do que na presença de outros tipos de observadores.
Uma pessoa com uma câmera tem um trabalho evidente a fazer, que é filmar. Os sujeitos entendem isso e
deixam o cineasta fazê-lo66.

Esta fala de MacDougall foi publicada em um texto escrito em 1973, logo após o
lançamento do filme, e tinha como objetivo justamente falar das limitações do cinema
observacional. Para ele, assim, a limitação desta proposta não está na obtrusividade da
presença da câmera – argumento de que todos os seus críticos lançaram mão para
desqualificá-la. Sua percepção, a partir de sua experiência, é que as pessoas filmadas se
acostumavam com a presença da câmera e seguiam adiante com suas vidas. Se Asch, como
vimos, defendia que a câmera poderia se tornar invisível em situações muito absorventes
para quem é filmado, MacDougall afirma que ela se torna também invisível pelo costume.
Em alguns momentos do filme, de fato, os Jie ou o representante do governo dirigem-se à
câmera ou comentam sua presença, como nas cenas em que uma criança olha fixamente
para o espectador, em que os Jie falam frases como “ele está filmando o gado de novo”, ou
em que o emissário do governo central explica à câmera o que pretende falar na aldeia a
que ele e os MacDougall se dirigem. Ao manter estas cenas na edição final, MacDougall
indica que sua presença era de fato percebida por seus interlocutores. Mas fica claro para o
espectador que, ao longo do filme como um todo, seu autor entende que a presença do
aparato fílmico não alterou de forma significativa o que era registrado e que seu caráter
observacional pode ser tido como válido.
Seja como for, To live with herds documenta o dilema que os Jie vivem diante das
intervenções externas em seu modo de vida – algo retratado de forma sintética e
evocativa, como destaca Grimshaw, em uma cena em que uma tempestade de areia varre
completamente o cenário em que suas vidas se desenrolam67. O filme deixa claro também
o grau de esforço exigido pela técnica do cinema observacional, que pede uma imersão
integral e uma atenção constante e intensiva ao que se passa em campo. Adicionalmente, é
necessário que o pesquisador que emprega esta estratégia cultive sua sensibilidade para
perceber o que é relevante nas dinâmicas cotidianas que observa, visto que seu filme será
construído no momento mesmo do registro: o momento da edição privilegiará a estrutura
interna do próprio material obtido – a integridade dos eventos observados – e evitará que
o sentido da narrativa seja construído a partir da justaposição e da montagem de cenas
curtas.
To live with herds permite ainda comentar brevemente um último aspecto da
estratégia observacional. Como nestes casos em geral o pesquisador atua com apenas uma
câmera, ele tem que se esforçar para prever os possíveis desdobramentos da ação
registrada, de modo que seu enquadramento consiga captar as informações essenciais para
que ela seja compreendida pelos espectadores. Em uma cena de diálogo, por exemplo,
MacDougall optou por fechar seu enquadramento nas pessoas que falavam. Quando seu
interlocutor retrucava, ele era obrigado a virar bruscamente a câmera em sua direção. Na
edição, ele foi obrigado a inserir outras tomadas dos participantes que acompanhavam as
discussões, para substituir as imagens borradas registradas nos movimentos rápidos da
câmera. Como já afirmava Marshall a respeito, o operador da câmera deve estar atento
para o fato de que, “quanto mais próximo a câmera chega das pessoas, mais rápida é a
ação”68.
***
O método observacional como um todo foi alvo de críticas devido ao fato de ser
compreendido como uma defesa da objetividade dos registros fílmicos. Peter Loizos, por
exemplo, referiu-se a ele em 1999 como o “movimento realista observacional”, dizendo
que pertencia ao passado – “o estilo observacional foi fortemente influente entre 1960 e
1980”. Assimilando suas propostas às de pintores realistas como Degas, afirmou que “seu
naturalismo e populismo [...] implicaram certas limitações [...] que incluíam um
estreitamento do escopo narrativo e uma fundamentação da imaginação em atualidades
empíricas e imediatamente visíveis”. Após os anos 1980, para ele, os autores de filmes
etnográficos “distanciaram-se de uma aderência automática às austeridades do ‘estilo
básico’ naturalístico e observacional”, de modo que, mesmo “sendo descoberto novamente
por cada geração de documentaristas [...], após fazê-lo, cada cineasta particular tende a ir
adiante para outros formatos”69. Tanto Loizos quanto Grimshaw ainda argumentam que a
edição dos filmes observacionais, mesmo se feita a partir de tomadas longas, era
fortemente interventiva, implicando a condução do espectador por parte do autor –
afinal, de várias horas de tomadas em campo, produzia-se sempre um filme de alguns
minutos70.
Em seu texto de 1973, MacDougall também considerava que o cinema
observacional tinha que ser superado. Como vimos, logo após concluir seus filmes, ele
sempre enfocava as limitações do que havia feito e alterava suas práticas de pesquisa. Ao
escrever um epílogo para este mesmo texto, em 1992, no entanto, MacDougall afirmou
que os pesquisadores que seguiam o cinema observacional nunca defenderam que ele fosse
assimilado a um estilo de filmagem objetivo:
Apesar de que muitos cineastas observacionais podem ter desejado filmar “como se a câmera não estivesse ali”,
nenhum dos melhores dentre eles acreditava que estivesse produzindo documentos completos e não mediados
[...]. O método observacional sempre implicou o estatuto contingencial e provisório de seus achados, e talvez
tenha sido mais culpa das audiências e dos críticos a falha em ler os filmes observacionais pelo que eles eram71.

Para MacDougall, assim, como já foi colocado, a limitação dos filmes observacionais
não dizia respeito a seu suposto caráter objetivante. Sua questão era outra: para ele, a
presença da equipe de filmagem na superfície do próprio filme levava a uma atitude
passiva, tanto do pesquisador quanto dos espectadores que a ele assistiriam:
[...] os cineastas exaurem a maior parte de suas energias fazendo a câmera responder ao que está à sua frente.
Esta concentração induz uma certa passividade, da qual é difícil livrar-se. [...] O olhar distanciado é
frequentemente reforçado por uma identificação com a plateia que pode levar o cineasta a mimetizar sua
impotência72.

A consequência, segundo MacDougall, seria a criação de uma “ilusão de realidade”


que, de fato, seria “insubstancial”, pois colocaria tanto o pesquisador quanto a plateia em
uma situação desumanizada:
Ao recusarem-se a dar aos sujeitos do filme acesso ao filme, os cineastas também estão recusando a eles o acesso
a eles próprios [...]. Ao negarem uma parte de sua própria humanidade, eles negam-na a seus sujeitos. Se não em
seu comportamento, pela significação de seu método de trabalho, eles reafirmam inevitavelmente as origens
coloniais da Antropologia. [...] As tradições da ciência e da arte narrativa se combinam neste caso para
desumanizar o estudo da humanidade. É uma forma na qual observador e observado existem em mundos
separados, produzindo filmes que são monólogos73.

O cinema observacional, por desconsiderar os efeitos da presença do cineasta sobre


aquilo que sua câmera registra, ainda não retrataria o ponto de vista de quem é filmado. A
solução para este dilema, dizia MacDougall em 1973, seria a participação plena do
pesquisador em cena e de seu interlocutor (o sujeito do cinema observacional) no
processo de produção do filme. “Além do cinema observacional”, segundo ele, “está a
possibilidade de um cinema participativo”. Suas referências para esta tentativa são Flaherty e
Jean Rouch, pesquisadores que teriam descoberto um modo de “trazer a plateia para o
interior da experiência social dos sujeitos do filme”74. É desta prática de pesquisa
“participativa”, desenvolvida sob outra óptica por Rouch como uma “Antropologia
Compartilhada”, que trataremos no capítulo a seguir.
Capítulo 4
Os filmes compartilhados

Após concluir To live with herds, David MacDougall buscou ir “além do cinema
observacional” através do emprego de uma estratégia de pesquisa chamada por ele de
“participativa”. Nesta proposta, a “participação” da câmera e do cineasta na própria
substância fílmica deve ser acompanhada pela “participação” de quem é filmado. Ambos os
lados abandonariam assim a atitude passiva diante da presença da câmera e da realização do
filme, permitindo que a situação de filmagem fosse explicitada na produção e reconhecida
enquanto constituinte da construção fílmica.
Conforme colocado na introdução a este livro, a última forma de produzir filmes
etnográficos que será abordada aqui parte desta ideia de que a câmera é necessariamente a
mediadora de uma relação que ocorre entre quem filma e quem é filmado. Esta decisão
tem implicações definitivas para a percepção da posição do pesquisador e,
consequentemente, para a forma pela qual o ato de filmagem ocorre em campo e a pós-
produção é levada a cabo. Neste caso, o pesquisador e quem é filmado participam
ativamente da filmagem e assumem papéis também ativos na definição dos caminhos que
serão seguidos na conformação da versão final do filme.
Para construir sua proposta de filmes “participativos”, MacDougall contava com o
trabalho de dois importantes predecessores: Robert Flaherty, que, como vimos, construiu
Nanook of the North conjuntamente com o próprio Nanook, mostrando-lhe as tomadas já
feitas e decidindo com ele o que seria registrado a seguir; e Jean Rouch, que na década de
1950 produziu vários filmes nos quais a participação dos sujeitos filmados era condição
fundamental. Em sua série seguinte de filmes, Turkana conversations, MacDougall
desenvolveu sua própria estratégia participativa.
Sua proposta é retratada simbolicamente nas cenas iniciais do segundo filme dentre
os três que compõem esta série. Os MacDougall aparecem no filme discutindo com as
mulheres Turkana sobre o assunto que será tratado, e seguem--se imagens de David e
Judith feitas pelas próprias mulheres em uma câmera de 8 mm. Estas imagens retratam a
prática da proposta feita pelo autor em 1992, ao comentar seu texto Beyond observational
cinema que os filmes etnográficos poderiam seguir um “princípio de autoria múltipla,
conduzindo a uma forma de cinema intertextual”1. Para Grimshaw, contudo, esta
representação concreta da participação da população filmada na produção não é levada às
suas últimas conse-
quências nas Turkana conversations. Como afirma esta autora, a proposta de enfocar como
objeto do filme o próprio encontro fílmico se limita no trabalho dos MacDougall a uma
troca ou intercâmbio de informações: “[...] apesar da tentativa dos MacDougall de iniciar
uma conversação através de seus filmes Turkana, há apenas interação (uma troca de fato
unilateral) e não participação”2.
Anos mais tarde, MacDougall viria a elaborar outra proposta, a de utilizar o meio
fílmico para retratar os sentidos e o corpóreo, que não abordaremos mais detalhadamente
aqui3. A participação de fato a que Grimshaw se refere tem talvez no trabalho de Jean
Rouch sua referência insuperável. É a ele que dedicamos o item que se segue.

Jean Rouch e a “Antropologia Compartilhada”


Ao comentar sua formação em uma entrevista a Lucien Taylor, Jean Rouch
construiu um discurso autobiográfico em que valorizou diferentes elementos de sua
formação como relevantes na definição de sua carreira de pesquisador de filmes
etnográficos. Na entrevista, Rouch afirmou que seu pai foi oficial da marinha (o que
implicou mudanças constantes da família), tendo participado de expedições científicas e
assumido no fim da carreira uma posição de direção em um museu de oceanografia, que
seria posteriormente ocupada pelo explorador Jacques Cousteau. Ainda segundo Rouch, a
família de sua mãe era composta de artistas, e ele cresceu “tendo que pintar e desenhar”:
“[...] cresci cercado de artistas, escritores e cientistas. Meus pais e suas relações estavam
conectados à vanguarda da época – e isso foi importante para minha formação”.
Perguntado sobre seus “mentores”, enfim, citou como influências principais os artistas
surrealistas: “[...] minha descoberta do Manifesto do Surrealismo de Breton foi muito
importante”4.
Nestas falas retrospectivas, Rouch coloca em destaque os elementos de sua
formação que, como veremos, viriam a caracterizar o olhar etnográfico e fílmico que ele
construiu em suas principais produções: a pesquisa em sociedades não ocidentais, o olhar
artístico e o viés surrealista. Ao comentar sua trajetória, contudo, Rouch destaca outros
elementos que o conduziram ao fazer etnográfico. Sua formação universitária original foi
em Engenharia Civil. Após concluir seus estudos na École Nationale des Ponts et Chaussées,
em meio à Segunda Guerra Mundial, foi enviado à África como servidor civil para
construir estradas e pontes no Níger, então uma colônia francesa. Quando um grupo de
trabalhadores locais morreu atingido por um raio, um de seus assistentes africanos,
Damouré Zika, convidou-o a participar de uma cerimônia levada a cabo por sua avó em
sua aldeia natal. Segundo Rouch,
a cerimônia de purificação para os que foram atingidos pelo raio teve tal impacto sobre mim que fui incapaz de
escrever algo ou tirar fotografias. [...] alguns dias depois, o espírito do trovão que foi responsável por este ato
atacou novamente. Desta vez, Damouré e eu seguimos sua avó Kalia nas margens do rio, com um caderno e uma
câmera. Foi nossa primeira investigação etnográfica. [...] Enviei os materiais para Marcel Griaule, na Sociedade
de Africanistas de Paris5.

Encorajado pelas respostas dos antropólogos africanistas de Paris a suas observações,


Rouch começou a envolver-se com investigações em campo, e seu interesse aumentou na
medida em que ele percebeu que “os arbustos [africanos] apenas eram monótonos se você
passava por eles de carro”6. Após participar, em uma de suas folgas em Paris, de um
seminário do Instituto Francês da África Negra com Théodore Monod, que havia
conhecido em Dakar, dedicou-se a ler a bibliografia dos africanistas franceses, a organizar
suas notas de campo, e finalmente a desenvolver sua tese sob a orientação de Marcel
Griaule. La religion et la magie Songhay foi defendida em 1952 e publicada em 1960.
Durante a década de 1950, Rouch publicou vários textos de caráter monográfico
sobre os Songhay, baseado em sua longa convivência com este povo do Níger. A partir daí,
como afirma Stoller, “com a exceção de poucos artigos, desde 1960 Rouch concentrou-se
em fazer filmes”7, algo possibilitado por sua inserção profissional como cineasta ligado ao
Musée de l’Homme de Paris. Há assim uma exiguidade de escritos do próprio autor sobre
seus filmes ou de entrevistas com ele publicadas – estas, momentos raros e privilegiados
em que ele é “provocado a manifestar uma perspectiva filosófica de autorreflexão, a
articular aspectos de seu modo de pensar e viver que ele anteriormente poderia nunca
haver colocado em palavras”8. Esta situação ajuda a emprestar a suas produções o caráter
de uma “obra aberta”, para utilizar a expressão de Umberto Eco9: não apenas a plateia de
seus filmes mas mesmo analistas de destaque divergem às vezes diametralmente na
compreensão de suas propostas. O fazer fílmico de Rouch abre-se assim a infindáveis
polêmicas como também a inspiradores desenvolvimentos inovadores. Nas palavras de
Sztutman, “a obra deste peculiar antropólogo-cineasta, algo labiríntica, coloca questões
fundamentais sem resolvê-las por inteiro, deixando para seus sucessores enigmas e tensões
que estão para ser pensados e resolvidos”10.
Este aparente baixo investimento na escrita é apontado por vários analistas como
uma opção consciente. Como afirma Grimshaw, “Rouch prefere deixar o processo criativo
deliberadamente não examinado”11. Sztutman afirma que, se Rouch “não se prende a
modelos analíticos” nem busca “constituir um corpus teórico definido”, isto se deve ao fato
de que sua Antropologia “se revela pela prática cinematográfica, não se encontra jamais
dela dissociada e pretende compor com ela um programa ético”12. Esta opção pela prática
em detrimento da estruturação dos argumentos parece guiar o próprio projeto de
conhecimento de Rouch, que se afasta do viés da razão científica – da busca pela verdade a
partir de uma argumentação linear e logicamente consistente. Como afirma Stoller, “os
filmes de Jean Rouch não pretendem representar a verdade, mas as imagens de seus
trabalhos incorporam as verdades dos mundos e pessoas que retratam”13. É a partir da
experiência sensível que seus filmes oferecem a seus espectadores que ele busca transmitir
uma dada vivência da alteridade – o que transforma sua prática fílmica em um
instrumento de comunicação desta alteridade diverso do instrumental analítico
desenvolvido em textos monográficos antropológicos. Nas palavras evocativas do próprio
Rouch, seus filmes criam
aqueles raros momentos em que o espectador pode repentinamente entender uma linguagem desconhecida sem
o artifício das legendas, momentos em que ele pode participar de estranhas cerimônias, andar através de uma
aldeia, e cruzar lugares que ele nunca viu antes, mas que reconhece perfeitamente bem. Apenas o cinema pode
produzir este milagre14.

Esta “aspiração visionária”15 do fazer fílmico de Rouch guarda relação íntima, como
afirma Stoller16, com o projeto dos artistas surrealistas, cuja influência o próprio Rouch
coloca em destaque. No Manifesto do Surrealismo por ele citado, André Breton defende o
resgate do poder da imaginação diante da razão:
Esta imaginação que não admitiria limites, não se permite mais exercê-la senão sob as leis de uma utilidade
arbitrária. [...] a mais alta liberdade de espírito nos deixou. [...] Reduzir a imaginação à escravidão [...] é se
eximir de tudo que diria respeito ao que se chama grosseiramente de felicidade, é se eximir de tudo que se
encontra, no fundo de si, de justiça suprema. Apenas a imaginação dá conta daquilo que pode ser [...]. A atitude
realista, inspirada pelo positivismo, tem o ar hostil a todo impulso intelectual e moral. [...] Vivemos ainda sob o
reino da lógica [...], mas os procedimentos lógicos, nos nossos dias, apenas se aplicam à resolução de problemas
de interesse secundário. [...] a própria experiência se viu submetida a limites. Ela ocorre em uma jaula da qual é
cada vez mais difícil retirá-la. [...] A imaginação está talvez prestes a retomar seus direitos17.

No escopo deste livro, interessa-nos, sobretudo, compreender as estratégias


metodológicas a partir das quais Rouch implementou este projeto de uma Antropologia
calcada na imaginação e na exploração da experiência fílmica – uma experiência tanto do
pesquisador quanto dos espectadores de seus filmes. De fato, Rouch promoveu em sua
obra uma experimentação radical com todos os elementos envolvidos no fazer fílmico, em
uma atitude referida muitas vezes como uma postura de “por que não?”18. Vale destacar
que Rouch produziu mais de cem filmes, sendo que boa parte deles de um “caráter
ortodoxo de documentação”19, mas suas obras mais estudadas e lembradas são aquelas em
que propôs inovações formais e metodológicas. Nas páginas que se seguem, assim,
exploraremos brevemente algumas destas inovações: o desenvolvimento de uma noção
radical de “participação” dos sujeitos filmados, desembocando em sua noção de uma
“Antropologia Compartilhada”; a exploração das possibilidades da imaginação na chamada
“etnoficção”; o desenvolvimento de diferentes estratégias de edição e pós-produção
sonora; e o papel inovador atribuído à narração do autor do filme.
Comecemos então falando da participação dos sujeitos filmados na constituição da
substância fílmica. Vimos como Robert Flaherty produziu Nanook of the North não a partir
da observação da rotina de Nanook, mas convidando-o a sugerir os temas a serem
filmados, a comentar as tomadas já realizadas e a construir assim conjuntamente as ações
que se desenrolavam diante da câmera. Com os avanços técnicos que permitiram o
registro do som de modo síncrono às imagens, no início da década de 1960, Rouch pôde
levar adiante esta proposta de Flaherty, pois, como comenta Sztutman, não era mais
necessário criar situações artificiais para assegurar a qualidade do que era filmado20. Não
submetida a estes constrangimentos técnicos, a câmera participante poderia ser
manipulada e mover-se à vontade, registrando então as nuances da relação entre quem
filma e quem é filmado e a própria experiência vivida deste registro.
A partir desta possibilidade, Rouch desenvolveu um tipo de relação com as pessoas
com quem filmava “não predicada no registro de uma realidade etnográfica objetiva, [mas
na qual] as realidades etnográficas eram produzidas no e através do próprio encontro
etnográfico”21. Rouch referiu-se a esta abordagem como “intervir para provocar uma certa
realidade”22: o conceito de participação com que ele operava, assim, “nos remete à
capacidade de transformação e alteração a que estão submetidos os chamados nativos e
pesquisadores numa relação entre sujeitos”23, e não entre um pesquisador visto como
sujeito e um observado tratado como objeto de estudo.
Deste modo, por exemplo, em Chronique d’un été, filme lançado em 1961 no qual
Rouch e o sociólogo Edgar Morin questionam os parisienses acerca de seu modo de vida e
de sua possível felicidade, os dois pesquisadores – e seu aparato de filmagem – não são de
modo algum invisíveis. Morin e Rouch aparecem diante das lentes, intervêm nas falas dos
sujeitos entrevistados e causam encontros que nunca teriam ocorrido sem a presença da
câmera (como aquele entre um operário da Renault, Angelo, e um estudante de origem
africana, Landry). Ao mesmo tempo, os próprios sujeitos filmados têm consciência da
presença da câmera, e suas falas e atitudes são moduladas por esta presença. Isto ocorre,
por exemplo, nas cenas em que Marceline relembra sua extradição para um campo de
concentração nazista, como ela própria afirmou mais tarde24, ou em que a estudante
Marilou representa a náusea existencialista de sua vida ao inclinar sua cabeça, fechar seus
olhos e “encenar uma fantasia de morte ou de imaginação de que nunca tivesse nascido”25.
Nestas situações, o próprio Rouch não se esforça para deixar as pessoas à vontade para se
revelarem diante da câmera: sua expectativa, ao contrário, é que a situação de filmagem as
leve a “atuar, mentir, sentir-se desconfortáveis” e assim a revelar aspectos mais profundos e
inesperados de si mesmas26. Sua câmera participa, assim, ativamente da situação de
filmagem, conduzindo a uma compreensão de “participação” muito diversa daquela
envolvida na “observação participante” de Malinowski e do cinema observacional. Em suas
próprias palavras, “é devido a seu equipamento [...] que o cineasta pode jogar-se em um
ritual, integrar-se a ele, [...] tornando a si mesmo e ao operador de som não mais
invisíveis, mas participantes no evento que se desenrola”27.
Esta participação é máxima quando o operador da câmera abandona o tripé e anda
com ela, acompanhando os eventos, sendo “assim capaz de penetrar na realidade, ao invés
de deixá-la desenrolar-se diante do observador”28. No filme Les tambours d’avant: Tourou et
Bitti, Rouch acompanhou, em uma única tomada de cerca de onze minutos, um ritual de
possessão Songhay. Em sua análise desta filmagem, refletiu sobre a participação de sua
câmera no evento, a partir da própria teoria nativa Songhay acerca da possessão, tentando
compreender através deste “etnodiálogo” como o conjunto “Rouch e câmera”, envolvido
nos procedimentos de filmagem, era percebido no contexto do ritual: “[...] para os
Songhay [...] o meu ‘self’ altera-se diante de seus olhos do mesmo modo que o ‘self’ dos
possuídos que dançam: é o ciné-transe de um filmando o ‘transe real’ do outro”29. Rouch
compara o fazer do operador de câmera, absorto nos detalhes técnicos da filmagem, ao
próprio estado de possessão: “[...] este estranho estado de transformação que ocorre com
o cineasta é que chamei, em analogia aos fenômenos de possessão, de ciné-transe”30. Em
última análise, para Rouch, no caso de Les tambours d’avant, “foi a própria filmagem que
destravou e acelerou o processo da possessão”31.
O conhecimento produzido sob tais condições é resultado direto assim não do
esclarecimento, por parte do analista, da situação vivida em campo – como no caso dos
filmes que chamamos aqui de expositivos –, mas sim do próprio encontro etnográfico, da
própria relação estabelecida entre o pesquisador e seu interlocutor em campo: para
Rouch, “o filme etnográfico não reside naquilo que o antropólogo filma com uma câmera,
mas é tão somente construído a partir de uma interação, uma relação propiciada por uma
pesquisa”32. É a partir desta proposta que Rouch vai desenvolver o que chama de uma
“Antropologia Compartilhada”. Vimos na introdução a este livro que Rouch concebia o
meio fílmico como um instrumental capaz de instaurar um “novo tipo de relação entre o
antropólogo e o grupo que ele estuda”. Rouch refere-se aí, por um lado, ao fato de que
este meio, ao contrário das teses escritas que serão “julgadas por comitês de teses” e jamais
lidas “pelas pessoas que o antropólogo saiu para observar”33, responde à “necessidade de
compartilhar, de produzir em um meio que permita o diálogo e a discordância cruzando
linhas sociais”34: o cinema, como destaca Sztutman, “se presta como retorno às populações
filmadas, que não leem, mas veem”35. Por outro lado, a construção conjunta do filme é
que “permite aos ‘outros etnográficos’ também tornar-se sujeitos que fazem deste estudo
algo seu”36. Para Rouch, o conhecimento assim produzido
não é mais um segredo roubado, devorado nos templos ocidentais do conhecimento; ele é o resultado de uma
busca infindável em que etnógrafos e aqueles que eles estudam se encontram, em um caminho que alguns de nós
agora chamam de “Antropologia Compartilhada”37.

O reconhecimento de que o saber produzido neste tipo de encontro etnográfico é


circunstancial e dependente da dinâmica do próprio encontro implica uma compreensão
peculiar acerca da questão da “verdade” ou “realidade”. Vimos que MacDougall defendeu
que os cineastas observacionais nunca acreditaram que o cinema observacional fosse um
retrato direto da “realidade”, tendo consciência do “estatuto contingencial e provisório de
seus achados”38. Tratando da mesma questão, Rouch não propõe que a “Antropologia
Compartilhada” seja uma prática de pesquisa mais próxima da “verdade” do que outras,
por supostamente contemplar uma “realidade” do encontro etnográfico de forma mais
fidedigna: a partir de sua leitura de Vertov, o cineasta russo criticado por Marshall, Rouch
acreditava que a verdade do cinema “designa não ‘a pura verdade’, mas a verdade
particular das imagens e sons registrados – uma verdade fílmica (ciné-vérité)”39. Como
afirma Deleuze ao comentar a obra de Rouch,
então o cinema pode se chamar cinema-verdade, tanto mais que terá destruído qualquer modelo de verdade para
se tornar criador, produtor de verdade: não será um cinema da verdade, mas a verdade do cinema [...] É isso que
Jean Rouch entendia ao falar em “cinema-verdade”40.

Esta compreensão possibilita a Rouch efetivamente adotar as propostas de Breton e


liberar a substância fílmica à imaginação dos sujeitos filmados e de quem os filma. Em
várias de suas produções, ele dá vazão ao que veio chamar de “etnoficção”: criação, diante
das câmeras, de uma ficção que reflete o modo de vida e as crenças dos diferentes sujeitos
envolvidos no filme. Em suas próprias palavras, esta “parte ficcional de todos nós é para
mim a mais real de um indivíduo”41. É o que ocorre com a cena de Marilou em Chronique
d’un été, citada acima: mesmo que ela, ao encenar sua náusea, esteja sendo teatral, como
afirma Rothman, “não é possível representar uma mulher assim sem que ela seja uma
mulher assim”42.
A proposta da “etnoficção” rompe com a fronteira estanque entre ficção e
documentário. Nos filmes Jaguar e Moi, un noir, Rouch leva a cabo esta proposta ao sugerir
aos sujeitos filmados que façam “um filme em que representariam a si mesmos e [em que]
poderiam fazer e falar o que quisessem”43. Rouch seguiu então as improvisações dos
sujeitos com sua câmera e, após a edição das tomadas, feitas ainda antes do advento do
som síncrono, convidou-os a narrar em estúdio a história que haviam criado
conjuntamente. Os personagens de Moi, un noir, em sua representação da realidade vivida
através do cinema, falam de sua situação como migrantes vindos da aldeia para a cidade,
imaginam-se atores de cinema e boxeadores de sucesso, vivem aventuras amorosas. Já os
personagens de Jaguar saem da aldeia para a cidade e vivem diante da câmera as
dificuldades da migração, o sonho de enriquecer e o retorno triunfante, transformados, à
sua aldeia de origem. Em ambos os casos, tem-se um retrato da situação da migração feito
não pela observação e análise de suas contingências concretas, mas filtrado pela
imaginação de sujeitos que criavam uma aventura migratória ao mesmo tempo que a
viviam: como afirma Gonçalves, “o filme demonstra de forma etnograficamente densa [...]
a dificuldade da migração, os desejos, as frustrações, os valores que estão em jogo quando
se é estrangeiro”, dando deste modo à etnografia “a confiança de tomar o que as pessoas
imaginam como sendo uma verdade, isto é, a verdade da etnografia”44. Indo além das
fronteiras entre documentário e ficção, a estratégia da “etnoficção” “envolve a pesquisa
etnográfica, circunstâncias verdadeiras, estória, improvisação e reação participante”45.
A experimentação de Rouch estendia-se também às etapas de pós-produção. Tanto
seu trabalho de edição e montagem quanto sua inserção de uma narração emprestam o
mesmo privilégio à imaginação – em detrimento da observação –, que ele colocava em
destaque no momento da filmagem. Sua proposta assim é, neste sentido, simetricamente
oposta àquela do cinema observacional: o mesmo Vertov cujo método de montagem das
cenas na mesa de edição foi criticado por Marshall é constantemente citado por Rouch
como uma de suas principais inspirações, ao lado de Flaherty e sua estratégia participativa.
Para Rouch, o ciné-transe, a improvisação da câmera que se move em meio à filmagem,
dela participando “como um toureiro que se move em frente ao touro”, é “uma primeira
síntese do cine-olho de Vertov e da câmera participante de Flaherty”46. Ao comentar a
etapa da pós-produção, Rouch defende que o responsável pela edição, necessariamente
uma pessoa diferente da que filmou, siga a proposta de Vertov na “associação (adição,
subtração, multiplicação, divisão, agrupamento) de partes similares de filme [...] até que
as partes corretas componham uma ordem rítmica em que cadeias de significado
coincidam com cadeias de imagens”47. Pierre Brauberger, produtor de vários filmes de
Rouch, comentou que, para Rouch, é “somente na montagem que o filme ganha
concretude, sendo mesmo recriado, e originando um filme muito diferente do que havia
sido filmado”48. O uso da montagem é, para Rouch, assim, tão válido quanto é para
Gardner.
Já a narração, em seus filmes, segue um caminho próprio, diverso daqueles
empregados por outras estratégias. Em suas “etnoficções”, como vimos, os narradores
recriam a filmagem no momento em que comentam as imagens finalizadas em estúdio –
um modo criativo de superar a inexistência de som síncrono nas suas filmagens feitas na
década de 1950. Em outros momentos, é o próprio Rouch quem recria a filmagem com
sua voz. Em Les maîtres fous, um de seus primeiros filmes, ele comenta em sua narração as
cenas de um ritual de possessão que se passa na tela, ao longo do qual os sujeitos possuídos
incorporam os espíritos de seus “mestres loucos”, os colonizadores ingleses. Ao narrar Les
maîtres fous, Rouch recria com sua fala os eventos registrados: “[...] por meio da narração
[...] Rouch fala conosco como se estivesse em nossa presença, vendo o filme conosco”49.
Sua voz ritmada, veloz e cadenciada “torna-se um canto ritual” que “gera uma participação
completa em uma experiência cinemática”50. Como afirma Gonçalves,
a densidade etnográfica textual narrada por Rouch nos orienta a assumir um ponto de vista estritamente
sensorial-etnográfico. Trata-se de um filme-narração, [...] fazendo dialogar estes dois planos que estão em franca
competição, dividindo a atenção do espectador, cindindo-a, no sentido de permitir que o espectador se situe
entre os dois registros51.

Rouch visa assim a criar na plateia uma experiência controlada dos eventos
registrados no filme. Este uso da narração é assim muito diverso da voz explicativa
empregada nos filmes expositivos. Rouch não pretende esclarecer o que se passa nas
imagens, algo que ele critica diretamente enquanto um “discurso objetivo suposto como
um tipo de exposição científica, um manual provendo a maior quantidade possível de
informações”52. A narração serve-lhe antes para propiciar ao espectador uma experiência
da alteridade registrada na tela – apelando novamente para a imaginação da plateia, em
detrimento de sua razão.
A inventividade e a ousadia das experimentações de Rouch, aliadas à ressonância que
suas propostas encontraram nas críticas metodológicas surgidas no campo da Antropologia
a partir da década de 1980, levaram-no a ser talvez o único pesquisador aqui tratado cuja
obra pôde servir de referência para o avanço das discussões mais gerais deste campo de
conhecimento. Especialmente na última década, muitos antropólogos têm se inspirado em
sua inventividade e em suas ideias para tentar levar adiante as fronteiras da disciplina. Por
um lado, seus trabalhos permitem o avanço do conhecimento na área específica à qual ele
se dedicou, como a compreensão que ele construiu em seus filmes de que os rituais de
possessão africanos escapam ao domínio religioso para tornar-
-se um modo de conhecimento a respeito do mundo53. Por outro lado, Rouch inspira
reflexões sobre as implicações da inserção do antropólogo em campo54, sobre a
possibilidade de tratar concepções de populações não ocidentais “como se fossem
antropologia”55, e mesmo sobre o próprio fundamento do projeto antropológico de
construir um saber a partir da experiência da alteridade – ao “querer ultrapassar uma
oposição concebida em termos de uma filosofia bipolar [...], desestabilizando o lugar do
sujeito/objeto na construção da etnografia”56. Mesmo tendo sido alvo de críticas de seus
próprios interlocutores africanos, que o acusaram de não construir um retrato que
contemplasse suas visões acerca de suas vidas57 ou de elaborar fantasias rouchianas e não
deles próprios em seus filmes58, Rouch firmou propostas que se mantêm como algumas
das principais fontes de inovações metodológicas para a produção de filmes etnográficos.

O projeto “Vídeo nas Aldeias”


Ao vislumbrar o futuro da produção de filmes etnográficos em 1973, Rouch
imaginava a possibilidade de levar o projeto de uma “Antropologia Compartilhada” a seu
limite:
E amanhã?... Amanhã será a época do vídeo colorido, da edição totalmente portátil e do feedback instantâneo. O
que significa dizer o tempo do sonho conjunto de Vertov e Flaherty [...] de uma câmera que possa participar de
forma tão total que passará automaticamente às mãos daqueles que, até agora, estiveram sempre em frente às
lentes. Neste ponto, antropólogos não controlarão mais o monopólio da observação: sua cultura e eles próprios
serão observados e registrados. E deste modo o filme etnográfico nos ajudará a “compartilhar” a antropologia59.

A ideia de passar a câmera às mãos dos “nativos” tornou-se o fundamento de uma


nova proposta fílmica. Vários pesquisadores se dedicaram à ideia de fornecer
equipamentos de filmagem e um treinamento técnico básico a populações em geral
consideradas objetos da atenção dos filmes etnográficos. Ainda na década de 1960, Sol
Worth e John Adair ensinaram jovens índios Navajo a operar filmadoras “sem as
convenções de produção e edição ocidental, para ver se seus filmes refletiriam uma visão
fílmica distintamente Navajo”60. O projeto Navajo film themselves resultou em sete curtas-
metragens e um livro de Worth e Adair chamado Through Navajo Eyes. Neste livro, os
autores afirmam que o uso do meio fílmico para observar as “atitudes [dos Navajo] ao fazer
os filmes e seus modos de organizar e padronizar sua visão de mundo [...] oferece um
método pelo qual alguns nativos em um curto período de tempo podem produzir uma
afirmação visual de seu olhar acerca de sua cultura”61. No entanto, seu projeto esgotou-se
após estas publicações. Afirmando que até então não haviam sido produzidos outros
estudos nestes moldes, Worth e Adair concluíram que mais pesquisas deveriam ser feitas
para que fosse possível chegar a generalizações mais precisas sobre o assunto62.
Ainda na mesma década de 1960, o governo canadense fomentou o projeto Challenge
for change, dentro do qual habitantes das Ilhas do Fogo selecionaram assuntos e locais a
serem filmados, participando também do processo de edição, o que estimulou “discussões
que promoveram sua consciência de que tinham os mesmos problemas e fortaleceu sua
identidade coletiva”63. A partir do início da década de 1970, igualmente, vários grupos
indígenas norte-americanos
produziram inúmeros documentários. Frequentemente compartilhando um comprometimento à causa da justiça
e liberdade indígenas, eles tipicamente empregam a mídia visual para aumentar a consciência do público acerca
de direitos legais, pedidos de terra, direitos à caça e à pesca, liberdade religiosa, preservação da língua64.
Em 1976, financiada por verbas oficiais, a rede de radiodifusão Native American Public
Telecommunications passou a transmitir os programas feitos por estes diretores, com o
objetivo de tornar-se “o recurso nacional competente para uma programação autêntica,
educacional e de entretenimento feita por e sobre Americanos Nativos”65. O lançamento
de satélites de comunicações sobre o círculo polar ártico e sobre os desertos do interior
australiano também estimulou populações nativas Inuit e aborígenes a solicitarem fundos
oficiais para criarem seus próprios canais de televisão com programação local, visando a
“ressignificar a memória cultural em seus próprios termos”, “produzir e mostrar suas
próprias produções como alternativas à televisão dominante captada via satélite” e “mudar
como as realidades nativas são entendidas pelo público mais amplo”66. Todos estes
desenvolvimentos, além de demonstrar a “inescapável presença da mídia como uma força
cultural contemporânea”, possibilitaram a diferentes grupos minoritários “empregar uma
variedade de meios para afirmar sua presença cultural e política”67 – invertendo assim “o
que as pessoas presumem ser as relações causais entre mídia e alienação”68.
Talvez a exploração mais contínua e sistemática das injunções da produção de filmes
etnográficos por “nativos” seja o projeto “Vídeo nas Aldeias”. O projeto surgiu no âmbito
do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), uma organização não governamental criada no
Brasil em 1979 com o objetivo de promover programas de intervenção nas comunidades
indígenas. Em 1987, o projeto foi criado por um grupo composto, dentre outros, pelas
antropólogas Virgínia Valadão e Dominique Gallois e pelo indigenista Vincent Carelli. Este
grupo desenvolveu estratégias participativas de pesquisa que envolviam o emprego de
recursos audiovisuais. Mais tarde, o projeto desenvolveu uma estrutura própria e hoje é
coordenado por Carelli.
Carelli relata que ainda na década de 1970 havia sido procurado pelo cineasta
Andrea Tonacci, que propunha a criação de um projeto de comunicação intertribal através
do vídeo. A ideia apenas foi levada adiante, contudo, com o surgimento de tecnologias
mais baratas de produção de vídeo – no caso, as filmadoras VHS69. Desde os primeiros
filmes produzidos nesta época, segundo afirma o próprio Carelli, “o que interessava no
vídeo era a possibilidade de mostrar imediatamente o que se filmava e permitir a
apropriação da imagem pelos índios”70. Os primeiros registros eram feitos especialmente
acerca de rituais, buscando seu registro integral, e filmados pelo próprio Carelli.
Contando com o subsídio de fundações internacionais, Carelli começou a formar
jovens cineastas indígenas na década de 1990. Se na origem seu projeto era “tornar
acessíveis aos índios a visão, a produção e a manipulação de sua própria imagem”71, a partir
de então o “Vídeo nas Aldeias” passou a não apenas documentar rituais, mas também a
capacitar cineastas nativos para fazerem seus próprios filmes, de modo que eles pudessem
“ser assistidos em festivais e também servir como narrativas para uma cultura indígena
emergente”72.
Os primeiros projetos ligados ao “Vídeo nas Aldeias” contaram com a reflexão e a
participação fundamental de antropólogos especializados nos grupos em que as filmagens
foram realizadas – participação que, como afirma Aufderheide, “convenceu Carelli a
refletir sobre suas estratégias formais” e a adotar “abordagens do cinema direto, reduzindo
a voz em off e capturando os debates dos índios sobre questões de identidade após eles
terem visto os filmes”73. Dentre os filmes mais marcantes feitos nos primeiros anos,
destacam-se aqueles dos índios Kayapó, feitos com a colaboração de Terence Turner, e dos
índios Waiãpi, feitos com a colaboração de Dominique Gallois. Em 1995, Gallois e Carelli
publicaram um artigo em que afirmam que seu objetivo era a construção conjunta de
filmes com e para os sujeitos da pesquisa, tentando assim concretizar o projeto de uma
“Antropologia Compartilhada”, de Rouch74. A partir da ideia de que “a forma mais
eficiente de fortalecer a autonomia de um grupo é permitir que se reconheça,
demarcando-se dos outros, numa identidade coletiva”, estes trabalhos tencionavam tornar
acessível o uso da mídia audiovisual como um instrumento para a consecução deste
objetivo pela ação das próprias populações indígenas75. Com projetos voltados ao
atendimento de demandas específicas de cada comunidade, o uso da mídia audiovisual
rapidamente assumiu uma função predominantemente política: transformada em uma
“forma de ação social” em um processo “engajado na mediação de cultura”76, ela teve seu
emprego compreendido a partir de uma “posição firme”:
As funções centrais do trabalho em vídeo não eram acadêmicas nem comerciais, mas políticas. Os filmes feitos
por e com os índios estavam a serviço da identidade tribal e da consciência da ideia de “índio”, com a qual alguns
grupos não estavam habituados. [...] Os índios rapidamente compreenderam o status trazido por ter habilidades
com vídeo, uma videoteca, e atenção para além das fronteiras da Funai. Eles começaram a usar os vídeos como
cartão de visita à medida que estabeleciam relações com grupos culturais aparentados no desenvolvimento de
coalizões políticas77.

As relações com os brancos também se alteraram, em vários grupos, a partir da


participação no projeto. Em um segundo artigo, Gallois e Carelli demonstram como os
índios Waiãpi romperam com sua forma tradicional de tomadas de decisões – um diálogo
restrito, ritualizado e hierarquizado – e com as retóricas “de branco” empregadas nas
assembleias indígenas para adotar, a partir do uso do vídeo, uma forma performatizada
para realizar seus pedidos políticos, obtendo muito mais visibilidade para suas demandas78.
Este “efeito catalisador de reflexões produzidas durante e após a implantação do Projeto
[...] levou os Waiãpi a planejar formas mais eficientes de negociação que aquelas que
vinham tomando nos últimos anos”, implicando uma mudança na dinâmica de suas
relações com a sociedade englobante79. Seus filmes também serviram como uma
tecnologia de mediação para conseguir apoios de organizações não governamentais para
suas causas80.
Ao mesmo tempo, a ideia de atender às demandas específicas de cada grupo levou ao
desenvolvimento de filmes com outros objetivos dentro do quadro geral do projeto.
Como afirma Aufderheide,
alguns filmes foram feitos para convencer financiadores e outros apoiadores internacionais do valor do projeto
como um todo. Outros – por exemplo, A festa da moça – foram feitos para permitir que um povo veja a si
próprio. Alguns foram feitos pelos índios para registrar celebrações e ri-
tuais significativos, manter um registro, deixar uma memória para seus descendentes, e para compartilhar sua
cultura com povos aparentados. Alguns foram feitos para encontrar estórias dentro da vida cotidiana, e para
explorar as responsabilidades do próprio projeto narrativo81.

Em todos estes casos, o vídeo teve para as populações nativas funções instrumentais,
visando à preservação e à transmissão de elementos culturais ou ao atendimento das
reivindicações de cada grupo. Ao mesmo tempo, os estudiosos do projeto “Vídeo nas
Aldeias” aproveitaram a observação do uso deste instrumental para tentar compreender
como estas populações se apropriavam do meio audiovisual. Neste sentido, Gallois e
Carelli afirmaram que tal meio se presta perfeitamente à comunicação em sociedades de
tradição oral, devido à sua capacidade evocativa ao recorrer a imagens culturalmente
legíveis82. Esta ideia foi contestada por estudiosos como James Weiner, que questionou se
as tecnologias ocidentais de produção de imagens não estariam imbuídas de uma
“metafísica particular” inerente, afastando-se assim dos “modos de articulação relacional”
de populações não ocidentais – tidos por ele como não representacionais83. Os estudiosos
envolvidos no projeto, contudo, afirmaram que as populações que utilizaram o vídeo
construíram um olhar próprio a seu respeito. Os Waiãpi, por exemplo, seguiam práticas
profiláticas para defender-se das possíveis consequências das projeções de rituais de
xamanismo guarani. Interpretando as oscilações de cores das TVs de tubos catódicos como
sendo as substâncias manipuladas pelos xamãs em seus rituais, evitavam que pessoas em
estados liminares assistissem aos vídeos, protegiam-se pela pintura corporal ou por regras
de comportamento, e contavam com a presença de xamã em frente à tela como escudo
para estas substâncias agressoras84. Já os Kayapó, ao produzir seus próprios vídeos,
seguiram, segundo Turner, a lógica dos rituais que filmavam para estruturar o próprio
filme, construindo-o a partir das atitudes e valores de sua cultura. Sua noção de
representação enquanto imitação e replicação também se refletiu na “mimese
performativa” do drama ritual em frente às câmeras85.
Concomitantemente, as práticas do projeto demonstraram que o uso do meio
audiovisual gerou transformações no modo pelo qual as populações indígenas percebem a
realidade ao seu redor. Gallois e Carelli compararam o impacto da memória audiovisual
contida nas produções fílmicas ao impacto do surgimento da escrita em sociedades de
tradição oral, conforme as reflexões de Goody a respeito do assunto: “[...] da mesma
forma que a introdução da escrita estudada por este autor, o acesso ao vídeo permitiria aos
povos indígenas tomar consciência das diferenças e das alternativas”, por prestar-se à
criação de um pensamento construtivo e acumulativo86. Sua percepção do tempo, da
historicidade e da coexistência de povos indígenas com características diversas possibilitou
a geração de esquemas de classificação que escapavam aos raciocínios míticos empregados
tradicionalmente. De modo similar, para Turner “a noção de uma realidade social
determinada objetivamente, [...] que muitas sociedades não letradas adquirem pelo meio
da escrita, surgiu para os Kayapó e alguns outros povos através do meio do filme e do
vídeo”87. Ao invés de operar assim com uma visão segundo a qual “toda e qualquer
apropriação dos elementos de nossa civilização pelos índios é vista como uma degradação,
uma perda da [...] ‘pureza’ de sua cultura original”88, os estudiosos do projeto se
esforçaram por compreender como o vídeo foi tomado como uma “tecnologia de
mediação”89, como um instrumento empregado para “produzir relações sociais, valores e
identidades para si próprios”90.
A prática de produção de filmes no escopo do projeto “Vídeo nas Aldeias” é descrita
da seguinte forma por Carelli:
Sem roteiro pré-concebido, a captação do material dos cineastas indígenas nas oficinas se dá de maneira intuitiva,
empírica e livre, atenta ao imprevisto, ao espontâneo, à livre expressão e criação dos seus personagens. Filmes
que brotam naturalmente da interação e cumplicidade dos cineastas indígenas com seus personagens, que são tão
autores dos filmes quanto seus cinegrafistas. [...] O espaço da oficina é um espaço aberto, pelo qual toda a aldeia
circula. Todas as noites são realizadas projeções a céu aberto, onde são exibidos filmes de outras comunidades,
documentários, ficções, e momentos especiais produzidos pelos alunos ao longo da oficina. De modo que,
durante três semanas, um mês, os alunos, os personagens e a comunidade como um todo se veem imersos em
cinema91.

Em 2011, foi publicado um livro de balanço do projeto, constituído em grande


parte dos depoimentos de cineastas indígenas e da equipe do “Vídeo nas Aldeias” que
trabalhou com eles, que busca fornecer um panorama da dinâmica de funcionamento
deste “processo colaborativo”92. Alguns dos filmes produzidos no quadro do projeto foram
escolhidos para compor um portfólio que acompanha o livro. Dentre eles, O Espírito da
TV, de 1990, documenta as reações dos índios Waiãpi à presença da TV e dos
equipamentos de filmagem e suas percepções acerca de seu funcionamento, e mostra as
reflexões que os vídeos vistos elicitaram na tribo; A Arca dos Zo’é trata da visita que um
índio e um cinegrafista Waiãpi, de uma tribo com uma longa história de contato com os
brancos, fizeram à tribo recém-contatada dos Zo’é, mostrando como o projeto também
fomentou interações diretas entre grupos indígenas; enfim, Shomõtsi é uma crônica do
cotidiano de um índio Ashaninka e de sua ida à cidade para receber o dinheiro de sua
aposentadoria, enfocando as relações estabelecidas neste caso entre os “índios” e o mundo
dos “brancos”.
Qual o papel de antropólogos e da equipe do “Vídeo nas Aldeias” na produção destes
filmes? Ao comentar este assunto, Carelli afirma que
a nossa participação no processo de captação se dá na retaguarda, já que raramente participamos
presencialmente das filmagens, ao revisar com eles as imagens. É isso que justamente permite que seu olhar se
expresse. [Mas] é claro que orientar uma oficina é também fazer junto [...]. Trata-se de um processo coletivo e
colaborativo entre índios e não índios, de aprendizagem progressiva e realização93.

Esta questão atinge o cerne de desenvolvimentos recentes da Antropologia como


um todo. A crítica aos fundamentos coloniais da teoria antropológica clássica colocou em
relevo nas últimas décadas a possibilidade de uma construção compartilhada do saber
entre os pesquisadores e seus interlocutores. Pesquisadores da área de filmes etnográficos
ligados a esta vertente adotam a posição de que os métodos não colaborativos de produção
fílmica foram, sim, definitivamente superados.
Outros pesquisadores questionam o alcance desta crítica. Ruby, por exemplo,
defendendo uma compreensão clássica da Antropologia como ciência, questiona se as
produções feitas pelos próprios nativos seriam mesmo mais privilegiadas. Para ele, não se
deveria assumir como princípio que quem mais conhece uma dada realidade seja a própria
pessoa que a vive: “[...] estes filmes parecem sugerir que o que os sujeitos dizem sobre si
próprios e sua situação deve ser aceito literalmente. [...] O que as pessoas dizem sobre si
próprias são dados a serem interpretados, não a verdade”94. Henley defende a mesma ideia
ao argumentar que, sendo “relatos de gente de dentro”, os filmes feitos por nativos, “como
também ocorre com a autobiografia de um indivíduo, [...] são tão poderosos quanto
limitados ao seu modo”95. Por outro lado, Ruby destaca que o fato de um filme ser feito
por um nativo não é uma garantia de que ele seja mais “democrático”:
[...] ele não necessariamente indica uma alteração significativa da relação entre o cineasta e quem é filmado. Os
diretores podem ser oriundos das comunidades que filmam, mas muitos deles continuam com o padrão
dominante de manter o controle da produção do filme. Os sujeitos permanecem passivamente cooperativos96.

Por fim, Henley coloca uma questão fundamental: o projeto de conhecimento da


Antropologia não é contemplado quando os próprios nativos utilizam os meios
audiovisuais de acordo com seus interesses e seu próprio olhar. Deveria ele ser
abandonado? Em suas palavras,
não há razão necessária para que os produtores de mídia indígena devam querer abordar o mesmo espectro de
temas que os antropólogos, nem abordá-los de maneira a articulá-los com os debates mais amplos da disciplina
acadêmica. [...] independentemente de quão valiosos esses efeitos possam ser em si mesmos, a contribuição que
esses projetos têm dado para o projeto intelectual da Antropologia como um todo, embora inegável, tem sido
dentro de uma faixa relativamente estreita97.

A partir de outro ponto de vista, e defendendo a validade do conhecimento


produzido a partir do quadro conceitual da disciplina antropológica como um ponto de
vista também legítimo, Ginsburg é categórica ao afirmar que “não advogo de modo algum
que a mídia nativa deveria substituir o filme etnográfico, como foi sugerido por alguns
críticos”98. Para ela, tal postura acabaria inadvertidamente por reinstaurar uma leitura
essencialista por ter como pressupostos “as próprias noções de ‘nós’ e ‘eles’ como
separadas” e por não reconhecer a complexidade e a instabilidade implicada nos processos
de constituição identitária99. A importância dos filmes feitos pelas próprias populações
filmadas residiria então no desafio que eles colocam à produção de filmes etnográficos por
antropólogos. Segundo Ginsburg, eles implicariam a necessidade de complexificar a
compreensão do significado desta tarefa, ao colocar em destaque a existência de múltiplos
pontos de vista possíveis na criação e recepção de representações fílmicas. Eles gerariam
assim um impacto positivo no campo dos filmes etnográficos ao deslocar o ponto de vista
do observador, criando um efeito de perspectiva similar ao “efeito paralaxe” descrito pelos
astrônomos:
Na Astronomia, esta expressão foi inventada para o fenômeno que ocorre quando uma mudança na posição do
observador cria a ilusão de que um objeto foi relocado ou movido. [...] Baseando-se em um princípio similar,
pode-
-se entender a mídia indígena como advinda de um posicionamento historicamente novo do observador por trás
da câmera, fazendo com que o objeto – a representação cinemática da cultura – apareça diferente do que a partir
da perspectiva observacional do filme etnográfico. Ao justapor estes tipos de perspectiva cinemática, diferentes
mas relacionados, da cultura, pode-se criar um tipo de efeito paralaxe; se controlados analiticamente, estes
“ângulos de visão ligeiramente diferentes” podem oferecer uma compreensão da complexidade do fenômeno
social que chamamos de cultura e das representações de mídia que se ligam a ela conscientemente. [...]
Estabelecer as relações entre estas diferentes práticas pode auxiliar-nos a expandir nossa compreensão das
possibilidades do campo e renovar seus propósitos contemporâneos100.

Estas discussões demonstram como as questões implicadas pela produção da “mídia


nativa” geram polêmicas intensas e como diferentes estudiosos defendem posições
marcadamente opostas a respeito de sua significação. Por este motivo, desde os primeiros
esforços de Flaherty, passando pela inventividade da imaginação experimentalista de
Rouch, e chegando à implementação de um projeto efetivo de produção compartilhada de
filmes no quadro do projeto “Vídeo nas Aldeias”, a estratégia a que aqui nos referimos
como a dos “filmes compartilhados” tem se constituído em uma das principais
dinamizadoras das discussões no campo dos filmes etnográficos.
Perspectivas
Com os desenvolvimentos tecnológicos recentes e o barateamento das tecnologias
de produção audiovisual, uma exploração mais profunda dos filmes etnográficos e sua
incorporação ao repertório metodológico geral da Antropologia parecem hoje
necessidades incontornáveis para o futuro da disciplina. Se até há poucos anos as
dificuldades logísticas e financeiras tornavam o recurso a este instrumental um desafio,
atualmente as potencialidades oferecidas pelo recurso à linguagem audiovisual demandam
dos antropólogos um maior investimento prático e conceitual nesta área.
Como vimos ao longo deste texto, os filmes etnográficos levam certas questões
metodológicas do fazer antropológico ao seu limite: a definição do estatuto
epistemológico dos dados de campo, as consequências de sua organização em forma de um
texto (fílmico ou escrito), as injunções do uso da linguagem (visual ou verbal) na
transmissão de saberes e práticas de grupos sociais diversos – estes e outros nós do fazer
etnográfico assumem uma dimensão prática imediata quando colocados a serviço da
produção de filmes. A possibilidade de entrega de um produto multissensorial, divorciado
da pura descrição textual implicada nos textos monográficos escritos, parece igualmente
abrir novas possibilidades para o projeto antropológico de comunicar o entendimento do
mundo dos grupos enfocados em seus estudos.
Contemporaneamente, é possível observar um crescimento exponencial desta área.
No Brasil, cada vez mais programas de pós-graduação em Antropologia ou em Cinema
oferecem disciplinas e vagas para candidatos que desejem desenvolver projetos fílmicos de
caráter etnográfico1. A revista Cadernos de Antropologia e Imagem constituiu-se como um
fórum de discussão e divulgação para os pesquisadores brasileiros da área, e o número de
livros sobre o assunto tem crescido regularmente – vários deles foram fundamentais na
construção dos argumentos apresentados neste livro. Editais como o Etnodoc, prêmios
como o Pierre Verger da Associação Brasileira de Antropologia e festivais como os que
vêm ocorrendo regularmente no Rio de Janeiro2 e no Recife nos últimos anos fomentam a
produção e a divulgação destes filmes. Esforços têm sido levados a cabo no sentido da
criação e da institucionalização de um sistema de avaliação da qualidade das produções
imagéticas, com o objetivo de valorizar as produções feitas por estudiosos da área. Falta
ainda uma integração do instrumental audiovisual à formação metodológica em
Antropologia – idealmente, como afirma Rouch, “é essencial que sejam ensinadas
habilidades de registro de sons e imagens para estudantes de Antropologia”3, de modo que
o recurso a este instrumental seja incorporado como um dos artefatos básicos na formação
de um antropólogo. Torna-se necessário ainda, finalmente, criar um corpus mais denso de
reflexões, discussões e propostas para o desenvolvimento destes projetos – objetivo para o
qual este livro se propõe a ser uma contribuição adicional.
No panorama atual da área, especialmente no Brasil e na França, há um privilégio
metodológico emprestado aos filmes compartilhados: se esta estratégia talvez não seja
dominante nas produções realizadas, ao menos parece ser a mais adotada como base para
as leituras críticas feitas sobre as produções fílmicas que se desejam etnográficas. Ela é
defendida, por exemplo, por Claudine de France, ao definir sua proposta de uma
“Antropologia Fílmica”. Para esta autora, a reflexividade própria à proposta de Jean Rouch
é incontornável, pois
a reprodução audiovisual das manifestações do real introduz, no aparelho de pesquisa do antropólogo, uma
reviravolta da qual ele nem sempre tem consciência, mas que cedo ou tarde o conduz a repensar a natureza e o
status do observado, as relações entre o observador e o observado [...] no interior da pesquisa antropológica4.

A incorporação da participação efetiva do observado teria assim um “status de


referência epistemológica mais legítimo”, implicando uma “evolução de ordem
epistemológica” paralela aos “progressos realizados pela instrumentação”, e expressando
assim “uma certa maturidade da disciplina”5. Tal estratégia teria então relegado ao passado
tanto os filmes expositivos, em que “a escrita precedia a pesquisa por meio da direção que
ela imprimia ao olhar”, quanto os observacionais, cujos autores deveriam “abandonar seu
confortável anonimato” para “situar-se, eles próprios, o mais claramente possível, no
interior da relação de observação” e explicitar “as leis de mise en scène – ou leis cenográficas
– que lhes definem indiretamente os poderes e os limites”6.
De modo similar, no início de seus desenvolvimentos o cinema observacional
significou, para vários pesquisadores, uma crítica definitiva da estratégia de produção de
filmes expositivos, que para eles priorizava a leitura do pesquisador em detrimento da
observação das práticas das populações pesquisadas. Isto não significa, no entanto, que a
produção de filmes expositivos tenha sido superada ou deixada de lado, pois, para
pesquisadores que ainda os produzem, o fato de que um filme reflete o ponto de vista de
seu diretor é incontornável, mesmo se ele utiliza a estratégia observacional.
Os próprios filmes observacionais vêm sendo defendidos diante das críticas advindas
de estudiosos que seguem a estratégia dos filmes compartilhados, especialmente na
Inglaterra. Referindo-se a esta questão, Anna Grimshaw afirma que os antropólogos
adotaram uma dicotomia entre práticas de pesquisa “conservadoras” e “progressivas” sem
“questionar seriamente se há, de fato, algo inerentemente radical ou conservador em cada
uma destas sensibilidades estéticas”7. Comentando vários filmes observacionais, ela
demonstra como a presença do cineasta não deixa de implicar participação, visto que, para
ser um observador, ele “tem que atentar ao dar e receber do encontro fílmico [...],
reconhecer a dinâmica complexa de autoria e colaboração, observação e imaginação que
constitui o trabalho em si”8. Assim, o cineasta observacional não é invisível, tendo que
dividir o espaço continuamente com os sujeitos observados e se engajar com o mundo ao
filmar9. A partir de outro ponto de vista, Henley também defende que “uma abordagem
para a realização de documentários em filme enraizada nos princípios do ‘cinema de
observação’ continua sendo particularmente adequada para a realização de filmes
etnográficos”, já que ela permitiria uma autoria “discreta, contida e comprometida com a
produção de textos relativamente ‘abertos’ e realistas”, resultando assim em uma
“compreensão etnográfica [...] apoiada por uma demonstração de evidência empírica que
o leitor-espectador pode acessar de forma independente”10. A autoria seria para ele assim
incontornável, algo demonstrado pelo fato de os trabalhos mais valiosos da área, capazes
de “comunicar um entendimento da experiência incorporada de modos diversos de
vida”11, terem sido feitos por realizadores que não tiveram medo de afirmar sua autoria.
Grimshaw defende ainda a estratégia observacional como uma prática de observação
adequada para implementar projetos de pesquisa calcados na exploração fenomenológica
das habilidades, práticas incorporadas e conhecimentos tácitos, como vem propondo, em
seus últimos trabalhos, o antropólogo Tim Ingold12. Por fim, David MacDougall, após
afastar-se do cinema observacional e aproximar-se do método participativo de Rouch,
voltou a produzir filmes autorais. Em seus últimos filmes, ele não abandonou a estratégia
observacional13. Neste momento, no entanto, passou a explorar “as áreas da experiência
social para as quais a mídia visual tem uma afinidade expressiva comprovada – em
particular (a) o topográfico, (b) o temporal, (c) o corpóreo e (d) o pessoal”14.
Para finalizar, cabe destacar que a divisão aqui operada entre filmes expositivos,
observacionais e compartilhados não deve ser tida como estanque ou imutável. Ela serve,
antes, como um índice de diferentes posturas possíveis de serem tomadas diante da tarefa
de produção de filmes etnográficos. Não é impossível que um mesmo filme integre em si
momentos mais observacionais, mais compartilhados ou mais expositivos. O essencial, no
entanto, é que a compreensão destas diferentes possibilidades permite o desenvolvimento
de uma consciência metodológica, algo essencial para que as pesquisas fílmicas não fiquem
entregues à deriva das possibilidades oferecidas em cada momento da pesquisa de campo.
Encerra-se aqui esta exploração de diferentes práticas de produção de filmes
etnográficos. Muitos autores importantes poderiam ainda aqui ser trabalhados – tais como
Marc Piault, Trinh Trin Minh-há ou Melissa Llewelyn-Davies. Muitos outros filmes dos
autores aqui citados poderiam ter sido explorados, como os últimos feitos por
MacDougall na Índia. Muitos filmes que terão destaque na conformação futura deste
campo podem ter sido produzidos recentemente e não ter captado a atenção dos
comentaristas, ou mesmo estar sendo produzidos neste instante. No entanto, se este livro
servir como estímulo para que mais antropólogos e interessados em Antropologia se
dediquem a explorar o desafio que significa empregar a linguagem audiovisual em
pesquisas etnográficas, a partir de diferentes vertentes e seguindo um pluralismo de
abordagens, ele terá cumprido seus objetivos.
Notas

Introdução
1 MEAD, 1995 [1975], p. 5-6.
2 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 190. Todas as traduções são nossas.
3 ROLLWAGEN, 1988, p. 309.
4 Cf., por exemplo, Rollwagen (1988).
5 Cf. Loizos (2004, p. 76) sobre Asch e ver a entrevista de MacDougall a Grimshaw e a Papastergiadis (1995, p. 11).
6 RUBY, 1975, p. 107.
7 Ibid., p. 105.
8 ROLLWAGEN, 1988, p. 308.
9 Cf. RUBY, 1989.
10 Cf., por exemplo, Henley (2007).
11 HEIDER, 2006 [1976], p. X.
12 Ibid., p. 2, 5, 6.
13 HEUSCH, 1960, p. 9.
14 ROUCH, 2003a [1973], p. 45.
15 Ibid., p. 44.

Capítulo 1
1 FLAHERTY, 1922, p. 632.
2 RUBY, 1980, p. 435.
3 FLAHERTY, op. cit., p. 633.
4 PIAULT, 2000, p. 13.
5 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 181.
6 HEIDER, 2006 [1976], p. 18.
7 Cf. TACCA (2001, 2005).
8 RUBY, 1980, p. 446.
9 GRIMSHAW, 2001, p. 46-49.
10 ROTHMAN, 1997, p. 1-20.
11 BARNOUW, 1974, p. 39, apud RUBY, 1980, p. 451.
12 FLAHERTY, 1985.
13 Ibid., p. 60.
14 Ibid., p. 57-60.
15 Entrevista à revista New Yorker, citada em Rotha (1983, p. 47).
16 GRIMSHAW, 2001, p. 51.
17 BALICKI, 1988, p. 41-42.
18 BALICKI, 1975, p. 181.
19 Ibid., p. 183-184.
20 HEUSCH, 1960, p. 37.
21 Ibid., p. 38.
22 HEIDER, 2006 [1976], p. 9.
23 FLAHERTY, 1922, p. 633.
24 HEUSCH, 1960, p. 37.
25 Balinese Character, p. 12, citado em Heider (2006 [1976], p. 28).
26 MEAD, 1995 [1975], p. 10.
27 Ibid., p. 7, 10.
28 JACKNIS, 1988, p. 163, 165.
29 HEIDER, 2006 [1976], p. 29.
30 MEAD, 1995 [1975], p. 5, 6.
31 Fala de Mead em Bateson e Mead (1976).
32 Ver levantamento dos tipos de personalidade feito por Mead em Samain (2004, p. 30).
33 JACKNIS, 1988, p. 161.
34 MALINOWSKI, 1988 [1922], p. 23.
35 Balinese Character, p. 49, citado em Heider (2006 [1976], p. 30).
36 Balinese Character, p. 50, citado em Jacknis (1988, p. 168).
37 HEIDER, 2006 [1976], p. 30.
38 JACKNIS, 1988, p. 170.
39 HEIDER, 2006 [1976], p. 8, 9.
40 Cf. MENDONÇA, 2010, p. 327-330.
41 SAMAIN, 2004, p. 70.
42 Ibid., p. 69.
43 BATESON; MEAD, 1976.

Capítulo 2
1 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 184.
2 FRANCE, 1998, p. 305.
3 NICHOLS, 1991, p. 32.
4 Ibid., p. 33.
5 Ibid., p. 34.
6 Ibid., p. 35.
7 Ibid., p. 38.
8 Ibid., p. 39.
9 Ibid., p. 59, 61.
10 WEINER, 1978, p. 754.
11 Cf. entrevista de Kildea a Alan McFarlane. Disponível em:
<http://www.alanmacfarlane.com/DO/filmshow/kildea_fast.htm>. Acesso em: 29 maio 2012.
12 WEINER, 1977, p. 506.
13 WEINER, 1978, p. 756.
14 WEINER, 1977, p. 506.
15 WEINER, 1978, p. 756.
16 Cf. APPADURAI, 2004, p. 123-154.
17 TAMBIAH, 1985, p. 128.
18 CLIFFORD, 1988, p. 148.
19 RUOFF, 1998, p. 53, nota 2.
20 NESS, 1988.
21 WEINER, 1978, p. 752.
22 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 184.
23 HEIDER, 2006 [1976], p. 5.
24 Ver a apresentação que Gardner fez de seu currículo em: <http://www.robertgardner.net/about/>. Acesso em:
02 maio 2012.
25 LOIZOS, 1993, p. 142.
26 Ver as páginas do Centro em: <http://www.filmstudycenter.org>. Acesso em: 02 maio 2012.
27 HEIDER, 2006 [1976], p. 40.
28 Correspondência citada em Loizos (1993, p. 143).
29 RUBY, 1991a, p. 5.
30 GARDNER, 1972, p. 4.
31 LOIZOS, 1993, p. 142, 145-146.
32 RUBY, 1991a, p. 4.
33 LOIZOS, op. cit., p. 139, 141.
34 Ibid., p. 140, 152.
35 HEIDER, 2006 [1976], p. 39.
36 GARDNER, 1972, p. 4.
37 HEIDER, 2006 [1976], p. 39.
38 Cf., por exemplo, Gardner (1972, p. 4).
39 HENLEY, 2007, p. 38.
40 Ibid., p. 39.
41 Ibid., p. 42, citando uma leitura feita por Michael Oppitz.
42 Ibid., p. 47, citando uma frase do próprio Gardner.
43 OSTOR, 1989, p. 6.
44 MACDOUGALL, 2001, p. 78.
45 MOORE, 1988, p. 1.
46 PARRY, 1988, p. 4.
47 HENLEY, 2007, p. 52.
48 PARRY, op. cit., p. 5-7.
49 GARDNER, 1988, p. 3.
50 MACDOUGALL, 2001, p. 69, 79.
51 OSTOR, 1989, p. 6-7.
52 MACDOUGALL, op. cit., p. 71.
53 HENLEY, 2007, p. 53-54.
54 Ibid., p. 49.
55 Ibid., p. 35.
56 BARBASH; TAYLOR, 1997, p. 373.

Capítulo 3
1 YOUNG, 1975, p. 102.
2 GRIMSHAW, 2001, p. 76.
3 Ibid., p. 82-83.
4 LOIZOS, 2004, p. 77.
5 HENLEY, 2004, p. 109, 114.
6 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 135).
7 MARSHALL, 1993, p. 22.
8 Ibid., p. 24.
9 Cf. a página <http://www.raytheon.com/ourcompany/history/early/index.html> no site da empresa. Acesso
em: 04 jun. 2012.
10 MARSHALL, 1993, p. 24.
11 Ibid., p. 26.
12 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 136).
13 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 136).
14 MARSHALL, 1993, p. 36.
15 Ibid., p. 36, 37, 39.
16 Fala de Marshall em Anderson e Benson (1993, p. 142).
17 MARSHALL, 1993, p. 39.
18 Id.
19 Id.
20 MARSHALL, 1993, p. 83.
21 Ibid., p. 84.
22 Ibid., p. 84, 85.
23 Ibid., p. 84.
24 MARSHALL, 1975, p. 133.
25 Ibid., p. 141.
26 Ibid., p. 133.
27 Ibid., p. 135. Para uma apreciação cuidadosa da proposta de Vertov, ver Piault (2000, p. 53-67).
28 HEIDER, 2006 [1976], p. 9.
29 Ibid., p. 133.
30 MARSHALL, 1975, p. 144.
31 Cf. REICHLIN; MARSHALL, s.d.
32 MARSHALL, op. cit., p. 133.
33 LEWIS, 2004, p. 2.
34 RUBY, 1995, p. 20.
35 LOIZOS, 2004, p. 76.
36 LEWIS, 2004, p. 3.
37 Cf. entrevista de Asch a Ruby em Ruby (1995, p. 21).
38 ASCH; MARSHALL; SPIER, 1973, p. 179, 182.
39 ASCH, 1988, p. 2.
40 LEWIS, 2004, p. 8.
41 ASCH; MARSHALL; SPIER, 1973, p. 179.
42 ASCH, 1988, p. 14.
43 Por exemplo, Asch (1975a, 1975b).
44 ASCH, 1975b, p. 2.
45 Fala de Asch em Ruby (1995, p. 26).
46 RUBY, 1995, p. 29.
47 RAMOS, 1987, p. 302.
48 Ibid., p. 298.
49 ASCH, 1988, p. 18.
50 LOIZOS, 2004, p. 82.
51 ASCH, op. cit., p. 2.
52 JACKNIS, 1988, p. 164.
53 ASCH, 1988, p. 5.
54 Ibid., p. 5, 6.
55 Ibid., p. 4.
56 Ibid., p. 25, nota 14.
57 Ibid., p. 10.
58 Ver, por exemplo, Asch (1988, p. 8), Ruby (1995, p. 24, 28) e Lewis (2004, p. 9).
59 ASCH, 1988, p. 7, 8, 14.
60 Fala de MacDougall em Grimshaw e Papastergiadis (1995, p. 11, 12).
61 GRIMSHAW, 2001, p. 122.
62 Ibid., p. 121.
63 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 128.
64 Id.
65 Ibid., p. 126.
66 Ibid., p. 128, 129.
67 GRIMSHAW, 2001, p. 126.
68 MARSHALL, 1993, p. 84.
69 LOIZOS, 1999, p. 81-83.
70 LOIZOS, 1999, p. 83; GRIMSHAW, 2001, p. 130-132.
71 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 137.
72 Ibid., p. 130.
73 Ibid., p. 133.
74 Ibid., p. 134.

Capítulo 4
1 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 138.
2 GRIMSHAW, 2001, p. 140, grifo do autor.
3 Cf. MACDOUGALL, 2006, cap. 10.
4 ROUCH; TAYLOR, 2003, p. 129-131.
5 ROUCH, 2003c, p. 106.
6 Id.
7 STOLLER, 1992, p. 5, 6.
8 ROTHMAN, 1997, p. 105.
9 ECO, 2002.
10 SZTUTMAN, 2004, p. 61.
11 GRIMSHAW, 2001, p. 95.
12 SZTUTMAN, op. cit., p. 55.
13 STOLLER, 1992, p. 206.
14 ROUCH, 2003a [1973], p. 35.
15 ROTHMAN, 1997, p. 99.
16 STOLLER, 1992, p. 204-206.
17 BRETON, 1924.
18 Cf., por exemplo, Stoller (1992, p. 204), Rouch e Taylor (2003), Piault (2008) e Altmann (2010).
19 LOIZOS, 1993, p. 47.
20 SZTUTMAN, 2004, p. 55.
21 GRIMSHAW, 2001, p. 98.
22 ROUCH; TAYLOR, 2003, p. 141.
23 GONÇALVES, 2008, p. 66.
24 Cf. LOIZOS, 1993, p. 63.
25 ROTHMAN, 1997, p. 77, 78.
26 Ibid., p. 86.
27 ROUCH, 2003b, p. 99, grifo nosso.
28 ROUCH, 2003a [1973], p. 39.
29 ROUCH, 2003b, p. 100.
30 ROUCH, 2003a [1973], p. 39.
31 ROUCH, 2003b, p. 101.
32 GONÇALVES, 2008, p. 190.
33 ROUCH, 2003a [1973], p. 44.
34 ROUCH; TAYLOR, 2003, p. 137.
35 SZTUTMAN, 2004, p. 55.
36 ROTHMAN, 1997, p. 94.
37 ROUCH, 2003b, p. 101.
38 MACDOUGALL, 1998 [1978], p. 137.
39 ROUCH, op. cit., p. 98.
40 DELEUZE, 2005, p. 183, apud GONÇALVES, 2008, p. 144.
41 Fala de Rouch (apud ROTHMAN, 1997, p. 74).
42 Fala de Rouch (apud ROTHMAN, 1997, p. 78).
43 Narração de Rouch em Moi, un noir.
44 GONÇALVES, 2008, p. 113, 115.
45 QUIST, s.d., apud GONÇALVES, 2008, p. 137.
46 ROUCH, 2003a [1973], p. 39.
47 Citação de Vertov em Rouch (2003a [1973], p. 40). Sobre a proposta de Vertov, cf. Piault (2000, p. 53-67).
48 GONÇALVES, 2008, p. 191.
49 ROTHMAN, 1997, p. 103.
50 GRIMSHAW, 2001, p. 99, 100.
51 GONÇALVES, 2008, p. 73, 74.
52 ROUCH, 2003a [1973], p. 40.
53 Cf. ROUCH; MARSHALL; ADAMS, 2003, p. 194; GONÇALVES, 2008, p. 75; SZTUTMAN, 2009.
54 Cf. GONÇALVES, 2008, p. 58, 59.
55 SZTUTMAN, 2009, p. 112.
56 GONÇALVES, op. cit., p. 153, 154.
57 Cf. SZTUTMAN, 2004, p. 58.
58 Cf. GONÇALVES, 2008, p. 160, 161.
59 ROUCH, 2003a [1973], p. 46.
60 GINSBURG, 1995, p. 67.
61 WORTH; ADAIR, 1972, p. 253, 254.
62 Ibid., p. 252, 254.
63 RUBY, 1991b, p. 56.
64 PRINS, 2002, p. 62, 63.
65 Ibid., p. 63.
66 GINSBURG, 2002, p. 42, 45, 47.
67 GINSBURG, 1994, p. 8.
68 GINSBURG, 2011 [1988], p. 172.
69 CARELLI, 2011, p. 46.
70 Id.
71 CARELLI apud AUFDERHEIDE, 2011, p. 182.
72 AUFDERHEIDE, 2011, p. 185.
73 Ibid., p. 182.
74 GALLOIS; CARELLI, 1995, p. 67.
75 Ibid., p. 62.
76 GINSBURG, 1995, p. 70.
77 AUFDERHEIDE, 2011, p. 183.
78 GALLOIS; CARELLI, 1992, p. 27.
79 Ibid., p. 29, 35.
80 GINSBURG, 2011 [1988], p. 174.
81 AUFDERHEIDE, 2011, p. 185, 186.
82 GALLOIS; CARELLI, 1995, p. 64.
83 WEINER, 1997, p. 198, 202, 205.
84 GALLOIS; CARELLI, 1992, p. 29, 30.
85 TURNER, 2002, p. 82-84.
86 GALLOIS; CARELLI, 1995, p. 65.
87 TURNER, op. cit., p. 87.
88 CARELLI, 2011, p. 49.
89 GINSBURG, 2011 [1988], p. 174.
90 TURNER, 2002, p. 80.
91 CARELLI, 2011, p. 48-49.
92 ARAÚJO, 2011.
93 CARELLI, op. cit., p. 49.
94 RUBY, 1991b, p. 54.
95 HENLEY, 2009, p. 118.
96 RUBY, op. cit., p. 58.
97 HENLEY, 2009, p. 118.
98 GINSBURG, 1995, p. 65.
99 Ibid., p. 68.
100 Ibid., p. 65.

Perspectivas
1 Cf., por exemplo, Peixoto (1995).
2 Cf. MONTE-MÓR, 1998.
3 ROUCH, 2003a [1973], p. 37.
4 FRANCE, 2000, p. 18.
5 Ibid., p. 19, 25, 26.
6 Ibid., p. 25, 19.
7 GRIMSHAW; RAVETZ, 2009, p. 553.
8 Ibid., p. 543.
9 Ibid., p. 552.
10 HENLEY, 2009, p. 122.
11 Ibid., p. 103.
12 GRIMSHAW; RAVETZ, 2009, p. 550, 551.
13 Cf. HENLEY, 2009, p. 119, 124.
14 MACDOUGALL, 2006, p. 271.
Filmografia citada
A ARCA dos Zo’é. Dominique Gallois e Vincent Carelli. 1993.
22 min.*
AN ARGUMENT about a marriage. John Marshall. 1969.
18 min.**
A WIFE among wives. David e Judith MacDougall. 1981. 75 min.
CHRONIQUE d’un été. Jean Rouch. 1961. 85 min.***
DEAD Birds. Robert Gardner. 1965. 85 min.**
FOREST of Bliss. Robert Gardner. 1986. 90 min.**
JAGUAR. Jean Rouch. 1967. 110 min.***
LES MAÎTRES fous. Jean Rouch. 1954. 35 min.***
LES TAMBOURS d’avant: Tourou et Bitti. Jean Rouch. 1971.
12 min.***
MOI, un noir. Jean Rouch. 1958. 70 min.***
NANOOK of the North. Robert Flaherty. 1922. 55 min.****
NAVAJO film themselves (série). Organização: Sol Worth e John Adair. 1972.
NETSILIK Eskimos. At the winter sea ice camp (série). Asen Balicki. 1965.**
O ESPÍRITO da TV. Vincent Carelli. 1990. 18 min.*
PRIMARY. Robert Drew, Richard Leacock, Albert Maysles. 1960. 60 min.*
SHOMÕTSI. Valdete Pinhanta. 2001. 42 min.*
THE AX Fight. Timothy Asch e Napoleon Chagnon. 1977.
30 min.**
THE FEAST. Timothy Asch e Napoleon Chagnon. 1970. 29 min.**
THE HUNTERS. John Marshall. 1957. 72 min.**
THE WEDDING camels. David e Judith MacDougall. 1977.
108 min.
TITICUT Follies. Direção: Frank Wiseman. 1967. 84 min.
TO LIVE with herds: a dry season among the Jie. David e Judith MacDougall. 1971. 70 min.*****
TRANCE and dance in Bali. Gregory Bateson e Margaret Mead. 1952. 22 min.*****
TROBRIAND Cricket: An Ingenious Response to Colonialism. Jerry Leach e Gary Kildea. 1976. 54 min.**
TURKANA conversations: Lorang’s way. David e Judith MacDougall. 1979. 70 min.*****
* Disponível para compra em: <http://www.videonasaldeias.org.br>.
** Disponível para compra em: <http://www.der.org>.
*** Disponível para compra no Brasil em coleção da Videofilmes.
**** Disponível para compra em: <http://www.amazon.com>.
***** Disponível para compra em <http://www.berkeleymedia.com/catalog> e disponível para assistir no site
<http://www.youtube.com>. Acesso em: ago. 2014.
O acesso aos filmes comentados neste livro ainda é, infelizmente, bastante difícil no Brasil, devido aos altos preços
praticados, em geral, pelos distribuidores oficiais. Trechos de alguns dos filmes podem ser encontrados em sites de
divulgação na internet.
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Uga. Quiam aut aut dolut antur ad unt re sequatem ditiantotam quis expella cepudipsa qui bea pernatis est, omniendici
recum seque nonsedit od et et aut modigendunt, num ipsam voluptatia dia verum enitat od que susaper umetur? Aque
num harum alibus, que core, solluptatiis a que et omnimus est, comnimi liquamet et errum reperfero que et landis repro
que magnam, sum eos et aut es
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Deles alictassecum sa voloruntur atio etur aligendae peria iniatia aut et earum iminum dolumetus sitae pa
adist harum quuntiu mquatessunt volorio necusciisqui nosant qui offici nis modignati dolum nos aut dus
min renihicius vel magnis apidem sitae conseriberum ipsae doluptatur abor aut od que cor sim sinveli
atempores ma pel idiam antiis veliam autem. Il ma con reres eium aut ad et harcips anihili quibusti dolupta
tiatur magnis aut aped quaecti deligene molorit aut plitempore cones et premquiate nonsequi omnisto blaut
volorpor a ant voluptae aut voloreptusto veritius velique invelenessit eum quam excepud aestis dus erit
doluptiunt.
Axim con nam anim il ipid mo molum ant, odis num quia doluptas eum esent arum ut laboria idelitiatur,
arum antem hil inverunt odipidu cienda dolupta doloria cus dolupti nctatas aut aut eaqui voluptaerum
ducipsum dolorro omnihicillis assus voluptassus.
Tempost oremped mo coribus modici nitectia que diciis providi orporecabor molorep uditatur antibus
ciatis volessitis dolupta tentio consequaeri simin cus apel ma velectent

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Perpetua, corpo 10,5/11,5/12/
13/16, e Prestige Elite Std, corpo
17/22, em julho de 2016.
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Am reptatus ea et alibus vendel inci
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nimperorem aligenis am, omni quatiis
apissincte num fuga. Et persperupti
doluptae et od mo millori dolum
faccumet vendis et aut et ium vel
ipsae sae laborem ipiet ut re ernam
debis a deliqui delesed itiore et
aboritatur restiusant dem
natiisquam, tectati omnientia qui
conet, intis ut la cum is siminctiae
dendes solendi doluptatus conet
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ationsedite pellit quo dolut et
laborepro con plisit explit eum quia
sint autempe si volorem quis reperru
ptatur, sintistorit odiam inum num
et por rest fuga. Lit es magnamus
voloreped undigen dandandam, quas
esequib eruptat iossiti il
inciisquates endia quatisto vel
maionest ducid eostiur, sitatusam
faciend aectust, venimi, que ime re
re, omnis magnimus et optur adis
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