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;87(3):184-94
Trauma urológico
Urologic Trauma
José Cury¹, José Luiz Borges de Mesquita²,
José Pontes³, Luiz Carlos Neves de Oliveira3,
Mauricio Cordeiro4, Rafael Ferreira Coelho5
Cury J, Mesquita JLB de, Pontes J, Oliveira LCN de, Cordeiro M, Coelho RF.
Trauma urológico. Rev Med (São Paulo). 2008 jul.-set.;87(3):184-94.
1. Médico Assistente Doutor, Chefe do Grupo de Urogeriatria, Coordenador do Curso de Graduação Médica da Disciplina
de Urologia - HC-FMUSP.
2. Médico Assistente Doutor, Chefe do Grupo de Pronto Socorro - HC-FMUSP.
3. Médico Assistente Doutor, HC-FMUSP.
4. Médico Residente em Urologia, HC-FMUSP.
5. Médico Preceptor de Urologia, HC-FMUSP.
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Cury J, Mesquita JLB de, Pontes J, Oliveira LCN de, Cordeiro M, Coelho RF. Trauma urológico.
A
maioria das lesões renais é causada por projéteis de arma de fogo e os ferimentos por arma
traumas fechados (acidentes com veícu- branca que diferem significativamente no tipo e na
los automotores, esportes de contato, severidade da lesão1,2,3.
crimes violentos, quedas), que constituem 82 a 95%
dos traumas renais nos Estados Unidos. Acometem
principalmente pacientes jovens, sendo que 70 a 80% Achados clínicos
das lesões ocorrem em pacientes com menos de 44
anos. Das lesões renais contusas, 90% são simples, A hematúria é o principal indicador de trauma
como a contusão do parênquima renal ou lacerações geniturinário. No entanto, o grau de hematúria não
superficiais que não se estendem para a medula se correlaciona com a severidade das lesões renais.
renal ou para o sistema coletor; e 10% são maiores, Traumas renais complexos podem não apresentar
estendendo-se até a medula renal ou sistema cole- hematúria, enquanto que hematúria franca pode se
tor, promovendo sangramentos mais expressivos e observada em contusões renais simples. Fratura da
extravasamento de urina para a cavidade abdominal. porção inferior do arcabouço costal ou fratura de um
As lesões de vasos sangüíneos renais associam- processo lombar, hematomas nos flancos e lesão
se a desacelerações rápidas, que podem causar hepática ou esplênica são sinais indiretos de possível
trombose da artéria renal, ruptura da veia renal ou trauma renal3,7.
Classificação
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Tratamento
Hematúria microscópica
ou macroscópica
Trauma
Trauma Renal Fechado Penetrante
Hematúria microscópica
estável
Instável Estável
Estudo de imagem
renal se lesões
associadas Exploração cirúrgica CT abdome/pelve
PIV (PIV opcional)
Observação
Exploração Observação
cirúrgica Exploração cirúrgica
seletiva
Laparotomia Laparotomia
PIV: Pielografia Intravenosa
necessária desnecessária
“One shot”
Exploração observação
cirúrgica seletiva
Há poucas indicações absolutas para explo- dos traumas renais e necessitam eventualmente
ração cirúrgica no trauma renal, sendo que 98% de tratamento cirúrgico, mas mesmo tais lesões de
das lesões renais podem ser tratadas conservado- alto grau podem ser tratadas conservadoramente se
ramente através de internação hospitalar, repouso, devidamente estagiadas em pacientes selecionados.
seguimento clínico e exames de imagem de con- Traumas penetrantes, contudo, exigem tratamento
trole. Lesões grau IV e V são vistas em apenas 5% cirúrgico na maioria dos casos, frente à necessidade
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FIGURA 2. A- Trauma renal GIV com extravasamento de contraste pelo sistema coletor e hematoma perirrenal. B- Controle
após passagem de cateter duplo J, sem extravasamento de contrataste e com remissão do hematoma perirrenal
Em lesões renais com suspeita de trombose maioria das vezes, de maneira conservadora e não
arterial e em lesões arteriais segmentares (lacerações causam instabilidade hemodinâmica. Isto ocorre pois
ou pseudoaneurismas) o tratamento minimamente a maioria das lacerações renais é radial ou paralela
invasivo por meio de arteriografia com a colocação às artérias interlobares. As complicações da embo-
de “stents” ou embolização pode ser considerado. A lização são raras. Episódios de hipertensão arterial
embolização pode ser usada no sangramento arterial transitória são comuns, mas hipertensão prolongada
em fase aguda da lesão ou no sangramento tardio. ocorre em menos de 1% dos casos. Quando a área de
Os sangramentos mais leves podem ser tratados, na infarto renal após a embolização é superior a 25% do
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parênquima total, pode ocorrer febre transitória e leu- Grau II - laceração: < 50% de transecção.
cocitose, que se resolvem espontaneamente, porém, Grau III -laceração: > 50% de transecção.
a formação de abscesso ou infecção é incomum6. Grau IV -laceração: transecção completa com des-
vascularização < 2cm.
Grau V -laceração: avulsão com desvascularização
TRAUMA URETERAL
> 2cm.
Etiologia e fisiopatologia
Exames complementares
A lesão ureteral é causada, geralmente, por O exame radiológico de eleição para descar-
trauma penetrante. Lesões viscerais associadas tar o trauma ureteral é a pielografia retrógrada ou
são comuns, acometendo principalmente o intestino ascendente. Este procedimento permite não apenas
delgado (39-65%), colón (28-33%) e rim (10-28%). A diagnosticar a lesão, mas também quantificar sua
mortalidade chega a 33%. A lesão por trauma fechado extensão. Este exame, no entanto, é mais demorado
é extremamente incomum e ocorre principalmente e obriga o posicionamento do paciente em litotomia,
em crianças com anormalidades congênitas do trato fazendo com que a presença de um urologista seja,
urinário, como hidronefrose secundária à estenose em geral, necessária para sua realização. A urografia
da junção ureteropiélica. Vale lembrar que as lesões excretora também é um bom exame na avaliação do
ureterais iatrogênicas podem ocorrer após diversos traumatismo de ureter, embora não tenha a mesma
procedimentos cirúrgicos, como a histerectomia acurácia que a pielografia ascendente.
(54%), a cirurgia colorretal (14%), a cirurgia pélvica
de ovário e bexiga (8%), as cirurgias vasculares ab-
dominais (6%) e as ureteroscopias (2%)3,7.
Achados clínicos
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via excretoras. Na presença de fístulas, a dosagem quando o segmento ureteral lesado for de maior ex-
de creatinina e de eletrólitos pode diferenciar outras tensão, faz-se necessária a mobilização e fixação da
secreções no diagnóstico3,7. bexiga ao músculo psoas, técnica conhecida como
bexiga psóica4,11.
Tratamento
TRAUMA VESICAL
Quando o diagnóstico da lesão ureteral é feito
no ato intra-operatório ou no período pós-operatório
precoce a correção cirúrgica imediata é a conduta
mais adequada. Caso o diagnóstico seja feito tardia- Etiologia e fisiopatologia
mente o tratamento definitivo pode ser postergado.
Intervenções durante esse período são dificultadas A lesão de bexiga geralmente resulta de uma
pela presença de intenso processo inflamatório que agressão à porção inferior do abdômen quando a be-
pode predispor a lesões ainda maiores do ureter. xiga está distendida ou da fratura de ossos da bacia.
Nesses casos, o tratamento deve-se restringir ao Nesta última o efeito protetor dos ossos pélvicos é
alívio dos sintomas e preservação do parênquima perdido durante a fratura e comumente lesões vesi-
renal, com derivações urinárias temporárias (por cais são causadas por espículas ósseas (causando
exemplo,nefrostomia percutânea). O tratamento de- ruptura vesical extraperitoneal) ou por compressão
finitivo das lesões ureterais encontra-se diretamente da cúpula vesical pela presença de urina (causando
relacionado à sua topografia e extensão. Lesões ruptura intraperitoneal).
puntiformes, angulações ureterais e transecções
parciais do ureter podem ser conduzidas apenas Achados clínicos
com cateter ureteral por tempo prolongado (duplo J).
Esse procedimento pode ser definitivo para alguns Os sinais e sintomas de lesão do trato urinário
pacientes, enquanto para outros se faz necessária inferior são frequentemente inespecíficos e incluem
intervenção cirúrgica complementar4,11. incapacidade de urinar (retenção urinária), hematúria
As lesões que comprometem o terço superior macroscópica (95% dos casos), hematoma escrotal
do ureter podem ser conduzidas com anastomose ou perineal, íleo, distensão abdominal e ausência de
ruídos hidro-aéreos. Geralmente existe história de
término-terminal espatulada (T - T) do segmento
traumatismo abdominal, e a maioria dos pacientes
lesado. As lesões que comprometem o terço médio
refere dor pélvica ou na região inferior do abdômen.
ureteral, acima da bifurcação dos vasos ilíacos,
Na sala de emergência, o diagnóstico clínico de fra-
também apresentam bons resultados com a anasto-
tura pélvica pode ser feito pela compressão lateral
mose T - T. Entretanto, quando o segmento lesado
da pelve óssea, na qual se nota crepitação e dor. A
é extenso, a anastomose primária toma-se inviável.
presença de massa palpável no hipogástrio, asso-
Assim, pode-se lançar mão da anastomose lateral do
ciada à hipotensão e à fratura pélvica, geralmente
coto proximal do ureter lesado ao ureter contralateral,
representa um hematoma pélvico. Choque hipovolê-
procedimento conhecido como transuretero-uretero
mico raramente ocorre em traumatismo vesical puro,
anastomose. Outra forma de conduzir essas lesões é
estando associado quase sempre a traumatismo de
a interposição de um segmento de intestino delgado
vísceras maciças, fratura pélvica extensa ou lesão
entre o ureter proximal e a bexiga. O autotransplante
de grandes vasos pélvicos3,7.
renal, com a translocação do rim para área pélvica,
reimplante ureterovesical e anastomose dos vasos
Classificação
renais nos vasos ilíacos, também é uma alternativa
para os casos de lesão extensa do ureter. Deve-se
lembrar que, nos ferimentos por projéteis de arma 1. Lesões não-penetrantes, contusas ou fechadas:
de fogo e nas lesões por arma branca, deve ser a) contusão;
realizado desbridamento do coto ureteral, para que b) ruptura extraperitoneal;
a anastomose seja feita com boa vascularização c) ruptura intraperitoneal;
e vitalidade dos tecidos. Lesões do ureter pélvico, d) lesão mista.
abaixo da bifurcação dos vasos ilíacos, são mais bem 2. Lesões penetrantes
conduzidas com o reimplante ureterovesical. Existem
várias técnicas de reimplante, dando-se preferência Exames complementares
àquela com a qual o cirurgião esteja mais familiari-
zado. Nesse procedimento, é fundamental que não O exame complementar de escolha para iden-
haja tensão no local da anastomose. Muitas vezes, tificar a lesão vesical é a cistografia retrógrada, com
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acurácia de 85 a 100%. Deve ser realizado em todo radiografia. Apesar da eficácia comprovada da cisto-
paciente com suspeita de trauma vesical. Inicialmente, grafia, a cistotomografia vem suplantando este exame
é realizada uma radiografia simples. A seguir uma no diagnóstico de lesões vesicais em muitos serviços.
solução salina e de contraste, diluída a 30%, deve ser Visto que muitos destes pacientes já devem realizar a
instilada no interior da bexiga previamente esvaziada TC pela presença de hematúria (com possível lesão
através de cateter urinário. Em adultos deve-se usar renal), por fratura pélvica ou por lesão de outros órgãos
400 ml da solução contrastada e, em crianças, o vo- intra-abdominais, a realização da cistotomografia no
lume infundido deve ser calculado da seguinte forma: mesmo ato do estudo tomográfico abdominal pode
60 ml + 30 ml/ ano de idade, até o máximo de 400 poupar tempo. Deve ser realizada a injeção retrógrada
ml de solução de contraste. São realizadas radiogra- de 350 ml de contraste a 30%, diluído a 6:1 com soro
fias com grande enchimento vesical e com a bexiga fisiológico. Vale lembrar que a injeção de contraste en-
vazia. A realização da radiografia pós-drenagem do dovenoso e o simples clampeamento da sonda uretral
contraste é muito importante, uma vez que algumas sem injeção do contraste intravesical resulta em um
lesões somente somente são demonstradas com essa número elevado de exames falso-negativos4,11.
Tratamento
ALGORITMO 2. Trauma vesical
Trauma abdominal
Hematúria
Mecanismo de Trauma
Suspeita de Lesão Vesical
Cistografia
Cistotomografia
Descartar lesão uretral
(tomografia computadorizada)
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Exames complementares
Tratamento
Uretrografia retrógrada
Lesão de Normal
Uretra Tomografia computadorizada
Ruptura parcial da Ruptura completa da Ruptura completa Ruptura de uretra Ruptura de uretra
uretra peniana uretra peniana uretra bulbar posterior parcial posterior completa
-Realinhamento
Tentativa -Tentativa sondagem Exploração cirúrgica -Tentativa cuidadosa primário fechado
cuidadosa de endoscópica imediata sondagem vesical -Cistostomia +
sondagem -Cistostomia isolada -Sondagem sob visão Reconstrução tardia
vesical -FAF- Exploração cirúrgica (cistoscópio flexível)
- Cistostomia +
reconstrução tardia
GU: Genito-urinário
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- Ruptura da uretra peniana - Tentativa cuidado- manobra pode converte uma transecção incompleta
sa de passagem de sonda uretral Foley, seguida de em completa. A opção, nestes casos, seria, então, a
estudo radiológico para confirmar o posicionamento tentativa de sondagem, com auxilio de um cistoscópio
correto da sonda na bexiga. A sonda é mantida por flexível. Nas rupturas completas, a abordagem inclui
14 dias. Nos casos de insucesso da tentativa inicial o realinhamento fechado pelo cateterismo uretral
de sondagem, pode-se tentar a sondagem por via combinado, o realinhamento cirúrgico imediato e a
endoscópica ou mesmo realizar cistostomia, que é realização de uma cistostomia supra-púbica com
mantida até o desaparecimento do extravasamento reconstrução tardia da uretra.
local. Lesões causadas por armas de fogo podem ser A conduta clássica e mais simples é a rea-
exploradas cirurgicamente. A exploração cirúrgica lização de cistostomia supra-púbica isolada, sem
nas lesões mais proximais é feita por acesso perineal, manipulação da área traumatizada. A justificativa
enquanto nas lesões distais utilizamos a circuncisão para tal conduta é a de que a manipulação imediata
e o desenluvamento peniano2,3,4,9,11. da bexiga e da próstata aumenta os riscos de im-
- Ruptura de uretra bulbar - Tratamento controver- potência sexual e incontinência urinária e dificulta a
so. Em rupturas parciais, o cateterismo vesical por 7 a reconstrução posterior nos casos de insucesso do
14 dias tem altos índices de sucesso. Na maioria das tratamento inicial. Outra conduta que tem ganhado
lesões completas há inclinação à exploração cirúrgica espaço e que se tornou o tratamento padrão inicial
imediata. Alguns autores advogam, entretanto, reali- para o trauma de uretra posterior em muitos serviços
zação de cistostomia em todos os casos. Nos casos é o realinhamento fechado pelo cateterismo uretral
de ruptura completa defendemos, em nosso serviço, combinado. O cateterismo combinado, anterógrado
a exploração cirúrgica imediata. A lesão é acessada e retrógrado, auxilia na cicatrização local, podendo
através de uma perineotomia, é feita a anastomose evitar o desenvolvimento posterior de estenose,
dos cotos uretrais sobre uma sonda de foley que é complicação inevitável quando realizamos apenas
deixada por, no mínimo, 14 dias. Em ferimentos por cistostomia. São várias as técnicas empregadas
arma de fogo, a cistostomia supra-púbica e a recons- no realinhamento fechado, incluindo: realização de
trução tardia entre 6 semanas e 3 meses podem ser uma cistotomia aberta com passagem de um cate-
adotados2,3,4,9,11. ter uretral (guiado digitalmente em direção à bexiga
- Ruptura da uretra posterior - Em lesões de ure- através da palpação direta da parede anterior da
tra posterior do tipo I, ou seja, em que há apenas esti- próstata); realização de uma cistoscopia flexível an-
ramento da uretra, sem ruptura, o tratamento deve ser terógrada como guia para passagem retrógrada do
cateterismo vesical por 5 dias. Nos casos de ruptura cateter uretral; ou mesmo a passagem de fio guia por
parcial ou completa da uretra posterior o tratamento cistoscopia flexível ou a passagem anterógrada de
é controverso. Em rupturas parciais pode ser tentada um cateter como guia para a sondagem retrógrada.
uma sondagem cuidadosa, feita por um urologista A sonda uretral deve permanece por 4 a 6 semanas
experiente. Alguns autores alegam, entretanto, que tal após a sondagem2,3,4,9,11.
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