Costuma-se afirmar que o início da personalização da sociedade empresária opera-se com
o seu registro na Junta Comercial (cf., por todos, Ferreira, 1961, 3:196). Aliás, a própria legislação civil estabelece a formalidade como o ato responsável pela constituição da pessoa jurídica (CC, arts. 45 e 985). Em termos de segurança jurídica, não há de se negar que a sistemática é adequada, porque o registro torna pública a formação do novo sujeito de direito, possibilitando o controle dos demais agentes econômicos e do próprio estado quanto à existência e extensão das obrigações que o envolvem. Mas, deve-se registrar uma certa impropriedade conceitual e lógica nessa sistemática. A rigor, desde o momento em que os sócios passam a atuar em conjunto, na exploração da atividade econômica, isto é, desde o contrato, ainda que verbal, de formação de sociedade, já se pode considerar existente a pessoa jurídica.
Em outros termos, a melhor sistemática de disciplina da matéria não é a legal, que
identifica no registro o ato responsável pela personalização da sociedade empresária, mas a compreensão de que o encontro de vontade dos sócios já é suficiente para dar origem a uma nova pessoa, no sentido técnico de sujeito de direito personalizado. Note-se que a regularidade da situação da sociedade empresária depende — isto é indiscutível — do registro na Junta Comercial. Quer dizer, enquanto o acordo entre os sócios no sentido de formação da sociedade não é escrito, com a adoção das formalidades próprias do respectivo instrumento (contrato social ou estatuto), a pessoa jurídica não poderá ser registrada e, em decorrência, estará em situação irregular (Cap. 4, item 4.3). Enquanto não se regularizar perante o registro de empresas, seu regime é o das sociedades em comum (CC, arts. 986 a 990). Mas a sociedade empresária sem registro deveria ser considerada já um sujeito de direito personalizado, tendo em vista o conceito de personalização, que é o de atribuição genérica de aptidão para os atos jurídicos.
A relevância da discussão diz respeito à subsidiariedade da responsabilidade dos sócios
pela sociedade sem registro. Lembre-se que uma das sanções que o direito estabelece em razão da falta do registro na Junta Comercial é a responsabilidade ilimitada dos sócios, mas, assente isso, cabe indagar sobre a forma de tal responsabilização, se subsidiária ou direta. No primeiro caso, os credores devem inicialmente exaurir as forças do patrimônio social, para, em seguida, procurar excutir bens particulares dos sócios. Trata-se de subsidiariedade, de responsabilidade que pressupõe a prévia tentativa de satisfação da obrigação junto ao devedor principal (a sociedade empresária sem registro). No segundo caso, os credores podem buscar a satisfação de seus direitos no patrimônio dos sócios, ainda que a sociedade possua bens. É a responsabilização direta, não sujeita ao pressuposto da subsidiariedade.
Ora, se a sociedade empresária sem registro é pessoa jurídica, a responsabilidade dos
sócios seria ilimitada e subsidiária; se despersonalizada, ao contrário, seria ilimitada e direta. Como visto, em razão do direito vigente, a personalização se inaugura com o registro do ato constitutivo na Junta Comercial, e, portanto, para ser coerente, o sistema legal deveria dar sustentação à segunda alternativa. Desse modo, todos os sócios da sociedade empresária sem registro deveriam ser responsabilizados pelas obrigações sociais de forma direta, não se exigindo dos credores sociais o anterior exaurimento do patrimônio dela. Ocorre que a lei trata diferentemente os sócios da sociedade empresária, enquanto não regularizado o registro, atribuindo o benefício de ordem (responsabilidade subsidiária) à generalidade dos sócios e negando este benefício (responsabilidade direta) somente ao que se apresentar como seu representante (CC, arts. 988 e 990 — a solidariedade a que se refere o art. 990 do CC diz respeito aos sócios entre si e não aos sócios em relação à sociedade).
Observe-se que, na sociedade registrada regularmente, a responsabilidade dos sócios será
sempre subsidiária, mesmo que ilimitada. Isto é, tirante a do sócio que atua como representante da sociedade empresária sem registro, em todas as demais situações, a regra é a da subsidiariedade. Ora, se é subsidiária a responsabilidade dos sócios na expressiva maioria das vezes, então a sociedade empresária deveria ser considerada uma pessoa jurídica ainda que antes de seu registro regular. A disciplina legal do início da personalização das sociedades empresárias é, em outros termos, ilógica, incoerente e destoante em relação ao conceito de pessoa jurídica.
A personalização da sociedade empresária termina após um procedimento dissolutório,
que pode ser judicial ou extrajudicial. É necessário acentuar que a simples inatividade da sociedade não significa o seu fim, como pessoa jurídica. A exemplo do que se verifica com as pessoas naturais que deixam de exercer qualquer atividade profissional (quando, por exemplo, se aposentam), mas não perdem, por óbvio, a capacidade para a prática de atos jurídicos, a pessoa da sociedade permanece, mesmo que o seu estabelecimento tenha sido fechado e alienado, mesmo que os seus empregados tenham sido dispensados, mesmo que não esteja mais praticando nenhuma operação econômica. A paralisação da atividade empresarial não importa necessariamente a dissolução da sociedade (o inverso também é verdadeiro: o direito contempla situações em que o fim da sociedade empresária não acarreta o da empresa, ou seja, o da atividade de produção e circulação de bens ou serviços, que prossegue sob a direção de um empresário pessoa física).
O procedimento dissolutório (ou dissolução em “sentido largo”, dissolução-processo)
inaugura-se com um ato praticado pelos sócios ou pelo Judiciário (a dissolução em “sentido estreito”, ou dissolução-ato) e prossegue com a liquidação, que visa à solução das pendências negociais da sociedade, e a partilha, que distribui o acervo patrimonial remanescente, se houver, entre os sócios. Enquanto esse procedimento não se realiza, a sociedade continua titular de personalidade jurídica própria e todos os efeitos derivados da personalização (quanto à titularidade negocial e processual, e quanto à responsabilidade patrimonial) se verificam.
A personalidade jurídica da sociedade empresária começa com o registro de seus atos
constitutivos na Junta Comercial; e termina com o procedimento dissolutório, que pode ser judicial ou extrajudicial. Esse procedimento compreende três fases: dissolução, liquidação e partilha.