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Ascensão, fastígio

e declínio da

“Revolução
Judiciarista”
Christian Edward
Cyril Lynch
Jurista e cientista político

158 supremacia
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O
presente ensaio exa­­ a ação dos atores jurídicos a partir da do Mundo que seria realizada no ano se-
mina a atual conjun- crença por eles compartilhada de que guinte, mobilizaram milhões de pessoas
tura político-consti- estariam a promover na política brasilei- em todo o país. As jornadas cristalizaram
tucional, a partir de ra a ansiada renovação por meio de uma uma percepção difusa de ilegitimidade
uma interpretação espécie de “Revolução Judiciarista”. A do sistema político que datava de pelo
das relações entre o Poder Judiciário, de segunda parte caracterizará o fenôme- menos uma década. Iniciada pouco
um lado, e o Poder Executivo e o Legisla- no do “tenentismo togado” como uma depois, a Operação Lava Jato serviu aos
tivo. Ele começará buscando descrever vanguarda que, em nome da sociedade insatisfeitos para confirmar o alegado
a dinâmica de um movimento que aqui civil, se investiu do objetivo de regene- apodrecimento do sistema, dando rostos
vou chamar de “Revolução Judiciarista”. ração da atividade política, corrompida visíveis aos agentes judiciários empe-
Argumento que, iniciada na academia por representantes “carcomidos” pela nhados no papel de liderar o processo
jurídica na década de 1990 como um corrupção. A terceira seção tentará de sua regeneração, através do combate
fenômeno doutrinário-ideológico, essa esboçar os traços gerais do pensamento aos corruptos e seu expurgo da política,
“revolução” evoluiu na década seguinte político ou ideológico da Revolução em nome da moralidade administrativa.
voltada para legitimar a judicialização da Judiciarista, tomando como paradigma O ressurgimento de um conser-
política e a atuação política dos opera- a produção intelectual do professor Luís vadorismo de tipo reacionário; o sen-
dores jurídicos. Roberto Barroso. timento de exaurimento da situação
Expressão suprema do processo Por fim, descreverei os aconteci- petista; o desmentido das promessas
de desprestígio da política profissional, mentos políticos a partir das ações de campanha pela presidente Dilma no
as jornadas de 2013 potencializaram a dos protagonistas na cúpula do poder dia seguinte ao de sua difícil reeleição,
transformação da “Revolução Judiciaris- desde que o Senado Federal confirmou diante do reconhecimento da pior crise
ta” ainda encubada em aberta. Uma vez o afastamento de Dilma Rousseff da econômica da história, criaram um ver-
que o governo Dilma e a classe política presidência da República até outubro dadeiro vácuo de legitimidade política
não foram capazes de dar resposta à deste ano. Concluirei que, depois do que tornou possível sacudir os alicerces
frustração da população ali manifestada, impeachment, a oligarquia parlamentar de instituições que até a véspera se
a “revolução” ganhou corpo através das comandada pelo presidente Michel Te- julgavam de grande estabilidade.
ações da Operação Lava Jato, apoiadas mer conseguiu resistir e escapar da fase Na tentativa de tornar legíveis os
pela Procuradoria Geral da República, radical ou “jacobina” da revolução, que embaralhados e dramáticos aconteci-
liderada por Rodrigo Janot com a chan- parece ter alcançado os seus limites. Por mentos, os diferentes segmentos do
cela do Supremo Tribunal Federal. fim, lembro que o ensaio busca examinar espectro político-ideológico mobiliza-
O ativismo judiciário, ou judiciaris- as ações políticas à luz dos discursos ram categorias e esquemas teóricos
mo, expresso pela Lava Jato, passou dos atores, como forma de compreender extraídos de suas tradições intelectuais,
a representar, aos olhos da população suas atitudes e o modo por que eles as à luz de seus respectivos imaginários
frustrada, uma resposta para promover justificam no debate público. históricos. Para a parte hegemônica da
a renovação das práticas políticas – res- esquerda, especialmente a que se via
posta que, por óbvio, projetou os pró- Uma Revolução Judiciarista: apeada do poder por um impeachment
prios juízes e promotores como novos o “tenentismo togado” percebido como golpe, o Brasil estaria
atores políticos, na medida mesma em O terremoto político começou nas experimentando uma contrarrevolução
que “cassavam” políticos profissionais chamadas jornadas de 2013 que, tendo no sentido leninista ou trotskista. En-
acusados de corrupção. por estopim a insatisfação com a má tende-se, aí, que a revolução teria sido
Este pequeno ensaio terá cinco qualidade dos serviços públicos e os aquela promovida ao longo dos 12 anos
partes. A primeira procurará esclarecer gastos do governo federal com a Copa de governos petistas, cujos importantes

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avanços sociais e subsequente avanço por uma sociedade civil cansada de Supremo Tribunal, como Pedro Lessa, o
no sentido igualitário teria suscitado a privilégio e impunidade. Encabeçada por judiciarismo tornou-se a partir da presi-
reação dos setores conservadores da uma vanguarda de heróis, como foram dência Hermes da Fonseca (1910-1914)
sociedade. Estes, por sua vez, teriam outrora tenentes como Juarez Távora um discurso de combate ao establish-
recorrido ao golpe. e Eduardo Gomes, que se levantaram ment da República Velha, cujo modelo
Essa leitura do turbulento processo contra a República Velha, a nova revo- político oligárquico baseado na Política
político como uma contrarrevolução é lução de 1930 encontraria seus heroicos dos Governadores era diuturnamente
endossada pelos setores conservadores, portadores em juízes como Sérgio Moro denunciado pelos bacharéis.
ou seja, comprometidos com a defesa e promotores como Deltan Dallagnol. O judiciarismo se caracterizava pela
dos valores tradicionais atingidos por A Operação Lava Jato é percebida defesa do Poder Judiciário como um
aquelas políticas e seus discursos le- como uma nova Coluna Prestes encar- sucedâneo do poder moderador monár-
gitimadores. A diferença entre as duas regada de varrer a politicagem, se não quico, capaz de garantir, por intermédio
leituras reside no fato de que a categoria mais a golpes de metralha, pelo menos da jurisdição constitucional, o primado
de contrarrevolução é lida pelos conser- de vazamentos, delações premiadas e ri- do Estado de direito democrático contra
vadores como algo positivo e desejável, gorosas condenações judiciais. Por essas as veleidades oligárquicas ou autoritá-
tanto quanto ela aparece nos escritos características, o terremoto constituiu rias do regime. Foi nessa condição que
do Burke tardio ou de reacionários as- uma verdadeira “Revolução Judiciarista”. o judiciarismo legitimou o movimento
sumidos como De Maistre ou de Bonald. Emprego a expressão aqui em sentido tenentista e a Revolução de 1930 na
Em outras palavras, como uma amplo, levando em consideração o fato década de 1920. Como seu discurso
saudável reação do bom senso contra de seus protagonistas pertencerem aos de acentuados contornos éticos, em
o radicalismo que, artificialmente mo- órgãos da justiça e por acreditarem lhes torno da ideia de uma república liberal
bilizado por uma minoria de esquerda, caber regenerar um sistema corrompido e civicamente mobilizada, o judiciarismo
estaria subvertendo a boa e velha ordem por uma classe política profissional que o tornou-se uma vertente poderosa dentro
tradicional brasileira. Por aí se entende a exploraria em próprio proveito. do liberalismo brasileiro, reverberando

A
centralidade do golpe de 1964 no imagi- nas décadas posteriores na luta dos
nário histórico de ambos os segmentos, o contrário do que se bacharéis liberais contra o autoritarismo
que leem os acontecimentos na chave pode imaginar, o judi- do Estado Novo e do regime militar.
de um eterno retorno. ciarismo é fenômeno Basta lembrar aqui os bacharéis da
Há um terceiro setor da sociedade, antigo no Brasil. Tem antiga União Democrática Nacional (como
porém, intermediário, para quem não inspiração no papel de Afonso Arinos, Bilac Pinto e Aliomar
estaríamos vivendo uma contrarrevo- guardião da constituição exercido pela Baleeiro) e do velho Partido Socialista
lução, e sim uma revolução. No seu Suprema Corte dos Estados Unidos, Brasileiro (como Evandro Lins e Silva,
imaginário histórico, os acontecimentos descrito e divulgado por clássicos Hermes Lima, João Mangabeira). Mas
atuais não se assemelham a 1964, mas como Tocqueville e James Bryce. Ele o judiciarismo não prosperou porque
à revolução de 1930, e são promovidas aflorou entre nós com a República e a sofreu a concorrência desleal, no papel
por ela mesma, se autorretratada como criação do Supremo Tribunal Federal, de herdeiro do Poder Moderador, das
uma classe média idealista, progressis- encarregado de arbitrar as contendas Forças Armadas. O ambiente favorável
ta e civicamente orientada. O conceito entre os poderes políticos e garantir os à afirmação do discurso judiciarista só
de revolução é aqui mobilizado em direitos fundamentais. Liderado por Rui se delineou na década de 1990, devido
chave liberal, à maneira iluminista de um Barbosa desde o começo do regime, à desmoralização do conservadorismo; o
abade Sieyès, isto é, como um processo contra a ditadura do marechal Floriano generoso desenho institucional da Consti-
de ampla transformação promovido Peixoto, e encampado por ministros do tuição de 1988; a massificação do ensino

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jurídico e a valorização das corporações próprio Estado, através das instituições voltado para promover a concretização
judiciárias, no que tange às suas carreiras e instrumentos judiciários criados pela de valores constitucionais como os
e salários, atribuições e competências. Constituição de 1988 e fortalecidos no direitos humanos e a democracia liberal.
A ascensão dos novos atores judiciários curso das décadas seguintes. Essa revitalização passava pela nova
foi, por fim, coroada pelo advento do Oriunda geralmente da classe média, hermenêutica jurídica chamada doutrina
neoconstitucionalismo como filosofia e legitimados intelectualmente pela apro- da efetividade da Constituição, depois
hermenêutica jurídicas e abençoada por vação em concurso público, e legalmente superada ou alargada pela recepção do
parte da sociologia do direito. pelo papel de representantes funcionais chamado neoconstitucionalismo. Essa
O papel desempenhado pelos juízes e da sociedade civil, esses promotores e nova hermenêutica passou a tratar prin-
promotores, na qualidade de portadores juízes têm verdadeira ojeriza à política cípios constitucionais como regras cuja
da Revolução Judiciarista, só pode ser profissional, especialmente os ocupan- aplicação, devido aos seus enunciados
adequadamente compreendido na medi- tes de cargos legislativos. Vistos como relativamente vagos, facultariam ao juiz
da em que se entenda o espaço significa- pragmáticos, incultos e mal-intenciona- decidir em certos e determinados casos
tivo que as “vanguardas modernizadoras” dos, os políticos profissionais viveriam valendo-se de uma discrionariedade
possuem na cultura política brasileira. exclusivamente da exploração de um ampla, orientada por valores políticos
Em todas as épocas de crise do sistema eleitorado pobre e ignorante, desprezan- éticos e comunitários.
político-constitucional, sempre que se do as aspirações cívicas da sociedade O direito constitucional, manejado
acreditou difusamente que a classe polí- civil, entendida como “classe universal”. pelas lentes do neoconstitucionalismo,
tica se tornou obstáculo ao progresso do Imbuídos de um idealismo constitucional, teria por fim reconstruir a República
país, houve espaço para a emergência de os novos tenentes desejam regenerar a brasileira contra seus males seculares.
novos personagens, investidos do papel “pureza” das instituições constitucionais Investido da condição de juiz consti-
de vanguarda regeneradora da república. de 1988, corrompidas pelos políticos tucional, ele guarda a esperança de
Há o tecnocrata apartidário e patriota, “carcomidos”. que o Supremo Tribunal, sob o seu
engenheiro ou médico; há o bacharel ou comando ou inspiração doutrinária, se
o jurista liberal ou libertário, geralmente O pensamento político da “Revolução transforme em agente privilegiado da
constitucionalista ou penalista; há o Judiciarista” revolução regeneradora, funcionando,
militar positivista, etc. O pensamento político da “Revo- em suas próprias palavras, como uma
Nos últimos 15 anos surgiu uma lução Judiciarista” encontra um bom “vanguarda iluminista” encarregada de
categoria nova, a do juiz e a do promotor termômetro na obra de Luís Roberto “empurrar a história”.
de justiça que, encrustados no Estado, Barroso, professor de direito consti- Do ponto de vista político, Barroso é
entendem dever agir no sentido de com- tucional da UERJ e hoje ministro do um “neoliberal progressista”: revela-se
bater a impunidade política, respondendo Supremo Tribunal. Trata-se de um tão simpático às reformas de Estado
apenas à própria consciência iluminada kantiano assumido, que acredita em promovidas por Fernando Henrique
pela Constituição. Por seu perfil ideoló- um processo histórico de avanço ci- Cardoso quanto aos programas sociais
gico e motivações, os “novos tenentes” vilizacional e aposta no judiciarismo, e às políticas de defesa das minorias
são bacharéis ilustrados que, no pas- exercido por meio da hermenêutica adotadas pelo Partido dos Trabalhado-
sado, teriam sido atraídos pela carreira neoconstitucional, como instrumento res. Em seu diagnóstico das causas do
política propriamente dita. Diante das de superação do atraso nacional. Como retardo brasileiro, ele parte das inter-
dificuldades opostas pela atual massifi- uma espécie de Rui Barbosa redivivo, pretações anti-iberistas elaboradas por
cação da política, com seu “baixo nível”, Barroso cedo apostou na revitalização liberais como Sérgio Buarque de Holanda,
porém, esses bacharéis julgaram mais do direito constitucional como disciplina, Raymundo Faoro e Roberto da Matta.
cômodo e eficaz operarem de dentro do convertendo-o em instrumento prático Contra os efeitos nefastos da coloniza-

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ção – patrimonialismo, estatismo, falta gerada pela degeneração do presiden- mostrado infinitamente mais hábeis na
de ética e desigualdade perante a lei -, cialismo de coalizão e pelo emprego contenção da Revolução Judiciarista.
Barroso defende emancipar o mercado e generalizado da corrupção como meio Cedo perceberam que o tenentismo
a sociedade civil do estatismo, renovar as de governo criaram a partir de 2013 o togado da Lava Jato só prosperava
universidades públicas pelo financiamen- ambiente propício para que muitos ope- pelo endosso da Procuradoria Geral da
to privado, acabar com a impunidade dos radores jurídicos, já habituados desde a República e chancelado pelo Supremo
ricos pela restrição à liberdade depois do interferir nas políticas públicas pela judi- Tribunal Federal.
segundo grau de jurisdição, e a dos polí- cialização da política, decidissem alterar o O ponto alto da Revolução Judicia-
ticos, pela restrição do foro privilegiado; modus operandi da Justiça para promover rista havia sido a remoção de Eduardo
reduzir as desigualdades raciais, sociais a investigação e prisão dos próceres do Cunha da presidência da Câmara, arti-
e de gênero; reformar o sistema político regime, a fim de refundar a república com culada por personagens como Janot,
pela introdução do semipresidencialis- base nos princípios republicanos e demo- Teori Zavascki e Edson Fachin. De modo
mo, do voto distrital misto e do fim das cráticos consagrados na Constituição. que em dezembro de 2016 aconteceu
coligações nas eleições proporcionais. Começou então a “Revolução Ju- o primeiro tropeço do judiciarismo

C
diciarista” que, a partir da Operação revolucionário quando idêntica medida,
omo seria de se esperar, Lava-Jato, cujos personagens – como tomada contra o presidente do Sena-
a difusão da doutrina o procurador Deltan Dallagnol e o juiz do, Renan Calheiros, trombou com a
neoconstitucionalista Sérgio Moro teriam participação nada resistência da Câmara Alta. Diante do
ou, pelo menos, de uma desprezível no processo de impeachment receio de desobediência à sua decisão,
certa interpretação dela, de Dilma Rousseff e de incriminação porque desprovida de força material
obteve entusiástica repercussão dentro pública do ex-presidente Lula. para se fazer obedecer, o pleno do
das corporações judiciárias. A doutrina Mas esse protagonismo teria sido Supremo recuou da liminar concedida
da efetividade e o neoconstitucionalismo impossível sem a chancela do Supremo pelo ministro Marco Aurélio. Decidiu
puseram a Constituição no centro do sis- Tribunal Federal e o apoio decidido do ex- contraditoriamente que a decisão que
tema jurídico, autorizaram os operadores -Procurador Geral da República, Rodrigo valera para remover Eduardo Cunha não
jurídicos a se orientarem politicamente Janot. Deposta a situação petista, o valia para remover Renan.
e promoveram uma revolução intelec- Procurador-Geral voltou-se agressiva- O argumento da “razão de Estado” da
tual a partir da academia, que dali se mente contra a oligarquia peemedebista estabilidade passou a ser desde então
propagou às procuradorias de justiça e que se apoderou da presidência da empregado pela oligarquia para refrear
aos tribunais. República, buscando desalojar de seus o ativismo judiciário ou judiciarismo exa-
Os livros de direito constitucional postos, como criminosos, ministros de cerbado. O objetivo era estabilizar Michel
viraram verdadeiros tratados de herme- Estado, os presidentes da Câmara dos Temer na presidência, que a assumira
nêutica eivados de judiciarismo, girando Deputados e do Senado e o próprio com o objetivo justamente de proteger
basicamente em torno da fundamenta- presidente da República. Começou então a oligarquia política dos expurgos judiciá-
ção doutrinária dos direitos fundamen- a fase, digamos, jacobina da Revolução, rios. A “razão de Estado” passava sobre-
tais e na descrição das atribuições do de que farei aqui um breve inventário. tudo por defender a estabilidade como
Ministério Público, do Judiciário e da meio indispensável de superação da crise
Defensoria Pública. A parte dedicada a A articulação da resistência ao econômica, pela adoção de medidas
explicar as atribuições e funcionamento judiciarismo depois do impeachment como a fixação de um teto de gastos,
dos outros poderes, especialmente o A oligarquia peemedebista e seus da reforma trabalhista e da previdência.
Legislativo, praticamente desapareceu. aliados que assumiram o poder depois Haja vista que tais reformas dependiam
A desmoralização da classe política da queda de Dilma Rousseff têm se de aprovação pelo Congresso, alegou-se

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que a manutenção de Renan Calheiros na O inimigo da “revolução judiciarista” Outro ponto fundamental a ser
presidência do Senado era indispensável Em segundo lugar, e tão importante atacado na operação abafa movida pela
ao projeto de emenda constitucional que quanto, a oligarquia conseguiu o inesti- oligarquia política contra o judiciarismo
estabelecia o teto de gastos. Começou mável apoio do ministro Gilmar Mendes, foi resistir ao movimento em curso no
então o processo de desmoralizar o Su- que se colocou como principal inimigo Supremo, em ação relatada pelo ministro
premo perante a opinião pública. da “Revolução Judiciarista” e buscou, Barroso, no sentido de restringir o alcan-
Foi assim que Michel Temer apro- desde então, desmoralizá-la em todos ce do foro privilegiado, tornado símbolo
veitou a onda conservadora para resistir os seus pronunciamentos públicos. dos privilégios jurídicos da classe política
em nome de ordem e da estabilidade ao Seu primeiro e maior serviço prestado e sinônimo de impunidade penal.
liberalismo dos judiciaristas. Essa atitude à oligarquia peemedebista foi o de, na O Congresso Nacional correu para
veio acompanhada de diversas providên- qualidade de presidente do Tribunal promover a tramitação de um projeto
cias voltadas para dividir as forças que Superior Eleitoral, evitar a cassação da de emenda constitucional destinada
apoiavam a “Revolução Judiciarista” e chapa eleitoral vencedora nas eleições a acabar com o foro privilegiado para
alterar a correlação de forças junto à de 2014, já anunciada pelo ministro todas as autoridades. Aqui também a
sociedade, à Procuradoria e ao Supremo relator do processo, Herman Benjamin, hipocrisia reinou sem peias, porque a
Tribunal. Tais medidas foram facilitadas e que implicaria desalojar Temer do proposta, apresentada como satisfação
pelo fato de que a impopularidade de seu Palácio do Planalto. O mesmo realismo à opinião pública, não passava de tenta-
governo autorizava Temer a fazer o que (ou cinismo) que não coibira Temer de tiva de intimidar a corporação judiciária a
bem entendesse, sem pruridos morais ou nomear o próprio ministro da Justiça provarem do mesmo “remédio republica-
de satisfação à opinião pública. No que para o Supremo, a fim de embarreirar no”, já que também teria suprimido seu
diz respeito às forças socioeconômicas, as ações dos ministros daquela Corte, privilégio de foro.
Temer passou a acenar com a possibi- também não o coibiu de nomear, para Percebendo que a maioria dos
lidade de empregar sua ilegitimidade e o Tribunal Eleitoral, juízes de antemão ministros do Supremo apoiaria Barroso
impopularidade para aprovar as reformas comprometidos com sua absolvição. na restrição do foro, em decisão que
econômicas desejadas pelos economis- poderia ser proferida antes do julga-

T
tas ortodoxos e pelo empresariado. mento referente à cassação da chapa
A partir dessa perspectiva, a oligar- ambém o novo ministro da no Tribunal Superior Eleitoral ou que a
quia passou a apresentar o judiciarismo Justiça, Torquato Jardim, ameaça ao Judiciário em forma de PEC
como grave empecilho à aprovação das vinha expressamente com passasse do Senado para a Câmara,
reformas e subsequente recuperação a missão de desatarraxar o governo recorreu aos préstimos do
da economia. No que diz respeito à os parafusos da Lava Jato ministro Alexandre de Morais. Ele teve,
correlação de forças no Supremo, na Polícia Federal, promovendo oportu- então, a oportunidade de mostrar ao que
houve duas mudanças apreciáveis. Em namente a mudança do diretor-geral e viera: pediu vista para adiar a decisão.
primeiro lugar, a indicação do então contingenciando verbas que mantives- Para compensar a molecagem, os mi-
ministro da Justiça e ex-chefe da polícia sem a Lava Jato funcionando na mesma nistros “revolucionários” anteciparam o
paulista, Alexandre de Moraes, para a velocidade. A estratégia de Temer era a voto favorável à restrição do foro Carmen
vaga aberta pela inopinada morte de de ganhar tempo, sobrevivendo até que Lucia, Rosa Weber, Marco Aurélio. A
Teori Zavascki, em fevereiro, sinalizou de o mandato de Janot encerrasse, que a crescente divisão do STF acerca dos ru-
modo iniludível que a oligarquia estava economia se recuperasse e, pela melho- mos a serem tomados ou dos endossos à
disposta a nomear juízes abertamente ria do ambiente político, ele pudesse ter atuação de Janot, avolumadas pela atua-
conservadores e governistas para bre- a esperança de concluir o mandato sem ção deletéria de Gilmar Mendes como
car o avanço do judiciarismo. ir para a cadeia no dia seguinte. ator abertamente político, começaram

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a surtir o efeito desejado pela oligarquia: viesse a ocupar a poltrona presidencial. Em contraposição ao relativo come-
desacreditar o judiciarismo. Mas a jogada não deu certo. dimento e cordialidade de Barroso, com
Ao mesmo tempo, os setores con- A despeito do apoio à renúncia que sua indisfarçável aversão aos políticos
servadores e liberais mais à direita lhe emprestaram órgãos da imprensa profissionais, Gilmar Mendes age de
começaram a falar na necessidade de liberal, como a Rede Globo e a Folha de forma truculenta e desassombrada,
uma nova Constituinte, a começar pelo São Paulo, Temer revelou uma resiliência ao arrepio da Lei Orgânica da Magis-
Pouco depois, em um “Manifesto à Na- digna de baratas em invernos nucleares. tratura. Negocia abertamente seus
ção”, publicado pelos juristas Modesto A oligarquia acabou por ficar de seu compromissos políticos, frequenta o
Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José lado, depois de dois dias de profunda Palácio do governo para trocar ideias
Carlos Dias, a 9 de abril de 2017, seus incerteza; da mesma forma, o establish- com Temer, fala fora dos autos, intimida
subscritores proclamaram também a ne- ment socioeconômico interessado em colegas e promotores, e dá declarações
cessidade de uma nova Constituição. No preservar um presidente impopular, cuja políticas cínicas, como aquela, referente
dia seguinte, foi a vez do professor Simon fragilidade o obrigava a comprometer-se à portaria que afrouxou o combate ao
Schwartzman entrar na discussão, dando com uma agenda retrocessiva que outro trabalho escravo.
respeitabilidade acadêmica à discussão. em seu lugar não seria capaz de abraçar Por fim, em aliança com colegas
Diante da articulação dos setores com tanto empenho. como Ricardo Lewandowski e Dias To-
conservadores contra o judiciarismo O resultado foi que, poucos dias ffoli, notoriamente ligados ao establish-
revolucionário, de que era ele, afinal, o depois, a despeito da abundância de ment petista alvejado pelo judiciarismo,
comandante-em-chefe, Janot divulgou provas de irregularidades eleitorais, Gilmar firmou seu império na segunda
em meados de maio a delação dos Gilmar Mendes conseguiu garantir a ab- turma do Supremo Tribunal. Esta pas-
donos da JBS e, com ela, a famosa gra- solvição da chapa presidencial vitoriosa sou a se opor abertamente à primeira,
vação em que o presidente da República em 2014, no curso de uma sessão que, liderada por Barroso, pautando-se por
sublinhava a necessidade de continuar a pelas características que assumiu, foi uma política de condenação aberta
subornar Eduardo Cunha na cadeia para uma escancarada fraude judiciária. O dos métodos adotados pela Revolução
impedi-lo de fazer delação premiada. emprego, mais uma vez, do argumento Judiciarista, na qual seus argumentos
Uma vez que a articulação oligár- da razão de Estado para justificar a ab- conservadores se unem ao discurso
quica avançava a olhos vistos, Janot solvição de Temer, contra todas as pro- garantista dos demais colegas contra
calculou que a divulgação da delação e vas, jurisprudência e doutrina, tiveram o o ministro Edison Fachin.
do áudio provocaria uma reação de tal efeito adicional de também desmoralizar Por outro lado, seria de se imaginar
ordem junto à imprensa, ao público e a Justiça Eleitoral do Brasil. que a maioria de seus colegas resolves-
ao meio político, que obrigaria Temer a De perfil político, comprometido se em algum momento dar um basta ao
renunciar ou reverteria a tendência dos com a agenda oligárquica conservadora, processo de desmoralização contínua
ministros cooptados por Gilmar Mendes mal disfarçada pelo abraço oportunista da magistratura promovido por Gilmar
no Tribunal Superior Eleitoral no sentido do discurso garantista, Gilmar Mendes Mendes. No entanto, tudo debalde. Em-
de evitar a cassação da chapa que o tornou-se no Supremo Tribunal Federal bora acreditem que a postura de Gilmar
elegera vice-presidente da República. a nêmesis de Luís Roberto Barroso. seja deletéria, não abririam precedente
Pela derrubada de Temer, Janot es- Se este age conforme um idealismo para que pudessem ser eles mesmos
perava ainda assegurar a continuidade liberal, orientado por valores de liber- questionados pelos pares amanhã.
do movimento “revolucionário” pela dade e progresso, aquele passou a agir Nada de novo nas tradições nacionais.
escolha de seu favorito, Nicolao Dino, ostensivamente conforme um realismo Como diria um dos nossos pais da pá-
como seu sucessor na Procuradoria conservador, norteado pelos valores da tria, o visconde do Uruguai: “Assim está
Geral da República, por parte de quem ordem e da estabilidade. o país, e assim é o sistema”.

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O Termidor ou esfriamento da consecutiva não conseguiu repetir o pre- reação dos setores por ele prejudicados
Revolução Judiciarista cedente da prisão do Delcídio Amaral. O tanto à direita como à esquerda.
Desde junho, portanto, desenhou-se Senado e a Câmara, aliás, já sinalizaram
a perspectiva do Termidor, ou seja, do por diversas vezes ao longo do ano que, Conclusão
esfriamento da Revolução Judiciarista. no que diz respeito ao mandato de seus Com a reação liderada por Gilmar
A oligarquia passou a atacar o ativismo membros, poderão se recusar a cumprir Mendes no Supremo Tribunal e a queda
judicial e o tenentismo togado, não pe- decisões do Supremo Tribunal, postura do Janot da condição de Procurador
los motivos certos, mas pelos errados. que fatalmente convida os ministros Geral da República, a “Revolução Ju-
Atacaram os excessos do neocons- daquela Corte a uma postura de maior diciarista” entrou definitivamente no
titucionalismo, da jurisprudência dos contenção. seu Termidor. O paralelo histórico com
princípios, etc., não para reequilibrar o Por fim, até agora, a nomeação de os acontecimentos franceses pode a
sistema ou acabar com a “vanguarda Raquel Dodge para a PGR tem confir- mais de um título ser útil. É de bom
iluminista” do ministro Barroso, mas mado a escolha providencial de Temer, alvitre recordar que, a exemplo do
para preservar seus privilégios através não tendo ela revelado qualquer espírito atual, o governo do diretório que as-
do formalismo hermenêutico e de jacobino, parecendo comprometida sume durante o Termidor, responsável
juízes compadres. A oligarquia desistiu com a tese da razão de Estado em que pelo sufocamento do jacobinismo, é
de manter as aparências de apoio às a oligarquia se escudou para resistir à marcadamente empulhador, covarde
medidas de combate à corrupção e “revolução”. e corrupto. E que, embora fatigada de

E
assumiu de forma desassombrada que tantos ódios, perseguições e denúncias,
o seu único propósito é o de sobreviver, nquanto isso, Gilmar e nem por isso a opinião pública desistiu
lançando mão de todos os meios de seus aliados continuam de querer “Justiça”, ou seja, consolidar
poder ao seu alcance. a brandir argumentos, as conquistas da Revolução.
Da mesma forma, depois do episódio ora de razão de Estado, Tudo bem pesado, corremos o risco
da JBS, o governo e seus aliados arre- ora de garantismo, para de que, das eleições presidenciais do
gimentaram uma teia de advogados e desrespeitar ou reverter decisões do ano que vem, saia o nosso 18 Brumário,
juristas encarregados de desautorizar, Supremo tomadas sob a inspiração de com seu respectivo Napoleão Bonapar-
criticar e resistir a tudo o que viesse Barroso, destinadas a combater a impu- te, ou seja, um homem forte com dis-
de Janot, a fim de desmoralizá-lo e nidade dos políticos, como a restrição curso de união nacional, cuja autoridade
criar narrativas contrárias, de abusos, do foro privilegiado e a execução auto- carismática consolidará de modo ordeiro
calúnias, violações da lei, etc. Estejam mática da sentença criminal depois da as conquistas da “revolução”. Isto, claro,
certos de que em breve também não segunda instância. Também a bancada se a história realmente se repetir, como
cumprirão decisões do plenário do STF evangélica passou a intimidar o Supremo farsa ou realidade, como diria um velho
que entendam inconstitucionais. A tática com projetos destinados a submeter a barbudo, cujo nome esqueci. Da nova
passou a ser a de desmoralizar os juízes referendo do Congresso suas decisões configuração que sairá das próximas
e promotores que apoiarem medidas “iluministas” relativas a costumes, eleições dependerá, pois, o destino da
contra o presidente, ministros de Estado, como o aborto ou o casamento gay, “Revolução Judiciarista”.
deputados e senadores.  ou que confiram às igrejas legitimidade
O último episódio, em que se buscou processual de questionar judicialmente
arredar Aécio Neves do Senado, em suas decisões. Em síntese, o avanço do
judiciarismo liberal a título de combater Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políti-
caso semelhante ao de Renan Calheiros, cos (IESP-UERJ) e pesquisador da Fundação Casa
revelou em definitivo os limites do po- a corrupção, causando severas baixas de Rui Barbosa (FCRB)
der do Supremo, que pela segunda vez no establishment político, gerou forte clynch@iesp.uerj.br

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