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S
uponha que você veja uma não acho que é uma boa ideia proibir
atualização de status de um que pessoas fumem nos campi das uni-
amigo no Facebook pedindo versidades brasileiras. Desde quando
para participar e ajudar em nós podemos proibir qualquer pessoa
uma campanha que tem como de fazer qualquer coisa em qualquer lu-
objetivo não permitir que as pessoas gar? Álcool e drogas, por exemplo, são
fumem nos campi das universidades ilegais no campus, mas quem diz que Rodrigo Canal João Antonio
brasileiras. Seu lema seria “campanha ninguém os usa?’. Rafael diz: ‘Qualquer é professor de Moraes é
antifumo” e poderia ser descrita do se- pessoa tem a liberdade e o direito, se do Centro doutorando
guinte modo: “A campanha antifumo é quiser, de fumar, o risco quem corre é de Formação em Filosofia
uma iniciativa que tem como objetivo ela mesma com a sua saúde. Mas acho Interdisciplinar pela Unicamp.
promover um ambiente e ar limpos, que fumar em lugar público deveria da Universidade Professor do
seguros e saudáveis nos campi das uni- ser proibido, pois fumar representa um Federal do departamento
Oeste do Pará de Filosofia
versidades brasileiras, eliminando o mal para qualquer pessoa, e as que não
(UFOPA). Mestre da Faculdade
hábito de fumar das pessoas dentro dos querem fumar também deveriam ter o em Filosofia pela João Paulo
campi universitários”.1 direito e a liberdade respeitados, pelo UNESP. prof. II (FAJOPA).
Abaixo do enunciado da campanha, menos nos lugares públicos, de não ‘fu- rodrigocanal@ moraesunesp@
muitos comentários já foram feitos pe- mar por tabela’ por causa de outro.’ Jú- gmail.com yahoo.com.br
los seus amigos e outras pessoas do Fa- nior diz: ‘Voltamos a viver sob a tutela
cebook. Como os seguintes: “Ronaldo de um estado ditador agora, em pleno
diz: ‘Pessoal, leiam, participem e curtam século XXI? Aposto que as únicas pes-
IMAGEM: SHUTTERSTOCK
o link dessa campanha. Acredito que é soas que apoiam isso não são fumantes!
muito necessário começar essa campa- Penso que somente em um estado di-
nha no nosso campus. Não é mesmo?’ tador ocorreria de as pessoas quererem
Bruna diz: ‘Olha, eu não fumo, porém tirar a liberdade de quem quer fazer o
1
JACKSON; NEWBERRY, 2012, p. 1. Esta e as demais
que for, inclusive fumar, e aproveitar a
traduções do presente trabalho são de nossa autoria vida da forma que melhor lhe convier.
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O MOVIMENTO Eu sei que fumar faz mal a minha saú- Júnior, que emprega a chamada falácia da
do Pensamento de, mas é a minha escolha, sacou!?’”.2 relevância, recorrendo à desqualificação e
Crítico abarca Depois de ter lido e pensado sobre o fugindo do tópico em discussão)? Como
grande diversidade diálogo e o tema tratado, o leitor pode se podemos julgar esse tipo de estratégia de
de abordagens, perguntar: qual é a melhor coisa a se fazer convencimento, e com quais critérios, se
mas ainda não há neste momento? Seria se omitir na discus- percebemos, mesmo que intuitivamente,
um quadro único são? Ou uma posição aceitável seria fazer que a estratégia não é boa?
e homogêneo no ataques retóricos, apelando com desqua- As questões elencadas podem ser co-
qual podemos lificações? Como é que podemos avaliar a mumente levantadas em casos nos quais as
nos basear para credibilidade de cada afirmação? Apenas pessoas pretendem convencer umas às ou-
tentar entender afirmar/emitir sua própria opinião (como tras da verdade de algo. É exatamente no
como devemos Ronaldo faz bem) é argumentar/defender âmbito de construir, identificar, analisar e
promover, de
bem uma posição? E no caso de identifi- avaliar as posições e argumentos, seus e de
forma efetiva e
carmos (como no caso de Rafael e Bruna) outras pessoas, bem como de ter o hábito
integral, o que
que há como empregar (ou que foi em- para imparcialidade no tratamento de pro-
é que seja o
pregado) diferentes tipos de raciocínio, blemas (empíricos e conceituais, gerais e
pensamento
crítico nos alunos qual deles escolher? Quais critérios po- específicos) que se encontra o empreendi-
deríamos utilizar para isso? E se alguém mento denominado Movimento do Pensa-
escolhe nos convencer, mas não utiliza mento Crítico (do inglês Critical Thinking
razões para isso, apelando às emoções, Movement – daqui em diante PC).3
com desqualificação (como no caso de
3
Utilizaremos a abreviação PC quando do uso técnico do
2
JACKSON; NEWBERRY, 2012, p. 1 termo pensamento crítico
A partilha de informações
ganhou proporções
nunca imaginadas com a
IMAGENS: SHUTTERSTOCK
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ESCLARECIMENTOS SOBRE
O MOVIMENTO DO
PENSAMENTO CRÍTICO
Para melhor compreensão do que
constitui o Movimento do PC convém
destacar alguns sentidos diferentes que a
palavra crítico pode denotar, entre eles:
• uma pessoa que fala mal de outra;
• alguém que analisa algo;
• alguma pessoa que censura outra; é deliberado e minucioso, e, por essa razão, A habilidade de pensar
• aquilo que pode ser perigoso ou intencional e responsável (especialmente criticamente ganhou a
atenção de pesquisadores
arriscado. ao ponderarmos as nossas próprias ideias no século XX,
O sentido que interessa ao movimento é e valores e as de segundos e terceiros). De notadamente na década
de 1960, em países
mais próximo de sua origem grega, kritikós, acordo com a autora, um raciocínio cri-
principalmente de
que significa alguém que é capaz de tomar terioso é intencional na medida em que língua inglesa
uma decisão ou formar um juízo; isto é, que estabelece uma finalidade ao raciocinar; e
é capaz de distinguir alternativas, ideias, é responsável uma vez que diz respeito ao
hipóteses ou opiniões. Nesse sentido, pen- cuidado na ponderação do que é possível,
sar criticamente não se refere a pensar de ou não, inferir/raciocinar de certos pon-
forma negativa sobre as opiniões de outras tos de vista, afirmações etc. Um raciocí-
pessoas ou as próprias. Pelo contrário, o nio minucioso, por sua vez, busca exaus-
PC refere-se a pensar de forma cuidadosa, tivamente a perfeição, e isso requer que
consistente e exata, o máximo possível. O se aprecie de forma ampla e profunda o
objetivo do PC não é menosprezar nem assunto em questão e as diversas nuances
supervalorizar opiniões, ou censurar ou e complexidades das questões.
aprovar as mesmas, mas é o de se preparar George Rainbolt e Sandra Dwyer, em
para se tornar um um bom pensador sobre Critical Thinking: the art of argument, ca-
qualquer tema ou problema que o mundo racterizam o pensamento crítico como
possa apresentar (seja ele filosófico, cienti- uma aptidão de ponderar corretamente
fico, ambiental, pratico etc.). argumentos apresentados por segundos
Peg Tittle, em seu livro Critical e terceiros e como a habilidade de saber
Thinking: an appeal to reason,4 caracteriza como compor bons argumentos por si
o pensamento crítico como um tipo de ra- próprio. Desse modo, pensar de forma
ciocínio criterioso sobre aquilo que acre- crítica constitui um processo de racioci-
ditamos e fazemos. Esse tipo de raciocínio nar e oferecer razões para o que se acre-
4
Manteremos os títulos das obras em inglês, dado que não há
dita e faz. Nesse sentido, o estudo árduo
a publicação de tais obras traduzidas para o português e persistente de identificar, isolar, recons-
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5
MOON, 2008, p. VII-VIII 6
Idem p. 35
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JOHN DEWEY Lógica Formal e da Lógica Informal). Para são formas responsáveis pelo argumentar
(1859-1952), eles a lógica tem sido o principal método de forma convincente.
entendia o para se promover o PC, sendo o modo pelo Os livros da abordagem (b) utilizam um
pensamento crítico qual se pode maximizar a objetividade da conjunto diferente de regras e identificam
como pensamento crítica e do argumento, visto que trata da os componentes do processo, bem como as
“reflexivo” e qualidade do raciocínio e da argumentação. competências e habilidades do PC em geral,
“autônomo”, Esse gênero de abordagem oferece técni- a fim de tornar as complexidades deste mais
consistindo em cas de análise lógica e possui uma visão compreensíveis e úteis aos alunos, de modo
uma consideração técnica no que diz respeito ao processo de que eles consigam “[...] trabalhar através de
ativa, persistente e aprendizagem. Como diz Moon:7 o PC é e por si mesmos os problemas que são co-
cuidadosa de uma como uma habilidade que pode ser melho- locados [...] em sua vida cognitiva e prag-
crença ou uma rada pelo conhecimento e prática constante mática [...]”.9 Nessa abordagem, procura-se
forma suposta de
e contínua das regras da lógica. Os especia- promover o PC ao fazer que a pessoa em
conhecimento,
listas dessa abordagem fornecem em seus questão tome consciência e responsabili-
tendo em vista
livros um curso sobre métodos de pensar dade para com o próprio pensamento. A
os fundamentos
e de escrever argumentos, cujo objetivo é abordagem desenvolve uma teoria focada
que as suportam
mais as conclusões ensinar os alunos a primeiro esclarecerem em capacidades/habilidades mentais tais
adicionais implicadas suas próprias ideias – um processo que in- como a da imparcialidade, a humildade
por ela clui discutir honestamente consigo mesmo intelectual, integridade intelectual e no que
– para descobrir o que realmente se pen- chamam de padrões intelectuais universais
sa sobre um problema ou assunto e ensi- de PC, tais como a clareza, rigor, precisão,
nar regras/técnicas de análise lógica sobre pertinência, profundidade, amplitude e al-
como identificar, avaliar e construir argu- guns padrões de pensamento lógico.
mentos. Porém, como destacam Bedau e A abordagem (c) procura promover
Barnet,8 as regras e instruções técnicas não e descrever o PC com relação a questões
são formais: o que é posto em discussão pedagógicas, isto é, orientar e desenvol-
7
Idem, p. 29
8
BEDAU; BARNET, 2011, p. III-X
9
MOON, 2012
DUPL
62 • ciência&vida
10
COLES e ROBINSON, 1991 11
FORD, 2005
PLA JR
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13
Entendemos que essa área não está consolidada no Brasil,
mas convém destacar que há pesquisadores brasileiros
trabalhando nesse tópico. Não destacaremos nomes para
não incorrermos no erro de não se fazer a menção a vários
pesquisadores envolvidos nesse projeto
14
Como fizeram em Portugal Vieira, Tenreiro-Vieira e
Pinheiro (2011)
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REFERÊNCIAS
Thinking, reading, and writing: a brief
guide to argument. New York/Boston:
Bedford/St. Martin’s, 2011.
BROOKFIELD, S. Developing Critical
Thinking. Milton Keynes: SRHE/Open
University Press, 1987.
COLES, M.; ROBINSON, W. Teaching
Thinking. What is it? Is it possible? In:
COLES, M.; ROBINSON, W. Teaching
Thinking. Bristol: Bristol Classical Press,
p. 1-23, 1991.
ENNIS, R. H. A taxonomy of critical
thinking dispositions and abilities.
In: J. BARON & R. STERNBERG
(Eds.), Teaching thinking skills: theory
and practice. New York: W.H. Freeman,
1987, p. 9-26.
ENNIS, R. H. Critical Thinking
dispositions: their nature and
O pensamento crítico pode contribuir efetivamente com o aperfeiçoamento no raciocínio assessability. Informal Logic, n. 18, 2 &
3, 1, 1996, p. 65-182.
público brasileiro, principalmente nas discussões de ideias e propostas políticas e nos
comentários sociais encontrados nos meios de comunicação de massa FORD, P.; JOHNSTON, B.; BRUMFIT,
C.; et al, F. Practice learning and the
development of students as critical
É um equívoco esperar que um tida, questionando-as, de modo a practitioners – some findings from
ensino baseado em desenvolver es- incentivar o início do desenvolvi- research, Social Work Education, v.
24, n. 4, p. 391-407, 2005.
tratégias repetitivas de produção de mento de uma das abordagens [(a)- GROARKE, L. Informal Logic. [On-line]
texto, feitas somente como reprodu- -(f)] aqui apresentadas. É preciso E. N. ZALTA (ed.). Disponível em:
http://plato.stanford.edu/entries/
ção de outros textos, estimule e pro- também que as pessoas envolvidas logic-informal. Acesso em: 15 set.
mova o PC. no desenvolvimento de programas 2012.
Os equívocos mencionados são educacionais compreendam que, JACKSON, D.; NEWSBERRY. Critical
Thinking: a user’s manual. Boston:
baseados em duas posições assu- de fato, é necessário e suficiente Wadsworth, 2012.
midas e irrefletidas que podem ser para se tornar um pensador crítico MOON, J. A new perspective on the
expressas a partir de dois pressu- e reconheçam que a educação bra- elusive activity of Critical Thinking:
a theoretical and practical approach.
postos: um deles é considerar que o sileira atual não promove o pensa- Escalate. Disponível em: http://
Brasil é promotor do PC – a crença mento crítico com o tipo de ensino escalate.ac.uk/2041. Acesso em: 15 de
setembro de 2012.
de que já existem no ensino brasi- que atualmente está em voga.
______. Critical Thinking: an
leiro os meios (os métodos – de for- Enfim, julgamos ser necessário exploration of the theorie and
mação/promoção dos estudantes a que os professores sejam ensinados pratice. New York: Routledge,
2008.
pensarem criticamente); e o outro a ser pensadores críticos e a promo-
PAUL, R. W.; ELDER, L. Critical
é aquele segundo o qual o pensar ver o ensino do pensamento crítico: Thinking: tools for taking charge of
criticamente é uma habilidade que uma das coisas a se fazer, por exem- your professional and personal life.
New Jersey: Prentice Hall, 2002.
as pessoas conseguem desenvolver plo, é criar oportunidades para que
RAINBOLT, G. W.; DWYER, S. L. Critical
naturalmente por si mesmas e não os professores se familiarizem com Thinking: the art of argument. Boston:
precisam de ajuda para isso, nem os estudos em pensamento crítico Wadsworth, 2012.
mesmo de um ensino de tais ha- para que possam, por conseguinte, TITTLE, P. Critical Thinking: an appeal
to reason. London: Routledge, 2011.
bilidades, pois todos conseguimos promover os objetivos do ensino do
VIEIRA, R. M.; TENREIRO-VIEIRA,
pensar criticamente. mesmo. Outro fator que pode con- C.; PINHEIRO, I. M. (2011). Critical
Entendemos que, para come- tribuir para a consolidação do Mo- Thinking: conceptual clarification and
its importance in science education.
çar a mudar esse cenário no Bra- vimento do PC no Brasil é o finan- Science Education International, v.
sil, precisamos, em primeiro lugar, ciamento e incentivo de traduções 22, n. 1, 2011.p. 43-54. Disponível
em: http://www.icaseonline.net/sei/
questionar essas pressuposições de livros de boa qualidade didática march2011/p4.pdf. Data de acesso:
que assumimos de forma irrefle- sobre este tema. 14 de fevereiro, 2014
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