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ITINERÅRIOS DE PESQUISA
Perspectivas qualitativas em Sociologia da EducaGä0
editora
Itinerários de pesquisa
Perspectivas quahtativas em Sociologta da Educação
Mariha Pinto de Carvalho
Nadar Zago
Rita Amélia Tetxeira Vllela (orgs.)
Revisão de provas
Alexandre Arbex Valadares
Capa
Yornar Augusto
Gerência de produção
Maria Gabriela Delgado
CIP. EkASIL.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R]
186
Inclui bibliografia
ISBN
CDD 370.78
CDU 37.015.4
de dignidade: assimctrias e tensões em pcsquisa no lixão.
In.: M.P.E.; VILELA, R.A.T. (orgs). Itinerários de
pesquisa: sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
(p.
O lixo é sujo e cheira mal; deixa sujos e malcheirosos os que nele trabalham.
Há uma relação cruel entre rejeitos fisicos e rejeitos humanos:
Esse imbricamento entre os reritos fisicos (lixo) e hununos (excluídos) da
sociedade revela uma dunerü) perversa da modemidadc: o aumento da
produção de bens com componentes cada vez mais descartávets,
paralelamente ao aumento da produção de desempregados. dois elementos
dialeticamente conexos. A vida no e do 11.xo é o corolário, nesse sentido.
de um proceso económico que valoriza a reciclagem de materiais para um
florescente negócio industrial, ao mesmo ternpo em que desvaloriza o
trabalho das populações que são Jogadas no meio da rua (BURSZTYN. p.
21).
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A "sociedade involucra]" atua] produz o descartável e o supérfluo. A
qualidade total. ironicamente, gera produtos com pouco tempo de vida
únl e com valor de uso decrescente.
No passado pré-industrial, os procedimentos alongavam a vida dos objetos:
eram figuras comuns da paisagenl urbana o sapateiro, o remendão, a
cerzideira, o latoeiro etc. Os inventários relacionavam as roupas do defunto
no monte a ser dividido pelos herdeiros. Na pós-modernidade,
contrapartida, as coisas são desvalorizadas no momento da compra,
estimulando a idéia do descartável como comporta:nento adequado e
desejável do consumidor. Em simultâneo, abrem-se novas brechas a partir da
multiplicação do descartado O pobre urbano é uni mestre no remendo e na
reciclagem Hoje o lixo cada vez mais opulento da pós-modernidade oferece
campo para uma estratégia de sobrevivência ligada à coleta do reciclável do
descarte urbano. Na perspectiva do pobre urbano, o lixo é fonte renovável de
recursos naturais, na qual ele gtnmpa e cna Inercadorias (LLSSA, 2000, p.
15).
Os pais alcgam que são obrigados a se mudar com rantafrcqüêntia que não se
sentem motivados a inscrever seusfilhos na escola (BURSZTI'N, 2000, p. 252).
Streb (2001), em pesquisa realizada no distrito de Barão Geraldo, em
Campinas, encontrou 19 catadores de rua. Entre eles, dois tinham curso
superior e estavam desempregados. Apenas dois eram analfabetos.
Os demais tinham escolaridade correspondente ao Ensino Médio
completo (um) e incompleto (dois), de nível Kindamental completo
(quatro) e incompleto (oito). São proprietários de casa (33%), de
automóveis (58%) e a quase totalidade possui telefone celular. Recebem,
em média, por mês, 350 reais, quantia que constitui a média de renda dos
campineiros, e 66% tiveram emprego formal e na época da pesquisa
estavam desempregados.
274 ITINERÁRIOS DE PESQUISA
Questionados sobre o que pensam de suas atividades, os catadores
advogam que catar lixo é um trabalho como outro qualquer, mas ao mesmo
tempo reclamam de sua condição de exclusão. Muitos afirmam estar
exercendo esta atividade motivados pera crise social e econômica que o
país vem enfrentando nas últimas décadas, que se refletiu em altos índices
de desemprego. Alguns destes jovens afirmam que perderam junto com
seus empregos o status social a eles associados e queixam-se de ter perdido
muitos amigos após terem ingressado nesta atividade. Concomitante,
alguns catadores vangloriam-se de estar contribuindo para uma melhor
qualidade do meio ambiente por coletarem resíduos que tradicionalmente
não seriam coletados (...) (id., ib., p. 50-1).
Alguns autores afirmam que os catadores têm rendimentos acima da
média da população no Brasil. Como era de se esperar, observam-se
discrepâncias regionais. Os catadores de Brasília, pesquisados por
Bursztyn (2000), distinguem-se dos catadores ca:npineiros analisados por
Streb (2001), em termos de níveis de escolarização. Há, no entanto, entre
eles, independentemente da região, um sentimento de mal-estar com seu
status e com a discriminação social de que se sentem objeto.
Catadores do lixão
O catador do lixão enfrenta situações semelhantes às do catador de
rua, mas apresenta especificidades. Tem moradia fixa no
próprio lixão, em
ou em bairros em torno da região do lixão, em
geral em moradias localizadas em terrenos também sem sanea:nento.
Trata-se de favelas. O intermediáno vai ao lixão negociar a compra do
material coletado ou está fixado nas redondezas do lixão, onde é
proprietário de pequenas fabricas que trabalham conl reciclage:n. Isso
diminui a margenl de negociação do preço por parte dos catadores.
No Rio de Janeiro, entre lixões e aterros, existem cerca de cem
pontos (O Globo, 27 rnaio 1999). Neles, os catadores enfrentan)
condições de insalubridade que propicia:n doenças. A aspiração de
poeira
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Ver. entre outros: Buarque (1994); Castell (1999); Dupas (2000); Fontes (1995); Greli e
wet-y (1993); Karsz (2000); Martins (1997); Nasci,nento (1994. 1995); (1996); Ribeiro
(1999): Sawaua (1 999); Schehr (1999); Schnapper (2001).
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Ver, entre outros: Buarque (1994); Castel] (1999); Dupas (2000); Fontes (1995); Grell
e Wery (1993); Karsz (2000); Martins (1997); Nascimento (1994, 1995); Paugan
(1996); Ribeiro (1999); Sawaua (1999); Schehr (1999); Schnapper (2001).
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CATADORAS DE DIGNIDADE: ASSIMETRIAS E TENSÕES EM PESQUISA NO 279
existem vítinaas de processos sociais, políticos e econômicos
excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos
excludentes proclama seu Inconformismo, seu Inal-estar". As políticas
atuais implicam a inclusão 'precária, instável e marginal" (MARTINS,
1997, p. 14).
Considerando o contexto brasileiro, os catadores podem ser
relacionados con10 excluídos? Depende das balizas teóricas assumidas
para a análise. Escorel considera que não é possível colocar os catadores
Existem. na Grande São Paulo, pelo menos associações. Em Porto Alegre, as cooperativas de
catadores, via orçamento participauvo. vêm obtendo recursos que aplicam na criação de novas
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CATADORAS DE DIGNIDADE: ASSIMETRIAS E TENSÕES EM PESQUISA LIXAO
NO 285
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286
ITINERARIOS DE PESQUISA
SC.IINAI'PER, D. (org.) Evtlusion au coeur de la cité. Paris: Anthropos. 2001.
corustrução, n.io há dois lugares iguais. não há dois arquitetos que trabalhem
d. stna tuanclra e não ha OIS propnetanos com as mes:nas necessidades.
Assini, as soluções para os pro cnx.us e construção têm sempre que ser
itnprovisadas. Estas decisões não podeni Ignorar pnncípws gerats
itnportantes, Inas os princípios gerais em SI não podem resolver os
problelnas desta construção (...) (BECKER, 1997)
e Vn Zzfen (l Z);
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em Zago
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ITINERARIOS DE PESQUISA
A entrevista como instrumento principal da pesquisa
A literatura voltada à metodologia da pesquisa nas Ciências
Hulnanas e Sociais tem dedicado atenção à entrevista, a suas diferentes
modalidades, a seus limites e possibilidades na compreensão da
realidade. Embora essa produção possa representar um auxiliar
importante para aqueles que elegem a entrevista como recurso de
trabalho, dela não podemos esperar encontrar receitas que possam ser
transpostas diretamente para todas as situações. A regra é respeitar
princípios éticos e de objetividad_e na pesquisa, bem como garantir
as condições que favoreçam uma melhor aproximação da realidade
social estudada, pois sabemos que nenhum método dá conta de captar
o problema em todas as suas di:nensões. Apesar desses cuidados
reiterados nos livros de metodologia, não ignoramos que parte
considerável da produção da entrevista e do aprendizado adquirimos
sobre sua condução se opera no processo concreto do_ investigação.
Aproprio-me de uma citação presente em Oliveira (1998), POIS
sintetiza o que aqui quero dizer. "O melhor aprendizado da pesquisa
social é fazê-la; mas, preferencialmente, 'fazê-la sabendo-se o_que se
faz"' (COHN, ap. OLIVEIRA, 1998, p. 22). Nessa perspectiva e em
outras que serão aqui apresentadas sobre a pesquisa qualitativa, é que
situo o modo como venho conduzindo o trabalho de campo, tendo a
entrevista como principal instrumento de coleta de dados.
Amplamente utilizada nas Ciências Humanas e Sociais, a entrevista é
empregada conforme diferentes perspectivas teóricas, razão pela qual
também se diferencia quanto aos objetivos e modalidades de condução.9
Portanto, a escolha pelo tipo de entrevista, como é também o caso de outros
instrumentos de coleta de dados, não é neutra. Ela se justifica pela
necessidade decorrente da problemática do estudo, pois é esta que nos leva
a fazer determinadas interrogações sobre o social e a buscar as estratégias
apropriadas para respondê-las. Definimos então a nagureza da entrevista e
a maneira como ela será conduzida para melhor se ajustar às nossas
preocupações. Tais considerações apontam para uma variedade no método,
variedade esta que acaba ficando encoberta quando utilizamos a
denominação genérica de entrevista. Cito Kaufmann (1996, p. 15) para
reforçar essa idéia: "Cada pesquisa produz uma construção particular do
objeto científico e uma utilização adaptada dos instrumentos: a entrevista
não deveria jamais ser empregada exatamente da mesma maneira' .
A Intenção não é estender esta questão. Para isso recomendo a leitura de Haguette (1997)
e Blanchet (1985), entre outros. que tratam dos fundamentos da entrevista.
A ENTREVISTA E SEU PROCESSO DE CONSTRUÇAO 297
Dentro dessa abordagem o pesquisador se apropria da entrevisã não
como uma técnica que transpõe mecanicamente para uma situação de coleta
dados, mas como parte integrante da construção socioló$ca do objeto de
estudo. Essa construção implica uma interdependência dos diversos
procedimentos associados ao processo de produção dos dados, o que inclui
sua problematização inicial, passando pelo da realidade e pela análise dos
resultados. Desse modo, embora possa ser adaptada a uma diversidade de
situações e campos disciplinares, a utilização da entrevista se inscreve em
um quadro conceitual específico (BEAUD e WEBER, 1998).
Considerando a variedade de entrevistas e a peculiaridade de cada
situação em que é utilizada, procuro aqui descrever como tenho me
apropriado desse instrumento nas pesquisas sobre escolarização. Ogymo_
que o trabalho foi tomando tem relação com as descobertas que a própria
realidade pesquisada proporciona, ao mesmo tempo que questões
teóricometodológicas, apoiadas nas novas abordagens da Sociologia da
Educação, problematizavam tanto a busca de informações quanto a forma
de interpretar seus resultados. Sabemos que a construção da problemática
estudada sofre um processo de amadurecimento, demanda um trabalho de
grandef61cgo, conw nos disse Bourdieu (1989, p. 27), "que se realiza pouco
a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correcções, de
emendas, sugeridos por o que se chama o oficio, quer dizer, esse conjunto
de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas
e decisivas".
Passo então a definir os contornos da entrevista, o que não corresponde
de forma alguma à idéia de modelo pronto a ser utilizado. Está claro
também que as simples denominações de entrevista seniidiretiva,
semiestruturada, entre outras, não são suficientes para qualificá-la quando
estas se referem aos aspectos práticos ou técnicos de condução. Uma das
características da pesquisa qualitativa e, dentro desta, da entrevista
compreensiva, IO é permitir a construção da problemática de estudo
ts
é familiar (VELHO, 1978) para colnpreender a realidade social sem
metamorfoseá-la.
o pesquisador não pode ser interpretado como se elénão tosse tal pessoa, não
pertencesse a tal sexo, etnia e profissão, ou ainda. como se não ocupasse
determinado lugar na sociedade. A entrevistag,wessa realidades, sentimentos e
cumplicidades_que um instrumento com respostas poderia ocultar,_
evideyyciando a infundada neutralidade científica daquele que pesquisa. O
encontro com um interlocutor exterior ao universo social do entrevistado
representa, em vános cxos, a oportumdade de este ser ouvido e poder falar de
questões sociais que lhe concernem diretamente. Essas questões podem dizer
respeito ao contexto circundante, como as relações sociais no bairro, mas
também a problemas mais abrangentes como a violência, o efeito das greves do
ensino público, as incertezas sobre o futuro. Concordo assim com Beaud e
Weber (1998, p. 180) quando dizem que o problema na pesquisa não está no
fito de o pesquisador ser um elemento estranho ao grupo pesquisado. ao
contrário: justamente por não fazer parte do mesmo universo (socral, familiar,
de vizinhança etc.), essa condição o coloca em uma posição objetiva favorável.
Não raro nossos infomuntes nos územ confidências, nos têm como seus
interlocutores, porta—vozes de suas reivindicações. conforme se vê em alguns
exemplos extraídos do meu diário de campo. Cito algumas situações para
ilustrar esg observação:
Um pai entrevistado gcstaria obter uifonnaçio sobre procedimentos para doar
ór*os em de morte (DO nwrnento a mídla fazia pande campanha para
sensibilizar a opimão pública); um dos entrevistados
45), —o
Confonne Vefro prcxmxs
(l (578. p. egranhar o fanulur torna—se pcnsivel quando capazes de
confrontar Intelectualmente. e mesmo emocionalmente. e a
gtu»ções"
Referências bibliográficas
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