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r)VfiTMCA (WEILIVNADA:

TIWS6DIA MUSICAL
NA CANCNO
`13kASIqIICA TOTtla
5
Martha Tuyinamdci de u Pew
5

0 texto trata da sincronizano entre canto e acompanhamento e da acentuacão na caned.), apresen-

tando o conceito de metrica derramada. Na cancão brasileira popular, a nocao de compasso como

acontece na concepcão temporal europeia a mantida, mas este compasso a flexibilizado tanto nos seus

limites quanto na sua estrutura interna, que 6 modificada em termos da hierarquia das pulsaceies.

rill I m dos parametros musicals mais discuti-


s pikoirraMeario
brasileira;
no t oscahiEnsaio vs eobgrueep
uponEn

Brasil, a performance musical seria influenciada


a m s iecia
e riia
uma nocao de tempo linear, de cnergia que progri-
de organizada e previsivelmente.
Quando esta ordem aceita como natural 6 ques-
tionada e a Erase comeca num tempo fraco e se pro-
longa no tempo forte seguinte, se diz que surgiu uma
principalmente pela maneira de acentuar as palavras "sincopa". Para existir a sincopa e necessario, por-
na fala, cujos "valores prosOdicos transfiguram a tanto, a presenca de uma estrutura de compassos
melodia" (p. 23). Esta ritmica se torna tar) sutil que corn os tempos hierarquicamente colocados para
6 quase impossivel registral la atraves da notacão tra- que esta configuracao de poder da metrica possa ser
dicional. Mario de Andrade observou esta maneira desafiada pelo deslocamento dos tempos fortes.
"fantasiosa" de ritmar principalmente nos exemplos Como diz Mario de Andrade no Ensaio: "A
nordestinos que examinou. rmisica brasileira tem na sincopa uma constan-
Um dos principios basicos da concepcao ritmi- cia mas nao uma obrigatoriedade" (p. 30). 0 con-
ca europeia, em processo de estruturacao na epoca ceito escolar de sincopa, isto 6, "som articulado
do achamento do Brasil, como diria Manuel Veiga, sobre um tempo fraco ou parte fraca de um tempo,
e a concepcão de compasso, ou verticalizacdo prolongado sobre o tempo forte ou a parte forte
metrica da estrutura musical. 0 compasso permi- do tempo seguinte" (definicao do Aurelio) nem
te que varias vozes possam apresentar um discurso sempre corresponde ao que acontece de fato em
homoeneo ao propor a organizacão interna das situaceSes de performance.
pulsac6es em tempos fortes, propulsores de ener- Na mtisica brasileira ocorreria um conflito entre o
gia e tempos fracos e inerciais. Neste caso o inicio processo de conceptao ritmica europeia tradicional,
do compasso 6 muito importante, pois pressupbe que buscaria a simultaneidade de um tempo linear e

malo 1999 48
”Isokpow,e_S

pritnary,gner,tisinrcr
11,11111-1111==

Textura ramica africana: partes independentes, mas "costuradas", entrelacadas

a concepcao de urn tempo circular amerindio e afri- uma hipotese sobre a prosOdia musical da cancdo
cano. No caso amerindio com certeza, e possivel- brasileira popular, o conceito de metrica derramada,
mente no caso africano, supOe Mario de Andrade, a que se refere tanto a aspectos de sincronizacâo
ritmica derivaria diretamente da fala (p. 30). Essa entre canto e acompanhamento quanto a questiies
"ritmica oratOria", livre da nova° de sucessão previsi- de acentuacao na cancão.
vel de compassos, entraria em conflito corn os pro- Na cancão popular, melodia e letra interferem
cessos ritmicos tradicionais europeus, que funcio- estreitamente Lima sobre a outra. Existem elemen-
nam numa estrutura mOtrica concebida como pos- tos na letra, especialmente sua qualidade narrativa
suindo urn sentido musical autemomo. ou lirica, que conduzem a diferentes tipos de melo-
0 brasileiro fez desta ambivalencia "urn ele- dia; existem particularidades na melodia, especial-
memo de expressao musical" (p. 32), sendo que mente seu contorno melOdico e tipos de intervalos
muito do que O chamado de sincopado na realida- empregados que marcam o carater da cancão. Urn
de nä° seria sincopa na concepcdo tradicional do estudo completo da prosOdia musical — incluindo
termo, mas sim "ritmos de quern aceita as determi- entonac5o, acento, melodia, ritmo e praticas inter-
nacOes fisiolOgicas de arsis e tesis, porêm ignora (ou pretativas especificas — foge aos limites deste arti-
infringe propositalmente) a doutrina dinamica falsa go, que se limita a discutir melodia, melodia e lin-
do compasso" (pp. 33-34). As melodias das can- gua falada e a relacdo melodia e acompanhamento
cOes nào seriam sincopadas, a ambivalOncia emer- na cancào brasileira popular.
gindo da contraposicäo corn o acompanhamento,
que acentuaria o tempo. 0 fluir da melodia seria MELODIA ;-;"' A melodia da cancão popular é geral-
nao-m6trico, a acentuacao sendo dirigida por uma mente composta a partir da repeticao ou agrupamen-
"fantasia musical, puro virtuosismo, on precisAo to de motivos melodicos curtos, espOcie de fOrmulas
prosOdica... urn compromisso sutil entre o canto melOdico-ritmicas que funcionam como "blocos de
recitativo e estrOfico" (p. 36). significae5o", como coloca Gino Stefani, prontos
Neste texto amplio alguns aspectos levantados para serem incorporados, repetidos, combinados ou
por Mario de Andrade, colocando para discussao associados na feitura da cancao. No seu estudo


49 B RAS IL IANA
CO CONCEITO ESCOLAR DE SiNCOPA NEM SEMPRE CORRESPONDE AO QUE
ACONTECE DE FATO EM SITUACCIES DE PERFORMANCE DA MDSICA BRASILEIRA.

Melody: a Popular Perspective, Stefani descreve urn musical, o ritmo, que da a melodia vitalidade e cas-
modelo de "melodias-tipo", que aflora do que chama ter (Toch, 1985). 0 ritmo se caracteriza por descon-
de "competencia melOdica comum", ou seja, a habi- tinuidades temporais. No canto são as consoantes
lidade das pessoas de reconhecer e avaliar a cancäo. que vem quebrar a fluidez do discurso melOclico.
Em primeiro lugar, melodias populares sac) "mnsica Luiz Tatit no seu trabalho sobre a cancao discu-
cantthrel", em segundo lugar, emergem de uma "- te bem o papel das vogais e consoantes na cancao.
matriz oral" conectada a voz cantante e a urn sentido Segundo Tatit (1996), as vogais salt responsgveis
de prazer primario. Numa referencia &via a psicand- pelo que chama de "tensividade passional", produzi-
lke freudiana, Stefani considera a voz que canta, da tanto pela estabilizacão da curva melOdica quan-
especialmente quando vocalizando, ou seja, cantan- to pela entoacâo discursiva da fala. Num outro pro-
do vogais, correspondente ao "principio do prazer, cesso de- tensividade, agora "somatica" ou "temati-
assim como a voz que fala corresponde ao principio ca", as consoantes geram movimentos, delineiam rit-
da realidade" (Stefani 1987:23). Uma hipOtese a ser mos, constroem personagens, estabelecem generos.
inferida deste pressuposto é que a melodia cantada Na concepcao brasileira da cancao, a melodia e o
pode conotar sensacnes dificeis de ser expressadas ponto de partida para a composicão, sendo o acorn-
verbalmente, tornando-se urn veiculo poderoso para panhamento ramie° e harmenico elementos de
a comunicacão de sentimentos profundos, enraiza- suporte melOdico. A harmonia, nesta concepcOo,
dos, ate mesmo ocultos ou inconscientes, alem de amplia as possibilidades expressivas do canto me1O-
valores morals e visties de mundo. dico, podendo os instrumentos acompanhantes criar
Portant°, a melodia e o fio condutor que identifi- outras melodias ern contraponto a melodia principal,
ca uma cancao ou uma mrisica popular. Quando respondendo ou contrapondo-se a ela. A enfase na
esta rmisica tem uma letra, temos que as vezes can- melodia e tao marcante que todas as notas que a
tarold-la para poder descreve-la ou relembra-la. As comptiem sat) essenciais para a identidade da can-
letras das cancOes sat) feitas para serem cantadas, cao, incluindo aquelas que seriam consideradas
adquirindo urn sentido somente quando uma voz ornamentos superficiais na mthica classico-román-
transforma seus versos em canto. tica europêia que tanto influenciou a mnsica brasi-
A melodia esta geralmente associada a voz leira popular. 0 que poderia ser considerado super-
humana, pensamos nela em termos do som conti- fluo para a avaliacdo melOdica, como notas estranhas
nuo do canto. 0 canto por sua vez utiliza a lingua- a estrutura harmonica basica na car:10o (grupetos,
gem verbal, cujos componentes minimos sdo as mordentes, appoggiaturas) tern uma importancia
vogais e consoantes. Urn canto feito somente corn funcional na cancao brasileira popular.
vogais entoadas numa linha melddica continua Esta autonomia da melodia aparece com grande
produz uma melodia no seu estado mais prOximo da frequencia na tradica- o de cancao romantica no que
sensibilidade humana. chamo de cancOes tipo modinha. Na performance
Uma qualidade de frases caracteristicamente de modinhas o solo vocal se sobressai a frente do
melOclicas ê o seu lirismo. Mesmo uma frase instru- arranjo, corn o acompanhamento harmonico ins-
mental pode ter uma qualidade melodica quando as trumental espalhando uma estrutura conhecida e
notas musicais fluem numa secitiencia de graus previsivel, urn leito para o desvelamento de melo-
relativamente prOximos uns dos outros de modo a dias Micas e onduladas.
nä° quebrar o movimento. Uma melodia lirica tem Entretanto, corn a bossa-nova houve um deslo-
urn contorno melOdico usualmente ondulado. Sal- camento estêtico nesta relacâo entre melodia e
tos entre as notas sào usados de forma econOmica, harmonia na cancao. Ames da "revoluc5o" bossa-
para enfase ou expressäcr. novista, a harmonia funcionava principalmente
A continuidade deste fluxo sonoro e transformada, como suporte para uma melodia relativamente
impulsionada, quebrada por urn outro parametro autenoma. 0 aparecimento da bossa-nova, corn

maio 1999 50
AO TRANSMITIR SENS/WOES DE DIFICIL EXPRESSAO VERBAL, A MELODIA CANTADA TORNA-
SE VEICULO DE COMUNICACAO DE VALORES MORAIS E VISOES DE MUNDO.

sua enfase num estilo aparlando" e canto colo- acentuada); cada tipo de verso tern urn Flmer°
quial, bem como seu use de progresseles harmoni- fixo de silabas, limitado por urn acento temico
cas complexas, representou uma ruptura corn o final obrigaterio. Embora cada palavra possa ter
estilo romantic° da epoca, que se tornara cliche. suas silabas &Micas e atonas, e a legica da senten-
Bossa-nova privilegiava uma diccao mais cool e ca que prevalece. Dependendo da sua localizacao
contida, corn intencEres artisticas e num verso ou frase, uma palavra ou silaba acen-
Este afastamento da melodia bossa-nova para tuada pode ter seu acento negligenciado, ou variar
extensOes mais restritas e estreitas ajuda-a a se em termos de limites silabicos, podendo inclusive
despir das qualidades melodramaticas do samba- as silabas serem prosodicas ou metricas, como na
cancao das decadas anteriores. Na realidade o con- palavra luar, que pode ser contada como palavra
torno melOclico da bossa-nova esta muito mais pit- monossilabica, como "luar", ou dissilaba, como
ximo das raizes do samba tradicional corn sua enfa- "lu-ar" (Carvalho, 1970). A escancao, ou separa-
se no texto e nos ritmos e entonacao da linguagem can e contagem de sflahas, vai depender do mime-
falada. A atitude em relacao as letras a no entanto ro total de silabas do verso. Um outro aspecto bas-
de uma natureza diferente, pela intencao de distan- tante importante ern termos de organizacao estru-
ciamento da "necessidade", numa postura "desinte- tural da sentenca e que palavras de significado
ressada", como diria Mario de Andrade. De fato, a mais importante se localizam mars para o final da
bossa-nova cumpre no samba urbano o ideal moder- frase; como comenta Camara Junior, "o Ultimo
nista-nacionalista preconizado por Mario: o de tor- membro de uma enunciacao tern urn conteudo de
nar "estetico" o "funcional". informacao major" (1972:222).
Na versificacao portuguesa, o verso e a medida
MELODIA E LINGUAGEM FALADA •-k" Para melhor metrica, enquanto as silabas, as pulsacilies minimas,
entendermos como a linguagem falada e a lingua- sac, combinadas ern agrupamentos ritmicos variados.
gem musical se entrecruzam na cancao brasileira Comparando esta organizacao metrica da lingua
popular vamos lembrar alguns aspectos do portu- falada e a organizacao metrica musical ocidental e
gues, especialmente como falado no Brasil. 0 por- nao-ocidental, podemos dizer que a proserdia do
tugues brasileiro, como muitas outras linguas, usa verso portuguEs esta mais para uma nocâo metrica
o acento silabico como um meio de identificacao africana sub-saariana (composta de periodos ou
fonolOgica. Uma das caracteristicas principais de "time lines" sem acentos recorrentes), que para uma
seu padrao de acentuacao e a presenca de um nocao metrica europeia classico-romantica (cujos
nOmero grande de palavras paroxitonas. Ism da compassos de limites determinados se sucedem
lingua, e conseqtientemente ao paradigma musical regularmente). Na concepcao metrica portuguesa o
para estruturacao metrica/prosOclica, uma tendEn- tamanho dos periodos e as subdivisijes das silabas
cia ou sensacao anacrUstica. sac) variaveis, de maneira que temos uma metrica
Na mthica ocidental se diz que uma frase e ana- "flexivel". Tambem existe a tendEncia de. colocar
cnistica quando comeca antes e termina depois do enfase na parte final dos enunciados, o que se dis-
primeiro tempo do compasso. Para cada Micro ana- tancia da compreensan ocidental de compasso,
criistico temos uma terminacao atona ou "feminina" cujos inicios sac) metricamente proeminentes.
equivalente. Os linguistas chamam esta sensacao E interessante notar que, em certas linguas euro-
anacnistica de "proeminEncia a direita", numa refe- peias, como no inglés, os padEcies de acentuacâo sac)
Eencia a direcao da acentuacao em cada frase (Ester isecronos, isto 6, usam uma mesma quantidade de
Scarpa, comunicacao pessoal). tempo entre uma silaba e outra acentuadas (Crutten-
A prosOclia brasileira a silabica, os versos sendo den, 1996:24). Portanto, pelo menos no caso da lin-
especificados pelo seu Milner° de silabas (de uma gua inglesa, a prOpria linguagem falada parece ser
a doze, geralmente, contadas ate a Ultima silaba organizada ern "compassos" regulares. Esta caracte-


51 BRASILIANA
ANTES DA "REVOLU CA O" BOSSANOVISTA, A HARMONIA FUNCIONAVA COMO
SUPORTE PARA UMA MELODIA RELATIVAMENTE AUT O NOMA.

rfstica aparece de uma forma bastante marcante no Outro tipo de organizaealo temporal que marcou
rap (iniciais de rhythm and poetry, ritmo e poesia) e influenciou muito a formacao da mOsica brasilei-
onde um texto e declamado sobre uma base rftmica. ra popular foi a concepcao de organizacao ritmo-
Nos primeiros raps utilizados nos bailes funk no Bra- temporal africana, que é polirrftmica. Nesta concep-
sil, o ingles era imitado ou sobreposto por onomato- cao, se tem partes independentes, mas entrelacadas.
peia (ver Vianna, 1988). Tanto nestas "irides" quan- Cada parte repete uma "frase" rftmica, desencontra-
to no caso do rap em portugues vâo aparecer duas da uma da outra, que vai fazer sentido, exatamente,
questeies prosodicas: primeiro, a pelo entrelacamento entre todas
utilizacäo no portugues de uma elas. 0 preprio samba tradicio-
metrica prepria do ingles, isto é, nal, como podemos observar nas
de acentuacties teticas regular- primeiras gravaciies corn este
mente espacadas, o que contribui nome, era formado pela repeti-
para uma sensacao de compassos ea° de pequenos padroes mat"-
regulares. Segundo, é a questa() dico-rftmicos.
das rupturas sucessivas preprias 0 que é bastante proem i-
do rap, produzidas pelos scratchs, concepfao temporal curepita: partes sincronizadas, nente na masica africana sub-
o que faz da mtisica mais uma divisao de tempos regulares saariana e o estabelecimento
"parceria rftmica" do que um todo de uma ordem temporal basea-
interligado de letra e melodia (ver da na interacao de partes malti-
Rose, 1997: 207-8). plas que produzem uma textura
polirrftmica. A organizacão
METRICA DERRAMADA x A mica se estrutura a partir de
cancao popular é urn canto agrupamentos assimetricos de
acompanhado. A interferencia unidades de tempo minimas ou
do ritmo da palavra falada na "pulso mais rApido", coma
metrica derramada: tempos fortes deslocados,
organizacao temporal não traz explica Kwabena Nketia no seu
flexibilidade no limite dos compassos
nenhum problema para o canto livro The Music of Africa
monedico, mas se torna urn ele- (1974). Nao existe um alinha-
mento complicador para a performance da caneao, mento vertical dos infcios dos tempos, como nas
exatamente por dificultar a sincronizacao entre a nopies europeias de compasso. Como explica
melodia e o acompanhamento. Deparamo-nos aqui Simha Aaron no seu trabalho sobre polirritmia na
com um problema de incompatibilidade rftmica Africa central (1994), nä° ha um padrao regular
entre a liberdade prosodica do canto e a regularida- nem niveis intermediarios (como compassos e tem-
de medida do acompanhamento. pos fortes) entre a pulsacdo e o period() musical.
Urn dos principios bäsicos da concepcao Este period°, formado muitas vezes pela adicdo de
mica europeia é a nocäo de compasso, ou ver- padroes ritmicos de tamanho variado, pode ser
ticalizacão mêtrica da estrutura musical (- externalizado atravês de palmas que marcam os
Copland, 1974). 0 compasso permite que varias passos da danca ou por urn instrumento-guia que
vozes possam apresentar urn discurso homoge- toca o que se conhece como time-line. A malha
neo ao propor a organizaeâo interna das pulsa- sonora resultante de urn conjunto de percUssâo
pies em tempos fortes, propulsores de energia africana a bastante complexa do ponto de vista de
e tempos fracos e inerciais. Neste caso, o inf- entrelacamento e de textura, embora as frases rft-
cio do compasso é muito importante, pois pres- micas individuais de cada parte possam ser o agru-
sup:5e uma nocäo de tempo linear, de energia pamento repetido de motivos bastante simples. 0
que progride organizada e previsivelmente. sentido ritmico-musical emerge na mnsica africa-

Maio 1999 52
OS PADROES DE ACENTUACÃO ISOCRONOS DO INGLES FAZEM A LINGUAGEM
FALADA PARECER ORGANIZADA EM "COMPASSOS " REGULARES.
S

na do entrelaramento das partes, sendo que o mas tambem em termos de "cal-Ater". 0 autor
mUsico encontra sua entrada nao contando tem- podia compor uma modinha, que aceitaria melismas
pos, mas se ajustando as outras partes que sac' e um encompridamento do texto, para falar de suru-
independentes, e muitas vezes em agrupamentos cucus numa gaiola de ferro no largo da Se, e, princi-
metricos diferentes dos seus. palmente, sugerir uma certa crftica ittnica ao falar no
Na cancao brasileira popular, a nocao de compas- estribilho de "especulacki” e "progressos da nacao".
so como acontece na concepcdo temporal europeia No Brasil, o dominio tecnico-estOtico do cancionis-
e mantida, mas este compasso e flexibilizado, tanto ta foi aos poucos sendo refinado a medida que melo-
nos seus limites quanto na sua estrutura interna que dia e letra se libertavam dos padreies formulgicos
e modificada em termos emprestados da cancao
da hierarquia das pulsa- estrOfica tradicional ou
yges. Os focos de ener- da aria de opereta ou
gia nestes compassos Opera. Para isto basta
podem ser deslocados escutar as primeiras gra-
ou diluidos. 0 exemplo vacries da Casa Edson e
mais evidente deste depois a producao dos
"derramamento" O o anos 30 e mais tarde as
samba, onde se tern urn da bossa-nova e MPB,
compasso binario, mas para ter urn exemplo de
corn a acentuacdo momentos diferentes
transferida do Mick) do desse processo.
compasso para a sua Caetano Vdoso: agfa da pal avra camada a moda brasileira Da prosOdia dura
segunda metade. das primeiras grava-
E significativo que numa das primeiras manifesta- pies, onde na maioria das vezes se escutam cantores
Vies a adquirir "foros de nacionalidade", segundo como Candido das Neves e Bahiano tentando adap-
Mario de Andrade, apareca urn exemplo de mêtrica tar tetras criadas a formulas melOclicas j g existentes,
derramada. E o lundu de Candido Inacio da Silva, Lti passamos por um "canto falado" fluido e malandro de
no largo da se velha, composto na primeira metade do cancionistas como Noel Rosa e outros sambistas, na
seculo XIX e discutido por Mario ern 1944. Para urn voz de cantores como Aracy de Almeida, Carmem
texto estrOfico e criada uma melodia corn "acentos Miranda, Nelson Gonsalves, Linda Batista e outros,
brasileiros", identificados por Mario como "antecipa- para chegar, principalmente pela conducao maestral
car) sincopada, passando dum compasso para outro, de Joao Gilberto, a uma especie de "fala cantada",
em movimentos cadenciais" (p. 27). A solucâo prosO- uma retarica essencial da sensibilidade brasileira — a
dica e realmente feliz: ao juntar uma melodia ondu- destilacào de varias trajet6rias marcadas por visOes de
lada, quase operistica, a um texto curto e de ritmo mundo e de maneiras de ser-no-murido diferentes.
rapido, nao teria sentido ficar esperando a chegada
do tempo forte do compasso seguinte para colocar a METRICA DERRAMADA E PERFORMANCE -;-5 A
silaba proemjnente. 0 trecho 6: "cobra feroz que metrica derramada aparece muito na performance da
tudo ataca / t6 d'algibeira tira a pataca". Os acentos mrisica brasileira popular, nao so na cancao como no
tOnicos estao em "roz" de feroz, “ta" de ataca, "bei" de samba, na bossa-nova e na chamada MPB, como tarn-
algibeira e "ta” de pataca. Somente ern "algibeira" a bem em mtisica essencialmente instrumental. No
acento metrico da melodia e letra coincidem. Nas choro instrumental, por exemplo, existe uma relativa
outras instancias Candido Riad° da Silva "derrama" independencia das partes, que se entrelacam sem se
a mêtrica para aceitar a exigência ritmica do portu- fundirem numa massa sonora sincronizada em termos
gués nao somente em termos de acentuacao silabica, de diyisao temporal. Na cancao, urn exemplo muito


53 BRASILIANA


A INTERFERENCIA DO RITMO DA PALAVRA FALADA NA ORGANIZAC/X0 TEMPORAL
SE TORNA UM ELEMENTO COMPLICADOR NA PERFORMANCE DA CANCAO.

marcante de metrica derramada é a performance de rosa do amor não vai despetalar/ Pra quern cu da
Ells Regina para Amor ate o fim de Gilberto Gil, onde bem da rosa/ Pra quem sabe cultivar).
canto e acompanhamento parecem "descolados" urn J.A. Progler (1995), ao testar o conceito proposto
do outro, numa sincronizacao relaxada. Como Mario por Charles Keil (1995) de "discrepancias participa-
de Andrade diria, a sensacao geral frau e de sincope, tivas" (participatory discrepancies), documentou como
mas quase que de independencia de vozes. existem espacos minimos de tempo entre os ataques
A cancao comeca numa metrica "musical", isto de notas de baixistas e bateristas de jazz Estes espa-
corn uma acentuando clara do tempo forte do corn- cos mètricos sdo muito dificeis de demonstrar corn a
passo, mesmo que subvertendo o portugues, como notacdo ocidental convencional. Etnomusicelogos
na primeira frase, onde a palavra amor comeca num tern criado sinais para expressar estes ataques "adian-
tempo forte (a-mor), em vez de utilizar a acentuando tados" ou. atrasados". Ha urn momento especifico na
writona usual (a-mi5r). (Ex. A). performance de Elis Regina, juntamente com Cesar
Parte deste problema (algumas pessoas chamariam Camargo Mariano (piano), Luizao (baixo) e Toninho
de "erro de prosOdia") e que tanto o canto solista (bateria) de Amor ate o fim, no entanto, em que este
quanto o acompanhamento comecam no tempo forte espaco entre solo e acompanhamento pode ser clara-
do compasso. Esta pode ser inclusive a raid() por que manta anotado, pois dura quase meio tempo. Obser-
tantas cane-des brasileiras populares tern uma intro- ve-se tambem como no exemplo B, abaixo, quando
ducäo instrumental: para dar ao cantor ou cantora o Elis canta A rosa do amor ela mantêm o padrao de
torn da nnisica e permitir-lhe comecar em anacruse. acentuacao de proeminencia a direita da linguagem
No caso de Amor ate o fim, no entanto, a proeminen- falada, se considerarmos o principio de deslocamen-
cia dada a amor, em vez de urn erro, parece uma ten- to adiante ou metrica derramada, i.e., a diluicäo do
tativa deliberada de trazer urn certo frescor para uma compasso, pois proeminencia é dada ao segundo em
referencia fa() gasta e abusada na cancan popular. vez do primeiro tempo. Observe-se que e uma proe-
minencia, e nab uma acentuacao dinamica, uma vez
que, especialmente no portugues brasileiro, os acen-
tos das palavras sào bastante atenuados pela entoacdo

"macia e cantada" da promincia falada no Brasil.
'A - mar n1113 tan quo sela - a - bar
A nota si é tambem o ponto mais agudo em fre-
qiiencia na peca. A tens5o, que Tatit chamaria de
a A: Frase Maid de Amor ate ofm tensividade passional, e intensificada pela "discre-
pancia participative" entre solo e acompanhamen-
Cerca de cinquenta segundos depois de come- to. 0 Ultimo articula uma hemiola abaixo da silaba
cada a cancao (Ex. B), parece que melodia e acorn- final de "cres-cer" e "A ro-sa", a principio corn ata-
panhamento se separam, numa relacao aparente- ques simultaneos e depois quase como urn eco de
mente bastante "sincopada". Agora é a letra (Pm rosa. Finalmente, a bateria toca uma virada, antes
crescer, pra crescer) que comanda a performance, o de gradualmente retornar a uma certa regularidade
acompanhamento acentuando a melodia. No metrica do acompanhamento.
exemplo a seguir a parte inferior mostra a bateria
nos dez segundos finais e mais importantes da
cancao, antes da recapitulacâo de material previo.
E significativo que tanto a letra quanto a mnsica, to Pm aes - cer pa aca-ca A n) - a do/a-mor tem am,- pc que

no momento de maior "discrepancies' entre a melo-


dia cantante e o acompanhamento, articulam uma
anacruse anunciadora do ponto principal feito pela
letra (a rosa do amor tem sempre que crescer/ a Ex. B: canto ebateria on Amor ate afim

janeiro 1999 54
A METRICA DERRAMADA APARECE NA PERFORMANCE DA CANCAO, SAMBA,
BOSSA-NOVA, MPB E NA MOSICA ESSENCIALMENTE INSTRUMENTAL.

Uma outra instancia da utilizaeao da metrica der- Devemos estar alertas, no entanto, que into e um
ramada aparece em varias interpretacnes de Milton principio muito amplo. Frases musicais, mesmo da
Nascimento. Como disse em Carvalho (1990), ele tradicao classico-romantica, assim como na prosa
expande ou comprime o andamento do canto, não falada, aparecem em tamanhos diferentes, de modo
para ajustar as palavras a uma melodia mais longa que nem sempre e obrigatorio que todos inicios de
ou curta, mas para cumprir suas exigencias expres- compasso sejam proeminentes. Existe muito espa-
sivas em termos de sonoridade e significado. Em co para flexibilidade e inovacao quando se trata de
Cancito da America as palavras prosOdia, seja ela falada ou
expandidas por saltos corn ou musical. As articulacties do dis-
sem portamento, melisma, tre- curso podem ser construidas de
molo, appoggiaturas as mais diversas maneiras, nâo somente
diversas, mordentes e grupetos, por acento dinamico, mas tam-
realeam o contend° emocional bem corn a entonacao ou caesu-
da cancào: o coracäo chora pela ra. Na articulacao falada, outros
partida — o sentimento preso no aspectos prosOdicos alêm do
peito — e para reestabelecer os volume (duracao, altura e quali-
lacos de amizade tem-se que dade vocal send° alguns deles)
ouvir o coracão, nâo importa o podem contribuir para dar a cer-
que aconteca. (p. 325-10). tas silabas proeminencia (Crut-
Estes gestos retOricos, bem tenden, 1996). Na mnsica medi-
como os espacos entre os ataques da tonal, embora a dinamica
ou finais de nota dos mnsicos tenha urn papel central, duracao
numa performance musical, contri- e frequencia (tanto em classe de
buem enormemente para fazer as altura quanto harmonia) tam-
pessoas moverem seus corpos de Bern contribuem para a acentua-
maneira especifica, e para escutar cab musical.
o "grab" da cancão. A friccao, dis- Na mtisica de tradicdo euro-
crepancia, desequilibrio entre pêia classico-romantica, a articu-
melodia e acompanhamento na lacao da frase pode ser inferida
. -
cancgo tem o efeito de agarrar a na partitura escrita, pelo menos
atencao do ouvinte, solicitando sua nos seus aspectos mais Obvios,
Carmem Miranda: 'canto falado" anterior
participacao em compartilhar um como duracao, colocacão metri-
nivel de tensao e energia intensifi- a fala cantada " dejoao Gilberto ca, ritmo harmOnico, cadëncias,
cada no momento da performance. direeao melOdica, etc. Entretan-
Evidentemente, estas inderteminacees devem apare- to, muito do significado musical so emerge durante
cer em momentos significantes, na hora e locais em o momento da performance. Na performance, e prin-
que a letra ou contend° emocional da cancão os exi- cipalmente no caso da cancan popular, cantores
gem. Algumas performances podem soar muito "dis- usam sua habilidade interpretativa para articular e
tantes" e frias se o interprete homogeniza sua metrica, salientar o conteudo emocional de cada cancao. 0
posicionando sistematicamente seus ataques sempre estilo vocal de alguns interpretes brasileiros, como
a frente, em cima ou depois do pulso. Ao derramar pelo Linda Batista, Elis Regina, Joao Gilberto e Milton
compasso a estrutura de tempos fortes e fracos e acei- Nascimento, para nomear apenas uns poucos, a tao
tar a coerencia prosOdica ou "magia da palavra canta- importante para a eficacia da cancao quanto as pro-
da a moda brasileira", como diz Caetano Veloso, prias composignes. Primeiramente, eles podem jogar
ganha-se em "fantasia", vitalidade e frescor. corn a metrica, usando ou evitando os tempos fortes


55 BRAS I L IANA
NA CANCAO BRASILEIRA POPULAR, A NOCAO DE COMPASSO NA CONCEPCAO TEMPORAL EUROPEIA
MANTIDA, MAS FLEXIBILIZADA. O MELHOR EXEMPLO DESTE "DERRAMAMENTO" E 0 SAMBA.

dos compassos, ou ampliando ou contraindo seus "C5ndido Inãcio da Silva e o Lundu". Revista Brasileira
limites. Depois, podem acentuar determinadas pala- de Mfisica , vol X (1944): 17-39.
vras mudando a duracao da nota que desejam enfa- CAMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. The Portuguese Language.
tizar, seja no valor da nota ou por ornamentacao. Trans. Anthony J. Naro. Chicago: University of Chicago
finalmente, outro movimento interpretativo pode ser Press, 1972.
uma mudaoca em frequencia; notas mais agudas CARVALHO, Amorim de. Tratado de versifier/0o portuguesa Lisboa:
apresentam mais tensäo e aparecem mais que notas Ediciies 70, 1974.
mais graves; saltos atraem mats atencao que movi- CARVALHO, Martha de Ulhoa. Mtisica popular in Montes Claros,
mento em graus conjuntos. Portanto, ao eonsiderar a Minas Gerais, Brazil: a Study of Middle-Class Popular Music Aes-
Oratica interpretativa da cancao, devemos ter em thetics in the 1980s, PhD, Cornell University, 1991. UMI
mente que a prosedia musical nao é somente uma. DA9113298.
questäo de tempos fortes ou fracos. "Cancão da America: Style and Emotion in Brazilian
Em termos ritmicos, a concepcäo de metrica der- Popular Song". Popular Music 9/3(1990): 321-349.
rarnada tern a ver com as nocOes de metro tanto afri- COPLAND, Aaron. Como ouvir (e entender) nnisica. Trad, de Luiz
canas quanto ocidentais. Na-rmisica medida de tradi- Paulo Horta. Rio de Janeiro: Ed. Artenova, 1974.
cao europêia todas as partes tendem a se sincronizar CRUTTENDEN, Alan. Intonation (Cambridge textbooks in linguis-
precisamente; o tempo é contado em pulsacOes regu- tics). Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
lares, geralmente contidas em compassos binarios ou CUNHA, Celso e LINDLEY, Cintra. Nova gramdtica do portuguds
ternarios, cujos limites sac) representados por barras contemporrineo. Lisboa: Ediciies lobo SA da Costa, 1984.
de compasso, corn uma acentuacao no comeco de KEIL, Charles. 'The Theory of Participatory Discrepancies: a Pro-
cada compasso. Na mtisica africana que teve um gress Report" In Ethnomusicology vol. 39, N° I (winter 1995):1-19.
impacto na masica brasileira popular industrializada, NKETIA, J. H. Kwabenk. The Music of Africa. New York: Norton,
partes independentes se entrelacam. Os tempos dina- 1974..
micamente mais fortes nao rem uma funcao divisiva, PR+GLER, J.A. "Searching for Swing: Participatory Discrepancies
ocorrendo mais pel4 adicao em volume quando algum in the Jazz Rhythm Section" in Ethnomusicology vol. 39, N.
instrument* tern uma nota do seu periodo musical (winter 1995): 21-54.
circular coincidente corn a de outro instrumento. Na ROSE, Tricia. "Um estilo que ninguêm segura: politica, estilo e a
metrica derramada ha um deslocamento do tempo cidade pas-industrial no hip-hop". In: Micael Herschmann, org.
forte no compasso (como acontece no samba), assim Abalando os anos 90. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, pp. 190-212.
como uma flexibilizacao nos limites do mesmo STEFANI, Gino. "Melody: a popular perspective'. Popular Music
(enquanto o acompanhamento geralmente mantern 6/1 (1987): 21-35.
uma certa regularidade em termos do tamanho de TATIT, Luiz. 0 canciänista—composick de canceies no Brasil. Sao
cada compasso, a voz solista pode amplia-lo ou com- Paulo: EDUSP, 1996.
primi-lo). E repetindo para o conceito as palavras de TOCH, Ernst. La melodia. 2 ed. Barcelona: Editorial Labor, /985.
Mario de Andrade, ao encerrar seu amigo sobre Can- ULHOA, Martha Tupinamba de. "Nova histOria, velhos sons.
dido Hack) das Neves e o lundu: "Nä° e branco mas Notas para ouvir e pensar a milsica brasileira popular." In Deba-
ja ndo é negro mais. E nacional." S tes - Cadernos do Program: de Pds-Craduacdo em Mtisica do Cen-
tro de Letras e Artes da Uni-Rio. Rio de Janeiro, CLA/Uni-Rio,
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