O Iluminismo, movimento do século XVIII, se baseia na retomada da
razão como meio de combate às antigas formas filosóficas medievais, principalmente à escolástica, visando à separação entre política e religião, e consequente libertação do pensamento. Este movimento foi um impulso decisivo à Modernidade, a qual podemos definir como a época em que o homem, entendido como ser dotado de razão, passa a ser a medida de todas as coisas. Com seu advento, os fenômenos da natureza, a legitimidade da ordem social, do mundo humano, e os sentidos da história devem ser explicados à luz de princípios racionais e não míticos e religiosos. Nestes modos, cabe à razão assegurar a unidade e a estabilidade do mundo humano, fundamentar a ordem, buscar e garantir um sentido e uma verdade para a vida e a própria história humana, tarefa antes incubida à religião e à metafísica. O pensamento de Descartes serviu de base para o advento da modernidade na medida em que a busca pela verdade parte do próprio homem, a razão é capaz de capturar a essência do mundo, sendo o fundamento da existência. Para ele, o homem, conhecendo a natureza e suas leis, é capaz de dominá-la, tornando-se assim, seu senhor e seu possuidor. O modo de compreensão moderna do mundo traz em si a valorização do elemento da subjetividade e da razão como instância por excelência de definição dos parâmetros sociais, políticos, culturais e cognitivos. Assim, o próprio sujeito humano é quem passa a atribuir significado ao tempo e ao lugar no qual está inserido, priorizando o modelo de racionalidade instrumental e a sua absolutização com relação a outros modelos possíveis. Os ideais da Modernidade pareciam ser o modo de libertação das tradições antigas, tornando-se um método seguro e sem margem a erros, garantido a todos os benefícios da razão, com a garantia de um futuro perfeito, pois a razão traria a veracidade da ciência, orientaria a vida social às necessidades coletivas e individuais e substituiria a arbitrariedade e violência pelo Estado de direito. A razão permitira entender a história como o progressivo descobrimento de nexos causais e garantiria à humanidade, o contínuo descobrimento e domínio, refletindo na melhora da qualidade de vida. Assim, a humanidade avançaria em direção à abundância, à liberdade e à felicidade.
Crise da Modernidade
Ao verificar-se que as promessas da modernidade não se realizaram e
não dão sinais de realização em curto prazo, coloca-se em dúvida a capacidade da razão, como forma de compreensão da realidade, garantir uma vida melhor para a humanidade, mostrando-se cada vez mais ilusória a vinda de um futuro perfeito, além de mostrar que não é mais possível haver uma única grande visão do mundo. Perde-se o elemento de coesão social e de justificativa do programa moderno. Segundo Santos (2015): Quando o capital financeiro perde qualquer vínculo com os processos de valorização real, incapazes de promover os níveis globais de acumulação segundo taxas de lucro socialmente aceitáveis para a massa produzida de valores, os supostos “benefícios” da acumulação ou mesmo sua capacidade de manter a ordem social desabam frente a um processo que se associa à crise da modernização.
E ainda, segundo o autor, “A rejeição aos princípios racionais como elemento
de unificação coerente do sujeito e de coesão social dá origem à fragmentação da subjetividade e do corpo social, no tempo e no espaço”. Verifica-se a crise da historicidade como efeito desta ruptura com a estrutura da modernidade, onde o horizonte histórico de realização de valores universais se desfaz em diversos projetos particulares. O que se questiona na contemporaneidade não é a evolução da ciência e seus resultados concretos, e sim o que estes resultados significam para a humanidade. O novo como garantia de uma sociedade cada vez melhor para todos encontra-se em crise, e isso se dá porque é insustentável manter uma visão unitária e progressiva da História. A confiança no poder emancipatório do progresso científico está em crise. O momento atual é marcado pelo esvaziamento da noção de progresso, o qual não tem mais um caráter revolucionário, não aponta para a felicidade a ser conquistada, mas existe apenas como elemento de sustentação do sistema, da sociedade de consumo. De acordo com Vattimo (2007), “O ideal do progresso é vazio, seu valor final é de realizar condições em que seja sempre possível um novo progresso”. Verifica-se que o progresso científico não é garantia de melhoria nas condições de vida, e quando esta ocorre, não é para todos, como verifica-se na grande desigualdade social da atualidade, assim, o momento atual é marcado pela desconfiança nas possibilidade da razão e no poder que o conhecimento científico possui de transformação da realidade. Segundo Fernandes (2008), “O sonho de um mundo melhor graças à ciência também não se revelou inteiramente verdadeiro. O mundo, de fato, tornou-se melhor para quem pode, de maneira geral, pagar o preço por este avanço”. A Crise da Modernidade divide autores quanto ao surgimento de um novo período, o Pós-Moderno, ou quanto ao surgimento de uma nova fase da Modernidade, a Modernidade tardia, independente da definição dada ao momento contemporâneo, verifica-se que as mudanças ocorridas, especialmente a que se refere à noção de progresso, alterou drasticamente a ideia tradicional de Modernidade.
A definição de espaço moderna e contemporânea
A institucionalização da Geografia deu-se nos princípios positivistas,
sendo seu idealizador Emmanuel Kant, o qual fundou a ideia de que o fundamento da Geografia é o espaço. Para Kant, o espaço é a condição de possibilidades dos fenômenos, o espaço geográfico é diferente do espaço matemático, porque está dividido em regiões que se constituem no substrato da história dos homens. Neste autor, espaço e tempo são elementos que fazem parte do aparato da razão e que tornam possível o próprio conhecimento, eles se encontram no âmbito da sensibilidade, pois são os elementos que permitem o contato da razão com o que há e que primeiro organiza a experiência advinda da relação cognitiva, sendo o espaço como organização externa e o tempo como organização interna dos objetos de conhecimento. Considerando o contexto do período, marcado pela ciência moderna, a Geografia nasce com uma função na organização da sociedade, assim como as demais ciências da época, os esforços desta ciência se concentraram no estudo da relação homem-meio e no estudo da diferenciação do espaço na superfície terrestre. O conceito de região, primeira categoria estudada, foi definido por diferentes categorias, entre elas, a ambientalista, com base naturalista, que orientou a construção de conceitos importantes na Geografia. Seguindo esta linha, tem-se o conceito de região natural por Ratzel, e o de região geográfica por Vidal de La Blache, o qual definia região como entidade concreta, existente por si só, cabendo aos geógrafos sua delimitação e descrição. Esta definição incluía os elementos da natureza e a presença do homem, chamada depois de região natural. Nesta ordem, seguem-se estudos de análise regional, através de monografias regionais, que buscavam entender o mundo a partir das regiões, com caráter predominantemente descritivo. Hettner, com ideais neokantianos, encaminha a formalização do entendimento da Geografia em termos duplos e distintos: o das ciências nomotéticas e o das ciências ideográficas, as primeiras aplicáveis aos fenômenos regidos por leis gerais, isto é, os fenômenos da natureza, e as segundas aos fenômenos individualizados, os fenômenos do homem. Isto ocasionou uma excessiva fragmentação da Geografia, acompanhada de sua quase absoluta redução neste momento à geografia física, agravada pela eclosão da primeira guerra e o empenho dos geógrafos alemães em explicar uma conjuntura fortemente impregnada de história humana. Hartshorne, seguindo as teorias de Hettner, considerou o conceito de diferenciação espacial e a associação de fenômenos em uma área, combinado elementos físicos e humanos. Opôs-se a Vidal, e enfatizou a região como criação intelectual, e não entidade física auto evidente. A crítica a Geografia Clássica devido à falta de leis e formas de generalizações, levou a crise da mesma e o surgimento de uma nova Geografia. Nesta fase, foca-se na busca da integração única dos fenômenos heterogêneos no espaço. Muitos autores viam o espaço apenas como reflexo da sociedade, uma tela de fundo para os acontecimentos sociais. Esta visão do espaço como um ente natural, base das relações sociais de produção, sendo uma superfície sem características próprias teve fim com Henri Lefebvre. Para este autor, o espaço aparece como um ente ontológico, com sua própria origem e formação epistemológica, como um produto e produtor de relações sociais, deixando de ser apenas o espaço físico, neutro, palco das ações, para ser parte das forças sociais de produção. Lefebvre diz ainda que o espaço, como ente político e ideológico inserido numa estratégia consciente de perpetuação das atuais relações sociais de produção, representa algo mais que somente o reflexo das relações socioprodutivas. Ele é utilizado para a explicação dos processos do mundo contemporâneo, pois contém o mediato e o imediato e a capacidade de nos revelar as contradições da contemporaneidade. Para Milton Santos (2012): O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente. Isto é, o espaço se define como um conjunto de forma representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através dos processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de forças cuja aceleração é desigual. Daí por que a evolução espacial não se faz idêntica em todos os lugares.
Para Durkheim, o espaço existe fora do indivíduo e se impõe tanto ao
indivíduo como à sociedade considerada como um todo, sendo um fato social, uma realidade objetiva. Sendo um resultado histórico, ele se impõe aos indivíduos, os quais podem ter diferentes percepções, sendo isso próprio das relações entre sujeito e objeto. Milton Santos diz que o espaço é um fato social, sendo sua interpretação impossível fora das relações sociais, para ele, muitos fenômenos que são apresentados como naturais, são na verdade sociais, sendo a natureza socializada o que os geógrafos chamam de espaço geográfico. Para Milton Santos, a organização do espaço tende a fazer com que se reproduzam suas principais linhas de força, modificações de diversas épocas não apagam as morfologias iniciais de cada lugar. Para ele, as zonas mais desenvolvidas, com mais infraestrutura, atraem novos investimentos que fazem corpo às atividades já existentes, reafirmando a situação privilegiada desta parte do território em detrimento de outras. Neste local, há maior fluxo de pessoas, são aprimorados os transportes, e cada vez mais, o local atrai o interesse do sistema capitalista, construindo grandes aglomerações, as macrocefalias, também conhecidas como regiões metropolitanas. Milton Santos afirma que o espaço é a matéria trabalhada por excelência, exercendo domínio sobre o homem, estando presente no cotidiano dos indivíduos, e impondo a cada coisa um conjunto de relações, porque cada coisa ocupa certo lugar no espaço. O espaço também mantém os testemunhos do momento de um modo de produção, de um momento do mundo, pois há memória no espaço construído. O espaço mostra-se assim como uma forma durável, que não se desfaz com a mudança dos processos, estes últimos se adaptam às formas preexistentes, e outros criam novas formas para se inserir dentro delas. Conforme Milton Santos, “Os objetos geográficos aparecem em localizações correspondendo aos objetivos da produção em um dado momento e, em seguida, por sua própria presença, eles influenciam os momentos subsequentes da produção”. Um novo modo de produção não pode considerar as condições espaciais preexistentes como tábula rasa. O espaço é um objeto real em permanente evolução, se relaciona com a sociedade que também está sempre em movimento, nas palavras de Milton Santos, “o espaço não é inocente já que serve à reprodução social”. Para David Harvey (1992), as diferenciações do espaço atraem os capitalistas quanto às vantagens competitivas destes espaços, podendo ser implantadas estratégias de controle de mão de obras, melhoria de habilidades, fornecimento de infraestrutura, entre outras adaptações que atrairão mais desenvolvimento para o espaço em particular. Assim, o conceito de espaço moderno, não mais reflete a situação contemporânea, seja ela pós-moderna, pertencente à modernidade tardia, ou a outra definição que venha a ser atribuída ao momento em que vivemos. O que se pode observar é que um espaço neutro, imutável e engessado não corresponde ao espaço que desempenha um papel decisivo para a sociedade, com suas múltiplas faces e funções, tal como se sabe hoje. As diferentes realidades espaciais demonstram as condições atuais e o vislumbre do futuro da sociedade, à Geografia cabe fornecer às bases para a construção de um espaço inclusivo, espaço de todos, espaço que restaure ao homem sua dignidade, e não um espaço que esteja somente a serviço do capital. Referências
FERNANDES, R. M; Pós- Modernidade: Uma leitura niilista e uma nova
ontologia hermenêutica para o nosso tempo em Gianni Vattimo. Dissertação de Mestrado. Departamento de Filosofia. PUC-RIO, 2008.
SANTOS, C. R. S; A metageografia e a ordem do tempo In: CARLOS, A. F. A;
Crise Urbana. São Paulo: Contexto, 2015.
VATTIMO, G. O Fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-
moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
SANTOS, M. Por uma nova geografia. São Paulo: Edusp, 2012.
HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.