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Carlos Alberto Steil
∗∗
Rodrigo Toniol
Vida e Obra
Um autor se torna clássico numa área do conhecimento quando sua contribuição passa
a compor o repertório de conceitos e procedimentos metodológicos como um
patrimônio comum e inescapável para a comunidade de crença e de discurso que
congrega os seus profissionais. Assim, ao apresentar Evans-Pritchard destacamos de
sua contribuição alguns conceitos e procedimentos que pavimentaram o caminho dos
antropólogos que o sucederam até os dias de hoje. A sua principal contribuição diz
respeito ao método etnográfico que, em continuidade ao trabalho de Malinowski e de
Radcliffe-Brown, consolidou o lugar da antropologia moderna entre as ciências
humanas. As outras situam-se em três campos conceituais: o da religião, com
destaque para os noções de bruxaria e magia; o da política, onde as sociedades
africanas são estudadas como modelos estruturais de organização e controle social
fora do Estado; e os conceitos de tempo e espaço como estruturantes da etnografia.
Sobre religião
A outra prática comum que faz parte do sistema religioso dos Azande é a
magia, que pode ser usada para se obter saúde ou para fazer vingança. Evans-
Pritchard observa que os remédios usados pelos mágicos e feiticeiros nem sempre são
eficazes. A maioria deles são meios místicos para combater doenças físicas. Quanto
ao uso da magia para vingança, o primeiro procedimento ritual consiste em encontrar
o bruxo, para em seguida usar os meios místicos para provocar a sua morte. A
vingança mágica é agressiva, mas ela apenas mata os malfeitores, de forma que é vista
pelos Azande como essencialmente justa. Pode haver o mal mágico, usado para
prejudicar pessoas que não causaram prejuízos a outros, mas este uso da magia,
segundo os Azande, está restrito aos feiticeiros (Steil, 2002) .
Para os Azande, a diferença entre bruxo e feiticeiro é que enquanto o primeiro
tem um poder inato para fazer o mal, o segundo usa remédios e magias para alcançar
seus objetivos. Mas isto não se constitui numa distinção vital, pois ambos são vistos
como inimigos e perigosos. Bruxaria e feitiçaria estão em oposição entre si, mas
juntas estão em oposição à “boa magia”. Em suma, na visão dos Azande, bruxaria,
feitiçaria, oráculo e magia estão interligados num único processo. E, como escreve
Evans-Pritchard: “A morte evoca a noção de bruxaria; os oráculos são consultados
para determinar o curso da vingança; a magia é feita para neutralizar a causa; os
oráculos decidem quando o mágico deve executar a ação contra a vingança; e, uma
vez que o procedimento mágico terminou, o remédio é destruído (Evans-Pritchard,
2005: 544).
A política
Nossa opinião é que as teorias dos filósofos políticos não nos têm
ajudado em compreender as sociedades que temos investigado. (…).
A razão principal para isso é que as conclusões dessas teorias não
costumam estar formuladas com base em comportamentos
observados, ou não são suscetíveis de serem contrastadas mediante
este critério. A filosofia política tem se ocupado fundamentalmente
do que deve ser, de como os homens deveriam viver e qual tipo de
governo deveriam ter, e não de quais são os costumes e instituições
políticas. (…) Cremos falar por todos os antropólogos sociais quando
dizemos que devemos aspirar encontrar e explicar as uniformidades
que existem entre essas instituições assim com suas
interdependências com outros elementos da organização social.
(Fortes; Evans-Pritchard: 1979: 87-88)
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Fazemos referência aqui a relação entre o funcionalismo e o liberalismo já apontada por
outros autores como Mary Douglas: “A responsabilidade em proteger e em pregar a tolerância
encontrava ampla ressonância. Mostrar que as crenças em bruxaria desempenhavam um papel
construtivo em um sistema social em funcionamento tem sido uma maneira de levar adiante
essa responsabilidade” (Douglas apud Velho, 1995:118).
Embora preserve a ideia de um domínio do politico, Evans-Prtichard assinala
que é preciso as variações do político em diferentes sistemas políticos e, no seu
interior, em relação com outros domínios sociais. Enfim, o político não é uma
prerrogativa dos Estado-nações que se constituem com governo centralizado, mas, ao
contrário, pode ser observado em outras formas de organização social. Localizar as
variações do político no mapa das sociedades africanas e descrever as formas pelas
quais estas sociedades mantém a sua coesão e constroem a representação de si como
uma unidade tribal ou societária, é um dos objetivos centrais da obra do autor.
A monografia sobre os Nuer – uma extensa população às margens do rio Nilo,
que passara na década de 1930 por um programa colonial de pacificação – foi escrita
para mostrar como este povo cria e reproduz suas instituições políticas para garantir
sua existência num universo de diferenciações locais e disputas com outros grupos
sociais e em relação à presença do colonizador britânico que os interpela com sua
racionalidade administrativa desde fora da própria África (Evans-Pritchard, 1978: 7).
No entanto, como afirmou o autor, essas instituições, assim como todos os outros
âmbitos da vida dos Nuer, não podem ser compreendidas sem que se leve em conta o
meio ambiente e os modos de subsistência de modo que a busca pelo entendimento da
estrutura política Nuer conduziu o antropólogo àquilo que constitui seu próprio
“idioma social”, o pastoreio3. Assim, a descrição dos Nuer a partir de suas divisões
internas e em suas disputas com os povos vizinhos conduziram Evans-Pritchard a uma
sofisticada teoria das segmentações como uma lógica comum a todos os processos
sociais.
O maior segmento politico Nuer é a tribo. E cada tribo e sessão tribal possui
seus próprios pastos e reservas de água. Geralmente as cisões políticas relacionam-se
com a distribuição desses recursos naturais, cujas propriedades estão expressas em
termos de clãs e de linhagens (Evans-Pritchard, 1978: 25). O gado, por sua vez, é
propriedade das famílias, mas está à disposição apenas de seu chefe, que os distribui
na medida em que os filhos se casam. Quando uma filha se casa a família recebe um
dote em forma de gado. É dessa forma que bois e vacas também são aspectos centrais
para a definição do sistema de parentesco Nuer. Menos amplos que as tribos e mais
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Tamanha é a centralidade do gado para a compreensão da vida dos Nuer que Evans-
Pritchard afirma: “seu idioma social [dos Nuer] é um idioma bovino” (Evans-Pritchard, 1978:
27).
abrangentes do que as famílias, os segmentos são centrais para se compreender o
modo como se estrutura a sociedade Nuer. Como sintetizou Marcio Goldman, a noção
de segmentaridade permite, na análise política elaborada por Evans-Pritchard,
compreender como a sociedade Nuer se mantém e se reproduz na ausência do Estado
(Goldman, 2001: 67). Sua conclusão é de que os segmentos desempenhariam as
funções das instituições nas sociedades com do Estado.
Quanto menor o segmento, mais compacto é seu território, mais contíguos
estão seus membros, mais variados e íntimos são seus laços sociais genéricos, e mais
forte, portanto é seu sentimento de unidade (Evans-Pritchard, 1978:154). O princípio
da segmentaridade só opera por oposição. Isto é, a conformação de um segmento está
diretamente associada com sua oposição a outro, análogo a ele. Para Evans-Pritchard,
um segmento tribal é um grupo político em oposição a outros segmentos do mesmo
tipo, e eles, em conjunto, formam uma tribo apenas quando relacionada a outras tribos
estrangeiras adjacentes, que formam parte do mesmo sistema político. Sem estas
relações pode-se atribuir muito pouco sentido aos conceitos de segmento tribal e de
tribo (Evans-Pritchard, 1978: 159). Os segmentos se concebem como unidades
independentes em relação a outros, mas também se fundem com outras unidades
segmentares em determinados momentos. Assim, fusões e fissões caracterizam o
movimento dessas divisões do sistema político Nuer que funciona, justamente, a partir
da complementariedade dessas tendências.
Tempo e espaço
Referências
EVANS-PRITCHARD, Edward E. "The dance." Africa. 446-462,1928.
CLIFFORD, James; Marcus, George E. Writing Culture: The Poetics and Politics of
Ethnography. University of California Pr, 1986.