Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Resumo: Este artigo discute aspectos referentes à consciência fonológica e sua relação
com a aquisição da linguagem escrita. Consideramos também o papel do item lexical como
peça chave da apropriação do conhecimento linguístico. O debate centra-se na segmentação
da linguagem em unidades específicas (palavra, sílaba, fonema) e na produtividade de tais
unidades. Avaliamos a relação fala e escrita na aquisição da linguagem demonstrando que a fala
interfere na escrita bem como a escrita interfere na fala. Adotamos a perspectiva dos Modelos
Multirrepresentacionais e argumentamos que a fala e a escrita estão em constante interação na
construção da representação mental e, consequentemente, na emergência e consolidação da
consciência linguística.
Palavras-chave: Consciência fonológica; Multirrepresentacionalidade; Léxico; Relação fala-escrita
Abstract: This paper discusses issues related to phonological awareness and as such addresses
the relationship between the spoken and written language. It also considers the role played
by lexical items in the development of linguistic knowledge. The debate focuses on the units
related to the segmentation of language (word, syllable, phoneme) and also on the productivity
of such units. We evaluated the relationship between speech and writing in language acquisition
and demonstrated that speech not only influences writing, but also vice versa. Within a Multi-
representational Model perspective we argue that speech and writing constantly interact in the
construction of mental representations thus contributing to the emergence and consolidation of
linguistic awareness.
Keywords: Phonological awareness; Multi-representation; Lexicon; Spoken/written language
Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença
Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 48, n. 3, p. 316-323, jul./set. 2013 Creative Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported.
A aquisição da linguagem falada e escrita 317
criança e sua relação com a consciência linguística. Mais questão importante que se impõe é como representar o
especificamente, busca-se discutir aspectos referentes conhecimento linguístico. De acordo com os modelos
à consciência fonológica, sua relação com a aquisição multirrepresentacionais, a representação mental do
escrita e o papel do item lexical, como peça chave da componente fonológico inclui parâmetros que contêm
apropriação do conhecimento linguístico. A proposta de informações linguísticas e não linguísticas. Há, nestes
assumir o léxico como lócus da representação mental modelos, uma relação variável e gradiente que se
sugere que a consciência linguística tenha relação estreita instaura entre as unidades fonológicas. As representações
com o léxico. Pretende-se, portanto, avaliar a relação linguísticas incluem informações redundantes como, por
fala/escrita na aquisição da linguagem com o objetivo exemplo, o detalhe fonético, os efeitos de frequência
de evidenciar que, não só a fala interfere na escrita lexical, a qualidade de voz específica de um indivíduo,
(CAGLIARI, 1996), mas também que a escrita interfere dentre outros aspectos. O esquema abaixo ilustra
na fala (CHEVROT et al., 2000; SCHWINDT et al., esta proposta através de uma nuvem de exemplares
2007; GRECO, 2009). (JOHNSON, 1997; BYBEE, 2011).
A discussão será feita a partir da perspectiva
teórica pautada na Fonologia de Uso (BYBEE, 2001,
2010) e na Teoria de Exemplares (JOHNSON, 1997;
PIERREHUMBERT, 2001; FOULKES e DOCKERTY
2006). Contribuirá também para esta discussão, a
perspectiva teórica que considera os sistemas adaptativos
complexos (ELLIS e LARSEN-FREEMAN, 2009;
BYBEE, 2010) e o modelo dinâmico de aquisição da Figura 1. Nuvens de exemplares
linguagem (THELEN e SMITH, 1994). Denominaremos
o conjunto destas propostas teóricas de “Modelos
Multirrepresentacionais”. Espera-se, a partir da integração O esquema da Figura 1 ilustra várias experiências
desses modelos, evidenciar a natureza multimodal da de um indivíduo com um determinado exemplar ou item
linguagem e a dinamicidade na aquisição da fala e da léxico. Os modelos multirrepresentacionais sugerem que
escrita pela criança. o item léxico é a unidade representacional.1 Portanto,
Este artigo organiza-se da seguinte forma. Nesta nos modelos multirrepresentacionais, a representação
seção, anunciamos os pontos principais que serão tratados linguística é múltipla, variável e dinâmica. De um modo
no artigo. Na seção seguinte, apresentamos os princípios geral, em relação aos aspectos fonológicos, os modelos
dos modelos multirrepresentacionais. Em seguida, multirrepresentacionais advogam que:
falamos sobre consciência linguística. A penúltima seção • As representações fonológicas são complexas,
problematiza a relação oralidade e escrita, discutindo multiplamente especificadas.
a interferência da escrita na produção da criança. • O detalhe fonético e os efeitos de frequência
Finalmente, a conclusão aponta para caminhos futuros de contribuem com a organização do componente
investigação e indica as principais conclusões do presente fonológico.
artigo. • A representação mental do componente fonológico
inclui a variabilidade, tanto relacionada aos
1 Modelos multirrepresentacionais para aspectos linguísticos quanto sociais.
a aquisição da linguagem • O uso tem papel importante na representação da
palavra e na dinamicidade da Gramática.
Nesta seção, discutimos alguns princípios dos • A fonética e a fonologia são disciplinas comple-
modelos multirrepresentacionais visando a apresentar mentares e atuam conjuntamente na construção
a contribuição destes à aquisição da linguagem e em gramatical.
particular à consciência linguística (BYBEE, 2001, Com relação à aquisição da linguagem, os modelos
2010; JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2003 multirrepresentacionais consideram o papel crucial
a e b, 2010). A perspectiva estruturalista, passando da palavra para a aquisição fonológica. Bybee (2001),
pela fonologia natural e pela autossegmental, apontou Croft e Vihman (2007) apontam que as crianças
alternativas interessantes quanto à formalização de aprendem sons em palavras específicas. Essa proposta,
regras na expectativa de explicar as generalizações conhecida como Whole-word phonology, explica porque,
dos sistemas sonoros. A Teoria da Otimalidade propôs
1 Agrupamentos de palavras (chunks) também são compreendidos como
a hierarquização de restrições a fim de explicar as unidades representacionais uma vez que como os itens léxicos agregam
propriedades da organização fonológica. Portanto, uma forma e significado.
no início da aquisição, a criança produz um determinado determinando padrão como reflexo da experiência e do
som de forma diferente, em palavras diferentes. Muitas uso. A produtividade de um determinado padrão para
vezes, um padrão sonoro é produzido como a forma alvo se aplicar a várias formas da língua, e sua consolidação
em apenas uma única palavra, se diferindo das demais, como um esquema representacional, é determinada
ainda que apresentem o mesmo contexto (GUIMARÃES, principalmente pela frequência de tipo. Quanto mais itens
2008). Sobre esse assunto, Bybee (2001) pontua que as são associados a um esquema maior será a possibilidade
crianças aprendem as propriedades articulatórias da fala de expansão do padrão para novos itens lexicais..
através palavras específicas e, com tempo, passam a O desenvolvimento da consciência linguística e a
aplicar determinado padrão fonológico em outros itens aquisição de uma língua são, normalmente, mecanismos
lexicais. Ao desenvolver mecanismos cognitivos que que ocorrem em simultâneo durante o desenvolvimento
permitam a construção de padrões fonológicos, as crianças infantil. Isto é, ao mesmo tempo em que a criança
apresentam produções intermediárias que refletem as armazena e organiza seu conhecimento linguístico através
manifestações gradientes a um determinado alvo. Ao da experiência, ela constrói diferentes hipóteses sobre o
mesmo tempo em que aprende a produzir palavras, a funcionamento da língua em seus diferentes componentes:
criança desenvolve também uma representação mental, na fonológico, sintático, semântico, morfológico e pra-
qual armazena categorias específicas que são os padrões gmático; via mecanismos complexos e dinâmicos.
fonológicos. A aquisição da linguagem é vista, sobretudo, como a
Em modelos multirrepresentacionais, os sons não são organização e reorganização de conhecimento gramatical.
unidades abstratas e aplicáveis a outros contextos (PORT, Sob esta perspectiva, considera-se que aquisição da
2007). Os sons são compreendidos como ações motoras linguagem se dá em um percurso contínuo, variável e
coordenadas, as quais têm correlatos físicos (acústicos) envolve a interação de diferentes conhecimentos, dentre
e articulatórios e possuem representação cognitiva na eles o conhecimento social. Dessa forma, a experiência,
Gramática (CRISTÓFARO-SILVA, 2012). Abstrações as hipóteses e generalizações decorrentes da experiência
gramaticais refletem generalizações de padrões diversos têm papel fundamental, conforme destaca Taylor (2002),
que são articulados em redes interconectadas. apud Kristiansen (2006, p. 10).
No caso de pessoas que já adquiriram a escrita, os Assume-se que a entrada para a aquisição da lin-
exemplares também contêm informações a respeito da guagem são encontros com reais expressões linguísticas,
forma gráfica de cada item léxico. É a multiplicidade totalmente especificados em seus aspectos fonológicos,
de informações que permite ao indivíduo gerenciar semânticos e simbólicos. O conhecimento de uma língua é
a variabilidade e criar a sua própria Gramática. Ge- baseado no conhecimento do uso real e de generalizações
neralizações gramaticais emergem e são modificadas ao feitas sobre os eventos de uso. A aquisição da linguagem é,
longo da vida de um indivíduo. Por esta razão, a gramática portanto, um processo de baixo para cima, impulsionado
é compreendida como emergente e dinâmica, sendo que pela experiência linguística. A experiência também afeta a
as generalizações operam em vários níveis abstratos que consciência linguística em seus diversos níveis, inclusive
podem ter correlato semântico, fonológico, morfológico, no fonológico.
ortográfico, etc. Relacionada a esta representação, Há evidência de que o conhecimento linguístico seja
temos a consciência linguística – assunto sobre o qual organizado via rede de conexões, alimentadas por dados
discorreremos a seguir. reais da língua (RUMELHART e McCLELLAND, 1986).
Nesse armazenamento, têm grande importância os aspectos
2 A consciência linguística probabilísticos. Dizer que os aspectos probabilísticos
são relevantes para a organização gramatical não
A consciência linguística tem relação estreita com significa, entretanto, afirmar que o indivíduo estabelece
as características formais da linguagem. Entenderemos uma espécie de “contagem” ou “análise quantitativa”
como consciência linguística a habilidade de explicitar o da língua. A abordagem probabilística da linguagem
conhecimento sobre uma determinada língua, oferecendo argumenta que, no processamento do sinal da fala, os
reflexões e sistematizações sobre ela (DUARTE, 2008). aspectos probabilísticos têm impacto no gerenciamento
Neste artigo, centraremos o debate sobre a consciência do conhecimento gramatical (BYBEE, 2010). Assim, a
linguística em relação à segmentação da linguagem em quantidade de uso de uma dada unidade – se alto ou baixo
unidades específicas (palavra, sílaba, fonema) e sobre índice de uso de uma palavra – tem impacto diferenciado
a produtividade das unidades segmentadas (BYRNE, na relação que o falante estabelece com as abstrações
FIELDING-BARNSLEY, 1989) na perspectiva dos gramaticais da língua. Sendo assim, torna-se fundamental
modelos multirrepresentacionais. O termo produtividade que os estudos sobre consciência linguística considerem
é compreendido como a tendência de generalização de fatores como a frequência lexical.
Sobre a consciência linguística, um dos aspectos pode ser [u] como no caso de “menino”, pode ser ausente
fundamentais seria: qual unidade gramatical seria relevante como no caso de “autor” e pode ser idiossincrática como
para a consciência linguística? Falando especificamente no caso de “boi”2. No caso de substantivos femininos,
da consciência fonológica, é possível elencar, pelo a manifestação de gênero é, geralmente, [a] mas pode
menos, as seguintes unidades: palavras, morfemas, ocorrem em pouquíssimos nomes como [u] como, por
rimas, sílabas, fonemas e ainda aquelas unidades que exemplo, em “tribo”. A rede ilustrada na Figura 2 é
não são tradicionalmente consideradas como o alofone produtiva e todos os nomes da língua são associados a
ou o detalhe fonético fino. A consciência linguística tem ela em relação ao mapeamento gramatical obrigatório de
relação com, representação, armazenamento e acesso classificação de gênero. Como generalização, temos que,
com o conhecimento gramatical. A relação da consciência a partir dos vários substantivos e adjetivos do português,
linguística com a frequência lexical deve ser melhor emerge a marca de masculino mais recorrente, que é [u]
explorada em trabalhos futuros. e a marca de feminino mais recorrente, que é [a]. Esta
Na perspectiva multirrepresentacional, argumenta- generalização decorre de dados probabilísticos sobre o
se que o léxico atua como organizador de generalizações conhecimento e uso da língua. Considere a Figura 3.
gramaticais e, em especial, de generalizações fonológicas.
Sendo assim, as unidades representacionais de consciência
fonológica seriam categorizadas via a palavra ou item
léxico. Abstrações como morfemas, rimas, sílabas, sons
emergiriam da relação entre as palavras. Considere a
Figura 2:
variabilidade entre os itens experienciados no uso. Para cedo com práticas de escrita, conforme aponta Soares
que a categoria possa ser constituída, os exemplares da (2010, p. 17):
categoria devem ser robustos e variados
De acordo com o diagrama da Figura 3, prevemos Desde muito cedo, a criança convive com práticas de
que há relação entre as sílabas [mi, me, mε] em posição letramento – vê pessoas lendo ou escrevendo, folheia
inicial de palavra em nomes. Para uma análise global da gibis, revistas, livros, identifica a escrita nas ruas,
no comércio – e, assim vai se familiarizando com as
relação entre estas sílabas, deve-se expandir a rede para
práticas de leitura e de escrita; e também desde muito
vários contextos (sílabas átonas finais, sílabas tônicas, cedo inicia seu processo de alfabetização – observa
morfemas, verbos, etc.). As generalizações que podem textos escritos à sua volta, e vai descobrindo o sistema
ser expressas pela consciência linguística são, portanto, de escrita, reconhecendo algumas letras, algumas
emergentes e dinâmicas e podem ser alteradas ao longo palavras.
do curso da vida de um indivíduo. Observa-se neste ponto
a relação entre consciência linguística e produtividade O reconhecimento das letras, palavras e o contato
lexical. As redes de relação entre as palavras fazem parte com o material escrito representam um momento de
da consciência linguística e tem impacto no acesso que a grande importância na vida da criança, sobretudo quando
criança estabelece com o léxico mental. ela descobre o significado social desta atividade. A
Uma vez que a aquisição da linguagem é com- aprendizagem formal da língua escrita tem impactos
preendida como dinâmica, sendo que há interação entre diversos na vida criança, na forma como ela percebe o
diferentes níveis de conhecimentos experienciados e mundo e interage com os outros. Argumentamos aqui
gerenciados cognitivamente, é fundamental pensar sobre que a escrita tem um impacto na relação que a criança
a relação da aquisição da escrita com a representação estabelece com a língua, colocando-se como um
mental da criança e com a consciência linguística. A seção componente importante na representação mental e na
seguinte fará esta reflexão, considerando os resultados configuração da consciência linguística.
de Greco (2009) e Cristófaro e Greco (2010) e tratará Quando aprende a escrever, a criança estabelece uma
especificamente da relação da oralidade e escrita em relação com a fala (CAGLIARI, 1996). Essa relação,
relação à consciência linguística. conforme demonstra Abaurre (1992,1997), não é direta
e linear: as crianças fazem hipóteses sobre a fala, sobre a
3 Oralidade e escrita relação fala e escrita e sobre o funcionamento da própria
escrita e das relações ortográficas. Embora a interferência
A relação entre oralidade e escrita antes pensada da fala na escrita tenha sido amplamente abordada, até
como algo dicotômico, regular e estável, é vista atualmente pelas implicações que tem no ensino da ortografia, o
como contínua e dependente do uso, conforme Marcuschi inverso, ou seja, a interferência da escrita na fala não tem
(2004, p. 43): sido tratada.
Chevrot et al. (2000), ao analisarem dados da
Partindo da noção de língua e funcionamento da língua variação do “r” final no francês, sugerem que o desvendar
tal como concebidos aqui, surge, como hipótese forte, do código escrito implica em dinamicidade e alteração
a suposição de que as diferenças entre fala e escrita da oralidade dos falantes. Os resultados do trabalho de
podem ser frutiferamente vistas e analisadas na
Chevrot et al. (2000) indicam que, não apenas a oralidade
perspectiva do uso e não do sistema. E, neste caso,
interfere na aquisição da escrita ,mas que a aquisição da
a determinação da relação fala e escrita torna-se
mais congruente levando-se em consideração não o escrita também interfere na (aquisição da) linguagem. A
código, mas os usos do código. Central, neste caso, é interferência da escrita na oralidade será referida como
a eliminação da dicotomia estrita e a sugestão de uma efeito retroalimentador da escrita na fala. Notem que tal
diferenciação gradual ou escalar. efeito tem por predição a mudança das representações
linguísticas de um indivíduo ao longo do curso de sua
Sendo assim, é importante observar a relação fala vida. Por esta razão, indicamos “aquisição da” entre
e escrita como imbricada e permeada pelas práticas parênteses no início deste parágrafo.
sociais. Tal fato será fundamental para compreendermos Outros estudos que confirmam a interferência
a interferência mútua que se estabelece entre fala e escrita da escrita na representação sonora são Ehri e Wilce
e sua relação com uma abordagem dinâmica da língua que (1980). Os autores fizeram experimentos com alunos
pode ser expressa pelos modelos multirrepresentacionais. de quarto ano, na língua inglesa, que demonstraram
Sob a perspectiva do letramento, é importante destacar que imagens ortográficas das palavras afetavam o modo
que o contato da criança com a escrita não se dá de forma como os aprendizes conceituavam a estrutura sonora.
brusca. No mundo atual, as crianças convivem desde Derwing (1992) confirmou o resultado acima com alunos
universitários. Os resultados de Ehri e Wilce (1980), para etc. Já no contexto postônico, há grande regularidade: a
o inglês, Chevrot et al. (2000) para o francês, Greco (2009) tonicidade, a marca morfológica de gênero, fim de palavra.
para o português confirmam o que dizem Teberosky e A regularidade de vogais postônicas finais permitem um
Colomer (2008, p. 60): alto grau de generalização por efeitos probabilísticos. Isto
será demonstrado a seguir.
Como sistema de representação, o aprendizado da Greco (2009) avaliou produção de doze palavras,
escrita consiste na apropriação de um objeto de quais sejam: tesoura, mexerica, estrada, vestido, leão,
conhecimento, de natureza simbólica, que representa menino, tomate, fogão, policial, borracha, boneca e
a linguagem. Durante esse processo de apropriação, formiga. Foram aplicados três testes com as 12 palavras
tanto a representação simbólica da linguagem como a selecionadas: 1) registro ortográfico das palavras que
linguagem são afetadas pela escrita. foram apresentadas em figuras, 2) nomeação de figuras em
que o participante era apresentado a uma figura e deveria
Conforme Morais (1996), a alfabetização estabelece dizer o que ela representava e 3) jogo de cartões sendo que
uma nova relação com a língua. Depois de alfabetizado, o aluno deveria virar os cartões e dizer o que representava
torna-se difícil ouvir uma palavra sem relacioná-la a sua a figura. Os resultados de Greco (2009) demonstram que:
representação. Schwindt et al. (2007) afirmam que há a) houve um maior índice de alçamento pretônico na
uma dupla força na interferência da escrita na fala, que oralidade e na escrita na 1ª série, b) houve um decréscimo
pode estar sendo exercida tanto pelas pressões da escrita de alçamento pretônico na fala na 3ª série e aumento
como pela promoção dos falares típicos dos falantes mais na 5ª série e c) Foi observada uma drástica redução do
cultos da sociedade. De acordo com os autores, há um alçamento na escrita ao longo das séries escolares: 1ª >3ª>
prestígio social atribuído a determinada pronúncia que 5ª. Em relação aos resultados indicados em (a), podemos
é considerada correta. Além disso, o aprendizado das afirmar que o alto índice de alçamento tanto na oralidade
relações entre grafemas e fonemas constitui, para os quanto na escrita na 1ª série reflete a interferência da
autores, “um novo tipo de consciência linguística”. oralidade na escrita: na fala, ocorre [u] e grafa-se “u”
No restante desta seção, discutiremos os resultados como, por exemplo, em “patu”, ou, na fala, ocorre [i] e
de Greco (2009) que também são apresentados em grafa-se “i” como, por exemplo, em “levi”. Quanto aos
Cristófaro-Silva e Greco (2010). Os resultados foram resultados apresentados em (b), podemos afirmar que o
obtidos através da análise de dados de fala e de escrita decréscimo de alçamento na oralidade da 1ª para a 3ª
de 60 crianças nascidas e residentes permanentes em séries indica que houve retroalimentação da escrita na
Belo Horizonte, com idade entre 06 e 11 anos da 1ª, fala. Ou seja, os alunos perceberam que algumas palavras
3ª, e 5ª séries do Ensino Fundamental, de uma escola que continham as vogais [i,u] pretônicas na oralidade
pública e uma escola particular. O objetivo principal era eram grafadas com as vogais “e,o” correspondentes.
o de compreender o efeito retroalimentador da escrita Assim, os alunos passaram a pronunciar tais palavras sem
na fala, considerando o alçamento de vogais pretônicas. o alçamento vocálico pretônico. Entretanto, entre a 3ª e
O alçamento vocálico diz respeito a vogais médias em 5ª séries, os alunos retomam o alçamento em algumas
palavras como “leão” e “fogão” serem pronunciadas com palavras de maneira a se acomodarem ao comportamento
vogais altas como, por exemplo, em “l[i]ão” ou “f[u]gão”. linguístico de suas variedades linguísticas. De maneira
Por outro lado, as vogais médias em posição átona final geral, houve a redução do alçamento pretônico na escrita
que ocorrem, por exemplo, em “pato” ou “leve”, são, em decorrência do aumento da escolaridade, o que é
geralmente, manifestadas como uma vogal alta na maioria apresentado no resultado (c).
das variedades do português brasileiro: “pat[u]” e “lev[i]”. Embora o estudo das vogais postônicas não tenha
De maneira geral, os casos de alçamento das vogais sido foco do trabalho de Greco (2009), observou-se que
médias postônicas não são analisados em conjunto com o a interferência da fala na escrita é superada nas séries
alçamento das vogais médias pretônicas, embora reflitam iniciais, nos casos de vogais postônicas finais. Ou seja,
o mesmo fenômeno. Ao analisarmos os resultados de nas séries iniciais, as vogais “e, o” são grafadas com
Greco (2009), iremos sugerir que o alçamento de vogais “i,u” quando em posição átona final: “pat[u]” e “lev[i]”,
médias reflete a organização do conhecimento linguístico mas, a partir da 2ª série, os índices de tais registros não
da categorização de exemplares de vogais médias e altas são significativos. A pergunta que se coloca é: por que,
em contextos variados. Argumentaremos que, em posição em posição átona final, a troca das letras “e,o” por “i,u”
pretônica, há maior variabilidade do alçamento devido é resolvida nas séries iniciais mas, em posição pretônica,
aos vários contextos em que ele pode ocorrer (início tal troca persiste ao longo da vida escolar do indivíduo?
ou meio da palavra, sílaba próxima ou longe da tônica, A resposta a tal pergunta decorre da regularidade do
vogais adjacentes, consoante precedente e seguinte, alçamento postônico e pretônico. Em posição pretônica,
final. In: Language Variation and Change. Cambridge, v. 12, MORAIS, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo:
p. 295-319, 2000. Ática, 1996.
CRISTÓFARO SILVA, T. Organização fonológica de PIERREHUMBERT, J. Exemplar dynamics: Word frequency,
marcas de plural no português brasileiro: uma abordagem lenition and contrast. In: BYBEE, J.; HOPPER, P. (Ed.).
multirrepresentacional. In: Revista da ABRALIN, v. 11, Frequency effects and the emergence of linguistic structure.
p. 273-305, 2012. Amsterdam: John Benjamins, 2001. p. 1-19. Disponível em:
CRISTÓFARO SILVA, T.; GRECO, A. Representações <www.ling.nwu.edu/~jbp/publications.html>.
Fonológicas: contribuições da oralidade e da escrita. Letras de PIERREHUMBERT, J. Probabilistic phonology: discrimination
Hoje, v. 45, p. 87-93, 2010. and robustness. In: BOD, R.; HAY, J.; JANNEDY, S. (Ed.).
DERWING, B. Orthographic aspects of linguistics competence. Probabilistic Linguistics. Probability theory in linguistics.
In: DOWING, S. D.; NOOMAN, M. The linguistics literacy. Cambridge: The MIT Press, 2003a. p. 175-228. Disponível em:
Amsterdan: John Benjamin, 1992. <www.ling.nwu.edu/~jbp/publications.html>.
DUARTE, I. O conhecimento da língua: desenvolver a cons- PIERREHUMBERT, J. Phonetic diversity, statistical learning,
ciência linguística. Lisboa: PNEP, DGIDC, Ministério da and acquisition of phonology. In: Language and Speech, v. 46,
Educação, 2008. p. 115-154, 2003b.
ELLIS, N.; LARSEN-FREEMAN, D. Language as a complex PORT, R. How are words stored in memory? Beyond phones
and adaptative system. Language Learning, University of and phonemes. In: New Ideas in Psychology, v. 25, p. 143-170,
Michigan, 59, Suppl. 1, Dec. 2009. 2007.
EHRI, L. C.; WILCE, L. S. The influence of orthography on RUMELHART, D. E.; McCLELLAND, J. L. On learning
readers’ conceptualization of the phonemic structure of words. the past tenses of English verbs. In: RUMELHART, D. E.;
Applied Psycholinguistics, v. 1, p. 371-385, 1980. MCCLELLAND, J. L. (Ed.). Parallel distributed processing:
eExplorations in the microstructure of cognition. Cambridge:
FOULKES, P.; DOCHERTY, G. The social life of phonetics and The MIT press, 1986. v. 2.
phonology. Journal of Phonetics, v. 34, n. 4, p. 409-438, 2006.
SCHWINDT, L. C. S.; QUADROS, E. S.; TOLEDO, E. E.;
GRECO, A. Alçamento de vogais médias pretônicas do GONZALEZ, C. A. A influência da variável escolaridade em
português na oralidade de crianças de Belo Horizonte. fenômenos fonológicos variáveis: efeitos retroalimentadores
Monografia (Graduação) – Faculdade de Letras da UFMG, Belo da escrita. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL,
Horizonte, 2009. v. 5, n. 9, ago. 2007.
GUIMARÃES, D. M. L. O. Percurso de construção da SOARES, M. Alfabetização e literatura. In: Guia da
fonologia pela criança: uma abordagem dinâmica. Dissertação Alfabetização, n. 2, p. 17, 2010.
(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras da
UFMG, Belo Horizonte, 2008. THELEN, E.; SMITH, L. B. A dynamic systems approach to
the development of cognition and action. Cambridge, Mass.:
JOHNSON, K. Speech perception without speaker norma- The MIT Press, 1994.
lisation. In: JOHNSON, K.; MULLENIX, J. W. (Ed.). Talker
variability without in speech perception. San Diego: Academic TEBEROSKY, A.; COLOMER, T. Aprender a ler e escrever:
Press, 1997. p. 145-165. uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artemed, 2003.