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u nidade
OS FUNDAMENTOS DA
ANTROPOLOGIA E A
COMPREENSÃO DAS
RELAÇÕES ENTRE CULTURA
E EDUCAÇÃO


Seção IV
A cultura como base para a compreensão do
homem moderno.
Seção V
Ver através do outro: a experiência etnográfica.

Seção VI
Diferença e diversidade: o elogio da alteridade.
seções
45 6
OS FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA
E A COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES ENTRE
CULTURA E EDUCAÇÃO

• Seção IV: apresentar a relevância do conceito de


Objetivos

cultura para a construção teórico-metodológica da


Antropologia e da Educação.

• Seção V: refletir sobre o trabalho da etnografia


para a consolidação das abordagens antropológicas
contemporâneas.

• Seção VI: refletir sobre a alteridade como princípio


fundador das posturas antropológicas e pedagógicas.
SEÇÃO IV

4
A CULTURA COMO BASE PARA A COMPREENSÃO DO

Seção
HOMEM MODERNO

Unidade II
Afirmamos anteriormente que o conceito de cultura é um dos
elementos de ligação entre a Antropologia e a Educação. À medida
que o pensamento social, na modernidade, ocupou-se em definir
a cultura como conceito através do qual se compreende de forma
sistemática o ser humano, em suas relações com a natureza e a
sociedade, tanto a Antropologia quanto a Educação avançaram nos
seus desenvolvimentos teóricos.
Na tentativa de precisar o conceito de cultura, a Antropologia
conseguiu catalogar mais de 150 definições diferentes para o termo.
Foram criadas várias escolas de pensamento antropológico que
desenvolveram suas teorias culturais, entre as mais importantes
estão: o evolucionismo, o difusionismo, o estruturalismo, o
estruturalismo-funcional e o personalismo cultural. Dadas as
diferentes e divergentes abordagens do conceito de cultura destas
escolas, o debate mais recente da Antropologia, segundo Kuper
(2002), busca se amparar na compreensão de que a cultura é
um sistema simbólico através do qual a espécie humana produz
significados e organiza os sentidos da sua existência. Desta forma a
Antropologia, enquanto ciência, busca avançar enquanto campo do
conhecimento sobre o homem e a cultura.

UESC Pedagogia 45
Antropologia e Educação A cultura como base para a compreensão do homem moderno.

Do ponto de vista das teorias da educação, o debate sobre o


homem e a cultura produziu diferentes teorias sobre os processos de
ensino e aprendizagem. Muitos pensadores contribuíram para esta
discussão, merecendo destaque as teses defendidas por Comênio
no século XVII e Rousseau no século XVIII. Para o primeiro, o
papel da educação era levar o homem ao conhecimento das coisas
através da organização sistemática dos conteúdos de aprendizagem.
Para Rousseau, o trabalho
SAIBA MAIS
da educação era despertar a
Difusionismo: corrente do pensamento antropológico que defende a ideia de criança para o conhecimento,
que a cultura é um processo dinâmico cuja origem está relacionada através
das trocas culturais entre povos de diferentes tradições. Contesta o modelo de a partir das suas visões de
evolução cultural linear, defendido pelos evolucionistas, e busca compreender mundo enquanto criança. Em
a evolução cultural como um processo multilinear. Muitas de suas idéias são
baseadas nas teorias de Franz Boas, considerado um dos precursores do que pesem as diferenças de
método etnográfico.
concepções pedagógicas entre
Estruturalismo: teoria da cultura que busca compreender a maneira como a didática proposta por Comênio
os fenômenos sociais se estruturam originando formas de pensamento e
e os princípios pedagógicos
linguagem que compõem os significados das ações humanas. Entre os nomes
mais conhecidos desta tendência encontra-se o antropólogo francês Claude da formação social da criança
Lévi-Strauss.
propostos por Rousseau, ambos
Estruturalismo-funcional: teoria que tem origem entre os antropólogos tomam a sociedade e a cultura
britânicos, herdeiros das teorias funcionalistas da cultura de Malinowisk. Esta
corrente de pensamento indica a importância de se interpretar as estruturas
de suas épocas como cenários da
sociais deduzindo as funções sociais que os indivíduos cumprem na experiência educação.
da vida comum. A cultura seria a dimensão de articulação dos papéis sociais
entre os indivíduos. No Brasil, várias foram
as influências do pensamento
Evolucionismo: é considerada uma das primeiras escolas de pensamento
social sobre a cultura. Tem entre os seus representantes Lewis Henry Morgan, europeu e do pensamento
antropólogo americano responsável pelos primeiros estudos sobre o parentesco
americano sobre educação e
entre os Iroqueses, nos Estados Unidos. Entre as principais formulações desta
escola de pensamento está a busca por definições de leis sociais através das cultura. Contudo, é, a partir
quais o homem produz cultura. Concebe a cultura como um processo social
dos trabalhos desenvolvidos por
evolutivo linear, ou seja, grupos sociais considerados mais simples estão em
escala cultural inferior aos considerados grupos sociais complexos. Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire,
que Antropologia e Educação
Personalismo-cultural: corrente de pensamento teórico sobre a cultura
que tem origem nos Estados Unidos. Entre os seus mais importantes nomes vão encontrar um campo fértil
encontram-se as antropólogas Ruth Benedict e Margareth Mead. Ambas
defendem a tese de que todo povo possui uma personalidade cultural de base,
de proposições conceituais e
essa personalidade é transmitida por herança cultural para os indivíduos. metodológicas para uma reflexão
Suas teorias foram influenciadas pela psicologia e influenciaram a pedagogia
americana. profunda sobre as relações
intrínsecas da cultura e da vida
Simbólico: expressão derivada da palavra símbolo de origem grega que
significa agregação de sentido. Utilizamos a expressão sistema simbólico social na formação humana.
para interpretar o conjunto de palavras, gestos e convenções sociais que
Segundo Gadotti (2006), as
constituem os contextos de vida da espécie humana em suas mais diferenciadas
ambientações. contribuições teóricas de Álvaro
Vieira Pinto para a educação
foram decisivas para a compreensão da radicalidade antropológica
dos processos educativos, isto porque, para este autor, a educação
tem como tarefa situar a presença humana na história e destacar
o seu papel na transformação da sociedade. Paulo Freire, por sua

46 Módulo 2 I Volume 1 EAD


vez, mostrou a importância da ‘antropologia da palavra’ para a
compreensão da educação enquanto um ato político.
O que queremos dizer quando indicamos uma ‘antropologia da
palavra’ para definir a relação entre educação e cultura no pensamento
de Paulo Freire?
Vejamos duas das mais importantes teses defendidas por
Paulo Freire: a leitura do mundo precede a leitura da palavra; o ato
de ensino exige o diálogo com a realidade daqueles que aprendem.
As duas proposições aparecem nos mais diferentes momentos do
desenvolvimento teórico do pensamento de Freire. Elas indicam a
importância da palavra como dimensão fecunda da cultura, capaz

4
de formar e transformar as ações humanas. Para este autor, não é

Seção
possível pensar a educação sem uma compreensão radical da relação
entre os indivíduos e a cultura. Educar é um exercício crítico de:

Unidade II
pensar a palavra, as condições sociais em que os humanos dizem
a palavra, e o desafio de transformar realidades de submissão do
homem pelo próprio homem através da palavra.
A partir destas contribuições, podemos inferir que tanto do
ponto de vista da Antropologia quanto do ponto de vista da Educação,
a cultura é uma dimensão viva e profunda das relações entre os
indivíduos, a natureza e a vida em sociedade. É através da construção
simbólica de significados para suas práticas e saberes que a espécie
humana consolida a sua vida em grupo, produz diferentes formas de
organização social e se expande numa diversidade ascendente do
ponto de vista cultural. O trabalho do pensamento e da linguagem
não pode ser dissociado do contexto em que é produzido e, desta
forma, os humanos criam diferentes e diversas formas de ensinar
e aprender. Nesta perspectiva, a Antropologia busca interpretar e
compreender os diferentes sistemas simbólicos em que os humanos
produzem seus contextos de vivências, enquanto a Educação busca
aprofundar as relações que os indivíduos estabelecem dentro destes
sistemas, bem como entre esses sistemas (compreendendo aqui que
diferentes grupos sociais interagem uns com os outros). Sob esta
ótica, educar é compreender as relações entre conhecimento e vida
em sociedade e transformar culturalmente estas relações, produzindo
novos significados para aqueles que aprendem e, por que não dizer,
para aqueles que ensinam.

UESC Pedagogia 47
Antropologia e Educação A cultura como base para a compreensão do homem moderno.

ATIVIDADE
• Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e tente respondê-las.
• Através do pensamento e da linguagem a espécie humana utiliza
símbolos para a expansão das suas formas de comunicação. Comente
esta afirmação a partir dos conhecimentos que você desenvolveu até
aqui.
• Qual a importância do conceito de cultura para o desenvolvimento da
Antropologia e da Educação na modernidade?
• A educação é um processo cultural, na medida em que através dela as
pessoas estabelecem relações entre si e com outros seres vivos. Ela (a
Educação) é também um produto cultural, na medida em que estabelece
práticas específicas de ensino e aprendizagem. Comente esta afirmação.
• Você conhece o pensamento de Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire? O que
sabe a respeito destes pensadores?

LEITURA C O M P L E M E N T A R

Numa entrevista concedida à Revista Nova Escola dos meses de janeiro/


fevereiro do ano de 2004, a antropóloga gaúcha Ana Luiza Carvalho da Rocha
fala sobre a importância da Antropologia para a Educação. Vejamos a seguir
algumas das suas observações para compreendermos a importância desta área do
conhecimento no campo da educação.

“Nova Escola: Como um antropólogo atua na escola?


Ana Luiza: Nossa função básica é observar as características socioculturais
do ser humano e refletir sobre elas. Como ele se comporta, se relaciona e
se organiza em sociedade. Minhas primeiras pesquisas nessa área visavam
compreender porque integrantes das classes populares demoram mais para
ser alfabetizados. Levantei informações sobre as condições de vida dessas
comunidades na periferia de Porto Alegre e sobre a representação que a escola
faz delas.
Nova Escola: Os estudos de antropologia podem ajudar a resolver um caso de
dificuldade de aprendizagem? Como?
Ana Luiza: Durante minhas pesquisas, percebi que os educadores entenderiam
muitas situações que interferem no aprendizado se conhecessem um pouco
de antropologia. Isso porque parte do que se ensina em classe os alunos já
aprenderam na comunidade em que vivem, ainda que não tenham consciência
disso. Muitos desses aprendizados precisam ser desconstruídos. Fui solicitada
para resolver o problema de uma professora que não conseguia formar equipes,
por causa de brigas. Isso refletia no desenvolvimento dessas crianças que
tinham dificuldades de aprendizagem.
Nova Escola: Conhecer a realidade em que vivem os estudantes ajuda o
professor a ensinar melhor?

48 Módulo 2 I Volume 1 EAD


Ana Luiza: Sem dúvida. Muita gente pensa que a origem social é um obstáculo
natural para a aprendizagem. Mas classes populares são formadas por uma
diversidade enorme de culturas, valores e etnias. É impossível tirar uma
conclusão e generalizar. Com a pesquisa, a professora gaúcha descobriu a
verdadeira origem e a formação da turma para a qual lecionava. De posse das
informações, começou a trabalhar com ela de outra maneira.”

A antropóloga indica a importância do contexto sociocultural da vida em comunidade


para o educador compreender a diversidade dos seus educandos. Suas afirmações nos
orientam à organização de processos de ensino e aprendizagem que considerem saberes
e práticas sociais que já fazem parte da vida sociocultural dos indivíduos com os quais
compartilhamos a experiência da educação na escola.

4
Vamos tentar agora compreender dimensão simbólica da cultura do ponto de vista
da visão de escola que constituímos no processo de escolarização. Para isto vamos ler dois

Seção
trechos de um poema de Cora Coralina:

Unidade II
A Escola da Mestra Silvina

Minha escola primária...


Escola antiga de antiga mestra.
Repartida em dois períodos
para a mesma meninada,
das 8 às 11, da 1 às 4.
Nem recreio, nem exames.
Nem notas, nem férias.
Sem cânticos, sem merenda...
Digo mal – sempre havia distribuídos
Alguns bolos de palmatória...
A granel?
Não, que a Mestra
era boa, velha, cansada, aposentada.
Tinha já ensinado a uma geração
antes da minha.

A gente chegava “-Bença, Mestra”.


Sentava em bancos compridos,
escorridos, sem encosto.
Lia alto lições de rotina:
O velho abecedário,
Lição salteada.
Aprendia a soletrar.

Ao homenagear a escola da sua infância, Cora Coralina constrói um conjunto de


símbolos para nos apresentar o contexto de suas experiências de aprendizagem: a divisão
dos grupos de estudantes entre os da ‘manhã’ e os da ‘tarde’, a autoridade da Mestra pelos
‘bolos de palmatória’ e a ‘bença’ como forma de cumprimento, as formas de aprender na
‘lição salteada’ e no ‘soletrar’. A descrição dos móveis, a referência temporal da Escola Antiga
e da Antiga Mestra nos convida, logo no início do texto, a entrar nas memórias da autora e,
através do poema, descobrir o universo cultural da escola da Mestra Silvina. Este é um bom
exemplo de como, através das palavras, atribuímos significados para nossa experiência e
descrevemos um sistema simbólico que produz sentido para nossas experiências vividas.

UESC Pedagogia 49
Antropologia e Educação A cultura como base para a compreensão do homem moderno.

ATIVIDADE
A partir dos exemplos citados, produza um texto em que você descreve
uma das escolas em que você estudou, procurando destacar elementos que
compõem o contexto deste espaço.

LEITURA RECOMENDADA

Assista ao filme Nenhum a Menos, de Zhang Yimou (1999). O enredo do filme retrata a
experiência de uma jovem professora numa pequena escola no interior da China, na tentativa
de garantir as presenças de todos os alunos na sala de aula, a jovem professora se vê desafiada
a lidar com as dificuldades sociais da comunidade. Um dos alunos foge da escola e a professora
irá percorrer um longo trajeto para trazê-lo de volta. Outra boa pedida é ouvir, ler e interpretar
a canção Língua, de Caetano Veloso; a letra da música nos remete à riqueza cultural da
influência latina na nossa formação cultural.

RESUMINDO

O conceito de cultura estabelece relações teorias e práticas entre a


Antropologia e a Educação. Compreendendo a cultura como um sistema
simbólico através do qual a espécie humana produz pensamento e
linguagem, a presença dos humanos entre os demais seres vivos da
natureza se diferencia pela sua capacidade de significar as suas ações.
Além das diversas correntes do pensamento antropológico que
buscam conceituar a cultura, no campo do pensamento pedagógico,
Comênio e Rousseau buscaram compreender a educação de um
ponto de vista antropológico e, no Brasil, destacam-se os trabalhos
de intelectuais como Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire, na abordagem
antropológica dos processos educativos.
É importante situar a cultura como um conceito antropológico e
pedagógico. Graças à capacidade humana de atribuir significados
para suas ações, a vida em sociedade é resultante de regras, valores,
práticas e saberes que têm origem na cultura.

50 Módulo 2 I Volume 1 EAD


SEÇÃO V
VER ATRAVÉS DO OUTRO:
A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA

5
Seção
Unidade II
A etnografia é uma prática de investigação de natureza
antropológica em que o pesquisador busca compreender a cultura
do ponto de vista dos membros da comunidade pesquisada. Através
do exercício da observação participante, o etnógrafo busca registrar
os significados produzidos pelos seus informantes para situações e
eventos da vida social em comunidade. Os primeiros registros são
feitos no diário de campo (bloco de anotações em que o pesquisador
descreve suas primeiras impressões sobre o grupo observado).
Posterior aos registros no diário de campo, o pesquisador elabora
descrições do contexto observado, desenvolvendo suas interpretações
acerca das principais características culturais do povo ou comunidade
que estuda. O antropólogo americano Clifford Geertz (1989) define
este trabalho descritivo e interpretativo como uma descrição
densa. O resultado final deste trabalho são textos através dos quais
a Antropologia produz visibilidade de outras culturas, a partir da
experiência de conversação entre o antropólogo e os indivíduos que
são pesquisados.

UESC Pedagogia 51
Antropologia e Educação Ver através do outro: a experiência etnográfica

As primeiras experiências de compreensão da cultura através


do ponto de vista dos nativos são reputadas a Franz Boas e Bronislaw
Malinowski. O primeiro conviveu com os esquimós do extremo norte
do continente americano. O segundo, com uma comunidade tribal das
ilhas Trobriand, no Pacífico ocidental. Tanto Boas quanto Malinowski
viveram bastante tempo com estas
SAIBA MAIS
comunidades distantes e desenvolveram
Descrição densa: importante conceito da antropologia
contemporânea desenvolvido pelo antropólogo americano
teorias culturais após suas experiências em
Clifford Geertz. Para este antropólogo, a descrição das campo. Seus trabalhos foram desenvolvidos
culturas é o principal papel da etnografia, ao organizar as
suas observações de forma descritiva o pesquisador interpreta no início do século XX. Algumas de suas
aquilo que viu, ouviu e vivenciou em campo. Neste sentido,
a densidade descritiva está na capacidade que o pesquisador
teorias são questionadas pela Antropologia
terá de interpretar aquilo que descreve sem dissociar na escrita na contemporaneidade, no entanto, a
o observado do interpretado. Esta modalidade de escrita faz
com que os textos antropológicos se aproximem dos gêneros iniciativa de ir a campo, conviver com os
literários da crônica e do ensaio.
grupos pesquisados, registrar observações
Comunidades distantes: noção utilizada pela
Antropologia para designar os povos pesquisados pelos e tentar sistematizar teoricamente o
primeiros antropólogos. O início do trabalho antropológico
observado, inaugurou definitivamente uma
(como vimos na seção anterior) está vinculado ao
colonialismo europeu pelo mundo, os primeiros textos nova postura para a Antropologia.
deste período buscavam associar a distância geográfica
às distâncias culturais que existiam entre diferentes Com a expansão dos meios de
povos no planeta. À medida que os antropólogos se
comunicação e o conhecimento efetivo de
aproximam mais de suas comunidades de pesquisa,
as noções de proximidade e distância assim como de outras tradições culturais não europeias, os
familiar e estranho vão indicar orientações importantes
para o deslocamento do antropólogo no processo da antropólogos passaram a se ocupar do estudo
observação participante, quando o pesquisador deve se
mover dentro e fora dos grupos que estuda.
de suas próprias comunidades. O início da
etnografia ensinou o pesquisador a tornar
familiar aquilo que lhe parecia estranho em outras culturas (após
anos de observação o pesquisador estava cada vez mais familiarizado
com a cultura dos outros). O retorno à sua comunidade trouxe
para o etnógrafo o desafio de estranhar aquilo que lhe é familiar
(ao pesquisar grupos com os quais mantém alguma familiaridade, o
pesquisador busca interpretar de outra forma aquilo que a maioria
das pessoas vê da mesma forma).
A postura de base da etnografia permanece viva. Ver e ouvir
o mundo através dos outros é a atitude básica para o exercício
interpretativo em que a relação entre o familiar e o estranho compõe
a principal estratégia de pesquisa no campo antropológico. No Brasil,
muitas destas pesquisas de natureza etnográfica produzem teorias
importantes sobre a vida em comunidades indígenas, quilombolas ou
mesmo na periferia das grandes cidades. Podemos citar, a título de
exemplo, a produção teórica de Gilberto Velho (1973), que estudou as
relações sociais de um grupo de moradores do bairro de Copacabana,
no Rio de Janeiro (RJ). O trabalho deste autor é uma das principais
referências para o estudo de comunidades urbanas no Brasil.
A antropóloga Clarice Cohn (2005) dedicou suas pesquisas às

52 Módulo 2 I Volume 1 EAD


crianças da comunidade indígena Xikrin, no norte do Pará (PA). Após
conviver com esta comunidade indígena, a antropóloga concluiu que
a criança xikrin participa intensamente da vida cultural do seu grupo e
atua na produção da cultura dentro das tradições a que pertence. Uma
das principais contribuições do seu campo de pesquisa é a aplicação
da etnografia com crianças e a articulação da Antropologia com a
Educação. A partir dos textos de Clarice Cohn, podemos compreender,
de forma consistente, educação e aprendizagem como interfaces do
processo de construção sociocultural na vida em comunidade.
Na tentativa de participar do contexto cultural dos indivíduos
que investiga, o etnógrafo elabora suas teorias a partir do envolvimento
intenso com outras pessoas. O que se pretende com esta prática de
investigação é chegar o mais próximo possível da experiência cultural
tal como ela é vivida pelas pessoas. Essa aproximação gera um

5
conhecimento teórico que é feito a passos lentos, por ‘impregnação

Seção
contínua’, como define Laplantine (2004), daí resultam conhecimentos
que orientam pessoas não ‘iniciadas’ nos grupos e temas estudados

Unidade II
pela antropologia a uma visão mais profunda e complexa dos contextos
culturais em vias de interpretação pela Antropologia.
No que diz respeito ao trabalho do educador, a etnografia
pode ser um instrumento de formação precioso. Considerando que
os processos educativos, dentro e fora da escola, supõem a formação
de grupos e a troca cultural como pressupostos de trabalho, a
observação participante, o registro e a interpretação cultural dos
grupos envolvidos na experiência educativa, podem enriquecer o
desenvolvimento das atividades de ensino e aprendizagem. Ao tomar
para si a tarefa de conhecer melhor aqueles com quem pratica a
educação, o educador pode aprender práticas e saberes sociais dos
seus educandos e contextualizar suas posturas de ensino, a partir das
experiências de vida daqueles com quem partilha os seus espaços
educativos.
O legado da etnografia nos indica um movimento de
aproximação do pesquisador para transformar em teoria os
conhecimentos que os seus pesquisados aplicam na vida cotidiana.
O legado da educação nos indica a participação na vida em grupo
pelo educador como uma atitude de mediação entre conhecimentos
já estabelecidos teoricamente e conhecimentos já experimentados
na vida comum pelos indivíduos. Na aproximação com a etnografia,
o educador poderá se inspirar nas suas contribuições tanto para
compreender a abordagem da cultura pela Antropologia, quanto para
investigar de forma mais profunda sua própria experiência em campo.
A educação praticada em sala de aula, ou em qualquer espaço social

UESC Pedagogia 53
Antropologia e Educação Ver através do outro: a experiência etnográfica

em que os indivíduos criam e recriam suas práticas e saberes de


vida, pode ser, também, uma instigante experiência de pesquisa da
cultura como forma autêntica de manifestação das nossas vivências
cotidianas.

ATIVIDADE
• Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e tente respondê-las.
• Escolha um tema presente em suas vivências sociais, organize o seu diário de campo,
registre suas observações e exercite a participação no processo de observação.
• Procure debater e refletir mais sobre o trabalho da observação participante na
construção do conhecimento.

LEITURA C O M P L E M E N T A R

O texto que se segue foi retirado de um artigo que expõe passagens do


diário de campo do antropólogo Hermano Vianna. Este antropólogo é um dos
principais estudiosos sobre música e periferia urbana no Brasil. Muitos dos seus
trabalhos servem de roteiro para documentários do programa Fantástico, exibido
aos domingos pela Rede Globo de Televisão.

“Dia 9 de Junho de 2004

Entro em duas lojas oficiais de discos em Cuiabá. Quero fazer as coisas


dentro da lei. Procuro os últimos lançamentos do lambadão cuiabano, a música
mais popular nos bailes das periferias urbanas do Mato Grosso. Sou tratado
pelos vendedores com espanto ou com aquela cara de superioridade que
significa algo assim como ‘nosso estabelecimento não lida com essas baixarias,
saia já daqui’. Era quase como se estivesse tentando comprar coca-cola numa
loja xiita de produtos orgânicos.
Percebo que não estão me escondendo nada: não tem mesmo lambadão
para vender. Ninguém compra esse tipo de música em lojas. Claro: vou para
aquele camelódromo da beira do rio e me esbaldo – economizando muitos
reais – com os piratões de Os Maninhos (Volume VI – Bailão em Mato Grosso!),
Banda R Som (O Melhor do Lambadão de MT – Seu Problema é Muito Chifre na
Cabeça), Stillo Pop Som (Ao Vivo), Banda Real Som (Te Amo Demais), Mega
Boys (A Banda do Momento) e ainda a sensacional coletânea da Cabana da
Dudu.
A lambada chegou em Cuiabá trazida por mato-grossenses que foram
trabalhar nos garimpos da Amazônia nos anos 70 e 80. Pousando no cerrado,

54 Módulo 2 I Volume 1 EAD


ela se misturou ao rasqueado, ao siriri e à polca paraguaia (já devidamente
eletrificada, soando como um rhythm and blues pantaneiro), e deu no lambadão,
que continua sua trajetória mutante absorvendo influências que do vaneirão
gaúcho, da axé music e do sertanejo, ou qualquer outra música que venha a
fazer sucesso realmente popular no Brasil. O público logo entendeu que aquilo
não era exatamente (ou não era apenas) uma lambada. Percebeu que estava
ouvindo uma criação mato-grossense – e começou a dançar exatamente como
fazia nas festas tradicionais de siriri, “folclore” local, onde o público feminino
domina e as mulheres podem dançar agarradinhas, de rosto colado, girando
sem parar pela pista de dança numa grande roda.
Pelos ingredientes da mistura, e também por essa apropriação
pouquíssimo ortodoxa daquilo que é considerado ‘autêntico’, mesmo quem
nunca escutou nada pode perceber que o resultado não é feito para agradar
os movimentos anti-baixaria (que muitas vezes são apenas movimentos
elitistas, que pretendem doutrinar o povo a gostar de ‘qualidade’, definida
arbitrariamente – é claro – segundo concepções estéticas geralmente
caducas). Pena, para mim pelo menos, que o território do lambadão seja ainda

5
restritivamente regional. Impossível comprar essas músicas, ou mesmo me

Seção
manter informado sobre seus novos lançamentos, tanto no Rio de Janeiro
quanto na Internet”.
Hermano Vianna, 2004.

Unidade II

Além de descrever os cenários de sua busca pelo lambadão mato-grossense,
o antropólogo interpreta a relação entre o oficial e o oficioso na comercialização de
músicas ouvidas na periferia. Revela ainda a riqueza de combinações de melodia
que compõe a sofisticada composição dos hits musicais chamados de ‘periféricos’.
Entre outras conclusões que podem ser retiradas das páginas do seu diário, o
preconceito social, muitas vezes, desconhece a engenhosa produção artística
presente na musicalidade das periferias urbanas do país.

ATIVIDADE
Reflita sobre a estrutura do texto apresentado e com base nas anotações do seu
diário de campo tente organizar um texto que exponha suas interpretações sobre um
dos temas das suas observações

UESC Pedagogia 55
Antropologia e Educação Ver através do outro: a experiência etnográfica

LEITURA RECOMENDADA

Assista ao filme Zorba, O Grego, de Michael Cacoyannis e Demetrios Liappas. Nele


um escritor inglês chamado Basil faz amizade com o grego Zorba na ilha de Creta. A
partir desta amizade, o inglês passa de observador a participante da vida na pequena
comunidade grega em que o escritor torna-se proprietário de uma mina. Acesse o
site WWW.overmundo.com.br. Trata-se de um destino eletrônico, no qual você vai
encontrar contribuições culturais de artistas de várias partes diferentes do país.

RESUMINDO

A etnografia introduz, no início do século XX, uma nova postura na


abordagem da cultura. Suas contribuições interessam de um ponto de
vista particular à produção teórica da Antropologia. Interessam também à
Educação à medida que orienta a compreensão contextualizada dos processos
socioculturais de formação humana.
O trabalho da observação participante e da descrição cultural contribui
para uma compreensão dos fenômenos antropológicos e pedagógicos numa
perspectiva dialógica. Á medida que produzem conhecimento, através da
etnografia, antropólogos e educadores o fazem a partir do encontro e da troca
cultural com os grupos sociais com que trabalham.

56 Módulo 2 I Volume 1 EAD


SEÇÃO VI Alteridade: aquilo que é
próprio do outro. No linguajar
acadêmico a expressão tem
origem na filosofia, quando

DIFERENÇA E DIVERSIDADE: os pensadores buscavam


refletir sobre as dimensões
existenciais que extrapolam o
O ELOGIO DA ALTERIDADE sentido material da vida dos
indivíduos. No pensamento
antropológico, a noção
de alteridade serve para
expressar a postura através
da qual o antropólogo tenta
compreender a cultura do
ponto de vista do outro,
daquele que é investigado. No
campo pedagógico, o termo
busca significar a proposta de
tomar como ponto de partida
para o processo educativo
as experiências vividas pelos
indivíduos que participam

6
deste processo.
Historicamente, a Antropologia e a Educação se consolidam

Seção
Identidade: a noção de
como ciências à medida que produzem práticas de conhecimento do identidade é utilizada em
diversos sentidos pelas
homem como um ser cultural. Teorias e métodos destas duas ciências ciências humanas. Trata-
se de um termo que busca

Unidade II
avançam quando sociedades de uma mesma cultura procuram definir ou problematizar as
unidades de conceitos através
compreender de forma mais profunda como outras sociedades se das quais os indivíduos se
definem enquanto atores
organizam e produzem seus saberes e práticas cotidianas. Conhecer sociais. Todas as tentativas
de universalização de um
determinado conceito de
e interagir com outro são atitudes fundamentais para a construção identidade, no campo
das ciências sociais,
e aplicação do conhecimento antropológico e pedagógico na têm sido contestadas na
contemporaneidade, à luz das
modernidade. contribuições que os estudos
sobre as diferenças culturais
Considerando que, do ponto de vista cultural, uma sociedade oferecem para se compreender
a diversidade sociocultural
ou grupo social é marcado por diferenças internas entre os indivíduos, da humanidade. A ideia de
que os indivíduos já nascem
e que, no conjunto, tais diferenças produzem diversidades de prontos do ponto de vista
cultural é refutada na maioria
gênero, classe social, etnias, religiosidade, enfim, um sem número das correntes do pensamento
cultural contemporâneo.
de expressões de identidades e sociabilidades. Podemos afirmar Prefere-se compreender que
os indivíduos constroem suas
identidades na relação com
que, apesar da predominância de determinados padrões culturais, outros indivíduos e com o
complexo de objetos culturais
um mesmo indivíduo é portador de referências pessoais múltiplas com os quais convive.

para situar-se no mundo. Sociabilidade: processo de


formação social dos indivíduos.
Vejamos o seguinte exemplo: antes de iniciar a sua jornada No campo do pensamento
social, o sociólogo francês
de trabalho, o comerciário começa o seu dia entre familiares, Emile Durkeim foi um dos
primeiros a tratar deste
realizando seus rituais domésticos de higiene, alimentação, saudação conceito, quando descreve a
experiência de formação das
entre parentes e vizinhos. Ele escolhe as vestimentas com as quais sociedades tradicionais e das
sociedades modernas através
irá atender seus clientes no trabalho. A caminho da loja em que dos conceitos de solidariedade
mecânica e solidariedade
orgânica. Suas teorias
irá cumprir suas funções como trabalhador, utiliza bens e serviços contribuem até hoje para a
reflexão sobre as formas de
disponíveis em sua cidade para ir ao trabalho como todos os cidadãos socialização presentes nas
mais diferentes experiências
da localidade em que vive. Ao chegar ao trabalho, convive com de vida social no planeta.

UESC Pedagogia 57
Antropologia e Educação Diferença e diversidade: o elogio da alteridade

colegas, chefes, clientes e toda uma diversidade de pessoas com


quem mantém relações de proximidade, que conhece à distância
ou que sequer imaginaria conhecer, se não tivesse diariamente que
trabalhar no local em que trabalha. Poderíamos seguir com este
exemplo por muitas páginas, mas o que nos interessa é mostrar,
que tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista
social, a experiência cultural do homem é marcada pela diferença
e pela diversidade. Uma mesma pessoa pode ser outra dependendo
do contexto em que esteja. Quanto mais tomamos consciência disto
mais rompemos com a rigidez dos padrões culturais que nos indicam
apenas um modelo de vida em sociedade.
Em meados dos anos 80, uma pesquisa mostrou que os livros
didáticos que circulavam pelo Brasil padronizavam a imagem dos
indígenas brasileiros. Praticamente todos os livros expunham o mesmo
índio, a mesma oca, os mesmos arco e flecha. Convém ressaltar
que os traços físicos dos desenhos dos índios, nos livros didáticos,
imitavam traços físicos dos europeus. Do ponto de vista do processo
de escolarização no país, isto terminou produzindo a instituição de
dois modelos distorcidos e preconceituosos de sociedade praticados
pela escola a sociedade do eu e a sociedade do outro. Segundo Rocha
(1984), a sociedade do eu, representada pelos professores que
difundem os conhecimentos dos livros didáticos, é pretensiosamente
mais verdadeira e superior que a sociedade do outro (aquele que
se vê representado nas páginas do livro). O trabalho do autor é
um dos pioneiros nas pesquisas de natureza antropológica sobre a
educação no Brasil e tenta fazer uma crítica à forma homogeinizadora
como as culturas escolares tratam as diferenças culturais no país. Ao
colocar o eu e o outro como modelos antagônicos, através do qual
um determinado contexto cultural busca sobrepor-se ao outro, Rocha
nos convida à leitura do livro didático e da escola com outros olhos.
Ver, ouvir e interpretar os outros que estão dentro e fora de
nós é uma forma de compreender a complexidade dimensional da
cultura nas múltiplas relações que os indivíduos estabelecem consigo
e com outras pessoas. Isto exige rupturas de costumes que tendem
a naturalizar nossas ações. Exige ainda deslocamento das nossas
formas de pensar e dizer palavras com as quais produzimos sentidos,
para estarmos juntos uns-com-os-outros na vida em sociedade.
Exige a compreensão radical de que, no fundo, somos múltiplos e
que, quando nos unificamos numa determinada postura diante do
mundo, o fazemos por identificação com outros indivíduos. Em outras
palavras, poderíamos dizer que, para viver em sociedade, sentimos,
agimos e pensamos em conformidade com a experiência de outras

58 Módulo 2 I Volume 1 EAD


pessoas em busca de sintonia social.
Ao compreender a sua condição social do ponto de vista cultural
a espécie humana cria uma infinidade de modos de vida, superando
muitas vezes barreiras biológicas, geográficas e até mesmo históricas
que estabelecem com rigidez certas condições de existência. O
neurologista Oliver Sacks (2008) relata, na introdução do seu livro
Um Antropólogo em Marte, como teve que aprender a escrever com
a mão esquerda após uma cirurgia no ombro direito. Apesar de ser
destro, ele teve que desenvolver habilidades como canhoto, bem
como utilizar os pés para manipular pequenos objetos. Boa parte dos
seus estudos foi desenvolvida com pessoas que possuem dificuldades
e síndromes de caráter neurológico e que, em alguma medida,
convivem com a doença de forma socialmente saudável. Este último
exemplo nos convida, mais uma vez, a compreender a Antropologia
e a Educação como interfaces de um pensamento em que a cultura
é uma dimensão profunda da construção simbólica que orienta os
indivíduos na vida em sociedade a existirem como o mesmo e como o

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outro, em suas mais diversificadas formas de convívio social.

Seção
Unidade II
ATIVIDADE
• Organize suas dúvidas sob a forma de perguntas e busque respondê-las.
• Crie o seu diário de campo e registre descrições de situações em que determinados
padrões culturais definem significados para semelhanças e diferenças na vida em
sociedade.

Diário de campo: trata-se do principal instrumento de trabalho etnográfico. Poder ser uma caderneta,
caderno, ou bloco de anotações em que você fará o registro das observações de um determinado grupo ou
contexto social. É importante destacar o dia, a hora, as pessoas envolvidas no processo de observação e
características ambientais do local em que o trabalho foi desenvolvido. Além de tais registros, o diário de
campo comporta as impressões e interpretações preliminares do observador. Tais elementos servirão mais
tarde para a elaboração do texto final.

UESC Pedagogia 59
Antropologia e Educação Diferença e diversidade: o elogio da alteridade

LEITURA C O M P L E M E N T A R
O jornal Folha de São Paulo de sábado, dia 27 de junho de 2009, publica,
no seu Caderno de Esportes, uma longa matéria em que tenta explicar como o
goleiro Tim Howard, titular da seleção dos Estados Unidos, convive com a Síndrome
de Tourette uma doença neurológica que provoca movimentos musculares
involuntários no corpo humano. O texto diz o seguinte:

“Goleiro derrota doença e preconceito

Howard, titular da seleção dos EUA, é portador da síndrome de Tourette e já foi


classificado de ‘retardado’ na Europa (dos enviados a Johannesburgo)

Um dos heróis da histórica classificação dos EUA para a decisão da Copa


das Confederações, o goleiro Tim Howard, 30, sofre da síndrome de Tourette,
um distúrbio neurológico que tem como principal conseqüência provocar
movimentos involuntários dos músculos que, em casos extremos, podem se
espalhar por todo o corpo.
Tudo o que poderia atrapalhar a vida de um goleiro, mas com o que Howard
– autor de uma série de defesas decisivas na vitória norte-americana contra
a Espanha, por 2 a 0, nas semifinais do torneio – consegue conviver com
naturalidade.
Tanto que, entre os jogadores da seleção de seu país, foi um dos que
chegaram mais longe em termos de clube – já defendeu o Manchester United e
hoje é o titular do gol do Everton, outro clube de bastante prestígio e torcida
na Inglaterra.
Preconceito forte ele, que nasceu em Nova Jersey, só teve quando trocou o
seu país pela Europa, há seis temporadas.
Na época, os tablóides sensacionalistas ingleses chegaram a estampar
manchetes na linha de “Manchester United quer contratar goleiro retardado”.
Os primeiros sintomas da síndrome de Tourette apareceram em Howard
quando ele tinha nove anos. Na escola, era ridicularizado pelos colegas devido
aos tiques nervosos – no seu caso, os mais comuns hoje são movimentos com
a língua e piscar frenético dos olhos.
Para se controlar durante os jogos, Howard usa táticas de relaxamento. Ele
evita tomar remédios, porque, afirma, isso poderia atrapalhar seus reflexos
durante as partidas.
Em uma entrevista concedida à televisão norte-americana, declarou que
a doença nunca o atrapalhou no futebol. Segundo Howard, ele consegue se
concentrar nos jogos a ponto de a síndrome jamais ter interferido em seu
desempenho quando está sob as traves.
Mesmo sabendo que a síndrome de Tourette poderia atrapalhar sua carreira,
ele nunca escondeu que sofria dela. E fez mais, virou uma espécie de porta-voz
da doença.
‘Existe muito preconceito e falta de conhecimento sobre os portadores da
síndrome’, afirmou Howard, que não é o único esportista americano de renome
que sofreu com ela.
Jim Eisenreich, por exemplo, jogou por 17 temporadas na liga americana de
beisebol por quatro times diferentes mesmo sendo acometido pelo distúrbio,
que não foi obstáculo para que Mahmoud Abdul-Rauf fosse escolhido na terceira
posição do ‘vestibular’ da liga de basquete NBA em 1990.”

Folha de São Paulo, sábado, 27 de junho de 2009.

60 Módulo 2 I Volume 1 EAD


Graças ao seu excelente desempenho como goleiro da seleção dos EUA
Howard venceu o preconceito e convive de forma saudável com a síndrome de
Tourette. O seu exemplo nos mostra como a vida em sociedade, marcada por
rígidos padrões culturais, impõe dificuldades para o convívio com as diferenças.
O goleiro americano conheceu o preconceito na escola, teve que enfrentar o
preconceito dos formadores de opinião e se afirmou com um ídolo do futebol nos
EUA e Inglaterra.

ATIVIDADE
Organize um álbum das diferenças, selecione histórias de pessoas e grupos
que tiveram que superar preconceitos por apresentarem características físicas, sociais,
étnicas ou culturais que não correspondem a padrões sociais, busque descrevê-las de
forma resumida, como se estivesse organizando um retrato falado destacando apenas
as características essenciais daqueles que são descritos.

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Seção
Unidade II
LEITURA RECOMENDADA

Conheça o Museu da Pessoa, um acervo eletrônico de histórias de vida de pessoas dos mais
diferentes lugares do país, o endereço é: WWW.museudapessoa.net . Assista ao filme Um Herói
do Nosso Tempo, de Radu Milhaileanu. Conta a história de um menino etíope que vive em um
acampamento no Sudão e se faz passar por um judeu para fugir para Israel. Para sua nova
experiência de vida, terá que inventar um novo modo de vida, a partir da sua experiência com
a família francesa de judeus que o adota.

RESUMINDO

A alteridade é uma postura de base para a compreensão da diferença


e da diversidade do ponto de vista da Antropologia e da Educação. Ao
destacar diferença e diversidade como características culturais da vida social
a abordagem etnográfica considera o contexto em que cada cultura produz
seus saberes e suas práticas. Neste sentido, podemos pensar na cultura
de um ponto de vista singular: como dimensão simbólica constituinte das
significações com as quais produzimos sentidos para a nossa existência.
Podemos pensar, ainda, a cultura de um ponto de vista plural, à medida
que consideramos que cada indivíduo e grupo social possuem seus próprios
códigos de identificação cultural.
Ao reivindicarem a alteridade como pressuposto de construção das suas
elaborações teóricas e metodológicas, a Antropologia e a Educação levam
em conta as contribuições que saberes e práticas sociais oferecem para a
constituição de saberes e práticas acadêmicos.

UESC Pedagogia 61
Antropologia e Educação Diferença e diversidade: o elogio da alteridade

RESUMINDO A UNIDADE II

Na tentativa de definição do conceito de Cultura, por volta do século


XIX, o pensamento social europeu deflagrou esforços para as construções
teóricas e metodológicas que, mais tarde, colocariam a Antropologia e
a Educação no campo das ciências sociais. São considerados autores de
origem da Antropologia: Lewis Henry Morgan (com a obra Ancient Society
de 1877); Edward Burnett Tylor (autor de Primitive Culture, de 1871) e Sir
James Frazer (autor de The Golden Bough, 1890). Estes autores contribuíram
para a formação do primeiro campo teórico da Antropologia conhecido como:
evolucionismo cultural. Na Educação, devemos a Comênio e Rousseau as
primeiras orientações para o tratamento filosófico da formação humana de um
ponto de vista da cultura.
Com o advento da Etnografia, no início do século XX, pensar a cultura
deixa de ser um trabalho de gabinete. Os primeiros antropólogos de campo
passam a conviver com nativos de outras culturas. A partir desta mudança de
rumos, derivam diversas escolas do pensamento antropológico: o estruturalismo
cultural, o funcionalismo, o estrutural-funcionalismo e o personalismo cultural
destacam-se entre as principais tendências da abordagem antropológica da
cultura. Ver o mundo através dos outros se constitui no primeiro passo para a
aproximação dos antropólogos com outros povos.
A capacidade de tornar o estranhamento com as diferenças culturais
e pensar a humanidade como um complexo de diversas culturas, introduziu a
alteridade como um princípio teórico e metodológico do trabalho de campo.
Além de ver o mundo através dos outros, os antropólogos procuram pensar
a cultura através das múltiplas perspectivas que situam os povos estudados
dentro dos seus modelos organizacionais de vida social.
No Brasil, as contribuições teóricas de Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire
introduziram a cultura como dimensão básica da formação humana. Devemos
a estes autores a preocupação com a contextualização das práticas de ensino
e aprendizagem nos processos educativos.
À medida que se desenvolvem novas reflexões sobre a cultura,
Antropologia e Educação aprofundam suas relações interdisciplinares,
avançando na construção de novos paradigmas de pensamento.

62 Módulo 2 I Volume 1 EAD


COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed, 2005.

CORALINA, Cora. A Escola da Mestra Silvina. In: Poemas dos Becos


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Oliveira. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

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KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Trad. de Mirtes

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Frange de Oliveira Pinheiros. Bauru: EDUSC, 2002.

Seção
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Chauvel. São Paulo: Brasiliense, 2002.

Unidade II
___________________. A descrição etnográfica. Trad. de João
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PINTO, Álvaro. Sete lições de educação de jovens e adultos. São


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ROCHA, Everardo P. G. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense,


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Brasiliense, 1984.

SACKS, Oliver. Um antropólogo em marte. Trad. de Bernardo


Carvalho. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.

UESC Pedagogia 63
Suas anotações

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