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Atas do XV Simpósio Nacional de Ensino de Física

CO-1-016

As Relações com os Saberes nas Situações Didáticas e


os Obstáculos à Aprendizagem♦
Elio Carlos Ricardoa [elio_ricardo@hotmail.com]
a
PPGECT – UFSC

I. Introdução
No início de uma relação didática há uma certa expectativa por parte dos alunos em relação ao
professor e deste em relação aos alunos. E, embora exista um saber a ensinar bem definido nos programas
de ensino, cada um dos sujeitos possui uma relação privada com os saberes.
Nessa fase inicial, os alunos mantêm uma relação com os saberes fortemente aportada em suas
concepções, opiniões ou impressões pessoais. Isso não pode ser ignorado pelo professor que pretende
“colocar o aluno em jogo” na construção do conhecimento científico, ou seja, modificar suas relações
com os saberes ao término de uma situação didática. Entretanto, outras variáveis estão presentes
nesse contexto: o professor com suas concepções, o aluno com suas relações com os saberes, como
indivíduo e como grupo-classe, e o saber a ensinar que passou por uma transposição didática. Essas
interações funcionais são dinâmicas e se constituem no motor da relação didática, a qual está inserida
no espaço-tempo escolar. Mas, há também uma dimensão temporal longa para essa relação, que é a
situação não-didática, onde o aluno mantém suas relações com os saberes independentemente do
professor.
Essas variáveis precisam ser consideradas no momento da negociação do contrato didático,
que estabelece as responsabilidades recíprocas entre professor e aluno/alunos, a fim de que ocorra
uma ampliação do diálogo entre as múltiplas relações com os saberes. Nesse momento, as concepções
alternativas, ou as representações, dos alunos se manifestam e o professor pode balizar suas escolhas
didáticas a partir da noção de objetivo-obstáculo, seguindo as etapas de: localização, confrontação
(fissura) e superação dos obstáculos à aprendizagem. Ao que parece, existe uma estreita relação
entre as representações dos alunos e os obstáculos à aprendizagem, sendo estes últimos resistentes à
mudanças.
Assim, a negociação do contrato terá que prever a devolução e a contra-devolução didática,
as quais exercerão papel importante na etapa de confrontação dos obstáculos, ocasião em que terão
lugar os conflitos sociocognitivos ou a desestabilização conceitual. Já na última etapa, pretende-se
que o aluno construa instrumentos conceituais para mobilizá-los em outros contextos, em situações
não-didáticas, o que se aproxima de uma perspectiva de ensino por competências. Todavia, ao mesmo
tempo em que essas relações com os saberes serão colocadas em confronto com os saberes científicos,
o aluno ainda não dispõe desses últimos no início de uma situação didática.
Desse modo, busca-se argumentar que uma das possibilidades de abordagem das concepções
alternativas, ou representações, com vistas à superação de obstáculos à aprendizagem, seria articular com
a etapa da localização a problematização dos assuntos a ensinar, não tendo como único ponto de partida
o conhecimento científico, mas a realidade vivida pelo aluno, a fim de provocar nele a necessidade de
obter um conhecimento que ainda não tem.

♦ APOIO: CAPES

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II. As relações com os saberes


Em sentido restrito, uma relação didática se estabelece em um contexto em que há um projeto de
ensino e é constituída pela interação entre o professor, o aluno e o saber. Além disso, conforme Jonnaert
(1996), está inserida em um espaço e um tempo bem definidos: o escolar. E, para toda a relação didática
se dará um contrato didático.
Tanto a relação didática como o contrato didático decorrente são de curta duração. Entretanto, ao
mesmo tempo em que a relação didática é perecível, procura inserir o aluno em um processo de construção
do conhecimento que transcende o espaço-tempo escolar. Ou seja, espera-se que o aluno continue sua
relação com os saberes para além da sala de aula. Nesse caso, a relação se dá com saberes, no plural,
porque naquela visão restrita da relação didática supõe-se que haveria um único saber de referência em
jogo, resultado de uma transposição didática.
Desse modo, a visão reduzida da relação didática como sendo a relação ternária entre o professor,
o aluno e o saber esconde um conjunto de variáveis estabelecidas pelo professor, pelo aluno enquanto
indivíduo e alunos enquanto grupo-classe, e pelo objeto de ensino e sua transposição didática (Jonnaert,
1996). Ademais, as múltiplas relações com os saberes tornam a relação didática dinâmica e o saber de
referência é confrontado, questionado e julgado por outros saberes que se transformam durante o processo
(Johsua, 1996). Tais relações pessoais com os saberes variam de professor para professor, de aluno para
aluno e de classe para classe, o que implica a inexistência de um contrato didático padrão ou de um saber
padrão, mesmo que se tenha um saber a ensinar único, produto de uma mesma transposição didática,
presente no programa de ensino.
No interior de cada sala de aula, as relações com os saberes são específicas. Ignorar essas relações
particulares com os saberes, estreitamente relacionadas com as concepções alternativas dos alunos, implica
desconsiderar os desvios entre o que se ensina e o que se supõe que esse aluno aprende, correndo-se o
risco de reforçar obstáculos à aprendizagem. Além disso, há uma assimetria entre professor e alunos
nessas relações com os saberes e também nas atribuições de cada um no seio da relação didática. O
professor norteará suas escolhas didáticas a partir de uma expectativa pessoal da classe e ele sabe o que
pretende ensinar para seus alunos, tendo, portanto, um domínio do futuro. “O aluno pode aprender; o
professor pode saber o que o aluno pode aprender” (Chevallard, 1991, p.82)1.
Essa assimetria não é apenas quantitativa, mas ainda qualitativa, pois professor e alunos não dispõem
do mesmo conjunto de significações e ela acaba sendo a razão de ser da relação didática, já que esta terá
como função o desenvolvimento das relações com os saberes. Assim como as relações com os saberes se
alteram, também os papeis de cada um se modificam. E, no interior do contrato didático estabelecido, que
comporta o conjunto de responsabilidades recíprocas, explícitas e implícitas, entre professor e aluno/
alunos frente ao saber, há uma dimensão paradoxal: diante de uma situação-problema o professor não
pode explicitar tudo ao aluno, pois tira deste a oportunidade de aprender. Por outro lado, se o aluno não
consegue livrar-se da situação com os instrumentos que tem, o professor terá que aceitar a contra-devolução
do problema por parte do aluno (Jonnaert, 1996; Silva, 1999; Slongo, 2001).
Ao gerenciar esse paradoxo o professor poderá rever as regras estabelecidas e desencadear uma
ruptura didática do contrato (Jonnaert, 1996), ou uma perturbação do contrato (Slongo, 2001), a fim de
recolocar o aluno em seu ritmo de aprendizagem. Esse quadro complexo da relação didática e do contrato
didático aponta para uma dupla dimensão temporal da relação didática: uma curta e uma longa. Na dimensão
temporal curta, o alunos ainda mantêm uma relação precária com os saberes a ensinar e sofrem seguidos
confrontos com suas concepções alternativas. Em outra dimensão temporal longa, a situação didática
estará mais sob o controle do aluno e relacionada à psicogênese da aquisição do conhecimento. Esse
contexto ultrapassa o espaço-tempo escolar e sugere que a relação didática deve ser entendida em um
sentido mais amplo que aquele da relação entre professor, aluno e saber restrita à sala de aula.
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Ao diferenciar as situações didáticas em três níveis, Brousseau (1986) já apontava pare essa
perspectiva de ampliação da relação didática: as situações didática, a-didática e não-didática. As duas
primeiras se encontram no tempo curto da relação didática e as atividades empreendidas estão sob o
controle do professor. As intenções de ensinar são bem claras. Na situação a-didática o aluno começa a se
movimentar por sua conta em relação aos saberes, ainda dentro de uma mesma disciplina, utilizando-se de
conhecimentos anteriores. A situação não-didática ocorre no tempo longo da psicogênese do conhecimento
e “a relação do aluno com o saber é independente da relação do mestre com o saber” (Jonnaert, 1996,
p.130). Ocorre a tentativa de inferências em novos contextos.
Além das múltiplas relações com os saberes presentes em uma relação didática, no momento da
negociação do contrato didático, dois outros elementos precisam ser considerados: o que fica implícito e
a divisão de responsabilidades. As “cláusulas” implícitas do contrato são o motor da relação didática e não
é possível explicitar tudo; as relações privadas com os saberes, por exemplo, são de difícil acesso. O que
a negociação do contrato procura fazer é equilibrar o implícito e o explícito, ampliando o diálogo entre as
famílias de variáveis do professor, do aluno/alunos e do saber. Nessa ampliação, busca-se reduzir as áreas
de riscos que podem ocorrer se cada uma das partes, professor e aluno, se isolarem em suas relações com
os saberes.
O confronto entre esses saberes e o conflito entre as regras implícitas e explícitas podem gerar uma
ruptura didática do contrato, o que Brousseau (1986) chama de a devolução versus a contra-devolução
didática. Na devolução didática o professor transfere para o aluno a responsabilidade da construção do
conhecimento e procura gerenciar o paradoxo citado anteriormente. Todavia, essa transferência terá que
ser aceita pelo aluno. E, no momento em que se der o limite dessa devolução, ou seja, quando o aluno não
conseguir se desvencilhar da situação-problema com as “ferramentas” de que dispõe, reclama a contra-
devolução. Desse modo, uma situação didática se dará em um contexto em que um projeto de ensino
encontre um projeto de aprendizagem correspondente, pois tais decisões não podem partir unicamente do
professor. Essa seria uma visão mais ampla da relação didática.

III. Obstáculos à aprendizagem


Ao ignorar a existência de múltiplos saberes em uma situação didática e a precária relação que os
alunos têm com os saberes a ensinar no momento inicial do tempo curto da relação didática, corre-se o
risco de subestimar as representações e as concepções alternativas desses alunos, ou ainda da permanência
de verdadeiros obstáculos à aprendizagem que poderão se manifestar em outras situações.
O conflito cognitivo de tais representações com os conhecimentos científicos que a escola pretende
ensinar terão que resultar positivamente, conforme Astolfi (1988), para que não se tornem apenas aquisições
verbais e temporais, pois, do contrário, o saber científico é abandonado diante de situações extra-classe.
Os alunos não vêm utilidade ou eficácia nos conceitos que lhes são ensinados, porque freqüentemente se
ensina o “produto”, dissociado do processo de sua construção, de modo que esses conceitos perdem o
caráter problemático original (Astolfi, 1993).
Tanto as representações como as concepções estão ligadas ao contexto da aquisição do
conhecimento, usualmente na literatura aquelas parecem ter um caráter mais coletivo, enquanto que estas
mais subjetivo. Ao mesmo tempo em que seria importante considerar a função epistemológica inicial dos
conceitos científicos e colocá-los em conflito com o senso comum, é preciso considerar um duplo status
das representações dos alunos. Conforme Astolfi (1994), um primeiro status para as representações seria
o de um distanciamento do saber científico, ou seja, o contraponto ao que se pretende ensinar. Todavia,
essas representações funcionam para o aluno se relacionar com o mundo sendo, portanto, resistentes.
Desse modo, elas não se opõem ao projeto de ensino, mas se situam no centro do que o professor pretende:
a transformação dessas relações com os saberes. Esse seria um outro status.
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Entretanto, tal empreendimento não é tarefa fácil. As representações estão ligadas aos obstáculos
à aprendizagem, que podem estar no campo lingüístico, lógico e epistemológico (Astolfi, 1988) e têm um
“núcleo duro” resistente. Ao falar sobre os obstáculos, esse autor alerta que “não se trata somente de que
os alunos pensem de forma diferente e que se possa identificar sua lógica cognitiva alternativa, senão
sobretudo de que existe certa necessidade de manter este sistema de pensamento” (Astolfi, 1994, p.207).
O abandono das representações pelos alunos pode resultar em uma incerteza, pois os verdadeiros obstáculos
permanecem e podem se manifestar na forma de outras representações.
Ao tratar os obstáculos com o status de distanciamento do saber científico, corre-se o perigo de
ampliar a área de risco citada anteriormente no momento da relação entre o professor, o aluno e o saber a
ensinar. Ou seja, parece haver um diálogo isolado entre cada um dos integrantes da relação didática.
Enquanto o professor vê o obstáculo como oposição ao conceito que se pretende ensinar e insiste nos
assuntos que dependem em boa parte da compreensão de tais conceitos, para o aluno esses obstáculos
continuam sendo ferramentas intelectuais que funcionam e fazem com que se conserve uma rede de noções
associadas que explicam a resistência do obstáculo.
Ao mesmo tempo em que as representações terão que ser identificadas, também os saberes científicos
que elas impedem de se compreender precisam ser consideradas, passando-se a escolher estratégias e seqüências
didáticas que dêem condições para que haja a superação desses obstáculos. “Isso será o que irá caracterizar
uma seqüência construída em torno da superação de um obstáculo, por oposição a outra, organizada em
torno de uma simples aquisição de saber” (Astolfi, 1994, p.211). Entretanto, tanto os obstáculos podem
resultar em mais de uma representação, como o inverso. Esse fato coloca o professor diante de um outro
paradoxo: se os obstáculos forem tratados pontualmente, corre-se o risco de atacar manifestações isoladas,
sem que os alunos percebam a manifestação desse mesmo obstáculo em outras situações. De outro modo, se
os obstáculos forem trabalhados mais globalmente, será preciso assegurar-se de que haverá uma transferência
efetiva de sua aprendizagem em situações particulares (Astolfi, 1993). Uma possibilidade de tratar didaticamente
tal paradoxo é a noção de objetivo-obstáculo.

IV. A noção de objetivo-obstáculo e a problematização


A literatura especializada trata já há algum tempo das representações dos alunos. Vários exemplos
estão registrados, tais como: a relação entre força e velocidade, a associação da gravidade com a existência
da atmosfera, “ação” maior que a “reação” quando um sistema composto por dois corpos em interação está
em movimento (Zylbersztajn, 1983), concepções sobre a corrente elétrica, sobre calor e temperatura e outros.
Algumas dessas representações podem estar sustentadas por um obstáculo mais profundo, como um raciocínio
linear causal para a questão da força e da eletricidade, o que estaria no campo lógico (Astolfi, 1988).
Entretanto, a identificação dessas representações parece não ser suficiente para a superação dos
obstáculos, ou seja, para que o aluno modifique sua relação com os saberes ao final de uma relação
didática. Para tratar didaticamente esses obstáculos, o professor teria que considerar as representações
como ocupando o mesmo “nicho” que os saberes científicos que se pretende ensinar. Assim, a superação
de tais obstáculos se tornaria o verdadeiro objetivo a ser alcançado pela educação científica: é a noção de
objetivo-obstáculo, proposta por Jean-Louis Martinand e citado por Astolfi (1988, 1993, 1994), o qual
acrescenta que “se os obstáculos encontrados têm uma significação profunda em relação às aprendizagens
que se pretende obter, são precisamente esses obstáculos que teriam que ser estabelecidos em primeiro
lugar para definir os autênticos objetivos” (Astolfi, 1994, p.211). O autor ressalta ainda que o que se
pretende é traçar um diagnóstico dos obstáculos possíveis de serem superados e a partir disso estabelecer
estratégias e seqüências didáticas adequadas.
Nessa perspectiva, haveria três etapas de tratamento didático dos obstáculos: a localização, a
confrontação (fissura) e a superação. Na etapa da localização, ocorreria a tomada de consciência pelo
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aluno dessa relação implícita com os saberes, já que as representações são freqüentemente automatizadas
e possibilita uma certa comodidade intelectual. “(...) é necessário completar a analogia desportiva com a
do salto em altura, dado que, nesse caso, o problema não consiste tanto em ‘saltar’ o obstáculo como em
aprender a vê-lo e evitá-lo” (Astolfi, 1994, p.213). Todavia, essa etapa é insuficiente e, mesmo se utilizando
de estratégias metodológicas que permitam a emergência dessas representações em uma classe de alunos,
algumas relações com os saberes são de difícil acesso.
A segunda etapa é a confrontação, a fissura, do obstáculo, na qual se dá uma desestabilização
conceitual, possibilitando um conflito sociocognitivo, conforme a concepção de Piaget. Nessa oportunidade
se dá o conflito, o confronto, entre as múltiplas relações com os saberes presentes em uma situação
didática e o saber a ensinar. A confrontação dessas representações no grupo-classe é uma das modalidades
mais freqüentes de abordagem, desde que o projeto de ensino encontre por parte do(s) aluno/alunos um
projeto de aprendizagem correspondente, conforme foi tratado anteriormente. Na primeira e segunda
etapas está em jogo a devolução versus a contra-devolução didática, dentro do contexto do tempo curto
da relação didática, na qual o professor tem controle da situação.
Na terceira etapa, a da superação do obstáculo, há necessidade de se dispor de “um modelo
explicativo alternativo, que ademais seja mentalmente satisfatório” (Astolfi, 1994, p.214). Esse autor
alerta que apesar do esforço em propor um novo modelo, sua interiorização pelo aluno escapa do controle
do professor. E, salienta a atualidade dos trabalhos de Vygotski, o qual “insistiu no papel central da
linguagem interior para transformar em uma aprendizagem pessoal o que em um primeiro momento
constitui um êxito de caráter social: segundo ele [Vygotski], é necessário tornar possível a passagem do
interpsíquico ao intrapsíquico” (Idem). O início do processo está sob o controle do professor, ou seja, o
de “por o aluno em jogo” na relação didática, mas a construção de novas ferramentas conceituais que
possam ser mobilizadas em outros contextos estará inserida no tempo longo da psicogênese da aquisição
do conhecimento; em uma situação não-didática.
Essa terceira etapa poderia ser subdividida em duas: a reestruturação de um novo conceito e a
automatização de seu uso, tornando-se ferramenta conceitual. A localização, a fissura (conflito cognitivo),
a tomada de consciência da representação e a reconstrução do modelo substitutivo ocorrem em um ambiente
de interações sociais; o da devolução didática. Entretanto, a automatização e, portanto, a disponibilidade
cômoda de novas ferramentas intelectuais mobilizáveis em outras situações ocorrem como atividade
individual, para além do espaço-tempo escolar. A seqüência das etapas não é fechada, permitindo
flexibilidade, e a noção de objetivo-obstáculo teria a função de oferecer aos professores indicadores possíveis
para gerenciar as dificuldades de aprendizagem dos alunos e para auxiliar nas escolhas didáticas mais
adequadas em detrimento de um programa por objetivos demasiado extenso.
Além disso, a concepção de ciência e de ensino de ciência do docente têm influência no tratamento
das representações dos alunos. Se os conceitos científicos são apresentados de modo que a realidade tenha
que se adequar ao modelo, e não o inverso (Colombo, 1988), corre-se o risco de gerar no aluno “uma
atitude dual: há uma física cujas leis se aplicam na classe, laboratórios, respostas de exames, situações
acadêmicas em geral, mas que não funcionam frente aos fenômenos da realidade cotidiana” (Idem, p.157).
Outra consideração a ser feita é que, além das múltiplas relações com os saberes presentes em uma
situação didática, o aluno não tem ainda uma relação com os saberes científicos, ou paradigmáticos (física,
química, biologia), no momento inicial de um projeto de ensino. Se a tem, é precária. Desse modo, qualquer
tentativa de explorar didaticamente suas representações a partir desse conhecimento corre o risco de se
apoiar no vazio e simplesmente refutar as primeiras impressões sem, contudo, haver uma continuidade em
direção à superação dos possíveis obstáculos. Para proporcionar um conflito sociocognitivo que tenha
sentido para o aluno é preciso problematizar, não a partir do saber científico, mas de suas impressões e
representações dentro de um contexto em que o aluno se veja diante de uma necessidade de aprender. “A
essência do problema é a necessidade” (Saviani, 1996, p.14).
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Mais do que obter informações sobre as representações dos alunos, o professor teria que buscar
conhecer seu processo de construção, ou seja, compreender seu “referencial”. Conforme Delizoicov (1991),
os questionamentos sobre as representações dos alunos teriam que ser articuladas, ou precedidas, por
questões do tipo: “Que necessidade(s) levou(aram) os alunos a conceberem tal conceito? O que os
alunos querem ‘explicar com os conceitos que estão usando’?” (Idem, p.124). E, complementa ressaltando
que uma problematização se consolida quando o aluno sente a necessidade de adquirir conhecimentos que
ainda não possui. Dito de outro modo: “(...) uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo
aquela cuja resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer,
eis aí um problema” (Saviani, 1996, p.14).
Esse confronto com a realidade vivida, com as relações com os saberes, é que será o motor da
modificação dessas relações ao término de uma situação didática, o que não coincide com o término das
relações com os saberes, ao contrário, possibilitará ao aluno manter tais relações, transformando-as, no
tempo longo da aquisição do conhecimento; em uma situação não-didática.

V. Considerações finais
As múltiplas variáveis, entre elas as relações com os saberes, e a assimetria presentes em uma
relação didática são a garantia do seu dinamismo. Todavia, ignorar que nesse contexto existem mais
saberes em jogo que aquele do programa de ensino é correr o risco de manter uma atitude dual no aluno:
uma ciência para a sala de aula e uma ciência do cotidiano. Isso pode resultar na permanência das
representações, ou concepções alternativas, desses alunos mesmo depois do tempo escolar.
Além disso, ao mesmo tempo em que o professor poderá se ocupar didaticamente desses possíveis
obstáculos à aprendizagem em uma ralação didática (tempo curto), haverá uma outra etapa da construção do
conhecimento que terá o aluno como principal responsável (tempo longo), em que se espera que os novos
conceitos e modelos adquiram o status de ferramentas intelectuais que possam ser mobilizadas em novos
contextos. Essa perspectiva longa da relação didática se aproxima da concepção de um ensino por competências,
no qual se pretende que o aluno esteja em condições de mobilizar, gerenciar, integrar seus recursos cognitivos,
entre eles o conhecimento, e possa inferir soluções diante de determinada situação-problema (Perrenoud, 1999).
Para isso, a negociação do contrato didático terá que contemplar um permanente diálogo entre
professor, aluno/alunos e saberes, a fim de equilibrar entre o implícito e o explícito e dividir as
responsabilidades, já que o aluno é que terá que superar os obstáculos à aprendizagem. No entanto, ele
ainda não tem as ferramentas intelectuais necessárias, precisando da mediação do professor, o que não
poderá substituir, por outro lado, a atividade intelectual do aluno (Astolfi, 1993).
Com as idéias aqui articuladas e discutidas espera-se ampliar o debate sobre as concepções alternativas,
e/ou representações, e sua relação com os obstáculos à aprendizagem em um contexto de múltiplas relações
com os saberes: a situação didática. Pretende-se aprofundar tais assuntos em trabalhos futuros.

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1
as traduções presentes no texto são de responsabilidade do autor.

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