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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

FACULDADE DE CIENCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
DISCIPLINA: Teoria Antropológica II
DISCENTE: MATEUS HENRIQUE ZOTTI MAAS

ATIVIDADE AVALIATIVA
Questão Primeira. Tomando como base o trabalho teórico de Clifford Geertz (1989, 2009,
2012) apresente as contribuições da perspectiva hermenêutica para o pensamento
antropológico.
Clifford Geertz escreve em um contexto intelectual de uma grande revisão crítica dos
paradigmas que sustentaram a disciplina, que convencionou-se chamar de crise pós-moderna.
Essa revisão crítica perpassa todas as humanidades e até mesmo as “hard ciencies” (a exemplo
do trabalho do físico Thomas Kunh sobre a construção paradigmática das ciências físicas), nela
são expostas as limitações e as insuficiências da apreensão racional e naturalista do mundo,
diante de um contexto em que proliferam guerras mundiais, bombas atômicas, colonialismos.
Cataclismos, senão sustentados, ao menos perpassados pelo alçamento da razão instrumental
como único discurso possível sobre o mundo, única forma de apreender a “verdadeira”
realidade/natureza das coisas. Em antropologia essa crítica incidiu diretamente sobre o trabalho
de campo etnográfico, o que pôde se observar os seminários de James Clifford e Marcus (1986).
Autores pós-modernos criticaram na etnografia clássica seu caráter á-histórico. O estilo
de escrita etnográfico, baseado na ficção do “presente etnográfico”, da unidade cultural dos
grupos estudados, em nenhum momento trouxe a cena, ou dedicou algumas considerações a
respeito do contexto colonial no qual obviamente o trabalho do antropólogo se inseria. A
objetividade no estilo “eu estive lá” logo tenho autoridade para escrever sobre tal povo, deixa
de considerar uma série de consequências do encontro intersubjetivo (GEERTZ, 2009).
Geertz (1989, 2009, 2012) leva a sério as críticas pós-modernas mas sem deixar-se levar
pelo que chama de hipocondria epistemológica. Lamenta aqueles etnógrafos que se perdem na
possibilidade ou não de uma apreensão subjetiva quase mística do “outro”, ou aqueles
antropólogos que abandonam a etnografia. Diante de todas essas questões oferece a perspectiva
de uma antropologia auto-reflexiva, consciente de suas limitações, mas que não abandona a
busca da objetividade. A Antropologia, como toda ciência humana, é constituída por um duplo
aspecto, ao mesmo tempo que se propõe a uma investigação distanciada, explicativa, de seu
objeto de estudo: o Homem, compartilha com ele a mesma condição: ser Humano, o que implica
em uma relação biográfica com ele, questão que Weber já havia destacado há algum tempo.
Retomando Weber, e todo o paradigma hermenêutico compreensivo, o autor desloca o
eixo da objetividade do trabalho etnográfico da coleta de dados, da abundancia deles na
etnografia, ou do “estar lá”, para a própria escrita, para a construção do discurso antropológico.
É na escrita que o antropólogo vai se situar, e mais ou menos buscar equilibrar duas atitudes
centrais no pensamento hermêutico: Uma abordagem de dentro, própria do trabalho
etnográfico, fenomenológica, apreendendo as formas êmicas, os constructos nativos
explicitados em símbolos públicos; Outra de fora, objetiva, através de uma experiência distante
situada na comunidade científica e seu regime próprio de enunciação possibilitando construções
teóricas (GEERTZ, 2012, p. 86-87).
Através da articulação destes dois movimentos do pensamento, saltando continuamente
de uma visão de totalidade através das várias partes a compõem, para uma visão das partes
através da totalidade, Geertz (2012) articula a continuidade de uma tradição de conhecimento e
seu comprometimento com a objetividade, levando em conta as especificidades que o
constituem: a subjetividade do ser que conhece e do conhecido, ambos partícipes irredutíveis
da relação intersubjetiva que compõe o trabalho antropológico. A hermenêutica e a pós-
modernidade em antropologia, escreve Roberto Cardoso de Oliveira (2005), não podem nem
sequer ser caracterizadas como uma crise epistemológica da disciplina, pois não impõe o fim
das outras formas de discurso antropológico como as tradições mais explicativas e racionalistas
do estruturalismos francês, mas vem para “enxertar” vigor na disciplina, com uma boa dose de
reflexividade e compreensão, tornando o trabalho do antropólogo, a escrita, mais consciente de
si mesma.
Questão Segunda. A partir de Sahlins (2003, 2003ª) e Sherry Ortner (2011), quais os desafios
apresentados no pensamento antropológico por uma teoria da prática?
Enquanto pensava na redação desta avaliação, relendo minhas anotações sobre os textos
de Sahlins (2003, 2003ª), uma nota me chamou atenção. Nela me perguntava o por quê os rituais
religiosos que estudo, estabelecidos por um ritmo cadenciado, fixados em um calendário ritual
anual, onde se repetem as formas ad infinitum, transbordam sentidos e significados sempre
novos e diversos, sem ser sempre o mais do mesmo, mesmo o sendo. Peço cá licença para
desdobrar esta pequena nota etnográfica e quiçá esboçar uma pouco da importância de uma
teoria da prática na antropologia.
Sahlins, em Ilhas de História (2003) assume a tarefa de articular a análise estruturalista
com uma digressão histórica buscando romper a antinomia existente entre essas duas formas de
análise. Para o autor a história, uma contingência incessante de fatos, só pode ser apreendida a
partir de uma estrutura simbólica que a antecede e estabelece os padrões a partir dos quais tais
fatos serão percebidos, esse foi o grande feito da antropologia clássica, diz assim a máxima
Boasiana: o olho que vê é o órgão da tradição. Por outro lado, a cultura também é histórica, já
que as estruturas simbólicas só existem na medida que são postas em prática para dar
significação aos fatos. Nesse movimento as categorias culturais são testatadas diante de uma
contingência de fatos transbordantes, o que o autor chama de “risco da ação cultural”. Dessa
forma o problema central para Sahlins (2003a), e para uma teoria antropológica da prática é: “o
da relação entre conceitos culturais e experiência humana, o problema da referência simbólica
de como conceitos culturais são utilizados de forma ativa para engajar o mundo (SHALINS,
2003a)”. A questão é explorada pelo autor recorrendo a linguística estrutural tendo em vista o
processo de articulação de uma estrutura simbólica que geradora de significados diante de fatos
potencialmente significantes.
Os rituais do Santo Daime giram entorno do consumo coletivo de uma bebida psicoativa
que leva o mesmo nome do culto, referida em outros contextos como ayahuasca, bebida
amplamente difundida entre os povos indígenas do alto Rio Negro e da América andina. Dentre
os vários rituais do Santo Daime são os trabalhos1 de Hinário, e de Concentração os referidos
nesta nota.
Nos primeiros, os trabalhos de hinário, a atitude central é a extroversão, são os festejos
dos dias santos: São João, Natal, Pascoa, Sexta-Feira-santa. Neles são cantados conjuntos de
hinos, os hinários, dos fundadores e primeiros integrantes da religião. Cada data possui um

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Forma de se referir aos rituais do Santo Daime
hinário correspondente. É o calendário ritual, repetido ano a ano. O que faz com estes trabalhos
não sejam somente repetição do mesmo? A resposta pode estar justamente na disjunção entre
estrutura e história, e no processo minucioso de referência simbólica, mediado neste caso pelo
transe extático. Os fatos com os quais a estrutura ritual é posta em relação exigem um esforço
continuo de interpretação, de colar significado estrutural aos significantes. A lógica deste tipo
de trabalho está intimamente associada ao estabelecimento de um discurso significante, através
do estabelecimento do discurso mítico contido no hinário em uma realidade imediata, por isso
eficaz. A construção da eficácia aí tem lá seus meandros, não se dá de forma automática,
envolve, pelo contrário uma série de técnicas do êxtase2 mais ou menos conscientes
responsáveis por tornar as palavras em mensagens significativas, signos potencializadas, postos
diante dos fatos com os quais um ritual religioso lida: também a dor e alegria a dúvida e a
certeza, o amor e o ódio, mas principalmente o caos e o perigo da falta de significação.
No segundo ritual, pelo contrário, a atitude que prevalece é a introversão, nas
concentrações o objetivo é calar, silenciar a mente e deixar-se absorver pelo transe provocado
pela bebida. A concentração envolve um esforço consciente de estabelecer uma significação a
partir do cosmos, da totalidade expressas em visões chamadas de miração. Esta forma de transe
está envolvido por uma gradação, e uma articulação especifica entre sujeito e objeto, mente
individual e cosmos coletivo. Nele entre aspectos superficiais próprios ao domínio da mente
individual são tidos como inferiores e empencilhos para experiência extática. O objetivo é
deixar a mente individual afim de ser absorvido pela mente cósmica manifestação do reino
celestial e os seres espirituais que o compõe. O silenciar, atitude que prevalece nos trabalhos
de concentração, é uma forma de refinar o processo de referenciamento simbólico através da
supressão da mente individual e abertura para tipo de referência mais ampla característico das
mirações onde objeto, neste caso as imagens, sons, cheiros, espaços místicos, absorvem o
sujeito. O extase aí é um acesso “dirigido”, treinado, a dimensão inconsciente, não alcançada
nos estados ordinários de consciência.
Nos rituais do Santo Daime o êxtase pode ser interpretado como uma abertura
circunstancial ao processo de significação. As técnicas do êxtase como dietas alimentares e
sexuais, a execução melódica dos hinos, práticas corporais de devoção, dor, alegria, entusiasmo
e concentração, todas competem para o estabelecimento do êxtase, mas não de um êxtase

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Entre essas técnicas que possibilitam um êxtase eficaz estão: dietas alimentares que envolvem restrições de
carne, bebidas alcoolicas, sal e outros condimentos nos dias que antecedem os trabalhos; dietas sexuais, e
principalmente uma vigília continua dos pensamentos e ações cotidianas, vistas como diretamente na eficácia
ritual. Durante o ritual a execução harmônica do canto, das melodias em violões, acordeão, maracás, bailado,
também competem para a formação de uma discurso significativo e eficaz.
qualquer, mas um êxtase dirigido entorno de uma estruturação simbólica. Dessa forma o esforço
é sempre colar as referências simbólicas dadas aos fatos sempre contingentes. A escassez do
tempo e de espaço, tendo em vista a brevidade desta nota, me separam de uma descrição mais
acertada acerca das estruturas simbólicas no Santo Daime e sua articulação ritual prática. Mas
para mim está claro que uma descrição que se debruçasse apenas sobre a estrutura simbólica,
correria o risco de tomar a rítmica ritual como reprodução do igual, como o mais do mesmo,
sem perceber que mesmo a reprodução envolve um esforço continuo de referênciamento diante
da contingencia dos fatos. Envolve um esforço contínuo de controle sobre o corpo e a mente
para possibilitar uma estruturação simbólica efetiva envolve. A contingência de fatos é o
alimento do sistema mítico, base para a construção de novos significados que se inscrevem na
prática ritual e cotidiana.
Questão Terceira. Como se articulam na antropologia contemporânea a tríade: feminismo,
pós-colonialismos e críticas pós-modernas?
O principal ponto por onde se pode articular a crítica pós-moderna, o feminismo e o
pós-colonialismo é a desconstrução do Homem moderno, no sentido que Foucault atribui a ele
em As Palavras e as Coisas (1973), o Homem enquanto sujeito e condição epistemica de
conhecimento, e enquanto objeto de estudo. Em antropologia essas correntes se voltaram para
a constituição de regimes enunciativos levando em conta, e eis aí outro grande eixo que une os
programas dessas três vertentes, as relações de poder, os silenciamentos, e a essencialização de
sujeitos.
A crítica pós-moderna em antropologia dedicou-se a uma crítica da retórica etnográfica.
A etnografia como método de pesquisa próprio da antropologia carrega uma vocação empírica
um tanto presunçosa para estes autores, pois acredita que pode construir um retrato fidedigno
de um real, que para estes autores, só existe enquanto ficção do próprio pensamento
antropológico (WAGNER, 2010). Através de uma descrição sincrônica, do “presente
etnográfico”, as etnografias clássicas des-historicizaram seus nativos de sua própria história e
do contexto político de contato colonial, contexto no qual os antropólogos estavam intimamente
envolvidos (CLIFFORD, 2002). Segundo Marcus (1994) a crítica pós-moderna dedicou mais
tempo a revisão das etnografias clássicas do que a proposição de novos paradigmas. O que a
crítica pós-moderna instaura é o domínio da metalinguagem na antropologia, uma reflexão
contínua sobre suas próprias práticas.
Neste sentido, Eduardo Restrepo e Arturo Escobar (2004), autores posicionados em uma
retórica pós-colonial, propõem uma antropologia da antropologia, afim de situar as condições
da produção do conhecimento antropológico. Isso porque o discurso antropológico clássico, a
antropologia estadunidense, francesa e inglesa, estabelece-se como disciplina, no sentido do
limite do “pensável” e do “dizível” assim como uma série de práticas acadêmicas pelas quais o
conhecimento é produzido, circulado e consumido que se pretendem universais. Através desta
mirada autocrítica das práticas antropológicas os autores pretendem ampliar os limites do
conhecimento antropológico. A partir de antropologias feitas nos mais diversos contextos do
mundo, por atores diversos, e segundo uma configuração política especifica, se constituem
epistemologias e práticas idiossincráticas que não cabem nos cânones das antropologias
clássicas. Essas outras antropologias requerem um marco mais amplo de conhecimento, são
“antropologías en el mundo”, situadas localmente, mas articuladas mundialmente segundo
relações de poder.
Os autores citam Foucault (1973) de “As Palavras e as Coisas” para caracterizar a
constituição complexa da antropologia surgida em meados do século XVIII: A antropologia,
junto da psicanalise surge a partir da figura do “Homem” (ocidental) como fundamento de todo
conhecimento e seu sujeito privilegiado, mas ao mesmo tempo, ao confrontar esse homem com
a diferença e o inconsciente, respectivamente, antropologia e psicanalise funcionam como
contra ciências e colocam este “Homem” ocidente diante de seus limites. Quando Restrepo e
Escobar (2004) propõe a ampliação dos limites da antropologia combatendo a colonialidade
constituinte deste saber, a “ratio” moderno-ocidental; buscando a transformação das práticas e
dos regimes espistemológicos da disciplina abrindo espaço para as antropologias subalternas, é
no sentido de levar adiante o devir da antropologia de contra ciência.
Neste âmbito de crítica a “ratio” ocidental a antropologia é reinventada e apropriada
por sujeitos diversos. O feminismo enquanto movimento político é responsável por questionar
as bases epistêmicas do conhecimento antropológico canônico, a pretensa neutralidade e a
existência de implícita deste “Homem” ocidental como sujeito de conhecimento universal. Ao
mesmo tempo a antropologia, o conhecimento etnográfico do outro, logo, de relações de gênero
outras, demonstra os limites do feminismo, e da pretensa universalidade da categoria política
“mulher”. Um bom exemplo do uso da metalinguagem e da reflexividade como recurso
epistemológico é o “Gênero da Dádiva” de Marilyn Strathern (2006).
A antropologia que possuía um lócus empírico no distante, no outro essencial, é
questionada, e autores passam a fazer trabalhos antropológicos nas metrópoles. Nesse contexto
surgem novas temáticas: gênero, sexualidade, raça, etnia, nacionalidade, mais ou menos
recortadas pela discussão da identidade, das relações de poder e da hegemonia. Mas não apenas
o lócus mudou, mas também os arranjos enunciativos, o sujeito e a subjetividade passam a ter
centralidade na escrita. É isso que observamos no texto de Glória Anzalduá (2009), que não
dissocia sua atuação como antropóloga de sua condição chicana nos EUA. Neste sentido
lembranças e vivencias pessoais, poesias e músicas mestiças são articuladas em um manifesto
contra a domesticação de uma língua e de uma identidade mestiça no texto “como domar uma
língua selvagem” (2009).
Os efeitos que esses rearranjos epistêmicos causam na antropologia são múltiplos e
diversos, estão inseridos em um contínuo fluxo de rearranjo da disciplina. Captar esses novos
rearranjos através de rótulos como pós-moderno, pós-colonial, ou feminista, é apenas um
recurso enunciativo e didático que não abarca a totalidade desses movimentos. Dentre as
práticas contemporâneas discutidas na disciplina acho particularmente interessante aquelas que
dão a reflexividade um status metodológico afim de produzir um discurso mais consciente de
si e deu regime e enunciação, entre os quais podemos citar os trabalhos de Strathern () os quais
levam em conta os efeitos que conceitos e discursos produzem na análise; os trabalhos de
Viveiros de Castro (2007) com noção de equivocação entre regimes enunciativos irredutíveis;
e a escrita situada e consciente de si em Geertz (2009); a noção de “invenção” de Roy Wagner
(2010).
Questão Quarta. Quais as principais críticas apresentadas pelo pensamento antropológico
contemporâneo aos conceitos de “natureza” e “cultura”, “sociedade” e “grupos sociais”,
“humano” e “não humano”, “natural” e “artificial”? Quais as alternativas apresentadas pelos
autores?

“A Antropologia é filosofia com gente dentro” disse certa vez Tim Ingold (2012, p. 62).
Imaginem os inconvenientes de se poluir o solitário mundo dos filósofos com “objetos”
animados, falantes e pensantes em forma de “nativos”. As consequências de se colocar gente
dentro da filosofia são constituintes da questão antropológica. Quando o Homem é estabelecido
como medida do conhecimento, ao mesmo tempo sujeito que conhece e “objeto” a ser
conhecido, é estabelecido um interstício onde se insere o complexo devir das ciências humanas:
estudar o homem ao mesmo tempo em que efetua sua desconstrução. A Antropologia, junto
com a psicanalise, ocupa um lugar estratégico neste devir, diz Foucault em As Palavras e as
Coisas (1973). É um saber periférico, uma contra-ciência devota justamente ao encontro com a
diferença, com Outro, que não seja o próprio homem ocidental (FOUCAUT, 1999, p.536).
Podemos, ficcionalmente e a título explicação, separar dois momentos na empiria
antropológica, semelhante a noção de coetaneidade, como busca sincera de um entendimento
do outro, de Johanes Fabian (2013): Primeiro, um empirismo positivo, pautado na aproximação
com as ciências naturais e na separação sujeito e objeto, um tanto quanto ingênuo ao pretender-
se um retrato fiel e total do real. O segundo, o surgimento de uma empiria relativa, que se
delineia junto critica pós-moderna e pós-estruturalista, incontestavelmente influenciados pela
virada linguística, ciente das limitações de seu próprio enunciado e da irredutibilidade das
“realidades” que estuda.
As categorias apresentadas nesta questão: natureza-cultura, individuo-sociedade,
poderíamos acrescentar real-ficcional, são todas categorias fundantes da epistemê ocidental.
Justamente por serem constitutivas ontológicas do “ocidente” essas categorias determinaram as
preocupações, os questionamentos, os problemas teóricos que guiaram as investigações
antropológicas, fundamentaram pontos de vista a partir dos quais, muitas vezes de maneira
inconsciente, a diferença foi diminuída à semelhança.
As dicotomias natureza-cultura, fato-ficção. natureza-cultura se associam e se
confundem na cosmologia ocidental. Viveiros de Castro (2012), ao tratar do conceito de
sociedade no pensamento ocidental demonstra como o debate sobre o contrato social e o
surgimento do estado moderno permeia tal conceito. Segundo a versão contratualista de
Hobbes, a sociedade seria formada a partir do contrato entre indivíduos livres. Vejamos como
essa versão envolve uma certa ontologia: os instintos, desejos e vontades fazem parte da
constituição natural do individuo; o contrato social, marco do surgimento do estado moderno é
o domínio do controle “artificial” da sociedade e por isso continuamente ameaçada de
dissolução, de onde se tem a base para a preocupação com a coesão social. A questão da
dicotomia individuo-sociedade é permeada pela dicotomia natureza-cultura e pela delimitação
do real e do ficcional. A preocupação com a coesão social deu o pano de fundo, por exemplo
para a perspeciva jurisprudencial do parentesco no estrutural-funcionalismo britânico
(VIVEIROS DE CASTRO, 2002).
Para Edurado Viveiros de Castro (2007) a questão não é saber localizar onde se realizam
essas dicotomias em outras formas de pensamento, mas é saber tirá-la de cena pois a própria
forma como se formula a questão envolve uma oposição a priori inerente a “nossa” visão de
mundo. Escreve Viveiros de Castro (2007): “Ao invés de convoca-los (os indígenas) para
responder as questões que nós nos colocamos a respeito da oposição natureza/cultura, trata-
se, ao contrário, de ver como eles a formulariam se fossem, por assim dizer, obrigados a tanto.
(VIVEIROS DE CASTRO, p. 91, 2007)”.
O grande desafio para a antropologia é conseguir relativizar de forma radical, ou
desconstruir como quis Foucault, essas categorias ontológicas ocidentais para abrir-se ao
encontro com o “Outro” levando em consideração, e aí se estabelece o marco da reflexividade
e da meta-narrativa na antropologia, que as elaborações etnográficas e teóricas não englobam a
totalidade do real que pretendem descrever, mas são elaborações de sujeitos particulares,
posicionados politicamente, guiados por determinadas elaborações conceituais.
Se a questão é a respeito de quais as alternativas apresentadas pelos críticos a essas
dicotomias, penso que a resposta que perpassa esses autores é a produção de um discurso
consciente de sí. Marylin Strathern explora com maestria esse gênero meta-narrativo em o
Gênero da Dádiva (2006). A obra antes de estabelecer verdades daqui ou dali, põe em diálogo
regimes discursivos: o antropológico, o feminista, e o etnográfico, neste caso sua própria
etnografia sobre os Hagen, de forma a perceber os efeitos de cada discurso na formulação do
real. É neste sentido que se estabelece a noção de efeito etnográfico, título dado a compilação
de ensaios de mesmo nome publicados no brasil pela autora (2014).
Roy Wagner, em A invenção da cultura (2010) dá a noção de invenção um status
metodológico. Para o autor, a cultura não é algo dado, palpável, o qual o etnógrafo descreve de
maneira distanciada. A cultura é um conceito inventado, no sentido de que só existe a partir da
relação entre o antropólogo e a realidade que estuda, é fruto de uma elaboração (ficcional) da
qual o autor é ele mesmo instrumento de conhecimento, parte da relação que envolve
simultaneamente autoconhecimento e conhecimento do outro. Sendo o autor parte integrante
da invenção da cultura, a antropologia não pode se caracterizar por uma objetividade absoluta
(se é que qualquer ciência possa), pois para tal seria necessária uma total exterioridade do objeto
para o sujeito.
Eduardo Viveiros de Castro (2007) busca inspiração em Delluze para formular um
relativismo radical, de forma a subtrair este pano de fundo, a natureza e dar vazão a outros
meios de formular a questão. A comparação possui um aspecto central no discurso do autor,
mas é uma comparação consciente de sí, consciente da irredutibilidade última dos pontos de
vista, que quando colocados em contatos geram incontáveis equivocações.

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