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“‘HOMOSSEXUALIDADE’ NORMAL VARIANTE DA ERÓTICA”: CASSANDRA

RIOS E A ESCRITA COMO TRANSGRESSÃO E RESISTÊNCIA

Kyara Maria de Almeida Vieira


Pós-Doutora em História
Universidade Federal do Semi-Árido-História
kyara.almeida@ufersa.edu.br
Manuela Aguiar Araújo de Medeiros
Mestre em Literatura e Interculturalidade
Universidade Estadual da Paraíba-Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Literatura e
Interculturalidade
aguiarmanuela4@gmail.com
ST 4 – Travestilidades, Transexualidades, Lesbiandades e Homossexualidades: transgressões
e resistências

Resumo
Este artigo resulta do encontro com a obra da escritora paulistana Cassandra Rios (1932-
2002). Objetivando analisar algumas narrativas da autora acerca homossexualidade, o corpus
documental escolhido é composto por entrevistas concedidas às revistas Manchete (1974) e
TPM (2001), jornal Pasquim (1976), e sua segunda autobiografia Mezzamaro, flores e Cassis-
o pecado de Cassandra (2000). Considerando que o tema da homossexualidade ainda é
recebido com violência e discriminação em pleno século XXI, a análise discursiva que
fizemos das narrativas da escritora buscou perceber como esta usou a escrita como arma para
a resistência e para transgressão, numa sociedade ainda mais conservadora que a atual, e num
momento em que o aparato da censura era institucionalizado e estatizado.

Palavras-chave: Cassandra Rios; transgressão; resistência; homossexualidade; escrita.

Introdução
Era o ano de 1932. Mês de outubro iniciava. Na terra da garoa nascia a primeira
escritora brasileira a publicar romances com pares de mulheres no centro de suas tramas. Em
1948, aos 16 anos, Odete Rios Perez Gonzáles Hernândez Arellano, publicava seu primeiro
romance (“A Volúpia do Pecado”). Desde o início assinou seus escritos como Cassandra Rios,
nome que configurou nas capas de seus mais de 50 romances, em vários jornais, revistas TV’s
de abrangência nacional no decorrer do século XX.
Esse artigo é resultado do encontro com esta autora, uma das poucas no Brasil a
conseguir sobreviver de direitos autorais, e que teve 36 livros censurados durante a Ditadura
Militar (1964-1985). Tendo vivido até março de 2002, Cassandra Rios deixou vasta obra, que
conta com romances de temática lesbiana, mas também romances heterocentrados, livros de
aforismos, contos e poesias.
Aqui pretendemos analisar algumas falas da autora em entrevistas concedidas a alguns jornais
e revistas, como também trechos de sua segunda autobiografia (“Mezzamaro, Flores e Cassis-
o pecado de Cassandra, 2000”), tendo como recorte cronológico a década de 1970 e o limiar
do século XXI. Assim, objetivamos problematizar algumas narrativas da autora sobre a
homossexualidade, pensando no poder de resistência e transgressão da escrita, tendo em vista
que até hoje esse tema ainda é passível de vigilância e preconceito quando mencionado.

A escrita como transgressão e resistência


O referido tema era comentando de forma recorrente nas entrevistas e publicações
sobre/ com Cassandra Rios. Suas respostas foram variadas e seus posicionamentos múltiplos.
Em 1974, numa entrevista concedida à Revista Manchete (p. 57), a única menção que
Cassandra Rios faz ao tema da homossexualidade é: “Não acredito que com um livro se possa
levar alguém ao homossexualismo (sic). Só se chega a isso quem tem tendências”.
Além da defesa de seus livros, a afirmativa de Cassandra Rios torna possível pensar
não apenas na força do discurso científico responsável por definir e controlar os corpos. Mas,
ao ratificar que só “quem tem tendência” chega ao “homossexualismo” (sic), a autora se
apropria das definições científicas correntes desde o século XIX e, ao invés de colocar os
indivíduos com tais “tendências” enquanto doentes, neuróticos, ela borra a literatura médica e
sugere o direito natural de existir desses sujeitos.
Em entrevistas seguintes, o tema da homossexualidade continuará aparecendo com
essa mesma conotação (naturalizante), mas também associado ao amor. Era 1976. Em
entrevista ao jornal Pasquim (p. 8), quando perguntada se o homossexualismo (sic) é um
pecado, Cassandra Rios afirma:

Não. De jeito nenhum. Esses são valores de personagens. Pra (sic) mim, o
homossexualismo (sic) é uma forma especial de amor, como qualquer outra
forma especial de amar. É um modo diferente, um jeito de amar. [...] O
homossexual é um ser humano igual a qualquer outro.
Ao destacar o amor, o homossexual não é colocado aquém ou além dos seres humanos,
pois a autora reafirma, na contramão dos códigos morais da época, que esse desejo mantem
relação com a natureza humana. Historicamente associada ao pecado, ao crime, à doença, a
prática da homossexualidade foi associada ao horror, à desmesura, ao funesto da vida, que
deveria ser evitada a todo custo. Em sua resposta, Cassandra transgride seu sentido ao ligá-lo
ao sentimento, ao direito de exercer um sentir, àquela considerada a maior virtude: o amor.
Ao defender sua arte e a existência de suas personagens, a autora resiste diante as
tentativas da censura, de jornalistas e críticos ávidos/as por qualquer declaração que
possibilitasse a ligação direta entre a sexualidade da autora e de suas personagens. No mesmo
movimento em que defende que esses corpos tenham o direito de existência, Cassandra Rios
distancia-se deles, transgredindo ao que se espera que ela diga, responda, afirme de si própria.
Daí que ao ser perguntada na mesma entrevista no Jornal Pasquim (1976, p. 8) se
considerava o homossexualismo (sic) como algo que existe, mas é condenável, Cassandra
Rios é enfática:

Não tenho nenhum problema, nenhuma dúvida, medo, preconceito, nada


para afirmar ou negar. O que escrevo não tem nada a ver com a minha
pessoa. Os meus personagens não carregam nenhuma característica minha.
Pessoalmente, vejo o homossexual como uma pessoa que ama diferente e
por isso carrega o seu problema. [...] Não vejo nada de erro ou vício. Tudo
depende do comportamento da pessoa. Não tenho nenhuma intenção de criar
uma polêmica sobre o assunto. Aliás, sempre que me procuram para uma
entrevista focalizam este assunto como se eu fosse a dona da questão.
Realmente, estudei muito pra (sic) escrever sobre o problema. Quando
apresento um personagem com seus conflitos, seus problemas emocionais,
sociais, de aceitação, com sua auto definição [...]

O amor diferente gera o “problema”. E se não é “erro ou vício”, por que seria um
problema? Cassandra Rios sentiu ‘na pele’ os efeitos da interdição e da censura ditatorial,
devido ao fato de ser uma mulher produzindo uma obra (ainda que ficcional) que apresentava
personagens mulheres que vivenciavam amor/ desejo entre si. Como afirmou Badinter (1993,
p. 99), “O nascimento do ‘homossexual’ é o nascimento de uma problemática e de uma
intolerância que sobrevivem até os nossos dias”.
O peso da verdade científica enquadra os que por ela são caracterizados no receituário
das patologias psíquicas, jogando-os na vala dos males sociais e dos horrores da vida humana.
Mesmo se dizendo sem dúvida, medo ou preconceito, Cassandra Rios demonstra incômodo
em ser considerada “dona da questão” e pela insistência da abordagem do tema em
entrevistas. Ao dizer que evita criar polêmicas e justificar mais uma vez o aparecimento do
“tema” em seus escritos, usa argumentos culturais tidos como pertinentes: estudou muito
sobre “o problema” e trata de personagens ficcionais, ou seja, ela não falava sobre o tema
aleatoriamente nem escrevia sobre o que seu próprio corpo vivencia. Assumir-se ‘dona da
questão’ mesmo sendo uma escritora de romances, era admitir saber demais, respondendo o
que jornalistas, críticos e censores queriam ouvir.
Ao insistir para que ela admitisse seus conhecimentos sobre o amor/ desejo entre
‘iguais’ ou declarasse seus romances pessoais com mulheres, as interlocuções de jornalistas,
representantes da censura e da crítica literária da época recebiam respostas inesperadas, que
jogava com a linguagem que era direcionada para a autora, que se apropriava do arcabouço
cultural que deixava mais dúvida do que trazia certezas.
Mesmo que se critique o fato de Cassandra Rios nunca ter se declarado publicamente
lésbica (FACCO, 2005), é preciso reconhecer que ao defender seu direito de produzir, de
escrever, a autora transgredia através da linguagem por conseguir a chancela de autoridade
para escrever sobre o tema mesmo não estando nos campos autorizados falar da
homossexualidade/ lesbiandade: campos de sujeitos masculinos, do conhecimento cientifico
(Sexologia, Psicanálise, Psicologia, Direito, Medicina etc.) e da religião.
Ainda sobre as astúcias da linguagem, antes de se ‘jogar alguma pedra’ porque
Cassandra Rios defende que os homossexuais não são viciados, doentes, errados, são como os
outros seres humanos, mas ainda assim usa o termo homossexualismo, mantendo o radical
ISMO que é associado a patologias, precisa se localizar as narrativas de Cassandra Rios no
período em que foram escritas: no Brasil, só em fevereiro de 1985, o Conselho Federal de
Medicina aprovou o parecer do conselheiro Ivan de Araújo Moura Fé, que dizia que,
“enquanto estivesse em vigor o CID 9 (Cadastro Internacional de Doenças), os casos cujo
motivo de atendimento médico for a homossexualidade devem ser codificados na categoria
V62: “Outras circunstâncias psicossociais””. As edições seguintes do CID não considerarão
mais a homossexualidade uma patologia, e o Conselho Federal de Psicologia opõe-se a
tratamentos que visem especificamente a alteração da orientação homossexual do paciente.
(GREEN & TRINDADE, 2005, p. 297).
A relação da escrita com o tempo de sua produção aparece outra vez, anos depois
dessas entrevistas. Tanto em sua última autobiografia Mezzamaro, Flores e Cassis (2000)
quanto na sua última entrevista, concedida para a Revista TPM (2001), Cassandra Rios fala
muito mais sobre homossexualidade, e ergue crítica aos seus “perseguidores”:

Enquanto eu enfocava com naturalidade e todo direito de falar sobre o que


me viesse o insight, fosse de outro planeta, de luas coloridas e sóis
queimados [...] de amores proibidos, no caso Homossexualidade, sem me
ferir com isso, eles agarram a oportunidade de posicionarem-se,
combatendo-me para mostrar-se héteros definidos e com rígidos
preconceitos [...] atacando-me para não serem descobertos nas suas torcidas
tendências, nas suas taras sexuais, nas suas anomalias, na definição que os
desmascararia, revelando seu secreto eu, pelo sufixo ISMO, eles sim, pelos
medos e complexos, doentes, do homossexualismo. [...] Punham-me
cognomes como demônio das letras, papisa do Homossexualismo, rainha das
lésbicas, quando deveriam ter empregado pelo menos, com mais acuidade,
na terminologia correta, “Homossexualidade”, normal variante da Erótica!
(RIOS, MEZZ, 2000, p. 199)

Em consonância com as discussões que viriam a excluir a prática da


homossexualidade do quadro das doenças, Cassandra Rios se ergue com força mais uma vez
para denunciar parte da ignorância de seus críticos, e ao mesmo tempo defende outra vez sua
capacidade de escritora e sua coragem em exercer seu ofício. Enquanto os críticos se
apropriavam do conteúdo de sua arte para diminuí-la e associar sua escrita às práticas de seu
corpo, a escritora pronuncia a defesa da homossexualidade como “normal variante da
Erótica”, e como alguém que não tem medo de tratar da homossexualidade em seus romances
porque o corpo de seu texto resulta da sua força criativa. Cassandra se coloca em outra
dimensão, se dá o direito de viver no mundo “de outros planetas, de luas coloridas e sóis
queimados”, do direito de falar sobre o que lhe viesse como insight.
Essa narrativa de si sugere o contato de Cassandra Rios com as teorias freudianas, e a
coloca em outro nível na discussão, porque além de se dizer em outra dimensão, Cassandra
convoca “Freud, o pai da psicanálise, que explicava tudo. [...]” (Revista TPM, 2001, p. 9) para
explicar as neuroses de seus detratores e o porquê deles a perseguirem tanto. Portanto, os
críticos que associavam Cassandra à perversão e à pornografia porque a obra escrita por ela
tratava do ‘amor proibido’, numa perspectiva freudiana, seriam eles os “verdadeiros doentes”
do Homossexualismo (sic), por não conseguirem lidar com seus desejos sexuais e não terem
uma relação serena com sua libido (JUNQUEIRA & COELHO, 2006, p. 27).
Não se pode esquecer que, durante o século XX, as teorias freudianas foram
compartilhadas nos mais variados espaços, não se restringindo à academia. Daí é preciso
lembrar que tais teorias foram apropriadas e reapropriadas, sendo importantes para o projeto
de disciplinarização e controle dos sujeitos. E a autora, ironicamente, transgride o uso
esperado de tal teoria, tomando-a como argumento contra quem deseja disciplinar seu corpo,
seus escritos, suas personagens.
Quando Cassandra Rios (MEZZ, 2000, p. 199) afirma: “Nenhum desses cognomes me
cabe. [...] Apenas escrevia e continuo, sem temer o visado tema. Audaciosa? Corajosa? Não
sei. Apenas escritora”, produz a separação entre o corpo que escreve e o corpo que
insistentemente é inscrito a partir de sua obra. Por mais que defenda que a homossexualidade
é “uma normal variante da Erótica”, o cuidado em não se declarar como identificada aos
cognomes que lhes são atribuídos a partir dos temas de seus romances, a autora procura
libertar seu corpo da negatividade ligada a tais cognomes (“demônio das letras, papisa do
Homossexualismo, rainha das lésbicas”).
Ao fazer isto ela transgredia as fronteiras entre autoria e obra, entre quem escreve e
quem ler, entre o que lhes perguntam e o que se espera que responda, entre o que dizem dela e
o que ela diz de si própria. Não se ferir ao falar dos ‘amores proibidos’, e, ao mesmo tempo
não aceitar que sua obra fosse o critério para defini-la enquanto sujeito, era a maneira como
resistia às tentativas de agenciamento de sua obra e de si própria.

Considerações finais
Cassandra Rios retoma essas temáticas no limiar do século XXI. Ela transgride o
próprio tempo porque denuncia que a preocupação e vigilância com os limites, as narrativas, e
os aspectos ligados ao corpo e as práticas da sexualidade, não se limitaram a regimes
ditatoriais nem ao século XX, mas compõem uma gramática que passou a tomar o corpo
como símbolo primeiro de representação de um modelo de sociedade que começou a ser
construída a partir do século XVII e tem ressonâncias até hoje.
As experiências de vida das personagens que compõem as tramas criadas por
Cassandra Rios, há séculos culturalmente vem sendo relegadas ao silenciamento, à
marginalização, ao pecado, à monstruosidade, empurradas para a vala da não existência. Em
sua escrita-arte Cassandra Rios coloca em cena corpos que se embriagam sem perder a
lucidez, e que rasuram a heteronormatividade. Corpos que resistem, transgridem, explodem,
se diluem, se dissipam ao criar maneiras de existir para além das interdições: experimentam
os desejos das mais variadas maneiras e a sociedade disciplinar não dá conta de controlá-los.
As escritas de Cassandra Rios são representações de resistência e transgressão, armas-
inspiração para irmos além de nossos corpos, flutuar com outros planetas, outras luas, outras
estrelas.

Referências
BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Trad. Maria Ignez Duque
Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
CIRILO, Ione. Cassandra Rios: Um milhão de leitores, 36 livros apreendidos. In. Jornal
Pasquim. Ano VIII, nº 373, Rio de Janeiro, 1976, pp. 6-9.
FACCO, Lúcia. As heroínas saem do armário: literatura lésbica contemporânea. São
Paulo: Edições GLS, 2004.
GANDARA, Nello Pedro. Cassandra Rios: ela já vendeu mais de um milhão de livros. In.
Revista Manchete. Nº 1. 176. Rio de Janeiro, 02 de novembro de 1974, pp. 54-57.
GREEN, James & TRINDADE, Ronaldo (orgs.) Homossexualismo em São Paulo e outros
escritos. Participação de José Fabio Barbosa da Silva (et al.). São Paulo: Editora UNESP,
2005.
JUNQUEIRA, Camila & COELHO JR., Nelson Ernesto. Freud e as neuroses atuais: as
primeiras observações psicanalíticas dos quadros Borderline? In. Revista Psicologia Clínica.
Rio de Janeiro, vol.18, n. 2, pp. 25-35, 2006.
LUNA. Fernando. A perseguida. Revista Tpm. São Paulo: Trip Propaganda e Editora, n.3,
pp.2-11, jul.2001.
RIOS, Cassandra. Mezzamaro, flores e Cassis – O pecado de Cassandra. São Paulo:
Pétalas, 2000.

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