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3.

1 Histórico

A história da reforma agrária, no Brasil, é uma história de oportunidades perdidas. Ainda


colônia de Portugal, o Brasil não teve os movimentos sociais que, no século 18,
democratizaram o acesso à propriedade da terra e mudaram a face da Europa. No século 19, o
fantasma que rondou a Europa e contribuiu para acelerar os avanços sociais não cruzou o
Oceano Atlântico, para assombrar o Brasil e sua injusta concentração de terras. E, ao contrário
dos Estados Unidos que, no período da ocupação dos territórios do nordeste e do centro-oeste,
resolveram o problema do acesso à terra, a ocupação brasileira - que ainda está longe de se
completar - continuou seguindo o velho modelo do latifúndio, sob o domínio da mesma velha
oligarquia rural.

As revoluções socialistas do século 20 - russa e chinesa, principalmente - embora tenham


chamado a atenção de parcela da elite intelectual brasileira, não tiveram mais do que influência
teórica. O Brasil também não passou pelas guerras que impulsionaram a reforma agrária na
Itália e no Japão, por exemplo. Tampouco fez uma revolução de bases fortemente
camponesas, como a de Emiliano Zapata, no México do começo do século.

Na Primeira República ou República Velha (1889-1930), grandes áreas foram incorporadas ao


processo produtivo e os imigrantes europeus e japoneses passaram a desempenhar um papel
relevante. O número de propriedades e de proprietários aumentou, em relação às décadas
anteriores, mas, em sua essência, a estrutura fundiária manteve-se inalterada.

A revolução de 1930, que derrubou a oligarquia cafeeira, deu um grande impulso ao processo
de industrialização, reconheceu direitos legais aos trabalhadores urbanos e atribuiu ao Estado
o papel principal no processo econômico, mas não interveio na ordem agrária. Com o fim da
Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Brasil redemocratizou-se e prosseguiu seu processo de
transformação com industrialização e urbanização aceleradas. A questão agrária começou,
então, a ser discutida com ênfase e tida como um obstáculo ao desenvolvimento do país.
Dezenas de projetos-de-lei de reforma agrária foram apresentados ao Congresso Nacional.
Nenhum foi aprovado.

No final dos anos 50 e início dos 60, os debates ampliaram-se com a participação popular. As
chamadas reformas de base (agrária, urbana, bancária e universitária) eram consideradas
essenciais pelo governo, para o desenvolvimento econômico e social do país. Entre todas, foi a
reforma agrária que polarizou as atenções. Em 1962, foi criada a Superintendência de Política
Agrária - SUPRA, com a atribuição de executar a reforma agrária.

Em março de 1963, foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural, regulando as relações de


trabalho no campo, que até então estivera à margem da legislação trabalhista. Um ano depois,
em 13 de março de 1964, o Presidente da República assinou decreto prevendo a
desapropriação, para fins de reforma agrária, das terras localizadas numa faixa de dez
quilômetros ao longo das rodovias, ferrovias e açudes construídos pela União. No dia 15, em
mensagem ao Congresso Nacional, propôs uma série de providências consideradas
"indispensáveis e inadiáveis para atender às velhas e justas aspirações da população." A
primeira delas, a reforma agrária.

Não deu tempo. No dia 31 de março de 1964, caiu o Presidente da República e teve início o
ciclo dos governos militares, que duraria 21 anos.

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3.2 O Estatuto da Terra

Logo após assumir o poder, os militares incluíram a reforma agrária entre suas prioridades. Um
grupo de trabalho foi imediatamente designado, sob a coordenação do Ministro do
Planejamento, para a elaboração de um projeto-de-lei de reforma agrária. O grupo trabalhou
rápido e, no dia 30 de novembro de 1964, o Presidente da República, após aprovação pelo
Congresso Nacional, sancionou a Lei nº 4.504, que tratava do Estatuto da Terra.

O texto - longo, detalhista, abrangente e bem-elaborado - constituiu-se na primeira proposta


articulada de reforma agrária, feita por um governo, na história do Brasil.

Em vez de dividir a propriedade, porém, o capitalismo impulsionado pelo regime militar


brasileiro (1964-1984) promoveu a modernização do latifúndio, por meio do crédito rural
fortemente subsidiado e abundante. O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à cultura da
soja - para gerar grandes excedentes exportáveis - propiciou a incorporação das pequenas
propriedades rurais pelas médias e grandes: a soja exigia maiores propriedades e o crédito
facilitava a aquisição de terra. Assim, quanto mais terra tivesse o proprietário, mais crédito
recebia e mais terra podia comprar.

Nesse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor - eram os tempos do "milagre
brasileiro" -, o país urbanizou-se e industrializou-se em alta velocidade, sem ter que
democratizar a posse da terra, nem precisar do mercado interno rural. O projeto de reforma
agrária foi esquecido e a herança da concentração da terra e da renda permaneceu intocada. O
Brasil chega às portas do século 21 sem ter resolvido um problema com raízes no século 16.

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3.3 Os Projetos de Colonização

A partir de 1970, como substitutivos da reforma agrária, o governo Federal lançou vários
programas especiais de desenvolvimento regional. Entre eles, o Programa de Integração
Nacional - PIN (1970); o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria
do Norte e Nordeste - PROTERRA (1971); o Programa Especial para o Vale do São Francisco -
PROVALE (1972); o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia -
POLAMAZÔNIA (1974); o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste -
POLONORDESTE (1974).

O PIN e o PROTERRA foram os programas que mereceram maior atenção e aos quais foi
destinada uma soma significativa de recursos. Com o propósito de ocupar uma parte da
Amazônia, ao longo da rodovia Transamazônica, o PIN era baseado em projetos de
colonização em torno de agrovilas e, segundo a versão da época, buscava integrar "os homens
sem terra do Nordeste com as terras sem homens da Amazônia."

Na prática, verificou-se que a maior parte das cerca de 5.000 famílias deslocadas para a região
eram procedentes do extremo Sul do país, principalmente, dos estados do Rio Grande do Sul e
de Santa Catarina, e não do Nordeste. Estudos posteriores demonstraram que os custos do
programa foram altos, o número de famílias beneficiadas reduzido e o impacto sobre a região
insignificante.

O desempenho do PROTERRA também deixou a desejar: o programa desapropriava áreas


escolhidas pelos próprios donos, pagava à vista, em dinheiro, e liberava créditos altamente
subsidiados aos fazendeiros. Apenas cerca de 500 famílias foram assentadas depois de quatro
anos de criação do programa.

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3.4 Resultados

Nos primeiros 15 anos de vigência do Estatuto da Terra (1964-1979), o capítulo relativo à


reforma agrária, na prática, foi abandonado, enquanto o que tratava da política agrícola foi
executado em larga escala.
No total, foram beneficiadas apenas 9.327 famílias em projetos de reforma agrária e 39.948 em
projetos de colonização. O índice de Gini1 da distribuição da terra, no Brasil, passou de 0,731
(1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975). Esse cálculo inclui somente a distribuição da terra
entre os proprietários. Se forem consideradas também as famílias sem terra, o índice de Gini
evidencia maior concentração ainda: 0,879 (1960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975). Na verdade,
em 50 anos, as pequenas alterações que ocorreram, em termos de concentração de terra, no
Brasil, foram para pior, conforme mostra o gráfico a seguir.

Concentração Fundiária - Índice de Gini - INCRA e IBGE

1 Índice de Gini é uma medida do grau de desigualdade da distribuição de renda ou de um recurso. O índice varia de um
mínimo de zero a um máximo de um. "Zero" representa nenhuma desigualdade e "um" representa grau máximo de
desigualdade.

No início da década de 80, o agravamento dos conflitos pela posse da terra, na região Norte do
país, levou à criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e dos Grupos
Executivos de Terras do Araguaia/Tocantins - GETAT, e do Baixo Amazonas - GEBAM.

O balanço das realizações desses três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns
poucos milhares de títulos de terra de posseiros regularizados. Nos seis anos do último
governo militar (1979-1984), a ênfase de toda a ação fundiária concentrou-se no programa de
titulação de terras. Nesse período, foram assentadas 37.884 famílias, todas em projetos de
colonização, numa média de apenas 6.314 famílias por ano.

A ação fundiária no período 1964-1984, revela uma média de assentamento de 6.000 famílias
por ano e pode ser resumida na seguinte tabela:

Em 1985, o governo do Presidente José Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA), previsto no Estatuto da Terra, com metas extremamente ambiciosas: assentamento de
um milhão e 400 mil famílias, ao longo de cinco anos. No final de cinco anos, porém, foram
assentadas cerca de 90.000 apenas.

A década de 80 registrou um grande avanço nos movimentos sociais organizados em defesa


da reforma agrária e uma significativa ampliação e fortalecimento dos órgãos estaduais
encarregados de tratar dos assuntos fundiários. Quase todos os estados da federação
contavam com este tipo de instituição e, em seu conjunto, ações estaduais conseguiram
beneficiar um número de famílias muito próximo daquele atingido pelo governo Federal.

No governo de Fernando Collor (1990-1992), o programa de assentamentos foi paralisado,


cabendo registrar que, nesse período, não houve nenhuma desapropriação de terra por
interesse social para fins de reforma agrária. O governo de Itamar Franco (1992-1994) retomou
os projetos de reforma agrária. Foi aprovado um programa emergencial para o assentamento
de 80 mil famílias, mas só foi possível atender 23 mil com a implantação de 152 projetos, numa
área de um milhão 229 mil hectares.

No final de 1994, após 30 anos da promulgação do Estatuto da Terra, o total de famílias


beneficiadas pelo governo Federal e pelos órgãos estaduais de terra, em projetos de reforma
agrária e de colonização, foi da ordem de 300 mil, estimativa sujeita a correções, dada a
diversidade de critérios e a falta de recenseamento no período 1964-1994.
O último censo agropecuário, realizado em 1996, aponta que a pequena agricultura
tem uma significativa colaboração na produção total de alimentos e emprega a
grande maioria dos agricultores. Esses números surpreendem pois, historicamente,
as políticas públicas beneficiaram em particular os
grandes latifundiários, em detrimento dos Segundo dados do último censo, a
pequenos agricultores, que quase sempre ficaram agricultura familiar ocupa 30,5% da
área total dos estabelecimentos rurais
sem apoio institucional. Uma das propostas de e concentra apenas 25% do total de
mudança, considerando-se essa realidade envolve crédito agrícola. Porém, ela agrega
a adequação das linhas de crédito e subsídios à 77% do total de trabalhadores
ocupados na agricultura e representa
realidade do agricultor familiar no Brasil. Além 38% do valor bruto da produção
disso, parece haver um consenso entre nacional. Alem disso, só para se ter
especialistas, agricultores e militantes da uma idéia, 67% do feijão, 84% da
mandioca e 49% do milho produzidos
necessidade de cooperação entre os pequenos no Brasil são produtos da agricultura
agricultores, principalmente os recém assentados. familiar.

Ademar Ribeiro Romeiro, professor do Instituto de Foi considerado agricultor familiar, no


censo, aquele que administra o próprio
Economia da Unicamp, lembra que existem estabelecimento e cujo trabalho dos
diversas pequenas propriedades gerando muito membros da família é superior ao
lucro, como os produtores de flores de Holambra, trabalho contratado. Para evitar que
grandes latifúndios improdutivos
interior de São Paulo. Nesse sentido, o conceito de fossem incluídos como agricultura
pequeno produtor pode ser enganoso. Para o familiar foi estabelecido um limite na
pesquisador, podemos considerar como pequeno área da propriedade. Com poucas
exceções, o agricultor familiar é
aquele que tem uma propriedade com baixa pequeno agricultor.
produtividade, em área pequena e gerando baixa
renda, como nos assentamentos do MST ou
algumas propriedades de agricultura familiar.

Na avaliação de Romeiro, "apesar de ser colocada como se fosse a contracorrente,


a pequena agricultura faz parte da nossa realidade, e a convivência do grande com
o pequeno reflete a situação no Brasil, com uma brutal concentração de renda".
Para ele, a atividade não está em declínio, como se pensa, pois mesmo não tendo
os devidos incentivos ela é responsável por uma significativa parcela do total da
produção nacional.

Já na avaliação do professor Antonio Márcio Buainain, também do Instituto de


Economia da Unicamp, o modelo do pequeno está em declínio. Para ele, a crise
social no campo que resultou na emergência e fortalecimento do movimento social
pela reforma agrária é uma prova de que a agricultura familiar está em crise, mas
não de que ela é inviável. "Ao contrário, os dados que apresentamos em nosso
livroAgricultura familiar e reforma agrária no século XXI mostram a capacidade de
resistência da agricultura familiar às condições adversas". Segundo Buainain, o
importante é discutirmos os motivos que levaram a agricultura familiar à crise.

Uma das desvantagens do pequeno produtor rural em relação ao grande é a


impossibilidade do acesso às tecnologias que permitem os chamados ganhos de
escala. "A marginalização da agricultura familiar não ocorre por uma inviabilidade
tecnológica, na verdade o que faz com que ela perca espaço mais rapidamente é
todo o conjunto de atributos que devem acompanhar a inovação tecnológica, aos
quais ela não tem acesso", afirma Buainain. Esses atributos seriam proporcionados
por serviços praticamente inexistentes para o pequeno produtor como crédito
agrícola, assistência técnica, educação rural e redes de distribuição dos produtos no
mercado. O agricultor familiar não precisa de um trator muito potente para ser
competitivo, um trator de tamanho pequeno, por ter o custo de manutenção menor
e ter a possibilidade de ser usado em grupo, compensaria a vantagem do grande
por produzir em escala. Mas este trator adequado ao pequeno nem sempre está
disponível no mercado, e quando está o produtor não tem condições para comprá-
lo O principal problema do pequeno produtor não seria, então, estrutural, mas
decorrente da ausência de crédito e investimentos.

Buainain lembra que, no passado, tivemos uma política para a agricultura comercial
que produziu muitas distorções, incentivou a concentração de renda, de terra e da
produção. Na medida em que o pequeno agricultor estava excluído desse modelo
era penalizado, pois dificilmente tinha condições de receber os benefícios das
políticas públicas. "Hoje precisamos de uma política que tenha um viés ao contrário,
discriminando favoravelmente o agricultor familiar", afirma o pesquisador. Para ele,
não é possível assumir que pequenos e grandes produtores são todos iguais. O
desigual deveria ser tratado com desigualdade. Nesse sentido, seria necessária
uma linha de crédito particular para o pequeno agricultor, que leve em
consideração a diversificação da produção, pois as políticas de terra no Brasil, em
geral, são destinadas a um único produto e o pequeno agricultor familiar não é
especializado, mas explora um sistema com muitos produtos, inclusive para o
consumo próprio.

Na França, por exemplo, o governo subsidia pequenos, médios e grandes


agricultores. Romeiro conta que lá ocorreu um processo de especialização, em que
os grandes produzem grãos, os médios trabalham com pecuária de corte e os
pequenos atuam na pecuária leiteira, que exige mais mão-de-obra. Para o
pesquisador, sem subsídios as atividades agropecuárias desapareceriam em muitas
regiões. Uma justificativa usada pelos agricultores franceses é que, além da
produção de alimentos, eles são responsáveis pela gestão da paisagem, portanto o
subsídio também seria para o embelezamento cênico que alimenta a mais rentável
indústria européia: a do turismo. No entanto, segundo o professor "é preciso ter
claro que seria possível manter essas atividades de gestão da paisagem sem
subsidiar a produção de produtos concorrentes com aqueles provenientes de países
em desenvolvimento". Há, neste caso, uma questão de lobbiesque deveria ser
enfrentada para que o comércio entre países ricos e pobres se realize em bases
justas.

"A problemática nos EUA e Europa não é a do pequeno e do grande", afirma


Buainain. Nos países desenvolvidos, o agricultor familiar não se parece em nada o
pequeno brasileiro, em sua maioria pobre; lá não existe a questão da pobreza rural,
e o problema dos agricultores refere-se à manutenção do nível de renda, proteção
dos seus mercados, acesso aos mercados internacionais e assim por diante. Como
no Brasil a maioria dos agricultores familiares está abaixo da linha da pobreza, a
grande deficiência dos programas de incentivo à agricultura familiar é que eles só
funcionam de forma eficaz para o extrato superior da agricultura familiar, já
integrada ao mercado - pois tem um conjunto de recursos básicos que permitem a
utilização dos instrumentos de mercado. As políticas públicas deveriam, segundo o
pesquisador, tratar a situação da maioria dos agricultores familiares com
instrumentos de promoção de desenvolvimento, e não com intervenções tópicas,
como ocorre hoje no próprio Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf).

Futuro dos assentamentos e formas de cooperação


Com o significativo aumento do número de assentamentos rurais torna-se
importante pensar nas alternativas para o futuro desses pequenos produtores.
Buainain acredita que "é preciso considerar a questão do pós-assentamento com
muita calma". Para ele, não podemos esperar que um agricultor que foi assentado
em situação de absoluta precariedade se torne um agricultor sustentável em
apenas um ou dois anos. Muitas vezes, o trabalhador consegue seu lote depois de
passar anos sem acesso à terra, como no caso de catadores de cana, laranja e
algodão. Além disso, na grande maioria dos casos, o trabalhador passa meses, às
vezes anos, em acampamentos antes da distribuição das terras. Portanto, é preciso
dar tempo e criar condições para que eles se tornem produtores sustentáveis. Os
assentados, na maioria dos casos, estavam em situação de total indigência
econômica e social e a maioria sem a possibilidade de inserção produtiva no meio
urbano, por falta de condições básicas como educação. Na avaliação do
pesquisador, "caso essa população pelo menos se estabilize por alguns anos no
campo, com condições de sobrevivência adequada, o programa de reforma agrária
já pode ser considerado bem sucedido".

Um dos principais caminhos encontrados pelos pequenos agricultores para


contornar a falta de apoio institucional e a concorrência com o grande produtor são
as diferentes formas de cooperação. Os pequenos produtores rurais vêm se
estruturando de forma cooperativa há muito tempo. Desde em associações
informais para produzir e comercializar produtos em grupo, até na formação de
cooperativas que visam o beneficiamento dos produtos para agregação de valor aos
produtos agropecuários - como, por exemplo, na ordenha mecânica para a
produção de leite tipo B e na produção de queijos e doces. Porém, para Buainain, o
fato de existir uma afinidade na luta pela terra não significa que, uma vez
conseguido esse objetivo, as associações políticas estão capacitadas para passar ao
estágio do associativismo para a produção. O estilo de produção de cada produtor
pode ser diferente e a simples transposição da associação na luta pela terra para o
momento da produção pode trazer problemas, "fato que vem se evidenciando em
muitos assentamentos com rupturas dos grupos e formação de novos movimentos",
afirma o professor.

Nesse sentido, o MST promove diversos cursos para que os trabalhadores rurais
dos acampamentos e assentamentos entrem em contato com as diversas formas
possíveis de cooperação, como as Cooperativas de Crédito e Serviço, as
Cooperativas de Produção Agropecuária e as associações informais. Estas podem
levar, por exemplo, a descontos para comprar material para a construção das casas
no atacado ou à compra de um trator em grupo. Os acampamentos, nas ocupações
do MST, além de se constituírem como uma forma de pressão para acelerar a
reforma agrária, atuam como uma espécie de preparação para a vida em
comunidade que se propõe para o futuro assentamento.

Para João Calixto da Silva, morador do Assentamento I de Sumaré, interior de São


Paulo, os principais problemas relacionados à consolidação das cooperativas são as
políticas de crédito agrícola, com juros próximos aos de mercado; a cultura
individualista que caracteriza a vida nas cidades; e o medo dos empréstimos por
parte dos companheiros. Para o morador, é importante que jovens e crianças
tenham a oportunidade de estudar e conhecer as alternativas para o pequeno
agricultor, como as cooperativas institucionalizadas e o uso de tecnologias, como
tratores. "Para sobrar tempo para outras atividades, pois o agricultor além de
trabalhar a terra, tem que atuar também como empresário", afirma Calixto.

Estudos especializados sobre esse tema apontaram os efeitos e as mudanças locais


proporcionados pela criação desses projetos de assentamentos, constituídos a
partir de áreas objeto de ação dos programas de reforma agrária (basicamente
aquelas resultantes do processo de intervenção do governo federal através da
desapropriação e arrecadação de imóveis rurais por interesse social) ou de
utilização de terras públicas (aquelas fruto da iniciativa de governos estaduais e/ou
municipais via desapropriação por utilidade pública ou ainda pertencentes aos
órgãos da administração direta e indireta do Estado)1. Estas pesquisas ao
debruçarem-se sobre a realidade de distintas regiões em quinze estados brasileiros
têm demonstrado que, entre outras coisas, o processo de reforma agrária e a
criação de assentamentos rurais foram marcados por uma origem conflituosa, onde
a participação dos diferentes movimentos sociais pautou decisivamente a
capacidade de efetivar os programas de distribuição de terra. A regularização da
posse para famílias que trabalhavam em terras sobre as quais já haviam
conquistado seus direitos e/ou a instalação de beneficiários sobre áreas
reformadas, vem rebatendo em transformações de ordem econômica, política e
social, que, sumariamente, destaco a partir de seis aspectos, a seguir
discriminados. Dentre estes últimos ganha relevo aquele relativo à geração de
empregos, tema caro à agenda brasileira recente, que procurarei detalhar ao final.

Dimensões dos impactos locais dos assentamentos rurais


Os assentamentos implicaram em alguma redistribuição fundiária, tanto mais
visível quanto maior o número de assentamentos num município. Embora
localizada, tal redistribuição aponta para o aumento das possibilidades de acesso à
terra e tudo que ela implica em termos de potencialidade de inserção, nas
atividades econômicas, na qualidade de produtores, alterações no uso do espaço,
possibilidade de diversificação produtiva, etc. A mais evidente mudança que se
verifica é que, se antes os grandes proprietários de terra constituíam a referência
básica nos municípios, cada vez mais se torna necessário levar em conta os novos
atores que emergem do processo de alteração local da estrutura fundiária. Em
muitos dos casos analisados, fica visível inclusive um certo deslocamento do eixo
das relações de poder local. Em função do aumento populacional gerado por essa
desconcentração, também tem se verificado uma alteração no desenho de
municípios, com a criação de distritos e de novas prefeituras. A presença dos
assentamentos tem, igualmente, modificado a paisagem, o padrão de distribuição
da população rural, o traçado das estradas, levando em diversas situações à
formação de novos aglomerados populacionais rurais, mudando o padrão produtivo.

Os projetos de reforma agrária provocaram a dinamização da vida econômica de


vários dos municípios onde se inserem, tendo como base um processo produtivo
mais diversificado, quando comparado à estrutura produtiva prevalecente nos
estabelecimentos agropecuários da região2, significando uma espécie de
reconversão produtiva em regiões de crise da agricultura patronal, em alguns casos
contribuindo para uma reorganização dos sistemas de uso dos solos da produção
familiar no seu contexto mais geral. Para além da relevância do número de novos
produtores que entram como tal no mercado, introduzindo maior oferta de
produtos, em especial alimentares, os assentados aumentaram sua capacidade de
consumo, comprando não só gêneros alimentícios nas feiras, no comércio local e
até mesmo de cidades vizinhas, como também insumos e implementos agrícolas,
eletrodomésticos e bens de consumo em geral. Complementarmente,
acomercialização da produção dos assentados provocou não apenas a
dinamização ou até mesmo recriação de canais tradicionais, como é o caso das
feiras na zona canavieira nordestina ou ainda através da presença dos
"atravessadores"; como também a experimentação de criação de pontos de venda
próprios (feiras de produtores), como no município de Campos dos Goytacazes, RJ;
formas cooperativas, experiências relativamente bem sucedidas de transformação
do produto para venda, através da implantação de pequenas agroindústrias;
constituição de marcas para comercializar a produção; busca de constituição de um
mercado específico para os "produtos da reforma agrária" etc. Neste último caso,
as inovações não apenas atestam a origem do produto comercializado, mas
principalmente têm a função de transformar a comercialização num momento de
afirmação social e política da identidade de assentados e do sucesso das
experiências de redistribuição fundiária, como verificado nos projetos existentes no
oeste catarinense.

A presença dos assentamentos enquanto unidades territoriais e administrativas,


novas referências para as políticas públicas, traz em si modificações na zona rural
em que eles são implantados, resultando numa ampliação das demandas de infra-
estrutura e em pressão sobre os poderes políticos locais, estaduais e federal,
redimensionando o tema do acesso às políticas públicas. Também a condição de
assentado possibilitou a essa população, pela primeira vez, a tomada de
empréstimo para produção, ainda que essa integração ao mercado financeiro esteja
marcada por um conjunto significativo de dificuldades.

Os casos tratados nos estudos referidos apontam a capacidade, ainda que


diferenciada, da capacidade de geração de renda nessas unidades familiares. Pode-
se afirmar que, na média, há uma geração de rendimentos - monetários e não-
monetários - que permite a reprodução dos assentados, embora a precariedade
generalizada da infra-estrutura prevalecente nos núcleos comprometa tal
performance. Essas observações integram a análise das condições de vida dos
assentados, sua possibilidade de acesso a serviços e bens, a forma como eles
vivenciam essa nova situação e as oportunidades que elas oferecem, em especial
no que se refere a moradia, saúde, educação, alimentação, poder de compra etc.
Em geral, ao comparar a situação presente com aquela experimentada no período
prévio ao assentamento, as famílias tendem a valorar positivamente
suas condições atuais de vida e trabalho.

Num cenário de crise da agricultura tradicional e de fechamento do mercado de


trabalho, especialmente para os segmentos menos qualificados da população, os
assentamentos representam uma importante alternativa de emprego. Atuando
como um amparo frente às agruras das formas por meio das quais vem se dando o
desenvolvimento econômico, servem como proteção social, resolvem o problema de
moradia e permitem a inserção no mercado de trabalho. Os assentamentos
favorecem a consolidação ou mesmo reconstituição de laços familiares antes
desfeitos ou ameaçados pela necessidade de deslocamento das pessoas para
buscar alternativas de sobrevivência. Por outro lado, geram novas pressões sobre a
terra, na medida em que a agregação de novos membros pode intensificar o uso da
terra no lote e favorecer a saída para outros lotes ou mesmo para novas ocupações
de terra. A presença dos assentamentos também atua como fator gerador de
postos de trabalho não agrícolas (construção de casas, estradas, escolas,
contratação de professores, surgimento de transporte alternativo etc.) e
dinamizador do comércio local nos municípios onde se inserem, fato que se acentua
nos casos de elevada concentração de assentados. Analisarei o tema de forma mais
detalhada a seguir.

Criação de empregos nos assentamentos


A extrapolação dos dados da amostra da pesquisa de Heredia et al. (2002), para os
municípios e para a região ("mancha") de estudo, permite perceber que os
assentamentos são importantes geradores de emprego. No conjunto dessas
manchas, são 45.898 pessoas maiores de 14 anos que efetivamente trabalham nos
assentamentos, 93,76% delas somente no projeto (no próprio lote, em outros
lotes, ou em outras atividades). Do total dos que trabalham, com mais de 14 anos,
42,7% são mulheres, indicando sua ativa participação nas tarefas que envolvem as
diferentes atividades do assentamento.

De acordo com a Tabela 1, do total da população maior de 14 anos nos projetos


pesquisados, 79% trabalhavam somente no lote, 11% no lote e também fora do
lote, 1% somente fora do lote e 9% declarou não trabalhar. Ou seja, 90% dos
assentados maiores de 14 anos trabalhavam ou ajudavam no lote, numa média de
três pessoas por lote. Dos que faziam algum trabalho fora do lote (12% do total),
44% o faziam em caráter eventual, 24% em caráter temporário e 31% de modo
permanente. É interessante observar ainda que dos que trabalhavam fora do lote,
mais da metade (56%) exercia atividades somente dentro do próprio
assentamento, incluindo trabalhos não agrícolas gerados pela implantação do
projeto (construção de estradas e infra-estrutura coletiva, professora, merendeira,
agente de saúde, trabalhos coletivos, beneficiamento de produtos, entre outros).

Além de gerar empregos para a família, os lotes também geram trabalho para
outros. Com base nos resultados dessa mesma pesquisa, verificou-se que quando
se considera a contratação de trabalho pelos assentados, 36% dos lotes
pesquisados contratam pessoas de fora.

Tabela 1. Empregos gerados nos assentamentos

Mancha

Total de lotes no.


Totais %
Total de No. médio
de Pessoas sobre
maiores pessoas de
pessoas lotes (ou nos total
que 14 trabalham pessoas
da famílias) assentamentos pessoas
anos no lote ocupadas
amostra entrevistados (todas as que
(*1) (*3) por
idades) vivem
lote

A B C D D/B(%) D/A

Sul
87 464 309 365 79% 4,20
Bahia

Sertão
306 1673 1017 1158 69% 3,78
CE

Entorno
237 1020 741 824 81% 3,48
DF

Sudeste
366 1823 1219 1303 71% 3,56
Pará

Oeste
185 922 572 584 63% 3,16
SC

Zona
Canav. 387 2170 1378 1375 63% 3,54
NE

Total
1.568 8.072 5.236 5.609 69% 3,57
Global

Pessoal ocupado no lote(*2)

Todas as idades Maiores de 14 anos

Mancha % do total % do total de no. médio de


> 14 trabalham
maiores que pessoas que >14 ocupados
no lote (*4)
14 trabalham por lote

E E/C(%) E/D(%) E/A

Sul
293 95% 80% 3,37
Bahia

Sertão CE 925 91% 80% 3,02

Entorno DF 699 94% 85% 2,95

Sudeste
1106 91% 85% 3,02
Pará

Oeste
503 88% 86% 2,72
SC

Zona Canav.
1151 84% 84% 2,97
NE

Total Global 4677 89% 83% 2,98


Fonte: Pesquisa de campo. Heredia et al. , 2002, op.cit.
(*1) Exclui menores de 14 anos e sem informação. Inclui os "sem idade" que são
responsável, cônjuge ou
genro/nora (provavelmente > 14 anos).
(*2) Inclui pessoas que trabalham só no lote, ou no lote e fora do lote.
(*3) Inclui todas as idades.
(*4) Maiores de 14 anos que trabalham no lote (só no lote ou no lote e fora do
lote).

A criação de empregos é verificada também nos projetos pesquisados por Medeiros


e Leite (2002), embora no caso específico da primeira pesquisa a concentração e
densidade de famílias e projetos por região (manchas) aponte de forma mais
contunde o potencial dos impactos, especialmente no caso dos novos postos de
trabalho.

Na realidade a conformação das manchas gerando na prática as áreas reformadas,


e contrapondo-se à lógica de desapropriações isoladas que caracterizam a
intervenção do Estado na questão agrária, já é, por si, um aspecto relevante das
transformações que os assentamentos têm provocado no espaço regional, ainda
que tal conformação tenha se dado a posteriori, a partir da ação dos trabalhadores,
e não necessariamente como um instrumento prévio da ação estatal, como
dispunha o Estatuto da Terra.

Notas:
1. Refiro-me especificamente a dois estudos, dos quais me sirvo nesse artigo, em que tive a oportunidade de
compartilhar a coordenação com outros colegas pesquisadores, cujos resultados detalhados podem ser
encontrados em: Medeiros, L. e Leite, S. (orgs.) A formação dos assentamentos rurais no Brasil: processos
sociais e políticas públicas. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1999; Medeiros, L. e Leite, S. (coords.)Impactos
regionais dos assentamentos rurais: dimensões econômicas, políticas e sociais. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ-
Finep, 2002 (Relatório de Pesquisa); Heredia, B.; Medeiros, L.; Palmeira, M.; Leite, S; Cintrão, R.
(coords.). Impactos regionais da reforma agrária: um estudo a partir de áreas selecionadas. Rio de Janeiro:
CPDA/UFRRJ-Nuap/PPGAS/MN/UFRJ-Nead/Iica, 2001 (Relatório de Pesquisa); Heredia, B.; Medeiros, L.;
Palmeira, M.; Cintrão, R.; Leite, S. Análise dos impactos regionais da reforma agrária no Brasil. Estudos,
Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 18, p. 73-111, abr., 2002.
2. A pesquisa coordenada por Medeiros e Leite (2002), op.cit., analisou a situação de 543 famílias instaladas
em 26 projetos relacionados administrados por órgãos dos governos federal, estaduais e municipal, em seis
estados brasileiros: Acre, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. O estudo
coordenado por Heredia et. (2001, 2002), op.cit., selecionou seis grandes manchas, refletindo uma
concentração de famílias assentadas territorialmente ("manchas"): Sul da Bahia, Entorno do Distrito Federal,
Sertão do Ceará, Sudeste do Pará, Oeste Catarinense e Zona Canavieira Nordestina. Foram pesquisadas 1.568
famílias em 92 projetos implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entre
1985 e 1997.

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