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O título da obra advém do nome de seu filho, e também discípulo, Nicômaco. Supõe-se que a
obra resulte das “anotações de aula” deste e publicadas pelos discípulos de Aristóteles depois
da morte prematura, em combate, de Nicômaco.
Aristóteles inicia suas aulas sobre ética, conforme as anotações de seu filho, discutindo as
idéias de seu mestre Platão. E, embora vá diferir deste em muitos pontos – passando de um
idealismo para um realismo, se assim se pode falar, - a idéia fundamental de Aristóteles é,
tanto quanto para Platão, o Bem Supremo. E esse bem supremo é ainda e sempre a felicidade.
Aristóteles aprofunda os ensinamentos que retirou de Platão (República), e elabora sua teoria
ética a partir das estruturas morais vigentes na comunidade grega do século V a.C. De um
modo geral, pode-se dizer que a sua teoria apresenta o procedimento do homem prudente
como um valor, cuja opinião dos homens mais velhos, a experiência da vida e os costumes da
cidade são condições objetivas para se filosofar politicamente. Diferentemente de Platão,
Aristóteles humanizou o fim último, ou seja, o fim último foi afirmado no plano terreno. Por
isso, o ético em Aristóteles é entendido a partir do ethos (do costume), da maneira concreta de
viver vigente na sociedade. É exatamente o ethos que funciona como elo entre as esferas
jurídicas e política. As ordens jurídicas e política pressupõem o ethos.
Aristóteles, fiel ao método científico, estabelece uma espécie de classificação de bens, e uma
hierarquia na sua realização, tomando como critério o fim visado. Já que há mais de uma
finalidade: o fim da medicina é a saúde, da estratégia, a vitória, e assim por diante, devemos
prosseguir do bem que é desejável por causa de outra coisa ao bem que sempre é desejável em
si:
Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a
escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o prazer,
a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos por si mesmas
(escolhê-lasiamos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-las por causa da felicidade,
pensando que através delas seremos felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por
causa das várias formas de excelência, nem, de um modo geral, por qualquer coisa além dela
mesma.
E a felicidade não como uma forma abstrata, ideal, mas “a felicidade como uma forma de
viver bem e conduzir-se bem”.
Porém, ainda que assim o seja, parece que a forma de vida tem profundas implicações na
compreensão e realização do que seja “viver bem” e “conduzir-se bem”, em relação ao bem
supremo. Por isso Aristóteles, ao mesmo tempo em que discute as características da
felicidade, como algo que deve ser escolhida por si mesma, questiona a vida prática dos
homens, especialmente dos mais vulgares, que parecem “identificar o bem, ou a felicidade,
com o prazer". E, então, identifica três tipos principais de vida:
- A vida política, cujo exame dos tipos principais “demonstra que as pessoas mais qualificadas
e atuantes identificam a felicidade com as honrarias”, “com vistas ao reconhecimento de seus
méritos”;
- A vida contemplativa, que visa unicamente a verdade e a perfeição, ou o Bem Supremo por
si mesmo, conforme Aristóteles desenvolve ao longo de toda obra.
Por este motivo, logo em seguida inicia a reflexão sobre a areté, termo grego traduzido por
"virtude" ou 'excelência moral", e que, segundo ele, se diferencia em duas espécies: a
excelência intelectual (sophia), das quais são exemplos a sabedoria, a inteligência, o
discernimento; e a excelência moral (phrônesis), das quais são exemplos a liberdade e a
moderação. Na Ética a Nicômaco Aristóteles se ocupa primordialmente, como é óbvio, da
excelência moral, acentuando cada vez mais o papel central da phrônesis, traduzido como
"discernimento" (e em algumas outras traduções como "prudência").
A justiça particular significa em sentido estrito o hábito de realizar a igualdade. Este tipo de
justiça refere-se ao outro no sentido de uma relação direta entre partes, típica da experiência
citadina. Esse tipo de justiça vincula-se com a justiça universal, pois o transgressor da justiça
particular se compromete também diante do nomos. O justo particular apresenta-se em duas
formas distintas: o justo particular distributivo que assinala a justiça distributiva e o justo
particular corretivo que apresenta a justiça corretiva. A idéia de justiça distributiva surge no
sentido de igualdade na devida proporção. Essa modalidade de justiça regula as ações da
sociedade política com seus membros e tem por objeto a justa distribuição dos bens públicos:
honras, riquezas, encargos sociais e obrigações. Essa prática também se fundamenta na
igualdade que não se confunde com uma igualdade matemática e rígida, mas geométrica ou
proporcional que observa o dever de dar a cada um o que lhe é devido; observa os dotes
naturais do cidadão, sua dignidade, o nível de suas funções, sua formação e posição na
hierarquia organizacional da polis. O princípio de igualdade que figura neste tipo de justiça
exige uma desigualdade de tratamento, pois sendo diferentes segundo o mérito, os benefícios
a serem atribuídos também devem ser diferentes.
Para Aristóteles, a excelência moral não é emoção ou faculdade, mas disposição da alma -
exatamente uma disposição para escolher o meio termo.
Por meio termo Aristóteles quer “significar aquilo que é eqüidistante em relação a cada um
dos extremos, e que é o único e o mesmo em relação a todos os homens”. É a escolha justa,
correta, feita com discernimento e encaminhada pela prudência. Portanto, ela não pode ser
uma emoção, porque a regula; não pode ser uma faculdade, porque, ao mesmo tempo que dela
se vale para regular a emoção, no “espaço” que vai do prazer ao sofrimento1, a atrai para a
ação, para orientar a atividade. É por possuir essa disposição que “um mestre em qualquer arte
evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o meio termo – o meio termo não em relação
ao próprio objeto, mas em relação a nós”. Não é por outro motivo que “se afirma com
freqüência que nada se pode acrescentar ou tirar às boas obras de arte”. O meio termo
(mesotês) é, assim, o caminho ético para a excelência, para o “mestre na arte da vida”.
Caminhar para ele requer, de um lado, o reconhecimento de que a felicidade não se confunde
com o prazer e o sofrimento, visto que “é por causa do prazer que praticamos más ações, e é
por causa do sofrimento que deixamos de praticar ações nobiliantes”; de outro lado, a
construção progressiva de uma consciência moral constituída, por assim dizer, pelos “meios
termos” ou excelências morais, operada pelo discernimento e regulada pela reta razão.
É por incorporar tais conceitos e tais virtudes em sua concepção de felicidade que esta só é
atingida em Aristóteles depois de um logo itinerário, calcado no esforço e na prática
constante. Para ser justo, diz-nos ele, o homem precisa da prática reiterada de atos justos, e
assim também para ser moderado... visto que “sem os praticar ninguém teria sequer
remotamente a possibilidade de tornar-se bom”. Logo é na ação que se forja o homem de
excelência moral. Mas não em uma ação desordenada e irrefletida, desvinculada dos
procedimentos mais nobiliantes do ser humano: A origem da ação (sua causa eficiente, e não
final) é a escolha, e a origem da escolha está no desejo e no raciocínio dirigido a algum fim. É
por isto que a escolha não pode existir sem a razão e o pensamento ou sem uma disposição
moral, pois as boas e as más ações não podem existir sem uma combinação de pensamento e
caráter. Há, pois, já em Aristóteles íntimo relacionamento entre escolha-desejo-razão-ação-
caráter. O esforço ético não é no aperfeiçoamento e ampliação do razão, em seu sentido
“puro” ou teórico (esta é função da sophia), mas no “agir bem” para “viver bem”. Para tanto,
o aperfeiçoamento e ampliação do caráter é importante. Porque o caráter é, se assim é possível
falar, o “sujeito”, o “executivo” do desejo, que em última análise, no campo prático-moral, jaz
na base da escolha e da ação.
Ora, mas por “melhor que seja o caráter”, este não transforma o “desejo de aproveitar a vida”
em “desejo de reconhecimento”, nem este no “desejo de contemplação”. Ele “apenas” torna
moral tal desejo, dentro de cada âmbito. É o domínio da razão, no seu sentido “máximo”, de
vida contemplativa, que pode operar tais transformações. Portanto, em Aristóteles é
impossível separar, a não ser didaticamente, as duas excelências: a intelectual e a moral. Por
isso a acentuada relação entre a Ética e a Metafísica.
Na Ética a Nicômaco outro tópico acentuado, portanto, é o da emoção, tão em moda hoje em
dia: “Por emoções quero significar os desejos, a cólera, o medo, a temeridade, a inveja, a
alegria, a amizade, o saudade, o ciúme, a emulação, a piedade, e de um modo geral os
sentimentos acompanhados de prazer ou sofrimento”. Logo, Aristóteles associa emoção ao
prazer ou sofrimento no sentido salientado atrás em que, ou praticamos más ações ou
deixamos de praticar nobres ações. Obviamente que Aristóteles, ao dar tal sentido ao prazer
refere-se, por assim dizer, à compreensão vulgar do prazer, associada à primeira espécie de
vida. É principalmente a tal noção de prazer que deve-se usar da “reta razão”, bem como,
certamente, a toda espécie de vício. Isto porque a reta razão opera sobretudo através do
discernimento.
A reta razão é a razão orientada aos aspectos práticos da vida, é a razão orientada a algum
fim, e não um fim em si mesma, como é a vida contemplativa. “...a excelência moral não é
apenas a disposição consentânea com a reta razão; ela é a disposição em que está presente a
reta razão, e o discernimento é a reta razão relativa à conduta”. Logo, é preciso ter uma
disposição prática na vida para que o discernimento se manifeste. Se a vida contemplativa é a
virtude mais elevada ela, por não levar a nenhum fim, não produz discernimento.
A partir do capítulo 6, com a discussão que começa sobre o bem, Aristóteles diferencia seu
conceito de bem do conceito platônico pois, enquanto Platão trabalha com o bem em si, com a
idéia de bem separada de nosso mundo, ele diz que existem tantos bens como ações e artes,
trazendo o bem para a imanência, como atividade do homem. É nesse momento que vejo
Aristóteles novamente metafísico, pai do conceito de essência, atribuindo todas as coisas a
uma causa final. Neste sentido a felicidade aparece como o fim visado em cada atividade
humana, como se a eudaimonia consistisse no cumprimento perfeito de nossa natureza,
natureza entendida como essência e, felicidade, como “algo final e auto-suficiente”. A
felicidade é um estado do homem em que a sua natureza e aspirações essenciais se realizam
plenamente conforme seus fins.
Aristóteles pergunta então se há algum poder ou função restritos apenas aos seres humanos, e
que sirva para distinguir o gênero humano do reino animal. Ele encontra essa característica
distintiva na capacidade de raciocinar do homem, que aparece tanto em sua resposta à razão
como no exercício da razão:
Resta, então, a atividade vital do elemento racional do homem; uma parte deste é dotada de
razão no sentido de ser obediente a ela, e a outra no sentido de possuir a razão de pensar.
Sendo o elemento racional ativo peculiar ao homem, ele serve para definir sua própria função,
que é viver ativamente conforme a razão. O homem bom, portanto, é aquele que exerce com
sucesso suas funções se realizando, elevando sua vida até a mais alta excelência de que é
capaz, vivendo bem e feliz: “o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades
da alma de conformidade com a excelência”. A definição é complementada logo a seguir com
a adição da frase “deve estender-se por toda a vida” para reforçar a afirmação de que um
momento de felicidade não constitui a bem-aventurança (felicidade), assim como uma
andorinha só não faz o verão.
Tendo realizado, como diz Aristóteles, esse esboço sobre o bem, ele parte em seguida para
uma discussão sobre a natureza das excelências ou virtudes humanas – de acordo com as
quais a atividade humana deve se realizar – com o objetivo de fundamentar melhor sua ética.
Até este ponto podemos dizer que a atividade é a verdadeira essência da felicidade. É a
felicidade em ato, não em potência. A virtude deve se mostrar nas ações “da mesma forma
que nos jogos Olímpicos os coroados não são os homens mais fortes e belos, e sim os que
competem (alguns destes serão vitoriosos), quem age conquista, e justamente, as coisas boas
da vida”.
No final do livro I estão definidas as duas espécies de excelência ou virtude que existem para
Aristóteles: as intelectuais (por exemplo a sabedoria, a inteligência e o discernimento) e as
morais (por exemplo a liberalidade e a moderação). Ele considerava as virtudes morais como
disposições ou atitudes para a ação, adquiridas mediante o exercício e aperfeiçoadas pela
prática. Daí a importância do hábito no desenvolvimento desta excelência: as pessoas não
nascem boas, mas nascem com a capacidade de tornarem-se boas se desenvolverem as
disposições apropriadas mediante a prática reiterada de boas ações. Já a excelência intelectual
é um componente ainda mais importante do bem viver do que a excelência moral. Para
Aristóteles é necessário ter prudência, ou sabedoria prática, para apreciar corretamente os
fatores em qualquer situação em que é necessária a ação moral. Ela que nos capacita a
selecionar os meios certos para atingir nossos objetivos desejados pois trata de situações e
problemas concretos que requerem deliberação. À semelhança das virtudes morais, é uma
disposição para fazer boas escolhas podendo ser melhorada e fortalecida pela prática, estando
completamente na parte racional da alma.
Ainda na Ética a Nicômaco, livro III, Capítulo 02, Aristóteles apresenta uma reflexão sobre a
escolha. Segundo o filosófo, ela parece ser algo voluntário, porém não é pela involuntariedade
que o estagirita a define. A escolha não é comum à irracionalidade; segundo o autor ela se faz
contrária ao apetite e não se relacionando com o agradável e o doloroso. Ela não visa as coisas
impossíveis, relaciona-se com os meios e não com os fins e não se identifica com a opinião.
Para Aristóteles, a escolha somente pode ser caracterizada a partir do binômio bondade-
maldade.
Como já citado, Aristóteles dedica dois livros à amizade (VIII e IX). Três seriam as razões: a
philia é estruturalmente intrínseca à virtude e à felicidade; Sócrates e Platão já haviam
analisado filosoficamente tal tema; e o fato da sociedade grega dava à amizade uma
importância capital, diferente das sociedades modernas.
Três são as coisas que o homem ama, segundo Aristóteles, logo, três são as formas de
amizade: pelo útil, prazer e bem. Os homens que amam em busca do útil, buscam um bem
imediato, riquezas ou honras. Ama-se, não em vista do fim em si mesmo, mas como meio de
adquirir vantagens. A forma em função do prazer é semelhante à forma de se amar pelo útil.
Busca-se o prazer recíproco. A amizade é estável enquanto persistir este elo prazeroso. Estas
duas espécies de amizade são acidentais. Quando uma das partes cessa de ser agradável ou
útil, a outra deixa de amá-la. Na terceira forma, pelo bem, ama-se o outro por aquilo que ele é.
Ama-se pela bondade. É a verdadeira forma de amizade e só é possível entre os amigos bom,s
com senso de justiça e equidade. Esta forma de amizade não é muito freqüente. Ela exige
tempo, familiaridade, um habitus, digna entre os amigos bons e virtuosos. E a phrónesis
auxilia na escolha de amigos recíprocos.
O cerne da teoria aristotélica é o de que o prazer não é algo a que possamos aspirar por ele
mesmo, que são, muito mais, as respectivas atividades, aquilo a que aspiramos, e que o gozo é
algo que então se acrescenta, mostrando que o que fazemos de bom grado decorre sem
impedimento, não havendo oposição alguma entre virtude e felicidade. Para aquele que a
pratica por ela mesma, também, e precisamente, a atividade virtuosa é uma atividade realizada
com gozo. É dessa maneira que uma pessoa pode saber se esteve presente a disposição
virtuosa em uma ação, pela quantidade de prazer ou desgosto que acompanha a ação. Se a
pessoa não gosta de ser generosa, ou acha difícil ser comedida, não adquiriu a virtude, embora
possa ter praticado uma ação virtuosa. Se, ao contrário, a pessoa se alegra com a prática da
virtude em questão, então adquiriu aquela excelência especial. O prazer, nesse sentido, é a
prova de um hábito formado.
Mas a forma do prazer é perfeita a cada momento. É claro, então que o prazer e o movimento
diferem entre si, e que o prazer deve ser uma das coisas que são um todo e perfeitas. Esta
conclusão também pode ser corroborada pelo fato de o movimento ocupar necessariamente
um lapso de tempo, enquanto um sentimento de prazer não ocupa, pois cada momento de
prazer é um todo perfeito.
O prazer nessa parte da ética lembra o conceito de tempo como duração que Bergson irá
desenvolver muitos séculos depois. Esse prazer faz parte de um tempo “psicológico” que só
pode ser satisfeito por uma felicidade que tenha uma certa constância e que não seja
experimentado, como o prazer corporal, no instante e pelo contraste com a dor ou com a
ausência de prazer.