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Analista.
Jaqueline Pinto Cardoso*
A análise de adolescentes com transtornos alimentares não é um trabalho fácil porque implica na conjunção
de três fatores que trazem uma complexidade aos casos: o primeiro deles é o sintoma alimentar, que
apresenta especificidades e dificuldades em seu manejo, sendo caracterizado por um curtocircuito da
demanda e do desejo, em que a subjetividade e o sujeito do inconsciente encontramse excluídos; o
segundo fator é a própria adolescência, considerada pela psicanálise mais como um trabalho psíquico do
que uma etapa etária, caracterizado pela tarefa de responder ao real do impacto da puberdade e das
novas exigências do campo social, havendo uma prevalência do agir em relação à simbolização; e o
terceiro fator é a implicação do analista na“série” equipe multidisciplinar, cujo foco de trabalho está na
remissão de sintomas. O risco enfrentado pelo analista é de que ocupe o lugar daquele que “trata o
sintoma”, distanciandose do seu papel de analista, que é escutar o que é problema ou questão para o
sujeito, ajudandoo a formar sua própria demanda, diferente da demanda dos pais ou da equipe médica.
Diante dessa tríade, o analista é convocado a repensar sua prática e conduta, já que esses pacientes, na
grande maioria das vezes, não vêm por vontade própria, configurando uma falta de demanda do sujeito e
uma dificuldade de se instalar o Sujeito Suposto Saber. A própria instalação da transferência é delicada, já
que o jovem se vê diante de muitos profissionais que lhe demandam uma única coisa: que deixe de lado o
sintoma alimentar. O analista precisa se esquivar dessa série, construindo uma outra cena com o sujeito,
para que ele crie sua própria demanda. Enquanto o jovem não demanda, mas é demandado, é preciso que
o analista opere com seu desejo e sustente o trabalho analítico com seu desejo de analista, algo que não
pode ser ensinado, mas que perpassa os efeitos que se tem da própria análise.
O analista, nesses casos, é convocado muitas vezes a sair de uma postura mais neutra, de uma psicanálise
tradicional, como na clínica da neurose, e construir um manejo caso a caso que leve em conta essas
especificidades. A informalidade e o humor precisam entrar na cena analítica, e o analista não deve fazer
semblante de saber, pois estaria se colocando no lugar das figuras de saber e autoridade que existem no
campo do Outro desses jovens (pais, médicos, professores).
Para a psicanálise a adolescência não se define como uma faixa etária, mas sim como um trabalho
psíquico resultante do excesso pulsional trazido pela puberdade, que coloca o sujeito frente ao Outro sexo
e ao Outro da cultura. O impacto desse excesso pulsional é vivenciado de maneira particular por cada
sujeito, de acordo com sua estrutura e com sua própria história. “O real do impacto pubertáriosocial,
enquanto real, ou seja, enquanto aquilo que atinge o psiquismo sob o modo do ser bruto, isto é, ainda não
simbolizado, ou produzirá um sujeito desentendido, de alguma forma, ou exigirá um dispositivo simbólico –
pronto na cultura, ou capaz de ser construído pelo sujeito – eficaz para simbolizálo.” (Ruffino, 1993).
Esse impacto do real pode produzir sintomas, podendose considerar os transtornos alimentares na
adolescência como sintomas frente esse real pubertáriosocial.
Tanto na clínica contemporânea da adolescência, como em grande parte dos casos de transtornos
alimentares, existe uma prevalência do agir em relação à simbolização, que pode representar uma tentativa
de inscrever algo psiquicamente. O agir, tanto sob a forma de acting out – dirigido ao Outro – ou sob a
forma de passagem ao ato – identificação total com o objeto a, alienandose – “remete uma busca por
reconhecimento no Outro e por uma certeza narcísica quanto à própria existência.” (Coutinho, 2006). Já o
ato representa uma enunciação subjetiva, que tem valor de assinatura pois nomeia o sujeito.
A análise nesses casos deve permitir que o sujeito inscreva o agir no campo do simbólico, podendo
transformar o agir em ato, em uma assinatura que o represente junto ao Outro. Um trabalho que exige
atuar mais com a presença do que com a interpretação. Um desafio e tanto quando nos deparamos com os
transtornos alimentares de um lado e com a adolescência de outro.
Referências:
Coutinho, Luciana Gageiro. Pensando sobre as especificidades da clínica psicanalítica com adolescentes.
Latinamerican journal of fundamental psychopathology online, ano VI, n. 2, nov/2006.
Ruffino, Rodolpho. Sobre o lugar da adolescência na teoria do sujeito. In: Adolescência: abordagem
psicanalítica / coordenadora Clara Regina Rappaport. São Paulo: EPU, 1993.
*Psicanalista do Setor de Saúde Mental do NASF – Hospital São Paulo e membro da Ceppan.