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HISTÓRIAS SOCIAIS FEITAS À BEIRA-MAR

AS PRAIAS E OS DIAS: HISTÓRIA SOCIAL DAS PRAIAS DO RECIFE


E DE OLINDA
Rita de Cássia Barbosa de Araújo
Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2007

CRISTIANO RAMALHO

As praias e o mar ainda são nas prateleiras de nossas


ilustres desconhecidos das livrarias.1
humanidades, de seus trabalhos Parece que os aludidos
de pesquisas. Poucos foram, por ambientes naturais, a partir do
exemplo, aqueles que buscaram silêncio que as humanidades 1 Não publicado em
singrar as águas da história ou lhes devotaram, foram levados livro, pode-se mencionar
o precioso estudo disser-
das ciências sociais, navegando praticamente à categoria de tativo: Mariana Osue Ide
Sales. Imagens do mar a
sobre temas relativos às não-lugares sociais e, por isso, partir dos textos galego-
práticas humanas (simbólicas e objetos de reflexão exclusiva portugueses: séculos XIII
a XV. 2003. Dissertação
materiais) construídas à beira- de biólogos e oceanógrafos, (Mestrado em Ciências
mar ou no convívio direto com sendo consagrados enquanto
Humanas: História). Ins-
tituto de Filosofia e Ciên-
os oceanos, no avançar dos cias Humanas da Uni-
territórios inóspitos às camp, Campinas. Além
séculos. Dentre os insurgentes
pesquisas sociais. Talvez, para dessa pesquisa, outra
da escrita que enfrentaram publicada em livro e que
muitos, a fluidez do mar e o contribui para refletir
esse saboroso desafio de sobre a temática, embora
movimento das ondas vindas não tome como centrali-
nos apresentarem às águas
do oceano, no fluxo e refluxo dade as representações e
marinhas e às praias, focando-as significados sobre o mar
das marés, que alcançam e as praias, vale ser lida:
como temas centrais de suas Paulo Miceli. O ponto
pesquisas publicadas em livro, as areias da praia, tenham onde estamos: viagens e

podemos citar o belo trabalho decretado a eliminação de viajantes na história da


expansão e da conquista
do historiador francês Alain provas, vestígios, indicadores, (Portugal, séculos XV e
XVI), 3a ed. Campinas:
Corbin – O território do vazio: modos de existências (até Editora da Unicamp,

a praia e o imaginário social, mesmo simples pegadas) 1998.

pela Editora Companhia que pudessem oferecer ricos


das Letras – e o estudo do elementos referentes à presença
antropólogo brasileiro Antonio de sociedades humanas, de
Carlos Diegues – Ilhas e mares: grupos sociais, através de suas
simbolismo e imaginário, culturas materiais e imateriais
editado pela Hucitec –; ao longo dos séculos, nesses
trabalhos esses, hoje, esgotados espaços.

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De certa maneira, o mar e as Resultante de pesquisa de


praias transformaram-se em doutoramento em história
quase desertos socioculturais social pela Universidade de
para as várias ciências que São Paulo (USP), o estudo As
compõem o campo das praias e os dias: história social
humanidades. Diante dessa das praias do Recife e de Olinda
amarga constatação, uma ganhou edição em livro em
pergunta nos cabe: Será que o 2007, pela Fundação de Cultura
antigo medo medievalista que da Cidade do Recife, ao ter sido
os grupos sociais tinham do agraciado com o relevante
mar não foi superado ainda Prêmio Jordão Emerenciano,
pelos historiadores e cientistas do Conselho Municipal de
Política Cultural da capital
2 Em relação ao medo sociais?2
que existiu na sociedade pernambucana.
européia sobre o mar, no Um fato, porém, pode ser
período medieval, pode- Nele, uma bela estadia
se consultar o belo livro: constatado: embora seja um
pelas praias de Olinda e do
Jean Delumeau. Histó- tema que fascine, poucos
ria do medo no Ocidente Recife, entre os séculos XIX e
(1300-1800). São Paulo: estudos têm voltado suas
Companhia das Letras, os primeiros decênios do XX
1989, p. 41-52. atenções para as sociabilidades
(de 1840 a 1940), finamente
praieiras e marítimas, ao longo mediada por uma arguta e
dos séculos. excelente análise histórico-
Caminhando na contramão antropológica, é o que nos
desse sufocante silêncio vivido permite esse valioso escrito.
pelas humanidades e rompendo Trata-se, sem dúvida, de um
com os “medos”, “ignorâncias” estudo de exitosas qualidades
e “receios” sobre o oceano e acadêmicas, que reúne em suas
as formas de sociabilidades páginas inúmeras capacidades
praieiras por parte das pesquisas teórico-metodológicas inter-
sociais, surge o fascinante disciplinares apoiadas numa
escrito da historiadora Rita de vasta pesquisa documental e
Cássia Barbosa de Araújo, da iconográfica que se articula
Fundação Joaquim Nabuco a uma elegante e meticulosa
(Fundaj). Todavia, cabe dizer escrita, de grande sedução
que esse não é o único mérito intelectual; aspectos esses que
do seu relevante trabalho tornam o presente livro uma
recentemente publicado em obra de prazerosa referência
livro. obrigatória na área.

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Evidenciando a questão Brum, Carmo, do Farol, por


central do seu estudo, a autora exemplo) nos são apresentadas
escreveu: (construídas e desconstruídas)
a partir de interesses
As mudanças em tor-
econômicos; dos discursos
no das áreas de praia,
nas formas de perce- médicos e jornalísticos; de
ber e desfrutar o mar, necessidades de consumo, lazer,
tornam-se inteligíveis modas e de cura; enquanto
quando associados às depósitos de lixo e de cadáveres,
transformações sociais, especialmente dos negros
econômicas e culturais escravos; de importação de
verificadas no Recife e valores europeus; de resistências
em Olinda, bem como
sociais e de perspectivas de
em relação ao cresci-
classes; de preconceitos contra
mento e ao movimento
de expansão territorial os pobres; de modernização.
urbana dessas cidades, De todos esses elementos
em período correspon- societários mencionados,
dente. Desse modo, in- as práticas e os discursos
teressa-nos saber como científicos elaborados pela
se processou a incor- medicina-higienista assumiu
poração dos espaços papel estratégico, no terceiro
litorâneos às áreas e ao
decênio do século XIX em
modo de vida urbanos.
diante, para as autoridades
Compreender, enfim,
como, quando e por públicas, a moral burguesa
que a cidade passou a e a imprensa da época,
se interessar pelas praias principalmente na legitimação
e águas salgadas de um dos usos das praias e do mar e
modo inteiramente nas condutas sociais aceitas (ou
novo até então (ARAÚ- não) para isso. Nas palavras da
JO, 2007, p. 17). própria Rita de Cássia Araújo:

Assim, nas 547 páginas do No Brasil, a ascensão


escrito de Rita de Cássia da medicina-higienista,
Araújo, as praias do Recife e a partir de 1830, coin-
de Olinda (Boa Viagem, Pina, cidiu com uma rede-

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finição nos conceitos comportamentos e for-


e regras de pudor, nos mas de sociabilidade
atos, gestos e palavras que vigoravam firme-
considerados honestos, mente durante o perío-
decentes, indicadores do colonial. Voltaram-
de bons ou maus mo- se especialmente con-
dos, tanto no interior tra as práticas culturais
do recinto doméstico e crenças das camadas
quanto em relação aos populares, com ênfase
espaços públicos da ci- naqueles que tinham
dade. Modificavam-se curso nos espaços aber-
as concepções morais to e de usos comuns na
visando aproximar a jo- cidade. [...] A polícia
vem nação dos padrões urbana recaiu severa-
culturais e comporta- mente sobre os pretos,
mentos vigentes nas que sobre qualquer
modernas sociedades outro segmento social
européias. Pretendia-se ou étnico, sendo os ca-
também disciplinar os tivos os mais penaliza-
espaços públicos urba- dos dentre todos. [...] A
nos, torná-los recepti- rede repressiva da lei al-
vos e seguros para os cançava o espaço públi-
novos transeuntes: as co das praias, proibindo
famílias das elites. De- não apenas a realização
terminados segmentos de jogos populares no
sociais politicamente seu território, mas tam-
influentes e instân- bém os banhos nus de
cias de poderes públi- que costumavam usar,
cos, identificados com principalmente, os ho-
os valores europeus mens livres pobres e os
e preocupados com a escravos (idem, op. cit.,
consolidação do Esta- p. 365-366).
do nacional brasileiro,
revelaram-se, desde Dessa maneira, os vários
então, bem menos to-
sentidos e sentimentos confe-
lerantes no tocante a
ridos ao mar, aos rios e às
certas manifestações
culturais tradicionais, praias mostram os diversos
embates que os incorporaram

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a um projeto societário, com local estando dentro


seus conteúdos de época, suas d’água, sem se deixar
ambivalências, suas formas de arrastar pela corrente,
ou mesmo evitar que a
ver e de vivenciar as praias e
água penetrasse no na-
os dias, que não só existiram
riz e ouvidos (idem, op.
em Pernambuco, por ser um cit., p. 352).
componente universal, como
bem frisou Rita de Cássia, Explicitar essas poucas pas-
inclusive ao referir-se ao sagens revela, em várias
emblemático trabalho de Alain medidas, a riqueza que
Corbin, no qual buscou grande compõe o olhar acurado
inspiração. lançado pela autora em relação
Araújo nos lembra que, antes ao mar e às praias, buscando
da forte ascensão do discurso os temas sociais que lhes dão
médico e das necessidades de importantes significados e
consumo difundidos pela elite, razão de ser. De fato, o livro
apenas pescadores, canoeiros de Rita de Cássia Araújo
e outros segmentos populares coloca-nos diante da grandeza
faziam uso do mar, para e do instigante desafio que é
banhos. estudar esse tema na área das
humanidades, ao nos mostrar,
O homem da cidade era
de maneira exemplar, que as
um ignorante do mar,
e, ao desconhecimento
praias e o mar têm profundas
que dele se tinha, sobre- e inelimináveis marcas
vinha o pavor que a apa- socioculturais oriundas de
rência bravia inspirava. silenciadas histórias humanas,
No geral, julgavam-no que necessitam ser ouvidas.
traiçoeiro, selvagem, in- O que resta às ciências das
domável. Eram poucos humanidades, então, é saber
os que possuíam alguma
olhar e escutar o que vem e o
noção de como se por-
que existe nas regiões costeiras
tar dentro d’água sem ir
ao fundo. A maioria não
e no oceano, ao irmos além
sabia nadar, boiar, ficar do bojador, assim como fez
parado em um mesmo brilhantemente Rita de Cássia.

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Tal escrito é, sem dúvida,


uma bela e rara oportunidade
de aprendermos a singrar o
mundo fascinante das praias e
das águas marinhas sem receios
intelectuais de avançarmos
mar adentro, deixando que
os ventos das humanidades
enfunem nossas velas, para
que possamos compreender as
ricas histórias sociais feitas à
beira-mar.

CRISTIANO RAMALHO é doutor em


ciências sociais (Unicamp), pesquisador
da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj),
na qualidade de bolsista DCR – CNPq–
Facepe e pesquisador associado do
Ceres <cristianownramalho@gmail.com>.

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